Se novas ativida<strong>de</strong>s e oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> negócio são criadas a cada dia, é natural que asinstituições <strong>de</strong> ensino se adapt<strong>em</strong> para fornecer mão-<strong>de</strong>-obra qualificada e especializada no150mesmo ritmo.A diversificação do ensino superior, no entanto, que respon<strong>de</strong> ao<strong>de</strong>senvolvimento do próprio mercado <strong>de</strong> trabalho, não po<strong>de</strong> ocorrer <strong>em</strong> prejuízo da formaçãohumana integral.Educar para a vida profissional <strong>de</strong>ve ser apenas uma das funções daeducação superior, e se quer<strong>em</strong>os construir uma socieda<strong>de</strong> melhor, não necessariamente amais importante. O ensino superior, para fazer jus ao próprio nome, <strong>de</strong>ve também assumir aimportante tarefa <strong>de</strong> produzir e difundir a alta cultura. Com isso não estamos afirmando que oaluno que ingressa na graduação, por menores que tenham sido suas oportunida<strong>de</strong>s ao longoda vida, não seja portador <strong>de</strong> cultura. Como nos l<strong>em</strong>bra Coêlho (2006, p. 53), ele possui a<strong>de</strong>nominada cultura “popular, reconhecidamente válida, n<strong>em</strong> pior n<strong>em</strong> melhor que a chamadaalta cultura”. No entanto, cabe ao ensino superior a tarefa <strong>de</strong> ampliar os referenciais culturais<strong>de</strong> cada indivíduo para além <strong>de</strong> seu próprio meio social. Não para substituir valores ou imporoutras visões <strong>de</strong> mundo, mas para articular a cultura individual com todo o patrimônioconstruído pela humanida<strong>de</strong> ao longo dos séculos (Ibid). A pretexto <strong>de</strong> respeitar asindividualida<strong>de</strong>s, não se po<strong>de</strong> negar o acesso à cultura erudita. O acesso à linguag<strong>em</strong> cultaencurta a distância entre as pessoas e permite o exercício da cidadania.Para cumprir seu papel <strong>de</strong> difusor da alta cultura o ensino superior <strong>de</strong>ve estimular asuperação do “mundo da aparência, da imag<strong>em</strong>, do mutável, da opinião, da crença, daspaixões, das <strong>em</strong>oções, da i<strong>de</strong>ologia, b<strong>em</strong> como os limites estreitos e ingênuos do positivismo,da razão instrumental.”Deve incitar a dúvida e a interrogação, estimular o cultivo dopensamento, a leitura dos autores clássicos, a <strong>de</strong>scoberta do sentido dos termos e dosconceitos (Ibid). Deve promover a discussão e buscar alternativas para a resolução dosgran<strong>de</strong>s probl<strong>em</strong>as que aflig<strong>em</strong> a socieda<strong>de</strong>. Ao discutir conceitos, não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong>abordar termos conhecidos, mas para muitos vazios <strong>de</strong> significado, como a <strong>de</strong>mocracia, acidadania, a ecologia e a solidarieda<strong>de</strong>. Ao incitar a dúvida, <strong>de</strong>ve direcionar para a pesquisa.
151Mas não para a pesquisa cujos resultados serão apropriados apenas por uma minoria. Nãopara a pesquisa aplicada, <strong>de</strong> interesse industrial ou comercial. Os segmentos <strong>de</strong>sfavorecidosda socieda<strong>de</strong>, e também mais onerados pelos impostos, ajudam a financiar as instituiçõespúblicas, e <strong>de</strong>las esperam um comprometimento maior com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> pesquisasque contribuam para a resolução dos nossos crônicos probl<strong>em</strong>as sociais nas áreas <strong>de</strong>saneamento, habitação, produção <strong>de</strong> alimentos e saú<strong>de</strong> pública. Em cada área, <strong>em</strong> todos oscursos e disciplinas, é preciso que os alunos adquiram, além <strong>de</strong> boa formação técnica, aconsciência <strong>de</strong> que todas as profissões só exist<strong>em</strong> <strong>em</strong> função dos interesses do própriohom<strong>em</strong>. Ou seja, nada faz sentido se não servir para melhorar as condições <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> toda ahumanida<strong>de</strong>.Também é preciso adquirir consciência sobre os conflitos <strong>de</strong> interesses,probl<strong>em</strong>a característico das socieda<strong>de</strong>s apoiadas no individualismo e na competição. Osinteresses divergentes estão na orig<strong>em</strong> das i<strong>de</strong>ologias, que dificultam a compreensão <strong>de</strong>mundo daqueles que não tiveram a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver o senso crítico, através daescola ou <strong>de</strong> outros espaços <strong>de</strong> difusão da cultura.Todas essas responsabilida<strong>de</strong>s, no entanto, só po<strong>de</strong>m ser assumidas por instituiçõesque aceit<strong>em</strong> o compromisso <strong>de</strong> tratar a educação como um b<strong>em</strong> público. Que sejam capazes<strong>de</strong> dar contribuições a toda socieda<strong>de</strong>, e não apenas aos seus alunos.Esse espírito <strong>de</strong>cooperação, que na essência contraria os pressupostos do livre mercado, <strong>de</strong>ve ser incorporadopor instituições públicas e privadas. Em troca <strong>de</strong> todo sacrifício que a socieda<strong>de</strong> faz paramanter e expandir o ensino superior no país, t<strong>em</strong>os a obrigação <strong>de</strong> impedir que o sist<strong>em</strong>acontinue se <strong>de</strong>senvolvendo apoiado <strong>em</strong> valores como o da competição e do individualismo.Mais do que uma questão <strong>de</strong> reconhecimento, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar uma contribuição àsocieda<strong>de</strong> é um fator <strong>de</strong> sobrevivência e justiça social. Ao se isolar, a universida<strong>de</strong> per<strong>de</strong>legitimida<strong>de</strong> e fortalece o argumento dos grupos que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a privatização. Nossa omissão,nesse sentido, é um gran<strong>de</strong> incentivo para que o ensino superior público continue per<strong>de</strong>ndoespaço para o crescimento <strong>de</strong> instituições geridas por grupos econômicos e homens <strong>de</strong>
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