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Discurso de Homenagem Póstuma ao Acad. Gerson Cotta - Pereira ...

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Sessão Solene <strong>de</strong> <strong>Homenagem</strong> Póstuma <strong>ao</strong><strong>Acad</strong>êmico Gérson <strong>Cotta</strong> <strong>Pereira</strong>Titular da Ca<strong>de</strong>ira 87 (Patrono João Baptista <strong>de</strong> Lacerda)Aca<strong>de</strong>mia Nacional <strong>de</strong> Medicina18 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 2010Excelentíssimo <strong>Acad</strong>êmico Prof. Pietro Novelino, D.D. Presi<strong>de</strong>nte da Aca<strong>de</strong>miaNacional <strong>de</strong> Medicina;Excelentíssimas Autorida<strong>de</strong>s que compõem a Mesa Diretora <strong>de</strong>sta Sessão;<strong>Acad</strong>êmicas e <strong>Acad</strong>êmicos aqui presentes;Ilustríssimos Familiares e Amigos do <strong>Acad</strong>êmico Titular Gérson <strong>Cotta</strong> <strong>Pereira</strong>;Ilustres Senhoras e Senhores que vieram partilhar conosco este momento:Hoje a Aca<strong>de</strong>mia Nacional <strong>de</strong> Medicina se reúne solenemente paracelebrar a vida do <strong>Acad</strong>êmico Gérson <strong>Cotta</strong> <strong>Pereira</strong>, cuja ausência setransforma em perene presença, pois a amiza<strong>de</strong> é mais viva que oesquecimento. A razão para esta celebração é a certeza <strong>de</strong> que “a memóriaalimenta a cultura <strong>de</strong> um povo, nutre a esperança e torna humano o serhumano”, como tão bem disse o gran<strong>de</strong> pensador Eliezer Wiesel, Prêmio Nobelda Paz <strong>de</strong> 1986.O <strong>Acad</strong>êmico <strong>Cotta</strong> <strong>Pereira</strong> nasceu em Niterói <strong>ao</strong>s 18 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong>1942. Seus pais, o <strong>de</strong>senhista Domingos dos Santos <strong>Pereira</strong> e a professoraDionysia <strong>Cotta</strong> <strong>Pereira</strong>, lhe <strong>de</strong>ram esmerada educação, sendo que <strong>de</strong> seu paiherdou o dom artístico que utilizou com mestria e beleza em suas memoráveisaulas <strong>de</strong> embriologia.Fez o curso Ginasial e Científico no Colégio Estadual do Liceu NiloPeçanha, em Niterói, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolveu várias ativida<strong>de</strong>s paralelas, tais comoa <strong>de</strong> organizar a biblioteca e <strong>de</strong> preparar peças taxidérmicas para o museu <strong>de</strong>História Natural. Seu envolvimento extracurricular era tão gran<strong>de</strong> que mereceudo Diretor da Instituição a autorização para ter acesso às suas <strong>de</strong>pendências aqualquer hora do dia. Foi nesse Colégio que seu <strong>de</strong>u o encontro que marcousua vida, pois aí conheceu Eliana, futura esposa e mãe <strong>de</strong> seus filhos.1


Em 1962 ingressou na Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Medicina, tendo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oinício do curso se aproximado do Prof. Francisco Bruno Lobo, que foi seuprimeiro e gran<strong>de</strong> mestre <strong>de</strong> histologia e embriologia. Ainda estudante, oProfessor Bruno reconheceu seus excepcionais dotes didáticos, razão pelaqual o encarregou <strong>de</strong> ministrar aulas não só para os alunos <strong>de</strong> graduação daFaculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Medicina, como em outras Universida<strong>de</strong>s do País,como a <strong>de</strong> Brasília, em fase <strong>de</strong> instalação. Suas habilida<strong>de</strong>s, amplamentereconhecidas por seus professores, fizeram com que, <strong>ao</strong> concluir o cursomédico, fosse imediatamente contratado como assistente do Departamento <strong>de</strong>Embriologia e Histologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da