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a produção da subjetividade ea apropriação do espaço na periferia ...

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESCCURSO DE PSICOLOGIALÍLIAN MOTTA GOMESA PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A APROPRIAÇÃO DOESPAÇO NA PERIFERIA URBANACRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2008.


LÍLIAN MOTTA GOMESA PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A APROPRIAÇÃO DOESPAÇO NA PERIFERIA URBANATrabalho de Conclusão <strong>do</strong> Curso, apresenta<strong>do</strong>para obtenção <strong>do</strong> grau de Psicólogo <strong>do</strong> Cursode Psicologia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> Extremo SulCatarinense, UNESC.Orienta<strong>do</strong>ra: Profª Drª Teresinha MariaGonçalvesCRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2008.


A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A APROPRIAÇÃO DOESPAÇO NA PERIFERIA URBANARESUMO:Este trabalho insere-se no âmbito <strong>da</strong> Psicologia Ambiental e tem como objetivo centralidentificar o processo de apropriação <strong>do</strong> espaço pelos mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> bairro Re<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong>Quatro em Criciúma/SC, cuja ár<strong>ea</strong> fora uma mi<strong>na</strong> de extração de carvão e após suadegra<strong>da</strong>ção e aban<strong>do</strong>no tor<strong>na</strong>ra-se o lixão <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Mais tarde, esta ár<strong>ea</strong> veio a ser lot<strong>ea</strong><strong>da</strong> evendi<strong>da</strong> pela prefeitura à população carente. Utilizou-se o estu<strong>do</strong> de caso bas<strong>ea</strong><strong>do</strong> nos relatos<strong>da</strong>s histórias de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas entrevista<strong>da</strong>s e no registro fotográfico <strong>da</strong>s facha<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s casase seus entornos, em que se buscou verificar o processo de organização <strong>da</strong> casa e <strong>do</strong> entornosocio-físico; identificar os objetos poéticos <strong>na</strong> decoração <strong>da</strong> casa; e, identificar as formas d<strong>ea</strong>ção-transformação ocorri<strong>da</strong>s no bairro, procuran<strong>do</strong> sempre compreender a uni<strong>da</strong>de socialestu<strong>da</strong><strong>da</strong> como um to<strong>do</strong>. Os resulta<strong>do</strong>s revelaram, entre outras coisas, os sentimentos, asdificul<strong>da</strong>des e as proporções alcança<strong>da</strong>s e causa<strong>da</strong>s pela vivência <strong>da</strong> pobreza. Permitiraminferir, também, que o processo de apropriação <strong>do</strong> espaço encontra-se atrela<strong>do</strong> à produção <strong>da</strong>subjetivi<strong>da</strong>de <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que o sujeito ao produzir seu espaço social produz a sua própriasubjetivi<strong>da</strong>de e vice-versa. E, ain<strong>da</strong>, revelaram a necessi<strong>da</strong>de de novas formas de vi<strong>da</strong>bas<strong>ea</strong><strong>da</strong>s no amor, a si mesmo e ao próximo, como saí<strong>da</strong> e estímulo para a produção desubjetivi<strong>da</strong>des integra<strong>da</strong>s e integra<strong>do</strong>ras.Palavras-chave: Psicologia Ambiental. Apropriação <strong>do</strong> espaço. Subjetivi<strong>da</strong>de.


A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NAPERIFERIA URBANAAutora: Lílian Motta GomesOrienta<strong>do</strong>r(a): Profª Drª Teresinha Maria Gonçalves - UnescBanca Exami<strong>na</strong><strong>do</strong>ra: Maril<strong>da</strong> Olivo Ghellere – MestreProfª Rosa Nadir Teixeira Jerônimo – Mestre – Unesc


INTRODUÇÃOO Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), bem como sua defesa, é discipli<strong>na</strong>obrigatória <strong>do</strong> currículo <strong>do</strong> Curso de Psicologia <strong>da</strong> UNESC e requisito parcial para aconclusão <strong>do</strong> mesmo. Assim, a fim de elaborar este trabalho, partiu-se de um projeto depesquisa, devi<strong>da</strong>mente aprova<strong>do</strong> pelo Comitê de Ética <strong>da</strong> Unesc, intitula<strong>do</strong>: PsicologiaAmbiental – um estu<strong>do</strong> sobre o processo de apropriação <strong>do</strong> espaço e a produção <strong>da</strong>subjetivi<strong>da</strong>de <strong>na</strong> <strong>periferia</strong> urba<strong>na</strong>, desenvolvi<strong>do</strong> pela própria acadêmica com o apoio <strong>do</strong>Programa de Iniciação Científica <strong>do</strong> Artigo 170 – PIC 170 <strong>da</strong> Pró-Reitoria de Pós-Graduação,Pesquisa e Extensão <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> Extremo Sul Catarinense, no perío<strong>do</strong> de 01 de agostode 2007 a 30 de maio de 2008. As hipóteses de pesquisas pressupõem que uma <strong>da</strong>s formas deconstrução <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de dá-se pelo mo<strong>do</strong> como o sujeito se apropria <strong>do</strong> espaço e que uma<strong>da</strong>s formas mais integra<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> processo de apropriação <strong>do</strong> espaço é intermedia<strong>da</strong> pelapoética. A descrição <strong>do</strong>s objetivos e demais assuntos referentes ao desenvolvimento <strong>da</strong>pesquisa encontram-se <strong>na</strong>s subseções dessa uni<strong>da</strong>de introdutória. A temática <strong>do</strong> referi<strong>do</strong>trabalho insere-se no âmbito <strong>da</strong> Psicologia Ambiental, cuja linha de pesquisa diz respeito aoMeio Ambiente. No primeiro capítulo buscou-se compreender o processo de produção <strong>da</strong>subjetivi<strong>da</strong>de a partir <strong>da</strong>s primeiras relações sociais estabeleci<strong>da</strong>s entre o sujeito e sua mãe ouadulto cui<strong>da</strong><strong>do</strong>r. Essas primeiras relações foram considera<strong>da</strong>s como o momento no qual osvínculos afetivos são forma<strong>do</strong>s, ou não, e no qual também o sujeito inter<strong>na</strong>liza os valores, ascrenças, costumes e regras sociais como elementos <strong>da</strong> cultura, para mais tarde reproduzi-los.Portanto, buscou-se compreender a produção <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de, a partir <strong>da</strong> concepção de serhumano como um ser fun<strong>da</strong>mentalmente social, que cresce e desenvolve sua identi<strong>da</strong>de pelainteração com seus semelhantes; e por meio <strong>da</strong>s marcas deixa<strong>da</strong>s pelas relações sociais,ambas supostamente implícitas nos relatos <strong>da</strong>s histórias de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas entrevista<strong>da</strong>s. Nosegun<strong>do</strong> capítulo, buscou-se verificar como se deu o processo de apropriação <strong>do</strong> espaço nobairro Re<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatro, <strong>periferia</strong> de Criciúma/SC, antigo lixão <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de a partir <strong>da</strong>identificação <strong>do</strong> sujeito com o lugar com base nos pressupostos teóricos <strong>da</strong> PsicologiaAmbiental, cujo estu<strong>do</strong> de seu objeto, o simbolismo <strong>do</strong> espaço, permite discorrer sobre arelação pessoa/entorno sociofísico.1.1 JustificativaA Psicologia Ambiental surge <strong>da</strong> convergência <strong>da</strong>s diversas ár<strong>ea</strong>s <strong>do</strong>


conhecimento que abrangem as Ciências Sociais, especialmente a Psicologia Social Aplica<strong>da</strong>e parte <strong>do</strong> princípio de que to<strong>da</strong> conduta ocorre sempre e necessariamente em um contextoambiental (VALERA; POL; VIDAL, s/d). O termo ambiente, para esta discipli<strong>na</strong>, refere-se aoentorno sociofísico entendi<strong>do</strong> como o espaço no qual ocorre o imbricamento <strong>da</strong>scaracterísticas tanto físicas como sociais e sua correlação com o comportamento. Sen<strong>do</strong> queesse entorno, enquanto ambiente físico e social, atua ativa e indissociavelmente sobre osujeito durante to<strong>do</strong> o processo. Desse mo<strong>do</strong>, à Psicologia Ambiental, segun<strong>do</strong> Gonçalves(2004), importa compreender como o indivíduo percebe o ambiente e como, por que e quaisos caminhos por onde se manifesta a transação e o inter-relacio<strong>na</strong>mento <strong>da</strong> experiência e <strong>da</strong>sações huma<strong>na</strong>s nos aspectos que dizem respeito aos ambientes, físico e social, ou seja, comoesse indivíduo compreende, r<strong>ea</strong>ge e modifica o seu entorno sociofísico. Seu objeto de estu<strong>do</strong> éo componente emocio<strong>na</strong>l atribuí<strong>do</strong> ao espaço, isto é, o significa<strong>do</strong> simbólico <strong>do</strong> espaço.Interessa-se, pois, em compreender o processo de apropriação <strong>do</strong> espaço, porque entende queesse processo é, em grande medi<strong>da</strong>, uma ação auto-transforma<strong>do</strong>ra, porque ao recriar oespaço, o sujeito é recria<strong>do</strong> por ele, objetiva e subjetivamente. Além disso, para <strong>da</strong>r conta desua proposta, esta discipli<strong>na</strong> trabalha e relacio<strong>na</strong> entre si os conceitos de identi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> eu,identi<strong>da</strong>de de lugar, identi<strong>da</strong>de social, privaci<strong>da</strong>de, territoriali<strong>da</strong>de, apego, lugar e poética,dentre outros.1.2 Objetivos1.2.1 Objetivo GeralIdentificar o processo de apropriação <strong>do</strong> espaço pelos mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> bairroRe<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatro, Criciúma/SC.1.2.2 Objetivos Específicos- Verificar como se dá o processo de organização <strong>da</strong> casa e <strong>do</strong> entorno;- Identificar os objetos poéticos <strong>na</strong> decoração <strong>da</strong> casa;- Identificar as formas de ação-transformação ocorri<strong>da</strong>s no bairro.


1.3 Meto<strong>do</strong>logiaO méto<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong> é o estu<strong>do</strong> de caso, cujo objetivo é o conhecimento amplo edetalha<strong>do</strong> <strong>do</strong> objeto de estu<strong>do</strong> (GONÇALVES, 2006). Por se caracterizar como uma análiseholística, o estu<strong>do</strong> de caso considera a uni<strong>da</strong>de social estu<strong>da</strong><strong>da</strong> como um to<strong>do</strong>, neste caso, acomuni<strong>da</strong>de <strong>do</strong> Bairro Re<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatro.Os postula<strong>do</strong>s teóricos <strong>da</strong> Psicologia Ambiental embasaram o estu<strong>do</strong> sobre omo<strong>do</strong> como o indivíduo percebe o ambiente, como se dão os processos psicológicosenvolvi<strong>do</strong>s nessa percepção e como esse indivíduo compreende, r<strong>ea</strong>ge e modifica o seuentorno sociofísico, ou seja, o significa<strong>do</strong> simbólico <strong>do</strong> espaço e a compreensão <strong>do</strong>s processospsicossociais que resultam <strong>da</strong>s relações, <strong>da</strong>s influências mútuas e <strong>da</strong>s transações entre aspessoas, grupos sociais ou comuni<strong>da</strong>des e seus entornos sociofísicos, que permitem aidentificação e a apropriação <strong>do</strong> espaço pelo sujeito.1.3.1 Natureza <strong>da</strong> PesquisaEsta pesquisa caracteriza-se como qualitativa <strong>do</strong> tipo exploratória, cujo objeto deestu<strong>do</strong> é o processo de apropriação <strong>do</strong> espaço e a produção <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de no BairroRe<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatro, <strong>periferia</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Criciúma/SC.1.3.2 Uni<strong>da</strong>de de PesquisaA pesquisa foi r<strong>ea</strong>liza<strong>da</strong> no bairro Re<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatro, <strong>periferia</strong> deCriciúma/SC. O Bairro Re<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatro, segun<strong>do</strong> Teixeira (apud Gonçalves, 2002),compreende uma ár<strong>ea</strong> de 43.000 metros quadra<strong>do</strong>s desti<strong>na</strong><strong>da</strong> a lot<strong>ea</strong>mento popular para 650famílias. Quan<strong>do</strong> a Mi<strong>na</strong> Quatro, mi<strong>na</strong> de extração de carvão, foi desativa<strong>da</strong> deixou no localuma grande quanti<strong>da</strong>de de rejeitos de carvão expostos ao ar livre. De acor<strong>do</strong> com o autor, onome desses rejeitos é pirita, cujos agentes inflamáveis conti<strong>do</strong>s em sua composição entramem autocombustão quan<strong>do</strong> em contato com a umi<strong>da</strong>de, exalan<strong>do</strong> gases tóxicos. Antes <strong>do</strong>lot<strong>ea</strong>mento popular essa ár<strong>ea</strong> foi escolhi<strong>da</strong> para ser o lixão <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Entretanto, antes <strong>do</strong>lixão, alguns cata<strong>do</strong>res de materiais recicláveis, que haviam invadi<strong>do</strong> a ár<strong>ea</strong>, já moravam nolocal por não disporem de alter<strong>na</strong>tiva melhor. Vários anos depois, após uma ação popular, olixão foi transferi<strong>do</strong> para outro local. A ár<strong>ea</strong>, então, foi lot<strong>ea</strong><strong>da</strong> e hoje é conheci<strong>da</strong> como obairro Re<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatro.


1.3.3 Definição <strong>da</strong> AmostraNo início, o propósito era de que a amostra fosse composta por 08 quadras,corresponden<strong>do</strong> a 32 moradias escolhi<strong>da</strong>s intencio<strong>na</strong>lmente após a observação cui<strong>da</strong><strong>do</strong>sa <strong>da</strong>smesmas e que atendessem ao critério de maior riqueza simbólica em suas facha<strong>da</strong>s e entornos.Entretanto, não foi possível alcançar esses números, pois alguns mora<strong>do</strong>res <strong>da</strong>s casasescolhi<strong>da</strong>s não quiseram participar <strong>da</strong> pesquisa; outros que tinham esse interesse não estavamem casa no dia agen<strong>da</strong><strong>do</strong> para a entrevista; e ain<strong>da</strong> outros que desejavam participar, nãoconcor<strong>da</strong>ram em assi<strong>na</strong>r o Termo de Consentimento Livre e Esclareci<strong>do</strong>. Vale considerarain<strong>da</strong>, que alguns dias antes <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta prevista para a r<strong>ea</strong>lização <strong>da</strong>s entrevistas, o bairro foinotícia nos jor<strong>na</strong>is <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de devi<strong>do</strong> à morte de a<strong>do</strong>lescentes envolvi<strong>do</strong>s com o tráfico e usode drogas, o que gerou certo receio e apreensão em alguns mora<strong>do</strong>res, que assim sejustificaram. Por conta dessas dificul<strong>da</strong>des, a amostra se compôs de cinco casas e suasrespectivas proprietárias para as entrevistas, indica<strong>da</strong>s e apresenta<strong>da</strong>s pela informantequalifica<strong>da</strong>, to<strong>da</strong>s <strong>do</strong> sexo feminino, mora<strong>do</strong>ras antigas <strong>do</strong> bairro, cujos nomes foramsubstituí<strong>do</strong>s por outros fictícios, a fim de preservar-lhes o anonimato.1.3.4 Técnicas de Coleta de Da<strong>do</strong>sObservação sistemática (GONÇALVES, 2006), passeios pelo bairro, diário decampo, registros etnográficos (fotografias), visitas, entrevistas abertas/informais e semiestrutura<strong>da</strong>s.Num primeiro momento, passeou-se pelo bairro a fim de se familiarizar com olocal observan<strong>do</strong>-se sistematicamente a paisagem sócio-espacial para, em segui<strong>da</strong>, fazer asanotações no diário de campo. Nas visitas que se seguiram o objetivo foi o de observar asfacha<strong>da</strong>s, o entorno e a organização <strong>da</strong>s casas e tirar as fotografias. Posteriormente,procederam-se as entrevistas semi-estrutura<strong>da</strong>s, informais, que foram previamente agen<strong>da</strong><strong>da</strong>se conduzi<strong>da</strong>s pela pesquisa<strong>do</strong>ra, sob supervisão <strong>da</strong> professora orienta<strong>do</strong>ra e que se encontramdisponíveis para consulta e estão em poder <strong>da</strong> pesquisa<strong>do</strong>ra. Em outro momento, estasgravações foram transcritas, digitaliza<strong>da</strong>s e impressas. Após, r<strong>ea</strong>lizou-se a sua leitura junto àsentrevista<strong>da</strong>s.1.3.5 Estratégias de açãoPara compreender o processo de apropriação <strong>do</strong> espaço pelos mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> bairro


Re<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatro, foi necessário conhecer os determi<strong>na</strong>ntes sócio-históricos <strong>da</strong>comuni<strong>da</strong>de estu<strong>da</strong><strong>da</strong>, bem como seu aspecto espacial. Para isso, foi r<strong>ea</strong>liza<strong>da</strong> umaaproximação com o campo de pesquisa. Esta aproximação com os mora<strong>do</strong>res se deu através<strong>da</strong> professora coorde<strong>na</strong><strong>do</strong>ra <strong>da</strong> pesquisa, pois ela já r<strong>ea</strong>lizou e ain<strong>da</strong> r<strong>ea</strong>liza pesquisa nessebairro. Assim, primeiramente, conheceu-se o presidente <strong>da</strong> associação de mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> bairroe uma mora<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> local que ficou como informante qualifica<strong>da</strong>, nessa pesquisa. Numsegun<strong>do</strong> momento, r<strong>ea</strong>lizaram-se passeios pelo bairro e visitas a alguns mora<strong>do</strong>res a fim de seutilizar a técnica de observação sistemática no contexto local. Esta técnica é fun<strong>da</strong>mental <strong>na</strong>pesquisa social, por permitir que os fatos sejam percebi<strong>do</strong>s diretamente sem intermediários(GONÇALVES, 2006). A observação sistemática foi dirigi<strong>da</strong> para as facha<strong>da</strong>s, entornos eorganização <strong>da</strong>s casas; as ruas, seu traça<strong>do</strong>, seu contorno e sua paisagem sócio-espacial. Emsegui<strong>da</strong>, r<strong>ea</strong>lizaram-se as entrevistas abertas/informais com as proprietárias <strong>da</strong>s casas que sedefiniram como amostra, conforme exposto no item 1.3.3, a fim de conhecerem-se as suashistórias de vi<strong>da</strong> para correlacioná-las ao processo subjetivo de apropriação <strong>do</strong> espaço.1.3.6 Avaliação <strong>do</strong>s Da<strong>do</strong>s Obti<strong>do</strong>sOs <strong>da</strong><strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s, isto é, o conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong>s entrevistas e o registro fotográfico, foraminterpreta<strong>do</strong>s de acor<strong>do</strong> com os conceitos-chave <strong>do</strong> marco teórico. Desse mo<strong>do</strong>, a<strong>na</strong>lisaram-serecortes <strong>da</strong>s falas <strong>da</strong>s pessoas entrevista<strong>da</strong>s e as fotografias selecio<strong>na</strong><strong>da</strong>s <strong>do</strong> registrofotográfico, de acor<strong>do</strong> com os conceitos-chave <strong>do</strong> marco teórico.


