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Discurso - Tribunal Regional Federal da 4ª Região

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QUARTA REGIÃO


QUARTA REGIÃOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 1-496, 2011


Ficha TécnicaDireção:Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk PenteadoAssessoria:Isabel Cristina Lima SelauDireção <strong>da</strong> Divisão de Publicações:Arlete HartmannAnálise e Indexação:Giovana Torresan VieiraMarta Freitas HeemannRevisão e Formatação:Carla Roberta Leon AbrãoLeonardo SchneiderOs textos publicados nesta revista são revisados pela Escola <strong>da</strong> Magistraturado <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.Revista do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> 4. <strong>Região</strong>. – Vol. 1, n. 1(jan./mar. 1990)- . – Porto Alegre: <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong><strong>da</strong> 4. <strong>Região</strong>, 1990- .v. ; 23 cm.Semestral.Inicialmente trimestral.Repositório Oficial do TRF4 <strong>Região</strong>.ISSN 0103-65991. Direito – Periódicos. I. Título. II. Brasil. <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong>.<strong>Região</strong>, <strong>4ª</strong>.CDU 34(051)TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL<strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>Rua Otávio Francisco Caruso <strong>da</strong> Rocha, 300CEP 90.010-395 – Porto Alegre – RSPABX: 0 XX 51-3213-3000e-mail: revista@trf4.gov.brTiragem: 850 exemplares


QUARTA REGIÃOLuiz Fernando Wowk PenteadoDes. <strong>Federal</strong> Diretor <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> Magistratura


PRIMEIRA SEÇÃODes. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon – PresidenteDesa. <strong>Federal</strong> Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto PamplonaDes. <strong>Federal</strong> Álvaro Eduardo JunqueiraDes. <strong>Federal</strong> Joel Ilan PaciornikDesa. <strong>Federal</strong> Luciane Amaral Corrêa MünchJuíza <strong>Federal</strong> Vânia Hack de Almei<strong>da</strong> (convoca<strong>da</strong>)SEGUNDA SEÇÃODes. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon – PresidenteDesa. <strong>Federal</strong> Silvia Maria Gonçalves GoraiebDes. <strong>Federal</strong> Vilson DarósDesa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz LeiriaDes. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores LenzDes. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> SilvaJuiz <strong>Federal</strong> Jorge Antônio Maurique (convocado)TERCEIRA SEÇÃODes. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon – PresidenteDes. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto SilveiraDes. <strong>Federal</strong> Celso KipperDes. <strong>Federal</strong> Luís Alberto d’Azevedo AurvalleDes. <strong>Federal</strong> Rômulo PizzolattiDes. <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle PereiraDes. <strong>Federal</strong> Rogério FavretoQUARTA SEÇÃODes. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon – PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de CastroDes. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum VazDes. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. <strong>Federal</strong> Néfi CordeiroDes. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos LausDes. <strong>Federal</strong> Márcio Antônio Rocha


PRIMEIRA TURMADes. <strong>Federal</strong> Joel Ilan Paciornik – PresidenteDesa. <strong>Federal</strong> Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. <strong>Federal</strong> Álvaro Eduardo JunqueiraSEGUNDA TURMADesa. <strong>Federal</strong> Luciane Amaral Corrêa Münch – PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto PamplonaJuíza <strong>Federal</strong> Vânia Hack de Almei<strong>da</strong> (convoca<strong>da</strong>)TERCEIRA TURMADes. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva – PresidenteDesa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz LeiriaDes. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores LenzQUARTA TURMADesa. <strong>Federal</strong> Silvia Maria Gonçalves Goraieb – PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Vilson DarósJuiz <strong>Federal</strong> Jorge Antônio Maurique (convocado)QUINTA TURMADes. <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira – PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Rômulo PizzolattiDes. <strong>Federal</strong> Rogério FavretoSEXTA TURMADes. <strong>Federal</strong> Celso Kipper – PresidenteDes. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto SilveiraDes. <strong>Federal</strong> Luís Alberto d’Azevedo AurvalleSÉTIMA TURMADes. <strong>Federal</strong> Néfi Cordeiro – PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de CastroDes. <strong>Federal</strong> Márcio Antônio RochaOITAVA TURMADes. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz – PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos Laus