UFRJ, on<strong>de</strong>rapidamente obteve o Doutorado em Medicina em 1970, mesmo ano em quetambém obteve o título <strong>de</strong> Professor Livre Docente pelo Instituto <strong>de</strong> CiênciasBiomédicas da mesma Universida<strong>de</strong>.O <strong>Acad</strong>êmico <strong>Gerson</strong> <strong>Cotta</strong> <strong>Pereira</strong> foi <strong>ao</strong> longo <strong>de</strong> toda sua vidaprofessor <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> talento e apaixonado pelo ensino. Com giz e quadro negroera capaz <strong>de</strong> apresentar com tal vivacida<strong>de</strong>, clareza e naturalida<strong>de</strong> o<strong>de</strong>senvolvimento embriológico, que os ouvintes como que eram testemunhasoculares <strong>de</strong>sses fenômenos biológicos. Por essa razão, creio que entre todosos seus muitos títulos, o que melhor o <strong>de</strong>screva seja o <strong>de</strong> Professor.Incentivado pelo Professor Carlos Chagas Filho, que percebeu suacapacida<strong>de</strong> científica, realizou inicialmente o pós-doutorado em BiologiaCelular e Microscopia Eletrônica no Instituto Gulbenkian <strong>de</strong> Ciência, em Oeiras,Portugal, entre 1972 e 1973. Após esse período, permaneceu ligado a essaInstituição como Investigador Visitante entre 1975 e 1992, e como ProfessorCatedrático Visitante do Instituto <strong>de</strong> Histologia e Embriologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>Medicina da Universida<strong>de</strong> do Porto entre 1987 e 1992. Esses convites, querepresentam o quanto era estimado e respeitado nessas importantesInstituições Científicas, permitiram que estabelecesse uma colaboraçãocontinuada e duradoura com seus colegas portugueses.Posteriormente realizou mais três estágios <strong>de</strong> longa duração no exterior,como Visiting Scientist, primeiro no Departamento <strong>de</strong> Patologia e Bioquímicada Escola <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Washington, em Seattle, USA, entre2


1978 e 1979, <strong>de</strong>pois no Departamento <strong>de</strong> Bioquímica da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>Medicina <strong>de</strong> Creteil, da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paris, em 1983, e finalmente, em1988, no Departamento <strong>de</strong> Microbiologia da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Maryland, USA.Permaneceu como Sua excepcional trajetória profissional o levou a conquistaratravés <strong>de</strong> concursos públicos os cargos <strong>de</strong> Professor Titular <strong>de</strong> Histologia eEmbriologia da UERJ e da UFRJ. Na UERJ foi Sub-Reitor <strong>de</strong> Pós-Graduação ePesquisa e na UFRJ foi Diretor Adjunto <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Pós-Graduação.Ponto importante <strong>de</strong> sua carreira foi a eleição para esta Aca<strong>de</strong>miaNacional <strong>de</strong> Medicina, ocorrida <strong>ao</strong>s três <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1991, tendo tomadoposse da Ca<strong>de</strong>ira no. 87, cujo Patrono é João Batista <strong>de</strong> Lacerda, <strong>ao</strong>s 7 <strong>de</strong>abril <strong>de</strong> 1992. Foi Primeiro Secretário <strong>de</strong>sta Casa na Diretoria presidida pelo<strong>Acad</strong>êmico Pietro Novellino, que serviu no biênio <strong>de</strong> 2003 a 2005.Como expressão do reconhecimento <strong>de</strong> seus pares, <strong>Gerson</strong> foi membrotitular não só <strong>de</strong>sta Aca<strong>de</strong>mia Nacional <strong>de</strong> Medicina, como também daAca<strong>de</strong>mia Fluminense <strong>de</strong> Medicina, da Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Medicina do Rio <strong>de</strong>Janeiro, da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Medicina Militar e da Aca<strong>de</strong>mia Latino-Americana <strong>de</strong> Nutrologia. Também