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A Escrava Isaura

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pescoço, e a cabeça disforme nascia-lhe de dentro de uma formidávelcorcova, que a resguardava quase como um capuz. Bem reparado todavia, orosto não era muito irregular, nem repugnante, e exprimia muitacordura, submissão e bonomia.<strong>Isaura</strong> teria soltado um grito de pavor, se há muito não estivessefamiliarizada com aquela estranha figura, pois era ele, sem mais nemmenos, o senhor Belchior, fiel e excelente ilhéu, que há muitos anosexercia naquela fazenda mui digna e conscienciosamente, apesar de suadeformidade e idiotismo, o cargo de jardineiro. Parece que as flores,que são o símbolo natural de tudo quanto é belo, puro e delicado,deviam ter um cultor menos disforme e repulsivo. Mas quis a sorte ou ocapricho do dono da casa estabelecer aquele contraste, talvez para fazersobressair a beleza de umas à custa da fealdade do outro.Belchior tinha em uma das mãos o vasto chapéu de palha, quearrastava pelo chão, e com a outra empunhava. não um ramalhete, masum enorme feixe de flores de todas as qualidades, à sombra das quaisprocurava eclipsar sua desgraciosa e extravagante figura. Parecia umdesses vasos de louça, de formas fantásticas e grotescas, que se enchemde flores para enfeitar bufetes e aparadores.- Valha-me Deus! - pensou <strong>Isaura</strong> ao dar com os olhos no jardineiro.- Que sorte é a minha! ainda mais este!... este ao menos é detodos o mais suportável: os outros me amofinam, e atormentam: este asvezes me faz rir.- Muito bem aparecido, senhor Belchior! então, o que deseja?- Senhora <strong>Isaura</strong>, eu... eu... vinha..., - resmungou embaraçadoo jardineiro.- Senhora!... eu senhora!... também o senhor pretende caçoarcomigo, senhor Belchior?...Eu caçoar com a senhora!... não sou capaz... minha língua sejacomida de bichos, se eu faltar com o respeito devido à senhora... Vinhatrazer-lhe estas froles, se bem que a senhora mesma é uma frol...- Arre lá, senhor Belchior!... sempre a dar-me de senhora!... secontinua por essa forma, ficamos mal, e não aceito as suas froles... Eusou <strong>Isaura</strong>, escrava da senhora D. Malvina; ouviu, senhor Belchior!- Embora lá isso; e soverana cá deste coração, e eu, menina,dou-me por feliz se puder beijar-te os pés. Olha, <strong>Isaura</strong>...- Ainda bem! Agora sim; trate-me desse modo.- Olha, <strong>Isaura</strong>, eu sou um pobre jardineiro, lá isso é verdade; massei trabalhar, e não hás de achar vazio o meu mealheiro, onde já tenhomais de meio mil cruzados. Se me quiseres, como eu te quero,arranjote a liberdade, e caso-me contigo, que também não és para andaraí assim como escrava de ninguém.- Muito obrigada pelos seus bons desejos; mas perde seu tempo,senhor Belchior. Meus senhores não me libertam por dinheiro nenhum.- Ah! deveras!... que malbados!... ter assim no catibeiro a rainhada Jermosura!... mas não importa, <strong>Isaura</strong>; terei mais gosto em ser escravode uma escrava como tu, do que em ser senhor dos senhores decem mil cativos. <strong>Isaura</strong>!... não fazes idéia de como te quero. Quandovou molhar as minhas froles, estou a lembrar-me de ti com uma soidade!...Deveras! ora viu-se que amor!...- <strong>Isaura</strong>! - continuou Belchior, curvando os joelhos, - tem piedade

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