ACÓRDÃOS.......................................................................................159Direito Administrativo e Direito Civil..........................................161Direito Penal e Direito Processual Penal.......................................223Direito Previdenciário...............................................................277Direito Processual Civil............................................................309Direito Tributário.......................................................................359ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE..........................377SÚMULAS.........................................................................................459RESUMO............................................................................................469ÍNDICE NUMÉRICO.........................................................................473ÍNDICE ANALÍTICO.........................................................................477ÍNDICE LEGISLATIVO....................................................................491


DOUTRINA


Parecer: Imuni<strong>da</strong>de tributária <strong>da</strong>s listas telefônicas *Carlos Thompson Flores **Guias Telefônicas do Brasil Lt<strong>da</strong>., por intermédio de um de seusprocuradores judiciais, o nobre Professor Ives Gandra <strong>da</strong> Silva Martins,consultou-me sobre a possibili<strong>da</strong>de de emitir parecer jurídico a respeito<strong>da</strong> questão constitucional debati<strong>da</strong> no RE nº 100.441-5, do RS, e ora emjulgamento perante o Plenário do Eg. Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, qualseja, a imuni<strong>da</strong>de tributária sustenta<strong>da</strong> pela consulente como editora <strong>da</strong>sconheci<strong>da</strong>s “Listas Telefônicas”, por meio do man<strong>da</strong>do de segurançapreventivo que impetrou na comarca de Porto Alegre, ante a ameaça decobrança do ISS exigi<strong>da</strong> pelo respectivo Município.Para tanto, encaminhou-me o ilustre causídico peças xerocopia<strong>da</strong>spertinentes à deman<strong>da</strong>, inclusive pareceres de eminentes jurisconsultos,insertos aos autos, versando todos sobre o citado tema.Examinei, cui<strong>da</strong>dosamente, o assunto, e, como me pareceu de absolutacorreção jurídica a pretensão <strong>da</strong> consulente, dispus-me a atendê-la,proporcionando-lhe este parecer.É o que passo a fazer.* Parecer lavrado em 21.10.1987.** Ministro aposentado e ex-Presidente do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>. Em 2011, comemora-se o centenáriode nascimento do Min. Carlos Thompson Flores, falecido em 2001.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 15


I Os fatos1. A consulente é concessionária para a prestação dos serviços públicosreferentes à telefonia. Por força dessa concessão e <strong>da</strong> legislação quea regula, ficou obriga<strong>da</strong> à edição <strong>da</strong>s conheci<strong>da</strong>s “Listas Telefônicas” aserem distribuí<strong>da</strong>s, gratuitamente, a seus assinantes, periodicamente, esomente a eles.2. Cumprindo dito encargo, ou seja, editando ditas Listas, sentiu-seameaça<strong>da</strong> por parte <strong>da</strong> Prefeitura de Porto Alegre pela cobrança do Impostosobre Serviços (ISS). Convicta de que goza de imuni<strong>da</strong>de quantoà instituição de quaisquer impostos, no pertinente à referi<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de– edição de suas “Listas Telefônicas” –, tratou de prover a respeito,socorrendo-se do Poder Judiciário.II O procedimento judicial1. Assim, inconforma<strong>da</strong>, ingressou perante uma <strong>da</strong>s varas <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>Pública Estadual com a ação de Man<strong>da</strong>do de Segurança preventivo.1.1. Sustenta, em sua fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> petição inicial, gozar de absolutaimuni<strong>da</strong>de com respeito a quaisquer impostos que, porventura, pudessemincidir sobre sua ativi<strong>da</strong>de, ao editar as titula<strong>da</strong>s “Listas Telefônicas”.Invoca, para tanto, o disposto no art. 19, III, d, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>vigente.2. Mal sucedi<strong>da</strong> em ambas as instâncias, manifestou recurso extraordinário.Argumenta que o acórdão impugnado, ao desatender sua pretensão,contrariou o citado art. 19, III, d, <strong>da</strong> CF, ao mesmo passo que divergiude julgados de outros tribunais, dos quais fez os respectivos destaquese indicações.3. Admitido o recurso em questão, e processado, alcançou parecerfavorável <strong>da</strong> douta Procuradoria-Geral <strong>da</strong> República. Submetido o feitoa julgamento perante o Plenário do Eg. Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,resultou ele interrompido, com o pedido de vista do eminente MinistroOscar Corrêa. A essa altura <strong>da</strong> tramitação do procedimento é que me foiencaminhado o pedido de parecer.16R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