2 ANÁLISE DO CONTEÚDO DAS ENTREVISTAS E DO REGISTROFOTOGRÁFICO SEGUNDO O REFERENCIAL TEÓRICO2.1 O PROCESSO DE PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE2.1.1 A Subjetivi<strong>da</strong>de <strong>na</strong>s Marcas Deixa<strong>da</strong>s Pela Socie<strong>da</strong>deHistoricamente, o perío<strong>do</strong> que antecede a vin<strong>da</strong>, para Criciúma, <strong>da</strong>s famílias <strong>da</strong>smulheres entrevista<strong>da</strong>s foi marca<strong>do</strong> por fatores sócio-políticos que levaram ao êxo<strong>do</strong> rural.Esse perío<strong>do</strong>, conforme Faria (2007), compreendeu as déca<strong>da</strong>s de 60 a 80, quan<strong>do</strong> quase 13milhões de pessoas foram “expulsas” <strong>do</strong> campo seguin<strong>do</strong> em direção aos centros urbanos. Osprincipais motivos que obrigaram à migração em massa, segun<strong>do</strong> a autora, foram: amodernização <strong>da</strong> agricultura, que forçou os trabalha<strong>do</strong>res a buscarem alter<strong>na</strong>tivas desobrevivência <strong>na</strong>s ci<strong>da</strong>des; e o modelo de urbanização que atraía os mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> campo.Essa entra<strong>da</strong> em massa <strong>na</strong>s ci<strong>da</strong>des provocou um crescimento desorde<strong>na</strong><strong>do</strong>. Semplanejamento para atender aos novos mora<strong>do</strong>res, as ci<strong>da</strong>des não possuíam as condiçõessanitárias e de infra-estrutura básicas, favorecen<strong>do</strong> o surgimento de to<strong>do</strong> tipo de adversi<strong>da</strong>decomo desemprego, <strong>do</strong>enças, violência e miséria.Nessa época, o Brasil estava buscan<strong>do</strong> crescimento econômico, ampara<strong>do</strong> pelapolítica neoliberal. Essa política, conforme afirmam seus principais defensores Hayek eFriedman (apud PETRY, 2008), favorece o crescimento econômico; porém, à custa <strong>do</strong>aumento <strong>da</strong> pobreza “alimenta<strong>da</strong> pela crescente exclusão e desigual<strong>da</strong>de social”, garantem oscríticos Cattani e Díaz (apud PETRY, 2008, p. 22). Desse mo<strong>do</strong>, as conseqüências levam acrer que ambos, defensores e críticos, estão certos, pois a economia de Criciúma cresceu(segun<strong>do</strong> o portal eletrônico 1 <strong>do</strong> governo estadual, a ci<strong>da</strong>de é conheci<strong>da</strong> como a “CapitalBrasileira <strong>do</strong> Carvão”), e os proprietários <strong>da</strong>s minera<strong>do</strong>ras enriqueceram, entretanto, a<strong>periferia</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e as ár<strong>ea</strong>s de risco foram as que se incumbiram de acolher os excluí<strong>do</strong>s <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> prosperi<strong>da</strong>de. A exploração <strong>na</strong> região não foi ape<strong>na</strong>s em relação à <strong>na</strong>tureza de ondese extraía o carvão mineral e degra<strong>da</strong>va-se o meio ambiente: explorava-se também amão-de-obra <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res e depois os aban<strong>do</strong><strong>na</strong>vam, degra<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-lhes a digni<strong>da</strong>de, comocontou a Do<strong>na</strong> Zulmira, uma <strong>da</strong>s mulheres entrevista<strong>da</strong>s: “Aí, deu uma <strong>do</strong>ença no pai. Aquelepó que ele torava, aquela diatomita, trancou nele aqui. Aí o faleci<strong>do</strong> D. (<strong>do</strong>no <strong>da</strong> minera<strong>do</strong>ra)1 Portal <strong>do</strong> Gov. Estadual: http://www.sc.gov.br/portalturismo/Default.asp?CodMunicipio=44&Pag=3.


man<strong>da</strong>ro ele assi<strong>na</strong>r uma foia. Aí, botaro o velho pra rua sem direito á <strong>na</strong><strong>da</strong> . Ele durô cincoanos. Aí veio a falecer. Aí ele morreu.” Sem a força para trabalhar, pois só estan<strong>do</strong> saudávelse pode tê-la, um ser humano foi trapac<strong>ea</strong><strong>do</strong> para ser, em segui<strong>da</strong>, aban<strong>do</strong><strong>na</strong><strong>do</strong>, sem condiçõessequer para se tratar adequa<strong>da</strong>mente. O dinheiro que ganhavam com a extração <strong>do</strong> minériomal <strong>da</strong>va para o sustento <strong>da</strong> família, como disse Do<strong>na</strong> Iraci, outra <strong>da</strong>s mulheres entrevista<strong>da</strong>s:“[...] mais aí o meu pai, o ganho dele era pouco pra sustentar <strong>do</strong>ze filhos, né?”Diante desses fatos, estu<strong>da</strong>r a subjetivi<strong>da</strong>de exige que voltemos nosso olhartambém para as suas dimensões históricas, culturais, sociais e políticas, conforme defendi<strong>do</strong>amplamente por vários autores contemporâneos como Pra<strong>do</strong> Filho e Martins (2007);Figueire<strong>do</strong> e Santi (2007); Mancebo (2002); Bock (2002); Crochík (1998), por exemplo. D<strong>ea</strong>cor<strong>do</strong> com esses autores, não podemos afirmar que os termos individuali<strong>da</strong>de, interiori<strong>da</strong>deou subjetivi<strong>da</strong>de, conforme entendi<strong>do</strong>s nos dias de hoje, são elementos de uma <strong>na</strong>turezahuma<strong>na</strong> universal, porque neles estão conti<strong>da</strong>s as marcas <strong>da</strong>s relações sociais estabeleci<strong>da</strong>s aolongo <strong>da</strong> história, intermedia<strong>da</strong>s pela cultura e pela política, cujas origens remontam desde oséculo XIV, no início <strong>da</strong> Re<strong>na</strong>scença 2 até os dias de hoje. (FIGUEIREDO e SANTI, 2007).Crochík, em seu artigo intitula<strong>do</strong> Os desafios atuais <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de <strong>na</strong>Psicologia, afirma que “o méto<strong>do</strong> para estu<strong>da</strong>r a subjetivi<strong>da</strong>de deve ser, portanto, o que leva aprocurar no indivíduo as marcas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.” (1998, p. 3). Nesse senti<strong>do</strong>, o estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>construção <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de <strong>na</strong> <strong>periferia</strong> urba<strong>na</strong> remete às histórias de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoasentrevista<strong>da</strong>s.O relato dessas histórias permitiu uma reflexão sobre as relações intra einterpessoais estabeleci<strong>da</strong>s pelo indivíduo com o meio sociofísico circun<strong>da</strong>nte. O que nãoquer dizer que essas relações tenham si<strong>do</strong> r<strong>ea</strong>liza<strong>da</strong>s dentro de um padrão rígi<strong>do</strong> derelacio<strong>na</strong>mento, nem consigo mesmo e nem com os outros.Segun<strong>do</strong> Mammì “[...] os problemas a serem resolvi<strong>do</strong>s ain<strong>da</strong> são os mesmos: ovalor universal <strong>do</strong> tempo e <strong>do</strong> espaço como coorde<strong>na</strong><strong>da</strong>s <strong>da</strong> ação huma<strong>na</strong>, em seuacontecimento efêmero e em suas conseqüências infinitas.” (1999 apud VALADARES, 2000,2 Re<strong>na</strong>scença ou Re<strong>na</strong>scimento, movimento inicia<strong>do</strong> <strong>na</strong> Itália no século XIV, com auge no século XVI. Essestermos começaram a ser usa<strong>do</strong>s a partir <strong>do</strong> século XV para desig<strong>na</strong>r o perío<strong>do</strong> em que o homem deixa deexplicar o mun<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> teocentrismo, em que as to<strong>da</strong>s coisas tinham explicações divi<strong>na</strong>s, para explicá-locolocan<strong>do</strong>-se a si mesmo como o centro de tu<strong>do</strong>, ou seja, com base no antropocentrismo. Desse mo<strong>do</strong>, o quemais se valorizava no homem era a inteligência, o conhecimento e o <strong>do</strong>m artístico. A partir <strong>da</strong>í, ocorreramgrandes descobertas como a de Nicolau Copérnico e de Galileu Galilei que disseram que a Terra não era o centro<strong>do</strong> Universo; a descoberta <strong>da</strong> pólvora e <strong>da</strong> bússola que permitiu o descobrimento de novas terras, <strong>da</strong>n<strong>do</strong> início àsnovas formas de relações: sociais, como o liberalismo que <strong>do</strong>tou o ser humano de direitos i<strong>na</strong>lienáveis; e,comerciais, que abriram caminho para o capitalismo.Fonte: http://www.pitoresco.com.br/art_<strong>da</strong>ta/re<strong>na</strong>scimento/index.htm


p. 84).Acontecimento efêmero, de acor<strong>do</strong> com Vala<strong>da</strong>res (2000, p. 84), se trata de umacontecimento ontológico, porque se localiza “dentro de uma história <strong>do</strong> humano e de umaética” em que as pessoas convivem, diariamente, entre si esforçan<strong>do</strong>-se para “construir,juntas, novos espaços de vi<strong>da</strong>”, porque as construções huma<strong>na</strong>s somente são possíveis “dentrode uma significação para o grupo e implica uma escolha.” As conseqüências infinitas, por suavez, segun<strong>do</strong> o autor, são as marcas impressas pela ação de escolher, “sobre ambiente,sempre, também, referi<strong>do</strong> ao território <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.” (VALADARES, 2000, p. 84). Resumin<strong>do</strong>,o projeto de civilização se dá <strong>na</strong> ci<strong>da</strong>de pelas ações ocorri<strong>da</strong>s sobre a “paisagem e os terrenos”constituin<strong>do</strong>-se no acontecimento <strong>da</strong> cultura. Ci<strong>da</strong>de como ambiente construí<strong>do</strong> é fatohistórico vivi<strong>do</strong> “por sujeitos em seus corpos.” Ou, como bem disse Manuel Castells, “to<strong>da</strong>forma de matéria possui uma história ou, melhor ain<strong>da</strong> ela é sua própria história.” (2000, p.35).As histórias <strong>da</strong>s pessoas entrevista<strong>da</strong>s entrelaçam-se com a história <strong>do</strong> bairroRe<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatro e, portanto, com a história de Criciúma. Como se constatou por meio<strong>da</strong>s entrevistas, essas histórias permanecem vivas, localiza<strong>da</strong>s nos espaços liga<strong>do</strong>s ao passa<strong>do</strong>,ao tempo de infância, de juventude, de força, de desejo e de conquistas.2.1.2 A Subjetivi<strong>da</strong>de <strong>na</strong>s Marcas Culturais de Preconceito e de Falta <strong>do</strong> “Pão Nosso deCa<strong>da</strong> Dia”Das mulheres entrevista<strong>da</strong>s, uma chama-se, ficticiamente, Iraci. Aos 62 anos dei<strong>da</strong>de, Do<strong>na</strong> Iraci é mora<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> bairro há 22 anos, viúva, ex-emprega<strong>da</strong> <strong>do</strong>méstica e exparteira.Tem três filhos, uma neta e treze irmãos. Nasceu em Caputera, município deLagu<strong>na</strong>/SC. Veio para Criciúma com sua família, quan<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> era um bebê de ape<strong>na</strong>s novemeses de i<strong>da</strong>de, em busca de melhores condições de vi<strong>da</strong>.Como a maioria <strong>do</strong>s migrantes <strong>da</strong> zo<strong>na</strong> rural, a família de Do<strong>na</strong> Iraci ficou fora <strong>da</strong>ci<strong>da</strong>de. Moravam nos arre<strong>do</strong>res, <strong>na</strong>s ár<strong>ea</strong>s de risco, onde tiveram a casa soterra<strong>da</strong> por umabarreira, resultan<strong>do</strong> em per<strong>da</strong> total <strong>do</strong> pouco que tinham. Assim, foram morar de favor emuma velha olaria que servia de abrigo aos bois:[...] perdemos a roupa que tava no tanque, ela (a mãe) tava lavan<strong>do</strong> roupa e eu tavaestenden<strong>do</strong> no varal. Aí de repente, não foi um temporal, foi a barreira <strong>da</strong> estra<strong>da</strong>que caiu, e o tanque, a roupa que tava <strong>na</strong> banheira, a... tu<strong>do</strong>, a casa, derrubou tu<strong>do</strong>,aterrou tu<strong>do</strong> aquilo. Aí nóis fiquemo assim, <strong>na</strong>... <strong>na</strong> rua, bem dizê. (DONA IRACI,abril/2008).


As palavras de Do<strong>na</strong> Iraci revelam aquilo que já se sabe: não foi um temporal 3que causou to<strong>da</strong> aquela per<strong>da</strong>, afi<strong>na</strong>l o resto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de ficou intacto, mas as condições demoradia <strong>na</strong>s quais ela e sua família se encontravam, ou seja, moravam em ár<strong>ea</strong> de riscosócio-ambiental, assim chama<strong>da</strong> por não oferecer a menor segurança em termos de proteção àvi<strong>da</strong> e aos bens materiais.Caiu a barreira e aí a família ficou assim: “<strong>na</strong>... <strong>na</strong> rua, bem dizê”!A barreira, que impede que alguns vejam a subjetivi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> pobre por outraperspectiva que não a <strong>do</strong> preconceito, caiu. Assim, Do<strong>na</strong> Iraci começa a sua história fazen<strong>do</strong>referência à sua mãe e à pobreza <strong>da</strong> família: “... aqui minha mãe passou muito trabalho, que anossa família era muito pobre, muito pobre mesmo. Nóis era uma família que nóis era aju<strong>da</strong><strong>do</strong>por to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> aqui em Criciúma”. Do<strong>na</strong> Iraci <strong>na</strong>sceu em berço pobre e, como tal, sereconheceu desde criança. A pobreza deixou marcas <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> de Do<strong>na</strong> Iraci, são as marcas <strong>da</strong>adversi<strong>da</strong>de enfrenta<strong>da</strong> estan<strong>do</strong>-se em desvantagem. São as marcas <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> falta<strong>do</strong> “pão nosso de ca<strong>da</strong> dia”:[...] muitos dias não tinha o que comê, mais a minha mãe nunca deixou passá... nóispassá necessi<strong>da</strong>de, ás vezes, os vizinhos <strong>da</strong>vo <strong>do</strong>is, três ovo ali pra nóis. Dava pros<strong>do</strong>ze filho comê! Então, nóis fomo cria<strong>do</strong> assim: pirão d’água, ovo frito, quan<strong>do</strong> osvizinhos <strong>da</strong>vo, que <strong>na</strong>quela época, agora tu<strong>do</strong> é mais coisa, né? Mais <strong>na</strong>quela épocaera tu<strong>do</strong> muito difícil. Meu pai trabalhava nessa mi<strong>na</strong> aqui, e... o ganho dele erapouco pra sustentá <strong>do</strong>ze filhos, né? (DONA IRACI, abril/2008).Aquilo que Do<strong>na</strong> Iraci aprendeu com as vicissitudes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e com alguém que lheera significativo, mais tarde, quan<strong>do</strong> teve seus filhos, foi reproduzi<strong>do</strong>: “Eu disse: não! Noprato onde come uma, come duas (...) farinha pelo menos não vai faltá pra elas (filhas) comê.”Um aprendiza<strong>do</strong> volta<strong>do</strong> para o dividir, repartir o pouco que se tem com to<strong>do</strong>s, compartilhar<strong>da</strong> mesma fome e <strong>da</strong> mesma sacie<strong>da</strong>de: “Dava pros <strong>do</strong>ze filho comê!” Estas marcas elacarrega consigo, ain<strong>da</strong> hoje, em suas lembranças e em seu mo<strong>do</strong> de ser no mun<strong>do</strong>.Da perspectiva de M<strong>ea</strong>d “la perso<strong>na</strong> es algo que tiene desarrollo, no está presenteinicialmente, sino que surge em el processo de experiência y la activi<strong>da</strong>d sociales.” (1974, p.167, apud GARAY, 2002, p. 2). Isto quer dizer que o ser humano não está pronto a priori,como quer a concepção i<strong>na</strong>tista 4 , mas que se constitui a partir <strong>da</strong>s relações sociais, e,principalmente, com aquelas pessoas que desempenham um papel significativo <strong>na</strong> infância <strong>do</strong>sujeito; e <strong>do</strong>s papéis que elas desempenham <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de, complementa a autora Sant’A<strong>na</strong>3 Temporal: chuva forte, tempestade, aguaceiro. (BUENO, 2000).4 I<strong>na</strong>tista: concepção que se opõe à influência <strong>da</strong> cultura no desenvolvimento psíquico e <strong>na</strong>s capaci<strong>da</strong>desindividuais, pois concebe que estes são regi<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> leis específicas e, portanto, são independentes <strong>da</strong>sexperiências, <strong>do</strong> conhecimento e <strong>da</strong> cultura. (BOCK, 2002).


