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IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTESNA IMPRENSA PORTUGUESAAnálise do ano 2003Clara Almeida Santos


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Portugal – Catalogação <strong>na</strong> PublicaçãoSANTOS, Maria Clara Moreira Taborda <strong>de</strong> Almeida, 1977-<strong>Imagens</strong> <strong>de</strong> mulheres imigrantes <strong>na</strong> imprensa portuguesa:análise do ano 2003. – (Teses; 14)ISBN 978-989-8000-40-8CDU 316CDU 070PROMOTORALTO-COMISSARIADO PARA A IMIGRAÇÃOE DIÁLOGO INTERCULTURAL (ACIDI, I.P.)www.acidi.gov.ptAUTORCLARA ALMEIDA SANTOSclarasantos@interacesso.ptEDIÇÃOALTO-COMISSARIADO PARA A IMIGRAÇÃOE DIÁLOGO INTERCULTURAL (ACIDI, I.P.)RUA ÁLVARO COUTINHO, 14, 1150-025 LISBOATELEFONE: (00351) 21 810 61 00 FAX: (00351) 21 810 61 17E-MAIL: acidi@acidi.gov.ptEXECUÇÃO GRÁFICAEDITORIAL DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃOPRIMEIRA EDIÇÃO250 EXEMPLARESISBN978-989-8000-40-8DEPÓSITO LEGAL261 931/07LISBOA, NOVEMBRO 2007Clara Almeida Santos2


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Dissertação <strong>de</strong> Mestrado emComunicação e Jor<strong>na</strong>lismoAutora: Clara Almeida SantosOrientadora: Professora Doutora Isabel Ferin da CunhaUniversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> CoimbraFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> LetrasClara Almeida Santos3


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003À Madale<strong>na</strong>,que me faz acreditar que o futuro tem futuro.Clara Almeida Santos4


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003ÍndicePREFÁCIONOTA PRÉVIA1. INTRODUÇÃO1.1. CONCEITOS GERAIS1.2. ANÁLISE DOS MEDIA2. SER IMIGRANTE2.1. A “IDADE DA MIGRAÇÃO”2.1.1. Enquadramento estatístico da imigração nos nossosdias2.1.2. Especificida<strong>de</strong>s da Europa Oci<strong>de</strong>ntal2.1.3. Enquadramento teórico dos sistemas <strong>de</strong> migração2.1.3.1. Teorias e polémicas2.1.3.2. Tipologia das migrações2.1.3.3. Tendências actuais3. PORTUGAL, PAÍS DE MIGRAÇÃO3.1. EMIGRAÇÃO, IMIGRAÇÃO: DUAS FACES DA MESMAMOEDA3.2. A IMIGRAÇÃO EM PORTUGAL EM NÚMEROS3.2.1. O “quinto período”3.3. PROCESSOS EXTRAORDINÁRIOS DE LEGALIZAÇÃO ELEGISLAÇÃO3.3.1. Legislação vigente3.4. MERCADO LABORAL3.4.1. <strong>Mulheres</strong> imigrantes e mercado laboral3.5. VALORES E ATITUDES FACE AOS IMIGRANTES4. VER O IMIGRANTE4.1. OS MEDIA E A CONSTRUÇÃO DA REALIDADE SOCIAL4.2. REPRESENTAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA4.2.1. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> europeia e o Outro4.3. OS MEDIA E O DISCURSO SOBRE A DIFERENÇA91113131517171819222223242828293335363740424545474849Clara Almeida Santos5


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20034.3.1. O racismo nos media4.4. A IMIGRAÇÃO ENQUANTO NOTÍCIA4.4.1. Análises <strong>de</strong> imprensa com a imigração como tema4.4.1.1. Os estudos sobre a imigração nos media emPortugal5. SER MULHER, VER A MULHER5.1. ESTUDOS SOBRE A(S) MULHER(ES)5.2. DIFERENÇA, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃODA MULHER5.3. SITUAÇÃO DAS MULHERES EM PORTUGAL5.3.1. Papéis sociais das mulheres5.3.2. <strong>Mulheres</strong> <strong>na</strong> imprensa5.4. MULHERES E IMIGRAÇÃO5.4.1. Características da imigração femini<strong>na</strong>5.4.1.1. A relativa invisibilida<strong>de</strong> das mulheresimigrantes5.4.1.2. Mulher imigrante e mercado laboral5.4.1.3. Comércio sexual5.5. IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES6. IMAGENS DA MULHER IMIGRANTE NA IMPRENSAPORTUGUESA6.1. EXPLANAÇÃO DE PROPÓSITOS6.2. METODOLOGIA UTILIZADA6.2.1. Definição das variáveis6.3. APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS E DEFINIÇÃO DEMODALIDADES6.3.1. Resultados e modalida<strong>de</strong>s referentes à Forma6.3.1.1. Data6.3.1.2. Espaço6.3.1.3. Tipo <strong>de</strong> peças6.3.1.4. Secção6.3.1.5. Fotografia6.3.2. Resultados e modalida<strong>de</strong>s referentes ao Conteúdo6.3.2.1. Localização geográfica6.3.2.2. Objecto 1 – Estatuto jurídico6.3.2.3. Objecto 2 – Minorias6.3.2.4. Tema515253576363656768707172727476778080818383858587889192959598101103Clara Almeida Santos6


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20036.3.2.5. Ocupação6.3.2.6. Perso<strong>na</strong>lização6.3.2.7. Ida<strong>de</strong>6.3.2.8. Género6.3.3. Resultados e modalida<strong>de</strong>s referentes ao Discurso6.3.3.1. Enquadramento6.3.3.2. Tom6.3.3.3. Argumentação6.3.3.4. Vozes7. ALGUMAS CONCLUSÕES7.1. ESPECIFICIDADES DA AMOSTRA7.1.1. O ano <strong>de</strong> 20037.1.2. A forma das notícias7.2. NOTAS RELATIVAS AOS RESULTADOS7.2.1. O conteúdo das notícias7.2.2. O discurso das notícias8. BIBLIOGRAFIAARTIGOSANEXO – Variáveis utilizadas <strong>na</strong> análise das peças jor<strong>na</strong>lísticasVariáveis referentes à FormaVariáveis referentes ao ConteúdoVariáveis referentes ao Discurso106108111112112112113114115119120120121122122124126133134134134135Clara Almeida Santos7


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003PREFÁCIOComemora-se em 2007 o Ano Europeu da Igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Oportunida<strong>de</strong>spara Todos, que preten<strong>de</strong> sensibilizar os europeus para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>uma socieda<strong>de</strong> mais justa e alertar para atitu<strong>de</strong>s e comportamentos discrimi<strong>na</strong>tórios.Para que estes objectivos sejam atingidos é preciso que todas aspessoas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do sexo, da ida<strong>de</strong>, da origem racial ou étnica,religião ou crença, <strong>de</strong>ficiência ou orientação sexual, tenham as mesmasoportunida<strong>de</strong>s. Com esta fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>, o Programa Europeu preten<strong>de</strong> apoiaracções <strong>de</strong> informação sobre os direitos e obrigações dos cidadãos, bemcomo iniciativas direccio<strong>na</strong>das para os meios <strong>de</strong> comunicação e para osseus profissio<strong>na</strong>is. Neste contexto, os meios <strong>de</strong> comunicação socialpossuem um importante papel <strong>na</strong> medida em que se constituem como aúnica fonte <strong>de</strong> informação da gran<strong>de</strong> maioria das pessoas.É nesta perspectiva que a publicação da dissertação <strong>de</strong> Mestrado <strong>de</strong> ClaraAlmeida Santos, <strong>Imagens</strong> <strong>de</strong> mulheres imigrantes <strong>na</strong> imprensa portuguesa,é extremamente oportu<strong>na</strong>. Nas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas, marcadaspela diversida<strong>de</strong> cultural e domi<strong>na</strong>das pela informação, as representaçõesdas minorias veiculadas pelos meios <strong>de</strong> comunicação assumem uma importânciafundamental. A publicação <strong>de</strong>ste trabalho que a<strong>na</strong>lisa <strong>de</strong> formaexaustiva e sistemática notícias (peças) sobre a mulher imigrante <strong>na</strong>imprensa portuguesa, é um estudo <strong>de</strong> caso que permite compreen<strong>de</strong>r a articulaçãoentre diversida<strong>de</strong> e igualda<strong>de</strong> no tratamento <strong>de</strong> temáticas sobremulheres e, sobretudo, sobre mulheres imigrantes.O corpus a<strong>na</strong>lisado nesta publicação é relativo ao ano <strong>de</strong> 2003 e constituídopor oito jor<strong>na</strong>is — os diários Público, Diário <strong>de</strong> Notícias, Jor<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Notícias,Correio da Manhã, 24 Horas e A Capital— e dois seminários, o Expresso eo In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. A publicação é composta por sete capítulos que <strong>na</strong> verda<strong>de</strong>integram uma primeira parte, <strong>de</strong> contextualização da imigração e damulher imigrante, e uma segunda parte, <strong>de</strong>senvolvida a partir do capítulo VI,on<strong>de</strong> é apresentado do estudo <strong>de</strong> caso e o trabalho empírico. Nos primeiroscinco capítulos a autora aborda, <strong>de</strong> forma transdiscipli<strong>na</strong>r, as teorias sobrea Imigração e a Mulher, bem como as políticas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>iscomuns à União Europeia. Debruça-se, igualmente, sobre os múltiplosfenómenos que lhe estão associados, tendo como foco a situação portuguesae a Mulher Imigrante, não só em Portugal mas, também, <strong>na</strong> Europa.O capítulo IV é <strong>de</strong>dicado ao papel dos Media <strong>na</strong> construção social da realida<strong>de</strong>social, nomeadamente no que toca à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e à diferença. No capítuloVI, Clara Almeida Santos apresenta a metodologia utilizada <strong>na</strong> análisedas peças e em seguida os resultados estatísticos obtidos pela aplicação doprograma informático SPSS. Para fi<strong>na</strong>lizar, no capítulo VII, a autora apre-Clara Almeida Santos9


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003senta um panorama relativo à imprensa e à imigração no ano <strong>de</strong> 2003,interpretando, neste contexto, os resultados relativos à mulher imigrante.A importância da publicação <strong>de</strong>ste estudo caso, <strong>Imagens</strong> <strong>de</strong> mulheresimigrantes <strong>na</strong> imprensa portuguesa, realizado no âmbito do Mestrado doInstituto <strong>de</strong> Estudos Jor<strong>na</strong>lísticos da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong><strong>de</strong> Coimbra ressalta a importância dos meios <strong>de</strong> comunicação social <strong>na</strong>formação da opinião pública, informando correctamente os cidadãos epromovendo a integração <strong>de</strong> todos os imigrantes e, neste caso particular, dasmulheres imigrantes. O mesmo estudo concorre, também, para <strong>de</strong>nunciaralguns estereótipos, consolidados <strong>na</strong> nossa cultura, principalmente aquelesque estão associados a mulheres imigrantes <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s,e que ten<strong>de</strong>m a consolidar visões discrimi<strong>na</strong>tórias e redutoras <strong>de</strong>fenómenos complexos.O estudo é assim um contributo, tal como refere a autora, para <strong>de</strong>scorti<strong>na</strong>ras coincidências e dissonâncias entre a realida<strong>de</strong> estatística e a realida<strong>de</strong>mediatizada. Ao mesmo tempo, sendo um estudo extensivo permiteobservar os mecanismos utilizados pela imprensa <strong>na</strong> construção daimagem da mulher imigrante, i<strong>de</strong>ntificando temáticas e problemáticas quelhe estão mais frequentemente associadas.O trabalho caracteriza-se, ainda, pelo seu rigor metodológico, apresentandocritérios objectivos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saliência temática e <strong>de</strong>indicadores <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lação, o que permitiu o tratamento estatístico dosdados. Estes procedimentos e a geração <strong>de</strong> gráficos possibilitaram, por suavez, transparência e clareza <strong>na</strong> interpretação dos resultados.Devo ainda acrescentar que esta publicação resultou do aprofundamentodos dados sobre a mulher imigrante, <strong>de</strong>corrente da execução, no Instituto<strong>de</strong> Estudos Jor<strong>na</strong>lísticos, do projecto Media, Imigração e Minorias Étnicas,2003/2004, projecto que se encontra <strong>na</strong> sua terceira edição, relativa aoano <strong>de</strong> 2005/06. Nestes projectos, a autora participou primeiro comobolseira, e <strong>de</strong>pois como investigadora sénior do meio <strong>Imprensa</strong>.Coimbra, 12 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 2007Professora Doutora Isabel FerinUniversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> CoimbraClara Almeida Santos10


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003NOTA PRÉVIAImigrante e mulher. São estes os dois conceitos que inspiraram a realização<strong>de</strong>ste trabalho que materializa a dissertação <strong>de</strong> mestrado em Comunicaçãoe Jor<strong>na</strong>lismo da Faculda<strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra,<strong>de</strong>fendida em Dezembro <strong>de</strong> 2004.Foi a procura do cruzamento entre os dois termos <strong>na</strong> imprensa que <strong>de</strong>uorigem à pergunta primeira que norteou a investigação: será que o teor eforma das notícias, os temas tratados e o discurso adoptado pelos mediaportugueses reflectem a realida<strong>de</strong> da imigração femini<strong>na</strong> em Portugal? Naexpectativa <strong>de</strong> enquadrar uma resposta a esta questão, outras surgiramcomo complementares: Quais as diferenças <strong>de</strong> abordagem verificadasentre as notícias sobre mulheres imigrantes e sobre homens imigrantes?A existirem, estarão essas diferenças relacio<strong>na</strong>das com as especificida<strong>de</strong>sdos media que as veiculam? Qual o papel <strong>de</strong>sempenhado media <strong>na</strong> <strong>de</strong>finiçãoe difusão <strong>de</strong>stas imagens? Será que estas questões são levadas aoespaço público e, se sim, com que nível <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>? Existirá umaimprensa especializada <strong>na</strong> questão da imigração, como existem especializaçõesnoutras áreas que conquistaram um lugar permanente <strong>na</strong>s pági<strong>na</strong>sdos jor<strong>na</strong>is?A curiosida<strong>de</strong> necessária para formular estas perguntas e o estímulo paraprocurar as respostas são <strong>de</strong>vidas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, à Doutora Isabel Ferin.Primeiro pelo convite para integrar o projecto <strong>de</strong> investigação <strong>na</strong> origem<strong>de</strong>ste trabalho, mas também pela disponibilida<strong>de</strong> sem limites, pelaconfiança e, sobretudo, pela Amiza<strong>de</strong>. Uma palavra para a Doutora MariaJoão Silveirinha, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a licenciatura em Jor<strong>na</strong>lismo incentivou emotivou para a realização <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> investigação, insistindo <strong>na</strong> marcado rigor e da honestida<strong>de</strong> intelectual, a quem <strong>de</strong>vo também a inspiraçãopara a escolha do ângulo feminino.Fi<strong>na</strong>lmente, ao Daniel agra<strong>de</strong>ço a enorme lição <strong>de</strong> empenho profissio<strong>na</strong>l eincentivo ao <strong>de</strong>senvolvimento pessoal, além da cumplicida<strong>de</strong> silenciosadas horas <strong>de</strong> trabalho.Clara Almeida Santos11


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20031.1. CONCEITOS GERAIS1. INTRODUÇÃO“A migração inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l é uma constantee não uma aberração <strong>na</strong> história huma<strong>na</strong>”.Stephen CastlesDe acordo com o Inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l Migration Report 2002, elaborado pela Organizaçãodas Nações Unidas (ONU), a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> imigrante (adoptada<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1998), consi<strong>de</strong>ra o tempo como factor <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte. Assim, “ummigrante <strong>de</strong> longo prazo é todo aquele que se <strong>de</strong>sloca para um país diferentedaquele que é a sua residência habitual por um período <strong>de</strong> tempomínimo <strong>de</strong> um ano”. Esta <strong>de</strong>finição, embora não seja assumida pela generalida<strong>de</strong>dos países (cujos critérios variam consoante as políticas <strong>de</strong>imigração adoptadas), será a que teremos em conta ao longo <strong>de</strong>stetrabalho.Everett S. Lee <strong>de</strong>fine migração como uma “mudança permanente ou semipermanente<strong>de</strong> residência”, sem observar restrições <strong>na</strong> distância em que seopera a mudança ou <strong>na</strong> <strong>na</strong>tureza, voluntária ou involuntária, do acto.Antes <strong>de</strong> mais, importa salientar que o termo “migração” é operativo nosentido em que dá uma dimensão mais ampla aos fenómenos <strong>de</strong> imigraçãoe <strong>de</strong> emigração, que eram vistos <strong>de</strong> forma parcelar. Traduz, com efeito, arealida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> um movimento biunívoco. Quando, <strong>de</strong> um lado, seregista um fluxo <strong>de</strong> emigração, <strong>de</strong> outro regista-se o seu equivalente emtermos <strong>de</strong> imigração. O conceito <strong>de</strong> migração vem, pois, respon<strong>de</strong>r ànecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> olhar para a questão como tendo duas faces, reconhecendoque as consequências do movimento tanto se registam no país <strong>de</strong>envio como no país <strong>de</strong> acolhimento. Esta distinção, aliás, tem conhecidorevezes ao longo dos tempos, como bem ilustra o caso Portugal, sobre oqual mais à frente nos <strong>de</strong>bruçaremos.Além da <strong>de</strong>finição dos conceitos directamente associados à migração,existe outro termo que urge, nesta introdução, especificar. Trata-se daexpressão “minorias étnicas” que figura, aliás, no título <strong>de</strong>ste trabalho.A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> juntar minorias étnicas e imigrantes como foco da análisepren<strong>de</strong>-se com a própria evolução das migrações, nomeadamente à fixaçãonos países <strong>de</strong> acolhimento. Esta <strong>de</strong>cisão é particularmente pertinente nocaso português, <strong>de</strong>vido aos movimentos migratórios que se verificaramdurante a década <strong>de</strong> 70, com a entrada em Portugal continental <strong>de</strong> um fluxoClara Almeida Santos13


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003<strong>de</strong> população proveniente das ex-colónias (sobretudo <strong>de</strong> Angola, Moçambiquee Cabo-Ver<strong>de</strong>), <strong>na</strong>scida em terras africa<strong>na</strong>s mas com <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>portuguesa. Po<strong>de</strong>mos dizer, então, que “população imigrante e populaçãoestrangeira resi<strong>de</strong>nte em Portugal são dois conjuntos que não se sobrepõem”(Esteves, 1991: 27). Ou seja, a <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>ção “população imigrante”integra os estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes e também cidadãos originários <strong>de</strong> outras<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s e regiões que adquiriram a <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> portuguesa. É esteconceito lato <strong>de</strong> imigrante, mais próximo do <strong>de</strong> minoria étnica, que adoptamosneste trabalho.Retomamos ainda, para justificar esta escolha, a <strong>de</strong>finição fundadora <strong>de</strong>Max Weber (1978: 389): “Vamos chamar «grupos étnicos» aos gruposhumanos que têm uma crença subjectiva <strong>na</strong> sua <strong>de</strong>scendência comum<strong>de</strong>vido a semelhanças <strong>de</strong> tipo físico ou <strong>de</strong> hábitos, ou <strong>de</strong> ambas, ou <strong>de</strong>vidoa memórias <strong>de</strong> colonização ou migração; esta crença <strong>de</strong>ve ser importantepara a propagação da formação <strong>de</strong> grupo; inversamente, não interessa seuma relação <strong>de</strong> sangue objectiva existe ou não”.O conceito assim <strong>de</strong>finido oferece várias vantagens para a análise, nomeadamentea <strong>de</strong> não implicar um estatuto legal inferior aos dos grupos “não--étnicos”. Em teoria, todos os grupos humanos se po<strong>de</strong>riam consi<strong>de</strong>rarcomo étnicos. Porém, este epíteto parece ape<strong>na</strong>s aplicar-se quando seconsi<strong>de</strong>ram minorias face a maiorias. Outras das vantagens são a reduçãoda importância da história, <strong>de</strong>vido à sua abrangência, que abarca todas asorigens e a compatibilida<strong>de</strong> com a residência prolongada. Este últimoaspecto revela-se bastante útil para o estudo das segundas e <strong>de</strong>mais gerações,quando estão em causa processos migratórios.Assim, a análise das notícias que constitui o elemento fulcral do presentetrabalho tem em conta uma selecção prévia inclusiva das referências agrupos étnicos, ou melhor, <strong>de</strong>vido ao já exposto, a minorias étnicas. Sãocontempladas as peças noticiosas que têm como objecto cidadãos portuguesesque se enquadram nesta <strong>de</strong>finição. São exemplo disso as comunida<strong>de</strong>sciga<strong>na</strong>s ou <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes das antigas colónias portuguesasestabelecidos em Portugal.Existe, a este respeito, uma fecunda discussão acerca da noção <strong>de</strong> “etnia”e <strong>de</strong> “etnicida<strong>de</strong>”. A primeira remete para os estudos da etno-antropologia(que têm como objecto socieda<strong>de</strong>s “exóticas” ou distingue as socieda<strong>de</strong>soci<strong>de</strong>ntais das socieda<strong>de</strong>s ditas primitivas 1 . Por “etnicida<strong>de</strong>”, termoque <strong>de</strong>riva do primeiro, remetemo-nos para o trabalho dos sociólogos que1. Bastenier, Dassetto, 1995: 118-119.Clara Almeida Santos14


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003se <strong>de</strong>bruçam sobre as socieda<strong>de</strong>s pluri-étnicas contemporâneas. A etnicida<strong>de</strong>po<strong>de</strong> ser suave ou dura (<strong>de</strong> acordo com a classificação <strong>de</strong> A. Touraine,consoante a sua motivação e os seus objectivos. As comunida<strong>de</strong>s étnicasresultam da estabilização dos migrantes e da emergência, <strong>na</strong> consciênciasocial, da irreversibilida<strong>de</strong> do processo. É nesta passagem se começam aconcretizar os processos <strong>de</strong> integração e <strong>de</strong> igualização face aos autóctones.Dada esta constatação <strong>de</strong> que <strong>na</strong> origem do mecanismo <strong>de</strong> formaçãodas comunida<strong>de</strong>s étnicas está a migração e a consciência <strong>de</strong> processo-em--curso, faz todo o sentido incluir os grupos assim <strong>de</strong>finidos como objecto <strong>de</strong>análise.Contrariamente, cidadãos que se po<strong>de</strong>riam consi<strong>de</strong>rar imigrantes <strong>de</strong> acordocom as <strong>de</strong>finições inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lmente aceites, ficam fora do âmbito <strong>de</strong>análise. São estes os membros <strong>de</strong> estados-membros da União Europeia ouimigrantes oriundos <strong>de</strong> países pouco significativos <strong>na</strong> balança das migraçõescom <strong>de</strong>stino a Portugal. Recorrendo ao senso comum, quandoouvimos falar <strong>de</strong> imigrantes nos órgãos <strong>de</strong> comunicação social, a imagemque <strong>na</strong>turalmente nos vem à cabeça não é a <strong>de</strong> um norte-americano ou <strong>de</strong>um japonês radicados em Portugal. Po<strong>de</strong>r-se-ia dizer, genericamente,que as imagens a<strong>na</strong>lisadas neste trabalho têm como objecto protagonistasresultantes da sobreposição dos conceitos <strong>de</strong> imigrantes e <strong>de</strong> minoriasétnicas.1.2. ANÁLISE DOS MEDIAUma das conclusões que se po<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, traçar, e que vai servir comoponto <strong>de</strong> partida do presente trabalho, é que a imagem que temos daimigração chega-nos, essencialmente, através dos meios <strong>de</strong> comunicaçãosocial. A televisão, como media mais consumido, é uma das principaistransmissoras <strong>de</strong>ssas imagens. É, no entanto, consensual entre os observadoresdos fenómenos da comunicação, bem como nos próprios profissio<strong>na</strong>isdos media que a televisão facilmente peca por alguma falta <strong>de</strong>contextualização, sobretudo <strong>de</strong>vido à escassez <strong>de</strong> tempo disponível. Poroutro lado, a análise <strong>de</strong> televisão apresenta várias dificulda<strong>de</strong>s ao nível daanálise metodológica, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo no momento da recolha, sobretudo<strong>de</strong>vido ao acesso aos arquivos, e, posteriormente, <strong>na</strong> análise das característicasintrínsecas da imagem.A escolha da análise da imprensa escrita surgiu, portanto, como <strong>na</strong>tural, atéporque que, em termos quantitativos, também se registou neste mediumum aumento das notícias sobre imigração, o que concorre para umaimagem mais completa (ainda que possa ou não ser fiel) da realida<strong>de</strong>Clara Almeida Santos15


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003portuguesa neste domínio. Restringindo-nos às representações mediáticasdas mulheres imigrantes, este factor reveste-se <strong>de</strong> uma importânciaainda maior.Importa, por isso, num segundo momento, traçar as correspondências e asdissonâncias entre a imagem veiculada pela imprensa e a que resulta dosdados estatísticos disponíveis e dos estudos neles baseados. Só assim sepo<strong>de</strong>rá averiguar o grau <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> das imagens apresentadas pelosjor<strong>na</strong>is, neste caso específico, das mulheres imigrantes em Portugal.Para começar a <strong>de</strong>linear essa imagem aproximada do “real” recorrendosobretudo dos dados estatísticos disponíveis, o próximo capítulo apresentauma síntese (necessariamente pouco exaustiva) das conclusões dos estudossobre as migrações.Clara Almeida Santos16


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20032.1. A “IDADE DA MIGRAÇÃO”2. SER IMIGRANTE“Há 40 000 anos não havia humanos <strong>na</strong> Europa.Somos todos migrantes ou <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>migrantes”.Bob Sutcliffe“A história da humanida<strong>de</strong> não é maisdo que a história <strong>de</strong> sucessivos fluxos <strong>de</strong> migração àface da Terra”.Marco MartinielloNo I Congresso Imigração em Portugal 2 , Demetrios Papa<strong>de</strong>metriou afirmouque existiam (à data) entre 150 e 155 milhões <strong>de</strong> migrantes (seguindo a <strong>de</strong>finiçãoda ONU). Estes números diferem, porém, em cerca <strong>de</strong> 25 milhões,das estimativas daquela organização. O especialista afirmou que a discrepânciase <strong>de</strong>ve ao facto <strong>de</strong>, com o fi<strong>na</strong>l do Bloco Soviético, algumas fronteirasterem mudado, tor<strong>na</strong>ndo as populações por elas limitadas emmigrantes que nunca saíram do sítio. Este hiato serve para <strong>de</strong>monstrarcomo po<strong>de</strong>m ser falíveis os dados estatísticos referentes às migraçõesinter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. O fenómeno agrava-se se consi<strong>de</strong>rarmos que os diferentespaíses utilizam diferentes critérios para <strong>de</strong>finir os “seus” imigrantes.A dificulda<strong>de</strong> em contabilizar os migrantes ilegais, que não entram <strong>na</strong>sestatísticas oficiais a não ser <strong>na</strong> forma <strong>de</strong> suposições, é outro dos entravesà existência <strong>de</strong> uma imagem quantitativa fiel da realida<strong>de</strong> da imigração que,ainda para mais, se encontra em constante mutação. “As estatísticas sobreas migrações inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is são escassas, mais ou menos fiáveis e sujeitasa problemas <strong>de</strong> comparabilida<strong>de</strong>” 3 .Todas estas consi<strong>de</strong>rações só são possíveis, no entanto, dada a existência<strong>de</strong> uma preocupação crescente com as migrações inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. A matérianão é nova mas as novas questões que vai colocando faz com que StephenCastles e Mark J. Miller tenham dado o nome <strong>de</strong> A ida<strong>de</strong> da imigração 4 auma das obras que assi<strong>na</strong>m sobre o tema. Este epíteto <strong>de</strong>ve-se a algumas2. Realizado em Dezembro <strong>de</strong> 2003 <strong>na</strong> Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, comorganização do Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME).3. OCDE, 2003.4. Tradução livre da obra <strong>de</strong> 1998 The Age of Migration. Inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l Population Movementsin the Mo<strong>de</strong>rn World, London: Macmillan Press.Clara Almeida Santos17


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003características das migrações inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is que os autores assi<strong>na</strong>laram eque prevêem que se assumam como tendências do fenómeno nos próximos20 anos. Entre elas, <strong>de</strong>stacamos: a globalização da migração, que se traduzno facto <strong>de</strong> afectar cada vez mais países ao mesmo tempo; a aceleração damigração, que aumenta em todas as gran<strong>de</strong>s regiões; a diferenciação dasmigrações, que variam <strong>de</strong>ntro dos países <strong>de</strong> acolhimento; a feminização damigração, que constitui um pilar justificativo <strong>de</strong>ste trabalho.Também Kymlicka 5 concorda com esta <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> “era da migração”,acrescentando que os países têm cada vez mais um carácter poli-étnico,com as consequências que semelhante característica acarreta.Apesar das dificulda<strong>de</strong>s já referidas 6 , convém situar o presente trabalho noscontextos actuais da imigração.2.1.1. Enquadramento estatístico da imigração nos nossos diasRetomando os números da ONU, por serem os mais comummente utilizadospara efeitos <strong>de</strong> investigação, os migrantes inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is constituemcerca <strong>de</strong> três por cento da população mundial. Esta percentagemescon<strong>de</strong>, <strong>na</strong>turalmente, as discrepâncias entre os países que são, tradicio<strong>na</strong>lmente,<strong>de</strong> acolhimento, e os países <strong>de</strong> origem. Como mais adiante severá, a distinção entre países <strong>de</strong> imigração e países <strong>de</strong> emigração é cadavez mais difícil <strong>de</strong> estabelecer. No entanto, existem países ou regiões doglobo que se <strong>de</strong>stacam pela quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> população migrante quealbergam. É o caso da América do Norte, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>z por cento da populaçãoé imigrante, e se distribui pelos Estados Unidos da América (35 milhões),Ca<strong>na</strong>dá (5 milhões) e México (um milhão) 7 . A Europa situa-se ao mesmonível <strong>de</strong> acolhimento, com <strong>de</strong>z por cento da população resultante <strong>de</strong> fluxosmigratórios. Alguns países, como o Liechtenstein ou o Luxemburgo, encontram-seacima <strong>de</strong>sta média, com uma população imigrante que perfaz 35por cento da população total.Quanto à composição, po<strong>de</strong>r-se-iam caracterizar os fluxos migratórioscomo sendo, fundamentalmente (apesar das novas tendências já referidas),masculinos 8 , agregando cada vez mais crianças, graças a outracaracterística que é a importância crescente da reunificação familiar.5. RIBEIRO, 2003.6. Cf., e.g., JACKSON, 1991.7. Dados divulgados <strong>na</strong> conferência, já referida, <strong>de</strong> Demetrios Papa<strong>de</strong>metriou.8. O que se compreen<strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rarmos que uma das principais motivações damigração continua a ser <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m laboral.Clara Almeida Santos18


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003A existência <strong>de</strong> um número crescente <strong>de</strong> crianças não <strong>de</strong>verá ser alheia aofacto <strong>de</strong> muitos países consi<strong>de</strong>rarem como imigrantes os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>imigrantes (ius sanguinis), em <strong>de</strong>trimento da <strong>na</strong>turalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes(ius solis).Apesar <strong>de</strong> as migrações serem apontadas pelos antropólogos e sociólogoscomo parte da <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>, e <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre se terem registadofluxos migratórios, o estado <strong>de</strong> coisas actual, para a maior parte dosteóricos começou a <strong>de</strong>finir-se sobretudo a partir da 2.ª Guerra Mundial 9 .Existem correntes, como a <strong>de</strong> Bastenier e Dassetto, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que estemovimento começou logo no século XIX. É genericamente aceite, porém,que no pós-guerra se observam características até então i<strong>na</strong>uditas nosfluxos migratórios.2.1.2. Especificida<strong>de</strong>s da Europa Oci<strong>de</strong>ntalDepois <strong>de</strong>sta introdução genérica às características dos fluxos migratórios<strong>na</strong>s últimas décadas e antes <strong>de</strong> um olhar mais atento sobre a realida<strong>de</strong>portuguesa, convém observar como se comportam os fenómenos dasmigrações <strong>na</strong> Europa Oci<strong>de</strong>ntal, sobretudo num momento em que as políticasconvergem e a União Europeia (UE) se alarga, ten<strong>de</strong>ndo a ser cada vezmais sinónimo da Europa-continente. Nesta Europa comunitária, oOutro é o “imigrante não-comunitário, sobretudo proveniente <strong>de</strong> paísesnão-cristãos” (Castels, Davidson, 2000).É precisamente <strong>na</strong> Europa que se afirmam com maior relevância as especificida<strong>de</strong>sdas migrações <strong>de</strong>pois da 2.ª Guerra Mundial, nomeadamente aevolução <strong>de</strong>mográfica, a acumulação <strong>de</strong> capital e consequente procura<strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra. Acontece ainda que o Velho Continente é o berço <strong>de</strong>muitas das <strong>na</strong>ções com passado colonial. Esta herança tem como consequência,referida numa diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudos 10 , atrair a imigração dospaíses com os quais existiram relações administrativas 11 . Este fenómeno<strong>de</strong>ve-se, <strong>na</strong>turalmente, aos laços previamente existentes, dos quais se<strong>de</strong>staca o factor linguístico.Fazendo a história contemporânea das migrações inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is com<strong>de</strong>stino à Europa Oci<strong>de</strong>ntal a partir do fi<strong>na</strong>l da 2.ª Guerra Mundial, a prin-9. Cf., entre outros, MARTINIELLO, 1999.10. Cf., por exemplo, COHEN, 1996.11. Pierre Messmer, citado em MARTINIELLO, Marco (ed.), (1999), p. 16, afirma que “isto éuma armadilha montada pela história. Na França e <strong>na</strong> Europa habituámo-nos a colonizaro mundo. Agora os estrangeiros estão a vir a nós”.Clara Almeida Santos19


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003cipal motivação para o movimento <strong>de</strong> pessoas residia <strong>na</strong>s possibilida<strong>de</strong>soferecidas pela reconstrução dos países <strong>de</strong>vastados pelo conflito. Depois,durante a década <strong>de</strong> 60, a Europa Oci<strong>de</strong>ntal (à excepção da PenínsulaIbérica) apresentava-se como uma espécie <strong>de</strong> Eldorado, cheia <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s,nomeadamente com a perspectiva do advento do mercado comum.Esta época <strong>de</strong> “migração laboral em massa durou aproximadamente até1973/74, data da crise petrolífera que fez abrandar o optimismo <strong>na</strong> Europae o fim <strong>de</strong> um ciclo <strong>de</strong> expansão económica. Seguiu-se, porém, uma fase <strong>de</strong>reunificação familiar, que acabou por conduzir a períodos <strong>de</strong> permanênciamais longos e ao lançamento das bases da criação e estabelecimento <strong>de</strong>novas minorias étnicas.A noção <strong>de</strong> etnicida<strong>de</strong> encontrava-se já introduzida no discurso públicooci<strong>de</strong>ntal. As fracções <strong>de</strong> população que se enquadravam nesta etnicida<strong>de</strong>eram referidas como “trabalhadores estrangeiros”, acepção que oslimitava a uma única vertente, justificando a não concessão <strong>de</strong> direitosrelativos à cidadania (Bastenier, Dassetto, 1995). As minorias étnicas sãoconsi<strong>de</strong>radas como um elemento residual das migrações dos pós-guerracom <strong>de</strong>stino à Europa (Bauböck, 1994). No entanto, a aquisição do estatuto<strong>de</strong> minorias étnicas não acontece <strong>de</strong> um momento para o outro: “trata-se<strong>de</strong> um processo em que os grupos domi<strong>na</strong>ntes da socieda<strong>de</strong> conferem<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das características (reais ou imaginárias) aos que chegam e asusam para justificar a atribuição <strong>de</strong> papéis económicos, sociais e políticosespecíficos” (Castles, Both, Wallace, 1987: 97). Castles (2000) chama aestas minorias os “convidados que ficaram”.Neste momento <strong>de</strong> viragem, surgem com crescente visibilida<strong>de</strong> os si<strong>na</strong>is <strong>de</strong>hostilida<strong>de</strong> da opinião pública autóctone. São os anos <strong>de</strong> política “imigraçãozero” <strong>na</strong> Europa Oci<strong>de</strong>ntal. Para justificar, embora <strong>de</strong> forma camuflada,estas políticas, contribui a classificação das segundas gerações como“bombas-relógio” sociais. Esta imagem é consubstanciada pelas notíciasque vão sendo transmitidas pelos media e pela proliferação <strong>de</strong> bairrosperiféricos, verda<strong>de</strong>iros guettos da imigração, <strong>na</strong>s gran<strong>de</strong>s capitais europeias.No entanto, e se atentarmos ao panorama geral, a UE era até há bem poucotempo (ainda antes do alargamento a 25 estados-membros, oficializado a 1<strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 2004 e, posteriormente, a 27) um conjunto <strong>de</strong> 15 países on<strong>de</strong> residiam370 milhões <strong>de</strong> pessoas com cente<strong>na</strong>s <strong>de</strong> etnias diferentes. Os estados--membros são verda<strong>de</strong>iramente multiculturais. Po<strong>de</strong>r-se-á aplicar, nestecaso, o conceito <strong>de</strong> etnoscape (etnopaisagem) introduzido por Appadurai, quese <strong>de</strong>fine como “a paisagem <strong>de</strong> pessoas que constituem o mundo emmudança em que vivemos: turistas, imigrantes, refugiados, exilados, traba-Clara Almeida Santos20


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003lhadores estrangeiros e outros grupos e pessoas em movimento que constituema principal característica do mundo e parecem afectar a política das,e entre, <strong>na</strong>ções a um nível até agora sem prece<strong>de</strong>ntes” (Appadurai, 1998: 33).Segundo os estudos mais actuais 12 , volta a ganhar expressão o interesse<strong>de</strong>monstrado por muitos países pela imigração laboral, ou seja, ou recrutamento<strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra migrante. Este fenómeno <strong>de</strong>corre, essencialmente,do envelhecimento da população nos países ditos <strong>de</strong>senvolvidos ouindustrializados que introduzem alterações <strong>na</strong>s respectivas legislações,<strong>de</strong> forma a po<strong>de</strong>r acolher trabalhadores estrangeiros. A este respeito,observam-se duas tendências distintas: por um lado, recrutam-se trabalhadoresqualificados e altamente qualificados; por outro lado, noutrospaíses (como Portugal), os trabalhadores necessários <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>m-se asectores que exigem poucas qualificações, como a construção civil, a prestação<strong>de</strong> cuidados a pessoas idosas e a serviços <strong>de</strong> limpezas domésticas ouem empresas.Ainda assim, a migração laboral não constitui a fatia mais significativa doimportante aumento dos fluxos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is que se regista <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fi<strong>na</strong>ldos anos 90. No topo da lista encontramos a reunificação familiar 13 .Ao mesmo tempo que se regista, por parte <strong>de</strong> alguns países, a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> absorver fluxos migratórios, gran<strong>de</strong> parte do interesse consagrado àsmigrações resulta, pelo contrário, do facto <strong>de</strong> os imigrantes serem “cadavez mais consi<strong>de</strong>rados como um enorme perigo que impe<strong>de</strong> a emergência<strong>de</strong> uma Nova Or<strong>de</strong>m Mundial” (Martiniello, 1999: 3). A presença <strong>de</strong>imigrantes é sobretudo dramatizada no discurso político, o que tem comoconsequência o aumento exponencial, nos últimos anos, <strong>de</strong> legislação quetem por objectivo a regulamentação das migrações. Simultaneamente, aintegração aparece no topo das agendas políticas no que às migrações dizrespeito. A par do reforço da segurança <strong>na</strong>s fronteiras exter<strong>na</strong>s, inter<strong>na</strong>mentereforçam-se os mecanismos para melhorar recursos linguísticos,promove-se a formação profissio<strong>na</strong>l dos imigrantes, implementam-secampanhas contra a discrimi<strong>na</strong>ção. Em alguns países (como em Portugal),agendam-se períodos <strong>de</strong> regularização extraordinários para pessoas emsituação <strong>de</strong> clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> que cumpram <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos requisitos.A imigração representa, <strong>na</strong> UE e não só, um verda<strong>de</strong>iro paradoxo: “as <strong>de</strong>mocraciasoci<strong>de</strong>ntais estão cada vez mais encurraladas entre o seu ethos12. Como o relatório da OCDE Tendances <strong>de</strong>s migrations inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>les, 2003.13. Bastante menos expressivos do que se po<strong>de</strong>ria imagi<strong>na</strong>r, consi<strong>de</strong>rando os ecos noespaço público, são os números relativos aos pedidos <strong>de</strong> asilo e aos refugiados que, todosjuntos, constituem a terceira maior fatia dos fluxos migratórios, bastante afastada damigração laboral e da reunificação familiar.Clara Almeida Santos21


