(2007).Assim, Do<strong>na</strong> Iraci ao estabelecer uma relação com o outro, este, enquantoentrevista<strong>do</strong>r, aquela enquanto entrevista<strong>da</strong>, assumiu para si o dever de defender sua mãe esua família, justifican<strong>do</strong>: “To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> conhece nóis pela nossa pobreza. Não por vadiação,nem por <strong>na</strong><strong>da</strong> (...) ela (a mãe) trabalhava de lavação, ela tinha dez lavação (...) Então, a minhamãe era uma mulher muito pobre, mais muito trabalhadeira...”. Aqui, Do<strong>na</strong> Iraci nos dá aentender que em nossa cultura ser pobre pode ser si<strong>na</strong>l de preguiça, de malandragem, defracasso pessoal e, por isso, tratou logo de evitar qualquer tipo de julgamento negativo emrelação à pobreza de sua família.Em outro momento, Do<strong>na</strong> Iraci fala sobre as roupas e os sacos e sacos de comi<strong>da</strong>que a família dela recebia como aju<strong>da</strong> por parte de empresários <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de: “Aí ele (umempresário) que deu o luto 5 pra nóis, ele que levou comi<strong>da</strong>, sacos e sacos de comi<strong>da</strong>, porque aminha mãe e meu pai eram muito bem visto em Criciúma, muito bem visto.” Como se podenotar, o discurso de Do<strong>na</strong> Iraci é de agradecimento pela soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de <strong>do</strong> empresário,entretanto, quase se sentin<strong>do</strong> honra<strong>da</strong> em ser aju<strong>da</strong><strong>da</strong> por gente tão “importante”.“Que relação o sujeito estabelece consigo a partir de ver<strong>da</strong>des que culturalmentelhe são atribuí<strong>da</strong>s?”, questio<strong>na</strong> Candiotto (2008, p. 2). Que discursos foram proferi<strong>do</strong>s comover<strong>da</strong>deiros e que serviram de bases para a construção <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de de Do<strong>na</strong> Iraci que aimpedem de fazer qualquer referência às questões políticas e sociais envolvi<strong>da</strong>s no enre<strong>do</strong> desua história?A ausência de questio<strong>na</strong>mento político-social <strong>na</strong> fala de Do<strong>na</strong> Iraci pode levar ainferir que aqueles que estão às margens <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de estão, também, sem acesso àsdiscussões políticas que poderiam alterar suas condições de vi<strong>da</strong>.Essa exclusão política é fruto <strong>da</strong>s relações entre os homens, pois o indivíduorecebe uma formação 6 característica de sua classe social que irá permitir a abertura ou alimitação de suas ações:Na história <strong>da</strong> civilização ocidental, a formação tem si<strong>do</strong> distinta conforme acondição de vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> indivíduo: se escravo ou homem livre, servo ou senhor,trabalha<strong>do</strong>r ou empresário. A formação se dá em consonância com as necessi<strong>da</strong>des<strong>da</strong> produção social, pretenden<strong>do</strong> desenvolver no indivíduo as habili<strong>da</strong>des para fazerfrente à produção, e/ou de acor<strong>do</strong> com as interpretações que são <strong>da</strong><strong>da</strong>s para omun<strong>do</strong>, que lhe permitem ter um posicio<strong>na</strong>mento frente às questões políticas(CROCHÍK, 1998, p.3).5 Luto – O empresário <strong>do</strong>ou as roupas de cor preta para a ocasião <strong>da</strong> morte <strong>da</strong> mãe de Do<strong>na</strong> Iraci.6 Formação: refere à formação cultural constituí<strong>da</strong> pelos traços de caráter, perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de e pela educação. Estaúltima indican<strong>do</strong> apreensão de conceitos, valores e normas, envolven<strong>do</strong> to<strong>da</strong>s as ár<strong>ea</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e não somente afamília ou a escola (CROCHÌK, 1998).