(2007).Assim, Do<strong>na</strong> Iraci ao estabelecer uma relação com o outro, este, enquantoentrevista<strong>do</strong>r, aquela enquanto entrevista<strong>da</strong>, assumiu para si o dever de defender sua mãe esua família, justifican<strong>do</strong>: “To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> conhece nóis pela nossa pobreza. Não por vadiação,nem por <strong>na</strong><strong>da</strong> (...) ela (a mãe) trabalhava de lavação, ela tinha dez lavação (...) Então, a minhamãe era uma mulher muito pobre, mais muito trabalhadeira...”. Aqui, Do<strong>na</strong> Iraci nos dá aentender que em nossa cultura ser pobre pode ser si<strong>na</strong>l de preguiça, de malandragem, defracasso pessoal e, por isso, tratou logo de evitar qualquer tipo de julgamento negativo emrelação à pobreza de sua família.Em outro momento, Do<strong>na</strong> Iraci fala sobre as roupas e os sacos e sacos de comi<strong>da</strong>que a família dela recebia como aju<strong>da</strong> por parte de empresários <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de: “Aí ele (umempresário) que deu o luto 5 pra nóis, ele que levou comi<strong>da</strong>, sacos e sacos de comi<strong>da</strong>, porque aminha mãe e meu pai eram muito bem visto em Criciúma, muito bem visto.” Como se podenotar, o discurso de Do<strong>na</strong> Iraci é de agradecimento pela soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de <strong>do</strong> empresário,entretanto, quase se sentin<strong>do</strong> honra<strong>da</strong> em ser aju<strong>da</strong><strong>da</strong> por gente tão “importante”.“Que relação o sujeito estabelece consigo a partir de ver<strong>da</strong>des que culturalmentelhe são atribuí<strong>da</strong>s?”, questio<strong>na</strong> Candiotto (2008, p. 2). Que discursos foram proferi<strong>do</strong>s comover<strong>da</strong>deiros e que serviram de bases para a construção <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de de Do<strong>na</strong> Iraci que aimpedem de fazer qualquer referência às questões políticas e sociais envolvi<strong>da</strong>s no enre<strong>do</strong> desua história?A ausência de questio<strong>na</strong>mento político-social <strong>na</strong> fala de Do<strong>na</strong> Iraci pode levar ainferir que aqueles que estão às margens <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de estão, também, sem acesso àsdiscussões políticas que poderiam alterar suas condições de vi<strong>da</strong>.Essa exclusão política é fruto <strong>da</strong>s relações entre os homens, pois o indivíduorecebe uma formação 6 característica de sua classe social que irá permitir a abertura ou alimitação de suas ações:Na história <strong>da</strong> civilização ocidental, a formação tem si<strong>do</strong> distinta conforme acondição de vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> indivíduo: se escravo ou homem livre, servo ou senhor,trabalha<strong>do</strong>r ou empresário. A formação se dá em consonância com as necessi<strong>da</strong>des<strong>da</strong> produção social, pretenden<strong>do</strong> desenvolver no indivíduo as habili<strong>da</strong>des para fazerfrente à produção, e/ou de acor<strong>do</strong> com as interpretações que são <strong>da</strong><strong>da</strong>s para omun<strong>do</strong>, que lhe permitem ter um posicio<strong>na</strong>mento frente às questões políticas(CROCHÍK, 1998, p.3).5 Luto – O empresário <strong>do</strong>ou as roupas de cor preta para a ocasião <strong>da</strong> morte <strong>da</strong> mãe de Do<strong>na</strong> Iraci.6 Formação: refere à formação cultural constituí<strong>da</strong> pelos traços de caráter, perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de e pela educação. Estaúltima indican<strong>do</strong> apreensão de conceitos, valores e normas, envolven<strong>do</strong> to<strong>da</strong>s as ár<strong>ea</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e não somente afamília ou a escola (CROCHÌK, 1998).


Desse mo<strong>do</strong>, percebe-se a cultura 7 e a construção <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de imbrica<strong>da</strong>s, detal mo<strong>do</strong>, que não é possível refletir sobre uma sem, imediatamente, relacioná-la à outra.Visto desse ângulo, pode-se dizer que o indivíduo tem a forma e o conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong>s experiênciastroca<strong>da</strong>s em sua inter-relação com os outros membros <strong>da</strong> sua socie<strong>da</strong>de:autônomo/dependente, humilde/pretensioso, egoísta/solidário... .Depreende-se, portanto, que a cultura traz em seu bojo um projeto preestabeleci<strong>do</strong>de homem, cuja “possibili<strong>da</strong>de de um indivíduo emancipa<strong>do</strong>, autônomo, é necessáriadecorrência <strong>do</strong> projeto <strong>da</strong> cultura” (CROCHÍK, 1998, p.1), pois, segun<strong>do</strong> esse autor, aprincipal função <strong>da</strong> cultura é a de proteger “os homens <strong>da</strong>s am<strong>ea</strong>ças <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza” e, como ohomem mesmo é <strong>na</strong>tureza, deve ser “defendi<strong>do</strong> de si mesmo e <strong>do</strong> outro” por meio de outrafunção <strong>da</strong> cultura que emerge como conseqüência <strong>da</strong> que foi enuncia<strong>da</strong>: instituir regras derelacio<strong>na</strong>mento entre os homens. A cultura, nessa perspectiva, define-se pelo mo<strong>do</strong> deenfrentar aquilo que é am<strong>ea</strong>ça<strong>do</strong>r para o homem, “presente tanto nos desafios <strong>da</strong> <strong>na</strong>turezaquanto <strong>na</strong>s regras de relacio<strong>na</strong>mento humano cria<strong>da</strong>s por ela” (CROCHÍK, 1998, p. 1).Segun<strong>do</strong> A<strong>do</strong>rno (1971 apud CROCHÍK, 1998, p. 7) o indivíduo se diferencia <strong>do</strong>soutros indivíduos (individuação) a partir <strong>da</strong> “incorporação <strong>da</strong> cultura”, isto é, a subjetivi<strong>da</strong>dese desenvolve “<strong>na</strong> cultura e através dela”, a cultura produz seus indivíduos. Isto não significaque os primeiros anos de vi<strong>da</strong> devam ser desconsidera<strong>do</strong>s, pois até mesmo para relembrar opassa<strong>do</strong> o indivíduo o faz “através <strong>do</strong>s diversos filtros aponta<strong>do</strong>s por Freud, pelos símbolosque são adquiri<strong>do</strong>s a posteriori.” (CROCHÌK, 1998, p. 7).Desse ponto de vista, o autor defende que para estu<strong>da</strong>r a subjetivi<strong>da</strong>de énecessário que, enquanto ciência, a psicologia considere as “condições de existência” <strong>do</strong>indivíduo e volte a sua compreensão para as condições <strong>na</strong>s quais a subjetivi<strong>da</strong>de teve a suagênese, pois, de outro mo<strong>do</strong>, estaria assumin<strong>do</strong> uma atitude ideológica. Isto seria, portanto,pensar a subjetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s pessoas entrevista<strong>da</strong>s levan<strong>do</strong>-se em conta a “incorporação <strong>da</strong>cultura” <strong>na</strong> construção <strong>da</strong> própria subjetivi<strong>da</strong>de, pois as condições sociais, histórica, política eeconômica são produtos culturais:[...] Aí ela fazia farofa de ba<strong>na</strong><strong>na</strong>, fazia... <strong>da</strong>va arroz com ba<strong>na</strong><strong>na</strong> pra nóis, porquecarne bem pouco existia, né? Carne <strong>na</strong> mesa foi bem pouco. (...) Não é que nãotinha: ter, tinha, mais nóis não tinha era o dinheiro pra comprá, né? (DONA IRACI,abril/2008).O que Do<strong>na</strong> Iraci está dizen<strong>do</strong>, por exemplo, diz respeito à sua condição sócio-7 Kant (1992 apud CROCHÍK, 1998, p. 7), “a<strong>na</strong>lisa o desenvolvimento <strong>da</strong> cultura ocidental e um de seusprodutos principais: a razão; assi<strong>na</strong>la, no entanto, que esta só se r<strong>ea</strong>liza pelo livre uso individual <strong>da</strong>quela, ou seja,pela autonomia individual”. Autonomia, <strong>na</strong> perspectiva de Dahren<strong>do</strong>rf (1992), está liga<strong>da</strong> ao conceito de sujeitoautodirigi<strong>do</strong>, isto é, aquele que pensa por conta própria (censo crítico).


econômica, porém, como um produto cultural e, desse mo<strong>do</strong>, faz parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de milhares depessoas que passam fome nos dias de hoje: não que a produção de alimentos seja insuficientepara alimentar a to<strong>do</strong>s, o que falta é o meio para adquiri-los, ou seja, o dinheiro. A fome demuitos, vista por esse ponto de vista, é uma fome produzi<strong>da</strong> culturalmente, é uma fome paramuitos, por isso se repete <strong>na</strong> fala de Do<strong>na</strong> Joa<strong>na</strong> (2008), outra mulher entrevista<strong>da</strong>: “Ébastante merca<strong>do</strong> aí óh: Ten<strong>do</strong> dinheiro pra comprar, né? Bastante merca<strong>do</strong>... tem a farmáciaque faltava, abriu ali.” Infere-se, portanto, que a produção é suficiente, tanto que hádesperdício por parte de alguns.O desperdício de uns é a necessi<strong>da</strong>de de muitos, como disse a Do<strong>na</strong> Zulmira(2008): “Comemo muita coisa <strong>do</strong> lixo. Pão, nóis juntava. Rôpa, nóis achemo muita rôpa.”Que subjetivi<strong>da</strong>de, ou melhor, que experiências e sentimentos íntimos sãoproduzi<strong>do</strong>s/construí<strong>do</strong>s nessas condições? Humilhação? Resig<strong>na</strong>ção? Vergonha? Do<strong>na</strong>Zulmira só se preocupava com uma coisa:Ah ia pensar no quê, né? A gente com tanto neto pra criá. (...) Eu queria era trabalháe dá o quê comê pra eles, né? Não queria deixá eles passá fomi. Não vê o Lívio, qu<strong>ea</strong> Iza tem até hoje: pela<strong>do</strong>, brincan<strong>do</strong> <strong>na</strong>quela água <strong>do</strong> lixo, brincan<strong>do</strong> <strong>na</strong>quelasujeira [...] (DONA ZULMIRA, abril/2008).Será que alguém viu o menino Lívio?Será que alguém vê que faltam condições de vi<strong>da</strong> que garantam o básico para asubsistência dig<strong>na</strong> de muitos? Para Damergian (2001, p.96) o que falta é uma “mãesocie<strong>da</strong>de,representa<strong>da</strong> pelos chefes sociais”, que possibilite aos seus “filhos-membros”experiências de “reciproci<strong>da</strong>de, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, empatia”, em vez de “excesso de competição,rejeição, ódio, indiferença” e desperdícios, de mo<strong>do</strong> que os bens públicos sejam reparti<strong>do</strong>sigualmente para o bem comum.Por sua vez, Gans (1996 apud DAMERGIAN, 2001, p. 99-100) afirma que épreciso “quebrar o ciclo que perpetua a pobreza” juntamente com os problemas que deladecorrem e não ape<strong>na</strong>s usar paliativos: “[...] Pobre tem professor pobre, advoga<strong>do</strong> pobre,médico pobre.” Damergian completa: “pobre, quan<strong>do</strong> tem, tem escola pobre, assistênciamédica e jurídica paupérrimas” (2001, p.100) e as causas e conseqüências desse esta<strong>do</strong> depobreza recaem, exclusivamente, sobre a população pobre. Gans também questio<strong>na</strong> a noção,introjeta<strong>da</strong> pela ideologia, de culpabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> pobre por sua “falta de êxito”. Uma noçãopreconceituosa <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de burguesa que faz acreditar que pobre é quem quer, pois quemnão quer ser pobre “vai à luta” para vencer <strong>na</strong> vi<strong>da</strong>. Porém, o mesmo autor afirma que nessabatalha o pobre é sempre o perde<strong>do</strong>r, porque é uma batalha econômica e ideológica queintrojeta nos indivíduos a noção de fracasso e incapaci<strong>da</strong>de por parte <strong>do</strong>s perde<strong>do</strong>res, no caso,


os pobres.Desse mo<strong>do</strong>, a subjetivi<strong>da</strong>de construí<strong>da</strong> numa socie<strong>da</strong>de madrasta, <strong>na</strong> perspectivade Damergian (2001, p. 107) é uma subjetivi<strong>da</strong>de “esvazia<strong>da</strong>”, “nega<strong>da</strong>”, o pobre é culpa<strong>do</strong>por tu<strong>do</strong>: por não trabalhar, por não estu<strong>da</strong>r, por não salvar o bebê <strong>na</strong> hora <strong>do</strong> parto, por nãose vestir adequa<strong>da</strong>mente, por não se alimentar sau<strong>da</strong>velmente e até por não votar“corretamente”, pois “o povo tem o governo que merece”, diz o dito popular. As instituiçõesrepresentativas são eximi<strong>da</strong>s de suas responsabili<strong>da</strong>des porque “o povo não sabe votar!”Dizem.Daí, as subjetivi<strong>da</strong>des se conformam dependentes <strong>do</strong> sistema administrativo.Dependências planeja<strong>da</strong>mente produzi<strong>da</strong>s, segun<strong>do</strong> Crochík (1998).Quem é pobre também aceita aquela idéia sem questio<strong>na</strong>mento e, desse mo<strong>do</strong>,acaba por reproduzir, objetivamente, as crenças preconceituosas que ele mesmo sofre e queforam produzi<strong>da</strong>s, aceitas e incorpora<strong>da</strong>s <strong>na</strong> cultura. Foi dessa maneira que Do<strong>na</strong> Iraci (2008)se referiu à violência que está ocorren<strong>do</strong>, atualmente, no seu bairro:Não, acho que é bandi<strong>da</strong>ge mesmo. Acho que é. Não tem <strong>na</strong><strong>da</strong> de falta de serviçonão, porque serviço tem. É só querê trabalhá. Mais eu acho que é bandi<strong>da</strong>ge,vagabun<strong>da</strong>ge. É falta de... é preguiça, é tu<strong>do</strong> isso aí. Porque tu vê, os guri que tãomorren<strong>do</strong> é tu<strong>do</strong> de dezesseis, dezessete anos. Eles não chegaram nem <strong>na</strong> metade <strong>do</strong>que eu vivi, né? Porque que não vão pegar um servicinho <strong>na</strong> mão pra variar?Falta algo, mas Do<strong>na</strong> Iraci não consegue expressar o que está faltan<strong>do</strong>, por isso,limita-se a deixar a frase pela metade: “É falta de...”. Para Vala<strong>da</strong>res (2000, p. 88) “é <strong>na</strong> falha<strong>do</strong> pensar que surge in<strong>do</strong>mável, o não assujeitável, o sujeito.” Isso nos remete aospressupostos <strong>da</strong> psicanálise lacania<strong>na</strong> quan<strong>do</strong> fala <strong>da</strong>s lacu<strong>na</strong>s ou <strong>da</strong>s falhas <strong>do</strong> pensarexpressas <strong>na</strong> falha <strong>da</strong> linguagem, ou seja, o “in<strong>do</strong>mável” referi<strong>do</strong> pelo autor é a explicitação<strong>do</strong> desejo, a energia vital e ali se encontra a potência para a transformação, ain<strong>da</strong> que tardia:“Eles não chegaram nem <strong>na</strong> metade <strong>do</strong> que eu vivi, né?” Disse Do<strong>na</strong> Iraci (2008).Crenças, modelos e idéias. Esses também são elementos forma<strong>do</strong>res desubjetivi<strong>da</strong>de porque são constitui<strong>do</strong>res <strong>da</strong> cultura e por sua sutileza são capazes de garantirque modelos ideológicos gera<strong>do</strong>res de discrimi<strong>na</strong>ção e exclusão social se perpetuem através<strong>da</strong> reprodução <strong>do</strong>s valores culturais e <strong>da</strong>s vivências. Foi o que aconteceu no bairroRe<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatro (Figura 1), pois lá “surgiu” um lugar ain<strong>da</strong> mais pobre.A história se repetiu e quem chegou depois ficou excluí<strong>do</strong>. Não por coincidência,mas por um processo de reprodução <strong>do</strong> próprio sistema social excludente, tal qual ocorreu <strong>na</strong>ci<strong>da</strong>de no episódio <strong>da</strong> migração. A força reprodutora <strong>da</strong> pobreza inventa novas razões de ser:se hoje não é pela migração em massa, o é pela indisposição em agir, em cui<strong>da</strong>r, em acolher,


em mover-se e comover-se “visan<strong>do</strong> à sustentação <strong>do</strong>s sujeitos.” (VALADARES, 2000).Desse mo<strong>do</strong>, a <strong>periferia</strong> abriga o seu antigo retrato nos seus arre<strong>do</strong>res. Ali,<strong>na</strong>quela “nova” <strong>periferia</strong>, também existe o descui<strong>do</strong> político e <strong>da</strong> vizinhança <strong>do</strong> bairro que osnega e margi<strong>na</strong>liza. Os mora<strong>do</strong>res “<strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> valo”, como o local é chama<strong>do</strong>, não têmacesso às melhorias que a parte mais antiga <strong>do</strong> bairro tem: moradias melhores com acesso aenergia elétrica e água enca<strong>na</strong><strong>da</strong>, ruas calça<strong>da</strong>s e ilumi<strong>na</strong><strong>da</strong>s, etc.O retrato é o de um aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> exclusão. Ali também prevalece a lei <strong>do</strong>economicamente mais forte. A “elite” <strong>do</strong> bairro <strong>da</strong> <strong>periferia</strong> teme a ação agressiva e violenta<strong>do</strong>s seus mora<strong>do</strong>res margi<strong>na</strong>liza<strong>do</strong>s.FIGURA 1 – A “NOVA” PERIFERIA DO BAIRRO RENASCER/MINAQUATROFoto: Lílian Motta Gomes – abril/2008 .Esse temor aparece nos muros e grades presentes em quase to<strong>da</strong>s as casas <strong>do</strong>bairro (tal qual no perímetro urbano de Criciúma/SC). Tal qual no modelo urbano a sercopia<strong>do</strong> pelas <strong>periferia</strong>s no Brasil a fora. É claro que a responsabili<strong>da</strong>de dessa reprodução nãoé <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> bairro Re<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatro, mas <strong>do</strong> projeto cultural introjeta<strong>do</strong> porto<strong>do</strong>s nós, pois “a mente huma<strong>na</strong>, contu<strong>do</strong>, é um produto <strong>da</strong> civilização <strong>na</strong> qual o indivíduo<strong>na</strong>sceu, cresceu e desenvolveu seus hábitos, sua linguagem, suas crenças e seus saberes.”(PETRY, 2008, p. 6). Afi<strong>na</strong>l, o Brasil foi coloniza<strong>do</strong> e desde então vem reproduzin<strong>do</strong> suaexperiência, explorar e aban<strong>do</strong><strong>na</strong>r, num ciclo vicioso que se repete <strong>na</strong>s relações ambientais,