III Da controvérsia jurídica e do seu correto deslindeA) Considerações necessárias1. O que interessa à consulente, no atual momento processual, é verconhecido e provido o seu recurso extraordinário e, consequentemente,concedido o man<strong>da</strong>mus.2. Impende, assim, antes de mais na<strong>da</strong>, verificar o cabimento <strong>da</strong>irresignação, ante as exigências regimentais.3. O julgamento recorrido ocorreu em 02.12.82. Sobre ele incide, parao efeito do recurso extraordinário, o art. 325 do RI do Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong> de 15.10.80, na re<strong>da</strong>ção original. E porque se trata de man<strong>da</strong>dode segurança, no qual o <strong>Tribunal</strong> de Alça<strong>da</strong> apreciou o mérito, e não versasobre quaisquer <strong>da</strong>s matérias contempla<strong>da</strong>s nos respectivos incisos IV eVII, já por aí inocorreria qualquer óbice ao apelo extremo, como dispõeo inciso VII do mesmo artigo. Mas outro fun<strong>da</strong>mento, ain<strong>da</strong>, vem emseu socorro, o caput do dispositivo, primeira parte. É que o recurso tem,igualmente, por fun<strong>da</strong>mento a violação do art. 19, III, d, <strong>da</strong> Constituição.4. No mais, a petição recursal, no que tange a seus atributos formais,atende às exigências regimentais, inclusive as do art. 332 e seu parágrafoúnico.B) Da controvérsia jurídica em si mesma1. To<strong>da</strong> a controvérsia posta na presente deman<strong>da</strong> consiste em apurarse a consulente, ao editar as nomina<strong>da</strong>s “Listas Telefônicas”, está ou nãocoberta pela imuni<strong>da</strong>de quanto a impostos, inclusive o ISS, compreendidona espécie pelo disposto na Constituição vigente, art. 19, III, d.Diz ele:“Art. 19 – É ve<strong>da</strong>do à União, aos Estados, ao Distrito <strong>Federal</strong> e aos Municípios:(...)III – instituir impostos sobre:(...)d) o livro, o jornal e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão.”2. Decidiram pela negativa as instâncias ordinárias, leva<strong>da</strong>s pelainterpretação restritiva <strong>da</strong> norma em menção. Bem expressiva se feza ementa do acórdão recorrido, <strong>da</strong> Eg. 1ª Câmara Cível do <strong>Tribunal</strong> deAlça<strong>da</strong>, toma<strong>da</strong> por maioria de votos. Diz ela:“IMUNIDADE TRIBUTÁRIAEmpresa particular que presta serviço ao público editando catálogo telefônico no qualR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 17


