103populações <strong>em</strong> seus lixos. Nesse caso, po<strong>de</strong>m trabalhar na rua <strong>de</strong> forma“in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”, isto é, por conta própria ou para <strong>de</strong>pósitos que lhes “<strong>em</strong>prestam” oscarrinhos <strong>de</strong> tração humana, dinheiro e r<strong>em</strong>édios, <strong>em</strong> troca <strong>de</strong> sua submissão aos“donos” dos lixões ou ferros-velhos para os quais são “forçados” a ven<strong>de</strong>r. Os“patrões”, como são chamados <strong>de</strong> forma geral os proprietários <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósitos, tratam<strong>de</strong> forma paternalista seus “<strong>em</strong>pregados”, não raramente lhes impingindo situaçõesainda mais <strong>de</strong>gradantes que favorec<strong>em</strong> ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong><strong>de</strong>pendência, com uma elevada taxa <strong>de</strong> alcoolismo e drogadição entre os catadores.Há ainda uma forma específica <strong>de</strong> “catadores” 72 que executam a tarefa <strong>de</strong>separação no interior <strong>de</strong> organizações estruturadas. Nesse caso, muitasassociações e cooperativas possu<strong>em</strong> parcerias com instituições públicas, gran<strong>de</strong>smercados, shoppings e condomínios dos quais receb<strong>em</strong> material previamenteseparado para concluir seu trabalho. Contudo, como ROMANI (2004, p. 15)expressa claramente, as distinções sobre a forma do trabalho entre os catadores:(...) ainda é incipiente <strong>em</strong> se tratando <strong>de</strong> um segmento cuja cidadania se per<strong>de</strong>u nas ruas,nos rejeitos dos lixões e na pressa da sobrevivência. Porém, todo esse movimento sóadquire sentido se for uma construção coletiva – enten<strong>de</strong>ndo-se, nesse caso, a coletivida<strong>de</strong><strong>em</strong> sua plenitu<strong>de</strong>.Esta probl<strong>em</strong>ática sócio-ambiental não é uma particularida<strong>de</strong> brasileira, masa expressão cruel <strong>de</strong> uma das faces da mo<strong>de</strong>rna reestruturação produtiva que é,portanto, possível <strong>de</strong> se verificar <strong>em</strong> diferentes pontos do globo. Desta maneira, oscatadores <strong>de</strong> materiais recicláveis po<strong>de</strong>m ser encontrados enquanto grupo,organizados ou não, nas maiores cida<strong>de</strong>s do mundo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> outrasmenores também os possuir. Em quaisquer dos casos, esse conjunto <strong>de</strong>trabalhadores apresenta-se como expressão das medidas <strong>de</strong> ajustes estruturaisadotadas por governos que acabaram <strong>de</strong>slocando para a economia informal aprincipal fonte <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregos. Essa articulação propiciou o crescimento <strong>de</strong>uma “massa” <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados, trabalhadores t<strong>em</strong>porários e <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po parcial queencontraram na catação <strong>de</strong> materiais recicláveis uma forma <strong>de</strong> sobrevivência. OBanco Mundial estima que aproximadamente 2% da população das populosas72Os “catadores” aqui são, na verda<strong>de</strong>, trabalhadores – antigos catadores – da ca<strong>de</strong>ia produtiva dareciclag<strong>em</strong> que, <strong>em</strong> sua maioria, não trabalham mais nas ruas, mas realizam a triag<strong>em</strong> <strong>de</strong>materiais recicláveis no interior dos galpões das organizações as quais pertenc<strong>em</strong>.
104cida<strong>de</strong>s da Ásia e da América Latina formam a base da ca<strong>de</strong>ia da reciclag<strong>em</strong>,sobrevivendo precariamente da catação. Tal situação também po<strong>de</strong> ser observadaatravés dos dados da pesquisa <strong>de</strong> RODRÍGUEZ (2005, p. 338) junto às cooperativas<strong>de</strong> recicladores <strong>de</strong> lixo na Colômbia e que expõe claramente o que o autor <strong>de</strong>nomina<strong>de</strong> “caráter global da exclusão social”.(...) estima-se que na Colômbia cerca <strong>de</strong> 300 mil pessoas – isto é, cerca <strong>de</strong> 1% dapopulação – vivam da recuperação <strong>de</strong> materiais recicláveis nas cida<strong>de</strong>s (HOWER, 1997).No México e no Egito, a população recicladora é ainda mais elevada <strong>em</strong> termos percentuais(2% do total nacional) (HOYOS, 2000). Em Manila, Filipinas, cerca <strong>de</strong> 12 mil pessoas<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m diretamente da reciclag<strong>em</strong> (New York Times, 23/07/2000). Em Beijing,aproximadamente 82 mil camponeses imigrantes trabalham como recicladores informais(New York Times, 11/02/2000).Apesar das condições <strong>de</strong> exploração extr<strong>em</strong>a a qual estão geralmentesubmetidos os trabalhadores da catação, a ativida<strong>de</strong> t<strong>em</strong> se colocado como fonte <strong>de</strong>geração <strong>de</strong> renda para uma parcela cada vez maior <strong>de</strong> uma populaçãoimpossibilitada <strong>de</strong> conseguir <strong>em</strong>prego formal nos gran<strong>de</strong>s centros urbanos domundo 73 . Para DIAS (2007, p.579):A complexida<strong>de</strong> e intensida<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> catação varia <strong>de</strong> país para país, <strong>de</strong> local paralocal, mas, <strong>em</strong> geral, as condições <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>sumanas, a super-exploração dosintermediários da reciclag<strong>em</strong>, o preconceito da população local e a falta <strong>de</strong> incentivo e <strong>de</strong>apoio do po<strong>de</strong>r público são alguns dos el<strong>em</strong>entos comuns <strong>em</strong> quase todos os lugares on<strong>de</strong>esta ativida<strong>de</strong> está presente. Além disso, os chamados processos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização dosetor <strong>de</strong> resíduos sólidos têm significado, via <strong>de</strong> regra, privatizações o que,conseqüent<strong>em</strong>ente, implica <strong>em</strong> extinção das oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho para o setor informal(...).Destaca-se, <strong>de</strong>sta forma, um dos efeitos mais intensos do aumento da<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> na cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong>, isto é, a tendência à exclusão crescente <strong>de</strong>parcelas enormes da população mundial do processo global <strong>de</strong> acumulação <strong>de</strong>capital. Com taxas <strong>de</strong> crescimento nunca antes observadas, a economia mundial,contraditoriamente, t<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixado a marg<strong>em</strong> um número imenso <strong>de</strong> indivíduos, o que73Os estudos do IPT (2003), <strong>de</strong> MIURA (2004) e <strong>de</strong> CONCEIÇÃO (2005), relacionam o aumento donúmero <strong>de</strong> catadores com as crescentes exigências para o acesso ao mercado formal <strong>de</strong> trabalhoe ao aumento do <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego. Nessas pesquisas, os trabalhadores da catação constitu<strong>em</strong> uma“exército” <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados que, por sua ida<strong>de</strong>, condição social e baixa escolarida<strong>de</strong>, nãoconsegu<strong>em</strong> mais lugar no mercado formal <strong>de</strong> trabalho.
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