foi Membro Honorário da Aca<strong>de</strong>miaAmazonense <strong>de</strong> Medicina.Já aposentado, sua inesgotável energia o levou a assumir a chefia da 3ª.Enfermaria da Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia do Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> estabeleceuem 1995 o Serviço <strong>de</strong> Imunoquímica e Histoquímica.Em muitos outros importantes cargos e funções o Professor <strong>Cotta</strong><strong>Pereira</strong> <strong>de</strong>u sua contribuição, sempre com uma quase que obstinada <strong>de</strong>dicação<strong>ao</strong> ensino e à pesquisa, espelhada tanto no gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> publicaçõescientíficas como na pletora <strong>de</strong> mestres e doutores por ele formados.Como cidadão, sua contribuição social foi reconhecida através dasmuitas honrarias e prêmios que recebeu, <strong>de</strong>ntre os quais salientaria asInsígnias da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Santiago da Espada, oferecida pelo governo português;a Medalha Tira<strong>de</strong>ntes, oferecida pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio<strong>de</strong> Janeiro; a Medalha José Clemente <strong>Pereira</strong>, oferecida pela CâmaraMunicipal <strong>de</strong> Niterói; e as Insígnias <strong>de</strong> Cavaleiro da Or<strong>de</strong>m Soberana Militar e3


Hospitalar <strong>de</strong> São João <strong>de</strong> Jerusalém, Ro<strong>de</strong>s e Malta, concedida pelo GrãoMestre sob a autorização <strong>de</strong> Sua Santida<strong>de</strong> o Papa João Paulo II.Não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lembrar que seu amor às tradições o fez gran<strong>de</strong>simpatizante e participante do movimento monárquico brasileiro, razão pelaqual em seus locais <strong>de</strong> trabalho sempre teve expostos os retratos <strong>de</strong> nossosImperadores e da Princesa Regente. Talvez essa seja uma das razões <strong>de</strong> seugran<strong>de</strong> carinho por esta Aca<strong>de</strong>mia, que tão foi apreciada por D. Pedro II e seconstitui em um dos repositórios <strong>de</strong>ssas tradições, particularmente através dadocumentação cuidadosamente preservada em nossos Arquivos.Tendo traçado as linhas básicas <strong>de</strong> sua carreira, ainda que <strong>de</strong> longe nãotenha esgotado seus feitos, pu<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar a gran<strong>de</strong>za científica euniversitária do <strong>Acad</strong>êmico <strong>Gerson</strong> <strong>Cotta</strong> <strong>Pereira</strong>.Agora, ouso a<strong>de</strong>ntrar nas veredas que muitos <strong>de</strong> nós com ele trilhamos,em graus variados. Veredas que percorremos <strong>de</strong>spojados <strong>de</strong> títulos ehonrarias, unicamente sob a égi<strong>de</strong> da amiza<strong>de</strong> que pu<strong>de</strong>mos privar com ocompanheiro e amigo <strong>Gerson</strong>.Por trás <strong>de</strong> uma timi<strong>de</strong>z que o fazia, muitas vezes, aparentar umaserieda<strong>de</strong> que impunha distância, havia um homem simples, sensível eamoroso. A perfeita compreensão <strong>de</strong>sses seus sentimentos exigia como queuma análise hermenêutica <strong>de</strong> suas formas <strong>de</strong> expressão.Quem o conheceu mais <strong>de</strong> perto sabe que <strong>Gerson</strong> exibia o típico perfildo colecionador minucioso, atento <strong>ao</strong>s <strong>de</strong>talhes, sempre pronto para observar,registrar e classificar seus achados. Assim, lhe foi possível organizar como queum verda<strong>de</strong>iro museu <strong>ao</strong> seu redor, constituído por suas coleções <strong>de</strong> blocos elâminas <strong>de</strong> material histológico, diapositivos e fotos <strong>de</strong> material científico,instrumentos <strong>de</strong> laboratório utilizados no passado, documentos dos maisvariados tipos, livros e objetos antigos, e por fim, mas não menos importante,objetos que lhe recordavam momentos <strong>de</strong> alta <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> afetiva.Por isso, penso que seus sentimentos melhor po<strong>de</strong>riam ser conhecidosse tivéssemos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esquadrinhar suas gavetas, arquivos epequenas caixas, repletos <strong>de</strong> recordações – marcas <strong>de</strong> seus bem quereres e4


