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Maria do Carmo de Freitas Veneroso - CBHA

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Anais <strong>do</strong> XXXColóquio <strong>do</strong>Comitê Brasileiro<strong>de</strong> Históriada ArteArte > Obra > FluxosLocal: Museu Nacional <strong>de</strong> Belas Artes,Rio <strong>de</strong> Janeiro,Museu Imperial, Petrópolis, RJData: 19 a 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2010Organização:Roberto ConduruVera Beatriz Siqueiratexto extraí<strong>do</strong> <strong>de</strong>Livro <strong>de</strong> artista:da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> àcontemporaneida<strong>de</strong>


XXX Colóquio <strong>CBHA</strong> 2010Este trabalho tem como proposta traçar um breve panorama da situação <strong>do</strong> livro<strong>de</strong> artista no Brasil, como obra intermidiática, ten<strong>do</strong> também como referênciaa Semana <strong>do</strong> Livro <strong>de</strong> Artista, realizada na Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFMG em2009 e que foi composta por uma série <strong>de</strong> eventos <strong>de</strong>dica<strong>do</strong>s ao tema livro <strong>de</strong>artista e seus <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos na contemporaneida<strong>de</strong>: o ciclo <strong>de</strong> palestras e mesasre<strong>do</strong>ndas Perspectivas <strong>do</strong> livro <strong>de</strong> artista 1 , a exposição Livro-Obra 2 , que teve lugarna Biblioteca Universitária da mesma instituição e a criação da primeira coleção<strong>de</strong> livros <strong>de</strong> artista vinculada a uma Universida<strong>de</strong>, no Brasil, e que ficará abrigadana Biblioteca da Escola <strong>de</strong> Belas Artes.O evento organiza<strong>do</strong> por mim e por Amir Brito Cadôr, contou com aparticipação <strong>de</strong> artistas, professores e pesquisa<strong>do</strong>res brasileiros, <strong>do</strong>is mexicanose um americano. Trata-se <strong>do</strong> primeiro evento pan-americano <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> ao temae a partir <strong>de</strong>le po<strong>de</strong>-se levantar alguns pontos sobre a situação atual <strong>do</strong> livro <strong>de</strong>artista, e suas tendências e perspectivas, que fornecerão subsídios para esta comunicação.O projeto teve como principal meta dar visibilida<strong>de</strong> ao livro <strong>de</strong> artista,através <strong>de</strong> uma reflexão sobre a produção nacional e alguns aspectos da produçãointernacional <strong>de</strong>sse gênero na atualida<strong>de</strong>. Preten<strong>de</strong>u-se, assim, incentivar novaspesquisas sobre o assunto e também a produção <strong>de</strong> novos livros <strong>de</strong> artistas, além<strong>de</strong> incrementar esta área artística na EBA/UFMG. Trabalhos apresenta<strong>do</strong>s noevento serão publica<strong>do</strong>s em um número especial, <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> a este tema, da PÓS:Revista <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Pó-graduação em Artes da EBA/UFMG.O livro <strong>de</strong> artista é um tema amplo e que po<strong>de</strong> ser aborda<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong>várias perspectivas. A<strong>do</strong>tamos, neste estu<strong>do</strong>, uma opção pelo seu senti<strong>do</strong> lato,proposto por Paulo Silveira, no qual o livro <strong>de</strong> artista é consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> comoum tronco formal. Seu grupo <strong>de</strong> manifestações incluiria o livro <strong>de</strong> artista propriamente dito(geralmente uma publicação), o livro-objeto (que o prece<strong>de</strong>u historicamente e ainda o acompanha),o livro-obra (muito mais uma qualida<strong>de</strong>, uma adjetivação, <strong>do</strong> que um produtoautônomo), além <strong>de</strong> – por que não? – os livros e não-livros escultóricos, certos experimentosdigitais, algumas instalações e to<strong>do</strong> um mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> objetos ou situações que <strong>de</strong>terminaremoscomo sen<strong>do</strong> “livro-referentes”, mesmo que remotamente. 