sociais, trabalhistas, conjugais, etc.Do mesmo mo<strong>do</strong>, Dahren<strong>do</strong>rf (1981 apud GONÇALVES, 2002, p. 73) traz à to<strong>na</strong>uma contradição estampa<strong>da</strong> <strong>na</strong> noção de democracia sem liber<strong>da</strong>de, que retrata esta situação,ao discutir a noção de Homem autodirigi<strong>do</strong> e Homem dirigi<strong>do</strong> por outros:Que sucede com a liber<strong>da</strong>de numa socie<strong>da</strong>de, <strong>na</strong> qual a conduta social <strong>da</strong> maioriapode ser descrita como dirigi<strong>da</strong> por outros? Que resistência oferece o homemdirigi<strong>do</strong> por outros? Que apoio proporcio<strong>na</strong> a uma socie<strong>da</strong>de livre? Como s<strong>ea</strong>como<strong>da</strong> seu caráter às instituições políticas chama<strong>da</strong>s freqüentemente democráticase como concor<strong>da</strong>m estas com seu caráter?Como é possível ser livre e r<strong>ea</strong>lmente poder escolher se quer, ou não, ser pobre,numa socie<strong>da</strong>de <strong>na</strong> qual democracia, não tem o significa<strong>do</strong> r<strong>ea</strong>l <strong>do</strong> termo em si, que é a formade governo <strong>na</strong> qual o poder ema<strong>na</strong> <strong>do</strong> povo para o povo. Em nossa socie<strong>da</strong>de só se é livre umdia: o <strong>da</strong> eleição. Depois disso, tor<strong>na</strong>mo-nos coloniza<strong>do</strong>s, escravos, ou seja, homens dirigi<strong>do</strong>spor outros homens, cujos interesses nem sempre coincidem com os nossos.Para Habermas (apud AVRITZER, 1996) a solução para que haja democracia demo<strong>do</strong> que a burocracia não seja seu impedimento, é através <strong>da</strong> racio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de comunicativa, ouseja, por meio <strong>da</strong> discussão, <strong>na</strong> esfera pública, entre pelo menos duas pessoas que sereconheçam como iguais no uso <strong>da</strong> linguagem eficiente. Isto é o mesmo que dizer que devehaver um diálogo entre os homens capaz de levá-los ao consenso, <strong>na</strong> busca de soluções paraseus interesses relativos ao consumo, educação, habitação, corrupção, poluição, degra<strong>da</strong>çãosócio-ambiental, etc. Esse exercício de interação poderia levar os indivíduos aos planos d<strong>ea</strong>ção, tal como se sucede <strong>na</strong>s reuniões <strong>do</strong> Orçamento Participativo, <strong>do</strong>s Conselhos, enfim,participação coletiva <strong>na</strong>s Políticas Públicas.Desse mo<strong>do</strong>, o indivíduo estaria produzin<strong>do</strong> sua subjetivi<strong>da</strong>de através <strong>do</strong>equilíbrio de sua disponibili<strong>da</strong>de entre a vi<strong>da</strong> pública e a priva<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> comunicação e <strong>da</strong>interação competentes. Pois, haveria a possibili<strong>da</strong>de de o indivíduo se reconhecer comosujeito de interesses próprios e também reconhecer que esses interesses podem estar emoposição aos interesses <strong>do</strong>s demais. (GONÇALVES, 2002).Costa (1998) também defende que é preciso tor<strong>na</strong>r possíveis novas experiênciasde subjetivação moral por meio de novas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de interação entre as instituiçõesculturais, especialmente, as “elites que têm poder social, político, econômico ou intelectualpara criarem e difundirem modelos de subjetivi<strong>da</strong>de” (p. 4) como, por exemplo, “levar a sérioos vínculos de amizade, hospitali<strong>da</strong>de, cortesia, honra, l<strong>ea</strong>l<strong>da</strong>de e fideli<strong>da</strong>de” (p. 5). E,partin<strong>do</strong> dessa “nova mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de interação” e novas formas de vi<strong>da</strong>, “voltar a reintroduzir<strong>na</strong> vi<strong>da</strong> pública e pessoal o entusiasmo pela criação de um mun<strong>do</strong> comum que deixou de


existir.” (COSTA, 1998, p5).Talvez, assim, partin<strong>do</strong> dessas novas maneiras de relacio<strong>na</strong>mento, sugeri<strong>da</strong>sacima pelo autor, Do<strong>na</strong> Joa<strong>na</strong> (abril/2008) não precise mais lamentar um tempo que passou:“Tempo bom era o tempo <strong>do</strong> lixão, pelo menos a gente sempre tinha o que comê... era fruta...verdura... nunca faltava <strong>na</strong><strong>da</strong>. Hoje em dia não: tá tu<strong>do</strong> muito caro, né?”. E nem Do<strong>na</strong> Iraci(abril/2008) precise sofrer com aquilo que foi a maior tristeza de sua vi<strong>da</strong>:Pra mim eu não me importava de comê, mais eles (os filhos) eu não... Ai, viero umavez pedi meus filho pra mim, tu vê. Foi a minha maior tristeza <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>! Ai,viero pedi meus filho porque acharo que eles tavam passan<strong>do</strong> fome. Eu disse: não,<strong>na</strong> mesa que come <strong>do</strong>is come trêis. É meus filhos, eu não vou me desfazer denenhum deles!A maior tristeza <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dessa mulher, que batalhava pela sobrevivência própria ede seus filhos, foi terem duvi<strong>da</strong><strong>do</strong> <strong>da</strong> sua capaci<strong>da</strong>de de prover alimentos para eles, pois seumodelo de mãe era assim: “muitos dias não tinha o que comê, mais a minha mãe nuncadeixou passá... nóis passá necessi<strong>da</strong>de.”O que Do<strong>na</strong> Iraci e Do<strong>na</strong> Joa<strong>na</strong> estão dizen<strong>do</strong> é que a alimentação é necessi<strong>da</strong>de<strong>na</strong> vi<strong>da</strong> de to<strong>do</strong>s nós, durante a vi<strong>da</strong> to<strong>da</strong>. Tiran<strong>do</strong> os filhos <strong>da</strong> companhia de suas mães, emnome <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, porque lhes faltam os gêneros de primeira necessi<strong>da</strong>de ou mesmoacaban<strong>do</strong> com os lixões <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, não significa que o problema estará resolvi<strong>do</strong>, pois “ogrande problema, então, de nossa civilização (...) é sua vocação essencialmente materialista etecnocrática, a forma como sua racio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de e tecnocracia estende seus tentáculos a to<strong>do</strong>s os<strong>do</strong>mínios <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, incluin<strong>do</strong> a morali<strong>da</strong>de.” (DAMERGIAN, 2001, p.105).2.1.3 A Subjetivi<strong>da</strong>de e a Mãe Cui<strong>da</strong><strong>do</strong>ra e Transmissora de CulturaAs memórias ambientais de Do<strong>na</strong> iraci a remetem para o mato aonde ia com a suamãe buscar lenha para o fogo ain<strong>da</strong> de madruga<strong>da</strong>. Na sua lembrança ficou a generosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><strong>na</strong>tureza que lhes fornecia a fonte de calor para preparar os alimentos e também para aqueceros seus corpos <strong>na</strong>s noites gela<strong>da</strong>s <strong>do</strong> inverno catarinense. Lá no mato também era o lugar ondeouvia as len<strong>da</strong>s e estórias <strong>do</strong>s contos de fa<strong>da</strong>. O mato era o lugar de ouvir as estórias quegeralmente os pais contam para suas crianças <strong>na</strong> cabeceira <strong>da</strong> cama <strong>na</strong> hora de <strong>do</strong>rmir.Estórias que ao mesmo tempo em que encantavam também causavam me<strong>do</strong>: “Ela contava asestórias pra nóis, ela acabava de pegar a lenha, nóis sentava <strong>na</strong> beira<strong>da</strong> <strong>do</strong> mato (...) Aí eladizia que tinha bruxa, que tinha o boi de fogo <strong>na</strong> boca, ela dizia que tinha o lobo, ela dizia quetinha uma porção de coisa...” (DONA IRACI, 2008). No mato foi onde a Iraci criança teve


acesso às crenças e às len<strong>da</strong>s <strong>da</strong> sua cultura.Do<strong>na</strong> Iraci pôde estabelecer uma forte ligação afetiva com sua mãe. Um eloapoia<strong>do</strong> num “ponto fixo”, a “valência positiva”, <strong>na</strong> perspectiva de Damergian (2001, p. 90).Esse apoio permitiu experiências <strong>na</strong>s quais a pulsão de vi<strong>da</strong> pudesse fluir, ou seja,experiências de troca de afetos e relacio<strong>na</strong>mentos saudáveis. Como disse Damergian (2001, p.101): “é de se pensar a luta heróica dessas mães para <strong>da</strong>r amor, acima de to<strong>do</strong>s os sofrimentosa que estão expostas”:Olha, minha mãe era uma pessoa pobre, mais muito boa de coração, minha mãe,meu pai eram pobres, mais pobres mesmo de não tê o que comê, mais ela tambémnão desprezou nem um filho, ela abraçava to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>ze com as mãos. (DONAIRACI, abril/2008)O modelo de mãe que Do<strong>na</strong> Iraci teve abraçava os <strong>do</strong>ze filhos com as mãos (nãocom tentáculos), portanto, sua subjetivi<strong>da</strong>de é forma<strong>da</strong> também pela prática pelo acolhimento,pelo carinho dividi<strong>do</strong> igualmente <strong>na</strong> hora <strong>da</strong> competição pelo abraço <strong>da</strong> mãe, ou seja, umasubjetivi<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong><strong>da</strong> num ponto fixo que agrega, acolhe e compartilha o amor com to<strong>do</strong>sigualmente.Do<strong>na</strong> Iraci se emocionou ao relembrar a <strong>do</strong>r que foi perder esta principal figura desua vi<strong>da</strong> aos catorze anos de i<strong>da</strong>de. Sua mãe faleceu, vítima <strong>da</strong> varíola, após o parto de seudécimo terceiro filho, que não resistin<strong>do</strong> à <strong>do</strong>ença e ao parto prematuro de sete meses degestação, também morreu. São as adversi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> para as quais, geralmente, não se estáprepara<strong>do</strong> para enfrentar.Entretanto, a jovem Iraci precisava elaborar a morte de sua mãe ocorri<strong>da</strong> após esseparto, e então foi trabalhar como parteira em um hospital <strong>da</strong> região: “Depois... depois que aminha mãe morreu... fui procurar a minha vi<strong>da</strong>, né?” disse Do<strong>na</strong> Iraci, emocio<strong>na</strong><strong>da</strong>. Isso nosremete a Freud (apud HALL; CAMPBELL & LINDZEY, 2000) quan<strong>do</strong> refere a umapossibili<strong>da</strong>de de reparação. Segun<strong>do</strong> Do<strong>na</strong> Iraci ela “sumiu”, precisava exorcizar umdemônio:[...] Eu fui pro inter<strong>na</strong>to (...) mais aí era muito puxa<strong>do</strong> (...) tinha uma freira que eramuito ruim, era muito ruim, a irmã Lídia... era o satanás, aquela não era nem pra serirmã, acho que ela era o capeta vesti<strong>do</strong> de gente. (...) Era uma atenta<strong>da</strong> aquela freira,aquela lá nem era pra ser freira, aquela... depois ela morreu. Meu pai, minhas irmãnão sabio onde é que an<strong>da</strong>va. Saí de casa sem mais nem menos, eu sumi. (...) Fuitrabalhar no hospital de Lagu<strong>na</strong> (...) porque eu tinha vontade de ser enfermeira. Aí<strong>na</strong>quela época eu fiz um curso, lá mesmo dentro <strong>do</strong> hospital fiz um curso e fuiaju<strong>da</strong>nte de parteira. (...) Porque eu gostava de criança, li<strong>da</strong>r com gente <strong>do</strong>ente,a<strong>do</strong>rava cui<strong>da</strong>r de gente <strong>do</strong>ente. (DONA IRACI, abril/2008).Elaborar as per<strong>da</strong>s, reparar os <strong>da</strong>nos sofri<strong>do</strong>s e causa<strong>do</strong>s fazem parte <strong>da</strong>subjetivi<strong>da</strong>de que é forma<strong>da</strong> e reforma<strong>da</strong> a partir de uma eleva<strong>da</strong> auto-estima.


De acor<strong>do</strong> com Damergian (2001), a mãe exerce duas funções fun<strong>da</strong>mentais <strong>na</strong>vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> seu bebê: a primeira, como demonstra<strong>do</strong> acima, é a função de “ponto fixo, valênciapositiva” (p. 95). A segun<strong>da</strong> função é a de transmitir os conteú<strong>do</strong>s veicula<strong>do</strong>s em sua cultura,ou seja, a mãe repassa a ideologia vigente, ela transmite e r<strong>ea</strong>firma to<strong>da</strong>s as preocupações <strong>do</strong>seu tempo referentes à educação, à religião, às crenças, aos costumes, aos valores, etc.,conforme podemos verificar <strong>na</strong> fala de Do<strong>na</strong> Erundi<strong>na</strong>, outra entrevista<strong>da</strong>: “Ela me deixou aeducação. (...) Ela sempre dizia que a gente ser pobre não era feio, mais sem educação, nãorespeitar os outros” (Do<strong>na</strong> Erundi<strong>na</strong>, abril/2008); e, também, por esse discurso de Do<strong>na</strong> Iraci(2008): “Ah, ela deixou muitas coisas boas pra nóis. Ela <strong>da</strong>va muito conselho pra nóis: Pranóis nunca transar com ninguém, pra nóís quan<strong>do</strong> casar, que casasse virgem porque era omaior sonho <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dela [...]” e, esse:[...] a minha mãe ela levava nóis <strong>na</strong> missa, ela, foi sempre o conselho que ela deu pranóis: vocês são batiza<strong>do</strong>s, são crisma<strong>do</strong>s, fizeram a primeira comunhão, sãoconsagra<strong>do</strong>s, então eu <strong>do</strong>u sempre um conselho pra vocês, nunca deixem de ir praigreja e nunca passa de uma igreja pra outra, sempre siga aquela que a mãe estáseguin<strong>do</strong> [...] (DONA IRACI, abril/2008).Entretanto, essas mães, que transmitem cultura, a receberam de outras mães, ou decui<strong>da</strong><strong>do</strong>res que por sua vez também a receberam de suas mães e, assim por diante. Por isso, aimportância de estu<strong>da</strong>r a subjetivi<strong>da</strong>de a partir de suas dimensões históricas, culturais, sociaise políticas porque em ca<strong>da</strong> época ocorreram mu<strong>da</strong>nças de acor<strong>do</strong> com a necessi<strong>da</strong>de, porquepor meio de suas ações o ser humano transforma a sua r<strong>ea</strong>li<strong>da</strong>de e ao fazer isso se transformaa si próprio. (BOCK, 2002). Ou, como disse Cabruja (1998, p. 58, apud ÍÑIGUEZ, 2001, p.15): “é a partir de a<strong>na</strong>lisar o discurso sobre como deveriam ser as subjetivi<strong>da</strong>des e as relaçõessociais, em seu contexto histórico específico que se pode perceber por quais interesses sãopromovi<strong>da</strong>s em um <strong>da</strong><strong>do</strong> momento.”2.1.4 A Subjetivi<strong>da</strong>de <strong>na</strong>s Marcas <strong>da</strong> Madrasta-Socie<strong>da</strong>deO bairro Re<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatro, ár<strong>ea</strong> degra<strong>da</strong><strong>da</strong> em sua superfície, explora<strong>da</strong> eesvazia<strong>da</strong> em seu interior, também é local e cenário de boa parte <strong>da</strong> história <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> degra<strong>da</strong><strong>da</strong>e explora<strong>da</strong> <strong>da</strong>s entrevista<strong>da</strong>s: “Trabalhei (...) muito tempo. Mais nunca fui ficha<strong>da</strong>.” (DONAZULMIRA, 2008). Ambos, <strong>na</strong>tureza e ser humano, vivencian<strong>do</strong> uma mesma experiência,como disse a Do<strong>na</strong> Zulmira ao falar de como se sente atualmente: “a gente é oca por dentro, agente fica assim sem gosto. Véve por vivê. Véve porque tem que vivê.” (DONA ZULMIRA,


abril, 2008). Seria uma simbiose 8 ?Fonseca (2008, p. 1) entende que sim, que há uma relação simbiótica entre o serhumano e o ambiente quan<strong>do</strong> evidencia “que somos indissociáveis <strong>do</strong> que entendemos comoambiente.” Segun<strong>do</strong> esse autor, a pre<strong>do</strong>minância cultural leva-nos a um afastamento comosujeitos; afastamos o ambiente, e por isso, o ambiente se constitui em objeto para nós, poisnão nos vemos nele. Paz (apud REZENDE, 2000, p. 13) afirma, “ao <strong>na</strong>scer, fomos arranca<strong>do</strong>s<strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de,” confirman<strong>do</strong> o pressuposto anterior, pois após o seu <strong>na</strong>scimento o homem éinseri<strong>do</strong> num sistema de valores, crenças, normas e costumes: a cultura.Mas parece que não estamos afasta<strong>do</strong>s só <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza, Damergian (2001, p. 106)afirma que “as condições de vi<strong>da</strong> que criamos, ao nos afastarem de nossa subjetivi<strong>da</strong>de, nosafastam de nossa humani<strong>da</strong>de e, conseqüentemente, <strong>do</strong> outro”. Assim, afasta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> outro, éque as relações sociais se estabelecem bas<strong>ea</strong><strong>da</strong>s no egoísmo, exploração e <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ção.O pai de Do<strong>na</strong> Iraci trabalhava como mineiro <strong>da</strong> Mi<strong>na</strong> Quatro que hoje já nãoexiste mais, pois foi desativa<strong>da</strong>. Viúvo e com <strong>do</strong>ze filhos para criar, ele casou-se novamente.Do<strong>na</strong> Iraci ganhou uma madrasta. Há quinze anos ele, o pai, faleceu vítima de câncer de boca.Após a desativação <strong>da</strong> mi<strong>na</strong> a ár<strong>ea</strong> passou a ser o lixão <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> vizinhança,posteriormente, se tornou o bairro Re<strong>na</strong>scer, local onde vive a Do<strong>na</strong> Iraci.A socie<strong>da</strong>de que não cui<strong>da</strong> e não ama os seus filhos, materializou-se <strong>na</strong> figura <strong>da</strong>madrasta de Do<strong>na</strong> Iraci e, desse mo<strong>do</strong>, ela ficou desampara<strong>da</strong>, sujeita a to<strong>da</strong> sorte de violênciar<strong>ea</strong>l e simbólica: pobreza, desemprego, assalto, etc. Sem o benefício <strong>da</strong> urbani<strong>da</strong>de, que serefere à “decência, cortesia e distinção”, segun<strong>do</strong> o filósofo francês Mattei, (2000 apudDAMERGIAN, 2001, p. 97), Do<strong>na</strong> Iraci era uma excluí<strong>da</strong>!Segun<strong>do</strong> Damergian, enfrentar e superar as adversi<strong>da</strong>des próprias à construção <strong>da</strong>subjetivi<strong>da</strong>de não é tarefa <strong>na</strong><strong>da</strong> fácil, mesmo quan<strong>do</strong> se tem uma mãe amorosa, continente,porto seguro, ponto de apoio para impulsio<strong>na</strong>r o crescimento encoraja<strong>do</strong> pela interação comum meio “favorável”,o que dirá, então, de um processo marca<strong>do</strong> pelas condições totalmente adversascria<strong>da</strong>s pela mãe-socie<strong>da</strong>de, como temos visto, incapaz de amar e acolher seusfilhos, dissemi<strong>na</strong><strong>do</strong>ra de inveja, ambição, ódio, indiferença, que projeta suapersecutorie<strong>da</strong>de e sua culpa sobre seus filhos-membros, atribuin<strong>do</strong>-lhes aresponsabili<strong>da</strong>de pelos seus fracassos, pela sua exclusão, pela sua elimi<strong>na</strong>ção?(DAMERGIAN, 2001, P. 112-113).Freud (1976, apud DAMERGIAN, 2001, p. 105-106) chamou nossa atenção “paraa importância <strong>do</strong> amor pelos outros” como única maneira de transformar o “egoísmo em8 Simbiose: Associação de <strong>do</strong>is seres vivos, vi<strong>da</strong> em comum. (SILVEIRA BUENO, 2000).


