existir.” (COSTA, 1998, p5).Talvez, assim, partin<strong>do</strong> dessas novas maneiras de relacio<strong>na</strong>mento, sugeri<strong>da</strong>sacima pelo autor, Do<strong>na</strong> Joa<strong>na</strong> (abril/2008) não precise mais lamentar um tempo que passou:“Tempo bom era o tempo <strong>do</strong> lixão, pelo menos a gente sempre tinha o que comê... era fruta...verdura... nunca faltava <strong>na</strong><strong>da</strong>. Hoje em dia não: tá tu<strong>do</strong> muito caro, né?”. E nem Do<strong>na</strong> Iraci(abril/2008) precise sofrer com aquilo que foi a maior tristeza de sua vi<strong>da</strong>:Pra mim eu não me importava de comê, mais eles (os filhos) eu não... Ai, viero umavez pedi meus filho pra mim, tu vê. Foi a minha maior tristeza <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>! Ai,viero pedi meus filho porque acharo que eles tavam passan<strong>do</strong> fome. Eu disse: não,<strong>na</strong> mesa que come <strong>do</strong>is come trêis. É meus filhos, eu não vou me desfazer denenhum deles!A maior tristeza <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dessa mulher, que batalhava pela sobrevivência própria ede seus filhos, foi terem duvi<strong>da</strong><strong>do</strong> <strong>da</strong> sua capaci<strong>da</strong>de de prover alimentos para eles, pois seumodelo de mãe era assim: “muitos dias não tinha o que comê, mais a minha mãe nuncadeixou passá... nóis passá necessi<strong>da</strong>de.”O que Do<strong>na</strong> Iraci e Do<strong>na</strong> Joa<strong>na</strong> estão dizen<strong>do</strong> é que a alimentação é necessi<strong>da</strong>de<strong>na</strong> vi<strong>da</strong> de to<strong>do</strong>s nós, durante a vi<strong>da</strong> to<strong>da</strong>. Tiran<strong>do</strong> os filhos <strong>da</strong> companhia de suas mães, emnome <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, porque lhes faltam os gêneros de primeira necessi<strong>da</strong>de ou mesmoacaban<strong>do</strong> com os lixões <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, não significa que o problema estará resolvi<strong>do</strong>, pois “ogrande problema, então, de nossa civilização (...) é sua vocação essencialmente materialista etecnocrática, a forma como sua racio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de e tecnocracia estende seus tentáculos a to<strong>do</strong>s os<strong>do</strong>mínios <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, incluin<strong>do</strong> a morali<strong>da</strong>de.” (DAMERGIAN, 2001, p.105).2.1.3 A Subjetivi<strong>da</strong>de e a Mãe Cui<strong>da</strong><strong>do</strong>ra e Transmissora de CulturaAs memórias ambientais de Do<strong>na</strong> iraci a remetem para o mato aonde ia com a suamãe buscar lenha para o fogo ain<strong>da</strong> de madruga<strong>da</strong>. Na sua lembrança ficou a generosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><strong>na</strong>tureza que lhes fornecia a fonte de calor para preparar os alimentos e também para aqueceros seus corpos <strong>na</strong>s noites gela<strong>da</strong>s <strong>do</strong> inverno catarinense. Lá no mato também era o lugar ondeouvia as len<strong>da</strong>s e estórias <strong>do</strong>s contos de fa<strong>da</strong>. O mato era o lugar de ouvir as estórias quegeralmente os pais contam para suas crianças <strong>na</strong> cabeceira <strong>da</strong> cama <strong>na</strong> hora de <strong>do</strong>rmir.Estórias que ao mesmo tempo em que encantavam também causavam me<strong>do</strong>: “Ela contava asestórias pra nóis, ela acabava de pegar a lenha, nóis sentava <strong>na</strong> beira<strong>da</strong> <strong>do</strong> mato (...) Aí eladizia que tinha bruxa, que tinha o boi de fogo <strong>na</strong> boca, ela dizia que tinha o lobo, ela dizia quetinha uma porção de coisa...” (DONA IRACI, 2008). No mato foi onde a Iraci criança teve