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003liberal e a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controlar eficazmente a imigração” (Foner,Rumbaut, Gold, 2000: 215).Posta, <strong>de</strong> forma sintética, a questão da caracterização estatística dos fluxosmigratórios da actualida<strong>de</strong> e da sua perspectivação em termos históricos,compreen<strong>de</strong>-se a riqueza e diversida<strong>de</strong> da produção teórica sobre estetema. A esta evidência vem juntar-se o facto <strong>de</strong> os media terem vindo a darcada vez mais relevo a esta matéria, com abordagens bastante abrangentes.Estes fenómenos mantêm uma relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> recíprocaque, por sua vez, tem como consequência imediata a ocupação <strong>de</strong> um lugarsignificativo dos temas ligados às migrações no espaço público mediatizado.2.1.3. Enquadramento teórico dos sistemas <strong>de</strong> migraçãoO tema das migrações atravessa uma série <strong>de</strong> discipli<strong>na</strong>s, das quais sepo<strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar a Sociologia, a Antropologia, a Geografia, além <strong>de</strong> outrassubsidiárias. Os estudos sobre o tema variam entre abordagens macro, quepreten<strong>de</strong>m explicar o fenómeno como um todo global, e as abordagensmicro, restringidas a casos pontuais (numa região, num país, num bairro)<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se preten<strong>de</strong>m tirar ilações genéricas.2.1.3.1. Teorias e polémicasA atestar a saú<strong>de</strong> e vitalida<strong>de</strong> da investigação está o facto <strong>de</strong> existiremteorias <strong>de</strong> substituição, ou seja, que o que ontem era dado como certo, hojeé questio<strong>na</strong>do pelos investigadores que se <strong>de</strong>bruçam sobre as questões dasmigrações. A par <strong>de</strong>sta justificação, po<strong>de</strong>mos encontrar motivos para oconstante <strong>de</strong>vir das teorias da migração <strong>na</strong>s próprias características dofenómeno. Na verda<strong>de</strong>, a migração varia, em termos <strong>de</strong> volume e <strong>de</strong> composição,consoante o grau <strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> das áreas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>doterritório, conforme a varieda<strong>de</strong> das pessoas, com as flutuações da economia.A questão que mais tem dividido os teóricos pren<strong>de</strong>-se com os motivos queconduzem à <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> migrar. Durante um longo período <strong>de</strong> tempo, aceitava-sea visão (agora conotada como simplista) dita do “puxa-empurra”.O mais importante (até porque pioneiro) <strong>de</strong>stes mo<strong>de</strong>los foi apresentado em1885 por Ravenstein à Royal Statistical Society, com o título ambicioso <strong>de</strong>“As Leis da Migração”. Trata-se, em linhas gerais, <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo baseadono conceito do homo oeconomicus, que respon<strong>de</strong> às pressões discerníveis<strong>de</strong> forma a maximizar as vantagens e minimizar o <strong>de</strong>sconforto (Jackson,1991).Clara Almeida Santos22


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Genericamente, os autores contemporâneos 14 contestam esta visão, afirmandoque ela não leva em conta variados factores que influenciam osprocessos migratórios. Entre esses factores “exógenos” aos processoseconómicos (embora possam estar <strong>na</strong> base ou ser consequências <strong>de</strong>les),<strong>de</strong>stacam-se: processos políticos ou <strong>de</strong>mográficos, relações sociais, diferençasentre indivíduos (quando sujeitos ao mesmo ambiente económico, uns<strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m pela migração, outros não), as relações inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is entre ospaíses <strong>de</strong> imigração e <strong>de</strong> emigração (nomeadamente, como já referimos, asligações entre as antigas potências coloniais e as suas antigas colónias).Ainda assim, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Ravenstein e dos seus seguidores apresentam duasasserções muito válidas para o estudo das migrações: a primeira <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>que o <strong>de</strong>senvolvimento da tecnologia e do comércio conduz, invariavelmente,ao aumento dos fluxos migratórios; a segunda aponta para amotivação económica como a que tem mais peso <strong>na</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> migrar.Várias correntes teóricas apontam para o crescimento do volume e dataxa <strong>de</strong> migração ao longo do tempo, o que po<strong>de</strong> ser explicado à luz <strong>de</strong>vários factores, mas essencialmente graças ao <strong>de</strong>senvolvimento das vias <strong>de</strong>comunicação e <strong>de</strong> transporte e ao progressivo <strong>de</strong>sequilíbrio entre as váriasregiões do mundo 15 . Mas também aqui a polémica tem meio <strong>de</strong> culturafértil. Jo<strong>na</strong>s Widgren (Cohen, 1996) é um dos autores que <strong>de</strong>smontam estatendência. Este investigador propõe que se tome em consi<strong>de</strong>ração umperíodo <strong>de</strong> 200 anos (<strong>de</strong> 1800 a 2000) para constatar que o maior fluxo <strong>de</strong>migração se registou entre 1845 e 1924, com 50 milhões <strong>de</strong> pessoas (<strong>na</strong> suamaioria europeus) a movimentar-se. Contudo, aos números absolutos<strong>de</strong>vem juntar-se o peso relativo das migrações: a migração contemporâneaé, em quantida<strong>de</strong>s absolutas, maior do que em eras anteriores <strong>de</strong>migração. Em termos relativos, porém, é um pouco menor (Ghatak,Sassoon, 2001).2.1.3.2. Tipologia das migraçõesUma outra área <strong>de</strong> interesse dos estudos das migrações diz respeito à tipologiada migração. Parte-se do princípio que nem todos os migrantes migrampelos mesmos motivos e que são diferentes as relações que estabelecemcom o país que <strong>de</strong>ixaram para trás e com o país para on<strong>de</strong> se dirigem.14. Po<strong>de</strong>mos referir, a título <strong>de</strong> exemplo, Marios Nikoli<strong>na</strong>kos, Alejandro Portes e JózsefBöröcz.15. Este <strong>de</strong>sequilíbrio po<strong>de</strong> ser visto como um fosso <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong>económica entre o Norte e o Sul se tomarmos em conta que não se trata aqui do“Norte” e do “Sul” estáticos em termos geográficos, mas concordando, em termos metafóricos,que “cada Norte tem o seu Sul”.Clara Almeida Santos23


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Seguindo a construção teórica <strong>de</strong> Appleyard, que terá consequências <strong>na</strong>metodologia aplicada no estudo empírico <strong>de</strong>scrito no capítulo VI <strong>de</strong>stetrabalho, po<strong>de</strong>mos distinguir entre imigrantes permanentes (inclui reagrupamentofamiliar), trabalhadores contratados (normalmente não qualificadosou, pelo menos, a executar tarefas que não exigem gran<strong>de</strong>squalificações), profissio<strong>na</strong>is transeuntes (normalmente trabalhadores altamentequalificados) que migram temporariamente, clan<strong>de</strong>stinos ou ilegais,pessoas em busca <strong>de</strong> asilo (com base em fundamentos políticos ou económicos)e refugiados.Importa a este respeito realçar os motivos que dão origem às correntesmigratórias que estão <strong>na</strong> base dos pedidos <strong>de</strong> refúgio ou <strong>de</strong> asilo. De facto,em termos quantitativos, estes representam ape<strong>na</strong>s uma peque<strong>na</strong> parte dosfluxos migratórios. A sensação <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> um movimento numericamentemais expressivo do que <strong>na</strong> realida<strong>de</strong> é releva do facto <strong>de</strong> sermuito mediatizado e <strong>de</strong> fazer parte da agenda política <strong>de</strong> muitos países quesão alvo <strong>de</strong> pedidos <strong>de</strong> refúgio ou <strong>de</strong> asilo.Everett Lee compara a importância das motivações políticas com outras <strong>de</strong>diferente tipo para concluir da sua peque<strong>na</strong> expressão: “leis más ou opressivas,impostos elevados, clima não atractivo, redon<strong>de</strong>zas sociais inconvenientese até compulsão (tráfico e transporte <strong>de</strong> escravos) produziram eainda produzem correntes <strong>de</strong> migração, mas nenhuma <strong>de</strong>ssas correntes sepo<strong>de</strong> comparar, em volume, com a que emerge do <strong>de</strong>sejo inerente à maiorparte dos homens <strong>de</strong> se «melhorar» a nível material” (Cohen, 1996: 15).Uma das cida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada como um exemplo vivo <strong>de</strong>sta tipologia,<strong>de</strong> forma a ilustrar como os diferentes tipos <strong>de</strong> migrantes convivem nomesmo espaço, é Bruxelas, apresentada por Alain Tarrius como um localon<strong>de</strong> se cruzam imigrantes pobres em busca <strong>de</strong> melhores condições <strong>de</strong> vida eresi<strong>de</strong>ntes temporários que ocupam lugares cimeiros <strong>na</strong> hierarquia laboral,como quadros da OTAN ou <strong>de</strong> instâncias comunitárias (Tarrius, 1992).2.1.3.3. Tendências actuaisNo momento presente, o enfoque teórico e político <strong>de</strong> alguns quadrantescomeça a apontar para novas direcções. Quer os trabalhos académicosquer o discurso político começam a questio<strong>na</strong>r se a imigração po<strong>de</strong> ser asolução para algumas das questões prementes com as quais se <strong>de</strong>batemas socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais contemporâneas, nomeadamente o envelhecimentoda população. Um estudo da ONU, publicado em 2001 16 , sustenta que16. “Replacement Migration: Is it a Solution to Declining and Ageing Populations?”.Clara Almeida Santos24


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003o número <strong>de</strong> imigrantes necessários para evitar <strong>de</strong>clínios <strong>na</strong> populaçãoactiva é superior ao número necessário para evitar o <strong>de</strong>clínio da populaçãototal. Se, acrescenta o relatório, esses fluxos se verificarem, os fluxosmigratórios pós-1995 e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes representarão uma fatia largamentemaioritária da população total em 2050. O défice <strong>de</strong> populaçãoactiva <strong>na</strong> União Europeia, a manterem-se os níveis da taxa <strong>de</strong> <strong>na</strong>talida<strong>de</strong>actuais, está previsto já para 2010. Actualmente, as contribuições dosimigrantes, em termos <strong>de</strong> impostos pagos nos países que os acolhem,representam já uma parte significativa <strong>na</strong> balança <strong>de</strong> receitas dos Estados 17 .O crescimento <strong>de</strong>mográfico <strong>na</strong> maioria dos países da UE <strong>de</strong>ve-se aosfluxos migratórios que acolhe.Apesar disso, e como já vimos a propósito da caracterização estatística dosfluxos migratórios da actualida<strong>de</strong>, a imigração (já não falamos <strong>de</strong> migrações)é frequente vista como uma ameaça à segurança e à estabilida<strong>de</strong><strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is dos países <strong>de</strong> acolhimento, sobretudo por parte <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dasfacções políticas, que fazem <strong>de</strong>ste tema o seu porta-estandarte.Como resultado da dissemi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong>stas “doutri<strong>na</strong>s” verificou-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> osanos 70, que a proporção dos estados que consi<strong>de</strong>ram os seus níveis <strong>de</strong>imigração altos <strong>de</strong>mais triplicou 18 . A consequência pública mais visível<strong>de</strong>ste facto é a implementação, nesses países, <strong>de</strong> medidas que fecham asportas à imigração. Menos visível mas também <strong>de</strong>tectável é a eclosão <strong>de</strong>movimentos <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas com expressão partidária. Em épocas <strong>de</strong>recessão económica, as populações autóctones ficam mais susceptíveis àaceitação <strong>de</strong> semelhantes i<strong>de</strong>ologias. Apesar dos inúmeros estudos queafirmam a dissociação entre que o <strong>de</strong>semprego e a imigração, principalmenteporque os trabalhos ocupados pelos imigrantes são, <strong>na</strong> sua maioria,aqueles que a população <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l não está disposta a aceitar.Estamos <strong>na</strong> presença, portanto, <strong>de</strong> dois entendimentos dicotómicos daquestão das migrações inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, <strong>na</strong> perspectiva dos países <strong>de</strong> acolhimento(aquela que nos ocupa neste trabalho). Por um lado, os imigrantessão vistos como indutores <strong>de</strong> problemas sociais <strong>de</strong> vária or<strong>de</strong>m. Por outro,são apontados como a resolução dos problemas <strong>de</strong>mográficos e, consequentemente,económicos que afligem as previsões das civilizações oci<strong>de</strong>ntaisindustrializadas.17. Refira-se, a este propósito, que em Portugal, em 2002, as contribuições dos imigrantesperfizeram 5 por cento das contribuições totais. Contas feitas, em 2001, a diferençaentre as receitas fiscais e da Segurança Social provenientes da população imigrantee os gastos do Estado com essa população ultrapassou os 311 milhões <strong>de</strong> euros. No ano<strong>de</strong> 2001, cada estrangeiro a trabalhar em Portugal (legalizado ou em vias <strong>de</strong> o ser) terásido um contribuinte líquido do Estado em cerca <strong>de</strong> 1390 euros. Estes números constamdo estudo Impacto da Imigração em Portugal <strong>na</strong>s Contas do Estado, <strong>de</strong> Corrêa d‘Almeida.18. Jo<strong>na</strong>s Widgren, Inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l Migration and regio<strong>na</strong>l stability, in Cohen, 1996.Clara Almeida Santos25


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003As questões políticas assumem, assim, uma relevância extrema. O po<strong>de</strong>rpolítico é, simultaneamente, quem <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> (em teoria) as entradas equem promove, em primeira instância, a integração. As questões da cidadaniasão compreensivelmente prepon<strong>de</strong>rantes <strong>na</strong> produção teórica acercadas migrações. A fase da consi<strong>de</strong>ração da cidadania e dos direitos políticosoutorgados aos imigrantes representa já algum reconhecimento da consolidaçãoda imigração. Ou seja, é própria <strong>de</strong> um segundo e terceiro momento,posterior ao da fixação temporária.Na terminologia anglo-saxónica (Castels, Davidson, 2000), distinguem-secitizens, <strong>de</strong>nizens e margizens. Aos primeiros correspon<strong>de</strong>ria o cidadão <strong>de</strong>pleno direito, <strong>na</strong>tural do país on<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> ou que tenha adquirido <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>,que goza <strong>de</strong> direitos civis, políticos e sociais. Os <strong>de</strong>nizens, a quepo<strong>de</strong>ríamos chamar “semi-cidadãos”, são <strong>de</strong>finidos como “cidadãos estrangeiroscom permanência legal e residência permanente” em <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dopaís. Normalmente, gozam <strong>de</strong> direitos sociais e civis, mas é-lhes negado oacesso à tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões políticas, nomeadamente o direito ao voto.Fi<strong>na</strong>lmente, margizens será uma contracção entre o margi<strong>na</strong>l e o cidadãopara referir os imigrantes sem residência legal, clan<strong>de</strong>stinos ou quebuscam asilo ou refúgio. A estes, os direito já referidos são extremamentelimitados (Bauböck, 1994).Existe ainda uma espécie <strong>de</strong> categoria intermédia, cuja tendência expectávelé a do <strong>de</strong>saparecimento, mas que ainda tem cabimento no registo teóricorelativo à União Europeia. Trata-se <strong>de</strong> um nível <strong>de</strong> cidadãos que se situaentre os cidadãos que vivem <strong>de</strong>ntro do estado que lhes dá <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> eos <strong>de</strong>nizens: são cidadãos <strong>de</strong> um estado-membro da UE que estejam amorar em outro estado-membro, os quais ainda gozam <strong>de</strong> um igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong>direitos completa.Esta introdução <strong>de</strong> novos conceitos respon<strong>de</strong>, em certa medida, à problemática<strong>de</strong>corrente das novas etnopaisagens e da globalização, que afecta aautonomia relativa do estado-<strong>na</strong>ção, sobretudo no que diz respeito ao nexoentre po<strong>de</strong>r e lugar (Castels, Davidson, 2000).Uma das formas <strong>de</strong> promover a cidadania aplicada aos imigrantes é aapologia da cidadania cívica, forma que abarca direitos e obrigações dosimigrantes perante o país <strong>de</strong> acolhimento, com o objectivo <strong>de</strong> fomentar aintegração.Recuperando as palavras <strong>de</strong> Martiniello, “a migração e as formas em que ésocialmente construída constituem uma lente através da qual po<strong>de</strong>mosolhar a cidadania e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> etno-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> modo a renovar essesClara Almeida Santos26


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003conceitos para que possam ver acrescido o seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> explicação nummundo em rápida mudança” (Martiniello, 1999: 5).Ao mesmo tempo, outros teóricos como John Solomos verificam que aconstrução <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> (neste caso, europeia) implica um padrão <strong>de</strong>exclusão do Outro, migrante, estrangeiro ou negro.Em jeito <strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong>sta primeira abordagem às formas <strong>de</strong> ver omigrante num contexto global, po<strong>de</strong>mos afirmar que, apesar <strong>de</strong> o fenómenodos fluxos migratórios não ser recente, as abordagens ao tema têm sidodiferentes, no que diz respeito às perspectivas teóricas. A realida<strong>de</strong>cambiante dos próprios processos migratórios está <strong>na</strong> origem <strong>de</strong>sta permanenterenovação. Os reflexos sentem-se também ao nível das políticas e dasformas <strong>de</strong> pensar a migração por parte da socieda<strong>de</strong> em geral.Depois da escala global, mais aproximada à realida<strong>de</strong> da Europa Oci<strong>de</strong>ntal,olhamos <strong>de</strong> seguida para Portugal, para compreen<strong>de</strong>r mais tar<strong>de</strong> os mecanismosda imprensa <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l quando está em causa a questão dasmigrações.Clara Almeida Santos27


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20033. PORTUGAL, PAÍS DE MIGRAÇÃO“Um português que é só portuguêsNão é português”.Fer<strong>na</strong>ndo Pessoa3.1. EMIGRAÇÃO, IMIGRAÇÃO: DUAS FACES DA MESMA MOEDAEm Portugal, po<strong>de</strong>r-se-á dizer que a imigração, fundamentalmente nosúltimos <strong>de</strong>z anos, se constituiu como uma transformação já assimilada.Tema recorrente no discurso político, frequentemente a imigração é colocadaem contraponto com a emigração portuguesa. Sobretudo quando osenunciados são dotados <strong>de</strong> um carácter moral e têm como objectivo alertarpara a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> integração dos migrantes que escolheram Portugalcomo <strong>de</strong>stino. A dualida<strong>de</strong> “país <strong>de</strong> emigração/país <strong>de</strong> imigração” é amplamentedifundida, sobretudo ao nível dos discurso político, numa justificaçãodas medidas implementadas e também como resposta à existência<strong>de</strong> movimentos sociais relativamente recentes e que são consequênciada realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Portugal como país <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino.Em certa medida, as situações são complementares e justificam-se reciprocamente.Na verda<strong>de</strong>, os índices <strong>de</strong> emigração registados em Portugal<strong>na</strong> viragem do século XX são equivalentes aos que se verificavam nos anos60, entre as 50 mil e as 100 mil saídas anuais (Cádima, Figueiredo, 2003:105). Como <strong>de</strong>corre do exposto, a corrente emigratória está longe <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rconsi<strong>de</strong>rar-se extinta, ao que acresce o facto <strong>de</strong> o peso dos emigrantesportugueses radicados no estrangeiro ser “incomparavelmente superior aodos estrangeiros” 19 resi<strong>de</strong>ntes em Portugal. Vários autores vêem aliásneste fenómeno emigratório um dos factores que contribuem para aentrada <strong>de</strong> imigrantes em Portugal. Parte das carências laborais que osfluxos migratórios vêm colmatar são motivadas pela saída <strong>de</strong> trabalhadoresautóctones, que estão a <strong>de</strong>sempenhar o mesmo tipo <strong>de</strong> serviços, porexemplo, em países do Norte da Europa. Po<strong>de</strong>r-se-ia dizer, com MariaBaganha e Emilio Reynery, que Portugal serve como uma espécie <strong>de</strong>“câmara <strong>de</strong> compensação” entre os países <strong>de</strong> envio <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obraimigrante e os países que recrutam mão-<strong>de</strong>-obra (Solé, 2001).Este é um dos mecanismos complexos da migração em Portugal queficam, frequentemente, camuflados por estereótipos que grassam noespaço público, como o da “invasão” <strong>de</strong> Portugal por parte <strong>de</strong> cidadãos19. Intervenção <strong>de</strong> Maria Beatriz Rocha-Trinda<strong>de</strong>, in Lages, Policarpo, 2003: 92.Clara Almeida Santos28


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003estrangeiros. Outro exemplo é o da realida<strong>de</strong> laboral dos imigrantes emPortugal, tipicamente conotada com a ocupação <strong>de</strong> posições <strong>na</strong> base dapirâmi<strong>de</strong>, tais como a construção civil ou obras pública, no caso dos homens,ou as limpezas domésticas ou <strong>de</strong> empresas, no caso das mulheres.De acordo com o relatório da OCDE sobre as migrações inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>isem 2003, distinguem-se dois grupos <strong>de</strong> países, consi<strong>de</strong>rando como ângulo<strong>de</strong> análise um critério quantitativo – a percentagem <strong>de</strong> estrangeiros face àpopulação <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. O primeiro caracteriza-se pela imigração com carácteressencialmente temporário, em que os fluxos representam sistematicamenteuma proporção importante em relação aos efectivos. No segundo,em que Portugal se insere (segundo o referido relatório), a imigraçãoconstitui um fenómeno recente ou em forte crescimento. Entre os paísesque pertencem à OCDE são referidos, para além <strong>de</strong> Portugal, a Irlanda, aItália e a Grécia. Aponta-se para estes países, pertencentes ao segundogrupo, uma tendência <strong>de</strong> chegada <strong>de</strong> novas vagas <strong>de</strong> imigração, consequência<strong>na</strong>tural do reagrupamento familiar. Talvez quando (e se) estatendência se registar e se, simultaneamente, se verificarem alteraçõesnos fluxos emigratórios com origem em Portugal venha a fazer sentidotentar classificar o país em termos <strong>de</strong> imigração ou emigração.Para já, fará mais sentido consentir que estamos <strong>na</strong> presença <strong>de</strong> um país<strong>de</strong> migrações, para então partir para uma caracterização mais concreta<strong>de</strong>sta realida<strong>de</strong>. Portugal ocupa, pois, uma “posição única entre os paísesdo Sul ou da periferia da UE (é um país <strong>de</strong> envio, juntamente com a Irlanda;e <strong>de</strong> acolhimento, como a Espanha ou a Grécia)” (Baganha, 1998: 36). Nocaso do presente estudo, trabalhamos ape<strong>na</strong>s os dados relativos às migraçõesque têm Portugal como <strong>de</strong>stino.3.2. A IMIGRAÇÃO EM PORTUGAL EM NÚMEROSPo<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar a história da imigração em Portugal dividida em cincogran<strong>de</strong>s períodos: os três primeiros encontram-se amplamente <strong>de</strong>finidos<strong>na</strong> literatura sobre o tema e o quarto, mais recente, já foi alvo <strong>de</strong> algumainvestigação. O quinto é apresentado neste trabalho sem que exista aindaapoio teórico para o sustentar, muito <strong>de</strong>vido ao facto <strong>de</strong> ainda estar a<strong>de</strong>correr e por isso ser um objecto <strong>de</strong> difícil <strong>de</strong>finição e ainda mais árdua<strong>de</strong>limitação. Ainda assim, não será nenhuma heresia consi<strong>de</strong>rá-lo comodistinto do período anterior, já que apresenta características próprias <strong>na</strong>svárias dimensões <strong>de</strong> que se reveste o fenómeno migratório, até mesmo <strong>na</strong>vertente mais facilmente a<strong>na</strong>lisável – a quantitativa.Clara Almeida Santos29


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Assim, seguindo a caracterização proposta por F. L. Machado (1991) para ostrês primeiros períodos, po<strong>de</strong>mos afirmar que o primeiro <strong>de</strong>les (aindamuito mais significativo em termos <strong>de</strong> emigração do que <strong>de</strong> imigração)correspon<strong>de</strong>, grosso modo, à década <strong>de</strong> 60. Nesta época, a imigraçãosurgia como uma forma <strong>de</strong> compensar a partida dos portugueses quepartiam para a Europa do Norte e América; trata-se <strong>de</strong> uma imigração incipientee pouco significativa, embora já seja dig<strong>na</strong> <strong>de</strong> registo por váriosautores 20 .O segundo período da imigração em Portugal inicia-se nos anos 70, com o<strong>de</strong>flagrar das guerras da in<strong>de</strong>pendência <strong>na</strong>s antigas províncias portuguesasem África. Regista-se um movimento <strong>de</strong> entrada em Portugal <strong>de</strong>resi<strong>de</strong>ntes nessas regiões, consi<strong>de</strong>rados como imigrantes, apesar <strong>de</strong>,oficialmente, serem portugueses. Este fluxo tor<strong>na</strong>-se particularmenteintenso <strong>de</strong>pois da Revolução <strong>de</strong> 1974 e a <strong>de</strong>scolonização que se seguiu, quefez com que se verificasse um crescimento médio anual da populaçãoestrangeira em Portugal <strong>na</strong> or<strong>de</strong>m dos 12,7 por cento (Baganha, Marques,2001: 11). Chegados a 1980, havia em Portugal “58.000 resi<strong>de</strong>ntes estrangeiros,dos quais 48% oriundos <strong>de</strong> África, 31% da Europa e 11% da Américado Sul” (Baganha, Marques, 2001: 15). Este valor não inclui os portuguesesretor<strong>na</strong>dos das antigas colónias, que protagonizaram um dos gran<strong>de</strong>s<strong>de</strong>safios que Portugal no âmbito <strong>de</strong> processos migratórios. Estima-se quecerca <strong>de</strong> 505.000 cidadãos tenham regressado a Portugal, provenientessobretudo <strong>de</strong> Angola (61 por cento) e Moçambique (32 por cento). Estecálculo é feito com base no Censo <strong>de</strong> 1981, que veio mostrar que mais <strong>de</strong> 5por cento da população portuguesa residia a 31 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1974,<strong>na</strong>s ex-colónias 21 .Na verda<strong>de</strong>, este movimento correspon<strong>de</strong> a um regresso <strong>de</strong> emigrantesportugueses radicados <strong>na</strong>s ex-colónias, sobretudo durante a década <strong>de</strong> 60.Dado o período prolongado <strong>de</strong> ausência e ao facto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte dos queregressaram terem já <strong>na</strong>scido nos territórios administrados por Portugalem África, tomamos a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar, com legitimação <strong>de</strong> váriosautores, o fenómeno como migratório com características <strong>de</strong> imigração.Tratou-se, portanto, <strong>de</strong> um verda<strong>de</strong>iro processo <strong>de</strong> integração <strong>de</strong> pessoascom uma cultura, mentalida<strong>de</strong> e experiência completamente marcadas pelapermanência <strong>na</strong>s ex-colónias, já para não falar no esforço <strong>de</strong> integraçãolaboral <strong>de</strong> uma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas que correspondia a uma gran<strong>de</strong>percentagem da população portuguesa a residir no continente <strong>na</strong> época.Registaram-se também alterações profundas ao nível da evolução do20. Cf., por exemplo, Esteves, 1991.21. Cónim, Carrilho, 1989: 91.Clara Almeida Santos30


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003número <strong>de</strong> <strong>na</strong>scimentos, casamentos e um rejuvenescimento global dapopulação portuguesa resi<strong>de</strong>nte em território <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (ape<strong>na</strong>s a títuloexemplificativo, diga-se que o número <strong>de</strong> indivíduos com menos <strong>de</strong> 15anos, entre 1960 e 1981, cresce <strong>de</strong> 15 por cento da população total para 42por cento da população total). O repatriamento <strong>de</strong> portugueses resi<strong>de</strong>ntes<strong>na</strong>s ex-colónias veio também aumentar ligeiramente a qualificação damão-<strong>de</strong>-obra e revitalizar algumas activida<strong>de</strong>s, nomeadamente empresariaise industriais, um pouco por todo o país.Neste contexto <strong>de</strong> alterações profundas, o processo <strong>de</strong> industrializaçãoem Portugal conhece alguma evolução nos anos 70, <strong>de</strong>pois da recessãoeconómica vivida durante a década anterior. Com a entrada <strong>na</strong> EFTA, opaís abre-se ao investimento estrangeiro e estreitam-se as relações comoutros países (Esteves, 1991:20). Portugal começa, pois, a ser um <strong>de</strong>stinomais apetecível aos olhos <strong>de</strong> imigrantes <strong>de</strong> vários tipos. Embora seja difícil<strong>de</strong> contabilizar, é nesta época também que começa a registar-se um fluxo<strong>de</strong> imigração proveniente dos PALOP. Estes cidadãos eram consi<strong>de</strong>radoscomo portugueses e daí a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fornecer números rigorososrelativos a este movimento imigratório. Realce-se, no entanto, dois tipos <strong>de</strong>imigração: a <strong>de</strong> estudantes que procuram Portugal para fazer estudossuperiores (embora em número pouco significativo, correspon<strong>de</strong> à “fatia”dos futuros dirigentes dos PALOP, o que se reveste <strong>de</strong> particular significado;a <strong>de</strong> trabalhadores <strong>de</strong>squalificados que vêm ocupar lugares especialmente<strong>na</strong> construção civil, oriundos, sobretudo <strong>de</strong> Cabo Ver<strong>de</strong>, que fundam emPortugal bases para o estabelecimento <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> imigrantesque vão conhecer um enorme <strong>de</strong>senvolvimento. Na realida<strong>de</strong>, a percentagem<strong>de</strong> população estrangeira empregue neste sector <strong>de</strong> activida<strong>de</strong> em1981 é <strong>de</strong> 22 por cento (contra os 3 por cento registados em 1960).A estabilização <strong>de</strong>stas mudanças <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> portuguesa marca o início doterceiro período, que po<strong>de</strong>mos situar <strong>na</strong>s décadas <strong>de</strong> 80 e 90, em que seregistou a continuação dos fluxos provenientes <strong>de</strong> países lusófonos, com especial<strong>de</strong>staque para a consolidação da ca<strong>de</strong>ia migratória estabelecida com Cabo--Ver<strong>de</strong> e também com o Brasil (Machado, 1991). Este período é marcado por umcrescimento económico que tor<strong>na</strong> Portugal cada vez mais apetecível. A entrada<strong>na</strong> então CEE, que acontece em 1986, e a chegada dos fundos estruturaiscomunitários, reforça a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um país em crescimento, com oportunida<strong>de</strong>s.Na realida<strong>de</strong>, a perspectiva tem todo o cabimento, sobretudo se atentarmos aofacto <strong>de</strong> terem sido criados, entre 1981 e 1991, 620 mil novos postos <strong>de</strong> trabalho,ao passo que foram suprimidos 365 mil (Baganha, Góis, Ramalho, 1996-1998).De fulcral importância neste período é a queda do Muro <strong>de</strong> Berlim, que vai<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>r uma série <strong>de</strong> alteração ao nível da “ecologia huma<strong>na</strong>” global.Clara Almeida Santos31


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Esta mudança não se vai fazer sentir ape<strong>na</strong>s nos países que <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong>estar sob domínio do bloco soviético, mas também dos países então ditosdo Terceiro Mundo. O seu peso no cenário mundial diminui <strong>de</strong>vido à perda <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r negocial nos fóruns inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, já que <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser interessantespara os lados conten<strong>de</strong>ntes <strong>na</strong> Guerra Fria (Dirk J. Van <strong>de</strong> Kaa,em Cohen, 1996). Como consequência <strong>de</strong>ste efeito dominó po<strong>de</strong>mosapontar um certo <strong>de</strong>clínio das condições <strong>de</strong> vida ou, pelo menos, da esperança<strong>de</strong> as vir a alcançar. As alterações repercutem-se no fenómenomigratório. Portugal passa a ser <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> imigração diferente,que vai marcar <strong>de</strong>cisivamente o início <strong>de</strong> uma nova era.O quarto período <strong>de</strong>senvolve-se nos últimos anos do século XX e é marcadopor uma nova baixa <strong>na</strong> taxa anual média <strong>de</strong> crescimento da populaçãoestrangeira, que passa a situa-se por volta dos 6,4 por cento, com umgran<strong>de</strong> influxo proveniente do Brasil (Baganha, Marques, 2001). Em 1999,existem 190.896 imigrantes registados, sendo 47 por cento <strong>de</strong>ssa populaçãoproveniente <strong>de</strong> África, 30 por cento da Europa, 14 por cento da América doSul e 5 por cento da América do Norte. Portugal consolida-se, <strong>de</strong>cididamente,como um país capaz <strong>de</strong> absorver mão-<strong>de</strong>-obra estrangeira. Convémrelembrar que a década <strong>de</strong> 90 correspon<strong>de</strong> a uma explosão <strong>de</strong> obraspúblicas e da preparação <strong>de</strong> acontecimentos <strong>de</strong> monta – Ponte Vasco daGama, Expo98, Porto2001.Verificamos, pois, que também Portugal não foge à regra, enunciada nocapítulo anterior, que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> que a imigração seja, sobretudo, proveniente<strong>de</strong> regiões com as quais o país <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino manteve ou mantémrelações mais intensas. Aliás, é característico <strong>de</strong> todo o migrante “procurar,tanto quanto possível, efectuar uma mudança do conhecido para o conhecido”(Jackson, 1991: 83). A língua <strong>de</strong>sempenha um papel fundamenteneste processo cognitivo, <strong>na</strong> i<strong>de</strong>ntificação do que é o “conhecido”. Daí quese tenha realçado, num momento anterior, o facto <strong>de</strong> muitos dos futurosdirigentes das <strong>na</strong>ções que se tor<strong>na</strong>ram in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Portugal teremrealizado os seus estudos superiores em instituições portuguesas.No entanto, esta concepção tradicio<strong>na</strong>l do movimento migratório vaiconhecer algumas transformações, como vamos po<strong>de</strong>r observar, talvez<strong>de</strong>vido aos processos <strong>de</strong> globalização que, genericamente, fazem com queo mundo inteiro seja um lugar cada vez mais conhecido.Um dos acontecimentos marcantes <strong>de</strong>ste período e que vem exactamentenesta linha <strong>de</strong> raciocínio é a entrada em vigor do Acordo <strong>de</strong> Schengen, em1993. Este marco po<strong>de</strong> explicar, pelo menos parcialmente, os 30 por cento<strong>de</strong> população estrangeira proveniente da Europa. Basicamente, o Acordo <strong>de</strong>Clara Almeida Santos32


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Schengen <strong>de</strong>terminou a existência <strong>de</strong> fronteiras exter<strong>na</strong>s comuns a todosos países da União Europeia. Ou seja, a circulação no interior da UE po<strong>de</strong>fazer-se livremente, já que as únicas fronteiras fisicamente existentes (e nãogeopoliticamente, <strong>na</strong>turalmente) são as que distinguem os então Quinze doresto do mundo. A partir da entrada em vigor do Acordo, registou-se umaumento significativo do volume <strong>de</strong> imigrantes em todos os países da UE,protagonizado sobretudo por indivíduos provenientes do Leste europeu, ePortugal não foi excepção.Em termos laborais, as características <strong>de</strong>ste período mostram bem asituação <strong>de</strong> semi-periferia <strong>de</strong> Portugal, sobretudo ao nível do funcio<strong>na</strong>mentodo mercado laboral que integra os imigrantes: por um lado,“instalam-se em Portugal <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> países <strong>de</strong>senvolvidos da Europa comníveis elevados <strong>de</strong> qualificação, fluxo qualitativamente simétrico em relaçãoao da emigração portuguesa <strong>de</strong> trabalhadores não qualificados durante asdécadas <strong>de</strong> 60 e 70 para esses mesmos países. Por outro lado, Portugal éo <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> trabalhadores não qualificados oriundos dosPALOP, países para on<strong>de</strong>, em contrapartida, se dirige um fluxo <strong>de</strong> trabalhadoresportugueses qualificados” (Esteves, 1991: 33). Ou seja, as marcas<strong>de</strong> uma evolução positiva, visível ao nível da qualificação da mão-<strong>de</strong>-obra eda melhoria das condições <strong>de</strong> vida da população em geral vivem lado a ladocom a “paralelização da economia e <strong>de</strong>ficiente regularização do mercado <strong>de</strong>trabalho” (Garcia, 2000: 111).3.2.1. O “quinto período”No contexto <strong>de</strong> um certo optimismo relativamente às possibilida<strong>de</strong>s oferecidaspor Portugal, talvez seja <strong>de</strong>sejável começar a esboçar um novoperíodo da imigração. A sua característica mais imediata está bem patente<strong>na</strong> estatística referente à residência <strong>de</strong> estrangeiros em Portugal. Deacordo com o SEF, registou-se um crescimento <strong>de</strong> 68,8 por cento <strong>de</strong>estrangeiros legais no território, <strong>de</strong> 207.607 para 350.503, entre 2001 e2002. Este fenómeno <strong>de</strong>ve-se à realização <strong>de</strong> um período extraordinário <strong>de</strong>legalização, que mais adiante se caracterizará com maior <strong>de</strong>talhe. Seconsi<strong>de</strong>rarmos os números referentes a 2003, divulgados pela mesmafonte, verificamos que em quatro anos, o número <strong>de</strong> estrangeiros a residirem Portugal ou com autorização <strong>de</strong> permanência aumentou mais <strong>de</strong> 100 porcento, já que no fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> 2003 o SEF registou um total <strong>de</strong> 434.548.Em termos <strong>de</strong> composição “étnica”, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fi<strong>na</strong>l dos anos 90 tem-seregistado um aumento da imigração proveniente dos vários países--membros da UE e dos chamados países <strong>de</strong> Leste, <strong>na</strong> sua maioria resul-Clara Almeida Santos33


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003tantes do <strong>de</strong>smembramento da ex-União Soviética. A comunida<strong>de</strong> ucrania<strong>na</strong>chegou a ser a terceira maior entre as comunida<strong>de</strong>s estrangeiras emPortugal, constituída por 62.834 cidadãos legais (com autorização <strong>de</strong>permanência), em 2001 22 . Curiosamente, se atentarmos ao número <strong>de</strong>ucranianos resi<strong>de</strong>ntes em Portugal em 2003 (<strong>de</strong> acordo com os dados doSEF), o valor <strong>de</strong>sce para 504 indivíduos, o que indica que a gran<strong>de</strong> percentagem<strong>de</strong>ssa comunida<strong>de</strong> está em Portugal há relativamente pouco tempo,pelo menos tempo insuficiente para ter o estatuto <strong>de</strong> resi<strong>de</strong>nte. Este dadoé reforçado pela observação <strong>de</strong> que, em 1999, existiam 123 ucranianoslegais em Portugal (MSST/DEPP, 2001: 41).Mais recentemente, o Brasil voltou a ganhar importância enquanto país <strong>de</strong>origem, sobretudo <strong>de</strong>vido ao período extraordinário <strong>de</strong> legalização <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>do,exclusivamente, a cidadãos brasileiros, levado a cabo em 2003.Uma das características curiosas (embora expectável) da população <strong>de</strong>imigrantes em Portugal é o facto <strong>de</strong> representar (<strong>de</strong> acordo com números<strong>de</strong> 2002 divulgados no relatório da OCDE relativo a 2003) 3,4 por cento dapopulação resi<strong>de</strong>nte e 4,5 por cento da população activa 23 . Esta presença nomercado <strong>de</strong> trabalho relacio<strong>na</strong>-se directamente com as motivações queestão <strong>na</strong> base dos processos migratórios e, por isso, merece um <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong>talhado mais à frente neste capítulo.Relativamente à composição em termos <strong>de</strong> sexo da população imigranteem Portugal, registou-se, neste último período, um ligeiro crescimentoda proporção <strong>de</strong> mulheres no total <strong>de</strong> população estrangeira, <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong>41,5 por cento em 1995 para 44 por cento em 2001 (OCDE, 2003: 278).Números mais recentes dão conta <strong>de</strong>sta tendência, sendo que, consi<strong>de</strong>rando<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s, como é o caso da brasileira ou darussa, o número <strong>de</strong> mulheres que procuram Portugal é já superior ao <strong>de</strong>homens (dados do SEF relativos à população estrangeira resi<strong>de</strong>nte emPortugal em 2003).Um dos objectivos <strong>de</strong>ste trabalho é, precisamente, enquadrar o tratamentodado pela imprensa a este fenómeno, num período que, além do queos números têm <strong>de</strong> significativo, apresenta um universo <strong>de</strong> especificida<strong>de</strong>srelativamente aos períodos anteriores. Para tentar dar conta <strong>de</strong>ssas singularida<strong>de</strong>s,preten<strong>de</strong>mos a<strong>na</strong>lisar <strong>de</strong> seguida uma série <strong>de</strong> dimensões queajudarão, <strong>na</strong> nossa perspectiva, a clarificar a visão acerca da periodizaçãoproposta.22. Dados apresentados no I Congresso da Imigração, já referido.23. Os dados, no entanto, não são coinci<strong>de</strong>ntes com os números divulgados pelo SEF epelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social para a mesma data.Clara Almeida Santos34


