A Tripanossomíase Americana antes de Carlos Chagas - Instituto de ...

C ristina B. M. F. Gu r g e l , Ch r i s t i a n e Va n e s s a Ma g d a l e n a , La r i s s a Fa b b r i Pr i o l iAlfredo d’Escragnolle Taunay – o Visconde de Taunay. O autor de “Inocência”,romance publicado pela primeira vez em 1873, refere-se ao “mal do engasgo”e “mal de encalhe” como doenças que grassavam nos sertões. “Encalhado”era a denominação dada no norte de Minas Gerais àqueles que apresentavamconstipação intestinal. Quanto ao megaesôfago, em um trecho de seu livro, umdos personagens conta-nos que: “O que me aflege mais é que há comidas então que nãome passam pela goela... Boto os pedacinhos no bucho e parece-me que dentro tenho um bolo queme está a subir e descer pela garganta...” (Meneguelli, 1992).Na literatura médica nacional do século XIX, a primeira descrição desintomas compatíveis com o megaesôfago data também de 1873. Na segundaedição do Dicionário de Medicina Doméstica e Popular, Theodoro Langgaard, médicodinamarquês residente na região de Campinas, informa sobre a endemicidadedo “mal de engasgo” em Goiás e sua crescente presença em Minas Gerais e SãoPaulo (Langgaard, 1873).Martins Costa, na tradução condensada e refundida de Wappaeus, GeographiaPhysica do Brasil, edição de 1884 fez a seguinte observação:“Há também nessas regiões (Curvelo, MG) uma moléstia endêmica a que os habitanteschamam de mal de engasgo... os que padecem essa moléstia não podem engolir os alimentos,cada bolo de comida é empurrado por alguns goles de água” (Costa, 1884).Em alguns desses relatos destacam-se as opiniões de médicos brasileiros – namaioria das vezes, eles sequer têm seus nomes citados – que haviam atribuído aacalasia como a causa para os sintomas esofágicos. Infelizmente, não há nenhumapublicação médica conhecida sobre o assunto e parece que tais atribuiçõespermaneceram no terreno das especulações.Contudo, a correlação entre doença e seus sintomas, parasitismo e transmissãovetorial, jamais existiu antes de Carlos Chagas, cuja contribuição para a ciênciamédica é inegável. A medicina precisou galgar um longo caminho para ultrapassarconceitos – e preconceitos – medievais, e para isso teve que contar com odesenvolvimento de pelo menos duas ciências fundamentais, a química (bioquímica)e a biologia. Na época da descoberta da doença, a possibilidade de transmissãode doenças parasitárias através de insetos era relativamente recente, impedindoos pesquisadores de períodos pregressos de aventarem esta possibilidade.5. Co n c l u s õ e sNão obstante existirem outros mecanismos de difusão da doença de Chagas –como a oral, que pode ter sido significativa entre os indígenas –, a transmissãovetorial é reconhecida, tanto no passado quanto no presente, como aquela que834 – C a d . Sa ú d e Co l e t ., Rio d e Ja n e i r o , 17 (4): 827 - 839, 2009