mais que uma escrava. Se tivesses nascido livre, serias incontestavelmentea rainha dos salões.- Está bem, senhor, está bem! replicou <strong>Isaura</strong> soltando-se da mãode Henrique; se é só isso o que tinha a dizer-me, deixe-me ir embora.- Espera ainda um pouco; não sejas assim má; eu não te querofazer mal algum. Oh! quanto eu daria para obter a tua liberdade, secom ela pudesse obter também o teu amor!... És muito mimosa e muitolinda para ficares por muito tempo no cativeiro; alguém impreterivelmentevirá arrancar-te dele, e se hás de cair nas mãos de algum desconhecido,que não saberá dar-te o devido apreço, seja eu, minha <strong>Isaura</strong>, seja o irmãode tua senhora, que de escrava te haja de fazer uma princesa...- Ah! senhor Henrique! retorquiu a menina com enfado; - osenhor não se peja de dirigir esses galanteios a uma escrava de suairmã? isso não lhe fica bem; há por aí tanta moça bonita, a quem osenhor pode fazer a corte...- Não; ainda não vi nenhuma que te iguale, <strong>Isaura</strong>, eu te juro.Olha, <strong>Isaura</strong>; ninguém mais do que eu está nas circunstâncias deconseguir a tua liberdade; sou capaz de obrigar Leôncio a te libertar,porque, se me não engano, já lhe adivinhei os planos e as intenções, eprotesto-te que hei de burlá-los todos; é uma infâmia em que não possoconsentir. Além da liberdade terás tudo o que desejares, sedas, jóias,carros, escravos para te servirem, e acharás em mim um amanteextremoso, que sempre te há de querer, e nunca te trocará por quantamoça há por esse mundo, por bonita e rica que seja, porque tu sóvales mais que todas elas juntas.- Meu Deus! - exclamou <strong>Isaura</strong> com um ligeiro tom de mofa; -tanta grandeza me aterra; isso faria virar-me o juízo. Nada, meu senhor;guarde suas grandezas para quem melhor as merecer; eu por ora estoucontente com a minha sorte.- <strong>Isaura</strong>!... para que tanta crueldade!... escuta, - disse o moçolançando o braço ao pescoço de <strong>Isaura</strong>.- Senhor Henrique! - gritou ela esquivando-se ao abraço, -por quem é, deixe-me em paz!- Por piedade, <strong>Isaura</strong>! - insistiu o rapaz continuando a quererabraçá-la; - oh!... não fales tão alto!... um beijo... um beijo só, e já tedeixo...- Se o senhor continua, eu grito mais alto. Não posso aqui trabalharum momento, que não me venham perturbar com declarações quenão devo escutar...- Oh! como está altaneira! - exclamou Henrique, já um tantoagastado com tanta resistência. - Não lhe falta nada!... tem até os aresdesdenhosos de uma grande senhora!... não te arrufes assim, minhaprincesa...- Arre lá, senhor! - bradou a escrava já no auge da impaciência.- Já não bastava o senhor Leôncio!... agora vem o senhor também...- Como?... que estás dizendo?... também Leôncio?... oh!... oh!bem o coração me estava adivinhando!... que infâmia!... mas decerto tuo escutas com menos impaciência, não é assim?- Tanto como escuto ao senhor.- Não duvido <strong>Isaura</strong>; a lealdade, que deves a tua senhora, quetanto te estima, não te permite que dês ouvidos àquele perverso. Mas
comigo o caso é diferente; que motivo há para seres cruel assim?- Eu cruel para com meus senhores!!! Ora, senhor, pelo amor deDeus!... Não esteja assim a escarnecer de uma pobre cativa.- Não! não escarneço... <strong>Isaura</strong>!... escuta, - exclamava Henriqueforcejando para abraçá-la e furtar-lhe um beijo.- Bravo!... bravíssimo! - retumbou pelo salão uma voz acompanhadade sardônica e estrepitosa gargalhada.Henrique voltou-se sobressaltado. Toda a sua amorosa exaltaçãotinha-se-lhe gelado de súbito no âmago do coração.Leôncio estava em pé no meio da porta, de braços cruzados eolhando para ele com sorriso do mais insultante escárnio.- Bravo! muito bem, senhor meu cunhado! - continuou Leônciono mesmo tom de mofa. - Está pondo em prática belissimamente assuas lições de moral!... requestando-me as escravas!... está galante!...sabe respeitar divinamente a casa de sua irmã!...- Ah! maldito importuno! murmurou Henrique, trincando osdentes de cólera, e seu primeiro impulso foi investir de punho fechado, eresponder com cachações aos insolentes sarcasmos do cunhado.Refletindo porém um momento, sentiu que lhe seria mais vantajosoempregar contra o seu agressor a mesma arma de que se servira contra ele, osarcasmo, que as circunstâncias lhe permitiam vibrar de modo vitoriosoe decisivo. Acalmou-se, pois, e com sorriso de soberano desdém:- Ah! perdão, meu cunhado! - disse ele não sabia que aperegrina jóia do seu salão lhe merecesse tanto cuidado, que o levassea ponto de andá-la espionando; creio que tem mais zelo por ela do quemesmo pelo respeito que se deve à sua casa e à sua mulher. Pobre deminha irmã!... é bem simples, e admira que, há mais tempo, não tenhaconhecido o belo marido que possui!...- O que estás dizendo, rapaz? - bradou Leôncio com gestoameaçador; - repete; que estás dizendo?- O mesmo que o senhor acaba de ouvir, - redargüiu Henriquecom firmeza, - e fique certo que o seu indigno procedimento não háde ficar por muito tempo oculto à minha irmã.- Qual procedimento!? tu deliras, Henrique?...- Faça-se de esquerdo!... pensa que não sei tudo?... enfim.adeus, senhor Leôncio: eu me retiro, porque seria altamenteinconveniente, indigno e ridículo da minha parte estar a disputar como senhor por amor de uma escrava.- Espera, Henrique... escuta...- Não, não; não tenho negócio nenhum com o senhor. Adeus! -disse e retirou-se precipitadamente.Leôncio sentiu-se esmagado, e arrependeu-se mil e uma vezes deter provocado tão imprudentemente aquele leviano e estouvado rapaz.Ignorava que seu cunhado estivesse ao fato da paixão que sentia por<strong>Isaura</strong>, e dos esforços que empregava para vencer-lhe a isenção e lograrseus favores. verdade que lhe havia falado sem muito rebuço a esserespeito; mas algumas palavras ditas entre rapazes, em tom de merachocarrice, não constituíam base suficiente para que sobre ela Henriquepudesse articular uma acusação contra ele em face de sua mulher.Decerto a rapariga lhe havia revelado alguma coisa, e isto o fazia espumarde despeito e raiva contra um e outra. Bem pouco lhe importava a
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arrimando-se em seu peito.- Que tem
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de truão ou palhaço, servia de in
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cozinheira.Triste consolação! o e
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mais humilhante irrisão! faze idé
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Deus me favorecerá em tão justa e
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em particular, com permissão aqui
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Martinho, e que ninguém mais se le
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nunca o foste, e nunca o serás. Po
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pintavam, era um potentado em sua t
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educou com tanto esmero essa escrav
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- Essa agora é bem lembrada! - ret
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o podendo conseguir, combinaram de
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escrever-me, como se entre nós nad
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case com um disforme?... oh! isto
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- Então, Isaura, - disse Malvina c
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não tardarão a chegar por aí o t
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melhores tempos, e espero que o meu
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e conselhos daquele tão solícito
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desprezo que Leôncio lhe merecia,