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20033.3. PROCESSOS EXTRAORDINÁRIOS DE LEGALIZAÇÃO E LEGISLAÇÃOUma das explicações possíveis para o crescimento da percentagem <strong>de</strong>população estrangeira legal em Portugal resi<strong>de</strong> <strong>na</strong> abertura <strong>de</strong> váriosperíodos extraordinários <strong>de</strong> legalização nos últimos anos: em <strong>de</strong>z anos(entre 1992 e 2002) foram levados a cabo três, que resultaram <strong>na</strong> legalização<strong>de</strong> 248.806 cidadãos estrangeiros.O primeiro período extraordinário <strong>de</strong> legalização <strong>na</strong> Europa aconteceu emItália, em 1988. Não é <strong>de</strong> estranhar que sejam sobretudo os países do Sulda Europa (Portugal, Itália, Espanha e Grécia) a implementar este tipo <strong>de</strong>soluções, uma vez que foram confrontados com uma realida<strong>de</strong> que lhes era<strong>de</strong>sconhecida, mais habituados a ser países <strong>de</strong> emigração do que <strong>de</strong>imigração. A própria ligação afectiva a este tipo <strong>de</strong> situações po<strong>de</strong> estar <strong>na</strong>base da construção <strong>de</strong> sistemas mais permissivos à entrada <strong>de</strong> imigrantesdo que o que acontece em países que lidam com o fenómeno da imigraçãohá mais tempo.Em Portugal, o primeiro período extraordinário <strong>de</strong> legalização teve lugar em1992 e nesse processo foram legalizados 39.166 estrangeiros. Convémreferir que, no início dos anos 90, dos cerca <strong>de</strong> 200 mil imigrantes existentesem Portugal, cerca <strong>de</strong> 40 por cento encontra-se em situação <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong>(Esteves, 1991). Ou seja, até então não há medidas centrais e significativaspara “organizar e regular o processo <strong>de</strong> vinda dos imigrados”, para combateras re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tráfico, para promover “a integração cultural” (Garcia, 2000: 111).Em 1996, o Governo socialista, encabeçado por António Guterres, abriu umnovo período no qual conseguiram legalização 35.082 cidadãos.Em 2001, ainda com o Governo socialista no po<strong>de</strong>r, volta a haver umperíodo extraordinário <strong>de</strong> legalização, <strong>de</strong>sta vez permitindo a 174.558pessoas ter acesso à legalida<strong>de</strong>. O relatório da OCDE já referido chama aesta medida política um “programa <strong>de</strong> amnistia” para os imigrantes indocumentados<strong>na</strong> posse <strong>de</strong> um contrato <strong>de</strong> trabalho. Ainda segundo o mesmorelatório, beneficiaram <strong>de</strong>sta “amnistia” sobretudo cidadãos provenientesda Europa <strong>de</strong> Leste (em especial da Ucrânia, da Moldávia e da Roménia), daRússia, do Brasil e da África lusófo<strong>na</strong> (sobretudo <strong>de</strong> Cabo-Ver<strong>de</strong> e <strong>de</strong>Angola).Com características um pouco diferentes dos períodos anteriores porquelimitada a uma única <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>, 2003 é marcado por um novo período<strong>de</strong> legalização, <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>do a cidadãos brasileiros em Portugal em situaçãoirregular. Cerca <strong>de</strong> 15 mil pessoas foram legalizadas neste processo.Clara Almeida Santos35


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Os períodos extraordinários <strong>de</strong> legalização não têm como objectivo resolvero problema da imigração ilegal, mas ape<strong>na</strong>s tentar regularizar situaçõesmais ou menos consumadas. Há autores que afirmam, no entanto, que estapo<strong>de</strong> ser uma forma <strong>de</strong> aumentar a instabilida<strong>de</strong> e até mesmo a entradailegal nos países que vão abrir este tipo <strong>de</strong> períodos, com o objectivo <strong>de</strong>proce<strong>de</strong>r à legalização. Po<strong>de</strong>remos ainda especular que a necessida<strong>de</strong>sentida pelo po<strong>de</strong>r político <strong>de</strong> realizar estes períodos extraordinários <strong>de</strong>legalização se <strong>de</strong>ve à tensão existente entre as políticas europeias para aimigração, ten<strong>de</strong>ntes ao encerramento das fronteiras comunitárias, e arealida<strong>de</strong> portuguesa, com as suas carências e especificida<strong>de</strong>s.Bob Sutclifee observou 24 que a distinção entre imigrantes legais e ilegaisnão é, frequentemente, muito clara. Por um lado, explica o autor, <strong>de</strong>vido àsin<strong>de</strong>finidas leis <strong>de</strong> entrada nos países <strong>de</strong> acolhimento; por outro lado,porque as condições <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> ambos não são muito diferentes, sobretudono que diz respeito ao tempo que se per<strong>de</strong> a tentar conquistar o direito <strong>de</strong>permanecer no território.3.3.1. Legislação vigenteRelativamente à legislação existente em Portugal, po<strong>de</strong>mos dizer que temsido produzido um volume bastante apreciável <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong> regulamentaro fenómeno migratório no país. Vários diplomas se foram suce<strong>de</strong>ndo– Lei n.º37/81, Lei n.º59/93, Lei n.º244/98, Decreto-Lei n.º4/2001 –até chegarmos à fórmula mais recente, publicada em Diário da Repúblicadurante o ano <strong>de</strong> 2003. Trata-se do Decreto-lei 34/2003, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> Fevereiro.Como se po<strong>de</strong> ler no preâmbulo do referido documento, o diploma consagrauma política <strong>de</strong> imigração assente em três eixos fundamentais: “promoçãoda imigração legal em conformida<strong>de</strong> com as possibilida<strong>de</strong>s reais do País,integração efectiva dos imigrantes e combate firme à imigração ilegal”.Uma das principais alterações introduzidas é a revogação das questõesrelacio<strong>na</strong>das com a autorização <strong>de</strong> permanência, “permitindo que as condições<strong>de</strong> estada em Portugal resultem ape<strong>na</strong>s da concessão <strong>de</strong> vistos ou <strong>de</strong>autorizações <strong>de</strong> residência, sem prejuízo da protecção das expectativascriadas àqueles que atempadamente apresentaram os seus pedidos <strong>de</strong>autorização e daqueles que pretendam a sua prorrogação”.24. Ghatak, Sassoon, 2001.Clara Almeida Santos36


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Outra das novida<strong>de</strong>s diz respeito à instituição do regime <strong>de</strong> quotas <strong>de</strong>imigração, um instrumento legal que permite, plurianualmente, fixar onúmero máximo <strong>de</strong> imigrantes que Portugal <strong>de</strong>ve acolher, em função dasnecessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra e da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> integração <strong>de</strong> cadaregião.É também instituído um novo tipo <strong>de</strong> visto, <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>do a cidadãos estrangeirosque pretendam levar a cabo activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> investigação científica emPortugal (procurando, <strong>de</strong>ste modo, atrair mão-<strong>de</strong>-obra altamente qualificada,que se possa instalar ou, pelo menos, transmitir o capital intelectual<strong>de</strong> que é <strong>de</strong>tentora).A reunificação familiar e os direitos das crianças <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> cidadãosestrangeiros <strong>na</strong>scidos em solo português são também contemplados nodiploma.Observamos, porém, que a gran<strong>de</strong> preocupação é com a promoção dalegalida<strong>de</strong> ou, por outras palavras, com o controlo da ilegalida<strong>de</strong>.A ilegalida<strong>de</strong>, em Portugal, é, <strong>na</strong> maioria dos casos, consequência da expiraçãodos prazos <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vistos <strong>de</strong> curto prazo, nomeadamente <strong>de</strong>turismo, mas também <strong>de</strong> estudo, ou vistos conseguidos por motivos familiaresou comerciais. Existem ainda casos <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> documentosfalsos que permitem a entrada no país sem conferir legalida<strong>de</strong>. Ao contrário<strong>de</strong> outros países da UE e apesar da vasta fronteira marítima, Portugal nãoregista praticamente casos <strong>de</strong> clan<strong>de</strong>stinos que tentem chegar <strong>de</strong> barco e,uma vez cá, tentem que lhes seja concedido asilo. Mais comum é a chegada<strong>de</strong> avião, no caso dos cidadãos provenientes do Brasil ou dos PALOP (Solé,2001) e, mais recentemente, do Norte <strong>de</strong> África, ou por via terrestre, no caso<strong>de</strong> imigrantes oriundos dos países do Leste da Europa.Acontece que, frequentemente, a legalida<strong>de</strong> conseguida através dosprocessos extraordinários não tem correspondência no mercado laboral,cujas variáveis passamos a apresentar.3.4. MERCADO LABORALDe acordo com Carlota Solé, tor<strong>na</strong>-se difícil para os imigrantes em Portugalmanter-se <strong>na</strong> economia formal. A economia subterrânea, tambémchamada <strong>de</strong> economia informal ou malva, constitui, aliás, uma gran<strong>de</strong>fatia da economia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Diz ainda a autora que o <strong>de</strong>semprego praticamentenão existe entre imigrantes, sobretudo o <strong>de</strong>semprego <strong>de</strong> longoClara Almeida Santos37


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003prazo, <strong>de</strong>vido às necessida<strong>de</strong>s do mercado <strong>de</strong> trabalho informal e aoslaços que existem <strong>de</strong>ntro das comunida<strong>de</strong>s (familiares, <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>,“étnicos”). Naturalmente que as diferentes comunida<strong>de</strong> imigrantes apresentamcaracterísticas distintas, sendo que este fenómeno assenta sobretudonos cidadãos oriundos dos PALOP, sobretudo por terem uma história<strong>de</strong> imigração para Portugal mais sedimentada. Já no caso dos imigrantes<strong>de</strong> Leste, só para dar um exemplo, os projectos individuais <strong>de</strong> imigração jánão obe<strong>de</strong>cem à mesma lógica. Os imigrantes asiáticos, por sua vez, principalmenteos provenientes da Chi<strong>na</strong>, obe<strong>de</strong>cem também a um padrãoassente <strong>na</strong> comunida<strong>de</strong>, embora com especificida<strong>de</strong>s próprias.Para tentar contrariar a tendência <strong>de</strong> “informalização da economia”,nomeadamente no que diz respeito aos cidadãos imigrados em Portugal, ascondições para a legalização passam, frequentemente, pela apresentação<strong>de</strong> um contrato <strong>de</strong> trabalho válido e pela prova do pagamento <strong>de</strong> impostose Segurança Social.A questão da economia subterrânea coloca-se sobretudo ao nível dasprofissões que exigem menos qualificações, entre as quais a construçãocivil, activida<strong>de</strong>s agrícolas ou activida<strong>de</strong>s domésticas.Devido às diferenças <strong>de</strong> qualificações existentes entre as diferentes comunida<strong>de</strong>se <strong>de</strong>ntro das comunida<strong>de</strong>s, o problema da informalida<strong>de</strong> coloca-semais ao nível <strong>de</strong> algumas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s do que <strong>de</strong> outras. De acordocom os estudos realizados sobre o tema, “a população dos PALOP vê-seremetida para a base da estrutura social enquanto brasileiros e europeusocupam as posições cimeiras” (Baganha, Marques, 2001: 11). Ou seja,quando comparada com a estrutura profissio<strong>na</strong>l da população <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, “ada população estrangeira revela um enviesamento quer para o topo (estruturaprofissio<strong>na</strong>l brasileira e europeia) quer para a base (estrutura profissio<strong>na</strong>ldos PALOP)” (Baganha, 2001: 36). Este cenário, porém, terá <strong>de</strong> seracrescentado <strong>de</strong> algumas especificida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> discrepâncias<strong>de</strong>ntro das próprias comunida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> algumas alterações que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>então, já se verificaram.Entre os cidadãos oriundos dos PALOP, observamos algumas diferenças aonível da comunida<strong>de</strong> cabo-verdia<strong>na</strong>, que apresenta um largo espectro <strong>de</strong>qualificações, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> operários especializados a quadros superiores <strong>de</strong>empresas, incluindo ainda muitos estudantes, como apontam váriosestudos feitos em Portugal sob orientação <strong>de</strong> Maria Baganha.Relativamente à imigração transoceânica com origem no Brasil, po<strong>de</strong>mosi<strong>de</strong>ntificar duas vagas distintas, tomando como critério a situação laboralClara Almeida Santos38


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003em Portugal. Uma primeira onda <strong>de</strong> imigração, que se consolida durante adécada <strong>de</strong> 80 e se prolonga durante a década <strong>de</strong> 90, que correspon<strong>de</strong>sobretudo à chegada <strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>is muito qualificados, que se integramsobretudo no topo da pirâmi<strong>de</strong> laboral, provenientes das gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>sbrasileiras. É a altura da explosão das agências <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> marketingem Portugal, para as quais não havia suficientes profissio<strong>na</strong>is <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>isqualificados e com experiência, mas também da chegada <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntistas e <strong>de</strong>quadros superiores ligados às áreas fi<strong>na</strong>nceiras e económicas. Actualmente,verifica-se uma situação diferente, com uma nova onda <strong>de</strong> imigraçãobrasileira, <strong>de</strong>sta vez com origem em regiões <strong>de</strong>sfavorecidas, sobretudo dointerior, com especial incidência para Mi<strong>na</strong>is Gerais e Goiânia. Estes novosmigrantes vêm ocupar posições diferentes da vaga <strong>de</strong> imigração que osantece<strong>de</strong>u, integrando-se sobretudo no sector dos serviços, <strong>na</strong> hotelaria erestauração.Os cidadãos oriundos dos países da Europa <strong>de</strong> Leste representam, como játivemos ocasião <strong>de</strong> referir, uma vaga relativamente recente no processomigratório que tem Portugal como <strong>de</strong>stino. Podia ler-se, a este propósito,relativamente a dados <strong>de</strong> 1993, que “os portugueses aceitam, <strong>na</strong> sua esmagadoramaioria, com ou sem restrições, imigrantes do Norte <strong>de</strong> África e daEuropa <strong>de</strong> Leste (…). Não damos muita importância a estes factos porque,em Portugal, o impacte numérico <strong>de</strong>stas correntes migratórias é irrelevante”(Baganha, Góis, Ramalho, 1996-1998: 132). Em ape<strong>na</strong>s <strong>de</strong>z anos,uma parte da comunida<strong>de</strong> dos imigrantes vindos do Leste da Europa – osucranianos – tor<strong>na</strong>ram-se <strong>na</strong> terceira maior comunida<strong>de</strong> imigrante emPortugal. A gran<strong>de</strong> característica dos imigrantes <strong>de</strong> Leste, a nível laboral,parece ser uma maior qualificação profissio<strong>na</strong>l, que <strong>de</strong>pois não encontracorrespondência ao nível das activida<strong>de</strong>s exercidas.Os estudos acerca <strong>de</strong>sta nova vaga <strong>de</strong> imigração e a sua inserção <strong>na</strong>economia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l ainda está a ser estudada e po<strong>de</strong>mos esperar parabreve alguns resultados reveladores do panorama geral. Arriscamos intuir,no entanto, que continua válida a constatação que afirma que “comparadacom a estrutura profissio<strong>na</strong>l da população <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, a populaçãoestrangeira revela um enviesamento quer para o topo (estrutura profissio<strong>na</strong>lbrasileira e europeia) quer para a base (estrutura profissio<strong>na</strong>l dos PALOP)da estrutura profissio<strong>na</strong>l” (Baganha, Marques, 2001: 36). O papel ocupadopelos cidadãos oriundos do Leste da Europa incluir-se-á, pelo menosneste primeiro momento, <strong>na</strong> base da estrutura profissio<strong>na</strong>l, admitindo-se ahipótese <strong>de</strong> inversão <strong>de</strong>sta situação.Paralelamente aos períodos extraordinários <strong>de</strong> legalização <strong>de</strong> imigrantesem situação irregular, <strong>de</strong> que já <strong>de</strong>mos conta nestas pági<strong>na</strong>s, as autori-Clara Almeida Santos39


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003da<strong>de</strong>s portuguesas proce<strong>de</strong>ram, entre 2001 e 2003 a várias iniciativas como intuito <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quar os fluxos às necessida<strong>de</strong>s do mercado <strong>de</strong> trabalho.Entre elas, <strong>de</strong>stacam-se os acordos bilaterais <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra estabelecidosentre Portugal e diversos países da Europa <strong>de</strong> Leste, nomeadamentecom a Roménia, Bulgária, Ucrânia e Rússia. Po<strong>de</strong>r-se-á dizer que estesacordos respon<strong>de</strong>m a necessida<strong>de</strong>s laborais existentes em Portugal <strong>de</strong>si<strong>na</strong>l contrário: por um lado, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhadores para executartrabalhos que os portugueses não se encontram dispostos a executar (pelomenos em Portugal); por outro lado, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra especializadaem <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos sectores a que o mercado <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> oferta <strong>de</strong>trabalhadores não dá resposta cabal. A realização <strong>de</strong> acordos surge ainda<strong>na</strong> linha <strong>de</strong> tentar moralizar e regulamentar o mercado laboral no tocanteaos imigrantes. Só com a publicação do Decreto-Lei n.º 4/2001, <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong>Janeiro, surgem os instrumentos jurídicos necessários a actuar nessedomínio, como afirma Inácio Mota da Silva (MSST/DEPP, 2001). O principalobjectivo do legislador é a<strong>de</strong>quar as necessida<strong>de</strong>s da procura <strong>de</strong>emprego à oferta <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra imigrante, tentando limitar os processosconsolidados <strong>de</strong> imigração ilegal angariada à conta do mercado laboralportuguês e as relações profissio<strong>na</strong>is que se reproduzem e implementam<strong>na</strong> clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>.3.4.1. <strong>Mulheres</strong> imigrantes e mercado laboralDepois <strong>de</strong> a<strong>na</strong>lisar, em termos muito gerais, o panorama do mercadolaboral face à imigração, será conveniente traçar algumas especificida<strong>de</strong>sdo caso feminino. Como já tivemos ocasião <strong>de</strong> referir, a motivação laboral éuma das que mais pesam <strong>na</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> imigrar. Esta característica, até<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do momento, era particularmente verda<strong>de</strong>ira no caso dosimigrantes do sexo masculino já que, por vezes a mulher optava pelaimigração em função <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção primeira do marido ou <strong>de</strong>situação <strong>de</strong> reagrupamento familiar em que o marido seguia à frente e amulher ape<strong>na</strong>s se juntava (muitas vezes com os filhos) num momentoposterior, ultrapassadas as dificulda<strong>de</strong>s iniciais inerentes ao processomigratório e estabelecimento no país <strong>de</strong> acolhimento. No entanto, e especialmenteno caso <strong>de</strong> algumas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s, esta situação tem vindo aconhecer alterações significativas.Servindo-nos dos números fornecidos por Floya Anthias 25 , po<strong>de</strong>mos verificarque existem 6,4 milhões <strong>de</strong> mulheres <strong>na</strong> Europa que não são cidadãscompletas do país em que vivem, e que, entre elas, existem mais <strong>de</strong> um25. Ghatak, Sassoon, 2001.Clara Almeida Santos40


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003milhão <strong>de</strong> trabalhadoras. “As mulheres são uma componente cada vezmais importante das novas migrações, especialmente em direcção ao Sulda Europa”, acrescenta a autora (Ghatak, Sassoon, 2001: 146).Apesar <strong>de</strong> ainda se encontrarem em minoria relativamente aos homens queescolheram Portugal como <strong>de</strong>stino, as “mulheres imigrantes encontramsesub-representadas no total da população estrangeira mas acham-se – esurpreen<strong>de</strong>ntemente – sobre-representadas <strong>na</strong> população activa” (Baganha,Marques, 2001: 21), o que só vem provar a sua importância no mercadolaboral português.Po<strong>de</strong>m encontrar-se algumas explicações para esta tendência <strong>na</strong> análise <strong>de</strong>algumas variáveis interessantes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo a evolução do emprego emfunção do sexo em Portugal. Durante os anos 80, o emprego masculinoregistou um <strong>de</strong>créscimo anual <strong>de</strong> 0,3 por cento, enquanto o emprego femininoaumentou anualmente 2,4 por cento (Baganha, Góis, Ramalho, 1996-1998). A tendência continua a verificar-se, embora mais atenuadamente,durante a década <strong>de</strong> 90.Po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>duzir-se duas consequências directas no comportamento daimigração femini<strong>na</strong> para Portugal. Por um lado, as mulheres que imigramsão inseridas directamente no mercado <strong>de</strong> trabalho. Por outro lado, etalvez mais expressivo em termos <strong>de</strong> imigração, já que correspon<strong>de</strong> a umatendência que se verifica à escala global, as mulheres autóctones passamcada vez mais tempo fora <strong>de</strong> casa, necessitando por isso <strong>de</strong> suprir asnecessida<strong>de</strong>s domésticas e <strong>de</strong> cuidados a idosos e crianças <strong>de</strong> algumaforma. Dado que o rendimento disponível das famílias é também maiorquando mais do que um membro do agregado trabalha fora <strong>de</strong> casa, asolução frequente é o recrutamento <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra. Muitas vezes sãomulheres imigrantes a assegurar estas tarefas, como asseguram tambémoutras ao nível da indústria do entretenimento, das limpezas industriais, eoutras profissões <strong>na</strong> base da estrutura laboral. Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser significativoque dois terços <strong>de</strong> todos os trabalhadores em emprego temporário oua tempo parcial sejam mulheres (Ghatak, Sassoon, 2001).São, genericamente, três os factores i<strong>de</strong>ntificados por vários autores 26para que as imigrantes <strong>de</strong> países pobres (à excepção das altamente qualificadas)se encontrem a trabalhar em serviços domésticos e <strong>na</strong> indústria dosexo: 1) o Estado não provi<strong>de</strong>ncia serviços suficientes para os mais novos epara os mais velhos; 2) aumento significativo <strong>de</strong> mulheres assalariadas sem26. Entre os quais se <strong>de</strong>stacam Annie Phizaclea e Truong (Ghatak, Sassoon, 2001).Clara Almeida Santos41


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003alteração significativa nos padrões <strong>de</strong> divisão tradicio<strong>na</strong>l do trabalho doméstico;3) expansão da indústria da hospitalida<strong>de</strong>, também <strong>de</strong>corrente doaumento <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> da mão-<strong>de</strong>-obra masculi<strong>na</strong>.Dados divulgados pelo Ministério da Segurança Social e do Trabalho(MSST/DEPP, 2001) revelam que os três sectores mais significativos quantoà empregabilida<strong>de</strong> da população estrangeira em Portugal são a construçãocivil, os serviços às empresas e a hotelaria. O primeiro, tipicamente,é ocupado por homens, o segundo por mulheres (sobretudo seconsi<strong>de</strong>rarmos as limpezas) e o terceiro po<strong>de</strong>rá ser consi<strong>de</strong>rado comomisto. Os serviços pessoais ou domésticos também surgem neste quadro,em 13.ª posição. Apesar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r parecer mo<strong>de</strong>sta, esta posição é bastantesignificativa no panorama geral das activida<strong>de</strong>s profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong>sempenhadaspelos imigrantes, sobretudo se atentarmos ao facto <strong>de</strong> este sectorempregar preferencialmente indivíduos e não grupos.3.5. VALORES E ATITUDES FACE AOS IMIGRANTESDo tudo quanto até agora foi exposto, po<strong>de</strong>remos avaliar a dimensão eimportância do fenómeno da imigração em Portugal. O crescimento dapopulação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio do milénio não teria existido se não fossem oscidadãos que escolheram o país como <strong>de</strong>stino, fenómeno que se regista umpouco por toda a Europa comunitária pré-alargamento a 25. Também emtermos económicos se encontra provada a importância dos imigrantescomo motor <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, até mesmo em regiões on<strong>de</strong> a <strong>de</strong>sertificaçãoganha terreno.O fantasma que assombrava as políticas <strong>de</strong> imigração <strong>na</strong> Europa, sobretudonos anos 70, <strong>de</strong> acordo com o qual os imigrantes ocupariam os empregosdisponíveis <strong>na</strong>s socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acolhimento que, <strong>de</strong> si, sofriam já <strong>de</strong> taxas <strong>de</strong><strong>de</strong>semprego elevadas encontra-se dissipado por inúmeros estudos que<strong>de</strong>monstram a inexistência <strong>de</strong> relação entre <strong>de</strong>semprego e imigração 27 .Apesar do esforço que o po<strong>de</strong>r central afirma <strong>de</strong>senvolver no sentido daintegração da população estrangeira, nomeadamente através da realização<strong>de</strong> programas especiais e do apoio institucio<strong>na</strong>l, no cômputo geral, ascontas do Estado têm beneficiado das contribuições pagas pelos imigrantes.Ou seja, contas feitas, os valores que entram nos cofres do Estado por viados impostos e Segurança Social são superiores aos que são <strong>de</strong>spendidoscom os imigrantes 28 .27. Cf., por exemplo, MSST/DEPP, 2001.28. Cf. D’Almeida, 2003.Clara Almeida Santos42


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Seria, então, mais ou menos razoável pensar que a atitu<strong>de</strong> genérica dapopulação autóctone face aos estrangeiros fosse marcadamente positiva.No entanto, um inquérito levado a cabo em Novembro <strong>de</strong> 2002 pela Universida<strong>de</strong>Católica <strong>Portuguesa</strong>, encomendada pelo Alto Comissariado para aImigração e Minorias Étnicas, revela que a maioria dos portugueses (3em cada 4) discorda da vinda <strong>de</strong> mais imigrantes, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dasua origem: africa<strong>na</strong> (74,4%), brasileira (71,7%) ou do Leste da Europa(73,4%). Os que possuem graus <strong>de</strong> instrução mais baixos são também osque mais rejeitam novas entradas. São as mulheres inquiridas quem revelamais relutância em admitir a entrada <strong>de</strong> mais imigrantes em Portugal.O estudo, divulgado em Junho <strong>de</strong> 2003, acrescentava, porém, alguns dadosque po<strong>de</strong>m complementar esta tendência: a esmagadora maioria dosinquiridos (97,2 por cento), consi<strong>de</strong>ra que os imigrantes <strong>de</strong>vem ter osmesmos direitos que os portugueses; 93 por cento das pessoas que respon<strong>de</strong>ramao inquérito <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> mesmo que os imigrantes legalizados <strong>de</strong>vemtrazer as suas famílias; há uma gran<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> relativamente a questõeslaborais, o que se encontra patente no facto <strong>de</strong> 92,4 por cento dosinquiridos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r uma maior protecção dos imigrantes dos patrõesexploradores; 84 por cento dos questio<strong>na</strong>dos acha que a <strong>na</strong>turalizaçãodos imigrantes <strong>de</strong>via ser facilitada e 79 por cento acha o mesmo emrelação aos processos <strong>de</strong> legalização.Uma das explicações possíveis para este fenómeno po<strong>de</strong> ser encontrada <strong>na</strong>afirmação <strong>de</strong> que “Portugal po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um exemplo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>que formalmente é anti-racista mas on<strong>de</strong> persistem atitu<strong>de</strong>s racistas”(Baganha, Marques, 2001: 69). Esta constatação tem origem <strong>na</strong> observação<strong>de</strong> novos tipos <strong>de</strong> racismo ou discrimi<strong>na</strong>ção, genericamente agrupadossob a <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> racismo subtil, que po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>scrito como“um racismo que afirma que não é racismo” (Martiniello, 1999: 45). Trata--se <strong>de</strong> uma consequência <strong>de</strong> se ter tor<strong>na</strong>do politicamente incorrecta aafirmação do racismo, sobretudo após a 2.ª Guerra Mundial e a afirmaçãoda Declaração Universal dos Direitos do Homem. Po<strong>de</strong>r-se-ia dizer que sereconhecem os direitos, mas que seria melhor que a questão nem sequerse colocasse (no capítulo que aborda as formas <strong>de</strong> “Ver o imigrante” aprofundar-se-áesta questão).Outra das explicações que, geralmente, se encontram para justificar estesvalores <strong>de</strong> si<strong>na</strong>l negativo relativamente aos imigrados, resi<strong>de</strong> <strong>na</strong> influênciados media <strong>na</strong> transmissão <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das mensagens. É precisamenteesse o foco que preten<strong>de</strong>mos a<strong>na</strong>lisar no capítulo que se segue, cujoobjectivo é precisamente tentar <strong>de</strong>screver <strong>de</strong> que forma se constrói arepresentação do Outro, particularmente <strong>na</strong> imprensa portuguesa. AlémClara Almeida Santos43


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003<strong>de</strong>sta análise, preten<strong>de</strong>-se avaliar em que medida a imagem traçada pelosmedia tem correspondência <strong>na</strong> realida<strong>de</strong>. Sabemos, por exemplo, que aolongo <strong>de</strong> 2003 o tema mais recorrente <strong>na</strong>s peças publicadas sobreimigração (nos oito jor<strong>na</strong>is que servem <strong>de</strong> base ao estudo empírico <strong>de</strong>stetrabalho) foi o do Crime. Po<strong>de</strong>remos, pois, estabelecer uma ponte entreeste retrato e a atitu<strong>de</strong> que <strong>de</strong>les <strong>na</strong> maioria da população portuguesa, atrásreferida. Ou seja, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>duzir uma associação entre a crimi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> ea população estrangeira, numa leitura feita através das pági<strong>na</strong>s nos jor<strong>na</strong>is.No entanto, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> reconhecer que “a população estrangeiraainda se encontra sobre-representada em todas as categorias relacio<strong>na</strong>dascom processos legais” (Baganha, Marques, 2001: 65). De acordocom estatísticas referentes a 2003, 17 por cento da população prisio<strong>na</strong>lportuguesa é composta por cidadãos estrangeiros. Essa percentagem,como já tivemos ocasião <strong>de</strong> referir, não coinci<strong>de</strong> com a percentagem <strong>de</strong>imigrantes que compõem a população total em Portugal. E esta tendênciaestá longe <strong>de</strong> se encontrar estabilizada, já que “é constante o aumento donúmero <strong>de</strong> imigrantes e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes no sistema prisio<strong>na</strong>l português”(Baganha, Marques, 2001: 66).São estes processos <strong>de</strong> mediatização e da sua relação com a realida<strong>de</strong>, ecom as várias realida<strong>de</strong>s, tomados em função das práticas próprias aoexercício do jor<strong>na</strong>lismo que nos propomos discutir no capítulo que sesegue.Clara Almeida Santos44


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20034. VER O IMIGRANTE“O real não se mostra, <strong>de</strong>monstra-se”.4.1. OS MEDIA E A CONSTRUÇÃO DA REALIDADE SOCIALGaston BachelardDiremos, sem muitas dúvidas que ponham em causa a afirmação, que osmedia fornecem às socieda<strong>de</strong>s contemporâneas oci<strong>de</strong>ntais (pelo menosparcialmente) a matéria-prima a partir da qual se constrói a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ouas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s. Por i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r, sem entrar em gran<strong>de</strong>sparticularismos, a forma como nos <strong>de</strong>finimos perante o mundo, em todasas nossas dimensões. São particularmente “i<strong>de</strong>ntitárias” as variáveis que serelacio<strong>na</strong>m com “classe, etnicida<strong>de</strong> e raça, <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>, sexualida<strong>de</strong>,«nós» e «eles»”, como afirma Kellner. O autor vai mais longe e consi<strong>de</strong>rainclusivamente que as “imagens dos media ajudam a formatar a nossavisão do mundo e os nossos valores mais profundos: o que consi<strong>de</strong>ramosbom ou mão, positivo ou negativo, moral ou perverso” (Dines, Humez,1995: 5).Po<strong>de</strong>remos concluir, pois, que os media constituem um instrumentoprecioso para a análise das questões da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Com o espantoso<strong>de</strong>senvolvimento dos media, fruto das sucessivas “revoluções” da comunicação,o campo <strong>de</strong> trabalho é, praticamente, inesgotável. O próprio conceito<strong>de</strong> media supõe esta situação <strong>de</strong> alguma forma privilegiada <strong>de</strong> intermediárioentre uma realida<strong>de</strong> e aqueles que se socorrem dos meios <strong>de</strong> comunicaçãosocial para terem conhecimento <strong>de</strong>la. Consi<strong>de</strong>rando os mediacomo intermediários, facilmente se compreen<strong>de</strong>rá que o jor<strong>na</strong>lismo seencontra no topo dos instrumentos através dos quais é possível fazer essamediação. Embora manifestamente pobre e insuficiente, a teoria do jor<strong>na</strong>lismocomo espelho da realida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver a relação quemuitos dos consumidores mantêm com a informação veiculada através dosmedia, até porque “a «realida<strong>de</strong>» não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser um factor <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ntedo conteúdo noticioso” (Traqui<strong>na</strong>, 2002: 77).Embora <strong>de</strong> forma mais atenuada, a teoria do gatekeeper (termo introduzidopelo psicólogo social Kurt Lewin e adaptado à literatura académica sobre ojor<strong>na</strong>lismo por David Manning White) continua a fazer dar conta <strong>de</strong>steascen<strong>de</strong>nte do jor<strong>na</strong>lismo sobre a realida<strong>de</strong>, afirmando que as escolhasfeitas por profissio<strong>na</strong>is da comunicação social no <strong>de</strong>curso do processo <strong>de</strong>produção da informação enquadram e formatam a janela dos consumidores<strong>de</strong> informação sobre o mundo. Será dos jor<strong>na</strong>listas a responsabilida<strong>de</strong> daClara Almeida Santos45


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003visão que os espectadores, leitores ou ouvintes têm da realida<strong>de</strong>. Ou seja,“os media, se não nos dizem como é que <strong>de</strong>vemos pensar, indicam-nos,pelo menos, sobre o que <strong>de</strong>vemos pensar” (Rebelo, 2000: 17).Já as teorias construtivistas dos anos 70 (<strong>de</strong>senvolvidas também peloestruturalismo e pelo interaccionismo) vêem as notícias como uma construçãoda realida<strong>de</strong>. Criticando sobretudo a teoria do espelho, vários autoresafirmam que os media são os construtores <strong>de</strong> uma nova realida<strong>de</strong>, a partirda realida<strong>de</strong> dos acontecimentos. Tal fenómeno <strong>de</strong>ve-se, sobretudo a trêsfactores: os media reflectem uma realida<strong>de</strong> da qual são parte, o que gera,a priori, problemas <strong>de</strong> representação; a linguagem neutra é impossível; aorganização própria dos meios <strong>de</strong> comunicação social, nomeadamente aonível da produção <strong>de</strong> notícias (Traqui<strong>na</strong>; 2002). Compreen<strong>de</strong>remos melhorainda esta última i<strong>de</strong>ia se atentarmos a que “a acção mediadora do jor<strong>na</strong>listaexerce-se no contexto <strong>de</strong> diversos factores constitutivos <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong>complexa <strong>de</strong> condicio<strong>na</strong>lismos e constrangimentos que, no termo doprocesso, fazem com que as notícias tenham um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do conteúdo,uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da forma e assumam, globalmente, um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do ou<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos mo<strong>de</strong>los” (Correia, 1997: 18). Do exposto po<strong>de</strong>remos inferirque, <strong>de</strong> acordo com as teorias construtivistas, os media não reflectem arealida<strong>de</strong> mas criam uma nova realida<strong>de</strong>, o que não <strong>de</strong>ve ser, no entanto,negligenciado. Como afirma Gaye Tuchman, “a notícia (…) é uma realida<strong>de</strong>construída possuidora da sua própria valida<strong>de</strong> inter<strong>na</strong>” (Traqui<strong>na</strong>,1993: 73-90).Evi<strong>de</strong>ntemente que não ficam completamente à margem <strong>de</strong>sta produção asconsi<strong>de</strong>rações relativas à relação dos media com o po<strong>de</strong>r. Se, por um lado,os media têm o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> representar, <strong>de</strong> apresentar perspectivas da realida<strong>de</strong>,<strong>de</strong> conformar <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos aspectos do mundo, por outro lado,eles são instrumentos do po<strong>de</strong>r. De acordo com os autores das críticas,sobretudo da área da teoria da acção política, mas também dos contextossócio-culturais e históricos em análise, os media po<strong>de</strong>m ser contra-po<strong>de</strong>r,ou meros reprodutores do status quo, ao serviço dos po<strong>de</strong>res instituídos, doestablishment.Po<strong>de</strong>ríamos ainda entrar em linha <strong>de</strong> conta com as variáveis <strong>de</strong>correntesdo facto <strong>de</strong> as notícias se <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>rem para o consumo, que se efectuanum momento em que intervêm uma série <strong>de</strong> condicio<strong>na</strong>ntes, nomeadamenteao nível da interpretação e da significação (utilizada aqui no sentidoda pragmática <strong>de</strong> Searle).Sem aprofundar estas matérias, porque esse não é o objectivo <strong>de</strong>stetrabalho, mas sempre com o pano <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong>stas consi<strong>de</strong>rações muitoClara Almeida Santos46


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003presente, po<strong>de</strong>remos dizer que a relação entre a “realida<strong>de</strong> do acontecimento”e a “realida<strong>de</strong>” veiculada pelas notícias é uma questão que sesitua <strong>na</strong> or<strong>de</strong>m da representação. A representação preten<strong>de</strong> ser, em últimaanálise, uma produção <strong>de</strong> sentido. Para além da representação, um dosefeitos das notícias sobre a nossa cognição po<strong>de</strong> ser a “construção darealida<strong>de</strong> social”, como propõe Enric Saperas <strong>na</strong> sua tipologia dos efeitoscognitivos da comunicação <strong>de</strong> massas (Saperas, 1993). Esta abordagembebe em inúmeros autores que, inspirados <strong>na</strong> fenomenologia <strong>de</strong> Husserl,dão origem às teorias da sociofenomenologia (<strong>de</strong>fendida e praticada porilustres teóricos como Schutz, Luckmann ou Berger). De acordo com estasteorias, a informação funcio<strong>na</strong> como construção da realida<strong>de</strong> uma vez quese trata <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> objectivação “regido tanto por práticas institucio<strong>na</strong>lizadas(a tipificação, as roti<strong>na</strong>s), como por mecanismos <strong>de</strong> autolegitimação”(Saperas, 1993: 139). Na base <strong>de</strong>ste processo <strong>de</strong> construçãoestá, no entanto, o mecanismo <strong>de</strong> representação inerente à produção <strong>de</strong>discursos, logo também <strong>de</strong> notícias que são, <strong>na</strong>s palavras <strong>de</strong> Tuchman“uma janela para o mundo” (Tuchman, 1983: 13).Também <strong>na</strong> Psicologia Social encontramos uma sólida base para enquadrara questão da representação <strong>na</strong> Teoria das Representações Sociais, sobretudo<strong>na</strong> obra <strong>de</strong>senvolvida por Serge Moscovici. Este autor diferencia trêstipos <strong>de</strong> representações sociais: as hegemónicas, partilhadas, não discutíveis,sobre as quais assentam os fundamentos <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>; asemancipadas, que permitem diferenciar grupos divergentes; as polémicas,que correspon<strong>de</strong>m a visões divergentes entre grupos com interessesopostos e posicio<strong>na</strong>mentos diferentes face ao objecto da representação. Emqualquer um dos casos, como vemos, a representação faz-se sempre <strong>na</strong>relação com o Outro ou, pelo menos, <strong>na</strong> assunção <strong>de</strong> características diferenciadoresem relação ao Outro.4.2. REPRESENTAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇAPor representação enten<strong>de</strong>-se, genericamente, e recorrendo à perspectivada semiótica, a relação entre significante e significado. Neste domínio, aperspectiva dos Estudos Culturais (Cultural Studies) colheu abundantesfrutos estudando a relação entre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, diferença e representação,sobretudo a que se produz através dos media.Para produzir discursos acerca da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ou para afirmar <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a diferença em relação a Outro é um dos instrumentosfundamentais. Ou seja, não po<strong>de</strong> haver i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sem haver diferença, porser precisamente a diferença que está <strong>na</strong> base <strong>de</strong> toda e qualquer i<strong>de</strong>nti-Clara Almeida Santos47