31 Perspectivas <strong>do</strong> Livro <strong>de</strong> Artista. EBA/UFMG,16-20/11/2009. Organiza<strong>do</strong>res: Profa. Dra. <strong>Maria</strong> <strong>do</strong><strong>Carmo</strong> <strong>de</strong> <strong>Freitas</strong> <strong>Veneroso</strong> (EBA/UFMG) e Prof. Amir Brito Cadôr (EBA/UFMG). Convida<strong>do</strong>s: Ms.Berna<strong>de</strong>tte <strong>Maria</strong> Panek (EMBAP/PR), Brad Freeman (Columbia College/Chicago), Dra. Daisy Turrer(EBA/UFMG), Edith Derdyk (SP/SP), Felipe Ehrenberg (México-SP/SP), Dr. Hélio Fervenza (UFR-GS/Porto Alegre), João Ban<strong>de</strong>ira (Centro Cultural <strong>Maria</strong> Antonia/SP), Dra. Mabe Bethônico (EBA/UFMG), Prof. Marcelo Drummond (EBA/UFMG), Dra. Marcia Arbex (FALE/UFMG), Dra. <strong>Maria</strong>Angélica Melendi (EBA/UFMG), Martha Hellion (México/DF), Nei<strong>de</strong> Dias Sá (RJ/RJ), Paulo Bruscky(Recife/PE), Dr. Paulo Silveira (UFRGS/Porto Alegre). Apoio: FAPEMIG, Programa <strong>de</strong> Pós-graduaçãoem Artes da EBA/UFMG, PROF/CAPES.2 Exposição Livro-Obra: integraram a exposição livros <strong>de</strong> alguns <strong>do</strong>s artistas convida<strong>do</strong>s para o evento(Paulo Bruscky, Nei<strong>de</strong> Dias <strong>de</strong> Sá, Edith Derdyk, Brad Freeman, Hélio Fervenza, Paulo Silveira, MarthaHellion, Felipe Ehrenberg, etc), livros cedi<strong>do</strong>s especificamente para a mostra (Ivald Granato, Rute Gusmão,Alex Flemming, etc), além <strong>de</strong> exemplares <strong>do</strong> acervo pessoal <strong>do</strong>s cura<strong>do</strong>res, Amir B. Cadôr e <strong>Maria</strong><strong>do</strong> <strong>Carmo</strong> F. <strong>Veneroso</strong>.3 2009, s/p.704


XXX Colóquio <strong>CBHA</strong> 2010vilegiarem “a imagem gráfico-espacial como forma” e enfatizan<strong>do</strong> “a presença<strong>de</strong> elementos visuais em seus poemas-objeto” 5 , cuja emergência foi fundamentalpara o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> livro <strong>de</strong> artista no Brasil. Dentre os poetas brasileirosque produziram livros naquela década, exploran<strong>do</strong> profundamente aspectos intermidiáticos,é importante citar o trabalho <strong>de</strong> Wla<strong>de</strong>mir Dias Pino, que criou o“poema-processo”, juntamente com Nei<strong>de</strong> Dias <strong>de</strong> Sá e Álvaro <strong>de</strong> Sá, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ter participa<strong>do</strong> e divergi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Concretismo. A obra <strong>de</strong> Pino citada como livro--poema, livro-objeto ou livro-obra, A Ave, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada como um <strong>do</strong>sprecursores mundiais <strong>do</strong>s livros visuais e como o primeiro livro <strong>de</strong> artista brasileiro,ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> elabora<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> 1954 e lança<strong>do</strong> em 1956.Em 1968, Augusto <strong>de</strong> Campos e Julio Plaza criam os Poemobiles, poemas-objetosintermidiáticos que possibilita múltiplas leituras, já que palavrasinscritas em vários planos sofrem <strong>de</strong>slocamentos à medida em que as folhas sãoabertas. Este exemplo ilustra o fato da produção brasileira <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> artistaestar vinculada fortemente à palavra, a partir <strong>de</strong>sta matriz concretista, na qual olivro já nasce através da fusão <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong> poeta e <strong>do</strong> artista, sem que exista,neste caso, uma relação hierárquica entre palavra e imagem.A experiência <strong>do</strong>s neoconcretos também será radical, com os livros-poemas<strong>de</strong> Lygia Pape, por exemplo, nos quais os elementos plásticos e gráficos sãofundamentais. Estes livros requerem o “‹manuseio expressivo› por parte <strong>do</strong> leitorcomo condição <strong>de</strong> existência” 6 , como o Livro da Criação (1959), emblemático nahistória <strong>do</strong> livro <strong>de</strong> artista no Brasil, e no qual a linguagem não-verbal <strong>de</strong>terminauma narrativa verbal.Nota-se que nos últimos exemplos cita<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> artista oriun<strong>do</strong>sda Poesia Concreta e <strong>do</strong> Poema-processo, é gran<strong>de</strong> a tendência à exploração <strong>de</strong>aspectos escultóricos e intermidiáticos no livro, seja pela forma como ele <strong>de</strong>veser “li<strong>do</strong>”, em A ave, ou manipula<strong>do</strong>, através <strong>de</strong> planos que se <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bram, nosPoemobiles, seja através da palavra, que dialoga sutilmente com a imagem, e aindaquan<strong>do</strong> a obra remete ao livro, ainda que este não esteja presente <strong>de</strong> formaexplícita, como no Livro da Criação. Percebe-se assim que a emergência <strong>do</strong> livro<strong>de</strong> artista no Brasil aponta para a existência <strong>de</strong> uma matriz tridimensional, quesurgirá também em outros momentos, em livros-objetos e livros escultóricos.Apesar <strong>de</strong> haver inúmeros exemplos <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> artista na história daarte, é somente no final <strong>do</strong> século XX que o entendimento da autonomia <strong>de</strong>ssetipo <strong>de</strong> obra <strong>de</strong> arte é legitima<strong>do</strong>, principalmente a partir <strong>do</strong>s anos <strong>de</strong> 1960,pela mutação causada pela arte conceitual. Livros <strong>de</strong> artista foram centrais notrabalho <strong>de</strong> artistas liga<strong>do</strong>s ao Fluxus e que procuravam atuar fora <strong>do</strong> âmbito <strong>de</strong>galerias e instituições. Eles produziram por exemplo livros-caixas, como o FluxusKit. Muitos livros <strong>de</strong> artista realiza<strong>do</strong>s nos anos 1960 foram <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntementepor artistas, ou por galerias como uma extensão das exposições,dan<strong>do</strong> origem também ao gênero híbri<strong>do</strong> <strong>do</strong> catálogo como livro <strong>de</strong> artista.No Brasil, é importante citar também o extenso e diversifica<strong>do</strong> trabalho<strong>de</strong> Paulo Brusky, que começou a experimentação com formas artísticas alterna-5 FABRIS, TEIXEIRA DA COSTA, 1985, p.36 I<strong>de</strong>m.706


XXX Colóquio <strong>CBHA</strong> 2010tivas entre os anos <strong>de</strong> 1960 e 1970. Ele fez parte <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> jovens interessa<strong>do</strong>sna arte <strong>de</strong> contestação, acreditan<strong>do</strong> na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformação políticae social através da arte. Ele utiliza frequentemente em seus livros materiaisencontra<strong>do</strong>s, como brochuras, embalagens <strong>de</strong> remédios, teci<strong>do</strong>s e outros, <strong>do</strong>squais ele se apropria, <strong>de</strong>sfuncionalizan<strong>do</strong>-os e transforman<strong>do</strong>-os. Este interessepela apropriação <strong>de</strong> materiais <strong>de</strong> segunda mão levou-o a produzir uma série <strong>de</strong>livros utilizan<strong>do</strong> circuitos elétricos, os Intersignes, que sugerem uma espécie <strong>de</strong>escrita, na qual os componentes eletrônicos funcionam como caracteres, que sãoliga<strong>do</strong>s uns aos outros através <strong>de</strong> fios. No caso <strong>de</strong>stes livros, o artista mantém oformato <strong>do</strong> có<strong>de</strong>x, o que também contextualiza os signos liga<strong>do</strong>s em re<strong>de</strong>, comoescrituras.Nos anos <strong>de</strong> 1960/70 começam a surgir vários livros <strong>de</strong> artista impressos,como conseqüência da aparição da impressão rápida e <strong>de</strong> baixo custo damáquina off-set, além da presença da fotografia e <strong>do</strong>s primeiros computa<strong>do</strong>res,que facilitam a transformação <strong>do</strong>s livros <strong>de</strong> artista, tanto em seu aspecto técnicocomo em sua proposta estética. Um <strong>do</strong>s primeiros livros <strong>de</strong> artista em edição <strong>de</strong>que se tem notícia é o Twentysix gasoline stations (1962), <strong>de</strong> Edward Ruscha. NoBrasil merece <strong>de</strong>staque a Caixa Preta (1975), produzida por Julio Plaza e Augusto<strong>de</strong> Campos, com disco <strong>de</strong> Caetano Veloso.No final da década <strong>de</strong> 1970 e início da década <strong>de</strong> 1980, houve umaexpressiva hibridização <strong>do</strong> livro, com a exploração <strong>do</strong> livro-objeto ou livro-escultura,e uma tendência em relação aos livros únicos, como uma reação às ediçõesproduzidas em massa das gerações anteriores. Anselm Kiefer, por exemplo,explorou profundamente o meio. Também no Brasil tem havi<strong>do</strong> uma produçãoexpressiva <strong>de</strong> livros que exploram formas alternativas e tridimensionais, como aextensa obra <strong>de</strong> Lenir <strong>de</strong> Miranda.Atualmente, também as obras <strong>do</strong> mexicano radica<strong>do</strong> no Brasil, FelipeEhrenberg, <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>stacadas, como a coleção MICROemergências MACRObibliofílicas– 10 Obras <strong>de</strong> Gabinete recentes/textos visuais, segun<strong>do</strong> o artista, “obraPRÉ-tecnológica, feita a mão... em edições <strong>de</strong> um só exemplar (1/1)” 7 . Ehrenbergcriou também o Curiosamente Estrepitoso Artefato Para Ler Códices, máquina manualfeita <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, <strong>de</strong> construção precária, que po<strong>de</strong> ser posta em funcionamentoatravés <strong>de</strong> uma manivela, e que se propõe a facilitar a leitura <strong>de</strong> códices.Este objeto remete igualmente a uma era pré-tecnológica, fazen<strong>do</strong> talvez umacrítica bem humorada a toda a parafernália eletrônica utilizada atualmente nafabricação <strong>de</strong> livros e na indústria gráfica.Alguns trabalhos da mexicana Martha Hellion apontam para um interessena gestualida<strong>de</strong> e na performance vinculadas ao livro <strong>de</strong> artista. Dentreeles <strong>de</strong>staca-se uma ação <strong>de</strong>senvolvida durante o evento Perspectivas <strong>do</strong> Livro <strong>de</strong>Artista, na qual um balão <strong>de</strong> papel foi disponibiliza<strong>do</strong> para que os participantespu<strong>de</strong>ssem intervir com <strong>de</strong>senhos, palavras e grafismos, veiculan<strong>do</strong> seus sonhose <strong>de</strong>sejos.A partir das décadas <strong>de</strong> 1990 e <strong>de</strong> 2000 nota-se que alguns temas têmsi<strong>do</strong> recorrentes nos livros <strong>de</strong> artista, como aspectos liga<strong>do</strong>s às coleções, ao ar-7 E-mail <strong>de</strong> Felipe Ehrenberg envia<strong>do</strong> à autora.707