Desse mo<strong>do</strong>, percebe-se a cultura 7 e a construção <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de imbrica<strong>da</strong>s, detal mo<strong>do</strong>, que não é possível refletir sobre uma sem, imediatamente, relacioná-la à outra.Visto desse ângulo, pode-se dizer que o indivíduo tem a forma e o conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong>s experiênciastroca<strong>da</strong>s em sua inter-relação com os outros membros <strong>da</strong> sua socie<strong>da</strong>de:autônomo/dependente, humilde/pretensioso, egoísta/solidário... .Depreende-se, portanto, que a cultura traz em seu bojo um projeto preestabeleci<strong>do</strong>de homem, cuja “possibili<strong>da</strong>de de um indivíduo emancipa<strong>do</strong>, autônomo, é necessáriadecorrência <strong>do</strong> projeto <strong>da</strong> cultura” (CROCHÍK, 1998, p.1), pois, segun<strong>do</strong> esse autor, aprincipal função <strong>da</strong> cultura é a de proteger “os homens <strong>da</strong>s am<strong>ea</strong>ças <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza” e, como ohomem mesmo é <strong>na</strong>tureza, deve ser “defendi<strong>do</strong> de si mesmo e <strong>do</strong> outro” por meio de outrafunção <strong>da</strong> cultura que emerge como conseqüência <strong>da</strong> que foi enuncia<strong>da</strong>: instituir regras derelacio<strong>na</strong>mento entre os homens. A cultura, nessa perspectiva, define-se pelo mo<strong>do</strong> deenfrentar aquilo que é am<strong>ea</strong>ça<strong>do</strong>r para o homem, “presente tanto nos desafios <strong>da</strong> <strong>na</strong>turezaquanto <strong>na</strong>s regras de relacio<strong>na</strong>mento humano cria<strong>da</strong>s por ela” (CROCHÍK, 1998, p. 1).Segun<strong>do</strong> A<strong>do</strong>rno (1971 apud CROCHÍK, 1998, p. 7) o indivíduo se diferencia <strong>do</strong>soutros indivíduos (individuação) a partir <strong>da</strong> “incorporação <strong>da</strong> cultura”, isto é, a subjetivi<strong>da</strong>dese desenvolve “<strong>na</strong> cultura e através dela”, a cultura produz seus indivíduos. Isto não significaque os primeiros anos de vi<strong>da</strong> devam ser desconsidera<strong>do</strong>s, pois até mesmo para relembrar opassa<strong>do</strong> o indivíduo o faz “através <strong>do</strong>s diversos filtros aponta<strong>do</strong>s por Freud, pelos símbolosque são adquiri<strong>do</strong>s a posteriori.” (CROCHÌK, 1998, p. 7).Desse ponto de vista, o autor defende que para estu<strong>da</strong>r a subjetivi<strong>da</strong>de énecessário que, enquanto ciência, a psicologia considere as “condições de existência” <strong>do</strong>indivíduo e volte a sua compreensão para as condições <strong>na</strong>s quais a subjetivi<strong>da</strong>de teve a suagênese, pois, de outro mo<strong>do</strong>, estaria assumin<strong>do</strong> uma atitude ideológica. Isto seria, portanto,pensar a subjetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s pessoas entrevista<strong>da</strong>s levan<strong>do</strong>-se em conta a “incorporação <strong>da</strong>cultura” <strong>na</strong> construção <strong>da</strong> própria subjetivi<strong>da</strong>de, pois as condições sociais, histórica, política eeconômica são produtos culturais:[...] Aí ela fazia farofa de ba<strong>na</strong><strong>na</strong>, fazia... <strong>da</strong>va arroz com ba<strong>na</strong><strong>na</strong> pra nóis, porquecarne bem pouco existia, né? Carne <strong>na</strong> mesa foi bem pouco. (...) Não é que nãotinha: ter, tinha, mais nóis não tinha era o dinheiro pra comprá, né? (DONA IRACI,abril/2008).O que Do<strong>na</strong> Iraci está dizen<strong>do</strong>, por exemplo, diz respeito à sua condição sócio-7 Kant (1992 apud CROCHÍK, 1998, p. 7), “a<strong>na</strong>lisa o desenvolvimento <strong>da</strong> cultura ocidental e um de seusprodutos principais: a razão; assi<strong>na</strong>la, no entanto, que esta só se r<strong>ea</strong>liza pelo livre uso individual <strong>da</strong>quela, ou seja,pela autonomia individual”. Autonomia, <strong>na</strong> perspectiva de Dahren<strong>do</strong>rf (1992), está liga<strong>da</strong> ao conceito de sujeitoautodirigi<strong>do</strong>, isto é, aquele que pensa por conta própria (censo crítico).
- Page 1 and 2: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARIN
- Page 3 and 4: A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A A
- Page 5 and 6: INTRODUÇÃOO Trabalho de Conclusã
- Page 7 and 8: 1.3 MetodologiaO método utilizado
- Page 9 and 10: Renascer/Mina Quatro, foi necessár
- Page 11 and 12: mandaro ele assinar uma foia. Aí,
- Page 13: As palavras de Dona Iraci revelam a
- Page 17 and 18: os pobres.Desse modo, a subjetivida
- Page 19 and 20: sociais, trabalhistas, conjugais, e
- Page 21 and 22: acesso às crenças e às lendas da
- Page 23 and 24: abril, 2008). Seria uma simbiose 8
- Page 25 and 26: trabalhar com ela, porque me achou
- Page 27 and 28: (corporal), metafísicos (transcend
- Page 29 and 30: importante contra a alienação”,
- Page 31 and 32: manutenção no mundo, no “con-te
- Page 33 and 34: achou um menino dentro duma caixa d
- Page 35 and 36: FIGURA 3 - CRIANÇAS BRINCANDO NAS
- Page 37 and 38: vicioso da pobreza. (2001, p. 101).
- Page 39 and 40: vivida por todo o seu corpo, que me
- Page 41 and 42: memória ambiental (Figura 7).FIGUR
- Page 43 and 44: FIGURA 9 - A PAISAGEM CRIADA POR DO
- Page 45 and 46: partir dessa perspectiva, o signifi
- Page 47 and 48: Freud (apud DAMERGIAN, 2001, p. 106
- Page 49 and 50: REFERÊNCIASAVRITZER, Leonardo. Teo
- Page 51 and 52: n.1, p.17-21, 2004.HALL, Calvin S.;