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003da<strong>de</strong>: “A diferença é um elemento central dos sistemas classificatórios pormeio dos quais os significados são produzidos” (Silva, 2000: 67).O Outro é também essencial para a produção <strong>de</strong> sentido.I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e diferença encontram-se, necessariamente, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes darepresentação. “É por meio da representação, assim compreendida, que ai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a diferença adquirem sentido. É por meio da representaçãoque, por assim dizer, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a diferença passam a existir” (Silva,2000: 91).Quer i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> quer diferença são, por um lado, activamente produzidas,não existem <strong>na</strong>turalmente; por outro lado, são criadas por actos <strong>de</strong>linguagem. Lembrando Saussure, a linguística é um sistema <strong>de</strong> diferenças,baseado em oposições binárias. Assim, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> parece surgir, viaacto <strong>de</strong> língua, da contraposição entre “Eu” e o “Outro”, entre “Nós” e“Outros”. “A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a diferença são o resultado <strong>de</strong> actos <strong>de</strong> criaçãolinguística” (Silva, 2000: 76).Sendo a linguagem o instrumento primordial <strong>de</strong> todo e qualquer acto <strong>de</strong>comunicação (logo, também da comunicação social), a produção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>e <strong>de</strong> diferença joga-se, ao nível dos media. “Quem tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>representar tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir e <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>r a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. (…) Questio<strong>na</strong>ra i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a diferença significa, nesse contexto, questio<strong>na</strong>r ossistemas <strong>de</strong> representação que lhe dão suporte e sustentação” (Silva,2000: 91).4.2.1. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> europeia e o OutroFazendo convergir conceptualização teórica e realida<strong>de</strong> palpável e maispróxima, po<strong>de</strong>remos afirmar que a consi<strong>de</strong>ração e produção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>se coloca com particular incidência <strong>na</strong> questão europeia. De acordocom Martiniello (1999), o ambiente <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> europeiaimplica, inevitavelmente, um padrão <strong>de</strong> exclusão do Outro, quer sejaimigrante, estrangeiro ou preto. Talvez esta afirmação <strong>de</strong> “exclusão” sejaexcessiva, mas correspon<strong>de</strong>rá a uma certa estereotipização (portanto,necessariamente e por <strong>de</strong>finição, uma generalização) como forma <strong>de</strong>manter a or<strong>de</strong>m simbólica (Hall, 1997) que estabelece fronteiras simbólicasentre o normal, o <strong>de</strong>sviante, o patológico, o aceitável, o i<strong>na</strong>ceitável, entre oendogrupo e o exogrupo, para utilizar a terminologia dos Estudos Culturais.Se consi<strong>de</strong>rarmos o micro-sistema da União Europeia (UE), po<strong>de</strong>mos ler,logo no Tratado <strong>de</strong> Maastricht (1992), que institui a própria UE, que um dosClara Almeida Santos48


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003objectivos <strong>de</strong>clarados da União é “a afirmação da sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>na</strong> ce<strong>na</strong>inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l através da execução <strong>de</strong> uma política exter<strong>na</strong> e <strong>de</strong> segurançacomum” (Título 1, Artigo B). Po<strong>de</strong>remos afirmar que a abolição das restriçõesà livre circulação <strong>de</strong> pessoas, mercadorias, capitais e serviços inter<strong>na</strong>à UE, ou seja, a construção <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> comum, conduziu à afirmação<strong>de</strong> uma diferença em relação ao Outro que se encontra do outrolado da fronteira comunitária. Como recentemente tivemos ocasião <strong>de</strong>constatar com o alargamento da UE a mais <strong>de</strong>z países, essas fronteiras nãosão i<strong>na</strong>movíveis, mas uma vez <strong>de</strong>finidas estabelecem quem pertence ao“Nós” e quem pertence aos “Outros”.Po<strong>de</strong>remos dizer que os <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismos dos vários países da Europa (emgeral ultrapassados e quase amaldiçoados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a 2.ª Guerra Mundial), <strong>na</strong>medida em que é necessária a afirmação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, foram substituídospor uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Europa, ou melhor, <strong>de</strong> pertença europeia.De acordo com Dominique Wolton, existe neste projecto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>muito <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> institucio<strong>na</strong>l e pouco <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> simbólica. Nestesentido,”a comunicação é (…) um meio <strong>de</strong> criar uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> aindaincerta” (Wolton, 1999: 323). A própria heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> culturas (e,portanto, <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s) <strong>de</strong>ntro da UE faz com que seja mais importanteainda afirmar essa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> comunitária (mas não comum), <strong>de</strong>marcando-adaquilo que é “exterior”. Aliás, a questão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> à escalaindividual e à escala colectiva tem sido bastante problemática <strong>na</strong> culturaOci<strong>de</strong>ntal, já que opõe “a luta pela emancipação individual” ao “mo<strong>de</strong>locultural europeu” (Wolton, 1999: 338). Neste sentido, po<strong>de</strong>mos distinguirtambém duas dimensões do discurso relativo à diferença em temos <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> europeia: por um lado, o Outro fica “do outro lado da fronteira”,localizado para lá da União; por outro lado, o Outro circula também<strong>de</strong>ntro do espaço comunitário, <strong>na</strong> figura dos cidadãos imigrados.4.3. OS MEDIA E O DISCURSO SOBRE A DIFERENÇAEsta disposição da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> face à diferença adquire maior expressão setivermos em conta que nos anos mais recentes, “nos países mais <strong>de</strong>senvolvidos,<strong>na</strong> Europa Oci<strong>de</strong>ntal e nos Estados Unidos, existe entre a populaçãoum sentimento <strong>de</strong> uma chegada sem prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> imigrantes <strong>na</strong>última década, <strong>de</strong> uma autêntica invasão, para utilizar a terminologia <strong>de</strong>alguns órgãos <strong>de</strong> comunicação social” (Borja, Castells, 1997: 115). Po<strong>de</strong>mosdissecar esta afirmação em duas i<strong>de</strong>ias fundamentais – a da inclusão dosimigrantes no exogrupo por parte dos chamados “países <strong>de</strong> acolhimento” ea do papel dos media <strong>na</strong> difusão e ampliação da carga negativa <strong>de</strong>stesClara Almeida Santos49


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003“Outros”. Com efeito, “a migração produz i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s plurais, mas tambémi<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s contestadas, em um processo que é caracterizado por gran<strong>de</strong>s<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s. A migração é um processo característico da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>em termos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento” (Silva, 2000: 21). Como afirma Martiniello,os imigrantes são, genericamente, acusados <strong>de</strong> ser fonte <strong>de</strong> insegurança,focados enquanto ilegais ou clan<strong>de</strong>stinos, sobretudo quando são oriundosdo Leste ou do Sul do globo, ou quando são refugiados ou procuram asilo(Martiniello, 1999).No entanto, esta abordagem <strong>de</strong> certa forma negativista dos autores referidosnão subsiste per se, já que também o discurso sobre a diferença(retomando a perspectiva binária saussuria<strong>na</strong>, se constrói entre dois pólos:o da discrimi<strong>na</strong>ção e o da diversida<strong>de</strong> (Albuquerque et al., 2000).O discurso sobre a diferença constrói-se, geralmente, sobre as característicasexteriores visíveis, o que correspon<strong>de</strong> à tendência “para que as minorias<strong>de</strong>finidas por atributos étnicos, culturais ou religiosos sejam alvo <strong>de</strong>discrimi<strong>na</strong>ção, quer por parte das franjas, quer por parte do bloco centraldo po<strong>de</strong>r político” (Martiniello, 1999: 43). São exemplos comuns nos meios<strong>de</strong> comunicação social a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> autores <strong>de</strong> crime através da referênciaà sua <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> ou às suas características fenotípicas. Estetipo <strong>de</strong> discurso colhe receitas no chamado “racismo científico”, quecomeça a difundir-se no fi<strong>na</strong>l do século XVIII e que radica <strong>na</strong> i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “umadiferença essencial, inscrita <strong>na</strong> própria <strong>na</strong>tureza dos grupos humanos”(Wieviorka, 2002: 21). Esta teoria proce<strong>de</strong> a uma hierarquização dos gruposhumanos que supõe a superiorida<strong>de</strong> dos indo-europeus, seguidos dossemitas ou chineses, para chegar aos chamados “primitivos”. Naturalmenteque este “racismo científico” cai em completo <strong>de</strong>scrédito após a2.ª Guerra Mundial, <strong>de</strong>vido sobretudo à <strong>de</strong>vastação produzida pelo <strong>na</strong>zismo,aos movimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scolonização que se seguiram ao conflito e às <strong>de</strong>scobertasdos geneticistas. Persiste, no entanto, o chamado “racismo institucio<strong>na</strong>l”que funcio<strong>na</strong> com base em mecanismos que não são percebidossocialmente. Mais do que as características biológicas, o racismo institucio<strong>na</strong>lbaseia-se <strong>na</strong>s transcrições <strong>de</strong> situações socais em que existe grupossuperiorizados e grupos inferiorizados 29 . Po<strong>de</strong>mos encontrar referências,nomeadamente no estudo empírico que serviu <strong>de</strong> base <strong>de</strong>ste trabalho, <strong>de</strong>discursos em que o valor-notícia <strong>de</strong>corre precisamente do facto <strong>de</strong> tersido um Outro a praticar esses mesmo crimes. As próprias notícias29. Wieviorka apresenta exemplos <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> racismo institucio<strong>na</strong>l como o facto <strong>de</strong>pais não inscreverem filhos <strong>na</strong> escola pública do bairro on<strong>de</strong> habitam porque a consi<strong>de</strong>raminferior, uma vez que frequentada por alunos que são <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> imigrantes.Frequentemente as manifestações do racismo institucio<strong>na</strong>l se aproximam das manifestações<strong>de</strong> sexismo, acrescenta ainda Wieviorka.Clara Almeida Santos50


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003sobre actos <strong>de</strong> discrimi<strong>na</strong>ção, mesmo que se revistam quase do carácter<strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia, po<strong>de</strong>m servir propósitos <strong>de</strong> discrimi<strong>na</strong>ção, através <strong>de</strong> mecanismosque ocorrem do lado do receptor da informação.Já o discurso que releva a diversida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> expressar-se <strong>de</strong> múltiplasformas e <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> várias motivações. Po<strong>de</strong>remos inclusivamente afirmarque o discurso da diversida<strong>de</strong> assenta, por vezes, num novo tipo <strong>de</strong> racismo,<strong>de</strong> tipo subtil, classificado por Barker 30 como “racismo cultural”. Estaforma particular <strong>de</strong> racismo faz incidir a hierarquia <strong>na</strong>s práticas culturais,nomeadamente a língua, a religião, as tradições e os costumes.O racismo cultural baseia-se no sentimento <strong>de</strong> ameaça à suposta homogeneida<strong>de</strong>cultural do grupo domi<strong>na</strong>nte. O Outro passa a ser conotadocom uma expressão particular da <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong> “nem superior, neminferior: diferente” (Wieviorka, 2002: 37). Mesmo o aparente interesse poresta diferença, traduzida em expressões como a do exotismo, po<strong>de</strong> seruma das máscaras <strong>de</strong> uma certa forma <strong>de</strong> racismo, um pouco como preconizaEdward Said no célebre ensaio sobre o discurso orientalista.Será, portanto, uma autêntica armadilha construir discursos sobre aimigração. E são precisamente esses discursos, que são necessariamentesobre o Outro, que este trabalho se propõe a<strong>na</strong>lisar. Não só o Outroimigrante, expressão mais imediata <strong>de</strong>sta “alterida<strong>de</strong>”, mas também oOutro como mulher já que, como veremos no próximo capítulo, a pertençaao sexo feminino constitui uma outra forma <strong>de</strong> ser Outro.4.3.1. O racismo nos mediaNão nos po<strong>de</strong>mos furtar, pois, a uma breve referência à forma como osmedia po<strong>de</strong>m ser veículos ou <strong>de</strong>tractores do racismo, seja ele <strong>de</strong> que tipofor. Do exposto po<strong>de</strong>mos inferir que o racismo clássico está fora <strong>de</strong> modamas que se manifesta sob formas <strong>de</strong> racismo subtil. Teremos <strong>de</strong> adoptar,em relação aos media, uma postura <strong>de</strong> equidistância crítica, até porque éprecisamente esse o âmbito <strong>de</strong> análise do estudo empírico apresentadoneste trabalho.Por um lado, alguns autores (como Teun Van Dijk) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que os mediareproduzem e perpetuam estereótipos existentes <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, o que nãoserá <strong>de</strong> estranhar dada a sua função <strong>de</strong> objecto <strong>de</strong> comunicação do queexiste. A explicação para este facto po<strong>de</strong> residir <strong>na</strong> suposição <strong>de</strong> partilha <strong>de</strong>universos entre emissores e <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tários: “quando os jor<strong>na</strong>listas comu-30. Cf. The New Racism, 1981.Clara Almeida Santos51


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003nicam com a sua audiência, esboçam um mundo <strong>de</strong> significados que pressupõemserem partilhados entre eles e a sua audiência. Estes significadosnão têm <strong>de</strong> ser soletrados, são dados como garantidos, e servem comoponto <strong>de</strong> partida para mais elaboração teórica. É a este nível <strong>de</strong> significadossupostamente partilhados que uma perspectiva do mundo ou uma i<strong>de</strong>ologiasocietalmente ancoradas po<strong>de</strong>m ser encontradas” (Martiniello, 1999: 107).Por outro lado, outros teóricos não têm dúvidas em afirmar que são ospróprios media a produzir extensões <strong>de</strong> fenómenos racistas, já que ascondições <strong>de</strong> produção jor<strong>na</strong>lísticas se encontrariam <strong>de</strong>sligadas das necessáriasrelações sociais. Teremos, porém, <strong>de</strong> admitir que os media sãoape<strong>na</strong>s um elo numa ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> construção da realida<strong>de</strong> que funcio<strong>na</strong>antes e <strong>de</strong>pois da sua acção. Isto quer dizer que a informação veiculadapelos media interage, antes <strong>de</strong> mais, com aquilo a que Searle chama <strong>de</strong>“informação pragmática geral”, ou seja, o conjunto <strong>de</strong> crenças, conhecimentose pressupostos <strong>de</strong> cada indivíduo no momento em que se dá ainteracção verbal (no caso concreto, que <strong>de</strong>corre do contacto com osmedia). Além disso, o próprio registo em que se opera a transmissão dasinformações po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte para a produção <strong>de</strong> significação 31 ,nomeadamente ao nível das variáveis <strong>de</strong> forma, conteúdo e discurso que<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>m o produto fi<strong>na</strong>l da notícia. Fi<strong>na</strong>lmente, tudo o que se passaposteriormente à recepção da notícia po<strong>de</strong> influenciar a sua <strong>de</strong>scodificação,nomeadamente a opinião <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res, cristalizada teoricamente nosistema do two step flow of communication.Po<strong>de</strong>mos, no entanto, chegar à conclusão <strong>de</strong> que a análise dos media nospo<strong>de</strong> fornecer uma imagem, resultado <strong>de</strong> uma construção social, daimigração, ainda que daí não se possam <strong>de</strong>duzir todas as consequências<strong>de</strong>ssa construção.4.4. A IMIGRAÇÃO ENQUANTO NOTÍCIAA primeira pergunta a fazer chegados a neste momento será “porque é queos media se interessam pela imigração enquanto tema?”. Tentando chegara uma resposta cabal, recorremos aos valores-notícia, ou seja, aquilo quetransforma um acontecimento em notícia, conforme foram enunciadospor Galtung e Ruge, adaptando-os à realida<strong>de</strong> portuguesa. De acordocom os autores, os valores-notícia, em número <strong>de</strong> doze, são: a frequência,a amplitu<strong>de</strong>, a clareza, a significância, a consonância, o inesperado, a31. Como refere Wieviorka, há que distinguir o registo da emoção, dos afectos, da paixão,do medo ou da sedução do registo da análise, dos argumentos, da informação que sequer factual (Wieviorka, 2002).Clara Almeida Santos52


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003continuida<strong>de</strong>, a composição, a referência a <strong>na</strong>ções <strong>de</strong> elite, a referência apessoas <strong>de</strong> elite, a perso<strong>na</strong>lização e a negativida<strong>de</strong>. Este é mo<strong>de</strong>lo maissistemático <strong>de</strong> tipificação dos valores que já foi alvo <strong>de</strong> inúmeras críticas e<strong>de</strong> alguns acrescentos. Para o efeito prático <strong>de</strong> avaliar se a imigração éenquadrável mo<strong>de</strong>lo é, porventura, o que mais se presta. Assim, <strong>de</strong>ntro domacro-tema da imigração encontramos uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sub-temas,como po<strong>de</strong>remos ver <strong>na</strong> construção das variáveis para a análise <strong>de</strong> notíciasque foi feita no âmbito do trabalho empírico. Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já avançar que,<strong>na</strong> gran<strong>de</strong> maioria das vezes, a imigração é tratada enquanto acontecimentoe não como problemática, o que não é <strong>de</strong> estranhar, visto que campojor<strong>na</strong>lístico “tem maiores dificulda<strong>de</strong>s <strong>na</strong> abertura <strong>de</strong> problemáticas”(Traqui<strong>na</strong>, 2002). No entanto, e dadas as especificida<strong>de</strong>s da imigração,parece existir uma tentativa <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r um tratamento continuado àtemática, o que, por sua vez, vai fazendo com que o valor-notícia seja cadavez mais elevado.Po<strong>de</strong>mos afirmar que a imigração já ganhou uma espécie <strong>de</strong> lugar cativoentre as pági<strong>na</strong>s dos jor<strong>na</strong>is portugueses. Prova disso é a existência <strong>de</strong>alguns estudos no âmbito da Sociologia e das Ciências da Comunicação quetentam precisamente a<strong>na</strong>lisar a forma como a imigração chega ao espaçopúblico através dos meios <strong>de</strong> comunicação social. E tais estudos não po<strong>de</strong>riamser feitos sem matéria-prima que os alimentasse. O interesse pelanotícia enquanto forma <strong>de</strong> construção da realida<strong>de</strong> social foi suscitadopela Sociofenomenologia (Grossi, 1985), que enten<strong>de</strong> como válidas paraanálise e para <strong>de</strong>las se retirem consequências, as imagens que são transmitidaspelos media. “A análise <strong>de</strong> imprensa po<strong>de</strong> constituir um meioa<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> reconstituição das representações vigentes no âmbito <strong>de</strong>uma socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as publicações em análise sejam produzidas<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das condições. Po<strong>de</strong> ser assim consi<strong>de</strong>rado como umindício válido das representações <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> o discurso <strong>de</strong> ummeio <strong>de</strong> comunicação social cuja produção é suportada pelo mecanismoeconómico do mercado” (Esteves, 1991: 73). Quer isto dizer que se umórgão <strong>de</strong> comunicação social subsiste <strong>na</strong> lógica <strong>de</strong> mercado, tal aconteceporque as informações dadas são compatíveis com a experiência <strong>de</strong> quemas consome e porque o discurso produzido correspon<strong>de</strong> aos seus interesses(e, talvez até, opiniões).4.4.1. Análises <strong>de</strong> imprensa com a imigração como temaA evolução da forma como a imigração em Portugal se tem situado <strong>na</strong> opiniãopública em Portugal po<strong>de</strong>rá, então, ser <strong>de</strong>senhada (com as <strong>de</strong>vidas limitações)a partir das notícias publicadas ao longo dos anos sobre a matéria.Clara Almeida Santos53


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003O presente trabalho preten<strong>de</strong> ser mais um contributo para esse objectivo,mas convém fazer uma breve resenha dos estudos (que têm por base aimprensa escrita) que o antece<strong>de</strong>ram fazendo, simultaneamente, a históriadas notícias sobre imigração em Portugal.Antes <strong>de</strong> mais, proce<strong>de</strong>mos a uma breve panorâmica sobre o <strong>de</strong>senvolvimentodos meios <strong>de</strong> comunicação social em Portugal <strong>na</strong>s últimas décadas.Des<strong>de</strong> as mudanças introduzidas a partir do 25 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1974 e até aoprimeiros anos da década <strong>de</strong> 80, não existe praticamente <strong>na</strong>da a registar emtermos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> notícias que seja digno <strong>de</strong> relevo (para o âmbito <strong>de</strong>estudo <strong>de</strong>ste trabalho, <strong>na</strong>turalmente) ou que não <strong>de</strong>corra das transformaçõestecnológicas operadas no aparato que envolve a produção <strong>de</strong> notícias.A televisão é controlada pelo Estado, que <strong>de</strong>tém os dois únicos ca<strong>na</strong>isexistentes, e a imprensa, embora com algumas flutuações <strong>de</strong> títulos,regista como principal alteração a <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização dos principais títulos.O estado das coisas é alterado, no entanto, no princípio dos anos 80, com aerupção das chamadas “rádios piratas” (Traqui<strong>na</strong>, 1997), <strong>de</strong> forma anárquicae quase incontrolável. O monopólio estatal da televisão começatambém a ser <strong>de</strong>safiado durante a mesma década, sobretudo em consequênciado aparecimento <strong>de</strong> novas tecnologias como o satélite e o ví<strong>de</strong>o,que levam a que existam margens <strong>de</strong> escolha para alguns espectadores.Claro que o número <strong>de</strong> pessoas com acesso a estes gadgets era aindaminoritário, mas a semente da mudança está a ser irremediavelmenteespalhada. O controlo estatal da televisão começa a ser questio<strong>na</strong>do e osprincipais partidos políticos (PSD e PS) concordam com o seu fim. Com arevisão constitucio<strong>na</strong>l do fi<strong>na</strong>l dos anos 80 e com a lei da televisão <strong>de</strong>1990, estão lançados os alicerces para uma reestruturação do panoramaaudiovisual em Portugal. A rádio, com a fragilização das estações públicasprovocada pela concorrência das “piratas”, está também <strong>na</strong> mira <strong>de</strong> alteraçõesprofundas. Os jor<strong>na</strong>is <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lizados nos anos da revolução sãoreprivatizados. Durante esta década há a registar dois fenómenos interessantes<strong>na</strong> imprensa: por um lado, o sucesso atingido por títulos <strong>de</strong> orientaçãoclaramente populista – A Capital, Correio da Manhã e Tal & Qual; poroutro lado, a consolidação dos principais jor<strong>na</strong>is <strong>de</strong> referência – Expresso,O Jor<strong>na</strong>l, o Semanário e O In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte (Breve Retrospectiva Histórica,Instituto da Comunicação Social).Na década <strong>de</strong> 90 registam-se novamente gran<strong>de</strong>s transformações no panoramamediático português. Por um lado, os operadores privados <strong>de</strong> televisãoentram <strong>na</strong> corrida às audiências (até então inexistente), com a SICa começar a emitir em Outubro <strong>de</strong> 1992 e a TVI em Fevereiro <strong>de</strong> 1993.A gran<strong>de</strong> concorrente da RTP passa a ser a SIC (a TVI não representavaClara Almeida Santos54


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003ainda uma real ameaça, dadas as suas especificida<strong>de</strong>s à data da criação,nomeadamente o facto <strong>de</strong> se afirmar como tendo inspiração cristã). Parafazer frente à “guerra” que se avizinha, a RTP artilha-se com todos ostrunfos <strong>de</strong> que dispõe e a grelha altera-se significativamente em relação aanos anteriores. No entanto, o último ano <strong>de</strong> lucro da RTP foi precisamenteo último ano <strong>de</strong> monopólio, então <strong>na</strong> or<strong>de</strong>m dos 500 mil contos(Traqui<strong>na</strong>, 1997). Até Outubro <strong>de</strong> 1992, 100 por cento do investimento publicitário<strong>na</strong> televisão era feito <strong>na</strong> RTP; 9,5 milhões <strong>de</strong> pessoas viam, regulamente,o Ca<strong>na</strong>l 1. Dois anos <strong>de</strong>pois, o valor médio do share caiu para 50 porcento. O resto da publicida<strong>de</strong> era distribuído pelos dois novos ca<strong>na</strong>is – SICe TVI. De referir ainda que no início dos anos 90 é também abolida a taxa <strong>de</strong>televisão em Portugal, o que retira à empresa não só uma importantefonte <strong>de</strong> receita como também um vínculo directo “à comunida<strong>de</strong> dos cidadãos/contribuintes”(Cádima, 2002: 11).A principal mudança introduzida pela SIC <strong>de</strong>corre dos novos formatos televisivosque i<strong>na</strong>ugura <strong>na</strong> televisão portuguesa, nomeadamente ao nível dosreality shows e dos talk shows. Passada uma fase inicial <strong>de</strong> consolidação,a SIC consegue marcar pontos <strong>na</strong> informação, sobretudo através <strong>de</strong> inovaçõesao nível da imagem, da proximida<strong>de</strong> em relação aos acontecimentos,<strong>na</strong> composição das grelhas. A informação é, aliás, uma gran<strong>de</strong> aposta doca<strong>na</strong>l e isso é visível no número <strong>de</strong> horas <strong>de</strong> emissão que lhe são consagradas,consi<strong>de</strong>ravelmente superior ao dos outros ca<strong>na</strong>is tomados isoladamente,e isso é particularmente visível durante o prime-time.É <strong>de</strong> extrema importância a <strong>de</strong>lineação, ainda que muito sumária 32 , dapaisagem audiovisual portuguesa nestes anos <strong>de</strong> mudança paracompreen<strong>de</strong>r o que se passa também em outros domínios da comunicaçãosocial. A televisão, nesta luta pela audiência, acaba por ditar osrumos da generalida<strong>de</strong> do panorama mediático, <strong>na</strong> medida em que asagendas da televisão são seguidas por outros órgãos <strong>de</strong> comunicaçãosocial, mesmo que seja seguida a lógica ditada pela máxima “a televisãomostra, a imprensa explica, a rádio anuncia”. A informação tem cada vezmais a forma <strong>de</strong> entretenimento. O valor-notícia adquire novos contornos.Os efeitos do que se passa <strong>na</strong> televisão fazem-se sentir em todos os media,pelo efeito do arrasto. Ganham, neste contexto, particular importâncianovos actores sociais e novos temas, tais como as questões directamenterelacio<strong>na</strong>das com a vida quotidia<strong>na</strong> dos cidadãos <strong>de</strong> que os transportes, a32. Enten<strong>de</strong>mos que não traz mais-valia significativa para este trabalho uma minuciosa<strong>de</strong>scrição das alterações no panorama audivisual português a partir dos anos 90, atéporque o nosso âmbito <strong>de</strong> análise se centra <strong>na</strong> imprensa. No entanto, convém ter emconsi<strong>de</strong>ração que essas alterações foram essenciais para a construção do cenário mediáticoportuguês tal como hoje o conhecemos.Clara Almeida Santos55


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003habitação, o ambiente, a segurança e a crimi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> são ape<strong>na</strong>s algunsexemplos.Devemos realçar ainda o aparecimento do jor<strong>na</strong>l Público, em 1990, que veiomaterializar a resposta a uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma jor<strong>na</strong>l com novas característicasgráficas, e com uma nova abordagem em relação à socieda<strong>de</strong>portuguesa e à sua inserção <strong>na</strong> Europa e no mundo, como aliás se encontraexpresso no estatuto editorial da publicação.Também durante a década <strong>de</strong> 90, em 1998, surge uma nova publicação, o24 Horas, obe<strong>de</strong>cendo a uma lógica popular-sensacio<strong>na</strong>lista. A novida<strong>de</strong>trazida <strong>de</strong>ste jor<strong>na</strong>l pren<strong>de</strong>-se com o facto <strong>de</strong> ser a mais clara manifestaçãoda tabloidização <strong>na</strong> imprensa portuguesa, quer ao nível do formato, quer aonível dos conteúdos e do tratamento que lhes é dado.Durante a década <strong>de</strong> 90 surgem várias publicações que se inserem <strong>na</strong>área das revistas <strong>de</strong> informação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> – Gran<strong>de</strong> Reportagem (criadaainda em 1989), Visão (1993) e Focus (1999).Antes <strong>de</strong> prosseguir com o estabelecimento da necessária relação entre asespecificida<strong>de</strong>s do panorama mediático e as notícias sobre imigração,convém assi<strong>na</strong>lar a média <strong>de</strong> circulação total dos jor<strong>na</strong>is (vendas, assi<strong>na</strong>turase ofertas) a cuja análise proce<strong>de</strong>mos neste trabalho no ano emcausa, 2003.TítulosCirculação média totalPúblico 56.239Diário <strong>de</strong> Notícias 50.794Jor<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Notícias 105.242Correio da Manhã 114.643A Capital 7.31424 Horas 50.824Expresso 138.109O In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte 16.622Total 539.787Fonte: INEClara Almeida Santos56


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20034.4.1.1. Os estudos sobre a imigração nos media em PortugalDeve realçar-se que os primeiros estudos reportam-se a notícias recolhidas<strong>na</strong> década <strong>de</strong> 80. Este facto <strong>de</strong>ve ser lido em função da <strong>de</strong>scrição dasparticularida<strong>de</strong>s do fenómeno da imigração em Portugal, <strong>de</strong>scritas nocapítulo III, mas também da nova realida<strong>de</strong> da paisagem mediática, tambémjá referida.O primeiro estudo <strong>de</strong> que encontrámos registo intitula-se “A opinião públicaface aos estrangeiros” (Esteves; 1991) e insere-se no âmbito do projecto AImigração <strong>na</strong> Europa do Sul da CEE. Foram a<strong>na</strong>lisadas notícias do Diário <strong>de</strong>Notícias e do Expresso (uma visão assumidamente parcial, mas entendidacomo relevante quanto à “percepção que os portugueses têm dos estrangeiros”),publicados entre Janeiro <strong>de</strong> 1983 e Julho <strong>de</strong> 1989 (Diário <strong>de</strong> Notícias)e Janeiro <strong>de</strong> 1987 e Julho <strong>de</strong> 1989 (Expresso). A primeira observaçãoa fazer é que os textos sobre imigração não são frequentes já que forama<strong>na</strong>lisados para esse período <strong>de</strong> tempo 12 textos i<strong>de</strong>ntificados como reportagens(excluindo as notícias breves). De acordo com os autores, predomi<strong>na</strong>vaaquilo a que chamaram <strong>de</strong> “reportagem social”. Não foramencontrados editoriais nem artigos <strong>de</strong> cariz político, tão-pouco númerosespeciais ou dossiês temáticos, constituindo-se as reportagens como“actos isolados” (ao contrário do que já se verificava, <strong>na</strong> época, em diversospaíses da Europa comunitária). Os autores do estudo constataram aausência <strong>de</strong> uma “representação global que abranja todos os estrangeirosresi<strong>de</strong>ntes”, que fizeram correspon<strong>de</strong>r à “não existência, no <strong>de</strong>bate públicoportuguês, <strong>de</strong> um problema estrangeiros”, facto também traduzido <strong>na</strong>inexistência <strong>de</strong> “abordagens políticas do fenómeno dos estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes”(Esteves, 1991: 65). Os autores concluem que a opinião públicaportuguesa dá pouca atenção aos estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes, justificada poruma falta <strong>de</strong> preocupação face “ao que teria proporções <strong>de</strong> um problemasocial” (Esteves, 1991: 65). Em termos <strong>de</strong> observações gerais realçadas peloestudo, constata-se que no uso comum, as expressões cabo-verdiano e africanosão, praticamente, sinónimos. Quanto à perspectiva temática apresentada,ela diz sobretudo respeito a dois eixos: o do “mundo <strong>de</strong>sconhecido”em que se movimentam estes imigrantes (bairros, hábitos, condições <strong>de</strong>vida, etc.) e o da violência. Relativamente à atitu<strong>de</strong> dos portugueses face aestes imigrantes, verifica-se a incidência do racismo, ligado à questão dacrimi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>. As restantes comunida<strong>de</strong>s estrangeiras são apresentadas <strong>de</strong>forma residual, o que os autores justificam, <strong>na</strong>s conclusões do trabalho,com uma certa indiferença, <strong>de</strong>corrente do “número relativamente baixo<strong>de</strong> pessoas que compõem” essas comunida<strong>de</strong>s (Esteves, 1991: 73).Em relação aos redactores, i<strong>de</strong>ntifica-se uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> “simpatia ecuriosida<strong>de</strong>”.Clara Almeida Santos57


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Da apresentação dos resultados <strong>de</strong>ste trabalho po<strong>de</strong>r-se-á dizer que, comautores que estudam a imigração em Portugal, que “<strong>na</strong> opinião públicaportuguesa, os imigrantes chegam a Portugal vindos dos PALOP, contratadospor imigrantes ou cidadãos dos seus próprios países, para trabalharsem contrato ou sem direitos <strong>na</strong>s principais obras públicas em curso, epara serem ladrões, gatunos, pedintes ou carteiristas” (Baganha, Góis,Ramalho, 2001: 161).Os mesmos resultados são apresentados no artigo “Imigração e Racismo:10 anos nos media”, da autoria <strong>de</strong> Isabel Ferin Cunha, publicado numa obracolectiva editada pela SOS Racismo em 2002. Trata-se <strong>de</strong> uma resenha dotrabalho <strong>de</strong>senvolvido por uma equipa dirigida pela referida investigadoraque a<strong>na</strong>lisou a presença <strong>de</strong> notícias sobre a imigração nos media(imprensa) ao longo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos 33 . Neste estudo (notável pela sua duração,permitindo estabelecer importantes relações <strong>de</strong> comparação) afirma-se que“nos dados disponíveis do período <strong>de</strong> 1992-1995, referentes ao temaimigração e racismo, é perceptível a confusão feita pelos jor<strong>na</strong>listas (…)entre imigrantes e pessoas <strong>de</strong> cor, socialmente <strong>de</strong>sfavorecidos, configurando-seeste procedimento como discrimi<strong>na</strong>tório, frente a estes indivíduos”34 . Neste período, continuam os autores, “os media parecem não ter,ainda, uma percepção clara dos fenómenos da imigração e sequer consciênciadas leituras racistas que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos enquadramentos <strong>de</strong> matériaspo<strong>de</strong>m adquirir” 35 .Neste período, são ainda assi<strong>na</strong>ladas algumas ocorrências que levaram aimigração para as pági<strong>na</strong>s nos jor<strong>na</strong>is, nomeadamente a entrada em vigordos Acordos <strong>de</strong> Schengen, a promulgação <strong>de</strong> novas leis dos Estrangeiros eLei <strong>de</strong> Asilo, a divulgação dos relatórios do SIS que empolam os índices <strong>de</strong><strong>de</strong>linquência juvenil, associando-os a jovens imigrantes, que <strong>na</strong> verda<strong>de</strong>correspon<strong>de</strong>m a segundas gerações <strong>de</strong> imigrantes já <strong>na</strong>scidas em Portugal.Neste sentido, argumenta o estudo, a violência juvenil e o tema dos gangsafricanos passa a fazer parte da agenda temática com gran<strong>de</strong> recorrência,sobretudo durante a silly season, sobretudo por falta <strong>de</strong> outros temasinteressantes para encher as pági<strong>na</strong>s das diversas publicações.A par da questão da <strong>de</strong>linquência associada à imigração, surge tambémreferência a casos <strong>de</strong> si<strong>na</strong>l contrário, mais positivo, mais humanizado,como acontece em 1994 com o chamado “Caso Vuvu”, o “1.º caso <strong>de</strong>33. Os resultados <strong>de</strong>sta pesquisa foram inicialmente publicados <strong>na</strong> obra Os Africanos <strong>na</strong><strong>Imprensa</strong> <strong>Portuguesa</strong>: 1992-1995, 1996, Lisboa: CIDAC.34. Cunha I. F., Imigração e Racismo: 10 anos nos media, in SOS Racismo, 2002: 414.35. I<strong>de</strong>m.Clara Almeida Santos58


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003imigração tratado em função da nova realida<strong>de</strong> concorrencial dos media” 36 .Trata-se da abordagem noticiosa <strong>de</strong> uma problemática, a do reagrupamentofamiliar (em estreita ligação com a nova lei da imigração <strong>de</strong> 1993), apartir <strong>de</strong> um acontecimento – a situação <strong>de</strong> Vuvu.Em 1995, dá-se um novo caso mediático associado à imigração, o chamado“Caso Bairro Alto”, ou “Caso Alcino Monteiro”, que constituiu, segundoeste estudo, o “1.º caso <strong>de</strong> racismo mediatizado” 37 .Em suma, a imigração surge neste período 1993-1995 associada sobretudoaos temas da habitação, da violência policial, <strong>de</strong>linquência juvenil e dalegislação.Um novo período i<strong>na</strong>ugura-se em 1996 (até 2002, data do fi<strong>na</strong>l do estudo emanálise). Este é o ano em que se realiza o período <strong>de</strong> legalização extraordináriaque funcionou como uma das primeiras medidas carismáticas norecém-empossado governo socialista <strong>de</strong> António Guterres. Talvez por estemotivo, as notícias sobre imigração <strong>de</strong>mostram a “opção <strong>de</strong> dar voz ape<strong>na</strong>sàs instituições <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r” 38 , sendo que raramente falam os imigrantes ou osseus representantes.Entre 1997 e 1999 acentua-se a guerra <strong>de</strong> audiências. Neste período, oestudo regista um incremento das notícias sobre ciganos, tráfico <strong>de</strong> droga,crimi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> e violência policial.Além <strong>de</strong>stes chamarizes, acentua ainda o trabalho dirigido por Isabel FerinCunha, “nos jor<strong>na</strong>is diários, os temas relativos às questões Trabalho,Aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Trabalho e Condições <strong>de</strong> Trabalho ganham nova dimensão” 39 .São, como vimos no capítulo que se <strong>de</strong>dica à caracterização do fenómenoda imigração em Portugal, os anos das gran<strong>de</strong>s obras públicas – Expo98,Ponte Vasco da Gama, A2 para o Algarve.O estudo refere a existência <strong>de</strong> um maior cuidado dos jor<strong>na</strong>listas no tratamento<strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> notícias, sobretudo ao nível dos enquadramentos, dotom e da preocupação em evitar estereótipos.Em 2001, a imigração volta à ribalta noticiosa por obra <strong>de</strong> um novo período<strong>de</strong> legalização extraordinária, em que são particularmente discutidas auto-36. Cunha, I. F., Imigração e Racismo: 10 anos nos media, inSOS Racismo, 2002: 415.37. I<strong>de</strong>m: 415.38. I<strong>de</strong>m: 416.39. I<strong>de</strong>m: 417.Clara Almeida Santos59


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003rizações <strong>de</strong> permanência, com enfoque <strong>na</strong>s necessida<strong>de</strong>s laborais <strong>de</strong>Portugal. A discussão centra-se <strong>na</strong> questão política e ao nível das associações<strong>de</strong> imigrantes, assi<strong>na</strong>lando-se uma diferença significativa que setraduz <strong>na</strong> busca <strong>de</strong> novas fontes <strong>de</strong> informação por parte dos jor<strong>na</strong>listas (aocontrário do que aconteceu anteriormente, como já referimos. Salienta otrabalho que os jor<strong>na</strong>is diários e sema<strong>na</strong>is <strong>de</strong>dicam espaços consi<strong>de</strong>ráveisà imigração, focando condições <strong>de</strong> trabalho, segurança no trabalho, estóriasda vida dos trabalhadores e também novas questões como a das máfias <strong>de</strong>Leste. Correspon<strong>de</strong>ndo a uma nova realida<strong>de</strong> da imigração em Portugal,também nos jor<strong>na</strong>is os cidadãos oriundos dos países <strong>de</strong> Leste ganhamvisibilida<strong>de</strong>. Parece fi<strong>na</strong>lmente ter chegado aos media a consciência <strong>de</strong>que Portugal é, <strong>de</strong>finitivamente, um país <strong>de</strong> imigração, que se enquadra <strong>na</strong>sestatísticas <strong>de</strong>mográficas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, frequentemente referidas.A questão da imigração clan<strong>de</strong>sti<strong>na</strong> reforça esta i<strong>de</strong>ia. É com a realização daCimeira Europeia <strong>de</strong> Sevilha, em Junho <strong>de</strong> 2002, consagrada às questões daimigração e asilo <strong>na</strong> Europa dos Quinze (nomeadamente ao reforço <strong>de</strong>fronteiras da União) que o tema se tor<strong>na</strong> mais visível. As preocupações <strong>de</strong>cariz securitário reflectem-se <strong>na</strong> imprensa através <strong>de</strong> uma presença constanteem <strong>de</strong>staques, dossiês e reportagens.O estudo aponta, fi<strong>na</strong>lmente, para um nítido começo <strong>de</strong> interesse peloOutro, sobretudo pelo Outro muçulmano, tendo como pano <strong>de</strong> fundo osatentados do 11 <strong>de</strong> Setembro e a consequente Guerra do Afeganistão.Fi<strong>na</strong>lmente, damos conta dos resultados <strong>de</strong> um estudo publicado peloObservatório da Imigração 40 e que coinci<strong>de</strong> com o último período <strong>de</strong> análisejá referido, dado que se reporta a notícias publicadas entre 1 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>2001 e 31 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 2002. Foram recolhidas cerca <strong>de</strong> 4000 notícias (o queconstitui um corpus muito consi<strong>de</strong>rável) entre jor<strong>na</strong>is e revistas <strong>de</strong> distribuição<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e regio<strong>na</strong>l.Das conclusões <strong>de</strong>ste estudo, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>duzir-se uma clara mudança emrelação a resultados <strong>de</strong> estudos anteriores, nomeadamente no que dizrespeito aos imigrantes mais referidos, que <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser os “africanos”para ser os imigrantes <strong>de</strong> Leste. Os cidadãos oriundos dos PALOP surgemape<strong>na</strong>s em 4.º lugar, <strong>de</strong>pois dos “imigrantes” (em termos genéricos, semreferência à proveniência), e dos ciganos. Em quinto lugar surgem osimigrantes provenientes da América do Sul, com especial incidência doscidadãos brasileiros.40. Cádima, Rui, Figueiredo, Alexandra, Representações (<strong>Imagens</strong>) dos <strong>Imigrantes</strong> e dasMinorias Étnicas nos Media, 2003, Lisboa: Observatório da Imigração.Clara Almeida Santos60