se insere publici<strong>da</strong>de e anúncios remunerados não se enquadra na imuni<strong>da</strong>de tributária doart. 19, III, d, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 1/69.Presente o fato impossível, a hipótese de incidência tributária do ISSQN é manifestamenteclara.Negaram provimento, por maioria, à apelação interposta contra a segurança denegatóriado man<strong>da</strong>do de segurança impetrado por Guias Telefônicos do Brasil Lt<strong>da</strong>., vencido oeminente Dr. Antônio Augusto Fernandes.”3. Considero que não estiveram bem inspirados os honrados julgadores,ao decidirem como o fizeram.4. Penso que impende, antes de enfrentar o alcance do texto constitucional,buscar-se a correta conceituação <strong>da</strong>s “Listas Telefônicas” paraos efeitos propugnados pela consulente. Pode ele ser extraído <strong>da</strong> próprialegislação ordinária que disciplinou a sua edição.4.1. Assim, dispõe a Lei nº 6874, de 03.12.80 (DO 04.12.80):“Art. 1º – A empresa exploradora de serviços públicos de telecomunicações é obriga<strong>da</strong> adivulgar, periodicamente, a relação de assinantes, nas condições defini<strong>da</strong>s em regulamento.§ 2º – É gratuita e obrigatória a figuração do assinante:a) na lista telefônica nomes de assinantes <strong>da</strong> Lista de Assinantes;b) na lista organiza<strong>da</strong> por ordem de ativi<strong>da</strong>des ou produtos dos assinantes <strong>da</strong> respectivalocali<strong>da</strong>de – Lista Classifica<strong>da</strong>;c) na lista organiza<strong>da</strong> por ordem de endereços dos assinantes <strong>da</strong> respectiva locali<strong>da</strong>de,edita<strong>da</strong> bienalmente, em função do número de habitantes – Lista de Endereços.”E o Dec. nº 88.221, de 07.04.83 (D.O. 07.04.83), que a regulamentou:“Art. 1º – A edição de listas telefônicas se compreende no regime <strong>da</strong> exploração doserviço público de telefonia, é inerente à prestação deste e se inclui na competência privativa<strong>da</strong> empresa exploradora desse serviço.§ 1º – As listas telefônicas, sob qualquer forma ou denominação, se conceituam comopublicações técnicas periódicas, destina<strong>da</strong>s à divulgação de informações sobre assinantesdo serviço público de telefonia, em que o interesse preponderante seja a consulta do númerodo telefone.” (grifei)5. Daí decorre que a concessionária ficou não somente obriga<strong>da</strong> aeditar as Listas em comentário, listas essas portadoras de requisitos específicos,mas fazer, também, a distribuição gratuita a seus assinantes, eem períodos definidos, em regra anuais, mas, de qualquer forma, segundodeterminado pelo Ministério <strong>da</strong>s Comunicações (Dec. citado, art. 4º, II).6. É certo que o Decreto que regulamentou a Lei nº 6.874, e que emprestouconceito legal às comenta<strong>da</strong>s “Listas Telefônicas”, adveio após18R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