acesso às crenças e às len<strong>da</strong>s <strong>da</strong> sua cultura.Do<strong>na</strong> Iraci pôde estabelecer uma forte ligação afetiva com sua mãe. Um eloapoia<strong>do</strong> num “ponto fixo”, a “valência positiva”, <strong>na</strong> perspectiva de Damergian (2001, p. 90).Esse apoio permitiu experiências <strong>na</strong>s quais a pulsão de vi<strong>da</strong> pudesse fluir, ou seja,experiências de troca de afetos e relacio<strong>na</strong>mentos saudáveis. Como disse Damergian (2001, p.101): “é de se pensar a luta heróica dessas mães para <strong>da</strong>r amor, acima de to<strong>do</strong>s os sofrimentosa que estão expostas”:Olha, minha mãe era uma pessoa pobre, mais muito boa de coração, minha mãe,meu pai eram pobres, mais pobres mesmo de não tê o que comê, mais ela tambémnão desprezou nem um filho, ela abraçava to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>ze com as mãos. (DONAIRACI, abril/2008)O modelo de mãe que Do<strong>na</strong> Iraci teve abraçava os <strong>do</strong>ze filhos com as mãos (nãocom tentáculos), portanto, sua subjetivi<strong>da</strong>de é forma<strong>da</strong> também pela prática pelo acolhimento,pelo carinho dividi<strong>do</strong> igualmente <strong>na</strong> hora <strong>da</strong> competição pelo abraço <strong>da</strong> mãe, ou seja, umasubjetivi<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong><strong>da</strong> num ponto fixo que agrega, acolhe e compartilha o amor com to<strong>do</strong>sigualmente.Do<strong>na</strong> Iraci se emocionou ao relembrar a <strong>do</strong>r que foi perder esta principal figura desua vi<strong>da</strong> aos catorze anos de i<strong>da</strong>de. Sua mãe faleceu, vítima <strong>da</strong> varíola, após o parto de seudécimo terceiro filho, que não resistin<strong>do</strong> à <strong>do</strong>ença e ao parto prematuro de sete meses degestação, também morreu. São as adversi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> para as quais, geralmente, não se estáprepara<strong>do</strong> para enfrentar.Entretanto, a jovem Iraci precisava elaborar a morte de sua mãe ocorri<strong>da</strong> após esseparto, e então foi trabalhar como parteira em um hospital <strong>da</strong> região: “Depois... depois que aminha mãe morreu... fui procurar a minha vi<strong>da</strong>, né?” disse Do<strong>na</strong> Iraci, emocio<strong>na</strong><strong>da</strong>. Isso nosremete a Freud (apud HALL; CAMPBELL & LINDZEY, 2000) quan<strong>do</strong> refere a umapossibili<strong>da</strong>de de reparação. Segun<strong>do</strong> Do<strong>na</strong> Iraci ela “sumiu”, precisava exorcizar umdemônio:[...] Eu fui pro inter<strong>na</strong>to (...) mais aí era muito puxa<strong>do</strong> (...) tinha uma freira que eramuito ruim, era muito ruim, a irmã Lídia... era o satanás, aquela não era nem pra serirmã, acho que ela era o capeta vesti<strong>do</strong> de gente. (...) Era uma atenta<strong>da</strong> aquela freira,aquela lá nem era pra ser freira, aquela... depois ela morreu. Meu pai, minhas irmãnão sabio onde é que an<strong>da</strong>va. Saí de casa sem mais nem menos, eu sumi. (...) Fuitrabalhar no hospital de Lagu<strong>na</strong> (...) porque eu tinha vontade de ser enfermeira. Aí<strong>na</strong>quela época eu fiz um curso, lá mesmo dentro <strong>do</strong> hospital fiz um curso e fuiaju<strong>da</strong>nte de parteira. (...) Porque eu gostava de criança, li<strong>da</strong>r com gente <strong>do</strong>ente,a<strong>do</strong>rava cui<strong>da</strong>r de gente <strong>do</strong>ente. (DONA IRACI, abril/2008).Elaborar as per<strong>da</strong>s, reparar os <strong>da</strong>nos sofri<strong>do</strong>s e causa<strong>do</strong>s fazem parte <strong>da</strong>subjetivi<strong>da</strong>de que é forma<strong>da</strong> e reforma<strong>da</strong> a partir de uma eleva<strong>da</strong> auto-estima.
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