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Relativamente à questão das fontes da informação, são i<strong>de</strong>ntificadas comosendo principais a “Socieda<strong>de</strong> Civil e as instituições privadas” (o que não é<strong>de</strong> estranhar porque a imprensa a<strong>na</strong>lisada trata e mistura dados daimprensa regio<strong>na</strong>l, <strong>de</strong> inspiração cristã, e a imprensa <strong>de</strong> âmbito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l),seguidos dos “Po<strong>de</strong>res do Estado e instituições públicas”. Contrariamenteao registado em estudos anteriores, os imigrantes e minorias étnicassurgem <strong>na</strong>s estatísticas (em 7,8 por cento dos casos).Quanto aos temas encontrados, os “Delitos” são o mais recorrente, emboraesta tendência seja mais própria da imprensa <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do que regio<strong>na</strong>l, emque este tema é suplantada pelo “Acolhimento”. Outros temas a merecerregisto <strong>na</strong>s conclusões do estudo são a “Convivência” e “Exploração eMáfias”. Cruzando a variável tema com as minorias representadas, encontramosà frente da lista os imigrantes <strong>de</strong> Leste, mas também os imigrantesafricanos e os cidadãos <strong>de</strong> etnia ciga<strong>na</strong>.Em termos gerais, o estudo encontrou mais <strong>de</strong>staque (ainda que com umadiferença pouco significativa) dado aos temas consi<strong>de</strong>rados como “Avanços”(43,2 por cento) do que os temas consi<strong>de</strong>rados como “Dificulda<strong>de</strong>s” (40,9por cento.Apesar <strong>de</strong> não haver estudos especificamente consagrados ao cruzamentodas questões <strong>de</strong> género com as questões étnicas, encontramos algumasreferências em alguns artigos que constituem embriões <strong>de</strong> investigaçõesmais alargadas. Exemplo disso é o artigo publicado <strong>na</strong> Observatório número5 (Maio <strong>de</strong> 2002), que preten<strong>de</strong> divulgar as primeiras conclusões <strong>de</strong> umainvestigação levada a cabo no âmbito da re<strong>de</strong> europeia do ObservatoryAgainst Ethnic and Sexual Discrimi<strong>na</strong>tion. A pergunta formulada em relaçãoàs questões <strong>de</strong> género enquanto parte integrante da representação daimigração <strong>na</strong> imprensa portuguesa 41 centra-se <strong>na</strong> hipótese da existência <strong>de</strong>discrimi<strong>na</strong>ção e preten<strong>de</strong> avaliar se os media dão mais visibilida<strong>de</strong> à discrimi<strong>na</strong>çãoétnica ou à discrimi<strong>na</strong>ção das mulheres. Conclui-se que aoconjunto <strong>de</strong> questões relacio<strong>na</strong>das com a discrimi<strong>na</strong>ção étnica é dadamais atenção, o que é notório, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, pelo número <strong>de</strong> peças a elaconsagrado. Um dado curioso pren<strong>de</strong>-se com o facto <strong>de</strong> os jor<strong>na</strong>is consi<strong>de</strong>radoscomo sendo <strong>de</strong> referência darem mais importância às questões dadiscrimi<strong>na</strong>ção (étnica e com base no sexo) do que os jor<strong>na</strong>is ditos populares.Outra conclusão que vale a pe<strong>na</strong> referir, a propósito da visibilida<strong>de</strong> dasmulheres imigrantes, diz respeito ao facto <strong>de</strong> os media a<strong>na</strong>lisados esqueceremaquilo a que as autoras chamam os “paradoxos da situação das41. Foram a<strong>na</strong>lisadas seis publicações – Público, Diário <strong>de</strong> Notícias, A Capital, 24 Horas,Expresso e O In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.Clara Almeida Santos61


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003mulheres em Portugal”; frequentemente é dada visibilida<strong>de</strong> ao grupo <strong>de</strong>mulheres “que têm protagonizado a mudança”, no sentido <strong>de</strong> uma certadiscrimi<strong>na</strong>ção positiva. No entanto, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> apontar realçarque este é um estudo em que as mulheres aparecem como uma questãosubsidiária e ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> perspectiva <strong>de</strong> avaliar a medida da discrimi<strong>na</strong>ção.Quais serão, afi<strong>na</strong>l e mais em concreto, as especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste subgrupoe que questões se colocam <strong>na</strong> sua representação? O próximo capítulopreten<strong>de</strong> lançar alguma luz sobre o tema das mulheres imigrantes, paramelhor a<strong>na</strong>lisar, em seguida, os resultados obtidos pelo estudo empíricoque está <strong>na</strong> base <strong>de</strong>sta dissertação.Clara Almeida Santos62


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20035. SER MULHER, VER A MULHER“Vejo-te no mundo que não páracomo um gran<strong>de</strong> lenço rubro <strong>de</strong>sfraldado…Vejo-te <strong>na</strong> vida em marcha,<strong>na</strong>s mãos estendidas…Vejo-te mãe <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> homens novos,<strong>de</strong> rosto calmo e olhos firmes,através das labaredas e do fumo,sem país e sem lar, a caminho da vida– <strong>na</strong> <strong>de</strong>scoberta constante”.Poema da Mulher NovaSol NascenteMário Dionísio“… as a woman I have no country. As a woman I wantno country.As a woman my country is the whole world”.Virginia Woolf5.1. ESTUDOS SOBRE A(S) MULHER(ES)Po<strong>de</strong>mos dizer, genérica e comparativamente com outros países, queexiste ainda uma relativa escassez <strong>de</strong> trabalhos enquadráveis no domíniodos Estudos Sobre a Mulher em Portugal, apesar do crescente <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong>sta área do conhecimento nos últimos anos.Ainda em 1995 Maria Irene Ramalho constatava a inexistência da institucio<strong>na</strong>lizaçãoda área no âmbito do ensino superior. A situação, entretanto,começava a conhecer algumas alterações, nomeadamente com a criação <strong>de</strong>centros <strong>de</strong> Estudos da Mulher em algumas instituições, tais como o Centro <strong>de</strong>Investigação Faces <strong>de</strong> Eva – Estudos sobre a Mulher (da Universida<strong>de</strong> Nova <strong>de</strong>Lisboa), o Grupo <strong>de</strong> Estudos Feministas (<strong>na</strong> Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong><strong>de</strong> Coimbra ou o Núcleo <strong>de</strong> Estudos Feministas (no Centro <strong>de</strong> EstudosSociais, também em Coimbra). Isto significa, tal como se po<strong>de</strong> ler no3.º Programa <strong>de</strong> Acção Comunitária “Igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Oportunida<strong>de</strong>s entre<strong>Mulheres</strong> e Homens – 1991-1995” que a situação das mulheres começa a serperspectivada “em termos globais e interdiscipli<strong>na</strong>res” (CIMD, 1993: 11).Clara Almeida Santos63


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003A produção <strong>de</strong> trabalhos no âmbito dos Estudos da Mulher é actualmentebastante expressiva, mas ainda não se esten<strong>de</strong> a todas as áreas. Emconcreto, a forma como a mulher é representada <strong>na</strong> imprensa (em particular<strong>na</strong>s peças noticiosas) não se encontra ainda muito explorada (apesar<strong>de</strong> excepções <strong>de</strong> que daremos conta mais à frente neste trabalho).Por Estudos Sobre a Mulher (ou Estudos da Mulher) enten<strong>de</strong>m-se aquelesque realçam o “protagonismo (ou a supressão) das mulheres <strong>na</strong> história,cultura e socieda<strong>de</strong> através dos séculos” (Ramalho, 1995). De acordo coma mesma autora, este domínio <strong>de</strong> investigação implica também uma teorizaçãoda diferença sexual e dos papéis sociais, retirando as consequênciasnecessárias <strong>de</strong>ssa teorização <strong>na</strong> produção e reprodução do conhecimento.Na história da investigação em Portugal, registam-se, fundamentalmente,três momentos <strong>de</strong> pesquisa ao nível universitário: os anos 70, marcado poriniciativas esporádicas; os anos 80, em que se dá a institucio<strong>na</strong>lização; osanos 90, palco <strong>de</strong> um aumento consi<strong>de</strong>rável do número <strong>de</strong> trabalhos universitáriossobre mulheres (Bock, Cova, 2003). Esta explosão retardada noúltimo <strong>de</strong>cénio do séc. XX <strong>de</strong>ve-se, fundamentalmente, ao atraso genéricoregistado em Portugal ao nível das ciências sociais, provocado em gran<strong>de</strong>medida pela vigência e duração do regime salazarista. Só com a <strong>de</strong>mocraciaé que este campo <strong>de</strong> conhecimento e <strong>de</strong> investigação (assim comomuitos outros) começa a conhecer um <strong>de</strong>senvolvimento mais acentuado 42 .Relativamente à década <strong>de</strong> 80, mais especificamente em 1983, convémassi<strong>na</strong>lar a realização do primeiro seminário <strong>de</strong> “Estudos sobre as<strong>Mulheres</strong>” em Portugal, organizado pela então novel Comissão para aIgualda<strong>de</strong> e para os Direitos das <strong>Mulheres</strong> (CIDM).Existem, não só em Portugal como a nível inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, vários óbicesapontados a estes estudos, nomeadamente o facto <strong>de</strong>, em gran<strong>de</strong> medida,se reportarem quase exclusivamente em mulheres caucasia<strong>na</strong>s oci<strong>de</strong>ntais(Valdivia, 1995). Na mesma lógica <strong>de</strong> investigação, os estudos étnicos eraciais escolheram como objecto privilegiado as populações consi<strong>de</strong>radascomo minorias étnicas, usando os homens como grupo-foco preferencial.Desta forma não serão ainda muito abundantes os estudos que cruzem asvariáveis étnica e <strong>de</strong> género.42. Nos EUA, em Inglaterra e em França, países que se <strong>de</strong>stacam <strong>na</strong> produção <strong>de</strong> trabalhos<strong>de</strong> investigação <strong>na</strong> área dos Estudos sobre a Mulher, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>stedomínio das ciências sociais começou nos anso 60 e rapidamente evoluiu para a criação“<strong>de</strong> cursos, <strong>de</strong> <strong>de</strong>partamentos, <strong>de</strong> graus, <strong>de</strong> centros autónomos <strong>de</strong> investigação”, comoafirmou Maria Regi<strong>na</strong> Tavares da Silva no seminário sobre Estudos da Mulher realizadoem 1993, por iniciativa da Comissão para a Igualda<strong>de</strong> e para os Direitos das <strong>Mulheres</strong>.Clara Almeida Santos64


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Neste sentido, o presente trabalho preten<strong>de</strong> ser um mo<strong>de</strong>sto contributopara o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta área do conhecimento em Portugal. O CapítuloV preten<strong>de</strong> traçar, em linhas gerais, as especificida<strong>de</strong>s da representaçãoe da construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da Mulher (nomeadamente <strong>na</strong>imprensa) para seguidamente se <strong>de</strong>bruçar com maior pormenor sobre ascaracterísticas da imigração no feminino, especialmente em Portugal.Utilizaremos, indiscrimi<strong>na</strong>damente, os termos “sexo” e “género” para nosreferirmos ao objecto <strong>de</strong> análise constituído pelas diferenças entre homense mulheres, já que a <strong>de</strong>slocação do conceito não correspon<strong>de</strong>u a umamudança <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> análise (Amâncio, 1998).5.2. DIFERENÇA, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO DA MULHERComo foi referido no capítulo anterior, as representações sociais são teoriasimplícitas sobre objectos sociais relevantes e, <strong>de</strong>sta maneira, funcio<strong>na</strong>mcomo modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento através da qual se po<strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r àapreensão, avaliação e até explicação da realida<strong>de</strong>.Neste sentido, importará dar conta da forma como as mulheres, e maisespecificamente as imigrantes, são objecto <strong>de</strong>sta representação social emPortugal.Convém, a propósito, referir que o estudo das diferenças nos sexos (essencialmenteno domínio da psicologia) foi inicialmente baseado <strong>na</strong> procurapela fundamentação <strong>de</strong> mitos. Aliás, o estudo das diferenças não é exclusivodo sexismo mas também no racismo e no eurocentrismo da ciência(Amâncio, 1998). Assim, algumas características físicas, como o tamanho docérebro alimentavam a i<strong>de</strong>ia da superiorida<strong>de</strong> da quantida<strong>de</strong>, contribuindopara a superiorização dos homens relativamente às mulheres e à perpetuaçãodos mitos. Ape<strong>na</strong>s estudos realizados <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 70 vêm <strong>de</strong>monstrarque muitas das diferenças encontradas entre raparigas e rapazes só setor<strong>na</strong>m consistentes a partir dos onze anos, sendo que até aí os indícios ecaracterísticas diferenciadoras dos sexos se <strong>de</strong>vem mais à expressão <strong>de</strong>comportamentos socialmente a<strong>de</strong>quados ao grupo <strong>de</strong> pertença, gratificantepara as crianças que já interiorizaram a permanência da pertençasexual 43 . A célebre frase <strong>de</strong> Simone <strong>de</strong> Beauvoir, em O Segundo Sexo, vemprecisamente ao encontro <strong>de</strong>sta construção social e económica da mulher:“Uma pessoa não <strong>na</strong>sce, tor<strong>na</strong>-se, mulher”.43. Estudos <strong>de</strong> Maccoby e Jaklyn, e <strong>de</strong> Gouveia Pereira, Jesuíno e Joyce-Moniz, citadospor Amâncio, 1998.Clara Almeida Santos65


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Do até agora exposto po<strong>de</strong>remos, pois, inferir que a mulher, como oimigrante (ou o estrangeiro, no caso concreto, extra-comunitário), se constituitambém como um Outro relativamente à figura hegemónica e domi<strong>na</strong>ntemasculi<strong>na</strong>. Esta dominância no plano simbólico é comum às teoriase aos dados empíricos e está associada ao po<strong>de</strong>r exercido pelos homenssobre a esfera femini<strong>na</strong> e a organização social em geral. Existe, como<strong>de</strong>nuncia Lígia Amâncio, uma “incapacida<strong>de</strong> da integração do comportamentodas mulheres nos mo<strong>de</strong>los teóricos, sem ser numa perspectiva <strong>de</strong>exclusão e especificida<strong>de</strong>” (Amâncio, 1998: 27).É a “assimetria dos papéis tradicio<strong>na</strong>is dos dois sexos que relega asmulheres para uma condição <strong>de</strong> grupo minoritário não só pela sua posiçãosocial objectiva, <strong>na</strong> esfera pública, mas também no plano subjectivo, eque po<strong>de</strong> explicar a sua discrimi<strong>na</strong>ção enquanto categoria social” (Amâncio,1998: 32).A respeito da representação, ou dos vários tipos <strong>de</strong> representações que têmpor objecto a mulher, po<strong>de</strong>remos dizer que tiveram como autor exclusivo,com algumas excepções e até há bem pouco tempo, o autor masculino. Issomesmo referem Georges Duby e Michelle Perrot a propósito das imagenspictóricas que povoam a história da arte. Recuperando esses estereótipos,dizem os autores que “três figuras obsessio<strong>na</strong>is habitavam o espírito doshomens quando estes imagi<strong>na</strong>vam a mulher: a figura da companheira,nos jogos eróticos, a da mãe protectora e consoladora (…), fi<strong>na</strong>lmente afigura da associada indispensável, como reacção <strong>de</strong>fensiva, todavia rigorosamentemantida em situação subalter<strong>na</strong> e submissa” (Duby, Perrot, 1992:19). O mesmo se po<strong>de</strong>ria constatar em relação à literatura e até mesmo àimprensa.Nesta linha <strong>de</strong> pensamento, e adiantando um pouco o que mais à frente se<strong>de</strong>senvolverá, po<strong>de</strong>mos associar a construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da mulher auma i<strong>de</strong>ia profunda <strong>de</strong> reprodução, <strong>de</strong> vários tipos <strong>de</strong> reprodução, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aliteral, biológica, à reprodução simbólicas (<strong>de</strong> valores, culturas, etc.). Destaforma, surge como bastante complexa (no sentido <strong>de</strong> intimamente relacio<strong>na</strong>da)a relação da mulher com a cidadania e com a <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>. Nãoresistimos, pois, a exemplificar como a figura da <strong>na</strong>ção é tão frequentementeassociada com uma figura femini<strong>na</strong>. Po<strong>de</strong>remos dizer, comPettman 44 , que “numa jogada complexa, o estado é sexizado macho e a<strong>na</strong>ção sexizada fémea”. Basta lembrar a Mãe Rússia, a Mãe Índia, ou afigura da Pátria (apesar da etimologia da própria palavra…) durante a revoluçãofrancesa – uma mulher a dar à luz uma criança.44. Citado por Wilford, Miller, 1998: 1.Clara Almeida Santos66


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Talvez fosse possível encontrar nestes factos uma explicação para o facto<strong>de</strong> as mulheres, sobretudo as que pertencem a uma <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> ou etniadiferente, po<strong>de</strong>rem representar uma ameaça tão significativa que conduz auma dupla discrimi<strong>na</strong>ção. Afi<strong>na</strong>l, não é por acaso que em situações <strong>de</strong>guerra se produzem <strong>na</strong> história dos conflitos tantas violações perpetradaspelos soldados <strong>na</strong>s mulheres do lado inimigo: cada mulher ofendida ésímbolo da colectivida<strong>de</strong> ofendida. E existe sempre a possibilida<strong>de</strong> latente<strong>de</strong> a mulher violada vir a gerar um filho do seu inimigo, numa perpetuaçãoperversa do ódio e do triunfo.Como veremos mais à frente, a mulher imigrante po<strong>de</strong> ser vista como aencar<strong>na</strong>ção reprodutora <strong>de</strong> uma “ameaça” que vem <strong>de</strong> fora, um outro particularmenteperigoso porque passível <strong>de</strong> gerar ainda mais alterida<strong>de</strong>. Antes,porém, <strong>de</strong> avançarmos para uma caracterização da imigração no feminino,sobretudo em Portugal, convirá intentar esforços no sentido <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>ra realida<strong>de</strong> das mulheres no país que, pelo menos parcialmente, explicaalgumas das especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa mesma imigração. Assim, os direitos <strong>de</strong>cidadania são mais dificilmente outorgados às mulheres – a sua exclusão éuma intrincada consequência <strong>de</strong> discursos e práticas em que se misturam nãosó o género, mas também a racialização e a classe (Castels, Davidson, 2000).5.3. SITUAÇÃO DAS MULHERES EM PORTUGALMais recentemente, em Portugal, um estudo li<strong>de</strong>rado por Adélia Costa epublicado em 1991 pela CIDM <strong>de</strong>u conta, através dos resultados <strong>de</strong> uminquérito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, da perspectiva <strong>de</strong> homens e mulheres relativamente adiversas dimensões da vida social (família; escola; trabalho; vida política esindical; cultura <strong>de</strong>sporto e lazer; modos <strong>de</strong> vida e mentalida<strong>de</strong>s). Importará,para o nosso trabalho, realçar alguns dos valores obtidos neste inquérito.Por exemplo, <strong>na</strong>s questões que se pren<strong>de</strong>m com o trabalho, a autoraverifica que há “indícios muito fortes <strong>de</strong> que está a emergir uma imagemdiferente da mulher, já não ape<strong>na</strong>s mãe e do<strong>na</strong> <strong>de</strong> casa” (Costa, 1991:70) 45 . Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser curioso que esta imagem surja em Portugal ape<strong>na</strong>sno início da década <strong>de</strong> 90, facto que está inequivocamente relacio<strong>na</strong>docom a presença <strong>de</strong> mulheres imigrantes no país. No entanto, a imagemconstruída sobre os vencimentos auferidos <strong>de</strong>monstra que 68,3 por centodos inquiridos enten<strong>de</strong> que os homens ganham mais do que as mulheres.Po<strong>de</strong>r-se-á dizer, então, que <strong>de</strong> certa maneira, a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre ossexos se perpetua nesta dimensão, bem como a questão da progressão <strong>na</strong>45. Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> referir que, <strong>de</strong> acordo com o mesmo estudo, cerca <strong>de</strong> meta<strong>de</strong>da população não consegue ainda conceber a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma mulher capaz <strong>de</strong> não abando<strong>na</strong>ro seu posto <strong>de</strong> trabalho em circunstância alguma (Costa, 1991).Clara Almeida Santos67


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003carreira, já que 68,1 por cento das pessoas que participaram no inquéritoacham que os homens têm mais oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serem promovidos.Relativamente à participação <strong>na</strong> vida política e sindical, é unânime apercepção em Portugal <strong>de</strong> que “não existe uma participação muito activadas mulheres <strong>na</strong>s activida<strong>de</strong>s políticas” (Costa, 1991: 101).Uma interessante reflexão que <strong>de</strong>corre do estudo relacio<strong>na</strong>-se com osatributos associados pelos inquiridos à representação do masculino e dofeminino. Assim, “os homens são essencialmente fortes, com sucesso,inteligentes, competitivos, perseverantes e trabalhadores”, ao passo que asmulheres são “ter<strong>na</strong>s, belas, frágeis, pacientes, poupadas e inteligentes”.Outros dois estudos realizados em Portugal, sob coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção <strong>de</strong> LígiaAmâncio, que têm como objecto os estereótipos relativos a mulheres e ahomens, apresentam conclusões que apontam no mesmo sentido 46 .Convém reter outro dado, que diz respeito à imagem da mulher comoobjecto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, sendo que esta vertente erótica é acentuada per se nocaso do sexo masculino e conotada com um comportamento orientadopara a sedução do sexo oposto pelas próprias mulheres.5.3.1. Papéis sociais das mulheresÉ consensual entre vários autores 47 que Portugal apresenta um quadrolegal bastante avançado no que diz respeito à presunção <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>entre homens e mulheres 48 , quer <strong>na</strong>s responsabilida<strong>de</strong>s familiares, comoprofissio<strong>na</strong>is e cívicas. A prática, no entanto, contraria as expectativasteóricas. Observamos que em Portugal se registam as mais elevadas taxas<strong>de</strong> activida<strong>de</strong> femini<strong>na</strong> mal remunerada <strong>na</strong> UE, que existe um claro défice<strong>de</strong> participação cívica e política por parte das mulheres 49 e que existem46. Atentando no quadro dos estereótipos apresentado em Amâncio, 1998, <strong>de</strong>paramo--nos com os seguintes resultados: Estereótipo feminino – afectuosa, bonita, carinhosa,<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, elegante, emotiva, femini<strong>na</strong>, frágil, mater<strong>na</strong>l, meiga, romântica, sensível,sentimental, submissa; Estereótipo masculino – ambicioso, audacioso, autoritário, aventureiro,corajoso, <strong>de</strong>sinibido, <strong>de</strong>sorganizado, domi<strong>na</strong>dor, empreen<strong>de</strong>dor, forte, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,machista, pater<strong>na</strong>lista, rígido, sério, superior, viril.47. Cf., e.g., Ramalho, 1995; Ferreira, 1998.48. Consagrada <strong>na</strong> Constituição da República <strong>Portuguesa</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1976.49. Comparativamente a outros países membros da UE (antes do alargamento a25 países), as mulheres portuguesas revelam um certo alheamento relativamente a questões<strong>de</strong> participação <strong>na</strong> vida política, o que é visível <strong>na</strong> baixa percentagem <strong>de</strong> mulheresque <strong>de</strong>claram ler um jor<strong>na</strong>l diário ou pertencer a uma associação (respectivamente, 13 porcento e 18 por cento, <strong>de</strong> acordo com Virgínia Ferreira).Clara Almeida Santos68


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003escassos equipamentos colectivos <strong>de</strong> apoio a crianças e idosos, o queacarreta consequências não <strong>de</strong>spicientes para as mulheres.Concretizando, constata-se a existência <strong>de</strong> paradoxos <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> portuguesaque origi<strong>na</strong>m dualismos e segmentações em função do sexo. Omais flagrante será, porventura, aquele que diz respeito ao mercado <strong>de</strong>trabalho. Por um lado, observamos a feminização crescente dos sistemas<strong>de</strong> ensino, formação e emprego 50 (Ferreira, 1998); por outro lado, observa--se que as mulheres ocupam parte substancial do mercado <strong>de</strong> trabalhoparalelo, contribuindo significativamente para a economia subterrânea ouinformal. Estes factos concorrem para uma situação complexa no mercadolaboral português no que diz respeito à composição sexual: apesar <strong>de</strong> nãose registarem diferenças significativas entre a situação <strong>de</strong> mulheres ehomens, regista-se um diferencial crescente entre mulheres e outrasmulheres. Po<strong>de</strong>remos, então, afirmar que as mulheres se <strong>de</strong>stacam <strong>na</strong>ocupação <strong>de</strong> lugares <strong>na</strong> base da pirâmi<strong>de</strong> laboral, mas também no topo,on<strong>de</strong> a percentagem <strong>de</strong> mulheres (sobretudo <strong>na</strong>s áreas administrativas etécnico-científicas) é elevada mas que se traduz em números absolutosainda não muito expressivos.Ao contrário do que acontece em outros países da UE, existe em Portugalum défice <strong>de</strong> mulheres a trabalhar <strong>na</strong>quilo a que po<strong>de</strong>remos chamar, comVirgínia Ferreira, as “categorias intermédias”.Outra característica paradoxal da situação da mulher no mercado <strong>de</strong>trabalho diz respeito à elevada taxa <strong>de</strong> inserção e da diminuta taxa <strong>de</strong>partilha <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s domésticas com os homens 51 .Po<strong>de</strong>mos aqui encontrar um paradoxo relativo aos números que dão contada presença das mulheres no ensino superior em Portugal. Na verda<strong>de</strong>, afeminização do ensino superior em Portugal encontra-se acima da médiada UE 52 – 56 por cento contra 51 por cento. Se atentarmos em todas as50. Des<strong>de</strong> meados dos anos 80 que a população estudantil universitária é constituída,maioritariamente, por mulheres.51. Ape<strong>na</strong>s a título <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>, refira-se um inquérito levado a cabo por Virgínia Ferreiraa 1520 indivíduos <strong>de</strong> ambos os sexos em que as tarefas mais apontadas peloshomens como sendo da sua responsabilida<strong>de</strong> são: 1.º conduzir a família em viagens;2.º lavar e cuidar do carro; 3.º realizar pequenos arranjos dos equipamentos domésticos;4.º ir a repartições públicas; 5.º fazer os churrascos; 6.º levar as crianças a espectáculos<strong>de</strong>sportivos; 7.º engraxar os sapatos. A autora realça que a especificida<strong>de</strong> da maior parte<strong>de</strong>stas activida<strong>de</strong>s pren<strong>de</strong>-se com o seu carácter <strong>de</strong>scontínuo e a distância em relação àcasa, o que não acontece com as tarefas verda<strong>de</strong>iramente domésticas <strong>de</strong>sempenhadaspor mulheres.52. Cf. Castro (dir.), 2003.Clara Almeida Santos69


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003áreas <strong>de</strong> ensino, verificamos que, relativamente ao ano lectivo <strong>de</strong> 1994-1995,a presença <strong>de</strong> mulheres é superior em quase todos os domínios do saber,com excepção <strong>de</strong> Religião e Teologia (34,2 por cento), Arquitectura e Urbanismo(44,7 por cento), Matemática e Informática (46,4 por cento) e Ciênciasda Engenharia (26,2 por cento) 53 . As estatísticas da frequência do ensinosuperior são confirmadas pelo Anuário Estatístico <strong>de</strong> 1998, que dá conta dosdiplomados por Ramo <strong>de</strong> Ensino, com a feminização a registar-se emtodos os domínios à excepção dos já acima referidos.O Eurobarómetro 2003 sobre a situação social nos países da UE, apesar <strong>de</strong>apresentar dados relativos ao ano <strong>de</strong> 2001, po<strong>de</strong>rá ajudar a lançar algumaluz sobre a situação das mulheres em Portugal. De acordo com este estudo,as mulheres são mais afectadas pelo <strong>de</strong>semprego do que os homens, emtodos os escalões etários e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do nível <strong>de</strong> instrução. Estefenómeno regista-se em praticamente todos os estados-membros, àexcepção <strong>de</strong> Itália, Suécia e Reino Unido. Outro dado curioso que consta<strong>de</strong>ste relatório é o lugar ocupado pelas mulheres <strong>na</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão(entenda-se, <strong>de</strong>cisão política) no seio dos países que, à data, faziam parte daUE: Portugal encontra-se <strong>na</strong> cauda da tabela, com a menor percentagem <strong>de</strong>mulheres (menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z por cento) participantes nos governos <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is (<strong>na</strong>Primavera <strong>de</strong> 2001). No que se refere à participação no Parlamento e noParlamento Europeu, as mulheres portugueses sobem um pouco <strong>na</strong> classificaçãorelativa aos parceiros europeus, mas registam ainda uma percentagem<strong>de</strong> presença que se situa nos 20 por cento 54 .Esta caracterização, ainda que muito sumária, da inserção das mulheres nomercado <strong>de</strong> trabalho em Portugal está intimamente relacio<strong>na</strong>da com asituação das mulheres imigrantes no país já que, como vimos anteriormente,a motivação laboral pesa <strong>de</strong> forma prepon<strong>de</strong>rante <strong>na</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>procurar outro país.5.3.2. <strong>Mulheres</strong> <strong>na</strong> imprensaRelativamente ao estudo das representações das mulheres imigrantes emPortugal, não encontrámos qualquer quadro teórico específico. Assimsendo, reportamo-nos a uma obra <strong>de</strong> 1976, da autoria <strong>de</strong> Maria IsabelBarreno, que dá conta da “Imagem da mulher <strong>na</strong> imprensa”. É, no entantocerto que, à data, a questão da imigração praticamente não existe ao níveldo espaço público, em virtu<strong>de</strong> das suas características singulares. Não53. Fonte: Estatísticas da Educação 95.54. A percentagem mais expressiva é alcançada <strong>na</strong> Suécia, com 45 por cento <strong>de</strong> mulherescom assento no Parlamento <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e 50 por cento <strong>de</strong> <strong>de</strong>putadas no Parlamento Europeu.Clara Almeida Santos70


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003<strong>de</strong>ixa, porém, <strong>de</strong> ser interessante dirigirmos a nossa atenção para osresultados obtidos. O corpus <strong>de</strong> análise é constituído por 895 recortes <strong>de</strong>todos os jor<strong>na</strong>is portugueses diários e sema<strong>na</strong>is publicados <strong>de</strong> Janeiro aAbril <strong>de</strong> 1975. Nesse ano comemorou-se o Ano Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l da Mulher,motivo pelo qual terá sido escolhido. Os recortes reportam-se “a tudo o quedizia respeito à Mulher: artigos, notícias, anedotas, publicida<strong>de</strong>, todas assituações em que apareciam mulheres e todas as utilizações <strong>de</strong> rostos oufiguras <strong>de</strong> mulheres nos jor<strong>na</strong>is” (Barreno, 1976: 7). Neste estudo, nãosurge qualquer referência à mulher imigrante <strong>na</strong> imprensa, a não ser, eape<strong>na</strong>s eventualmente porque não é referido o contexto em que é apresentada,a imagem <strong>de</strong> “uma mulher negra usando latas <strong>de</strong> sumo comorolos <strong>de</strong> cabelo, sorrindo” (Barreno, 1976: 16).Fazendo a ponte com as imagens das mulheres (em geral) em Portugal,este trabalho mostra ainda uma clara preocupação com a questão laboral(também fora <strong>de</strong> casa) e do papel que as mulheres são chamadas a <strong>de</strong>sempenharnesse mercado. As conclusões apresentadas referem que àsmulheres são, <strong>na</strong> época, consagradas as funções <strong>de</strong> “«produtoras <strong>de</strong>filhos» e «produtoras» <strong>de</strong> trabalho doméstico – função tradicio<strong>na</strong>l, geralmenteatribuída às mulheres; produtoras <strong>de</strong> trabalho oficialmente reconhecidocomo tal – função que é apresentada <strong>na</strong> classe burguesa comouma «novida<strong>de</strong>» potencialmente transformadora; «consumidoras» – parteaparente e reconhecida da função doméstica” (Barreno, 1976: 83). A frasecom que termi<strong>na</strong> a obra é particularmente significativa: “Saindo dos estereótiposas mulheres ficam, culturalmente, <strong>de</strong>spidas” (Barreno, 1976: 89).5.4. MULHERES E IMIGRAÇÃOAs mudanças no papel das mulheres <strong>na</strong>s socieda<strong>de</strong>s industrializadas,nomeadamente o aumento do trabalho, a queda da taxa <strong>de</strong> <strong>na</strong>talida<strong>de</strong> e oaumento dos divórcios estão <strong>na</strong> base <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da “feminização” damigração inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l 55 . A mulher oci<strong>de</strong>ntal está fora <strong>de</strong> casa a maiorparte do tempo, pelo que se tor<strong>na</strong> necessário um fluxo <strong>de</strong> imigrantes queassegurem os serviços domésticos 56 .Esta situação, como já tivemos oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> referir, também se verificaem Portugal, sobretudo <strong>de</strong>vido às especificida<strong>de</strong>s da inserção das mulheres55. Naturalmente que a situação no país <strong>de</strong> origem é absolutamente <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte.O fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento da População estimava, em 1999,que 70 por cento dos pobres do mundo eram mulheres. No entanto, a oferta no país <strong>de</strong>acolhimento também joga um papel fundamental nesta complexa teia.56. Theories of Inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l Migration, in Cohen, Robert (ed.), (1996).Clara Almeida Santos71


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003no mercado <strong>de</strong> trabalho, não só as autóctones, como as imigrantes, comoveremos a seguir.Po<strong>de</strong>mos dizer que os fluxos migratórios têm características próprias<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do sexo, que começam logo ao nível das motivações. Po<strong>de</strong>mencontrar-se algumas pistas para compreen<strong>de</strong>r os mecanismos que estão<strong>na</strong> origem <strong>de</strong>stes fluxos no facto <strong>de</strong> as categorias que contemplam osestados civis <strong>de</strong>correntes do divórcio, separação ou viuvez se encontraremmais preenchidas por mulheres do que por homens. Po<strong>de</strong>mos, pois, constatarque existem muitas mulheres <strong>de</strong>sligadas <strong>de</strong> vínculos familiares aengrossar as fileiras da imigração femini<strong>na</strong>. Mirja<strong>na</strong> Morokvaśić afirmaas motivações tradicio<strong>na</strong>is <strong>na</strong> base da imigração, tais como a oferta <strong>de</strong>emprego ou o diferencial <strong>de</strong> salários registado entre as zo<strong>na</strong>s <strong>de</strong> partida ea zo<strong>na</strong>s <strong>de</strong> acolhimento ape<strong>na</strong>s po<strong>de</strong>m ser tomados em conta num contextomais vasto <strong>de</strong> factores <strong>de</strong> reprodução social <strong>na</strong>s zo<strong>na</strong>s <strong>de</strong> emigração.A intersecção do sexo e da raça no âmbito do trabalho tem <strong>de</strong> sercompreendida “empiricamente no contexto da inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização domercado <strong>de</strong> trabalho” (Anthias, Yuval-Davis, 1992: 118). As autoras argumentamainda, consolidando o que ficou dito <strong>na</strong> primeira parte <strong>de</strong>stetrabalho, que a população em minoria étnica preenche lugares que aspopulações indíge<strong>na</strong>s não estão dispostas a <strong>de</strong>sempenhar, o que é particularmentevisível nos postos ocupados por mulheres imigrantes.5.4.1. Características da imigração femini<strong>na</strong>5.4.1.1. A relativa invisibilida<strong>de</strong> das mulheres imigrantesOs estudos sobre a imigração focados, ou que distingam, as questõesrelacio<strong>na</strong>das com o género, são relativamente recentes, embora existamactualmente com alguma abundância. Com efeito, a consciência da necessida<strong>de</strong><strong>de</strong>stes estudos começa com a constatação, por parte <strong>de</strong> algumasrepresentantes do movimento feminista no Oci<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong> que as mulheres seencontravam ausentes dos relatos históricos (Willis, Yeoh, 2000).A par <strong>de</strong>sta “invisibilida<strong>de</strong>” – que ape<strong>na</strong>s existe <strong>de</strong>vido a um certo retardamentohistórico, po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar que as mulheres imigrantes constituemuma categoria sub-representada. Trata-se <strong>de</strong> uma especificida<strong>de</strong>própria das mulheres em geral 57 , mas que no caso das mulheres migrantesencontra uma explicação que, no entanto, tem cada vez menos peso.57. Morokvaśić,1984.Clara Almeida Santos72


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar, a partir da emergência dos estudos sobre a imigração,que até aos anos 90, o estereótipo da mulher migrante conotava-acom o estatuto <strong>de</strong> esposa ou mãe. O termo “imigrante” estava, normalmente,reservado ao homem (a quem se outorgava a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> imigrar),limitando as mulheres ao subgrupo das “famílias”. Esta situação fica, emlarga medida, perpetuada <strong>na</strong>s estatísticas e nos estudos, contribuindopara uma relativa invisibilida<strong>de</strong> da imigração no feminino ou, pelo menos,das suas características específicas.Só a partir <strong>de</strong> 1975 encontramos investigação credível focada nos movimentosinter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is das mulheres, começando o conceito <strong>de</strong> migranteslaborais a ser alargado também ao sexo feminino, que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser ape<strong>na</strong>scontabilizado <strong>na</strong> categoria on<strong>de</strong> se enquadram os chamados “<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes”.Fundamentalmente, é durante a década <strong>de</strong> 80 que se regista umaumento da visibilida<strong>de</strong> das mulheres que imigram com um projecto asolo (Willis, Yeoh, 2000). Na Europa, este fenómeno é particularmentenotório, já que os países que se <strong>de</strong>stacaram <strong>na</strong> “importação” <strong>de</strong> trabalhadoresestrangeiros admitiam, sobretudo, homens, dadas as especificida<strong>de</strong>sdos trabalhos disponíveis.Esta “invisibilida<strong>de</strong>” femini<strong>na</strong> po<strong>de</strong>, no entanto, ser contrabalançada com astaxas <strong>de</strong> fertilida<strong>de</strong> elevadas normalmente registadas pelas mulheresimigrantes. Também nos países <strong>de</strong> acolhimento elas <strong>de</strong>sempenhamfunções <strong>de</strong> reprodução, não só biológica, mas também social e cultural,<strong>de</strong>ntro das comunida<strong>de</strong>s a que pertencem.Po<strong>de</strong>mos dizer, então, que as mulheres imigrantes <strong>de</strong>sempenham umadupla função <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> reprodução, dada a sua importância, respectivamente,no mercado <strong>de</strong> trabalho e <strong>na</strong>s comunida<strong>de</strong>s. Esta singularida<strong>de</strong>repercute-se, <strong>na</strong>turalmente, no tipo <strong>de</strong> funções que po<strong>de</strong>m<strong>de</strong>sempenhar, sendo as mulheres imigrantes empurradas (num círculovicioso) para activida<strong>de</strong>s <strong>na</strong> economia paralela ou que não se encontramoficialmente registadas (Anthias, Yuval-Davis, 1992). Dentro das activida<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>radas como reprodutivas <strong>de</strong>senvolvidas pelas mulheresimigrantes, po<strong>de</strong>mos ainda referir o papel que são chamadas a <strong>de</strong>sempenharjunto das crianças filhas das mulheres <strong>na</strong>tivas dos países <strong>de</strong> acolhimento,ou seja, o <strong>de</strong> lhes prestar cuidados e as educar <strong>na</strong> ausência dasmães durante o horário <strong>de</strong> expediente.A invisibilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> também ser justificada ao nível dos estereótiposdomi<strong>na</strong>ntes acerca das mulheres pertencentes a minorias étnicas, comoreferem Floya Anthias e Mira Yuval-Davis, citando um estudo <strong>de</strong> Parmarsegundo o qual esses estereótipos as representam como passivas e subor-Clara Almeida Santos73