o ingresso <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> em juízo.6.1. Tal circunstância, porém, em na<strong>da</strong> obsta o sentido que a elasse poderia atribuir, seja pela legislação que precedeu à edição <strong>da</strong> Leinº 6.874, seja pelas condições objetivas e subjetivas ofereci<strong>da</strong>s pelaspróprias Listas.6.2. A propósito assinala o festejado administrativista Hely L. Meirelles,em seus Estudos e Pareceres de Direito Público, Revista dosTribunais, v. IV, 1981, p. 68, n. 35:“A lista de assinantes é, primordialmente, relação nominal e gratuita de detentores deaparelhos telefônicos, para possibilitar a intercomunicação entre os usuários; só secun<strong>da</strong>riamenteé que pode conter destaques e anúncios remunerados. Portanto, sua destinaçãoprecípua e normal é relacionar gratuitamente os números ou códigos de assinantes; nãoé veicular publici<strong>da</strong>de comercial. A publici<strong>da</strong>de que se lhe adita é meramente acessória evisa, apenas, reduzir os custos operacionais do serviço e, consequentemente, baratear astarifas telefônicas, em proveito dos próprios usuários.”7. Dessarte, as publicações que a legislação denominou, expressamente,“Listas Telefônicas”, como poderia fazê-lo batizando-as de “Guias”,“Catálogos” ou “Livro”, e, bem assim, disciplinou, minuciosamente,seus requisitos e demais exigências, conceituou-as como “publicaçõestécnicas periódicas”. São elas componentes indispensáveis do ServiçoTelefônico, sem as quais seriam de todo inviáveis os serviços de telefonia,na alta relevância <strong>da</strong>s comunicações modernas, imprescindíveis ato<strong>da</strong>s as Comuni<strong>da</strong>des.7.1. Neste sentido, acentuou o mesmo mestre Hely, na sua obra antescita<strong>da</strong>, p. 59:“Sem essa relação nominal e ordena<strong>da</strong> dos números dos telefones de uma locali<strong>da</strong>de;sem a listagem racional e perfeita desses códigos que tornam facilmente identificávelqualquer um dos milhares de aparelhos instalados nos terminais dos assinantes – repita-se– não há nem pode haver serviço telefônico eficiente e confiável, ou seja, serviço públicoadequado, na expressão-síntese do direito administrativo moderno. Daí por que a lista deassinantes também integra indissoluvelmente o serviço telefônico, como elemento componente<strong>da</strong> telefonia, na sua definição legal de processo de telecomunicação destinado àtransmissão <strong>da</strong> palavra fala<strong>da</strong> do usuário entre um aparelho e outro (Código Brasileiro deTelecomunicações, art. 4º).”8. Conceitua<strong>da</strong>s, pois, as “Listas Telefônicas”, e examinados todos osseus atributos e qualificativos, o que cabe, agora, é verificar o alcanceR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 19


do art. 19, III, d, <strong>da</strong> Constituição, permitindo concluir se cobre ele coma imuni<strong>da</strong>de, relativamente a impostos, incluindo o ISS, exigido peloMunicípio, as Listas em questão.9. Sempre considerei que o dispositivo em menção merecia compreensãoampla e extensiva, como meio de assegurar a imuni<strong>da</strong>de revela<strong>da</strong>pela Carta Maior.9.1. Assim me pronunciei ao votar perante o Plenário do Eg. Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, presidindo o julgamento proferido no RE nº 87.049,de São Paulo, ocorrido em 13.04.78; e nesse sentido se fez a decisão,contra os votos, apenas, dos eminentes Ministros Xavier de Albuquerquee Soares Munhoz (RTJ, v. 87, p. 608-12). Sua ementa dispõe:“Jornais e periódicos – ISS – Imuni<strong>da</strong>de Tributária (Exegese do art. 19, III, d, <strong>da</strong>Emen<strong>da</strong> nº 1/1969).A imuni<strong>da</strong>de estabeleci<strong>da</strong> na Constituição é ampla, abrangendo os serviços prestadospela empresa jornalística na transmissão de anúncios e de propagan<strong>da</strong>.Recurso extraordinário não conhecido.”Pelo acerto de suas considerações, não me posso furtar de transcreverdestaque expressivo do voto proferido pelo eminente Ministro MoreiraAlves. Disse Sua Excelência:“A Constituição de 1967 e a Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 1/69, ao ampliarem a imuni<strong>da</strong>deconstante na constituição de 1946 – e que se adstringia ao papel destinado exclusivamente àimpressão de jornais, periódicos e livros –, quiseram, inequivocamente, facilitar e estimularos veículos de divulgação de ideias, conhecimentos e informações que são os livros, osjornais e os periódicos. Como acentua Baleeiro (Limitações Constitucionais ao Poder deTributar, 5. ed., p. 198), ‘a imuni<strong>da</strong>de do art. 19, III, d, <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> 1/1969 traz endereçocerto à proteção dos meios de comunicação de ideias, conhecimentos e informações, enfim<strong>da</strong> impressão do pensamento como objetivo precípuo’.E essa proteção se dá, no campo tributário, com a imuni<strong>da</strong>de fiscal que se destina, diretamente,a reduzir o custo de produção e comercialização dos livros, jornais e periódicos.Ora, é notório que os jornais somente podem ser vendidos pelos preços por que o são,em virtude de terem a sua manutenção deriva<strong>da</strong>, precipuamente, <strong>da</strong> propagan<strong>da</strong> estampa<strong>da</strong>em suas folhas. Não fora isso, e mister seria o encarecimento sensível de seu preço de ven<strong>da</strong>.Daí a razão por que a propagan<strong>da</strong> divulga<strong>da</strong> pelos jornais – e isso a par <strong>da</strong> circunstânciade que não deixa ela de ser uma informação aos leitores – se tornou ativi<strong>da</strong>de indispensávela eles. Passou a ser serviço que lhes é ínsito, ao lado <strong>da</strong> comunicação <strong>da</strong>s notícias e <strong>da</strong>divulgação de comentários, críticas e trabalhos culturais de to<strong>da</strong> ordem.(omissis)Se o objetivo <strong>da</strong> norma constitucional é inequivocamente o de, com um meio de natu-20R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