altruísmo”. Entretanto, Damergian (2001, p. 106) lamenta o fato de não termos aprendi<strong>do</strong> a“lição”, pois “as condições de vi<strong>da</strong> que criamos, ao nos afastarem de nossa subjetivi<strong>da</strong>de, nosafastam de nossa humani<strong>da</strong>de e, conseqüentemente, <strong>do</strong> outro.” Quer dizer, o mo<strong>do</strong> de viverindividualista nos afasta <strong>do</strong> outro e não permite que o reconheçamos como ser humano e pornão reconhecer o outro como ser humano também não vemos em nós mesmos a nossahumani<strong>da</strong>de. Desse mo<strong>do</strong>,o afastamento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s sentimentos, a falta de estimulação ao seu aspectoamoroso, à pulsão de vi<strong>da</strong>, libera o la<strong>do</strong> negativo desse mun<strong>do</strong> interno, adestrutivi<strong>da</strong>de, o que existe de pior no ser humano, o seu egoísmo, a sua inveja,ambição, <strong>na</strong>rcisismo, busca de satisfação de seus desejos em detrimento <strong>do</strong> desejo<strong>do</strong> outro. (DAMERGIAN, 2001, p. 105).Assim, podemos pensar a subjetivi<strong>da</strong>de como uma tarefa a ser concluí<strong>da</strong>remeten<strong>do</strong> a Dreyfus & Rabinow (1995, p.239 apud PRADO FILHO e MARTINS, 2007, p.6): “[...] Temos que promover novas formas de subjetivi<strong>da</strong>de através <strong>da</strong> recusa deste tipo deindividuali<strong>da</strong>de que nos foi imposta há vários séculos” porque, segun<strong>do</strong> Pra<strong>do</strong> Filho e Martins(2007, p. 6), é preciso que o saber psicológico supere a praxe centra<strong>da</strong> no sujeito e busque“<strong>da</strong>r conta <strong>da</strong> singularização”. Pois, enquanto as atuais formas de subjetivação assujeitam, istoé, <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>m, tor<strong>na</strong>m dependente, “a singularização apresenta-se como estetização de sivisan<strong>do</strong> resistir a esta maqui<strong>na</strong>ria moder<strong>na</strong> de produção <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>deindividuais, construin<strong>do</strong> novas formas de vi<strong>da</strong> e de ser.” (PRADO FILHO e MARTINS,2007, p.6).No dizer de Paz (apud REZENDE, 2000, p.17) “o senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> história somos nós,que a fazemos e que ao fazê-la, nos desfazemos. A história e seus senti<strong>do</strong>s termi<strong>na</strong>rão quan<strong>do</strong>o homem se acabar.” Esta reflexão remete a uma relação entre o passa<strong>do</strong>, presente e futurocomo possibili<strong>da</strong>de de ruptura, pois a partir <strong>da</strong> crítica aos velhos padrões cria-se a aberturapara os novos.2.1.5 A Subjetivi<strong>da</strong>de <strong>na</strong>s Marcas Deixa<strong>da</strong>s pelo Trabalho Infantil e Referências SociaisNo contexto social <strong>da</strong>s mulheres entrevista<strong>da</strong>s a utilização <strong>da</strong> mão-de-obra infantilcomo recurso barato não era pensa<strong>da</strong> em termos críticos e, às vezes, até era entendi<strong>da</strong> comofavor ou soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, por ambas as partes: “eu comecei a trabalhar com nove anos (...) Nacasa dela, trabalhei com ela, cinco anos. Ela era professora...” (Do<strong>na</strong> Iraci, abril/2008). Ainfância de to<strong>da</strong>s as entrevista<strong>da</strong>s foi marca<strong>da</strong> pelas adversi<strong>da</strong>des, trabalho e pobreza:[...] uma vi<strong>da</strong> de muita dificul<strong>da</strong>de, minha infância foi de muita dificul<strong>da</strong>de, demuito trabalho, nóis só não pedia esmola (...) depois a mulher me chamou pra


trabalhar com ela, porque me achou muito caprichosa, novinha, que ela disse quenão se conformava de eu ser tão novinha e tão limpa. Aí ela me chamou pratrabalhar com ela, aí eu trabalhei cinco anos... ela me <strong>da</strong>va de tu<strong>do</strong>, de tu<strong>do</strong>. Ela me<strong>da</strong>va roupinha, eu saí <strong>da</strong>li que foi uma princesinha <strong>da</strong> casa dela, ela me vistia detu<strong>do</strong>. Ela me pagava pouquinho, ela me pagava um cruzeiro por mês. Eu ganhavaum cruzeiro por mês, mas ela me vestia de tu<strong>do</strong>, dinheiro era só pra minha mãe, ela<strong>da</strong>va direto pra minha mãe. (DONA IRACI, abril/2008).Essa história parece refletir o desejo de ser uma princesinha <strong>do</strong>s contos de fa<strong>da</strong>. Ameni<strong>na</strong> boazinha, caprichosa, serviçal, também sonhou com o mun<strong>do</strong> perfeito e feliz parasempre <strong>da</strong>s princesas. Na estória “A Gata Borralheira” fica-se diante de dilemas humanostrazi<strong>do</strong>s pela r<strong>ea</strong>li<strong>da</strong>de como: morte <strong>da</strong> mãe, aquisição de nova família, diferenças sociais,olhar <strong>do</strong>s responsáveis, amizade, amor e ódio. A meni<strong>na</strong> pobre, um dia, se vestiu igual a umaprincesa. Como bem disse Damergian (2001), no tempo e no espaço os absur<strong>do</strong>s sociais setor<strong>na</strong>m visíveis, pois enquanto Criciúma e os minera<strong>do</strong>res <strong>da</strong> região “cresciam”, Iraci tambémcrescia, porém, para entrar no mun<strong>do</strong> r<strong>ea</strong>l <strong>do</strong>s “lobos” e <strong>da</strong>s “bruxas”.Na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s outras mulheres entrevista<strong>da</strong>s a história sempre se repete: “Olha agente era bem pobre. E eu também tinha que trabalhar pra aju<strong>da</strong>r os pais.” (DONAERUNDINA, abril/2008); e repete:Oh <strong>da</strong>quele tempo atrás assim a gente não tinha infância né? (...) Era muitotrabalha<strong>do</strong> (...) Com nove anos eu eu já trabalhava (...) conheci uma professora queela era muito queri<strong>da</strong>. Meu pai era <strong>da</strong> lavoura, aí ele fazia assim prantação, coisaassim, né? (DONA JOANA, abril/2008).A repetição insiste porque é uma história social. Por isso, a memória chama para oâmbito <strong>da</strong> linguagem aquilo que não faz senti<strong>do</strong> ain<strong>da</strong>, pois “<strong>na</strong> palavra encontra-se apossibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> recomeço” (COSTA,1998, p. 1):Aí trabalhemo ali de novo de derrubar mato, tirá lenha. Eu lembro que meu pai ficou<strong>do</strong>ente, deu aquela febre amarela. Minha mãe também teve um aborto. Eu quetrabalhava pra sustentá a casa. (...) eu tinha uns treze anos. Catorze, eu acho. (DONAZULMIRA, abril/2008).Como demonstra<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> os vários autores já cita<strong>do</strong>s, a subjetivi<strong>da</strong>de é costura<strong>da</strong> ponto aponto a partir <strong>da</strong>s relações com o outro, e sempre começa pela mãe ou adulto cui<strong>da</strong><strong>do</strong>r. Aca<strong>da</strong> trama, poder-se-ia dizer, surge uma nova configuração, que embora inspira<strong>da</strong> pelo outroé, sempre, singular. Em ca<strong>da</strong> ponto ficam impressas as marcas deixa<strong>da</strong>s pela interação social,conforme Figura 2, que dá senti<strong>do</strong> à fala de Do<strong>na</strong> Erundi<strong>na</strong> (2008): “(...) porque a gente éemprega<strong>da</strong> <strong>na</strong> casa <strong>do</strong>s outros, então tu<strong>do</strong> que a minha patroa me <strong>da</strong>va eu trazia e botava noslugarzinhos.”


FIGURA 2 – DECORAÇÃO DA CASA DE DONA ERUNDINA.Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.Segun<strong>do</strong> Costa (1998), as elites representantes <strong>do</strong>s modelos sociais, culturais einstitucio<strong>na</strong>is desempenham papéis referenciais <strong>na</strong> construção <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de e, desse mo<strong>do</strong>,deixam suas marcas:D. Iraci: “eu aprendi muito como emprega<strong>da</strong> <strong>do</strong>méstica.”Do<strong>na</strong> Erundi<strong>na</strong>: “[...] Aí tu<strong>do</strong> que ela (a patroa) não queria, ela assim: aí Di<strong>na</strong> nãoquéis levar? E eu trazia. E ia gostan<strong>do</strong>.”D. Joa<strong>na</strong>: “[...] porque eu sempre trabalhava <strong>na</strong>... de emprega<strong>da</strong> <strong>na</strong> casa <strong>do</strong>s outrosné? E a gente aprende bastante coisa boa, também, né?”D. Isaura: “Ah eu trabalhava fora, né? Eu trabalhava <strong>na</strong> casa <strong>do</strong>... ali no centro,então, eu arrumava lá, e arrumava a minha casa também, né?”2.2 O PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DO ESPAÇOQuan<strong>do</strong> nos colocamos pela primeira vez diante de um entorno uma complexarede de mecanismos fisiológicos e psicológicos entra em ação instantan<strong>ea</strong>mente para nospermitir captar, aspirar e planejar sobre ele: como ele é, o que podemos encontrar e fazer nele(POL, s/d). Como resulta<strong>do</strong> ocorre uma surpreendente manifestação de processos físicos


(corporal), metafísicos (transcendente) e metafóricos (simbólico), conscientes ouinconscientes.Portanto, não é difícil compreender que o ambiente desempenha um papelimportante <strong>na</strong> “experiência e no comportamento humano”, uma vez que “to<strong>da</strong> conduta temlugar sempre e necessariamente em um contexto ambiental” e, “tanto pessoa como entorno sedefinem di<strong>na</strong>micamente e se transformam mutuamente ao longo <strong>do</strong> tempo como aspectos deuma uni<strong>da</strong>de global.” (VALERA; POL; VIDAL, s/d, p. 1). No entanto, isso não é o mesmoque dizer que o ambiente determi<strong>na</strong> o comportamento humano porque, conforme o argumentodefendi<strong>do</strong> por esses autores, ambiente e ação huma<strong>na</strong> acontecem um para o outro,reciprocamente. Para eles o que ocorre é uma interação entre a(s) pessoa(s) e seu(s) entorno(s)dentro de um contexto social, cujos resulta<strong>do</strong>s são “produtos psico-socio-ambientais.” (p. 3).Assim, o termo ambiente emprega<strong>do</strong> nesse trabalho, de acor<strong>do</strong> com ospressupostos teóricos <strong>da</strong> Psicologia Ambiental (VALERA; POL; VIDAL, s/d, p. 12),refere-se ao espaço sociofísico no qual ocorre o imbricamento <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des tanto físicascomo sociais em sua “inter-relação com o comportamento,” de tal mo<strong>do</strong>, que é impossívelcompreender umas sem as outras.A Psicologia Ambiental, portanto, está interessa<strong>da</strong> em estu<strong>da</strong>r o valor emocio<strong>na</strong>l(o significa<strong>do</strong>) <strong>do</strong> espaço para um indivíduo ou grupo inseri<strong>do</strong> num entorno físico-social ond<strong>ea</strong>s influências mútuas ocorrem ao longo <strong>do</strong> tempo num processo dinâmico e em constantemu<strong>da</strong>nça.Entende-se <strong>na</strong> Psicologia Ambiental que espaço, desprovi<strong>do</strong> de valor emocio<strong>na</strong>l, ésó um espaço, porém, no exato momento em que se atribui um significa<strong>do</strong> para um espaçovazio (de senti<strong>do</strong>) este se tor<strong>na</strong> um lugar e, desse mo<strong>do</strong>, ele fica impreg<strong>na</strong><strong>do</strong> <strong>do</strong>s atributosfísicos, metafísicos e simbólicos <strong>do</strong> sujeito que o significou, pois, segun<strong>do</strong> Pol (s/d, p. 48),ocorre ali um fenômeno <strong>na</strong>tural, “embora intencio<strong>na</strong>l em alguma medi<strong>da</strong>”, denomi<strong>na</strong><strong>do</strong>apropriação.Desse mo<strong>do</strong>, sustenta-se que o fenômeno <strong>da</strong> apropriação está diretamenterelacio<strong>na</strong><strong>do</strong> à identi<strong>da</strong>de de lugar (place identity) (PROSHANSKY, 1978 apudGONÇALVES, 2002). Porque esta passa a ser um elemento específico <strong>do</strong> “eu” <strong>do</strong> sujeito pormeio de uma complica<strong>da</strong> trama “de idéias conscientes e inconscientes, sentimentos, valores,objetivos, preferências, habili<strong>da</strong>des e tendências comportamentais referentes a um entornoespecífico.” (POL, s/d, p. 51).Lugar, para Canter (1977, 1976 apud POL, s/d, p. 48), é defini<strong>do</strong> como umproduto resultante <strong>da</strong>s “ações, concepções e atributos físicos <strong>do</strong> espaço”. Portanto, o


significa<strong>do</strong>, ou seja, o valor emocio<strong>na</strong>l <strong>do</strong> espaço, <strong>do</strong> lugar vai além <strong>da</strong> sua função específica,pois ele “resume a vi<strong>da</strong> e as experiências públicas e íntimas.” (POL, s/d, p. 45).Isso significa dizer, por exemplo, que um quarto não se resume a um cômo<strong>do</strong> <strong>da</strong>casa onde se <strong>do</strong>rme, nem <strong>na</strong>s suas quatro paredes com uma cama e um móvel para guar<strong>da</strong>r asroupas, dispostos em um canto qualquer, pois um quarto pode assumir o lugar de um retiroespiritual ou de um lugar sagra<strong>do</strong>, um oratório: “[...] (no quarto) faço minha oração, eu rezo.É onde eu fico mais né? Porque qualquer coisa, eu vou pro quarto, né?” (DONAERUNDINA, abril/2008).Desse mo<strong>do</strong>, o espaço apropria<strong>do</strong> é um espaço recria<strong>do</strong>, concreta esimbolicamente, pois nele o sujeito imprime a sua logomarca pinta<strong>da</strong> em tons emotivos e aorecriá-lo o sujeito é modifica<strong>do</strong> por ele, ou seja, o fenômeno <strong>da</strong> apropriação é um processo d<strong>ea</strong>ção-transformação recíproca entre entorno e sujeito.Corroboran<strong>do</strong> o argumento acima, Petit afirma: “nos apropriamos <strong>do</strong> espaço, maso espaço se apropria de nós.” (1976 apud POL, s/d, p. 48), pois <strong>na</strong> ver<strong>da</strong>de o espaço como um<strong>na</strong><strong>da</strong> a priori passa à condição de lugar ao receber <strong>do</strong> sujeito apropriante uma marca pessoal,uma logomarca, algo que não se pode imitar ou transferir para outrem. Isso corresponde àidéia de recriar, refazer o “outro” diferente <strong>da</strong>quilo que ele era no princípio, isto é, um <strong>na</strong><strong>da</strong>.Essa noção de apropriação como uma via de mão dupla surgiu no contexto <strong>da</strong>psicologia social fenomenológica e de raízes marxistas e culturalista. (POL, s/d). AFenomenologia descarta a dicotomia sujeito-objeto em favor de uma relação de intercâmbioentre eles.Entretanto, para Marx, que origi<strong>na</strong>lmente criou o conceito (GRAUMANN 1976apud POL, s/d, p. 46), “a apropriação se relacio<strong>na</strong> com o conceito de alie<strong>na</strong>ção”. Pelo trabalhoo homem se r<strong>ea</strong>liza. Defini<strong>do</strong> pelo autor, trabalho é uma ação transforma<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> homemsobre o “mun<strong>do</strong> exterior que produz objetos materiais e imateriais.” (p. 46). Alie<strong>na</strong>ção, porsua vez, ocorre quan<strong>do</strong> o sujeito não se identifica com os objetos produzi<strong>do</strong>s por si mesmo.De acor<strong>do</strong> com Pol (s/d, p. 46), para Marx a apropriação tem <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s basais:“apropriação como possessão <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza, <strong>do</strong> produto, por parte <strong>do</strong> ser humano; e apropriaçãocomo processo histórico”, este último ocorren<strong>do</strong> em três níveis: Coletivo, Histórico-individuale Histórico <strong>do</strong> sujeito. De acor<strong>do</strong> com Pol, no nível coletivo a cultura agrega tu<strong>do</strong> o que seusantepassa<strong>do</strong>s desenvolveram; no nível histórico-individual to<strong>do</strong> indivíduo agrega nele próprioo desenvolvimento de seus antepassa<strong>do</strong>s e no nível histórico <strong>do</strong> sujeito o indivíduo antes de“apropriar” não é o mesmo que depois de “apropriar”. (s/d, p. 46).Assim, para Lefebvre (apud POL, s/d, p.46) “a apropriação é um processo