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003di<strong>na</strong>das, “ignorando as diferenças <strong>de</strong> cultura, geração e classe” (Anthias,Yuval-Davis, 1992: 125).Wilford afirma mesmo que estes são sintomas <strong>de</strong> que as mulheres po<strong>de</strong>mparticipar e participam efectivamente nos processos étnicos e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is <strong>de</strong>variadas formas. O autor admite, porém, a existência <strong>de</strong> obstáculos consi<strong>de</strong>ráveisno percurso <strong>de</strong> cidadania, que é “sexizado e racializado” (Wilford,Miller, 1998: 15). As diferenças <strong>de</strong> classe, estatuto e etnicida<strong>de</strong> exercem,pois, graus <strong>de</strong> influência variáveis em <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das categorias <strong>de</strong>mulheres, em diferentes áreas, incluindo o mercado <strong>de</strong> trabalho.5.4.1.2. Mulher imigrante e mercado laboralAs mais recentes tendências ao nível dos fluxos imigratórios globais,nomeadamente a já referida “feminização” 58 , patente a partir dos anos90 59 , po<strong>de</strong>m também ser parcialmente compreendidas à luz <strong>de</strong>sta relativamentenova realida<strong>de</strong>, já que existe uma clara evolução da participaçãodas mulheres imigrantes no mercado <strong>de</strong> trabalho patente <strong>na</strong> <strong>de</strong>slocação <strong>de</strong>activida<strong>de</strong>s domésticas para os sectores da indústria e dos serviços. Istoquer também significar que se po<strong>de</strong> registar um aumento da visibilida<strong>de</strong>, jáque as mulheres <strong>de</strong>ixam situações <strong>de</strong> trabalho em que se encontram emfrequente irregularida<strong>de</strong>. Ainda que a entrada das mulheres imigrantes nospaíses <strong>de</strong> acolhimento possa ser ditada, em alguns casos e num primeiromomento, por questões <strong>de</strong> reunificação familiar, a gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>lasacaba por se inserir no mercado <strong>de</strong> trabalho local.Naturalmente que estas linhas conhecem variações <strong>de</strong> região para região.Em Portugal, por exemplo, como em outros países do sul da Europa, estemovimento po<strong>de</strong>rá ser entendido como mais tardio, já que gran<strong>de</strong> parte daimigração femini<strong>na</strong> ainda se encontra adstrita a activida<strong>de</strong>s domésticas ou<strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços do mesmo em empresas. Tal fenómeno <strong>de</strong>ve-se aofacto <strong>de</strong> nestes países a condição femini<strong>na</strong> autóctone ter conhecido também<strong>de</strong>senvolvimentos mais tardios.Po<strong>de</strong>mos falar, então, em “maternida<strong>de</strong> trans<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”, para utilizar umtermo <strong>de</strong> Pierrette Hondagneu-Sotelo e Ernestine Avila 60 . Por um lado, asituação nos países <strong>de</strong> acolhimento é aquela que já <strong>de</strong>screvemos; por58. Cf., e.g., Castles, Miller, 1998; Willis, Yeoh, 2000.59. De acordo com os números da SOPEMI, em 1993 entre 30 e 48 por cento da força <strong>de</strong>trabalho imigrantes era constituída por mulheres.60. in Willis, Yeoh, 2000.Clara Almeida Santos74


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003outro lado, nos chamados países <strong>de</strong> envio, as crianças crescem sem asmães, que emigraram para tratar dos filhos <strong>de</strong> outras famílias.A nível inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l po<strong>de</strong>mos dizer, no entanto, que se verifica uma “emergentedivisão inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do trabalho <strong>de</strong> reprodução”. Evi<strong>de</strong>ntementeque esta divisão do trabalho se intersecta com outras variáveis tais como aclasse, a etnicida<strong>de</strong> e a ida<strong>de</strong>, mas existe um “aparato transcultural homogéneoque <strong>de</strong>fine a reprodução social como um domínio feminino” (Willis,Yeoh, 2000: 67).Po<strong>de</strong>remos, pois, concluir que actualmente uma das leis da imigraçãoenunciadas por Ravenstein (que foi, no entanto pioneiro, ao adiantar apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exisitirem diferenças entre a imigração masculi<strong>na</strong> e aimigração femini<strong>na</strong>), <strong>de</strong> acordo com a qual as mulheres parecem predomi<strong>na</strong>rentre os migrantes <strong>de</strong> curta distância 61 , se encontra, no mínimo,<strong>de</strong>sactualizada.Vários estudos referem que a experiência migrante não é, com frequência,recompensadora para as mulheres que a levam a cabo 62 . O seu enquadramento<strong>na</strong> economia informal ou em activida<strong>de</strong>s profissio<strong>na</strong>is sem perspectivas<strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> <strong>na</strong> ca<strong>de</strong>ia hierárquica são alguns dos factores quemotivam este <strong>de</strong>sfasamento entre as expectativas e os resultados. Muitasmulheres migrantes acabam por ver reproduzidas no país <strong>de</strong> acolhimentosituações em que se encontrava no país <strong>de</strong> origem.No mercado laboral e muito <strong>de</strong>vido a esta situação <strong>de</strong> inserção no mercadoinformal, “as mulheres imigrantes são vítimas <strong>de</strong> discrimi<strong>na</strong>ção quer comomulheres quer como imigrantes, e são-lhes frequentemente negadosdireitos adquiridos por trabalhadores <strong>na</strong>s <strong>de</strong>mocracias oci<strong>de</strong>ntais”(Morokvaśić, 1984).Outro fenómeno bastante visível ao nível da imigração femini<strong>na</strong> nos países<strong>de</strong> <strong>de</strong>stino é a perpetuação <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> alocação laboral com base nosexo, só que protagonizadas por mulheres migrantes e já não por mulheres<strong>na</strong>tivas.Como refere Grace Chang, as mulheres imigrantes sofrem, continuamente,as falhas dos sistemas <strong>de</strong> segurança social: nos seus próprios países, o queacaba por constituir um dos factores que “empurram” para a imigração;nos países <strong>de</strong> acolhimento, já que vão preencher as lacu<strong>na</strong>s da segurança61. Citado por Everett S. Lee em Cohen, Robert (ed.), 1996: 15.62. Cf., e.g., Morokvaśić,1984Clara Almeida Santos75


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003social local <strong>na</strong> prestação <strong>de</strong> cuidados a populações envelhecidas e acrianças, muitas vezes por salários bastante baixos. Ou seja, a sua vidaadapta-se constantemente às “medidas <strong>de</strong> austerida<strong>de</strong>” dos países <strong>de</strong>origem e à “reforma social” no “Primeiro Mundo” (Chang, 2000: 125-126).As mulheres imigrantes, apesar <strong>de</strong> trabalharem, frequentemente sãoconsi<strong>de</strong>radas como estando fora da força <strong>de</strong> trabalho (Willis, Yeoh, 2000).Este facto <strong>de</strong>ve-se, precisamente, ao tipo <strong>de</strong> tarefas que <strong>de</strong>sempenham, jáque o trabalho que efectuam, quando realizado por mulheres autóctones noseio das suas casas, também é frequentemente <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rado enquantotrabalho legítimo. Esta situação conduz ainda a que as mulheres imigrantessejam consi<strong>de</strong>radas subsidiárias, e o nível dos seus salários tomado comocomplementar ao que é auferido pelos homens. Em suma, “as mulheresfornecem a flexibilida<strong>de</strong> que o capital global necessita” (Ghatak, Sassoon,2001: 155).5.4.1.3. Comércio sexualAtentando <strong>na</strong> situação específica da Europa, <strong>de</strong>pois da vaga <strong>de</strong> reunificaçãofamiliar que se seguiu aos anos <strong>de</strong> “trabalhadores estrangeirosconvidados”, com as portas <strong>de</strong> entrada <strong>de</strong> imigrantes cada vez maisestreitas, verificamos que as mulheres imigrantes são empurradas parasituações <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong> (Willis, Yeoh, 2000). Por um lado, as agências adisponibilizar mulheres para casamentos representam um negócio florescenteem muitos países, com as “noivas” a serem sobretudo provenientesdos antigos países soviéticos. Por outro lado, em situação extrema, asmulheres entram em re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tráfico humano e <strong>de</strong> prostituição. Muitasmulheres chegam aos países <strong>de</strong> acolhimento com promessas <strong>de</strong> empregoe acabam por se ver envolvidas em teias <strong>de</strong> autêntica escravatura huma<strong>na</strong>.Estas situações foram amplamente documentadas durante os anos 80 <strong>na</strong>imprensa nos países europeus com mais antiguida<strong>de</strong> no posto <strong>de</strong> países <strong>de</strong>acolhimento, tais como a Alemanha ou a Holanda (Willis, Yeoh, 2000).Neste último país, por exemplo, estima-se que cerca <strong>de</strong> 40 por cento dasmulheres que trabalham <strong>na</strong> indústria sexual são “importadas”. Comopo<strong>de</strong>remos avaliar no capítulo seguinte, também esta realida<strong>de</strong> dasmulheres imigrantes está bem viva <strong>na</strong>s pági<strong>na</strong>s dos jor<strong>na</strong>is portugueses.As possíveis explicações para este facto po<strong>de</strong>r-se-ão encontrar em váriasdimensões. Por um lado, talvez não seja <strong>de</strong>masiado especulativo relacio<strong>na</strong>resta imagem das mulheres imigrantes a um estereótipo <strong>de</strong> erotismoexótico ligado à mulher estrangeira. São amplamente conhecidas as visões“orientalistas” (usando a expressão no sentido que lhe foi dado por EdwardClara Almeida Santos76


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Said) da mulher, praticamente limitada a ser sexuado e sexual. A mesmainterpretação po<strong>de</strong> ser feita em relação a mulheres provenientes <strong>de</strong> “paísestropicais”, como sejam algumas <strong>na</strong>ções africa<strong>na</strong>s e, <strong>na</strong>turalmente, o Brasil.A i<strong>de</strong>ia da mulher “quente” e “sensual” está, <strong>de</strong> certa forma, enraizada em<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das zo<strong>na</strong>s do imaginário colectivo, numa evidência clara danoção <strong>de</strong> outro, neste caso, outra. “As minorias das minorias são vistascomo exóticas e disponíveis” (Castles, Davidson, 2000).Por outro lado, existem estatísticas não negligenciáveis que <strong>de</strong>monstramcomo as mulheres que preten<strong>de</strong>m imigrar <strong>de</strong> forma autónoma, perante asrestrições <strong>de</strong> entrada dos países <strong>de</strong> acolhimento e a sua própria condição<strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong>, se vêem frequentemente enredadas em esquemas <strong>de</strong> tráfico,acabado por se tor<strong>na</strong>r vulneráveis aos grupos que organizam a imigraçãoclan<strong>de</strong>sti<strong>na</strong> e à violência 63 .Po<strong>de</strong>ríamos ainda enten<strong>de</strong>r este fenómeno como um comportamento que,sendo margi<strong>na</strong>l, será simultaneamente, e ape<strong>na</strong>s em certa medida, normale expectável, <strong>de</strong> acordo com a afirmação <strong>de</strong> que “em princípio, um grupoimigrante, abalado pela transferência cultural, <strong>de</strong>ve produzir <strong>de</strong>sviossociais” (Todd, 1996: 385). No entanto, isto não quer dizer que a existência<strong>de</strong> casos margi<strong>na</strong>is leve à construção <strong>de</strong> estereótipos fora dos quais não seconsegue conceber a mulher imigrante. Estes estereótipos e pré-conceitospo<strong>de</strong>m ficar a <strong>de</strong>ver-se à discrepância entre a prostituição que, <strong>de</strong> facto,existe (e que, como já vimos, até po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada como expectável) ea imagem que <strong>de</strong>la é transmitida através dos media. Como po<strong>de</strong>remosconstatar no próximo capítulo, on<strong>de</strong> é apresentado o estudo empírico quea<strong>na</strong>lisa as peças sobre imigração em que as protagonistas são mulheres,esta discrepância é abissal e aí resi<strong>de</strong>, porventura, a gran<strong>de</strong> fonte <strong>de</strong> estereotipizaçãoe até <strong>de</strong> práticas discrimi<strong>na</strong>tórias, também elas <strong>de</strong>scritas emalgumas peças jor<strong>na</strong>lísticas.5.5. IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTESAo contrário do que acontece com os estudos da imigração, que ten<strong>de</strong>m aser neutrais relativamente ao género 64 , o que acabará por se traduzir numfoco colocado ao nível dos homens imigrantes, o presente estudo parte doprincípio que existem diferenças no tratamento noticioso dado ao temada imigração, consoante os protagonistas sejam do sexo feminino ou dosexo masculino.63 Estas questões foram amplamente <strong>de</strong>batidas em 1999, em Bari, num seminário inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lsobre a violência contra as mulheres, do abuso doméstico à escravatura.64. Ghatak, Sassoon, 2001.Clara Almeida Santos77


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003A primeira investigação empírica sobre estereótipos <strong>na</strong> história da psicologiasocial (realizada <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 30 por Katz e Braly) teve como objecto<strong>de</strong> análise os grupos migrantes <strong>de</strong> origem europeia e asiática para o NovoMundo, o que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser significativo. Os autores utilizaram comobase <strong>de</strong> trabalho textos extraídos da imprensa e da literatura e fornecidospor estudantes <strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> norte-america<strong>na</strong>.A par dos grupos migrantes, também as mulheres constituíam uma basepreferencial para a construção <strong>de</strong> estereótipos pela imprensa. Isso mesmo<strong>de</strong>nunciam vários estudos críticos, antes mesmo <strong>de</strong> existir uma críticafeminista organizada aos media (que surge ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> segunda meta<strong>de</strong> dosanos 70). Além da questão dos estereótipos relacio<strong>na</strong>dos com os papéis<strong>de</strong>sempenhados por cada um dos sexos, esse conjunto <strong>de</strong> críticas emergentesaponta também baterias à sub-representação das mulheres noconteúdo das notícias e <strong>na</strong> programação dita séria, bem como <strong>na</strong> tomada<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões ao nível do gate-keeping (Valdivia, 1995).A maior parte dos estudos adapta o conceito <strong>de</strong> hegemonia, conforme elefoi enunciado por Gramsci, i<strong>de</strong>ntificando a cultura hegemónica com aselites masculi<strong>na</strong>s e a classe domi<strong>na</strong>nte com as mulheres. Os media <strong>de</strong>sempenhariam,neste contexto, o papel <strong>de</strong> perpetuadores das relações <strong>de</strong>género existentes <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. No entanto, uma parcela dos estudostentava, simultaneamente, encontrar formas <strong>de</strong> utilizar os instrumentosfornecidos pelos órgãos <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massas para veicular os interessesdas mulheres. No seio do feminismo socialista, a voz corrente era ada crítica à sedução exercida pelos media sobre as mulheres conducente aoconsumismo, e à limitação existente à influência criativa das mulheressobre os conteúdos dos órgãos <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massas.Po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r o surgimento <strong>de</strong>stas teses à luz das práticas existentesnos media. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente das diferenças entre os váriosestudos, conforme a sua filiação teórica, parece ser consensual que as notícias,historicamente, têm subrepresentado e representado <strong>de</strong> forma erradaas mulheres (Valdivia, 1995). Este facto po<strong>de</strong>rá ter estado <strong>na</strong> origem dasreacções teóricas acima sumariamente enquadradas. Carolyn M. Byerlyafirma inclusivamente que, a nível mundial, tem-se registado uma evoluçãopouco significativa ao nível da quantida<strong>de</strong> e da qualida<strong>de</strong> das notícias quesão produzidas sobre mulheres. Mohanty afirma mesmo, com base numestudo realizado antes da década <strong>de</strong> 90, que quando as mulheres chegamaos media, as suas imagens são “previsivelmente sexuais ou confi<strong>na</strong>das àespera privada do lar” (Valdivia, 1995: 109).Clara Almeida Santos78


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Não será, portanto, <strong>de</strong> estranhar, que os media se constituam como lugareson<strong>de</strong> “o movimento das mulheres, como outros movimentos i<strong>de</strong>ntitários 65 ”lutam pelo “reconhecimento público dos seus direitos e necessida<strong>de</strong>s”(Silveirinha, 2001). Maria João Silveirinha afirma ainda que é <strong>na</strong> are<strong>na</strong> dosmedia que se joga a luta simbólica pelo significado e pelas interpretações,sendo que através <strong>de</strong>les “os significados são produzidos, posicio<strong>na</strong>ndo-noscomo sujeitos, criando novas possibilida<strong>de</strong>s do que somos e doque po<strong>de</strong>mos vir a ser”.Consi<strong>de</strong>rando as mulheres imigrantes como sujeitos da imprensa portuguesa,partimos <strong>de</strong> seguida para o estudo empírico que funcio<strong>na</strong> comofulcro do presente trabalho, em que se preten<strong>de</strong> avaliar como é que as notíciaspublicadas po<strong>de</strong>rão produzir efeitos sobre a realida<strong>de</strong>, não per<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>vista que se trata <strong>de</strong> um processo biunívoco: os media têm influência noespaço público, logo <strong>na</strong> opinião pública, mas, em certa medida, tambémreproduzem o que esta tem como adquirido.65. E aqui po<strong>de</strong>mos, sem dúvida, incluir os movimentos sociais compostos por imigrantese minorias étnicas.Clara Almeida Santos79


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20036. IMAGENS DA MULHER IMIGRANTE NA IMPRENSA PORTUGUESA6.1. EXPLANAÇÃO DE PROPÓSITOSA i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> a<strong>na</strong>lisar as notícias publicadas sobre imigração em que asprotagonistas sejam do sexo feminino tem como principal objectivo i<strong>de</strong>ntificaras eventuais características comuns a essas notícias, no caso <strong>de</strong>elas existirem sob uma forma estável.O processo encontrado para o fazer, também numa tentativa <strong>de</strong> legitimar asconclusões que porventura adviessem <strong>de</strong>sta análise, foi um tratamentoessencialmente quantitativo da informação disponível.Os dados utilizados para análise são o resultado directo do projecto Media,Imigração e Minorias Étnicas, encomendado pelo Alto Comissariado para aImigração e Minorias Étnicas (ACIME) ao Instituto <strong>de</strong> Estudos Jor<strong>na</strong>lísticosda Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dopela Prof. Isabel Ferin, e no qual tive o prazer <strong>de</strong> participar como investigadorabolseira.O referido projecto teve como âmbito <strong>de</strong> análise todas as notícias publicadasem 2003 em oito jor<strong>na</strong>is – Público, Diário <strong>de</strong> Notícias (DN), Jor<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Notícias(JN), Expresso, O In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, Correio da Manhã (CM), A Capital e 24Horas, e também as peças televisivas emitidas em prime-time pelos quatroca<strong>na</strong>is transmitidos, à data, em si<strong>na</strong>l aberto – RTP1, RTP2, SIC, TVI.Os resultados <strong>de</strong>sta investigação foram apresentados publicamente no dia25 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 2004, numa sessão <strong>de</strong> trabalho que <strong>de</strong>correu no auditóriodo Centro Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Apoio ao Imigrante, em Lisboa. A sessão originou apublicação dos resultados em livro editado pelo Observatório da Imigraçãoe cuja apresentação teve lugar no dia 18 <strong>de</strong> Maio, em Lisboa.Bebendo, pois, dos dados <strong>de</strong>sse projecto, o presente trabalho preten<strong>de</strong>aprofundar a temática da imigração no feminino, <strong>na</strong> medida em que a<strong>na</strong>lisaas variáveis <strong>de</strong>finidas (e que são <strong>de</strong>scritas mais à frente) em função <strong>de</strong> uma<strong>de</strong>las, ou seja, das peças que se referem explicitamente a mulheresimigrantes. Optámos por nos limitarmos à análise das peças publicadas <strong>na</strong>imprensa, <strong>de</strong> modo a restringir o corpus, tor<strong>na</strong>ndo-o mais homogéneo epermitindo maior profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudo.De acordo com as justificações que po<strong>de</strong>mos encontrar em Media, Imigraçãoe Minorias Étnicas, a escolha dos jor<strong>na</strong>is já mencio<strong>na</strong>das foi consi<strong>de</strong>radacomo representativa das publicações <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. Por um lado, abrangeClara Almeida Santos80


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003periódicos diários e semanários, concorrendo assim para um visão transversalao nível da periodicida<strong>de</strong>; por outro lado, inclui jor<strong>na</strong>is ditos <strong>de</strong> referênciae jor<strong>na</strong>is ditos populares, o que permite <strong>de</strong>tectar eventuais diferençasao nível do tratamento noticioso. Para efeitos <strong>de</strong> análise dos dados, consi<strong>de</strong>rou-seque são jor<strong>na</strong>is <strong>de</strong> referência Público, DN, JN, Expresso e O In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntee que os restantes (CM, A Capital, 24 Horas) têm características <strong>de</strong>jor<strong>na</strong>is populares ou, utilizando a terminologia anglo-saxónica, tablói<strong>de</strong>s 66 .Recorrendo ainda à justificação aduzida no capítulo IV (Esteves, 1991), po<strong>de</strong>remosdizer que a escolha dos jor<strong>na</strong>is se pren<strong>de</strong> também com as expectativasdos seus leitores, <strong>na</strong> medida em que o facto <strong>de</strong> serem compradospo<strong>de</strong>rá significar que os conteúdos que veiculam reflectem, pelo menosparcialmente, as i<strong>de</strong>ias ou opiniões do público.6.2. METODOLOGIA UTILIZADAO método encontrado para a<strong>na</strong>lisar o corpus em questão encontra-sejustificado no Projecto Media, Imigração e Minorias Étnicas 67 . Para cadapeça <strong>de</strong> imprensa foram encontradas 25 variáveis, que po<strong>de</strong>m ser enquadradasem três eixos <strong>de</strong> análise: Forma, Conteúdo e Discurso. Po<strong>de</strong>mos ler<strong>na</strong> introdução do referido estudo referido que “a i<strong>de</strong>ntificação das variáveise a atribuição <strong>de</strong> valores aos códigos fundamentaram-se <strong>na</strong>s Teorias dosMedia e do Jor<strong>na</strong>lismo (variáveis que integram o grupo referente ao Meio,<strong>Imprensa</strong> e Televisão), 68 em estudos sobre as Migrações e Minorias (variá-66. “Consi<strong>de</strong>ra-se imprensa <strong>de</strong> referência a imprensa <strong>de</strong> âmbito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, vocacio<strong>na</strong>dapara o tratamento <strong>de</strong> temas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, possuidora <strong>de</strong> um corpo estável <strong>de</strong>profissio<strong>na</strong>is especializados, não vinculados a uma orientação partidária ou religiosa, cujopúblico se encontra predomi<strong>na</strong>ntemente interessado <strong>na</strong> discussão e reflexão sobre a respublica; Consi<strong>de</strong>ra-se imprensa popular e <strong>de</strong> características mais tablói<strong>de</strong> a imprensavocacio<strong>na</strong>da preferencialmente para o tratamento <strong>de</strong> temas <strong>de</strong> carácter espectacular,procurando abordagens emocio<strong>na</strong>is e utilizando uma linguagem imagética acentuada,estando dirigida para públicos pouco escolarizados. Confrontar: Sparks, C. (2000), “Thepanic over tabloid news” in C. Sparks & J. Tulloch (Eds.) Tabloid Tales: global <strong>de</strong>bates overmedia standards: pp. 1-40”. Esta justificação consta do relatório do projecto Media, Imigraçãoe Minorias Étnicas.67. FERIN et al., 2004.68. Foram tidas em consi<strong>de</strong>ração as seguintes obras e autores enunciados por or<strong>de</strong>malfabética: Berkwowitz, D., 1997, Social Meanings of News, London: Sage; Casey, B. et al.,2002, Television Studies: the Key Concepts, London: Routledge; Cohen, S., J. Young (eds.),1973, The Manufacture of News, London: Constable; Goodwin, A., Whannel, G., 1997,Un<strong>de</strong>rstanding Television, London: Routledge; Kunczik, M., 1988, Conceitos <strong>de</strong> Jor<strong>na</strong>lismo,São Paulo: Edusp; Patterson, T.E., 2003, Tendências do jor<strong>na</strong>lismo contemporâneo:estarão as notícias leves e o jor<strong>na</strong>lismo crítico a enfraquecer a Democracia?, RevistaMedia e Jor<strong>na</strong>lismo, n.º 2, 2, Coimbra: Minerva: pp. 19-47; Traqui<strong>na</strong>, N., 1993, Jor<strong>na</strong>lismo,Questões, Teorias, ‘Estórias’, Lisboa: Vega; Tuchman, G. 2001, As notícias como realida<strong>de</strong>construída, in Esteves, J.P., 2001, Comunicação e Socieda<strong>de</strong>, Lisboa: Horizonte: 91-104.Clara Almeida Santos81


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003veis que integram o grupo referente ao Conteúdo, Imigração e MinoriasÉtnicas), 69 <strong>na</strong> teoria da Análise do Discurso (variáveis que integram o gruporeferente ao Discurso )”.Seguindo esta linha <strong>de</strong> pensamento metodológico, as mesmas variáveisforam utilizadas para a análise das peças <strong>de</strong> imprensa que têm comoprotagonistas as imigrantes que são notícias em Portugal. De realçarainda que as variáveis encontradas numa primeira fase foram sujeitas a umteste exploratório (através da análise <strong>de</strong> cem peças que consi<strong>de</strong>rámosconstituírem uma amostra significativa, já que representativa <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 6por cento do corpus total) em que se preten<strong>de</strong>u avaliar se as modalida<strong>de</strong>sencontradas para cada variável serviam os propósitos da análise. Antes <strong>de</strong>avançar com a análise do corpus completo, foram introduzidas as alteraçõesresultantes <strong>de</strong>ste teste exploratório. As variáveis, modalida<strong>de</strong>s e codificaçõesfi<strong>na</strong>is serão <strong>de</strong>scritas ao longo <strong>de</strong>ste capítulo.Em resumo, o que nos propomos com este estudo empírico a<strong>na</strong>lisar aspeças em duas dimensões fundamentais: 1. cada variável é trabalhadaconsi<strong>de</strong>rando exclusivamente o género feminino (excepto quando se consi<strong>de</strong>rarpertinente uma comparação com as peças que retratam o géneromasculino); 2. após a apresentação dos dados estatísticos tenta-se estabelecera ponte com a realida<strong>de</strong> (aquela que nos é dada a conhecer, ou seja,a “realida<strong>de</strong> estatística” da imigração femini<strong>na</strong> em Portugal).As notícias recolhidas para o Projecto Media, Imigração e Minorias Étnicas(num total <strong>de</strong> 1538) respeitantes ao período <strong>de</strong> 1 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2003 a 31 <strong>de</strong>Dezembro <strong>de</strong> 2003 foram submetidas a tratamento informático (comrecurso ao programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), o quepermitiu isolar as peças consi<strong>de</strong>radas como pertencendo ao género “feminino”,ou seja, as peças que são protagonizadas, exclusivamente, pormulheres imigrantes. Da análise feita para o presente trabalho foramexcluídas todas as peças i<strong>de</strong>ntificadas como tendo protagonistas <strong>de</strong> ambosos sexos, as peças com protagonistas do sexo masculino e ainda todas69. Foram tidas em consi<strong>de</strong>ração as seguintes obras e autores enunciados por or<strong>de</strong>malfabética: Baganha, M.I. e Marques, J.C., 2001, Imigração e Política: o caso português,Lisboa: Fundação Luso-America<strong>na</strong>; Bastos, J.G. e Bastos, S.P., 1999, Portugal Multicultural,Lisboa: Fim <strong>de</strong> Século: 12-14; Cádima, R. e Figueiredo, A., 2003, Representações(<strong>Imagens</strong>) dos <strong>Imigrantes</strong> e das Minorias étnicas nos Media, Lisboa: ACIME; Ferin Cunha,I. et al., 2002, Media e Discrimi<strong>na</strong>ção: um estudo exploratório do caso português, RevistaObercom, n.º 5: 27-38; Lages, M. e Policarpo, V., 2003, Atitu<strong>de</strong>s e Valores perante a Imigração,Lisboa: ACIME; Miranda, J., 2002, A I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> Nacio<strong>na</strong>l: Do Mito ao sentido Estratégico,Oeiras: Celta; Pires, R. Pe<strong>na</strong>, 2003, Migrações e Integração, Oeiras: Celta; Vala, J.,Brito, R., Lopes, D., 1999, Expressões dos racismos em Portugal, Lisboa: ICS.Clara Almeida Santos82


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003aquelas às quais não po<strong>de</strong> ser registado qualquer elemento distintivos noque se refere ao género/sexo dos imigrantes referenciados.6.2.1. Definição das variáveisAs variáveis encontradas, como já foi referido, enquadram-se em três eixos<strong>de</strong> análise fundamentais: Forma, Conteúdo e Discurso 70 .Da análise dos resultados obtidos para as diversas variáveis preten<strong>de</strong>-setraçar a imagem que a imprensa portuguesa traça das mulheres imigrantese tentar aferir as dissonâncias e convergências <strong>de</strong>ssa imagem com aquiloa que já chamámos a “realida<strong>de</strong> estatística” da imigração femini<strong>na</strong> emPortugal.6.3. APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS E DEFINIÇÃO DE MODALIDADESO primeiro resultado que urge assi<strong>na</strong>lar, para tentar obter uma perspectivapanorâmica do tema que nos propomos tratar, é a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> notíciasque, no cômputo geral, apresentam mulheres como protagonistas. Dototal <strong>de</strong> peças a<strong>na</strong>lisadas, 210 i<strong>de</strong>ntificam-se com o género feminino e216 com o género masculino. Estabelecemos, pois, que o corpus específico<strong>de</strong>ste trabalho é constituído por 210 peças publicadas em oito jor<strong>na</strong>is(Público, Diário <strong>de</strong> Notícias, Jor<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Notícias, Expresso, O In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,Correio da Manhã, A Capital e 24 Horas) no <strong>de</strong>curso do ano <strong>de</strong> 2003.Verificamos, a partir <strong>de</strong>ste primeiro resultado (o único que não é inéditorelativamente ao Projecto Media, Imigração e Minorias Étnicas), que aquantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> peças exclusivamente masculi<strong>na</strong>s é superior do que aquelasque abordam, especificamente, o género feminino, apesar <strong>de</strong> a diferençanão ser muito significativa. No universo das notícias a<strong>na</strong>lisadas, as notícias“femini<strong>na</strong>s” representam 13,7 por cento do total, enquanto as notícias“masculi<strong>na</strong>s” correspon<strong>de</strong>m a 14 por cento do total.Apesar <strong>de</strong>sta constatação, a situação <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> numérica <strong>de</strong> peçascom protagonistas masculinos inverte-se em alguns jor<strong>na</strong>is, como po<strong>de</strong>mosver no Quadro 1, que se reporta à variável 2 (jor<strong>na</strong>l em que foi publicadaa peça):70. A distribuição das variáveis em função das categorias e respectiva justificação teóricaencontram-se no fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong>ste capítulo, uma vez que se enten<strong>de</strong>u que, por esta matéria játer sido publicada em livro (Ferin, 2004), não faria sentido incluí-la no corpo <strong>de</strong>ste trabalho.Clara Almeida Santos83


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Quadro 1Público DN JN Expresso In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte CM Capital 24 H TotalFemininoMasculinoMisto44 21 53 11 3 48 16 14 21021% 10,0% 25,2% 5,2% 1,4% 22,9% 7,6% 6,7% 100%30 28 43 5 2 66 13 29 21613,9% 13,0% 19,9% 2,3% 0,9% 30,6% 6,0% 13,4% 100%39 13 41 4 0 21 19 7 14427,1% 9,0% 28,5% 2,8% 0,0% 14,6% 13,2% 4,9% 100%Po<strong>de</strong>mos observar que os jor<strong>na</strong>is consi<strong>de</strong>rados como sendo <strong>de</strong> referênciaapresentam uma maior tendência para a publicação <strong>de</strong> notícias sobremulheres. No Público, JN, Expresso e O In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, existem mais notícias<strong>de</strong>dicadas a protagonistas do sexo feminino do que do sexo masculino.Dos jor<strong>na</strong>is consi<strong>de</strong>rados como sendo <strong>de</strong> referência, ape<strong>na</strong>s o DN escapa àtendência.Se dividirmos os resultados em função da caracterização dos jor<strong>na</strong>is,observamos que nos jor<strong>na</strong>is <strong>de</strong> referência, as notícias sobre imigrantesmulheres ganham em quantida<strong>de</strong>, com 132 peças, o que correspon<strong>de</strong> auma percentagem relativa à totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> peças (em que é indicado o sexo)nos jor<strong>na</strong>is <strong>de</strong> referência <strong>de</strong> 39,2 por cento.Quadro 2Jor<strong>na</strong>is <strong>de</strong> referência Frequência Percentagem válidaFeminino 132 39,2Masculino 108 32,0Misto 97 28,8Total 337 100,0Sem dados 618Total 955Nos jor<strong>na</strong>is populares, por sua vez, são os protagonistas masculinos quesomam maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> peças, no total <strong>de</strong> 108, o que perfaz 46,4 porcento do total <strong>de</strong> peças em que é i<strong>de</strong>ntificável um género.Clara Almeida Santos84


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Quadro 3Jor<strong>na</strong>is populares Frequência Percentagem válidaFeminino 78 33,5Masculino 108 46,4Misto 47 20,2Total 233 100,0Sem dados 350Total 583Po<strong>de</strong>r-se-ia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, afirmar que existe uma certa correspondência entreos resultados obtidos e algumas tendências registadas <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> portuguesarelativamente aos números da imigração.De acordo com os números divulgados pelo Instituto Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Estatística(INE), existiam em Portugal, em 2003, 136.555 estrangeiros do sexo masculinoresi<strong>de</strong>ntes em Portugal e 110.530 mulheres estrangeiras <strong>na</strong> mesmasituação. Ou seja, em termos gerais, existe correspondência entre a realida<strong>de</strong>estatística e a sua representação <strong>na</strong> imprensa. Po<strong>de</strong>mos ainda verificarque, para algumas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s, a situação se inverte em termosestatísticos, o que também se verificará <strong>na</strong>s pági<strong>na</strong>s dos jor<strong>na</strong>is a<strong>na</strong>lisados.Mais à frente neste capítulo voltaremos a este tema, nomeadamentepara observar os fenómenos verificados ao nível da representaçãodas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s e minorias.6.3.1. Resultados e modalida<strong>de</strong>s referentes à FormaPassamos, <strong>de</strong> seguida, à análise dos resultados enquadrados <strong>na</strong> categoriaa que pertencem, começamos pelas variáveis que se agrupam no eixoi<strong>de</strong>ntificado como Forma.6.3.1.1. DataNo que diz respeito à data em que as notícias que inci<strong>de</strong>m sobre o génerofeminino foram publicadas (variável em que não se encontram <strong>de</strong>finidosmodalida<strong>de</strong>s nem códigos, uma vez que se trata <strong>de</strong> uma variável em que osresultados são expressos em texto, do tipo DD/MM/AAA), po<strong>de</strong>mos observarque foi em Outubro que se registou o maior pico em termos <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>peças. Observamos a distribuição ao longo <strong>de</strong> 2003 a<strong>na</strong>lisando o Quadro 4:Clara Almeida Santos85


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Quadro 4MesesPeçasJaneiro 31Fevereiro 18Março 27Abril 9Maio 22Junho 25Julho 4Agosto 10Setembro 3Outubro 43Novembro 17Dezembro 1Total 210Os três picos observáveis ao nível da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> notícias em que asmulheres imigrantes são protagonistas registam-se em Outubro, emJaneiro e em Março. Adiantando possíveis explicações para este resultado,não po<strong>de</strong>mos, <strong>de</strong> maneira nenhuma, alhearmo-nos da agenda dosmedia no <strong>de</strong>curso <strong>de</strong> 2003. O ano foi particularmente rico ao nível <strong>de</strong> notíciassobre imigração, começando, logo em Janeiro, com a PresidênciaAberta levada a cabo por Jorge Sampaio <strong>de</strong>dicada à imigração. Nestecontexto, a explosão <strong>de</strong> peças é compreensível, tendo as mulheresimigrantes sido levadas à ribalta noticiosa por um certo efeito <strong>de</strong> arrastamento.Se atentarmos nos temas (Quadro 12), constatamos que existem 12referências à Presidência Aberta. Po<strong>de</strong>mos, pois, colocar a hipótese <strong>de</strong> aPresidência Aberta ter colocado a imigração <strong>na</strong> agenda dos media.Esta constatação leva-nos a algumas breves consi<strong>de</strong>rações sobre a questão<strong>de</strong> aferir se os media abordam a questão da imigração, nomeadamentefemini<strong>na</strong>, enquanto acontecimento ou como problemática.Da análise da distribuição das peças ao longo do período em causa, a quese junta a pon<strong>de</strong>ração da agenda dos media e do que po<strong>de</strong>mos encontrar aocabo do cruzamento com a variável tema, po<strong>de</strong>remos pensar que aimigração, enquanto problemática surge associada a um acontecimento.Ainda que a tentativa dos jor<strong>na</strong>is ou dos jor<strong>na</strong>listas seja a <strong>de</strong> encontrar umângulo que dê conta da questão da imigração enquanto problemática, issosó acontece quando existe aquilo a que po<strong>de</strong>remos chamar um “gancho”informativo, ou seja, uma âncora noticiosa que justifique essa abordagem.Clara Almeida Santos86


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Naturalmente que esta é uma questão que, não sendo exactamente residual,é, pelo menos, minoritária, já que a maior parte das peças a<strong>na</strong>lisadas,como veremos, não respon<strong>de</strong>m permitem respon<strong>de</strong>r a esta questão.6.3.1.2. EspaçoRelativamente ao espaço ocupado pelas notícias (variável 6), encontramosa seguinte <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong>s (os números <strong>na</strong> colu<strong>na</strong> da esquerdadizem respeito aos códigos atribuídos para efeitos <strong>de</strong> análise estatística):Quadro 5código espaço1 1 ou 2 parágrafos2 1/8 pági<strong>na</strong>3 1/4 pági<strong>na</strong>4 1/2 pági<strong>na</strong>5 3/4 Pág.6 1 pági<strong>na</strong>7 1 pági<strong>na</strong> 1/28 2 pági<strong>na</strong>s9 + 2 pági<strong>na</strong>s10 OutroPo<strong>de</strong>mos observar a prepon<strong>de</strong>rância das peças <strong>de</strong> pequeno porte, patenteno Gráfico 1 (<strong>de</strong> registar que não foram encontradas peças enquadráveis<strong>na</strong>s modalida<strong>de</strong>s correspon<strong>de</strong>ntes aos códigos 7 (1 pági<strong>na</strong> 1/2) e 10 (Outro).56Gráfico 1504030201039 41 29241614Espaço1:2 parágrafo1:8 pági<strong>na</strong>1:4 pági<strong>na</strong>1:2 pági<strong>na</strong>3:4 pági<strong>na</strong>1 pági<strong>na</strong>2 pági<strong>na</strong>s+ 2 pági<strong>na</strong>sFrequênciaClara Almeida Santos87


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Relativamente ao espaço que ocupam, a gran<strong>de</strong> fatia das peças relativas amulheres imigrantes ocupa um ou dois parágrafos, 1/8 <strong>de</strong> pági<strong>na</strong> e 1/4 <strong>de</strong>pági<strong>na</strong>. Se agruparmos estas três modalida<strong>de</strong>s da variável em análise,obtemos um total <strong>de</strong> 136 peças, o que representa uma percentagem <strong>de</strong> 64,8por cento das peças. Ou seja, encontramos sobretudo peças <strong>de</strong> peque<strong>na</strong>envergadura. Temos ape<strong>na</strong>s quatro peças que ocupam mais <strong>de</strong> duaspági<strong>na</strong>s. Com uma pági<strong>na</strong> encontramos 16 peças, correspon<strong>de</strong>ntes a 7,6por cento do total <strong>de</strong> artigos.É, também, <strong>de</strong> particular interesse (até para tentar confirma a hipótese dotratamento do macro-tema em análise ser feito enquanto acontecimento)o cruzamento dos resultados <strong>de</strong>sta variável com a variável que a<strong>na</strong>lisaremos<strong>de</strong> seguida: a que se ocupa do tipo <strong>de</strong> peça.6.3.1.3. Tipo <strong>de</strong> peçasPassamos, seguidamente, à análise dos resultados obtidos em função dotipo <strong>de</strong> peças (variável 8), que se constitui das seguintes modalida<strong>de</strong>s:códigoQuadro 6tipo <strong>de</strong> peça1 Entrevista2 Reportagem3 Notícia4 Breve5 Opinião6 Editorial7 Comentário8 Cacha9 Estatística10 Caixa11 OutroClara Almeida Santos88


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Nesta variável, ape<strong>na</strong>s não encontramos peças enquadráveis no tipo Estatística.Os resultados distribuem-se <strong>de</strong> acordo com tendência observável noGráfico 27581Gráfico 2503835Tipo <strong>de</strong> peça2529entrevistareportagemeditorialcomentário02641Frequência131notíciabreveopiniãocachacaixaoutroDa interpretação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> gráfico verificamos que a modalida<strong>de</strong> notícia éaquela que se <strong>de</strong>staca, juntamente com a modalida<strong>de</strong> breve. Interpretandoo Gráfico 2 em conjunto com o Gráfico 1, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>duzir que agran<strong>de</strong> maioria das peças em que as protagonistas são mulheres consisteem notícias ou breves relativamente peque<strong>na</strong>s. Po<strong>de</strong>mos, pois, concluir queo espaço ocupado pelas peças está directamente relacio<strong>na</strong>do com o tipo <strong>de</strong>que as peças se revestem.Convém realçar o resultado obtido pela modalida<strong>de</strong> Caixa. Trata-se <strong>de</strong> ummodalida<strong>de</strong> que surge da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar resposta a novas tendênciasregistadas <strong>na</strong>s pági<strong>na</strong>s dos jor<strong>na</strong>is, cada vez mais construídos à semelhançadas pági<strong>na</strong>s web, numa tentativa <strong>de</strong> simular o hipertexto. Acontecefrequentemente surgirem “janelas” (para utilizar uma terminologia cara aouniverso informático), a que chamámos caixas, que funcio<strong>na</strong>m como receptáculos<strong>de</strong> informação adicio<strong>na</strong>l relativa à peça principal, ao “texto-tronco”.No caso concreto das caixas em que as protagonistas são mulheresimigrantes, o que suce<strong>de</strong> é que os textos que aí encontramos são, frequentemente,“casos da vida”, faits-divers ilustrativos da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a peçaprincipal dá conta.Clara Almeida Santos89