afetos. De fato, só agora, pelas mãos <strong>de</strong> sua esposa, saem pela primeira vezdo castelo interior <strong>de</strong> sua timi<strong>de</strong>z, alguns <strong>de</strong>sses vestígios. Lá está, porexemplo, a revista que permitiu <strong>de</strong>clarar seu amor e interesse por Eliana,guardada como que secretamente <strong>ao</strong> longo <strong>de</strong>sses muitos anos.Por outro lado, quem privou <strong>de</strong> sua amiza<strong>de</strong> sabe que <strong>Gerson</strong> <strong>de</strong>tinhaprincípios rígidos que o levavam a buscar a observância rigorosa da verda<strong>de</strong> eo faziam um apaixonado da exatidão. Esses mesmos princípios o levavam, porvezes, a ser inflexível. Por outro lado, lhe conferiam a firmeza nas <strong>de</strong>cisões e aconstância nas afeições e sentimentos. Assim compreendido, se manifestacom clareza a razão maior pela qual foi fiel e leal <strong>ao</strong>s seus amigos. Mais queisso, o fato <strong>de</strong> ter sido cristalino e verda<strong>de</strong>iro, revelando-se sempre aquilo que<strong>de</strong> fato era.Só o amor e a amiza<strong>de</strong> dão a coragem necessária para <strong>de</strong>spojar aimagem gerada e mantida pelas forças da auto-estima, da vaida<strong>de</strong> e doorgulho. Só quando revelado na essência daquilo que <strong>de</strong> fato se é, vencida avergonha das limitações, <strong>de</strong>feitos e feiúras – <strong>de</strong>snudado à luz da verda<strong>de</strong> – épossível atingir esse patamar mais alto on<strong>de</strong> imperam a confiança e afi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, pilares da segurança, da serenida<strong>de</strong> e da paz. O amor e a amiza<strong>de</strong>não só permitem que um se revele <strong>ao</strong> outro, mas levam <strong>ao</strong> autoconhecimento.O aforismo “cogito, ergo sum” (penso, logo existo) <strong>de</strong> Descartes per<strong>de</strong> seusentido quando se po<strong>de</strong> proclamar “diligo, ergo sum” (amo, logo existo).Quem privou com Gérson não necessita <strong>de</strong> muitas palavras parahomenageá-lo ou louvá-lo. Basta chamá-lo pelo substantivo maior: Amigo.Eliana, sua esposa por um tempo que o amor fez contraditoriamente sereterno e tão curto, <strong>de</strong>ve compreen<strong>de</strong>r bem o que acabo <strong>de</strong> dizer, pois Gérsonnão foi só seu esposo, mas foi seu amigo. Em outros graus e dimensões, nósque aqui hoje viemos, temos em comum a amiza<strong>de</strong> que nos une a Gérson.Se por um lado, todos nós vivemos sua amiza<strong>de</strong>, poucos tiveram apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> privar seu processo <strong>de</strong> morrer e sua morte. Como amigo esacerdote tive essa verda<strong>de</strong>ira graça e sou testemunha <strong>de</strong> que poucas vezes vialguém reconhecer sem temor a insinuação da morte e acolhê-la com tal5


