De acor<strong>do</strong> com Damergian (2001), a mãe exerce duas funções fun<strong>da</strong>mentais <strong>na</strong>vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> seu bebê: a primeira, como demonstra<strong>do</strong> acima, é a função de “ponto fixo, valênciapositiva” (p. 95). A segun<strong>da</strong> função é a de transmitir os conteú<strong>do</strong>s veicula<strong>do</strong>s em sua cultura,ou seja, a mãe repassa a ideologia vigente, ela transmite e r<strong>ea</strong>firma to<strong>da</strong>s as preocupações <strong>do</strong>seu tempo referentes à educação, à religião, às crenças, aos costumes, aos valores, etc.,conforme podemos verificar <strong>na</strong> fala de Do<strong>na</strong> Erundi<strong>na</strong>, outra entrevista<strong>da</strong>: “Ela me deixou aeducação. (...) Ela sempre dizia que a gente ser pobre não era feio, mais sem educação, nãorespeitar os outros” (Do<strong>na</strong> Erundi<strong>na</strong>, abril/2008); e, também, por esse discurso de Do<strong>na</strong> Iraci(2008): “Ah, ela deixou muitas coisas boas pra nóis. Ela <strong>da</strong>va muito conselho pra nóis: Pranóis nunca transar com ninguém, pra nóís quan<strong>do</strong> casar, que casasse virgem porque era omaior sonho <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dela [...]” e, esse:[...] a minha mãe ela levava nóis <strong>na</strong> missa, ela, foi sempre o conselho que ela deu pranóis: vocês são batiza<strong>do</strong>s, são crisma<strong>do</strong>s, fizeram a primeira comunhão, sãoconsagra<strong>do</strong>s, então eu <strong>do</strong>u sempre um conselho pra vocês, nunca deixem de ir praigreja e nunca passa de uma igreja pra outra, sempre siga aquela que a mãe estáseguin<strong>do</strong> [...] (DONA IRACI, abril/2008).Entretanto, essas mães, que transmitem cultura, a receberam de outras mães, ou decui<strong>da</strong><strong>do</strong>res que por sua vez também a receberam de suas mães e, assim por diante. Por isso, aimportância de estu<strong>da</strong>r a subjetivi<strong>da</strong>de a partir de suas dimensões históricas, culturais, sociaise políticas porque em ca<strong>da</strong> época ocorreram mu<strong>da</strong>nças de acor<strong>do</strong> com a necessi<strong>da</strong>de, porquepor meio de suas ações o ser humano transforma a sua r<strong>ea</strong>li<strong>da</strong>de e ao fazer isso se transformaa si próprio. (BOCK, 2002). Ou, como disse Cabruja (1998, p. 58, apud ÍÑIGUEZ, 2001, p.15): “é a partir de a<strong>na</strong>lisar o discurso sobre como deveriam ser as subjetivi<strong>da</strong>des e as relaçõessociais, em seu contexto histórico específico que se pode perceber por quais interesses sãopromovi<strong>da</strong>s em um <strong>da</strong><strong>do</strong> momento.”2.1.4 A Subjetivi<strong>da</strong>de <strong>na</strong>s Marcas <strong>da</strong> Madrasta-Socie<strong>da</strong>deO bairro Re<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatro, ár<strong>ea</strong> degra<strong>da</strong><strong>da</strong> em sua superfície, explora<strong>da</strong> eesvazia<strong>da</strong> em seu interior, também é local e cenário de boa parte <strong>da</strong> história <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> degra<strong>da</strong><strong>da</strong>e explora<strong>da</strong> <strong>da</strong>s entrevista<strong>da</strong>s: “Trabalhei (...) muito tempo. Mais nunca fui ficha<strong>da</strong>.” (DONAZULMIRA, 2008). Ambos, <strong>na</strong>tureza e ser humano, vivencian<strong>do</strong> uma mesma experiência,como disse a Do<strong>na</strong> Zulmira ao falar de como se sente atualmente: “a gente é oca por dentro, agente fica assim sem gosto. Véve por vivê. Véve porque tem que vivê.” (DONA ZULMIRA,