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Voltando à questão da imigração femini<strong>na</strong> ser abordada como problemáticaou como acontecimento, à luz dos resultados agora apresentados, po<strong>de</strong>remosafirmar que a prepon<strong>de</strong>rância quantitativa do género notícia oubreve é mais consentânea com uma abordagem do tipo acontecimento.Quadro 7tipo <strong>de</strong> peçaEspaço1 ou 2 parágrafos 1/8 pág. 1/4 pág. 1/2 pág. 3/4 pág. 1 pág. 2 pág. + 2 pág.TotalEntrevista 0 0 1 0 1 0 0 0 2Reportagem 1 0 2 6 7 9 0 4 29Notícia 0 24 21 18 12 5 1 0 81Breve 37 1 0 0 0 0 0 0 38Opinião 0 0 3 1 2 0 0 0 6Editorial 1 0 0 0 0 0 0 0 1Comentário 2 1 1 0 0 0 0 0 4Cacha 5 1 2 2 2 1 0 0 13Caixa 10 12 10 2 0 1 0 0 35Apresentamos, seguidamente, os resultados do cruzamento da variáveltipo <strong>de</strong> peça com a variável espaço.Po<strong>de</strong>mos, da análise do Quadro 7 concluir que as peças <strong>de</strong> maior fôlego(mais <strong>de</strong> duas pági<strong>na</strong>s) pertencem à modalida<strong>de</strong> reportagem. Não <strong>de</strong>ixa<strong>de</strong> ser curioso, porém, realçar que as 29 reportagens existentes (representando13,8 por cento do total <strong>de</strong> peças) se apresentam em praticamentetodos os tipos <strong>de</strong> espaços registados. Isto quer dizer que mesmoa reportagem, entendida vulgarmente como um género jor<strong>na</strong>lísticomais vocacio<strong>na</strong>do para o tratamento <strong>de</strong> problemáticas, é frequentementeum instrumento a serviço <strong>de</strong> outro tipo <strong>de</strong> abordagem, já que seconsi<strong>de</strong>rou como reportagem aquelas peças que exigem trabalho doautor da peça in loco.Clara Almeida Santos90


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20036.3.1.4. SecçãoQuanto à secção em que se encontram as peças a<strong>na</strong>lisadas, verificamos umpredomínio da socieda<strong>de</strong>, como se po<strong>de</strong> observar no seguinte gráfico:Gráfico 31001047555Secção5025012313Frequência126 51.ª pági<strong>na</strong>chamadasocieda<strong>de</strong><strong>de</strong>staque<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>llocalúlt. pági<strong>na</strong>suplementoObservamos que a modalida<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> é aquela em que se enquadrao maior número <strong>de</strong> peças – 104 – que correspon<strong>de</strong>m a 49,5 por cento datotalida<strong>de</strong> das peças a<strong>na</strong>lisadas, ou seja, aproximadamente meta<strong>de</strong> dototal. Este resultado correspon<strong>de</strong> ao facto verificável <strong>de</strong> que a maior partedas peças que têm por tema a imigração surgirem enquadradas nestasecção da imprensa. Este valor po<strong>de</strong> ser justificado também pelo tipo <strong>de</strong>argumentação que, como po<strong>de</strong>mos verificar mais à frente (Gráfico 12), é amodalida<strong>de</strong> sob a qual se reúnem mais peças. Observando também ográfico que dá conta do enquadramento (Gráfico 10), em que as peçascorrespon<strong>de</strong>ntes à modalida<strong>de</strong> dramática são em número <strong>de</strong> 25, ou seja,11,9 por cento do total <strong>de</strong> peças. As peças registadas sob esta modalida<strong>de</strong>normalmente são conta das condições <strong>de</strong> vida ou <strong>de</strong> situações vividas pormulheres imigrantes sempre apresentadas <strong>na</strong> secção que aqui <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>mos<strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>.A modalida<strong>de</strong> em segundo lugar no ranking correspon<strong>de</strong> à secção <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.Este facto <strong>de</strong>ve-se, pelo menos parcialmente, ao facto <strong>de</strong> algumas peçascorrespon<strong>de</strong>rem a notícias no sentido mais técnico e estrito do génerojor<strong>na</strong>lístico, e se i<strong>de</strong>ntificarem com o interesse <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Neste caso,Clara Almeida Santos91


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003alguma justificação po<strong>de</strong>r-se-ia encontrar nos resultados obtidos <strong>na</strong>variável localização geográfica (Gráfico 5), em que observamos que o maiornúmero <strong>de</strong> peças se encontra registado sob a modalida<strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, ouseja, notícias que não têm um enquadramento geográfico específico, quenão são “histórias” territorialmente localizadas, mas que dizem respeito aopaís como um todo.6.3.1.5. FotografiaPara termi<strong>na</strong>r a análise dos resultados obtidos em função da categoriaForma, resta-nos dar conta da variável 25, que diz respeito à presença <strong>de</strong>Fotografia (ou outras formas <strong>de</strong> ilustração) <strong>na</strong>s peças.A distribuição das modalida<strong>de</strong>s faz-se <strong>de</strong> acordo com a codificação presenteno Quadro 8:códigofotografiaQuadro 81 Fotografia até 1/4 pági<strong>na</strong>2 Fotografia até 1/2 pági<strong>na</strong>3 Fotografia <strong>de</strong> pági<strong>na</strong> inteira4 Gráficos5 OutroRelativamente ao Quadro 8, convém explicitar o significado <strong>de</strong> duas dasmodalida<strong>de</strong>s apresentadas, nomeadamente a que diz respeito aos gráficose a outro. Enten<strong>de</strong>-se por gráficos qualquer ilustração presente <strong>na</strong>s peçasque não possa ser classificada como fotografia. Incluem-se, portanto,neste modalida<strong>de</strong>, quadros, infografias, mapas, etc. Relativamente a outro,trata-se <strong>de</strong> uma modalida<strong>de</strong> que foi utilizada par situações em que existemmais do que uma fotografia ou uma mistura <strong>de</strong> fotografia com gráficos.Clara Almeida Santos92


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Gráfico 460634025Fotografia2004Frequência111Foto até 1/4 págFoto até 1/2 págFoto pág. inteiraGráficosOutroVerificamos, então, que menos <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> das peças a<strong>na</strong>lisadas (maisexactamente 104, o que correspon<strong>de</strong> a 49,5 por cento do total) possuemfotografias ou outro tipo <strong>de</strong> informação gráfica.A gran<strong>de</strong> maioria das fotografias registadas (63 peças, 60,6 por cento daspeças com fotografia ou informação gráfica) têm tamanho inferior a ¼ <strong>de</strong>pági<strong>na</strong>. Este facto po<strong>de</strong>r-se-á relacio<strong>na</strong>r com a variável que dá conta doespaço ocupado pelas peças nos jor<strong>na</strong>is. As notícias com um ou dois parágrafos(que, quanto ao tipo <strong>de</strong> peça, se classificam como breves) e as notíciasque ocupam <strong>de</strong> pági<strong>na</strong>, normalmente, não são ilustradas.A informação gráfica é “reservada” a peças <strong>de</strong> maior fôlego. Po<strong>de</strong>r-se-ia,então, dizer que existe uma relação entre a importância outorgada aotema e a atribuição <strong>de</strong> informação gráfica complementar, sob a forma <strong>de</strong>fotografia ou outra.Clara Almeida Santos93


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Po<strong>de</strong>mos atentar no Quadro 9 para avaliar o grau <strong>de</strong>sta relação.Quadro 9EspaçoFotografiaAté 1:4 pág Até 1:2 pág Pág. inteira Gráficos OutroTotal1 ou 2 parágrafos 7 0 0 0 0 711,1% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 6,7%1:8 pági<strong>na</strong> 4 2 1 0 0 76,3% 8,0% 25,0% 0,0% 0,0% 6,7%1:4 pági<strong>na</strong> 21 0 0 0 1 2233,3% 0,0% 0,0% 0,0% 9,1% 21,2%1:2 pági<strong>na</strong> 17 8 0 1 1 2727,0% 32,0% 0,0% 100,0% 9,1% 26,0%3:4 pági<strong>na</strong> 10 8 1 0 2 2115,9% 32,0% 25,0% 0,0% 18,2% 20,2%1 pági<strong>na</strong> 4 7 1 0 3 156,3% 28,0% 25,0% 0,0% 27,3% 14,4%2 pági<strong>na</strong>s 0 0 0 0 1 10,0% 0,0% 0,0% 0,0% 9,1% 1,0%+ 2 pági<strong>na</strong>s 0 0 1 0 3 40,0% 0,0% 25,0% 0,0% 27,3% 3,8%Total63 25 4 1 11 104100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%Verificamos, pois, que das 56 peças que têm entre um e dois parágrafos,ape<strong>na</strong>s sete são ilustradas com informação gráfica complementar e quenesses sete casos temos fotografias que ocupam menos <strong>de</strong> ¼ da pági<strong>na</strong> <strong>de</strong>jor<strong>na</strong>l. Po<strong>de</strong>mos adiantar que esses casos se referem a notícias localizadas<strong>na</strong> primeira pági<strong>na</strong>, correspon<strong>de</strong>ndo a cachas, pelo que se justifica a utilização<strong>de</strong> fotografias.A gran<strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> elementos gráficos encontra-se em peças queocupam ½ pági<strong>na</strong>, ¼ <strong>de</strong> pági<strong>na</strong> ou ¾ <strong>de</strong> pági<strong>na</strong>. Po<strong>de</strong>mos verificar tambémque as peças <strong>de</strong> maior fôlego (duas pági<strong>na</strong>s e mais <strong>de</strong> duas pági<strong>na</strong>s) apresentama maior abundância <strong>de</strong> elementos gráficos, o que não constitui <strong>de</strong>todo, uma surpresa. Reforça, porém, a i<strong>de</strong>ia já afirmada que a informaçãográfica surge como um complemento da informação escrita numa proporcio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>directa.Clara Almeida Santos94


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20036.3.2. Resultados e modalida<strong>de</strong>s referentes ao Conteúdo6.3.2.1. Localização geográficaComeçamos por localizar a acção das peças recorrendo à variável 9, queenquadra a localização geográfica da acção <strong>de</strong>scrita, que apresenta asseguintes modalida<strong>de</strong>s:Quadro 10código localização geográfica1 Gran<strong>de</strong> Porto2 Gran<strong>de</strong> Lisboa3 Centro4 Sul5 Norte6 Interior7 Algarve8 Regiões Autónomas9 Amadora10 Loures11 Oeiras12 Setúbal13 Outra Região14 Portugal15 Alemanha16 Bélgica17 Espanha18 França19 Inglaterra20 UE21 Outro PaísDa observação do Gráfico 5, que se apresenta <strong>de</strong> seguida, po<strong>de</strong>mos concluirque muitas <strong>de</strong>stas modalida<strong>de</strong>s não encontram correspondência em qualquerdas peças a<strong>na</strong>lisadas, nomeadamente Oeiras, Setúbal, Outra Região,Alemanha, Bélgica, Espanha, França e Inglaterra. Po<strong>de</strong>mos constatar,atentando no Quadro 10, que algumas das localizações geográficaspropostas <strong>na</strong>s modalida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> certa maneira, se sobrepõem, como é ocaso <strong>de</strong> Amadora, Loures, Oeiras e Setúbal em relação a Gran<strong>de</strong> Lisboa.Clara Almeida Santos95


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Acontece que muitas vezes a acção se encontra <strong>na</strong> Gran<strong>de</strong> Lisboa, sem queseja exactamente <strong>de</strong>finida a localização. Por Sul enten<strong>de</strong>-se o Alentejo, porNorte a região correspon<strong>de</strong>nte ao Minho e Alto Douro e a Interior correspon<strong>de</strong>a região <strong>de</strong> Trás-os-Montes, bem como a Beira Alta e Beira Interior,o que faz com que Centro seja entendido como Beira Litoral e Estremadura(excepto as zo<strong>na</strong>s que se encontram consig<strong>na</strong>das em modalida<strong>de</strong>spróprias). Feitas estas observações relativas à codificação, passamos àanálise do Gráfico 5.50Gráfico 54030Localização geográfica2010G. PortoG. LisboaCentroSulNorteInteriorAlgarveRegiões AutónomasAmadoraLouresPortugalEUOutro PaísFrequênciaEsta variável é <strong>de</strong> particular interesse para o nosso estudo, pois apresentaresultados que, à partida, não seriam expectáveis num estudo sobre asimagens da imigração <strong>na</strong> imprensa. O facto <strong>de</strong> o nosso objecto <strong>de</strong> estudo serestringir às mulheres imigrantes e, em particular, ao ano <strong>de</strong> 2003, faz comque estes resultados sejam especialmente singulares e reveladores.Verificamos, em primeiro lugar, que praticamente todas as peças a<strong>na</strong>lisadassão geograficamente localizadas (206 em 210, o que correspon<strong>de</strong> a98,1 por cento das peças). A localização mais frequente encontra-seexpressa <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> Portugal. Quer isto dizer que gran<strong>de</strong> parte daspeças diz respeito a todo o território <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Po<strong>de</strong>r-se-ia então <strong>de</strong>duzirque a imagem dada pela imprensa é a <strong>de</strong> que o fenómeno da imigraçãofemini<strong>na</strong> no país se encontra dissemi<strong>na</strong>da <strong>de</strong> Norte a Sul, do Litoral ao Interior.Ou então que as peças não localizam a acção com especificida<strong>de</strong>.Clara Almeida Santos96


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Consi<strong>de</strong>rando a primeira hipótese, po<strong>de</strong>r-se-á afirmar que, <strong>na</strong> realida<strong>de</strong>, osimigrantes (e aqui falamos tanto <strong>de</strong> mulheres como <strong>de</strong> homens) não seencontram tão concentrados <strong>na</strong>s gran<strong>de</strong>s metrópoles como se verificavanos anos 80 e, também, ao longo dos primeiros anos da década <strong>de</strong> 90.Existe uma dispersão geográfica real da imigração e os jor<strong>na</strong>is reflectemesta mudança. Os dados do SEF relativos ao distrito <strong>de</strong> residência da populaçãoestrangeira em Portugal mostram já esta mudança, apesar <strong>de</strong> aindaser evi<strong>de</strong>nte uma concentração no distrito <strong>de</strong> Lisboa (que se situa emquatro lugar no <strong>de</strong> ocorrências <strong>na</strong>s peças a<strong>na</strong>lisadas). Num total <strong>de</strong> 250 991estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes no país, 134 675 encontram-se em Lisboa, o quecorrespon<strong>de</strong> a 53,7 por cento do total. Os dois distritos que se seguem sãoFaro (32 858 estrangeiros) e Setúbal (26 675 estrangeiros).No entanto, observamos que as zo<strong>na</strong>s que correspon<strong>de</strong>m às modalida<strong>de</strong>sNorte e Interior, no nosso estudo, registam também um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong>peças, superior ainda ao registado por Lisboa (mesmo se acrescentássemosos valores obtidos pelas modalida<strong>de</strong>s Loures e Amadora). Estefacto, além <strong>de</strong> reforçar a i<strong>de</strong>ia da dispersão geográfica do fenómeno imigratóriopara fora das gran<strong>de</strong>s metrópoles, é revelador <strong>de</strong> uma imagem daimigração femini<strong>na</strong> ligada a uma certa vivência das localida<strong>de</strong>s do Norte eInterior do país.Com efeito, estes resultados não chocam com o retrato estatístico daimigração em Portugal, já que os dados existentes da distribuição pordistritos é limitada aos estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes. Como seria <strong>de</strong> esperar,Lisboa regista uma gran<strong>de</strong> presença <strong>de</strong> estrangeiros com este estatuto,muitos dos quais não são abrangidos por este estudo, como é o caso <strong>de</strong>cidadãos oriundos <strong>de</strong> países da União Europeia (num total <strong>de</strong> 29 425). Assituações <strong>de</strong> autorização <strong>de</strong> permanência e, sobretudo, <strong>de</strong> clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>,não são passíveis <strong>de</strong> ser contabilizados em função da sua localizaçãogeográfica, até porque a mobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do território é consi<strong>de</strong>rável.Naturalmente que a constatação dos valores elevados obtidos pelas modalida<strong>de</strong>sNorte e Interior não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sligada <strong>de</strong> alguns acontecimentosque entraram <strong>na</strong> agenda dos media em 2003, nomeadamente o movimentodas chamadas “Mães <strong>de</strong> Bragança” e a capa da edição europeia darevista norte-america<strong>na</strong> Time, em Outubro (e, como já referimos nestetrabalho, estes acontecimentos têm repercussão <strong>na</strong> distribuição das peçasao longo do ano, como po<strong>de</strong>mos constatar no Quadro 4). Na sequênciatemporal <strong>de</strong>stes acontecimentos, registou-se uma série <strong>de</strong> rusgas a estabelecimentosnocturnos localizados <strong>na</strong>s referidas zo<strong>na</strong>s do país, o quetambém contribui para a gran<strong>de</strong> expressão alcançada pelas modalida<strong>de</strong>s aque correspon<strong>de</strong>m essas regiões. Este facto po<strong>de</strong>rá ser constatadoClara Almeida Santos97


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003cruzando os dados obtidos nesta variável com os resultados patentes noQuadro 15 que dão conta da Perso<strong>na</strong>lização presente <strong>na</strong>s peças, ou seja,dos actores que encontramos, a par com as protagonistas imigrantes.Verificamos, então, a prepon<strong>de</strong>rância do grupo composto pelas modalida<strong>de</strong>sSEF, PSP, GNR, PJ e forças <strong>de</strong> segurança, a que po<strong>de</strong>remos chamar,genericamente, polícias.Esta tentativa <strong>de</strong> explicação vem reforçar o que já foi dito acerca do estatutojurídico das imigrantes consi<strong>de</strong>radas <strong>na</strong>s peças e aqueles que são consi<strong>de</strong>rados<strong>na</strong> elaboração das estatísticas referidas. Assim se po<strong>de</strong>rácompreen<strong>de</strong>r melhor a enorme discrepância registada nesta variável.Só para referir um exemplo fi<strong>na</strong>l, em Bragança existem 485 estrangeirosresi<strong>de</strong>ntes, somando homens e mulheres.6.3.2.2. Objecto 1 – Estatuto jurídicoNa variável estatuto jurídico foram consi<strong>de</strong>radas as modalida<strong>de</strong>s queconstam no Quadro 11:Quadro 11código estatuto jurídico1 Residência temporária2 Residência permanente3 Autorização <strong>de</strong> Permanência4 Titulares <strong>de</strong> vistos5 Indocumentados e ilegais6 Asilados, refugiados e apátridas7 OutroRecordamos que a grelha das modalida<strong>de</strong>s foi construída com base<strong>na</strong> legislação vigente. Para efeitos <strong>de</strong> análise, a modalida<strong>de</strong> residênciapermanente é atribuída também a cidadãos portugueses, que surgemenquadrados neste trabalho enquanto minorias étnicas. O extremo <strong>de</strong>sdobramentodas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta variável traz alguns problemas ao nível daanálise das peças, uma vez raramente existem referências muito específicasà situação legal da imigrante, à excepção <strong>de</strong> um caso, como po<strong>de</strong>mosver no Gráfico 6.Clara Almeida Santos98


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Gráfico 61071007550Estatuto jurídicoResidência temporáriaResidência permanente2501172 2Frequência3Autoriz. PermanênciaTitulares <strong>de</strong> vistosIndocumentados e ilegaisOutroO estatuto mais referido é o das mulheres imigrantes em situação <strong>de</strong>clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> ou ilegalida<strong>de</strong>. Os restantes enquadramentos jurídicostêm expressões insignificantes.É <strong>de</strong> particular interesse realçar que, no cômputo geral das peças (incluindopeças i<strong>de</strong>ntificadas com os géneros masculino, misto e sem género <strong>de</strong>finido),o estatuto dos imigrantes e minorias étnicas é referido em 45,7 porcento das peças. Isto po<strong>de</strong> querer dizer que quando os protagonistas são“elas”, parece haver um maior “interesse público” em i<strong>de</strong>ntificar commaior rigor o seu enquadramento legal (relativamente ao imigrantes consi<strong>de</strong>radoscomo um todo). Simultaneamente, a percentagem <strong>de</strong> peças emque as mulheres imigrantes são “classificadas” como ilegais ou indocumentadasé <strong>de</strong> 51 por cento (este valor, consi<strong>de</strong>rando as peças <strong>na</strong> suatotalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sce para 31,4 por cento).A consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong>sta variável é bastante reveladora no que diz respeito àcaracterização feita através das peças <strong>de</strong> imprensa das imigrantes em Portugal.Po<strong>de</strong>mos constatar, em primeiro lugar, que o estatuto jurídico dasimigrantes é referido em 62,9 por cento das peças, uma percentagem quejá referimos ser significativa no cômputo geral das peças sobre imigração.No entanto, se consi<strong>de</strong>rarmos o universo <strong>de</strong> peças em que é referido oestatuto jurídico, observamos que 81,1 por cento das referências sereportam a imigrantes indocumentadas ou ilegais.Clara Almeida Santos99


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Po<strong>de</strong>r-se-ia levantar a hipótese <strong>de</strong> a situação jurídica só ser referida noscasos em que é mais fácil <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar, ou seja, <strong>na</strong>s situações <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong>.Se cruzarmos estes dados com os resultados da variável tema, quesão apresentados no Quadro 12 verificamos que esta hipótese tem bastanteforça, já que os temas mais abordados correspon<strong>de</strong>m às modalida<strong>de</strong>sProstituição, Clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> e Exploração.Traçando linhas <strong>de</strong> correspondências entre estes resultados e a realida<strong>de</strong>estatística, po<strong>de</strong>mos concluir, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, que existe uma enorme discrepânciaentre o retrato apresentado pela imprensa e a realida<strong>de</strong> dosnúmeros, no que diz respeito às mulheres imigrantes em Portugal. Dadoque os dados relativos à imigração ilegal não existem, por a sua obtençãoser <strong>de</strong> extrema dificulda<strong>de</strong>, investigadores e teóricos da imigraçãoassumem que, em condições normais, a taxa <strong>de</strong> imigração ilegal correspon<strong>de</strong>a cerca <strong>de</strong> 10 por cento da imigração em situação regulamentar. Ouseja, no caso português, consi<strong>de</strong>rando os números do SEF, que regista aexistência <strong>de</strong> 434.538 estrangeiros em Portugal, entre resi<strong>de</strong>ntes e <strong>de</strong>tentores<strong>de</strong> autorizações <strong>de</strong> permanência, existirão cerca <strong>de</strong> 43.500 imigrantes<strong>na</strong> clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>.Po<strong>de</strong>r-se-ia argumentar que esta discrepância se relacio<strong>na</strong> com os valores--notícia e que o que foge à normalida<strong>de</strong>, logo o que é margi<strong>na</strong>l, clan<strong>de</strong>stino,ilegal, é mais apetecível como notícia. Po<strong>de</strong>mos opor, no entanto, a estaargumentação, que não existe, nos media a<strong>na</strong>lisados, pelo menos <strong>de</strong> formasistemática e significativa, uma contextualização da problemática, peloque o retrato da imigração ilegal resulta ampliado.Po<strong>de</strong>mos também dizer que, por correspon<strong>de</strong>r a uma tendência que seacentua, este tipo fenómeno po<strong>de</strong>ria merecer atenção redobrada. Comefeito, como afirmam vários teóricos da imigração, sobretudo os que seespecializam em questões <strong>de</strong> género 71 .71. Cf., por exemplo, Floya Anthias, in Ghatak, Sassoon, 2001.Clara Almeida Santos100


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20036.3.2.3. Objecto 2 – MinoriasA<strong>na</strong>lisamos, seguidamente, a variável 11, que quantifica as <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s(ou minorias) referenciadas <strong>na</strong>s peças submetidas a análise.Foram i<strong>de</strong>ntificadas as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scritas no Quadro 12.Quadro 12código minoria/<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>1 Africanos2 Angolanos3 Árabes4 Brasileiros5 Cabo-Verdianos6 Chineses7 Cidadãos <strong>de</strong> Países <strong>de</strong> Leste8 Ciganos9 Guineenses10 Indianos11 Magrebinos12 Moçambicanos13 Moldavos14 PALOP15 Paquistaneses16 Russos17 S. Tomenses18 Timorenses19 Ucranianos20 Várias21 Islâmicos22 OutrosConforme se po<strong>de</strong> verificar, algumas “minorias” são apresentadas emmodalida<strong>de</strong>s grupais (africanos, cidadãos <strong>de</strong> países <strong>de</strong> leste, PALOP, islâmicos),o que é justificado pela forma como os imigrantes são referidos nosmedia e que revela, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, um caracterização que po<strong>de</strong> ser qualificadacomo pouco <strong>de</strong>finida e inespecífica.Clara Almeida Santos101


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Como se po<strong>de</strong> observar no Gráfico 7, várias das modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scritas nãoforam encontradas em nenhuma peça, nomeadamente angolanos, árabes,guineenses, indianos, magrebinos, moçambicanos, moldavos, paquistanesese S. Tomenses.Gráfico 775785045Nacio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>AfricanosRussosBrasileirosTimorenses2516Cabo-VerdianosChinesesCidad. País LesteUcranianosVáriasIslâmicos07273 1414Frequência4 5CiganosPALOPOutrosEncontramos a <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> brasileira no topo das referências, com78 peças, o que correspon<strong>de</strong> a 37,1 por cento do total <strong>de</strong> peças e a 44,1 porcento do total <strong>de</strong> peças em que é referida uma <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> ou minoriaespecífica. Observe-se, a este respeito, que a menção a <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> ouminoria é feita em 84,3 por cento das peças sobre mulheres imigrantes, oque representa uma percentagem bastante significativa.O valor atingido pela modalida<strong>de</strong> várias (45 peças, correspon<strong>de</strong>ntes a 21,4por cento do total <strong>de</strong> peças) atinge também um valor expressivo. Convém,neste ponto, clarificar que, ao i<strong>de</strong>ntificar a modalida<strong>de</strong> com este código, nosreportamos a referências feitas, <strong>na</strong> mesma peça, a diversas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>sou minorias étnicas. Trata-se, afi<strong>na</strong>l, <strong>de</strong> uma prática bastante comum<strong>na</strong> abordagem da questão da imigração, tanto <strong>na</strong>s peças exclusivamentesobre mulheres como <strong>na</strong>s restantes.De salientar a pouca expressão das imigrantes <strong>de</strong> Leste no panoramageral das peças a<strong>na</strong>lisadas – adicio<strong>na</strong>ndo os resultados das modalida<strong>de</strong>scidadãos <strong>de</strong> países <strong>de</strong> leste, russos e ucranianos, obtemos um total <strong>de</strong> 15peças, o que correspon<strong>de</strong> a 7,1 por cento do total <strong>de</strong> peças. Esta tendênciaClara Almeida Santos102


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003não se verifica no que diz respeito às peças masculi<strong>na</strong>s, em que a comunida<strong>de</strong>russófo<strong>na</strong> surge em <strong>de</strong>stacado 1.º lugar. Uma das hipóteses explicativasé o facto <strong>de</strong>, frequentemente, se encontrarem referências a estascomunida<strong>de</strong>s enquadradas com outras, o que fará com que se situem <strong>na</strong>modalida<strong>de</strong> várias que, como já referimos, é a segunda mais expressiva.O mesmo po<strong>de</strong> ser constatado para os países africanos. Agrupando osresultados obtidos pelas modalida<strong>de</strong>s africanos, cabo-verdianos e PALOPobtemos 24 ocorrências, o que correspon<strong>de</strong> a 11,4 por cento do total <strong>de</strong>peças o que, ainda assim, representa um valor mais significativo do que oobtido pelas cidadãs russófo<strong>na</strong>s.Observamos que existe, <strong>de</strong> alguma maneira, uma correspondência com oque os indicadores estatísticos apontam.Quadro 13Estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes <strong>Mulheres</strong> HomensINE 110 530 136 555SEF 112 680 138 311Com efeito, apesar do que já referimos em termos <strong>de</strong> resi<strong>de</strong>ntes legais, onúmero <strong>de</strong> cidadãos brasileiros que pediram residência permanente,segundo o INE, foi <strong>de</strong> 6240 homens e 6977 mulheres. E, <strong>de</strong> acordo com asestatísticas do SEF relativas a 2003, nesse ano o número <strong>de</strong> mulheresbrasileiras a residir em Portugal era já superior ao <strong>de</strong> homens da mesma<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> (respectivamente 13 469 e 13 082). Po<strong>de</strong>r-se-á dizer que osmedia estão já a antecipar uma tendência? Talvez seja dizer <strong>de</strong>mais, já queas notícias, como seguidamente po<strong>de</strong>remos aferir pela observação davariável tema.6.3.2.4. TemaRelativamente ao tema das peças a<strong>na</strong>lisadas, atentemos no Quadro 14, que<strong>de</strong>screve as modalida<strong>de</strong>s registadas. Verificaremos, ao cotejar os resultadoscom a lista das modalida<strong>de</strong>s, que várias <strong>de</strong>las não foram registadas para aspeças sobre mulheres imigrantes, nomeadamente aci<strong>de</strong>ntes, família,reagrupamento, sem-abrigo e estatística.Clara Almeida Santos103


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Quadro 14código tema1 Aci<strong>de</strong>ntes2 Agenda3 Campanhas públicas4 Clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>5 Condições Sociais6 Crime7 Desemprego8 Educação9 Exploração10 Expulsão11 Família12 Habitação13 Legalização14 Máfia15 Presidência Aberta16 Prostituição17 Reagrupamento18 Religião19 Sem-abrigo20 Saú<strong>de</strong>21 Trabalho22 Violência23 Cultura24 Naturalização25 Legislação26 Racismo27 Estatística28 Segurança29 Integração30 SEF31 OutroA apresentação dos resultados obtidos para esta variável (Quadro 15)<strong>de</strong>nota uma vicissitu<strong>de</strong> inerente ao tratamento da própria variável, que foisujeita a um <strong>de</strong>sdobramento, <strong>de</strong> forma a permitir que, para cada peça,pu<strong>de</strong>ssem ser registados dois temas, necessida<strong>de</strong> que se tornou imperiosaClara Almeida Santos104


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003<strong>de</strong>pois do estudo exploratório da amostra que <strong>de</strong>screvemos <strong>na</strong> secção<strong>de</strong>dicada à metodologia aplicada.TemasFrequênciaQuadro 15Percentagemno total dos temasPercentagemno total das peçasAgenda 1 0,3 0,5Campanhas Públicas 4 1,1 1,9Clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> 50 13,6 23,8Condições Sociais 11 3 5,3Crime 26 7,1 12,4Desemprego 1 0,3 0,5Educação 2 0,5 1Exploração 24 6,5 11,4Expulsão 4 1,1 1,9Habitação 1 0,3 0,5Legalização 8 2,2 3,8Legislação 3 0,8 1,4Máfia 3 0,8 1,4Presidência Aberta 10 2,7 4,8Prostituição 124 33,7 59Religião 7 1,9 3,3Saú<strong>de</strong> 13 3,5 6,2Trabalho 25 6,8 11,9Violência 6 1,6 2,9Cultura 7 1,9 3,3Naturalização 2 0,5 1Integração 17 4,6 8,1Racismo 3 0,8 1,4Segurança 4 1,1 1,9SEF 1 0,3 0,5Outro 11 3 5,3Total temas 368 100Total peças 210 100Observamos, pois, que os temas que mais se repetem <strong>na</strong>s peças recolhidasem 2003 dizem respeito a prostituição, clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> e crime. Associandoestas modalida<strong>de</strong>s, obtemos o valor <strong>de</strong> 200. Naturalmente que esteClara Almeida Santos105


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003número se aproxima do número <strong>de</strong> peças a<strong>na</strong>lisadas (210), o que é facilmentecompreensível se atentarmos ao facto <strong>de</strong> que, para cada peça, aanálise permite encontrar dois temas, como já foi referido. Assim sendo,po<strong>de</strong>mos concluir que uma combi<strong>na</strong>ções <strong>de</strong> dois <strong>de</strong>stes três temas surgecom uma frequência consi<strong>de</strong>rável.De realçar, ainda, os valores obtidos pelas modalida<strong>de</strong>s trabalho (i<strong>de</strong>ntificadoem 25 peças) e exploração (referenciados em 24 peças). Se o segundopo<strong>de</strong>rá ser enquadrável com o primeiro grupo já referido (prostituição,clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> e crime), o primeiro terá uma relação mais directa com aquestão das agendas dos media <strong>de</strong> 2003, nomeadamente a questão da“Presidência Aberta” <strong>de</strong>dicada à Imigração. Como já observámos, a PresidênciaAberta fez com que um foco <strong>de</strong> atenção incidisse sobre as mulheresimigrantes, ainda que nem sempre directamente vinculado com o acontecimento(ou pseudo-acontecimento, <strong>na</strong> acepção <strong>de</strong> Boorstin) presi<strong>de</strong>ncial.O tema trabalho terá, certamente, beneficiado <strong>de</strong>ste interesse já que oPresi<strong>de</strong>nte visitou várias empresas para dar relevo a “boas práticas” <strong>de</strong> integração<strong>de</strong> imigrantes. As mulheres surgem neste contexto, como protagonistas<strong>de</strong> histórias que “ilustram” esta situação.Não convém, a propósito, <strong>de</strong>ixar passar em claro o valor registado pelamodalida<strong>de</strong> integração, que alcançou 17 ocorrências (8,1 por cento dototal <strong>de</strong> peças), o que correspon<strong>de</strong> a uma tendência para dar atenção a estetema, embora nem sempre com um tom positivo: cruzando o tema com otom da pela observamos que cinco ocorrências correspon<strong>de</strong>m a positivo,seis a negativo e seis a neutro.6.3.2.5. OcupaçãoA variável ocupação consagra as modalida<strong>de</strong>s enumeradas no Quadro 16.Quadro 16código ocupação1 Desemprego2 Obras Públicas3 Construção civil4 Profissões Não Qualificadas5 Profissões Qualificadas6 Serviços7 Jogadores8 OutrosClara Almeida Santos106


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003A análise da ocupação (trabalho <strong>de</strong>sempenhado pelas imigrantes, noscasos em que ele é i<strong>de</strong>ntificável, ou seja, em 179 peças, correspon<strong>de</strong>ntesa 75,7 por cento do total) segue a tendência apontada no Gráfico 8. Verificamos,à partida, por comparação com o elenco <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong>s, queobras públicas, é a única situação que não surge <strong>na</strong> análise das peçasem que as protagonistas são mulheres imigrantes.Gráfico 812513210075OcupaçãoDesemprego50252 18 101Construção civilProfissões Não QualificadasProfissões QualificadasServiçosJogadores5 OutrosFrequênciaPo<strong>de</strong>mos constatar também que ape<strong>na</strong>s duas modalida<strong>de</strong>s apresentamvalores que po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados como estatisticamente relevantes, asaber: profissões não qualificadas, com 132 peças, que correspon<strong>de</strong>m a62,9 por cento do total <strong>de</strong> peças a<strong>na</strong>lisadas; e bastante distante ao nível dovolume <strong>de</strong> ocorrências, encontramos a modalida<strong>de</strong> serviços, com 10 peçasa representar 4,8 por cento do total.Para compreen<strong>de</strong>r a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> referências a profissões não qualificadas,há que atentar ao facto <strong>de</strong> a prostituição ter sido enquadrada nestamodalida<strong>de</strong>. Este facto po<strong>de</strong> ser justificado com o facto <strong>de</strong> esta activida<strong>de</strong>ser já sujeita a tributação, como “activida<strong>de</strong> mal-<strong>de</strong>finida”, apesar <strong>de</strong>permanecer como prática ilegal em Portugal. Este valor po<strong>de</strong>, então, serlido à luz dos resultados obtidos <strong>na</strong> variável tema (Quadro 12). Recordamosque este tema foi i<strong>de</strong>ntificado em 124 peças, o que quer dizer que adiferença entre o total <strong>de</strong> peças on<strong>de</strong> as mulheres imigrantes <strong>de</strong>sempenhamprofissões não qualificadas (132) e este valor, diz respeito a ocupaçõesprofissio<strong>na</strong>is não qualificadas, fora da prostituição.Clara Almeida Santos107


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Também a análise dos resultados obtidos nesta variável vem reforçar o quefoi dito a propósito da variável estatuto jurídico. Apesar <strong>de</strong> ser altamenteimprovável que a maioria das cidadãs brasileiras imigradas em Portugal se<strong>de</strong>dique à prática da prostituição, este universo é mais apelativo e, portanto,susceptível <strong>de</strong> chegar às pági<strong>na</strong>s dos jor<strong>na</strong>is. Há que consi<strong>de</strong>rar, noentanto, que 2003 foi um ano atípico no que diz respeito a acontecimentosligados à prostituição brasileira em Portugal, muito <strong>de</strong>vido ao abaixo-assi<strong>na</strong>dodo movimento das chamadas “Mães <strong>de</strong> Bragança” e ao facto <strong>de</strong>Bragança ter sido capa da edição europeia da revista Time, com o epíteto <strong>de</strong>“Europe’s New Red Light District”.O valor obtido pela modalida<strong>de</strong> serviços correspon<strong>de</strong>rá a uma tendênciaobservável em vários estudos sobre a empregabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cidadãos brasileirosem Portugal 72 . Apesar <strong>de</strong> se ter registado, nos últimos anos, umacerta inversão <strong>na</strong> tendência, no que diz respeito ao tipo <strong>de</strong> serviços realizados.As primeiras vagas <strong>de</strong> imigração brasileira vieram ocupar lugareson<strong>de</strong> se verificava uma carências <strong>de</strong> profissões portugueses, nomeadamenteao nível do marketing e da publicida<strong>de</strong>, dos seguros, da banca;actualmente, vemos uma maior taxa <strong>de</strong> empregabilida<strong>de</strong> noutro tipo <strong>de</strong>serviços, em particular nos sectores da hotelaria e restauração.6.3.2.6. Perso<strong>na</strong>lizaçãoPor perso<strong>na</strong>lização enten<strong>de</strong>-se o mapeamento dos actores que surgem <strong>na</strong>peça. Desta consi<strong>de</strong>ração excluem-se os imigrantes ou minorias étnicas, jáque estes se consi<strong>de</strong>raram como sendo os protagonistas. Po<strong>de</strong>r-se-ia,então, substituir com benefício a expressão “actores” pela expressão “figurantes”,não fosse a importância que estes frequentemente assumem no<strong>de</strong>senvolvimento da peça. As modalida<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>radas po<strong>de</strong>m encontrar-seno Quadro 17.72. Cf. p. ex., Baganha, 2001: 36.Clara Almeida Santos108


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Quadro 17código actores1 Estado2 Governo3 PP – Partido Popular4 PS – Partido Socialista5 PSD – Partido Social Democrata6 PCP – Partido Comunista Português7 BE – Bloco <strong>de</strong> Esquerda8 Partidos9 PSP – Polícia <strong>de</strong> Segurança Pública10 GNR – Guarda Nacio<strong>na</strong>l Republica<strong>na</strong>11 PJ – Polícia Judiciária12 Forças <strong>de</strong> Segurança13 Igrejas14 UE – União Europeia15 SEF – Serviço <strong>de</strong> Estrangeiros e Fronteiras16 ACIME – Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas17 IGT – Inspecção-Geral do Trabalho18 Sindicatos19 Embaixadas20 Associações <strong>de</strong> <strong>Imigrantes</strong>21 Skinheads22 SOS Racismo23 Autarquias24 Tribu<strong>na</strong>is25 ONG – Organizações Não Gover<strong>na</strong>mentais26 OutrosDe entre as modalida<strong>de</strong>s apresentadas para a variável, algumas não foram<strong>de</strong>tectadas em qualquer peça. São elas PP, PS, PSD, PCP, BE, ACIME,IGT, embaixadas, skinheads e SOS Racismo.Clara Almeida Santos109