XXX Colóquio <strong>CBHA</strong> 2010quivo e à memória, o livro <strong>do</strong>cumental, seja ele ficcional ou não, o livro objeto,o livro <strong>de</strong> artista que dialoga com a literatura, livros que exploram formatos diferentes<strong>do</strong> có<strong>de</strong>x e materiais efêmeros, entre outros. Atualmente há também umaênfase em livros <strong>de</strong> artista edita<strong>do</strong>s e em direção a uma ampliação <strong>do</strong> conceito<strong>de</strong> livro <strong>de</strong> artista.Artistas como Sophie Calle vem produzin<strong>do</strong> livros <strong>de</strong> artista edita<strong>do</strong>s,exploran<strong>do</strong> a serialização. No Brasil, Rosângela Rennó também vem realizan<strong>do</strong>um trabalho instigante, como Espelho Diário para o qual, durante oito anos,Rennó colecionou notícias <strong>de</strong> jornal que contavam histórias <strong>de</strong> pessoas chamadas‘Rosângela’ e convi<strong>do</strong>u a escritora Alícia Duarte Penna para criar ficções sobreessas mulheres. Também as produções <strong>de</strong> Waltércio Caldas merecem <strong>de</strong>staque,como Velázquez. A princípio parece tratar-se <strong>de</strong> livro sobre um artista, mas causaestranhamento o fato da capa, assim como o miolo <strong>do</strong> livro estarem fora <strong>de</strong> foco.Ele subverte um livro sobre um artista, transforman<strong>do</strong>-o em um livro <strong>de</strong> artista,através das suas manipulações da imagem e da palavra.Dentro <strong>de</strong>sta vertente <strong>do</strong>s livros edita<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>staca-se também o trabalho<strong>do</strong> alemão Joachim Schmid, como Praça Rui Barbosa, em Belo Horizonte, noqual o artista utiliza restos <strong>de</strong>scarta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> fotografias lambe-lambe. TambémBrad Freeman, cria, edita e imprime seus próprios livros. Sua recente produção,Wrong size fits all – a book of miracles, po<strong>de</strong> ser aproximada <strong>do</strong> catálogo <strong>de</strong> Wla<strong>de</strong>mirDias Pino e João Felício <strong>do</strong>s Santos, A marca e o logotipo brasileiros 8 pelomo<strong>do</strong> experimental como os <strong>do</strong>is artistas lidam com as cores e com os processosmecânicos <strong>de</strong> impressão. No Brasil, po<strong>de</strong>m ser cita<strong>do</strong>s ainda os trabalhos <strong>de</strong> PauloSilveira, O livro <strong>do</strong>s sete dias e Ciranda e <strong>de</strong> Hélio Fervenza, como O + é <strong>de</strong>serto.Uma outra vertente que vem sen<strong>do</strong> explorada por vários artistas é aquelaque extrapola os limites <strong>do</strong> livro, apesar <strong>de</strong>le continuar a ser a principal referência.Daisy Turrer apresentou na exposição Livro-Obra uma instigante instalação/biblioteca, Para-luz, que remete aos livros e à gravura. Segun<strong>do</strong> a artista 9 , a obrarefere-se ao “paratexto” da gravura, ou seja, tu<strong>do</strong> aquilo que cerca a gravura, e otrabalho <strong>do</strong> grava<strong>do</strong>r. É tocante notar a fragilida<strong>de</strong> da obra, já que as estantes sãoconstruídas utilizan<strong>do</strong> a mesma matéria <strong>do</strong>s livros: o papel.Também seguin<strong>do</strong> esta mesma tendência, po<strong>de</strong>m ser cita<strong>do</strong>s trabalhos<strong>de</strong> Marilá Dar<strong>do</strong>t, como A big book. Nela, a referência ao livro é colocada <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o título da exposição, Ficções, que remete à obra homônima <strong>do</strong> escritor Jorge LuisBorges. Na obra <strong>de</strong> Dar<strong>do</strong>t, a fachada da galeria remete a um livro gigante, commarca<strong>do</strong>res colori<strong>do</strong>s, sugerin<strong>do</strong> a idéia <strong>de</strong> se “entrar” em um livro, que já haviasi<strong>do</strong> explorada por Allan Kaprow, nos anos <strong>de</strong> 1960, através <strong>do</strong>s seus happenningse instalações. Ao entrarmos na galeria/livro, nos <strong>de</strong>paramos com várias referênciasà escrita e aos livros. Entre elas encontram-se imagens <strong>de</strong> um livro aberto,composto por <strong>do</strong>is exemplares iguais e diferentes. São páginas <strong>de</strong> um livro inexistente,o Ulisses <strong>de</strong> James Joyce, bilíngue. Cria<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> uma edição <strong>do</strong>original, em inglês, e uma edição da tradução para o português, as imagens <strong>de</strong>stelivro imaginário mostram anotações em código <strong>de</strong> cor que apontam frases com8 Trata-se <strong>do</strong> primeiro volume da Enciclopédia visual, projeto <strong>de</strong> Pino <strong>de</strong> catalogar e difundir o conhecimentosob a forma <strong>de</strong> imagem.9 TURRER, 2009, s/p.708