serenida<strong>de</strong> como <strong>Gerson</strong> o fez. Certamente sua fé religiosa lhe permitiucolocar-se nas mãos <strong>de</strong> Deus com confiança, na certeza <strong>de</strong> que Seu amor ésempre maior do que o nosso amor e, mais do que isso, é maior que o nosso<strong>de</strong>samor, pois a dimensão maior do amor é o perdão. Essa é a via privilegiadaque conduz para a paz interior que estabelece a plenitu<strong>de</strong> da vida. <strong>Gerson</strong> apercorreu toda inteira. Por esta razão, acrescido do fato <strong>de</strong> em momento algumter experimentado a dor física, para os que <strong>de</strong> fato amavam <strong>Gerson</strong>, sua mortefoi causa <strong>de</strong> alegria interior, ainda que sua ausência possa trazer a dor dasauda<strong>de</strong>.Durante alguns anos, na década <strong>de</strong> 80, <strong>de</strong>diquei-me <strong>ao</strong> cuidado <strong>de</strong>pacientes terminais do HIV, tendo com eles morado em uma casa <strong>de</strong>acolhimento que tive a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer em São Paulo. Nessaépoca, quando não se sabia sequer o agente causador da doença, a sobrevida<strong>de</strong>sses enfermos era muito curta e pouco havia a ser feito além <strong>de</strong> oferecercuidados básicos e acolhimento afetuoso. Para muitos daqueles pacientes,vindos <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> total abandono e <strong>de</strong>samor através das vielas escurasdos usuários <strong>de</strong> drogas e da prostituição, esse encontro humano lhes dava apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>scobrirem amados e respeitados. Assim, presenciei amorte serena <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong>les, pois haviam se encontrado a si próprios eresgatado seus sentimentos mais suaves e nobres pelo toque misterioso etransformador do amor e da amiza<strong>de</strong>. Tive então a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>compreen<strong>de</strong>r um pouco melhor o sentido da vida e o processo da morte e domorrer, não só através da convivência, mas também pelo estudo e reflexão.Assim, os contatos que tive com <strong>Gerson</strong> nos últimos quinze dias <strong>de</strong> suavida me reavivaram reflexões suscitadas por vários autores, <strong>de</strong>ntre os quaisGabriel Marcel que, contrariando outros filósofos, afirma que nãocompreen<strong>de</strong>mos a morte a partir <strong>de</strong> sua antecipação ou <strong>de</strong> sua experiênciadireta, mas, através da morte do outro que amamos. Certamente a morte <strong>de</strong><strong>Gerson</strong> fez com que os que estiveram <strong>ao</strong> seu lado pu<strong>de</strong>ssem compreen<strong>de</strong>rmelhor a morte e, a partir <strong>de</strong>la, a vida.Peço licença para referir um dos escritos <strong>de</strong> um amigo comum, meu e <strong>de</strong><strong>Gerson</strong> – o Professor Daniel Serrão – <strong>Acad</strong>êmico Honorário Estrangeiro <strong>de</strong>sta6


Casa e Catedrático Jubilado <strong>de</strong> Anatomia Patológica da mesma Universida<strong>de</strong>do Porto, on<strong>de</strong> <strong>Gerson</strong> por muitos anos foi Professor Catedrático Visitante.Escreveu o Professor Serrão: “A morte não existe, existo, sim, eu, quemorrerei”. De fato existiu, sim, <strong>Gerson</strong>, que morreu. Morreu porque viveu, evivendo construiu os conhecimentos novos advindos <strong>de</strong> suas pesquisas eformou novos profissionais, capazes <strong>de</strong> levar adiante seus estudos eensinamentos, tornando perene sua memória. Vivendo, amou, e amandoestabeleceu sua família e gerou seus filhos. Amando e sendo amadoestabeleceu laços <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> que se projetam na eternida<strong>de</strong> através <strong>de</strong>gestos <strong>de</strong> ternura. Charles Chaplin poeticamente dizia que "o homem nãomorre quando <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> viver, mas sim quando <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> amar". E <strong>Gerson</strong> amouintensamente sua família e seus amigos. Morrendo, tudo o que possuía <strong>de</strong>ulugar para o que ele era. <strong>Gerson</strong> é agora sua essência, que se irá revelandopouco a pouco <strong>ao</strong>s que amou e <strong>ao</strong>s que o amaram. Indo