abril, 2008). Seria uma simbiose 8 ?Fonseca (2008, p. 1) entende que sim, que há uma relação simbiótica entre o serhumano e o ambiente quan<strong>do</strong> evidencia “que somos indissociáveis <strong>do</strong> que entendemos comoambiente.” Segun<strong>do</strong> esse autor, a pre<strong>do</strong>minância cultural leva-nos a um afastamento comosujeitos; afastamos o ambiente, e por isso, o ambiente se constitui em objeto para nós, poisnão nos vemos nele. Paz (apud REZENDE, 2000, p. 13) afirma, “ao <strong>na</strong>scer, fomos arranca<strong>do</strong>s<strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de,” confirman<strong>do</strong> o pressuposto anterior, pois após o seu <strong>na</strong>scimento o homem éinseri<strong>do</strong> num sistema de valores, crenças, normas e costumes: a cultura.Mas parece que não estamos afasta<strong>do</strong>s só <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza, Damergian (2001, p. 106)afirma que “as condições de vi<strong>da</strong> que criamos, ao nos afastarem de nossa subjetivi<strong>da</strong>de, nosafastam de nossa humani<strong>da</strong>de e, conseqüentemente, <strong>do</strong> outro”. Assim, afasta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> outro, éque as relações sociais se estabelecem bas<strong>ea</strong><strong>da</strong>s no egoísmo, exploração e <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ção.O pai de Do<strong>na</strong> Iraci trabalhava como mineiro <strong>da</strong> Mi<strong>na</strong> Quatro que hoje já nãoexiste mais, pois foi desativa<strong>da</strong>. Viúvo e com <strong>do</strong>ze filhos para criar, ele casou-se novamente.Do<strong>na</strong> Iraci ganhou uma madrasta. Há quinze anos ele, o pai, faleceu vítima de câncer de boca.Após a desativação <strong>da</strong> mi<strong>na</strong> a ár<strong>ea</strong> passou a ser o lixão <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> vizinhança,posteriormente, se tornou o bairro Re<strong>na</strong>scer, local onde vive a Do<strong>na</strong> Iraci.A socie<strong>da</strong>de que não cui<strong>da</strong> e não ama os seus filhos, materializou-se <strong>na</strong> figura <strong>da</strong>madrasta de Do<strong>na</strong> Iraci e, desse mo<strong>do</strong>, ela ficou desampara<strong>da</strong>, sujeita a to<strong>da</strong> sorte de violênciar<strong>ea</strong>l e simbólica: pobreza, desemprego, assalto, etc. Sem o benefício <strong>da</strong> urbani<strong>da</strong>de, que serefere à “decência, cortesia e distinção”, segun<strong>do</strong> o filósofo francês Mattei, (2000 apudDAMERGIAN, 2001, p. 97), Do<strong>na</strong> Iraci era uma excluí<strong>da</strong>!Segun<strong>do</strong> Damergian, enfrentar e superar as adversi<strong>da</strong>des próprias à construção <strong>da</strong>subjetivi<strong>da</strong>de não é tarefa <strong>na</strong><strong>da</strong> fácil, mesmo quan<strong>do</strong> se tem uma mãe amorosa, continente,porto seguro, ponto de apoio para impulsio<strong>na</strong>r o crescimento encoraja<strong>do</strong> pela interação comum meio “favorável”,o que dirá, então, de um processo marca<strong>do</strong> pelas condições totalmente adversascria<strong>da</strong>s pela mãe-socie<strong>da</strong>de, como temos visto, incapaz de amar e acolher seusfilhos, dissemi<strong>na</strong><strong>do</strong>ra de inveja, ambição, ódio, indiferença, que projeta suapersecutorie<strong>da</strong>de e sua culpa sobre seus filhos-membros, atribuin<strong>do</strong>-lhes aresponsabili<strong>da</strong>de pelos seus fracassos, pela sua exclusão, pela sua elimi<strong>na</strong>ção?(DAMERGIAN, 2001, P. 112-113).Freud (1976, apud DAMERGIAN, 2001, p. 105-106) chamou nossa atenção “paraa importância <strong>do</strong> amor pelos outros” como única maneira de transformar o “egoísmo em8 Simbiose: Associação de <strong>do</strong>is seres vivos, vi<strong>da</strong> em comum. (SILVEIRA BUENO, 2000).
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