XXX Colóquio <strong>CBHA</strong> 2010a palavra “palavra”/”word””: Ulisses, <strong>de</strong> Joyce, reinventa<strong>do</strong> por Marilá. A obra <strong>de</strong>Dar<strong>do</strong>t permite leituras múltiplas: é um livro <strong>de</strong> artista que existe na interseçãoda fotografia com a escrita, com uma espécie <strong>de</strong> narrativa experimental, quan<strong>do</strong>a artista se apropria da obra <strong>de</strong> Joyce, exploran<strong>do</strong> artes visuais, <strong>de</strong>sign gráfico e aarte <strong>do</strong> livro.Outro trabalho que também alu<strong>de</strong> aos livros, a partir <strong>de</strong> uma perspectivaampliada, é Pensamento <strong>do</strong> Fora (2002), site specific para o Museu <strong>de</strong> Arteda Pampulha, no qual quarenta frases selecionadas <strong>de</strong> diversos autores foramimpressas sobre placas <strong>de</strong> jardim feitas <strong>de</strong> metal. O trabalho faz referência aplacas existentes no entorno <strong>do</strong> Museu como: não pise na grama, proibi<strong>do</strong> pescar,proibi<strong>do</strong> o trânsito <strong>de</strong> bicicletas. A artista explica que sua intenção foi fazer placasque não fossem proibitivas nem imperativas, placas que nos fizessem perceber oentorno <strong>de</strong> uma outra forma. São palavras espalhadas sobre o grama<strong>do</strong>, forman<strong>do</strong>uma escrita sutil, que vai sen<strong>do</strong> lida a medida que o especta<strong>do</strong>r percorre osjardins.Em 1969, também a obra Territórios II foi instalada nos jardins <strong>do</strong> mesmoMuseu pelos artistas Luciano Gusmão, Lotus Lobo e Dilton Araújo, queinterferiram no entorno <strong>do</strong> MAP com placas <strong>de</strong> acrílico coloridas e <strong>de</strong> alumínio,além <strong>de</strong> varas e lápi<strong>de</strong>s, chaman<strong>do</strong> a atenção <strong>do</strong> público para questões ecológicas10 . Também esta obra utiliza os jardins <strong>de</strong> Burle Marx como suporte, on<strong>de</strong>estes objetos coloca<strong>do</strong>s remetem a uma escrita, que po<strong>de</strong> ser “lida” e vivenciadapelos especta<strong>do</strong>res. Entre o início e o término <strong>do</strong> trabalho, ele foi processa<strong>do</strong> pelaação <strong>do</strong> vento, da chuva, <strong>do</strong> sol. Também o crescimento das plantas interferiusobre a obra 11 . Os resíduos da instalação seriam visíveis por algum tempo: “nolugar on<strong>de</strong> as cordas passaram a grama não cresceu, então ficou um risco belíssimo,mostran<strong>do</strong> uma trama <strong>de</strong> fios em ziguezague [...] No lugar das lápi<strong>de</strong>s ficoumarca<strong>do</strong> um branco enorme e gran<strong>de</strong>, porque <strong>de</strong>morou muito para a gramacrescer” 12 . Esta foi a escritura que restou na natureza.Vários jovens artistas vem produzin<strong>do</strong> livros <strong>de</strong> artista, seguin<strong>do</strong> diferentestendências. Livro III: Manual da <strong>do</strong>na <strong>de</strong> casa é um livro modifica<strong>do</strong>, noqual Lucas Dupin faz uma análise bem humorada da “economia <strong>do</strong>méstica”, apartir da apropriação <strong>de</strong> um manual da <strong>do</strong>na <strong>de</strong> casa no qual ele interfere com<strong>de</strong>senhos. Também Lais Myrrha, em Somos to<strong>do</strong>s civis, se apropria <strong>do</strong> AlmanaqueAbril que ela modifica e