importante contra a alie<strong>na</strong>ção”, a não identificação, pois a apropriação não é tanto exter<strong>na</strong>,mas pertence à esfera <strong>do</strong> cotidiano, ao íntimo e, portanto, relacio<strong>na</strong>-se com a privaci<strong>da</strong>de, aintimi<strong>da</strong>de, attachment (apego), com a vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong> <strong>do</strong> dia-a-dia.Gonçalves (2002) concebeu a apropriação <strong>do</strong> espaço também por meio <strong>da</strong> síntesepoética. Para a autora “a poética seria uma dimensão huma<strong>na</strong> comum a to<strong>do</strong>s os homens emque a pessoa transcende a própria história e o próprio tempo.” (GONÇALVES, 2007, p. 39).Assim, de acor<strong>do</strong> com a autora, essa experiência ocorre não em um tempo comum, mas emum tempo psicológico ativa<strong>do</strong>, livre e instantan<strong>ea</strong>mente, por um objeto poético.Nesse momento poético, em que o sujeito vai além de si mesmo, ele setransforma, pois vê no objeto poético a síntese de si mesmo. Porque o significa<strong>do</strong> dessaexperiência falará de suas delícias e amarguras, prazeres e repúdios, esperanças e frustrações,fé e dúvi<strong>da</strong>s, amor e <strong>do</strong>r vivencia<strong>do</strong>s ativamente com o to<strong>do</strong> o seu corpo, seja consciente ouinconscientemente. Ou, como diz Bachelard: “A poética seria um produto direto <strong>do</strong> coração.Fala de alma e de espírito como duas dimensões <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de, no senti<strong>do</strong> de que o espíritoestrutura o poema e a alma faz devaneios.” (1998a apud GONÇALVES, 2007, p. 43).Dessa forma, buscou-se compreender o processo de apropriação <strong>do</strong> espaçoocorri<strong>do</strong> <strong>na</strong> <strong>periferia</strong> de Criciúma/SC. Nesse processo, cultura, grupo, subjetivi<strong>da</strong>de, corpo <strong>ea</strong>ção constróem-se mutuamente numa trama em que o cenário, enquanto ambiente físico esimbólico, também atua ativa e indissociavelmente tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong>, por vezes, impossível distinguiruns <strong>do</strong>s outros.Nesse senti<strong>do</strong>, a conceituação <strong>do</strong> espaço neste trabalho parte de um referencialmultidiscipli<strong>na</strong>r envolven<strong>do</strong> discipli<strong>na</strong>s como, por exemplo, a Geografia, a Arquitetura e aPsicologia, esta última em suas vertentes social e ambiental.As mulheres entrevista<strong>da</strong>s chegaram ao bairro quan<strong>do</strong> este ain<strong>da</strong> era o local ondese depositava o lixo <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de; seja quan<strong>do</strong> o “lixão” ocupava a ár<strong>ea</strong> central e adjacências <strong>do</strong>bairro, ou após, quan<strong>do</strong> passou para uma ár<strong>ea</strong> mais retira<strong>da</strong> e menor. Nas palavras de Do<strong>na</strong>Iraci (abril/2008):[...] porque tinham <strong>do</strong>a<strong>do</strong> os terrenos pra nóis e quan<strong>do</strong> eles <strong>do</strong>aram era só lixo. Aídepois é que os caminhão viero e botaro aterro. Aí botaro aterro, botaro carvãoembaixo <strong>do</strong> lixo, depois botaro terra por cima <strong>do</strong> carvão. Aqui embaixo: só carvão.Nessa época, ali não havia acolhimento, habitação, tu<strong>do</strong> o que tinha era muitolixo, insetos, roe<strong>do</strong>res, fe<strong>do</strong>r, pirita 9 , rejeito de carvão e uma estrutura de concreto que <strong>da</strong>vasustentação à caixa d’água <strong>da</strong> mi<strong>na</strong> desativa<strong>da</strong>. A mi<strong>na</strong> quatro. Mi<strong>na</strong> Quatro também foi o9 Pirita: Sulfureto de ferro, emprega<strong>do</strong> <strong>na</strong> fabricação de áci<strong>do</strong> sulfúrico. (SILVEIRA BUENO, 2000)


primeiro nome <strong>do</strong> bairro.Mas, “em qualquer lugar onde haja seres humanos, haverá o lar de alguém – comoto<strong>do</strong> o significa<strong>do</strong> afetivo <strong>da</strong> palavra” (YI-FU TUAN, 1980, p. 130):[...] aí viemo tu<strong>do</strong> práqui, prá debaxo <strong>da</strong> caxa d’água. Nóis não tinha condições depagá aluguel. (...) Não tinha mari<strong>do</strong>. (...) Ali era só lixo. Não tinha água, não tinhaluz. Na peça que nóis morava era <strong>do</strong> tamanho de um quartinho, assim. Mais nãotinha porta nem janela. Só tinha uns buraco, assim. E tinha porta, assim, mais nãoera coloca<strong>da</strong>, a porta. (DONA ZULMIRA, abril/2008).Contu<strong>do</strong>, a vi<strong>da</strong> no lixão a experiência mais simples se tor<strong>na</strong>va um desafio. Do<strong>na</strong>Zulmira (abril/2008) contou a sua história evocan<strong>do</strong> <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> vivências por demaishuma<strong>na</strong>s e demasia<strong>do</strong> desuma<strong>na</strong>s: “[...] A gente ia fazer comi<strong>da</strong>, se tu levantasse a tampa <strong>da</strong>panela assim, tu não comia mais, era só mosca. (...) e a catinga <strong>do</strong> lixo? Cre<strong>do</strong>! E eu enfrenteiaquilo tu<strong>do</strong>...”. Ultrapassan<strong>do</strong> to<strong>da</strong>s as determi<strong>na</strong>ções Do<strong>na</strong> Zulmira fez <strong>da</strong>li o seu lar.Do<strong>na</strong> Iraci chegou ao bairro depois de ter mora<strong>do</strong> em muitos outros lugares embusca de abrigo e de trabalho para sustentar a si e aos seus filhos. Estava em busca <strong>da</strong>r<strong>ea</strong>lização de um sonho: ter um lugar para chamar de seu. Um abrigo. Uma casa própria. Umdireito viola<strong>do</strong> por muito tempo:Ah, eu vim aqui pro bairro com muito sacrifício! Eu fiz inscrição lá <strong>na</strong> Santa Luzia,fiz inscrição no Pedregal, fiz inscrição <strong>na</strong> Boa Vista, fiz inscrição em tu<strong>do</strong> quantoera lugar. Depois eu fui <strong>na</strong> prefeitura (...) porque eu estava grávi<strong>da</strong> desse meuminino, aí eu pedi pelo amor de Deus que ele me cedesse uma casinha porque euestava sozinha e eu trabalhava pra sustentá esses meus 3 filho. (DONA IRACI,abril/2008).As palavras de Do<strong>na</strong> Iraci apontam particularmente para a questão política <strong>do</strong>direito à moradia e ao trabalho. Surpreende o fato de pessoas passarem quase uma vi<strong>da</strong> to<strong>da</strong>em função de adquirir a casa própria. A casa, que por um la<strong>do</strong> é “sonho” a serincansavelmente persegui<strong>do</strong>, por outro, constitui-se em oportuni<strong>da</strong>de de especulaçãoimobiliária e estratégia política em época de eleição. Como diz Damergian (2000, p. 104): “epensar que o espaço priva<strong>do</strong>, o lugar próprio, o preservar-se <strong>do</strong> olhar perscruta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> outro, odireito à vi<strong>da</strong> dig<strong>na</strong> são aspectos importantes para a subjetivi<strong>da</strong>de...”.E, visto que viver <strong>na</strong> ci<strong>da</strong>de depende principalmente <strong>do</strong> acesso à moradia, pois“além <strong>da</strong> saúde, <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> e <strong>da</strong> educação, a habitação é também um elemento básico queconstitui um “mínimo social”, que habilita os indivíduos e os grupos sociais a fazerem outrasescolhas ou a desenvolver suas capaci<strong>da</strong>des.” (CARDOSO, 2007, p. 1).Entretanto, Vala<strong>da</strong>res vai além ao afirmar que “não há ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia que sobreviva aodesabrigo; para consegui-la é necessário que o homem seja capaz de produzir para seu própriosustento.” (2000, p. 88). O autor se refere à possibili<strong>da</strong>de de o sujeito promover a sua


manutenção no mun<strong>do</strong>, no “con-texto e <strong>na</strong> situ-ação”, ou seja, possibili<strong>da</strong>de r<strong>ea</strong>l diante <strong>da</strong>totali<strong>da</strong>de que envolve o sujeito no lugar aonde ele age. Pois, “para se sustentar, nem sempreo sujeito é um ci<strong>da</strong>dão.” (p. 88). Porque, segun<strong>do</strong> Soalheiro, “há a lei e aquilo que não seconsegue com a lei.” (1998 apud VALADARES, 2000, p. 88), como, por exemplo, a situaçãode Do<strong>na</strong> Zulmira: “Eu queria era trabalhá e dá o quê comê pra eles (netos e filhas) né? Nãoqueria deixá eles passá fomi.”Da perspectiva de Gonçalves (2007, p. 44-45), “a casa diz respeito à condiçãohuma<strong>na</strong> (pois) o homem, tanto em nível concreto como simbólico, precisa <strong>do</strong> abrigo <strong>da</strong> casa(...) onde possa sonhar, refazer suas forças, alimentar-se <strong>da</strong> seiva <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> como uma segurançade estar abriga<strong>do</strong>, protegi<strong>do</strong>.” A autora está se referin<strong>do</strong> à condição universal de sentir-se emcomunhão com o outro.Padece-se de solidão por estar só no abrigo único <strong>do</strong> seu corpo e sofre-se dedesamparo por ter que assumir sozinho a responsabili<strong>da</strong>de de to<strong>da</strong> a sua existência, mesmoestan<strong>do</strong>-se em meio à multidão. No dizer de Paz, “a solidão é o fun<strong>do</strong> último <strong>da</strong> condiçãohuma<strong>na</strong>... O homem é nostalgia e busca de comunhão. Por isso ca<strong>da</strong> vez que se sente a simesmo se sente como carência de outro, como solidão.” (apud REZENDE, 2000, p. 12). Poiso outro ao mesmo tempo em que é complemento é espelho que nos auxilia <strong>na</strong> tarefa desuavizar o nosso desamparo.Assim, pode-se pensar a casa a partir de suas dimensões concretas e simbólicas,ou seja, como objeto construí<strong>do</strong> e deseja<strong>do</strong> intensamente por oferecer proteção contra asam<strong>ea</strong>ças <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza e <strong>do</strong>s outros homens, e também, como objeto poético que faz“transcender o tempo comum”, <strong>na</strong> tese de Gonçalves (2002).Em outras palavras, uma casa é chão, é parede, é telha<strong>do</strong>, é porta e é janela, mas étambém um espaço infinito para nele projetarmos nosso jeito de ser, de sentir e de agir,“porque a casa é nosso canto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.” (BACHELARD, 1993, p. 25); porque “a casa vistacomo abrigo, como protetora, também é o lugar de nossos sonhos. É nela que o sujeito criaseus lugares mais íntimos. Em busca <strong>da</strong> casa vamos to<strong>do</strong>s nós.” (GONÇALVES, 2007, p. 44).Infere-se, portanto, que para o ser humano o abrigo é mais <strong>do</strong> que simplesmentesuas proprie<strong>da</strong>des físicas, concretas, mas que possui também um significa<strong>do</strong> simbólico, sejaeste, consciente ou não.O geógrafo Yi-Fu Tuan (1980) também demonstrou a relação entre o mun<strong>do</strong> e ossignifica<strong>do</strong>s a partir <strong>da</strong>s experiências corporais huma<strong>na</strong>s e, para isso criou os conceitos deTopofilia e Topofobia. O primeiro, topofilia, o autor o definiu como o “elo afetivo” que ligauma pessoa ao lugar ou ambiente físico, e o outro, topofobia, equivale ao oposto.


Da perspectiva de Tuan (1983 apud RABINOVICH, 2004) espaço se refere a duasforças capazes de produzir modificações <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de repouso ou de movimento de um corpoe as denominou “lugar” e “espaçamento ou espaciosi<strong>da</strong>de”. Lugar se relacio<strong>na</strong> com os valoresbásicos de afeto; espaçamento ou espaciosi<strong>da</strong>de corresponde ao uso livre <strong>do</strong> espaço para nelese projetar, seja no senti<strong>do</strong> concreto ou simbólico (p. 59). A partir <strong>da</strong> sensação e <strong>da</strong> percepção<strong>da</strong>s cores, <strong>da</strong>s formas, <strong>do</strong>s o<strong>do</strong>res, <strong>do</strong> prazer, o sujeito por sua ação-transforma<strong>do</strong>ra, modificaas paisagens visíveis <strong>do</strong> lugar e modifica a paisagem de seu mun<strong>do</strong> interno expressas pelasmarcas deixa<strong>da</strong>s e pelas formas de ser e agir, respectivamente.Corroboran<strong>do</strong> com o argumento de Tuan, Gonçalves (2002) afirma que o espaçopossui três dimensões: uma social, onde ocorrem as interações <strong>do</strong> indivíduo com os outros econsigo mesmo; outra cultural, em que os sistemas de crenças e valores são introjeta<strong>do</strong>s pormeio <strong>da</strong> dimensão social; e outra simbólica <strong>na</strong> qual elabora e repara as experiências boas eruins. Resumin<strong>do</strong>, o espaço teria o que a autora chama de dimensão sócio-cultural esimbólica entrelaça<strong>da</strong>s entre si.Portanto, o entorno faz parte <strong>do</strong> meio social visível, r<strong>ea</strong>l e o ambiente é aexperiência vivi<strong>da</strong> concretamente pelo sujeito, é concreto, palpável, mas é também etéreo eimaginário, pois “é onde ele trabalha, constrói sua casa, faz sua poética, constrói laços, apegase,sente-se pertencente a um lugar, sonha, transforma.” (GONÇALVES, 2002, p. 20).Espaço, entorno e lugar seria, então, o cotidiano <strong>do</strong> sujeito e <strong>do</strong> grupo socialdeclara<strong>do</strong> em seus aspectos físico, cultural, social, espiritual e psíquico. Sujeito, mun<strong>do</strong>,ci<strong>da</strong>de, bairro, rua, calça<strong>da</strong>, casa, sujeito. Uma relação que se amplia e se estreita nummovimento contínuo de tecer incessantemente, segun<strong>do</strong> após segun<strong>do</strong>, uma história através<strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s <strong>da</strong> visão, olfato, tato, audição e pele, contextualiza<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> cultura.Para Gonçalves (2002), para compreender os processos psicossociais <strong>da</strong>apropriação é necessário considerar os processos cognitivos, afetivos, simbólicos, interativose estéticos que dependem <strong>da</strong>s relações, <strong>da</strong>s influências mútuas e <strong>da</strong>s transações entre aspessoas, grupos sociais e/ou comuni<strong>da</strong>des e seus entornos sociofísicos, liga<strong>do</strong>s ao mo<strong>do</strong> d<strong>ea</strong>gir, de morar. Porque o fenômeno <strong>da</strong> apropriação relacio<strong>na</strong>-se com o processo deidentificação, pois permite ver-se a si mesmo no “outro” e nele reconhecer-se enquanto serhumano, porém, diferencian<strong>do</strong>-se dele, ou seja, retoman<strong>do</strong> Paz, o “outro seria complemento eespelho”:Aí, nóis escolhen<strong>do</strong> lixo achei uma per<strong>na</strong> duma pessoa... Porque <strong>da</strong>í começaro a serevoltá porque tavo trazen<strong>do</strong> per<strong>na</strong> de gente, e não pudia trazer aquilo ali. Ain<strong>da</strong>pessoa que tinha morri<strong>do</strong> de trombose, tu<strong>do</strong> corta<strong>do</strong>, de<strong>do</strong>, era per<strong>na</strong>, era braço, eratu<strong>do</strong> joga<strong>do</strong> ali no lixão? Nóis tu<strong>do</strong> ali no meio <strong>da</strong>quilo ali? (...) Aí nóis tu<strong>do</strong> serevoltemo: era aborto era tu<strong>do</strong>, aborto! A minha filha, ali <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> valo,