além <strong>de</strong> Chaplin,tenho a certeza <strong>de</strong> que aquele que se ama não morre, pois se tornaplenamente e permanentemente presente pelo amor. Por essa razão, Marcelsublinha que “os verda<strong>de</strong>iros mortos são aqueles a quem não amamos”. Ou,aqueles que nos são indiferentes, com bem colocou Elie Wiesel <strong>ao</strong> afirmar que“o oposto da vida não é a morte, é a indiferença."A cada uma <strong>de</strong>stas cerimônias <strong>de</strong> a<strong>de</strong>us <strong>ao</strong>s pares que partem antes <strong>de</strong>nós, a Aca<strong>de</strong>mia se engran<strong>de</strong>ce e fortalece a continuida<strong>de</strong> e perenida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sua presença na socieda<strong>de</strong> brasileira, pois elas marcam a entrada para ahistória daqueles que por tão altos méritos se tornaram titulares, para sempre,<strong>de</strong> uma <strong>de</strong> suas ca<strong>de</strong>iras. Assim, cada <strong>Acad</strong>êmico agrega <strong>de</strong>finitivamente àsua ca<strong>de</strong>ira os seus próprios méritos e valores, razão pela qual a ca<strong>de</strong>ira 87hoje é mais valiosa. Cada um <strong>de</strong> seus futuros ocupantes relembrará em todasas solenes celebrações a figura ímpar do ilustre pre<strong>de</strong>cessor, <strong>Acad</strong>êmico Prof.Dr. <strong>Gerson</strong> da <strong>Cotta</strong> <strong>Pereira</strong>, e nisto se dará sua imortalida<strong>de</strong> acadêmica.Agora quero dirigir-me em particular a Eliana, esposa e companheira fiel,que em tantos momentos soube abrir mão <strong>de</strong> sua própria carreira paraacompanhar <strong>Gerson</strong> a Portugal, França e Estados Unidos da América doNorte. Mais que isso, que lhe <strong>de</strong>u o apoio tantas vezes necessário paraenfrentar os embates da vida. Seu marido, Eliana, não teria realizado tudo que7


ealizou sem seu apoio, carinho e companhia. Sem sua amiza<strong>de</strong>. Receba,portanto, esta homenagem como alguém que também a fez merecida. Por estarazão, esta Casa é sua, e sua presença aqui será sempre causa <strong>de</strong> alegriapara todos. Não nos esqueça.Aos três filhos, Guilherme, Ricardo e Leonardo, só posso <strong>de</strong>sejar que,tendo recebido do ilustre pai tão claros exemplos <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>dicação <strong>ao</strong>trabalho, não sejam tão somente her<strong>de</strong>iros dos valores do <strong>Acad</strong>êmico <strong>Gerson</strong><strong>Cotta</strong> <strong>Pereira</strong>, mas que os engran<strong>de</strong>çam com os próprios dons e qualida<strong>de</strong>s.Certamente a inteligência e esmerada educação que receberam lhes permitirásuperarem, cada um <strong>ao</strong> seu modo e diante <strong>de</strong> suas próprias escolhas, opróprio pai. Ser superado pelos filhos seria causa <strong>de</strong> orgulho e alegria para ele.Aos discípulos e alunos do Professor Cota <strong>Pereira</strong>, <strong>de</strong>sejo também quecontinuem a obra por ele iniciada e que a levem a novos e mais altospatamares científicos. Assim ele se fará presente nas gerações futuras.Prezados pares <strong>de</strong>sta Casa, saiamos daqui, hoje, com a certeza <strong>de</strong> que"Morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada”, como escreveu oPoeta Maior, Fernando Pessoa. Assim, tenhamos <strong>Gerson</strong> como nossocompanheiro perene, para quem estamos por chegar, logo mais, em uma<strong>de</strong>ssas curvas da estrada da vida.Enfim, agra<strong>de</strong>ço a atenção <strong>de</strong> todos e solicito que sau<strong>de</strong>mos o<strong>Acad</strong>êmico Titular <strong>Gerson</strong> <strong>Cotta</strong> <strong>Pereira</strong> com as nossas palmas, que, porserem acadêmicas, representam nosso elogio e gratidão.8

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