reimprime, construin<strong>do</strong> um novo texto, ressaltan<strong>do</strong><strong>de</strong>terminadas palavras e frases, e apagan<strong>do</strong> outras, construin<strong>do</strong> assim novossignifica<strong>do</strong>s a partir <strong>do</strong> que é seleciona<strong>do</strong> ou vela<strong>do</strong>. Rodrigo <strong>Freitas</strong>, apresentaPaisagem <strong>de</strong> inverno, livro em guache sobre papel. A gênese <strong>do</strong> livro <strong>de</strong> AngeloMazzuchelli, Iscrizione vem <strong>de</strong> grafites feitos em um banco às margens <strong>do</strong> Lagodi Como (Itália): “um objeto urbano converti<strong>do</strong> numa espécie <strong>de</strong> livro” 13 . As mesmasinscrições são convertidas noutra espécie <strong>de</strong> livro, um livro-objeto. CíceroMiranda apresenta um instigante conjunto <strong>de</strong> livros, nos quais ele “tece” e borda10 Cf. RIBEIRO, 1997.11 Cf. RIBEIRO, 1997.12 GUSMÃO, Luciano apud RIBEIRO, 1997, p.229.13 http://angelomazzuchelli.blogspot.com/709


XXX Colóquio <strong>CBHA</strong> 2010com fio <strong>de</strong> cobre pequenos objetos. Assim, ele cria livros-objeto, nos quais objetosem miniatura são coloca<strong>do</strong>s em nichos, funcionan<strong>do</strong> como ilustrações. WilsonAvelar apresenta Retiros, no qual ele explora a transparência <strong>do</strong> papel para criarvárias camadas <strong>de</strong> imagens.Pelo que foi <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>-se afirmar que tem havi<strong>do</strong> uma produçãoexpressiva <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> artista no Brasil. Nota-se que há um interesse napesquisa <strong>de</strong>ste tema e na produção <strong>de</strong> livros, pelos artistas, incluin<strong>do</strong> os jovens, eespera-se que este gênero artístico receba cada vez mais atenção. Trata-se agora <strong>de</strong><strong>de</strong>screver, investigar e prestar atenção criticamente a este gênero artístico, antesque a sua especificida<strong>de</strong> emerja.ReferênciasDIAS-PINO, Wla<strong>de</strong>mir; FELÍCIO DOS SANTOS, João. A marca e o logotipobrasileiros. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Rio Velho, 1974.DRUCKER, Johanna. The Century of Artists’ Books. New York: Granary Books,2004.FABRIS, Annateresa. TEIXEIRA DA COSTA, Cacilda. Tendências <strong>do</strong> Livro <strong>de</strong>Artista no Brasil. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1985.RIBEIRO, Marília Andrés. Neovanguardas: Belo Horizonte, anos 60. Belo Horizonte:C/Arte, 1997.SILVEIRA, Paulo. A crítica e o livro <strong>de</strong> artista. PÓS: Revista <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong>Pós-graduação em Artes da Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFMG. Livro <strong>de</strong> Artista.Belo Horizonte: Programa <strong>de</strong> Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG, v. 2, n.2, nov. 2009. (no prelo)TURRER, Daisy. Estu<strong>do</strong> sobre o espaço paratextual no livro <strong>de</strong> artista. PÓS:Revista <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Pós-graduação em Artes da Escola <strong>de</strong> Belas Artes daUFMG. Livro <strong>de</strong> Artista. Belo Horizonte: Programa <strong>de</strong> Pós-graduação em Artesda EBA/UFMG, v. 2, n. 2, nov. 2009. (no prelo)http://angelomazzuchelli.blogspot.com/710


XXX Colóquio <strong>CBHA</strong> 2010Exposição Livro-ObraBiblioteca Universitária,Belo Horizonte, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais,novembro/2009711


XXX Colóquio <strong>CBHA</strong> 2010Perspectivas <strong>do</strong> Livro <strong>de</strong> ArtistaAção <strong>de</strong>senvolvida por Martha HellionDurante o evento, Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFMG,novembro/2009712


XXX Colóquio <strong>CBHA</strong> 2010Paisagem <strong>de</strong> inverno, 2009Rodrigo <strong>Freitas</strong>.713

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