achou um menino dentro duma caixa de papelão enrola<strong>do</strong> com uma toalha mais unslençóis, assim enrola<strong>do</strong>, um menino a coisa mais <strong>do</strong> bonitinha, porque tava morto...Aí, a turma se revoltaro tu<strong>do</strong>. Aí, nóis parava o caminhão e não dexava mais ir.(Do<strong>na</strong> Zulmira, abril/2008).Embora vivessem <strong>do</strong> lixo e no lixo não se viam como lixo. Aqueles “espelhos”despe<strong>da</strong>ça<strong>do</strong>s refletiram uma r<strong>ea</strong>li<strong>da</strong>de, porém, ao contrário destes, sabiam-se vivos. E, dessemo<strong>do</strong>, como vivos, levantaram-se contra aquela situação. Reivindicaram, lutaram e vencerama batalha. Transformaram aquele lugar e assim transformaram-se a si mesmos. ConformeVala<strong>da</strong>res disse: “o sujeito não aban<strong>do</strong><strong>na</strong>, nunca, a busca de seu lugar (...) esta busca é sempreum fazer, uma ação singular, sempre transforma<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> ambiente, dito <strong>na</strong>tural.” (2000, p. 86).Destarte, pode-se associar o atual nome <strong>do</strong> bairro, Re<strong>na</strong>scer, ao re<strong>na</strong>scimento <strong>da</strong>Fênix, a ave queima<strong>da</strong> <strong>da</strong> mitologia grega. Em vez de re<strong>na</strong>scer <strong>da</strong>s cinzas, os mora<strong>do</strong>res <strong>da</strong>lire<strong>na</strong>sceram <strong>da</strong> pirita, <strong>do</strong> lixo, <strong>do</strong> descaso, <strong>da</strong> humilhação e <strong>da</strong> miséria. A ár<strong>ea</strong>, enquantoambiente degra<strong>da</strong><strong>do</strong>, ou seja, também enquanto espelho <strong>do</strong> homem, re<strong>na</strong>sceu <strong>do</strong> fogo <strong>do</strong>enxofre e pela ação coletiva foi transforma<strong>da</strong>. Segun<strong>do</strong> Gonçalves (2002), pela ação sobre oentorno a pessoa e a comuni<strong>da</strong>de transformam o espaço deixan<strong>do</strong> os rastros de suas ações,isto é, as suas marcas e o incorporam a seus processos de razão e emoção de uma forma ativae atualiza<strong>da</strong>.A luta trava<strong>da</strong> <strong>na</strong>quele bairro teve muitas mulheres à frente <strong>da</strong> batalha. As cincomulheres entrevista<strong>da</strong>s tinham filhos, duas tinham mari<strong>do</strong>. Mulheres Guerreiras, como asAmazo<strong>na</strong>s, que pertencem a uma socie<strong>da</strong>de matriarcal em um mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>mi<strong>na</strong><strong>do</strong> peloshomens. Como guerreiras genuí<strong>na</strong>s é que essas mulheres <strong>do</strong> bairro Re<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatroempunharam as armas que estavam ao alcance de suas mãos para defenderem o seu lugarcontra as am<strong>ea</strong>ças presentes <strong>na</strong>s regras de relacio<strong>na</strong>mento humano cria<strong>da</strong>s pela cultura:Tentaro invadir comigo aqui dentro! Aí, eu peguei um facão que eu tinha dessetamanho e enfrentei, né! É meu e eu não vou <strong>da</strong>r pra ninguém! (...) Então, eu tiveque r<strong>ea</strong>gir <strong>da</strong> minha espécie pra não perder o que era meu, porque eu era sozinha etinha 3 filhos, né? (DONA IRACI, abril/08).O ser social produzi<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> acesso à cultura se coloca<strong>do</strong> em situaçãoextrema pode r<strong>ea</strong>gir acio<strong>na</strong><strong>do</strong> pelas forças mais primitivas, no caso, pelo instinto de vi<strong>da</strong>.Do<strong>na</strong> Iraci foi buscar no instinto de sua espécie a força para defender o seu espaço social, nocaso, a sua casa.Para Gifford (1987, p. 137 apud VALERA; POL; e VIDAL, s/d, p. 45) ocomportamento de Do<strong>na</strong> Iraci traz em si o fenômeno <strong>da</strong> territoriali<strong>da</strong>de defini<strong>da</strong> por ele comoum padrão de comportamentos e atitudes manti<strong>do</strong> por um indivíduo ou grupobas<strong>ea</strong><strong>do</strong> no controle percebi<strong>do</strong>, intencio<strong>na</strong>l ou r<strong>ea</strong>l de um espaço físico definível,


objeto ou idéia e que pode conduzir à ocupação habitual, à defesa, à perso<strong>na</strong>lizaçãoe à si<strong>na</strong>lização deste.Desse mo<strong>do</strong>, o ser humano, assim como muitos outros animais, precisa marcarseu território, porém, faz isso de um mo<strong>do</strong> muito mais complexo, pois essas marcas nãoservem ape<strong>na</strong>s para lhe auxiliar <strong>na</strong> orientação espacial, mas servem também para preservar asua identi<strong>da</strong>de diante de si mesmo e <strong>do</strong>s outros. (POL, s/d). Portanto, marcar o territórioenvolve defesa, comportamento relacio<strong>na</strong><strong>do</strong> a um lugar e controle por parte <strong>do</strong> indivíduo ougrupo.Como se pode observar <strong>na</strong> Figura 3, o que antes era um lixão hoje é um bairro. Oque antes era uma cama<strong>da</strong> de rejeito, de lixo e de aterro e uma ár<strong>ea</strong> totalmente mutila<strong>da</strong>,degra<strong>da</strong><strong>da</strong>, de aspecto frio, morto, ca<strong>da</strong>vérico, feio e fe<strong>do</strong>rento, povoa<strong>da</strong> por rataza<strong>na</strong>s,baratas, morcegos, corujas e moscas, hoje é um bairro. Se as crianças não tinham proteçãocontra essa forma desuma<strong>na</strong> de sobreviver, hoje elas podem brincar num ambiente mais limpoe mais saudável.Conforme Damergian (2001, p. 103) salientou: “preocupamo-nos com a violênciaque mata, mutila, rouba. E não com a violência psíquica, social, afetiva que nos rodeia [...]”como no exemplo <strong>da</strong><strong>do</strong> por Do<strong>na</strong> Zulmira (abril/2008):[...] vivia que era uma feri<strong>da</strong> só, <strong>da</strong>quele lixo, era uma dó aquele guri, (...)bebezinho, (ela) saía corren<strong>do</strong> pra dá de mamá pra ele no lixo, chegava lá ela com amão que era só lixo, aquela nojera né? Porque nóis catava tu<strong>do</strong> ali, ali vinha tu<strong>do</strong>,né? Ele só dizia: mãe, mamá! Ele mesmo só puxava e depois saía pela<strong>do</strong> <strong>na</strong>quelelixo, Graças a Deus nunca ficaro <strong>do</strong>ente”.Percebe-se assim que a ação coletiva e transforma<strong>do</strong>ra vai muito além <strong>da</strong>possessão e <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza, pois aqui, transformar-se significou também tor<strong>na</strong>r-sedigno, conforme também demonstra a Figura 3. A ár<strong>ea</strong> passou por um processo detransformação coletiva no dia-a-dia que trouxe benefícios essenciais àquela comuni<strong>da</strong>de:“água tem, esgoto tem, luz tem. posto de saúde tem...” contou feliz, a Do<strong>na</strong> Isaura (2008) aofalar <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças ocorri<strong>da</strong>s ali.


FIGURA 3 – CRIANÇAS BRINCANDO NAS RUAS DO BAIRRO.Foto: Diego Destro – abril/2008.Depreende-se, portanto, que o fenômeno <strong>da</strong> apropriação <strong>do</strong> espaço se relacio<strong>na</strong>com o processo de identificação com o lugar, em que os espaços são apreendi<strong>do</strong>s, nãosomente através <strong>do</strong>s órgãos sensoriais, mas pelas vivências temporais <strong>do</strong> cotidiano em <strong>da</strong><strong>do</strong>contexto cultural.Como já foi dito, o processo de apropriação se relacio<strong>na</strong> com a identi<strong>da</strong>de delugar, ou seja, o lugar passa a ter um significa<strong>do</strong> para o indivíduo que o incorpora à identi<strong>da</strong>de<strong>do</strong> eu, isto é, à sua própria identi<strong>da</strong>de, por meio de processos cognitivos, afetivos, simbólicos,interativos e estéticos. (GONÇALVES, 2002).Psicologicamente falan<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> Canter (1988 apud CORRALIZA, 2000, p. 6)“um lugar se caracteriza por constituir não só uma estrutura física, senão também porconstituir o continente no qual se desenvolvem os indivíduos.” Como ficou exemplifica<strong>do</strong> <strong>na</strong>fala de Do<strong>na</strong> Iraci (2008): “E aqui foi a minha vi<strong>da</strong>.”Entretanto, as mulheres entrevista<strong>da</strong>s ain<strong>da</strong> não se apropriaram <strong>do</strong> bairro em si,pois não o freqüentam. Às vezes, vão “só a igreja”, como disse Do<strong>na</strong> Joa<strong>na</strong>. Porém, algumasdelas estão em processo de apropriação, como observa<strong>do</strong> no exemplo:[...] um dia eu fui no centro e... eu tava lá no banco, lá no Itaú, perto <strong>do</strong> Santo


Antônio (rua). Aí, tinha um cara falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> nosso bairro, <strong>da</strong>í eu disse pra ele assim:não adianta tu falá <strong>do</strong> nosso bairro, nosso bairro lá é bom, e tem outra: tu<strong>do</strong> contélugar tem ladrão, tu<strong>do</strong> conté lugar tem maconheiro... tu<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong> conté lugar tembandi<strong>do</strong> (...) Defendi o bairro. Eu disse: tu não pode tá falan<strong>do</strong>, às vezes, no teubairro tem muita gente pior que o nosso.(DONA ZULMIRA, abril/2008).A fala de Do<strong>na</strong> Zulmira traz as proposições de Pol (s/d) sobre a territoriali<strong>da</strong>dehuma<strong>na</strong> <strong>na</strong> relação <strong>da</strong> pessoa, <strong>do</strong> grupo e <strong>do</strong> entorno sociofísico mais próximo. Para ess<strong>ea</strong>utor, defender seu território é um <strong>do</strong>s indica<strong>do</strong>res de apropriação.Naquele bairro, Do<strong>na</strong> Zulmira e as outras entrevista<strong>da</strong>s ocupam um lugar, umamora<strong>da</strong>. A casa como abrigo tem o senti<strong>do</strong> de proteção. Depois de um dia de luta deseja-sevoltar para o aconchego <strong>da</strong> casa. Resguar<strong>da</strong>r-se <strong>do</strong> olhar <strong>do</strong> outro.Segun<strong>do</strong> alguns autores (GONÇALVES, 2007 e VALADARES, 2000) voltar paracasa pode ser considera<strong>do</strong> simbolicamente retor<strong>na</strong>r ao útero 10 , à caver<strong>na</strong> aonde emergem ossentimentos mais primitivos de proteção e aconchego. No dizer <strong>do</strong> poeta e filósofo Bachelard(1993, p. 26), a gente se reconforta ao reviver lembranças de proteção. A gente volta <strong>na</strong>imagi<strong>na</strong>ção, com a “soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> memória,”, às antigas mora<strong>da</strong>s para recarregar asenergias e buscar calor, alimento e descanso. Convívio, força e contentamento. Sem a casa “ohomem seria um ser disperso (...) porque ela é o nosso canto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>” (BACHELARD,1993, p. 24). A casa é a nossa referência no espaço, disse o poeta.Entretanto, quan<strong>do</strong> a prefeitura de Criciúma fez o lot<strong>ea</strong>mento <strong>da</strong> ár<strong>ea</strong> e ca<strong>da</strong>strouas famílias para distribuir os lotes, muita coisa ain<strong>da</strong> precisava ser feita, como disse Do<strong>na</strong>Iraci (abril/2008): “A casa não tinha telha<strong>do</strong>, não tinha <strong>na</strong><strong>da</strong>, né? E não tinha janela, não tinha<strong>na</strong><strong>da</strong>, eu <strong>do</strong>rmia com isso aqui tu<strong>do</strong> aberto, pois não tinha <strong>na</strong><strong>da</strong>. Vinha só pra cui<strong>da</strong>r e comvelinha acesa”, pois também não tinha água enca<strong>na</strong><strong>da</strong>, energia elétrica, esgotamento sanitário,etc.. Do mesmo mo<strong>do</strong>, aconteceu com Do<strong>na</strong> Isaura “entremo sem janela, sem porta, sem <strong>na</strong><strong>da</strong>.(...) Porque nóis trouxemo foi só a cama e a rôpa <strong>do</strong> corpo”. E, com Do<strong>na</strong> Iraci, também:“porque a parte de lá (quem fez) foi a COHAB, mas sem parede sem <strong>na</strong><strong>da</strong> entende? (...) maisaqui era uma trabalheira quan<strong>do</strong> eu vim morar aqui”. Isso remete a Lynch (1965 apudCORRALIZA, 2000, p. 3) quan<strong>do</strong> diz que uma <strong>da</strong>s causas <strong>da</strong> sensação de mal estar <strong>na</strong>sci<strong>da</strong>des consiste <strong>na</strong> “rigidez (<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de), sua falta de sinceri<strong>da</strong>de e de franqueza.” Ou, comodisse Damergian:a ideologia <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte, além de manter os desfavoreci<strong>do</strong>s a distância, quan<strong>do</strong> lhes“oferece”, generosamente, algum tipo de “benefício” este é de tal formaempobreci<strong>do</strong> e destiuí<strong>do</strong> de condições que impossibilita o rompimento <strong>do</strong> círculo10 Simbologia <strong>do</strong> útero, conceito utiliza<strong>do</strong> por Gonçalves (2007) em seu livro Ci<strong>da</strong>de e Poética e por Vala<strong>da</strong>res(2000) no artigo Quali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> espaço e habitação huma<strong>na</strong>.


vicioso <strong>da</strong> pobreza. (2001, p. 101).Esse espaço novo e vazio ofereci<strong>do</strong> pela administração municipal era precário ede difícil identificação, pois as casas populares são to<strong>da</strong>s iguais. Então, foi necessárioreformar a casa, torná-la habitável. Reformar a casa pode significar, nesse caso, modificar,melhorar, reformar a própria vi<strong>da</strong>.Fizeram-se os arranjos necessários, como a colocação de paredes, telha<strong>do</strong>s, pisos,portas e janelas, etc., porém, de tal forma, que em ca<strong>da</strong> casa percebem-se as diferençasrevela<strong>do</strong>ras <strong>da</strong>s características de seus mora<strong>do</strong>res. A isto se chama <strong>na</strong> Psicologia Ambientalde fenômeno <strong>da</strong> perso<strong>na</strong>lização, que é a ação de diferenciar o que é seu <strong>da</strong>quilo que é <strong>do</strong>outro, <strong>do</strong>tan<strong>do</strong>-o de significa<strong>do</strong> e si<strong>na</strong>is que refletem a sua perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de e também favorecemos sentimentos de apego e de pertença ao lugar.Transformaram aquele espaço vazio em mora<strong>da</strong>s <strong>do</strong> coração. E, como ditoanteriormente, depois de apropria<strong>da</strong> a casa passa a ter um significa<strong>do</strong> emocio<strong>na</strong>l: “significatu<strong>do</strong> pra mim. Pra mim significa tu<strong>do</strong>. Eu defendi com unhas e dente, guria”, disse Do<strong>na</strong> Iraci(2008). E, a Do<strong>na</strong> Joa<strong>na</strong> também: “eu a<strong>do</strong>ro, é ruimzinha assim mais eu gosto bastante [...]”.De acor<strong>do</strong> com Cavalvante (2004, p. 134), o homem cria “arranjos interiores”para seus espaços construí<strong>do</strong>s, a fim de atender às suas necessi<strong>da</strong>des e desejos. A porta, porexemplo, seria um desses arranjos. Ao cerrar a porta, cria-se um isolamento pessoal,intencio<strong>na</strong>l; ao abri-la, busca-se o contato com o outro. Ou como bem se expressou Do<strong>na</strong>Erundi<strong>na</strong> (abril/2008):[...] eu gosto é <strong>da</strong> porta (risos). Na frente de casa. Da porta dá de espiar o quê qu<strong>ea</strong>contece (risos). (...) Porque passa muita gente, ás vezes, gente conheci<strong>da</strong>, às vezes,gente que não conhece, né? Às vezes conversa com um, conversa com outro e assima gente passa o dia (risos).Dessa maneira, Do<strong>na</strong> Erundi<strong>na</strong> se abre para interagir com os outros pela porta <strong>da</strong>frente. A expressivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fala dessa senhora de 77 anos revela o grau de apreço que elasente pelos seus vizinhos e abertura para os desconheci<strong>do</strong>s. A porta, segun<strong>do</strong> Cavalcante(2004, p. 137), também é “um indica<strong>do</strong>r <strong>da</strong> alma huma<strong>na</strong> porque o homem investe nelaindividuali<strong>da</strong>de e sentimentos”, porque abrir ou fechar a porta expressa o desejo de interagirou não, respectivamente, com os semelhantes.Contu<strong>do</strong>, o simbolismo <strong>da</strong> casa é quase tão infinito quanto os sonhos e os desejoshumanos: ”Aí, ele me aju<strong>do</strong>u a fazer uma casinha, aí <strong>da</strong>li só fui crescen<strong>do</strong>”, disse Do<strong>na</strong>Erundi<strong>na</strong> (abril/2008). Portanto, a casa não é só “lugar”, é também alavanca para as outrasconquistas que a luta pela sobrevivência impõe. A casa também é sonho a ser r<strong>ea</strong>liza<strong>do</strong>: “Meu


maior sonho que eu r<strong>ea</strong>lizei foi ter a minha casa”, disse Do<strong>na</strong> Iraci (abril/2008).A casa em si mesma é um objeto poético que carrega consigo outros objetospoéticos, conforme se vê <strong>na</strong> Figura 4.FIGURA 4 – A CASA DE DONA IRACIFoto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.Por meio <strong>do</strong> processo de apropriação os afetos são materializa<strong>do</strong>s, revelan<strong>do</strong> omun<strong>do</strong> vivi<strong>do</strong> pelo sujeito O espaço, então, deixa de ser vago e aban<strong>do</strong><strong>na</strong><strong>do</strong> e passa a tersenti<strong>do</strong> e valor, ou seja, o espaço adquire status de lugar no qual o sujeito projeta suascaracterísticas pessoais.Materializar afetos, segun<strong>do</strong> Gonçalves (2002) é tor<strong>na</strong>rem palpáveis ossentimentos e as comoções. Desse mo<strong>do</strong>, ao observar a figura anterior, se percebe que a frente<strong>da</strong> casa de Do<strong>na</strong> Iraci fala de muitas coisas como, por exemplo, de <strong>na</strong>tureza. O mato(<strong>na</strong>tureza) esteve presente <strong>na</strong>s lembranças de Do<strong>na</strong> Iraci por várias vezes quan<strong>do</strong> se referiu àsua infância. Na sua casa, ela o recriou.O mato de Do<strong>na</strong> Iraci, conforme se vê <strong>na</strong> Figura 5 e Figura 6, faz a sua síntesepoética, pois ela recriou o “seu” mato fornecen<strong>do</strong> ao ambiente <strong>do</strong> presente elementos poéticosimpreg<strong>na</strong><strong>do</strong>s de valor emocio<strong>na</strong>l extraí<strong>do</strong>s <strong>da</strong> sua memória ambiental, isto é, <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza,