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Como suce<strong>de</strong>u com a variável tema, também a variável actores foi <strong>de</strong>sdobrada,<strong>de</strong> modo a dar conta <strong>de</strong> um máximo <strong>de</strong> dois actores por peça.ActoresFrequênciaQuadro 18Percentagem<strong>na</strong>s peçasPercentagemnos actoresEstado 12 6,8 4,3Governo 25 14,1 9Partidos 3 1,7 1,1PSP 9 5,1 3,2GNR 35 19,8 12,5PJ 14 7,9 5Forças <strong>de</strong> segurança 17 9,6 6,1ACIME 3 1,7 1,1Igrejas 4 2,3 1,4EU 1 0,6 0,4SEF 56 31,6 20,1Sindicatos 2 1,1 0,7Assoc. <strong>Imigrantes</strong> 6 3,4 2,2Autarquias 5 2,8 1,8Tribu<strong>na</strong>is 19 10,7 6,8ONG 13 7,3 4,7Outros 55 31,1 19,7Total peças 177 100 100Total actores 279 100 100Observamos, neste âmbito, a prepon<strong>de</strong>rância das modalida<strong>de</strong>s SEF,governo, polícias (que agrupa PSP, GNR, PJ e forças <strong>de</strong> segurança) etribu<strong>na</strong>is. Fazendo ape<strong>na</strong>s o somatório daquilo a que se convencionouchamar polícias, obtemos um total <strong>de</strong> 75 peças, o que correspon<strong>de</strong> a 42,4por cento das peças em que são i<strong>de</strong>ntificados actores.Po<strong>de</strong>mos também observar, neste momento do trabalho, a forte presença<strong>de</strong> actores institucio<strong>na</strong>is, o que será reforçado pela sua presença também<strong>na</strong>s variáveis 20, 21 e 22, que correspon<strong>de</strong>m às vozes presentes <strong>na</strong>s peças.O elevado valor obtido <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> outros <strong>de</strong>ve-se a uma multiplicação <strong>de</strong>actores, não previsível no estudo exploratório prévio. Destacar-se-iam, numaeventual remo<strong>de</strong>lação das modalida<strong>de</strong>s incluídas nesta variável, algunsnovos actores, como especialistas (ou peritos), empresários e populares.Clara Almeida Santos110


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20036.3.2.7. Ida<strong>de</strong>A variável 23 diz respeito à ida<strong>de</strong> (quando ela é referida) das protagonistasdas peças. A construção das modalida<strong>de</strong>s foi feita segundo o Quadro 19.Quadro 19código Ida<strong>de</strong>1 Criança até 12 anos2 Adolescente (12 a 16 anos)3 Jovem adulto (17 a 22 anos)4 Adulto5 MistoSão ape<strong>na</strong>s 63 as peças em que po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar a ida<strong>de</strong> das protagonistas.Este valor correspon<strong>de</strong> a 30 por cento do total <strong>de</strong> peças. A únicamodalida<strong>de</strong> que não encontramos <strong>na</strong>s peças é criança até 12 anos.Gráfico 94039302016Ida<strong>de</strong>1017Adolescente (12-16)Jovem Adulto (17-22)AdultoMistoFrequênciaDe entre as peças em que a faixa etária é i<strong>de</strong>ntificável, encontramos 39peças correspon<strong>de</strong>ntes à modalida<strong>de</strong> Adulto, o que correspon<strong>de</strong> a 61,9por cento das peças em que a ida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser registada. Estes resultadosrelacio<strong>na</strong>m-se directamente com os resultados obtidos sobretudo <strong>na</strong>variável tema.Clara Almeida Santos111


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20036.3.2.8. GéneroA última variável enquadrável <strong>na</strong> categoria Conteúdo diz respeito ao género,da qual <strong>de</strong>mos conta <strong>na</strong> secção inicial <strong>de</strong>ste capítulo e que permitiu chegaràs conclusões relativas <strong>de</strong>sta primeira parte do trabalho empírico empreendido.6.3.3. Resultados e modalida<strong>de</strong>s referentes ao DiscursoNo que diz respeito às variáveis que se enquadram <strong>na</strong> categoria Discurso,vamos tentar encontrar algumas linhas que permitam antever, ainda que <strong>de</strong>forma quantitativa, uma certa abordagem da análise do conteúdo, sobretudono âmbito das variáveis enquadramento, tom e argumentação. É <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>importância realçar, porém, que este é o mais subjectivo dos três eixos <strong>de</strong>análise contemplados, uma vez que exige que o codificador realize um juízo,em certa medida, subjectivo, <strong>de</strong> alguma intencio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> (como a enten<strong>de</strong> e<strong>de</strong>fine Searle 73 ) do autor do texto a<strong>na</strong>lisado. Para as três variáveis referidas ésempre atribuído um valor. Este facto explica os valores muito elevados atingidospela modalida<strong>de</strong> outro, <strong>na</strong>s variáveis enquadramento e argumentação.6.3.3.1. EnquadramentoA variável 15 preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o enquadramento da peça, entendido como otipo <strong>de</strong> <strong>na</strong>rrativa domi<strong>na</strong>nte. As modalida<strong>de</strong>s encontram-se <strong>de</strong>finidas noQuadro 20.Quadro 20Já foram feitas algumas observações, ao longo <strong>de</strong>ste capítulo, acerca dosresultados obtidos nesta variável (patentes no Gráfico 10), sobretudo no quediz respeito ao seu cruzamento com a variável secção.73. Searle, John S. (1984).código enquadramento1 Alegórico2 Dramático3 Épico4 Irónico5 Moral6 Policial7 OutroClara Almeida Santos112


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 200375Gráfico 10845054Enquadramento25017259 9Frequência12AlegóricoDramáticoÉpicoIrónicoMoralPolicialOutroO valor mais elevado correspon<strong>de</strong> à modalida<strong>de</strong> policial, o que não é <strong>de</strong>estranhar dados os resultados obtidos <strong>na</strong>s variáveis tema e actores.6.3.3.2. TomO tom é a segunda variável relativa ao discurso, a<strong>na</strong>lisada com o número16. Preten<strong>de</strong> distinguir a existência <strong>de</strong> um modo positivo, negativo ouneutro <strong>na</strong>s práticas discursivas.Gráfico 1110010187755025022FrequênciaTomPositivoNegativoNeutroClara Almeida Santos113


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Verificamos que o tom neutro é o mais frequente <strong>na</strong>s peças a<strong>na</strong>lisadas, oque correspon<strong>de</strong>rá a práticas jor<strong>na</strong>lísticas consentâneas com os atributosda profissão. A imparcialida<strong>de</strong> e a objectivida<strong>de</strong> fazem parte do “ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong>encargos” inerente ao exercício da profissão <strong>de</strong> jor<strong>na</strong>lista, pelo que não é <strong>de</strong>estranhar este resultado.Mais estranheza po<strong>de</strong> causar a elevada percentagem <strong>de</strong> peças com tomnegativo – 41,4 por cento do total, correspon<strong>de</strong>ndo a 87 peças. Parcialmente,este valor po<strong>de</strong> ser explicado pela ocorrência dos tipos <strong>de</strong> peçaeditorial, opinião e comentário. Ainda assim, o somatório <strong>de</strong>stas modalida<strong>de</strong>sperfaz um total <strong>de</strong> 11 peças, muito aquém do número <strong>de</strong> peças emque <strong>de</strong>tectou um tom negativo. Este valor po<strong>de</strong> encontrar também explicaçãono facto <strong>de</strong> as temáticas exploração e crime terem valores tãoexpressivos como os que se po<strong>de</strong>m observar no Quadro 13.6.3.3.3. ArgumentaçãoA variável argumentação (17) i<strong>de</strong>ntifica o tipo <strong>de</strong> argumentação presenteem cada peça, enten<strong>de</strong>ndo o conceito como o resultado das motivaçõesexpressas pelo autor (no caso <strong>de</strong> peças em que seja expressa a opinião) ouque perpasse o texto <strong>de</strong> alguma forma que seja passível <strong>de</strong> reconhecimento.Distinguem-se, nesta variável, as seguintes modalida<strong>de</strong>s:códigoQuadro 21argumentação1 Demográfica2 Económica3 Política4 Religiosa5 Securitária6 Social7 OutraA argumentação é, porventura, a mais difícil variável <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar, uma vezque não é característica das peças jor<strong>na</strong>lísticas. Este facto explica o valorelevado obtido pela modalida<strong>de</strong> Outra, com 132 peças, correspon<strong>de</strong>ntes a62,9 por cento do total <strong>de</strong> peças. Se acrescentarmos o facto <strong>de</strong> a maiorClara Almeida Santos114


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003parte das peças se i<strong>de</strong>ntificarem como notícias e breves, <strong>de</strong> formatospequenos, mais se tor<strong>na</strong>rá evi<strong>de</strong>nte a dificulda<strong>de</strong> em enquadrar as peças<strong>na</strong>s modalida<strong>de</strong>s propostas, como po<strong>de</strong>mos observar no Gráfico 12.Gráfico 1212513210075502547 61051ArgumentaçãoEconómicaPolíticaReligiosaSecuritáriaSocialOutraFrequência6.3.3.4. VozesFi<strong>na</strong>lmente, a última variável que integra o eixo do Discurso e com que seconclui esta abordagem empírica, diz respeito às vozes (variáveis 20, 21 e22), patentes <strong>na</strong>s citações encontradas nos textos. São i<strong>de</strong>ntificados osautores das citações, consi<strong>de</strong>radas ape<strong>na</strong>s quando são feitas em discursodirecto, com marcas próprias e específicas, como é o caso da utilização<strong>de</strong> aspas.As modalida<strong>de</strong>s da variável encontram-se <strong>de</strong>finidas no Quadro 22. De entreelas, 21 não foram i<strong>de</strong>ntificadas <strong>na</strong>s peças protagonizadas por mulheresimigrantes. São elas: PP, PSD, PCP, BE, UE, IGT, embaixadas, skinheads,SOS Racismo, angolanos, árabes, cidadãos <strong>de</strong> países <strong>de</strong> leste, guineenses,indianos, magrebinos, moçambicanos, moldavos, PALOP, paquistaneses,S. tomenses e russos.Clara Almeida Santos115


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003código vozes1 Estado2 Governo3 PP4 PS5 PSD6 PCP7 BE8 Partidos9 Igrejas10 Tribu<strong>na</strong>is11 UE12 Forças <strong>de</strong> segurança13 SEF14 ACIME15 PSP16 GNR17 PJ18 IGT19 Sindicatos20 Embaixadas21 Associações <strong>de</strong> <strong>Imigrantes</strong>22 Skinheads23 SOS Racismo24 Autarquias25 ONG26 Africanos27 Angolanos28 Árabes29 Brasileiros30 Cabo-verdianos31 Chineses32 Cidadãos <strong>de</strong> Países <strong>de</strong> Leste33 Ciganos34 Guineenses35 Indianos36 Magrebinos37 Moçambicanos38 Moldavos39 PALOP40 Paquistaneses41 Russos42 São Tomenses43 Timorenses44 Ucranianos45 Islâmicos46 OutrosQuadro 22Clara Almeida Santos116


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Da análise dos resultados obtidos, patentes no Quadro 23, po<strong>de</strong>remosinferir, ainda que <strong>de</strong> forma imperfeita e incipiente, algumas das fontesque po<strong>de</strong>rão ter estado <strong>na</strong> base <strong>na</strong> elaboração das próprias peças.Quadro 23Vozes Frequência Percentagem <strong>na</strong>s peçasEstado 7 6,1Governo 14 12,3PS 1 0,9Partidos 3 2,6Igrejas 4 3,5Tribu<strong>na</strong>is 2 1,8Forças <strong>de</strong> segurança 4 3,5SEF 16 14PSP 3 2,6GNR 5 4,4PJ 6 5,3ACIME 1 0,9Sindicatos 1 0,9Assoc. <strong>Imigrantes</strong> 3 2,6Autarquias 5 4,4ONG 9 7,9Africanos 3 2,6Brasileiros 18 15,8Cabo-Verdianos 6 5,3Chineses 1 0,9Ciganos 3 2,6Timorenses 1 0,9Ucranianos 2 1,8Islâmicos 1 0,9Outros 33 28,9Total imigrantes 38 33,3Total polícias 34 29,8Total peças 114 100Po<strong>de</strong>mos constatar que ape<strong>na</strong>s 54,3 por cento das peças têm citações. Deentre as peças que apresentam autores <strong>de</strong> citações perfeitamente claros eClara Almeida Santos117


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003distintos, o peso dos das citações <strong>de</strong> imigrantes ou seus representantes33,3 por cento (que correspon<strong>de</strong>m a citações em 36 peças). De entre estes,<strong>de</strong>stacam-se as cidadãs brasileiras com 18 citações, ou seja, meta<strong>de</strong>das citações do total das citações feitas por imigrantes ou seus representantes.Por outro lado, observamos também o peso das instituições, como o SEF(presente em 16 peças) e o Governo (presente em 14 peças), no total <strong>de</strong> citaçõesrecenseadas. O total das polícias (agregando as modalida<strong>de</strong>s PSP,GNR, PJ e forças <strong>de</strong> segurança) obtém citações em 34 peças. O que correspon<strong>de</strong>a 29,8 por cento do total <strong>de</strong> peças com citações, valor que se aproximado que é atingido pelas imigrantes e seus representantes.Existe, portanto, alguma coincidência entre os resultados obtidos <strong>na</strong> variávelactores. No entanto, verifica-se que as fontes policiais, à excepção do SEF,não são ouvidas com frequência ou, pelos menos, não são citadas emdiscurso directo.Também o peso das vozes da modalida<strong>de</strong> brasileiros está em consonânciacom o valor obtido por esta <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> no cômputo das minorias i<strong>de</strong>ntificadas<strong>na</strong>s peças. No entanto, verifica-se uma discrepância numéricaentre as ocorrências <strong>de</strong> brasileiros enquanto minoria, i<strong>de</strong>ntificados em 78casos e ape<strong>na</strong>s escutados em 18, o que correspon<strong>de</strong> a 8,6 por cento do total<strong>de</strong> peças, que correspon<strong>de</strong> a 15,8 por cento do total <strong>de</strong> citações.Clara Almeida Santos118


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 20037. ALGUMAS CONCLUSÕESAo longo do último capítulo foram já sendo apresentadas algumas notasque po<strong>de</strong>rão ser tomadas como conclusões parciais do trabalho <strong>de</strong>senvolvido.Chega agora a altura <strong>de</strong> sistematizar essas i<strong>de</strong>ias, articulando-asmetodicamente com a investigação <strong>de</strong>senvolvida até este ponto.A análise que a partir <strong>de</strong> agora será feita adquire contornos distintosdaquela que foi apresentada anteriormente, já que terá uma índole bastantemais qualitativa e, portanto, subjectiva. Não será <strong>de</strong>mais realçar, porém, aimportância do <strong>de</strong>senvolvimento do estudo empírico, a única base passível<strong>de</strong> sustentar (e suscitar) os comentários que se seguem, em jeito <strong>de</strong>conclusão.As primeiras palavras <strong>de</strong>stas notas fi<strong>na</strong>is são, então, <strong>de</strong>dicadas à importânciada utilização <strong>de</strong> metodologias da área das ciências sociais, cientificamentelegitimadas, associando-as às especificida<strong>de</strong>s das ciências dacomunicação, mais concretamente ao estudo dos media. A tarefa apresentava-secomo árdua, sobretudo por ser a primeira experiência <strong>de</strong> manuseamento<strong>de</strong> tais instrumentos. Dados os primeiros passos e a<strong>na</strong>lisados osprimeiros resultados, rapidamente as vantagens se tor<strong>na</strong>ram visíveis, o que<strong>de</strong>u alento para a continuação do trabalho.Ao nível da pesquisa teórica necessária para a construção <strong>de</strong> alicercessólidos inerente a investigações <strong>de</strong>ste tipo, foram também sendo feitasvárias <strong>de</strong>scobertas, já que a principal área <strong>de</strong> pesquisa se situa no âmbitoda Sociologia, tanto no caso do estudo das migrações como no caso dosestudos <strong>de</strong> género, mais especificamente, os estudos sobre a mulher.Tratou-se, pois, <strong>de</strong> uma incursão num território fasci<strong>na</strong>nte e que se situa,afi<strong>na</strong>l, bastante próximo dos domínios em que realizei a minha formaçãoacadémica.Na realida<strong>de</strong>, e ao nível dos estudos sobre os media, será impossíveldistinguir fronteiras precisas entre ciências da comunicação e sociologia, anão ser que se trate <strong>de</strong> uma análise puramente no domínio da abstracção.As implicações recíprocas são <strong>de</strong>masiadas e dotadas <strong>de</strong> tamanha força quese tor<strong>na</strong>m difíceis <strong>de</strong> negligenciar. Os media são, por um lado, parte dasocieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sempenhando um papel fundamental entre os <strong>de</strong>mais actoressociais, tor<strong>na</strong>do-se, por isso, objectos incontornáveis do estudo da socieda<strong>de</strong><strong>na</strong>s várias dimensões <strong>de</strong> que se po<strong>de</strong>m revestir os estudos. Por outrolado, as ciências da comunicação não se po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>mitir do facto <strong>de</strong> seremo campo privilegiado do estudo das relações que se estabelecem no âmbitodos media, entre os clássicos elementos que compõem a comunicação –Clara Almeida Santos119


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003emissor, <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>tário, mensagem, contexto, ca<strong>na</strong>l – que não <strong>de</strong>vem (paranão dizer que não po<strong>de</strong>m) ser <strong>de</strong>sligados dos contextos sociais mais latosem que operam.Em suma, revelou-se <strong>de</strong> uma riqueza incomensurável a tentativa <strong>de</strong> construiralgumas pontes entre Ciências da Comunicação e alguns elementosda Sociologia, apesar do carácter exploratório <strong>de</strong>sta experiência.7.1. ESPECIFICIDADES DA AMOSTRA7.1.1. O ano <strong>de</strong> 2003Não seria possível avançar <strong>na</strong>s conclusões sem fazer referência ao carácterabsolutamente único do ano <strong>de</strong> 2003. Escolhido como base <strong>de</strong> trabalho porquestões quase aleatórias que se pren<strong>de</strong>m com a existência <strong>de</strong> um projectomais lato cujo objectivo é mapear as notícias sobre imigração em algunsórgãos <strong>de</strong> comunicação social portugueses e com a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>realizar, em simultâneo, a dissertação <strong>de</strong> mestrado, 2003 acabou por serevelar um ano com características que o tor<strong>na</strong>ram especial ao nível dasnotícias sobre imigração. Des<strong>de</strong> logo com a realização, em Janeiro, daPresidência Aberta <strong>de</strong>dicada, precisamente, ao tema, o que fez com que se<strong>de</strong>sse uma explosão <strong>de</strong> peças jor<strong>na</strong>lísticas associadas ao “pseudo-acontecimento”,para utilizar a terminologia <strong>de</strong> Daniel Boorstin. Foi também o anoem ocorreu um novo período <strong>de</strong> legalização extraordinária. O facto <strong>de</strong> serestringir exclusivamente a cidadãos brasileiros acen<strong>de</strong>u o rastilho dapolémica e encheu um número consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> pági<strong>na</strong>s <strong>de</strong> jor<strong>na</strong>is. Em 2003realizou-se também o I Congresso da Imigração em Portugal, por iniciativa<strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong> oficial – o ACIME – além <strong>de</strong> muitos outros eventos relacio<strong>na</strong>doscom a integração dos imigrados no país. Fi<strong>na</strong>lmente, não po<strong>de</strong>ríamos<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> referir o motivo que levou Portugal à capa da revistaTime, a prostituição brasileira em Bragança transformada em escândalointer<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.A questão da agenda dos media tor<strong>na</strong>-se ainda mais pertinente se atentarmosao facto <strong>de</strong> 2003 ter sido um ano cheio <strong>de</strong> acontecimentos extremamentemediáticos, à escala <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, como sejam ocaso Casa Pia, a crise económica com todas as suas consequências sociaise políticas, a guerra no Iraque ou até a preparação do Euro2004.Daí que o volume <strong>de</strong> notícias encontrado em 2003 sobre imigração adquiraainda mais expressivida<strong>de</strong>, sendo possível, inclusivamente, consi<strong>de</strong>rar queo macro-tema da imigração e dos imigrantes adquiriu um lugar cativoClara Almeida Santos120


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003nos media. Prova disso é também a existência <strong>de</strong> notícias fora do âmbitodas roti<strong>na</strong>s <strong>de</strong> agenda, sobretudo ao nível da dimensão da diferençacultural, procurada, por exemplo, no caso das notícias sobre a mutilaçãogenital femini<strong>na</strong> em Portugal ou as práticas dos imigrantes das maisvariadas proveniências em alturas festivas, como o Natal. É também provada conquista <strong>de</strong>ste “lugar cativo” a existência já bastante acentuada <strong>de</strong>jor<strong>na</strong>listas especializados nos temas da imigração, que se nota sobretudonos jor<strong>na</strong>is <strong>de</strong> referência.7.1.2. A forma das notíciasAs peças sobre mulheres imigrantes, apesar <strong>de</strong> serem em menor númerodo que as que dizem respeito a homens imigrantes, surgem já em quantida<strong>de</strong>bastante avultada. Em alguns jor<strong>na</strong>is, como vimos, sobretudo emalguns que são consi<strong>de</strong>rados como sendo <strong>de</strong> referência, estas peças jor<strong>na</strong>lísticassurgem inclusivamente em maior número. Apesar <strong>de</strong> não existiremestudos que nos permitam traçar comparações com situaçõesanteriores, arriscaríamos concluir que se trata <strong>de</strong> um fenómeno relativamenterecente em Portugal e que correspon<strong>de</strong>rá a uma realida<strong>de</strong> global –a da feminização da imigração. Recordando o que ficou escrito acerca darelativa invisibilida<strong>de</strong> das mulheres imigrantes num contexto social global,po<strong>de</strong>remos talvez inferir que talvez estejamos, pelo menos ao nível daamostra estudada, <strong>na</strong> presença <strong>de</strong> uma inflexão da tendência. Os resultadosobtidos po<strong>de</strong>rão, no entanto, ser consequência <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> conjugaçõesmuito específicas ou resultar numa imagem das mulheres imigrantesque não serva para lançar luz sobre elas, antes fazer com que permaneçamnuma espécie <strong>de</strong> obscurida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> tor<strong>na</strong>r efectivamente invisíveisdiversos factores que não são objecto <strong>de</strong> representação mediática. Quandoas mulheres imigrantes são chamadas à primeira pági<strong>na</strong> <strong>de</strong> um jor<strong>na</strong>l – oque aconteceu 12 vezes nos jor<strong>na</strong>is a<strong>na</strong>lisados, durante um ano – issoacontece, maioritariamente, pelos piores motivos: o tema é, directa ouindirectamente, a prostituição, em 11 <strong>de</strong>sses casos.Atentando à crueza dos números mais significativos, po<strong>de</strong>remos dizerque as peças sobre mulheres imigrantes são, essencialmente, muitocurtas, enquadráveis como breves ou peque<strong>na</strong>s notícias, e que surgemsobretudo <strong>na</strong> secção Socieda<strong>de</strong>. Ainda assim, não po<strong>de</strong>remos negligenciaro número apreciável <strong>de</strong> reportagens, <strong>de</strong>monstrando um jor<strong>na</strong>lismo <strong>de</strong>maior fôlego relacio<strong>na</strong>do com um interesse crescente por um assuntocom importância também ela crescente. No entanto, como veremos mais àfrente, este protagonismo não trará consequências positivas para a afirmaçãoda imagem da mulher imigrantes em Portugal.Clara Almeida Santos121


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003De assi<strong>na</strong>lar ainda, como já fizemos no capítulo <strong>de</strong>dicado à apresentaçãodos resultados do estudo empírico, a recorrência do aparecimento do tipo<strong>de</strong> peça i<strong>de</strong>ntificado como caixa. Foi referido que estes casos reflectemcomo mulher imigrante serve frequentemente como ilustração <strong>de</strong> umtema mais abrangente que diz respeito à imigração em geral. Temos,nestes casos, o acabado exemplo <strong>de</strong> como as “estórias” que têm comoprotagonistas mulheres são secundarizadas, como uma espécie <strong>de</strong> bónusou <strong>de</strong> a<strong>de</strong>reço ao relato principal. Ou seja, a mulher imigrantes vista comoa minoria da minoria, a manifestação da diferença <strong>de</strong>ntro da diferença.Ainda em relação à forma das peças, realce-se que praticamente meta<strong>de</strong><strong>de</strong>las são dotadas <strong>de</strong> fotografia, o que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser interessante dada asua brevida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>remos, então, afirmar que a imagem da mulherimigrante em sentido figurado se vê reforçada pela imagem em sentidoliteral. Um estudo cuidado <strong>de</strong>stes “retratos” po<strong>de</strong>r-nos-ia ajudar a complementareste estudo, abordado as questões que se pren<strong>de</strong>m com a semióticada imagem e com as significações explícitas e implícitas. Por agora econtrariando a eventualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformar este trabalho numa materializaçãodo mito <strong>de</strong> Sísifo, fica ape<strong>na</strong>s esta nota como eventual pista para aprossecução <strong>de</strong> estudos <strong>na</strong> área.7.2. NOTAS RELATIVAS AOS RESULTADOS7.2.1. O conteúdo das notíciasA principal conclusão, porque eventualmente mais surpreen<strong>de</strong>nte e esmagadora,a retirar em relação ao conteúdo é a prepon<strong>de</strong>rância do tema daprostituição. Cruzando os dados relativos ao tema com os resultadosobtidos <strong>na</strong> variável que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> as minorias representadas, po<strong>de</strong>remosconcluir que a prostituição frequentemente tem uma <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>: abrasileira. Associando esta realida<strong>de</strong> ao estatuto jurídico mais frequente <strong>na</strong>simigrantes retratadas pela imprensa portuguesa, chegamos à conclusãoque que, maioritariamente, a imagem que passa das imigrantes que escolhemPortugal como <strong>de</strong>stino é a <strong>de</strong> mulheres brasileiras clan<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>s eimplicadas em re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> prostituição. Este retrato, além <strong>de</strong> se encontrarpatente <strong>na</strong> prostituição enquanto tema, é corroborado pela frequente ocorrênciados temas clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>, crime e exploração. Também é frequentea i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> várias <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s em simultâneo, contribuindo parauma imagem difusa e margi<strong>na</strong>l das mulheres imigrantes em Portugal.Esta imagem correspon<strong>de</strong>, em gran<strong>de</strong> medida, ao que foi dito no capítulo VI.O estereótipo da mulher imigrantes encaixa perfeitamente <strong>na</strong> imagem queClara Almeida Santos122


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003os jor<strong>na</strong>is portugueses transmitem e estas peça, por sua vez, contribuempara a perpetuação <strong>de</strong>sse mesmo estereótipo. Deparamo-nos, pois, com aimagem da mulher imigrante conotada com o exotismo associado ao <strong>de</strong>sejosexual. Simultaneamente, a questão da cidadania <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> estar em causa,uma vez que as mulheres retratadas são absolutamente margi<strong>na</strong>is, querpela activida<strong>de</strong> que praticam, quer pela sua própria condição perante osistema jurídico do país. A mulher imigrante é, assim, reduzida à maiselementar caricatura <strong>de</strong> si mesma.Raras vezes são feitas tentativas para <strong>de</strong>smontar esse pré-conceito noâmbito dos media a<strong>na</strong>lisados. Isso correspon<strong>de</strong>ria a tratar a notícia comouma problemática e não como um mero acontecimento, o que acontececom pouca frequência. Esta opção é frequentemente justificada com osconstrangimentos a que os jor<strong>na</strong>listas estão sujeitos no exercício da suaprofissão. Fazer o contrário, no entanto, seria i<strong>de</strong>ntificado como sendo amaterialização das celebradas “boas práticas” jor<strong>na</strong>lísticas. As únicasexcepções dig<strong>na</strong>s <strong>de</strong> registo correspon<strong>de</strong>m à contextualização das peças noâmbito <strong>de</strong> esquemas <strong>de</strong> tráfico e exploração <strong>de</strong> seres humanos e, em umapouquíssimas ocasiões, a procura da causa das coisas.Relativamente à imagem da inserção das mulheres imigrantes no mercadolaboral português, verificamos duas realida<strong>de</strong>s contraditórias <strong>na</strong>s peçasa<strong>na</strong>lisadas. Por um lado, e como <strong>de</strong>corre do exposto, as ocupações maisreferidas são as que são classificadas como “não-qualificadas”, modalida<strong>de</strong><strong>na</strong>s quais se insere a prostituição. Dentro <strong>de</strong>sta modalida<strong>de</strong> cabem ainda ostrabalhos que, <strong>de</strong> acordo com os dados referidos no capítulo VI, maisocupam as mulheres imigrantes, nomeadamente a prestação <strong>de</strong> serviçosdomésticos. O gran<strong>de</strong> volume <strong>de</strong> ocorrências <strong>de</strong> profissões não-qualificadaspo<strong>de</strong> ser entendido à luz da realida<strong>de</strong> laboral <strong>de</strong> muitas mulheresimigrantes – a da inserção <strong>na</strong> economia informal ou paralela. Seria bastanteútil que existisse essa diferenciação no âmbito do estudo empírico realizadoe essa constitui uma fraqueza do trabalho, já que a construção das variáveisobe<strong>de</strong>ceu a uma lógica mais vocacio<strong>na</strong>da para as profissões tipicamente“masculi<strong>na</strong>s”. Esta realida<strong>de</strong> é prova cabal <strong>de</strong> que, mesmo nos trabalhos <strong>de</strong>investigação científica, subsiste a tendência <strong>de</strong> esboçar os procedimentosà imagem da realida<strong>de</strong> gramscia<strong>na</strong>mente hegemónica masculi<strong>na</strong>.Por outro lado, encontramos, com alguma representativida<strong>de</strong>, o tematrabalho (sempre consi<strong>de</strong>rado in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do tema prostituição).Este facto <strong>de</strong>monstra que a importância das mulheres imigrantes nomercado <strong>de</strong> trabalho já encontra algum paralelo <strong>na</strong>s representações mediáticas.Clara Almeida Santos123


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003Ainda no âmbito dos resultados obtidos <strong>na</strong> variável tema, convém <strong>de</strong>stacaruma nota positiva para a existência <strong>de</strong> um número já consi<strong>de</strong>rável (aindaque muito longe dos valores obtidos para a prostituição) <strong>de</strong> peças que têmcomo tema a integração, o que po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>notar a intenção <strong>de</strong> contrabalançara quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> peças com um pendor nitidamente negativo e doqual resultam quase inevitavelmente interpretações pejorativas da imagemdas mulheres imigrantes apresentada. Também os temas religião e culturaencontram alguma expressivida<strong>de</strong>, o que po<strong>de</strong> dar enten<strong>de</strong>r uma certaprocura, por parte dos jor<strong>na</strong>listas, da explicação, ou pelo menos da<strong>de</strong>scrição do diferente, do Outro, duplamente encar<strong>na</strong>do pela imigraçãofemini<strong>na</strong>.É nítida a ausência <strong>de</strong> notícias acerca da realida<strong>de</strong> porventura mais i<strong>de</strong>ntificadano âmbito dos estudos sobre as especificida<strong>de</strong>s laborais inerentes àimigração femini<strong>na</strong>. Falamos da relação entre a realida<strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l dasmulheres autóctones e a forma como as mulheres imigrantes as substituemnos lares, junto das crianças e dos idosos, provi<strong>de</strong>nciado a perpetuaçãodo papel tradicio<strong>na</strong>l da mulher, com uma transferência <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> para as imigrantes. Po<strong>de</strong>mos relacio<strong>na</strong>r esta inexistência <strong>de</strong>notícias com o facto <strong>de</strong>, como já foi várias vezes referido, os jor<strong>na</strong>is nãodarem priorida<strong>de</strong> ao tratamento <strong>de</strong> problemáticas. O valor-notícia <strong>de</strong> peçasque <strong>de</strong>ssem conta <strong>de</strong>sta realida<strong>de</strong> será, porventura, reduzido, além <strong>de</strong> aabordagem ser mais própria <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> investigação académica do quepropriamente <strong>de</strong> peças jor<strong>na</strong>lísticas. A todos estes factores acresce a dificulda<strong>de</strong>em obter números que sustentem <strong>na</strong>rrativas sobre este assunto, jáque, não raras vezes, as situações <strong>de</strong> trabalho doméstico não se encontramnos registos oficiais, ape<strong>na</strong>s po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>duzidas a partir da observação darealida<strong>de</strong>.7.2.2. O discurso das notíciasPo<strong>de</strong>mos mais uma vez afirmar, observando as variáveis que dão conta dascaracterísticas do discurso patente <strong>na</strong>s peças a<strong>na</strong>lisadas, que a imagemdas mulheres imigrantes se encontra, em larga escala, conotada com ai<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> margi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>. Prova disso é a avultada quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> peças quetêm como enquadramento a <strong>na</strong>rrativa policial. Associada a esta constatação,encontramos um gran<strong>de</strong> volume <strong>de</strong> peças on<strong>de</strong> foi i<strong>de</strong>ntificado umtom negativo (apesar <strong>de</strong> <strong>na</strong> maioria das peças se reconhecer a presença <strong>de</strong>um tom neutro, o que remete, <strong>de</strong> alguma maneira, novamente para aquestão das boas práticas e da reivindicada objectivida<strong>de</strong> jor<strong>na</strong>lística, que<strong>de</strong>termi<strong>na</strong> que o jor<strong>na</strong>lista <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>monstrar uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong>,imparcialida<strong>de</strong> e rigor no exercício da sua activida<strong>de</strong>.Clara Almeida Santos124


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003A análise do discurso das peças noticiosas recolhidas é ape<strong>na</strong>s feito numregisto quantitativo, pelo que as conclusões a retirar não serão muito avultadas.Seria necessário utilizar técnicas específicas da análise do discursopara cada um dos textos para chegar a resultados mais interessantes,ainda que pu<strong>de</strong>ssem ser apelidados <strong>de</strong> subjectivos. Isso seria, <strong>na</strong>turalmente,matéria para outro trabalho, e não temos a veleida<strong>de</strong> <strong>de</strong> começarsequer a esboçar uma tentativa <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> discurso mais profunda.No entanto, e para fi<strong>na</strong>lizar esta secção, e por se enten<strong>de</strong>r que tambémrevela do domínio do discurso das notícias, eis um resultado estatístico quenão foi apresentado no estudo empírico. Das 210 notícias a<strong>na</strong>lisadas,ape<strong>na</strong>s 83 são assi<strong>na</strong>das, o que representa uma percentagem <strong>de</strong> 39,5 porcento do total <strong>de</strong> notícias. Das que são assi<strong>na</strong>das, 66 são da autoria <strong>de</strong>jor<strong>na</strong>listas do sexo feminino, ou seja, 79,5 por cento do total <strong>de</strong> peças cujaautoria é expressa (e não estamos a contar com as peças atribuídas àLusa – em número <strong>de</strong> três – e com peças assi<strong>na</strong>das com iniciais não atribuíveisa um(a) jor<strong>na</strong>lista concreto(a). Atentando <strong>na</strong> bibliografia que esteve<strong>na</strong> base da elaboração do presente trabalho, verificamos também que agran<strong>de</strong> maioria dos autores – sobretudo no que diz respeito às obras cujofoco inci<strong>de</strong> <strong>na</strong>s questões <strong>de</strong> género, mais especificamente, nos estudossobre a mulher – são, <strong>na</strong> realida<strong>de</strong>, autoras.Será que po<strong>de</strong>remos concluir que os temas relacio<strong>na</strong>dos com o génerofeminino são do particular interesse das mulheres, jor<strong>na</strong>listas e investigadoras?No que diz respeito às investigadoras que dão nome às obrascitadas, talvez seja mais visível e compreensível esse fenómeno. Já noque diz respeito às notícias, seria necessário avaliar a percentagem <strong>de</strong>mulheres que trabalham <strong>na</strong>s redacções dos jor<strong>na</strong>is a<strong>na</strong>lisados para tentarchegar a uma conclusão cabal. No entanto, po<strong>de</strong>remos adiantar que gran<strong>de</strong>parte dos discursos – no que diz respeito à imprensa e tendo em conta aamostra a<strong>na</strong>lisada – e sobretudo dos meta-discursos sobre as mulheresestão a ser produzidos por outras mulheres. Este trabalho é, aliás, maisuma prova disso mesmo.Clara Almeida Santos125


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IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003ANEXO – Variáveis utilizadas <strong>na</strong> análise das peças jor<strong>na</strong>lísticasVariáveis referentes à Forma• var1 (ID): on<strong>de</strong> se atribui o número à peça;• var 2 (Jor<strong>na</strong>l): discrimi<strong>na</strong> o jor<strong>na</strong>l on<strong>de</strong> foi publicado a peça;• var 3 (Autor): i<strong>de</strong>ntifica o autor ou autores (num máximo <strong>de</strong> dois) da peçaem causa;• var 4 (Dia/Mês/Ano): atribui uma data à peça registada;• var 5 (Dia sema<strong>na</strong>): i<strong>de</strong>ntifica se o dia em que foi publicada a peçacorrespon<strong>de</strong> a um dia <strong>de</strong> sema<strong>na</strong> ou a fim-<strong>de</strong>-sema<strong>na</strong>;• var 6 (Espaço): preten<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar, em parágrafos ou pági<strong>na</strong>s, o espaçoocupado no jor<strong>na</strong>l pela peça em causa 74 ;• var 7 (Secção): procura i<strong>de</strong>ntificar, <strong>de</strong>ntro do jor<strong>na</strong>l, o lugar on<strong>de</strong> surgea peça, a sua proeminência;• var 8 (Tipo <strong>de</strong> peça): caracteriza o género <strong>de</strong> artigo;• var 25 (Fotografia): discrimi<strong>na</strong> a existência e o tipo <strong>de</strong> fotografia ougráfico presente <strong>na</strong> peça.Variáveis referentes ao Conteúdo• var 9 (Local geográfico): localiza geograficamente o âmbito ou o local daacção;• var 10 (Objecto1): i<strong>de</strong>ntifica a situação jurídica do imigrante referido <strong>na</strong>peça 75 ;• var 11 (Objecto2): i<strong>de</strong>ntifica a <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> do imigrante ou a etnia referida 76 ;• var 12 (Temas): atribui o tema principal à peça;• var 13 (Temas): atribui um tema secundário à peça;74. Optou-se pela contagem <strong>de</strong> parágrafos como aferição do espaço ocupado no jor<strong>na</strong>l, talcomo foi proposto por Max Weber, em 1910, no primeiro Congresso da socieda<strong>de</strong> Alemã <strong>de</strong>Sociologia ao reivindicar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma “sociologia do sector dos jor<strong>na</strong>is”.Cf. Kunczik, M., 1997, Conceitos <strong>de</strong> Jor<strong>na</strong>lismo, São Paulo: Edusp: 19-21.75. A classificação da situação jurídica utilizada foi fornecida pelo ACIME.76. As <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s que constituem as modalida<strong>de</strong>s da variável são as mais referidaspelo SEF.Clara Almeida Santos134


IMAGENS DE MULHERES IMIGRANTES NA IMPRENSA PORTUGUESA – Análise do ano 2003• var 14 (Ocupação): i<strong>de</strong>ntifica o tipo <strong>de</strong> trabalho exercido pelo imigrante ouindivíduo que integre uma minoria;• var 18 (Perso<strong>na</strong>lização): i<strong>de</strong>ntifica o actor mais focado ou nomeado <strong>na</strong>peça 77 ;• var 19 (Perso<strong>na</strong>lização): i<strong>de</strong>ntifica um segundo actor mais focado ounomeado <strong>na</strong> peça;• var 23 (Ida<strong>de</strong>): i<strong>de</strong>ntifica e regista a faixa etária que é tratada <strong>na</strong> peça;• var 24 (Género): i<strong>de</strong>ntifica e regista o género que é tratado <strong>na</strong> peça.Variáveis referentes ao Discurso• var 15 (Enquadramento): caracteriza o tipo <strong>de</strong> <strong>na</strong>rrativa, domi<strong>na</strong>nte,utilizado <strong>na</strong> peça 78 ;• var 16 (Tom): atribui à peça um tom domi<strong>na</strong>nte;• var 17 (Argumentação): i<strong>de</strong>ntifica o tipo <strong>de</strong> argumentação domi<strong>na</strong>nte <strong>na</strong>peça;• var 20 (Vozes): regista o autor da citação mais focada;• var 21 (Vozes): regista o autor da citação secundária mais focada;• var 22 (Vozes): regista o autor da citação, em terceiro lugar, mais focada.77. Perso<strong>na</strong>lização foi utilizada <strong>na</strong> perspectiva sociológica weberia<strong>na</strong>, em que actor socialsão os indivíduos ou grupos que realizam uma acção, não <strong>de</strong> forma mecânica ou reactiva,mas <strong>de</strong> modo significativa segundo <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos comportamentos e valores. Cf. Weber,M., 1997, Conceitos sociológicos fundamentais, Lisboa: Ed. 70.78. Esta categoria fundamenta-se nos seguintes trabalhos: Weaver, P. H., As notícias <strong>de</strong>jor<strong>na</strong>l e as notícias <strong>de</strong> televisão in Traqui<strong>na</strong>, N., 1993, Jor<strong>na</strong>lismo: questões, teorias e“estórias”, Lisboa: Vega: 294-305; os trabalhos sobre campanhas políticas atribuem aojor<strong>na</strong>lista a <strong>de</strong>finição do tom da história. Cf., e.g., De Vreese, C. H. De, 2001, Election Coverage:New Directions for Public Broadcasting: The Netherlands and Beyond,European Jour<strong>na</strong>l of Communication, vol. 16 (2): 155-180.Clara Almeida Santos135

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