vivi<strong>da</strong> por to<strong>do</strong> o seu corpo, que mesmo infantil <strong>na</strong>quela época é o mesmo corpo que falaain<strong>da</strong> hoje ao exteriorizar suas vivências.FIGURA 5 – CANÁRIO DO REINO, HÁ QUINZE ANOS ELE ESTÁ COM DONA IRACI.Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.Desde criança Do<strong>na</strong> Iraci aprendeu a cui<strong>da</strong>r. Cui<strong>do</strong>u <strong>do</strong>s irmãos, <strong>do</strong>s <strong>do</strong>entes, <strong>do</strong>“outro”. Suas vivências lhe capacitaram a dedicar seu tempo, sua companhia, seu amor ao“outro”. Por isso, o carinho e a dedicação de Do<strong>na</strong> Iraci pelo seu passarinho compõem a suafala:Quinze anos ele tem ali, mais eu compro vitami<strong>na</strong>, eu compro remédio, eu comprotu<strong>do</strong>. Eu vou <strong>na</strong> farmácia, vou <strong>na</strong> agropecuária e compro tu<strong>do</strong> pra ele, pra ele ficarali óh. (...) Corto a unha dele (que) se não cortá, aí ele engalha ali e ele pode morrer,né? (...) meu passarinho, eu levanto de manhã eu chamo ele, ele já me responde, jáassubeia. O peixe já vem direto me dá um beijo aqui no vidro (...) então, eu gosto detu<strong>do</strong> que é bom <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Principalmente verdes. Verdes eu a<strong>do</strong>ro. (DONA IRACI,abril/2008)Hoje, nesse “seu” mato, Do<strong>na</strong> Iraci faz uma ponte permanente entre o passa<strong>do</strong> e opresente. Por meio dessa ponte ela transita em um tempo interno infinito que lhe fala direto aocoração e dá senti<strong>do</strong> à sua fala: “Minhas filhas, às vezes, dizem: Oh, mãe tira um pouco desse


matagal! Eu digo: Não senhora, deixa ali, que enquanto eu converso com elas eu tenho vi<strong>da</strong>.”(DONA IRACI, abril/2008).FIGURA 6 – PEIXINHO DE ESTIMAÇÃO DE DONA IRACI.Foto: Lílian Motta Gomes, abril/2008.Durante a entrevista, Do<strong>na</strong> Iraci deixou transparecer uma preocupação constantecom a alimentação e em seus relacio<strong>na</strong>mentos sociais ela sempre faz questão de cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong>srefeições. Ela disse que a<strong>do</strong>ra ficar <strong>na</strong> cozinha, ou seja, cozinhar para os outros. Visto qu<strong>ea</strong>limento remete a nutrição, infere-se que a subjetivi<strong>da</strong>de de Do<strong>na</strong> Iraci é constituí<strong>da</strong> tambémpelo desejo de nutrir, de alimentar e fortalecer os outros afetivamente, não deixar faltar ocui<strong>da</strong><strong>do</strong>, o carinho, a proteção.Na figura 6, percebe-se também a capaci<strong>da</strong>de de cui<strong>da</strong><strong>do</strong> e interação dessasenhora que além <strong>da</strong> limpeza e <strong>da</strong> ração para o seu peixinho, tratou de decorar a “casinha”dele com um retrovisor, que reflete a luz <strong>do</strong> dia causan<strong>do</strong> um efeito especial dentro <strong>do</strong>aquário; um “amiguinho” (o peixinho artificial preto e branco); e flores. A sábia Do<strong>na</strong> Iracidiz: “Então, eu gosto de tu<strong>do</strong> que é bom <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.”Do mesmo mo<strong>do</strong>, também Do<strong>na</strong> Zulmira reproduziu o cenário que habita sua


memória ambiental (Figura 7).FIGURA 7 – O QUINTAL DA CASA DE DONA ZULMIRAFoto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.A <strong>na</strong>tureza também está presente <strong>na</strong> história de Do<strong>na</strong> Zulmira e começa com umtempo em que se vivia no campo plantan<strong>do</strong> e colhen<strong>do</strong>: “Lá era assim, roça né? Prantava,colhia (...) Ficava eu, o pai, o Tiãozinho (irmão) nesse lugar, lá no meio <strong>do</strong> mato.” Pareceimpossível relatar a história de vi<strong>da</strong> sem falar <strong>do</strong> ambiente <strong>na</strong>tural que serviu de cenário epalco.Segun<strong>do</strong> Gonçalves (2007), o mun<strong>do</strong> social e o <strong>na</strong>tural já vêm representa<strong>do</strong>s nosujeito e por isso a contemplação <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza é sempre uma contemplação compartilha<strong>da</strong>. Opeixinho que dá beijo, o passarinho que responde ao seu chama<strong>do</strong> assovian<strong>do</strong>, estas sãorelações de carinho, reciproci<strong>da</strong>de, reconhecimento e gratidão, estabeleci<strong>da</strong>s com oselementos <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza.Do mesmo mo<strong>do</strong>, <strong>na</strong> parede onde fica a pia <strong>da</strong> cozinha de Do<strong>na</strong> Zulmira, elacolocou um painel, Figura 8, que achou no lixo. Ele não está ali por acaso, mas porque lhe ésignificativo. Da pia, ao olhar para a paisagem, Do<strong>na</strong> Zulmira se transporta diretamente para


um tempo interno em que sentimentos e lembranças emergem instantan<strong>ea</strong>mente.FIGURA 8 – A NATUREZA TRAZIDA DO LIXO PARA A COZINHA DE DONA ZULMIRA.Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.A <strong>na</strong>tureza e o homem estarão sempre juntos, principalmente, quan<strong>do</strong> o assuntofor as coisas <strong>do</strong> coração e <strong>da</strong> alma, mesmo que faltem as palavras para representar a emoção.Mesmo que sobrem as palavras para fazer falar o coração.Para Do<strong>na</strong> Isaura não foi diferente (Figura 9). Ela também, de certa forma, recriouseu passa<strong>do</strong> e o trouxe para o seu presente: “Gosto de ter minhas flor. Gosto de ter minhaspaisagem. Eu gosto (...) que lá <strong>na</strong> colônia a gente tinha né?”.(DONA ISAURA, abril/2008).No quintal, <strong>na</strong> frente e <strong>na</strong> calça<strong>da</strong> <strong>da</strong> casa de Do<strong>na</strong> Isaura têm muitas flores. Nos fun<strong>do</strong>s <strong>da</strong>casa tem uma horta.


FIGURA 9 – A PAISAGEM CRIADA POR DONA ISAURA.Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.Uma vez Do<strong>na</strong> Isaura vendeu a casa onde mora há quase trinta anos, e o resulta<strong>do</strong>dessa experiência revela que é no plano simbólico que estão as raízes <strong>da</strong> apropriação: “[...]cheguei lá, não gostei, fiquei <strong>do</strong>ente.” Isso remete a Pol (s/d, p.51): “a criação de um senti<strong>do</strong>de lugar a partir <strong>do</strong> que o espaço simboliza e reforça a própria identi<strong>da</strong>de, gera umaresistência à mu<strong>da</strong>nça, pelo menos a mu<strong>da</strong>nças radicais”. Daí, só restou para Do<strong>na</strong> Isaura apossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> volta ao lar: “ain<strong>da</strong> bem que a mulher destrocou de volta.”Os espaços uma vez apropria<strong>do</strong>s vão sempre e infinitas vezes contar uma históriaparticular, embora esta tenha si<strong>do</strong> vivi<strong>da</strong> no meio social, pois a pessoa lança-se sobre o espaçoapropria<strong>do</strong> crian<strong>do</strong> uma identificação com o espaço de mo<strong>do</strong> a revelar-se nele como, porexemplo, <strong>na</strong> Figura 10. O pilão foi feito sob a encomen<strong>da</strong> <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> de Do<strong>na</strong> Erundi<strong>na</strong> e emvárias ocasiões é solicita<strong>do</strong> para as festas para fazer a paçoca. Isso faz pensar <strong>na</strong> autonomia <strong>do</strong>ator que cria e atua no próprio cenário, como sugeriu Goffman (1959 apud POL, s/d).


FIGURA 10 – PILÃO DA CASA DE DONA ERUNDINA.Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008 .Segun<strong>do</strong> Barbey, arquiteto e professor, (1976 apud POL, s/d, p. 48), “o mo<strong>do</strong> d<strong>ea</strong>propriação de ca<strong>da</strong> família e de ca<strong>da</strong> indivíduo depende <strong>do</strong>s modelos culturais, relaçõessociais, formas e estilo de vi<strong>da</strong>.”Pela interação simbólica o sujeito e o grupo se reconhecem no entorno e definemsua própria identi<strong>da</strong>de. De acor<strong>do</strong> com Blumer, o Interacionismo Simbólico sustenta-se noseguinte silogismo:1 O ser humano orienta seus atos em função <strong>do</strong>s objetos que têm significa<strong>do</strong> paraele;2 O significa<strong>do</strong> desses objetos surge a partir <strong>da</strong> interação social que ca<strong>da</strong> pessoamantém com as demais;3 Os significa<strong>do</strong>s se manipulam e se modificam, através de um processointerpretativo desenvolvi<strong>do</strong> pela pessoa ao enfrentar os desafios <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidia<strong>na</strong>. A


partir dessa perspectiva, o significa<strong>do</strong> é um produto social, uma criação que ema<strong>na</strong><strong>da</strong> interação. A utilização <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> pela pessoa implica um ato interpretativo.Isso quer dizer que o sujeito, ao apropriar-se <strong>do</strong> significa<strong>do</strong>, tenta compreendê-lo,a<strong>na</strong>lisá-lo, avaliá-lo. Dessa forma, não é ape<strong>na</strong>s uma simples cópia de significa<strong>do</strong>spreestabeleci<strong>do</strong>s, como também um processo formativo, no qual os significa<strong>do</strong>s sãoutiliza<strong>do</strong>s como instrumentos para a orientação e a formação <strong>da</strong> ação. O sujeito vaiagir no coletivo, ou mesmo no individual orienta<strong>do</strong> por signos, símbolos e objetosque o dirigem para interagir com o espaço e com outros sujeitos. A figura centraldesse espaço é o sujeito que cria ou recria os significa<strong>do</strong>s; por isso, faz-se necessáriasua contextualização tanto física (espaço físico) quanto histórica. (1982 apudGONÇALVES, 2002, p. 19).Desse mo<strong>do</strong>, os significa<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s objetos são construí<strong>do</strong>s a partir <strong>da</strong>s interaçõessociais estabeleci<strong>da</strong>s num cenário dinâmico onde as respostas ou oposições dependem <strong>da</strong>sinterpretações <strong>do</strong>s outros e <strong>da</strong>s próprias.Depreende-se, portanto, que a apropriação <strong>do</strong> espaço ocorre, primeiro, pelaação-transformação exerci<strong>da</strong> pela conduta comportamental de modificação que favorece aa<strong>da</strong>ptação por meio <strong>da</strong> significação, e depois, pela identificação com o significa<strong>do</strong> cria<strong>do</strong> quese constitui em um componente simbólico.


3 CONCLUSÃOA maioria <strong>da</strong>s famílias <strong>da</strong>s mulheres entrevista<strong>da</strong>s mora<strong>do</strong>ras no bairroRe<strong>na</strong>scer/Mi<strong>na</strong> Quatro, veio para Criciúma numa época em que o sistema político econômicovigente, autoritário e excludente, obrigou as famílias <strong>do</strong> campo a migrarem para a ci<strong>da</strong>de embusca de melhores condições de vi<strong>da</strong>, porém, sem oferecer a elas as condições básicas deinfra-estrutura. Sem a possibili<strong>da</strong>de de acesso nos locais apropria<strong>do</strong>s ficaram excluí<strong>da</strong>s <strong>da</strong>ci<strong>da</strong>de, às margens, <strong>na</strong> <strong>periferia</strong>, inseri<strong>da</strong>s num contexto sócio-cultural e ambiental bemdiferente <strong>da</strong>quele que elas conheciam.As mulheres entrevista<strong>da</strong>s, que <strong>na</strong>quela época eram crianças e a<strong>do</strong>lescentes,também tinham a difícil tarefa de construir a si mesmas, inter<strong>na</strong>mente, a partir <strong>do</strong> outro quelhe é semelhante, porém, distinto, ou seja, precisavam empreender a construção <strong>da</strong> própriasubjetivi<strong>da</strong>de.Nesse processo se percebeu, pelas marcas psicológicas impressas pelas interaçõessociais, que a cultura já traz em seu bojo um projeto de subjetivi<strong>da</strong>de a ser desenvolvi<strong>do</strong> pelosujeito. Estas marcas surgiram <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de acesso aos serviços básicos de saúde,educação, ao emprego e à moradia dig<strong>na</strong>. Através delas o sofrimento causa<strong>do</strong> pelas per<strong>da</strong>smateriais e afetivas, pelo desabrigo, alie<strong>na</strong>ção, preconceito e pela fome tor<strong>na</strong>ram-se maisvisíveis. Contu<strong>do</strong>, perceberam-se também aquelas deixa<strong>da</strong>s pelos gestos maternos queensi<strong>na</strong>ram o compartilhamento, a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de.As mães foram percebi<strong>da</strong>s como principal ponto de sustentação para asentrevista<strong>da</strong>s, cujas marcas refletem as ligações afetivas pauta<strong>da</strong>s no cui<strong>da</strong><strong>do</strong> com o outro, notrabalho árduo, no enfrentamento sadio frente às adversi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Perceberam-se,também, essas mães como veículo de reprodução cultural, porém, mais <strong>do</strong> que repetirconteú<strong>do</strong>s culturais elas apontaram possibili<strong>da</strong>des de mu<strong>da</strong>nças.De mo<strong>do</strong> contrário, no papel simbólico de madrasta, a socie<strong>da</strong>de deixou cicatrizes<strong>da</strong> exploração trabalhista, <strong>da</strong> humilhação social, <strong>do</strong> desamparo e <strong>do</strong> aban<strong>do</strong>no moral. Nessarelação não teve espaço para experiências de compreensão, acolhimento, proteção,sustentação e favorecimento para o desenvolvimento <strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong>des e habili<strong>da</strong>des pessoais.Assim, a socie<strong>da</strong>de se mostrou incompetente e i<strong>na</strong>dequa<strong>da</strong> ao favorecimento de relaçõeshumaniza<strong>da</strong>s, revelan<strong>do</strong> a necessi<strong>da</strong>de de se promover novas formas de vi<strong>da</strong> que venham adifundir novos modelos de subjetivi<strong>da</strong>des que levem a sério “os vínculos de amizade,hospitali<strong>da</strong>de, cortesia, honra, l<strong>ea</strong>l<strong>da</strong>de, fideli<strong>da</strong>de” (COSTA, 1998, p. 5), enfim, de amorpelos outros, como única maneira de “transformação <strong>do</strong> egoísmo em altruísmo”, como disse


Freud (apud DAMERGIAN, 2001, p. 106).Enfrentar vários desafios e superar as adversi<strong>da</strong>des fez parte <strong>da</strong> história de vi<strong>da</strong><strong>da</strong>s mulheres entrevista<strong>da</strong>s, pois a partir de lutas concretas e simbólicas elas foram à busca desuas casas.A casa se mostrou como objeto concreto, porém, para servir de abrigo ao objetosimbólico. As ações <strong>na</strong> casa se mesclaram em ativi<strong>da</strong>des objetivas e simbólicas, entretanto,estas, se constituíram no elo entre o passa<strong>do</strong> e o presente que acio<strong>na</strong>m os afetos que falamdiretamente ao coração.A casa também apareceu como sonho a ser r<strong>ea</strong>liza<strong>do</strong> e como força impulsio<strong>na</strong><strong>do</strong>rapara o crescimento pessoal, um “trampolim” que facilita o impulso para cima, em direção aoencontro consigo mesmo.A apropriação <strong>da</strong>s casas também se deu através <strong>da</strong> poética, e assim, ca<strong>da</strong> uma aseu mo<strong>do</strong>, materializou os seus afetos fornecen<strong>do</strong> ao seu entorno elementos impreg<strong>na</strong><strong>do</strong>s devalor emocio<strong>na</strong>l extraí<strong>do</strong>s de um passa<strong>do</strong> que foi vivi<strong>do</strong> de corpo e alma. Pela poéticaretor<strong>na</strong>m à <strong>na</strong>tureza e se reintegram à totali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ser, infinitas vezes.O fenômeno <strong>da</strong> apropriação de um espaço tão hostil e desprovi<strong>do</strong> de valor sócioemocio<strong>na</strong>lsó foi possível pelo entrecruzamento <strong>da</strong> ação-transforma<strong>do</strong>ra, que age, avalia,rejeita e modifica, com a identificação simbólica, por parte <strong>do</strong>s sujeitos; e, as relaçõesinterpessoais cria<strong>do</strong>ras de significações, pois assim um espaço oco, inóspito e sem senti<strong>do</strong> foitransforma<strong>do</strong> em um lugar significativo.Defender seu espaço significou também defender a própria vi<strong>da</strong>. Foi assim comduas entrevista<strong>da</strong>s que, com foices e facões, enfrentaram os homens <strong>da</strong> prefeitura municipal eos estranhos que am<strong>ea</strong>çaram invadir suas casas. Segun<strong>do</strong> Pol (s/d), estan<strong>do</strong>-se em situação deextrema insegurança, o sujeito desenvolve estratégias para defender o seu território.Desse mo<strong>do</strong>, as mulheres entrevista<strong>da</strong>s, defenderam, mas também, reformaramsuas casas e ao fazerem isso reformaram as suas próprias vi<strong>da</strong>s. Dotaram seus entornos designificações: plantaram arbustos e flores; estamparam suas marcas e abriram suas portas parao convívio e para as trocas sociais.A apropriação mostrou não só os mo<strong>do</strong>s de vi<strong>da</strong>, hábitos e costumes <strong>da</strong>s famíliase <strong>da</strong>s pessoas entrevista<strong>da</strong>s, mas acima de tu<strong>do</strong>, revelou os sentimentos emprega<strong>do</strong>s <strong>na</strong>formulação <strong>do</strong>s seus espaços e <strong>na</strong>s (re) construções r<strong>ea</strong>liza<strong>da</strong>s em seus íntimos. Também,deixou descobertas as marcas produzi<strong>da</strong>s pelos padrões sociais de interação, apontan<strong>do</strong> paraa necessi<strong>da</strong>de de alter<strong>na</strong>tivas mais huma<strong>na</strong>s.Desse mo<strong>do</strong>, a compreensão <strong>do</strong> processo de apropriação <strong>do</strong> espaço mostrou-se


estar atrela<strong>da</strong> à produção <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de, pois em ca<strong>da</strong> ação e em ca<strong>da</strong> afeto percebeu-se asingulari<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s entrevista<strong>da</strong>s, sem deixar escapar suas características coletivas.Os resulta<strong>do</strong>s apontam, também, para a necessi<strong>da</strong>de de políticas públicas dehabitação que considerem as necessi<strong>da</strong>des individuais e não ape<strong>na</strong>s as coletivas; e de umplanejamento urbano eficiente que aten<strong>da</strong> as necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s populações vin<strong>da</strong> <strong>da</strong>s zo<strong>na</strong>srurais.


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