eza econômica – a imuni<strong>da</strong>de do imposto –, facilitar a circulação dos jornais, dentro nelese insere o <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de de tributo sobre prestação de serviço que integra a natureza dessemeio de comunicação.”9.2. No mesmo sentido votara eu anteriormente, ao presidir, na Eg.2ª Turma, em 12.11.74, o julgamento do RE. nº 77.867, de São Paulo,acompanhando o fun<strong>da</strong>mentado voto do eminente Relator, Min. Leitãode Abreu (RTJ 72, p. 189-94), quando reconhecido ficou que “revistastécnicas” estavam, também, cobertas pela imuni<strong>da</strong>de do art. 19, III, d,<strong>da</strong> Constituição. Sua ementa estatui:“Imuni<strong>da</strong>de tributária outorga<strong>da</strong> pelo art. 19, III, d, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> (Emen<strong>da</strong>nº 1). Revista técnica se inclui entre os periódicos, a que alude esse preceito constitucional.Interpretação razoável dessa norma <strong>da</strong> Carta Política em vigor.Recurso extraordinário não conhecido.”9.3. Coincidentemente com a tese discuti<strong>da</strong> no primeiro dos recursosindicados, veio mais tarde a decidir a Eg. 1ª Turma, ao julgar o REnº 91.662, de São Paulo, em 04.11.80, e do qual foi relator o eminenteMinistro Décio Miran<strong>da</strong> (RTJ 98/802).9.4. E, no rumo do segundo dos julgados indicados, cabe acrescentar,também, o de julgamento pela C<strong>da</strong>. 2ª Turma, o RE nº 102.141, do Riode Janeiro, apreciado em sessão de 18.10.85, e do qual se tornou relatoro eminente Ministro Carlos Madeira (RTJ 116/267-73). Sua expressivaementa consigna:“Imuni<strong>da</strong>de Tributária. Livro. Constituição, artigo 19, III, alínea d.Em se tratando de norma constitucional relativa às imuni<strong>da</strong>des tributárias genéricas,admite-se a interpretação ampla, de modo a transparecerem os princípios e postulados nelaconsagrados.O livro, como objeto <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de tributária, não é apenas o produto acabado, mas oconjunto de serviços que o realiza, desde a re<strong>da</strong>ção, até a revisão <strong>da</strong> obra, sem restrição dosvalores que o formam e que a Constituição protege.”9.5. Em na<strong>da</strong> compromete a pacífica jurisprudência que se fez naCorte Suprema, interpretando, ampla e extensivamente, o art. 19, III, d,<strong>da</strong> Carta vigente, o julgamento pela Eg. 1ª Turma, em 05.12.67, do RMSnº 17.804, <strong>da</strong> Guanabara, do qual foi relator o eminente Ministro DjaciFalcão. Versava também sobre “Listas Telefônicas” e sua tributação (RTJv. 47, p. 240-2).É que não se discutiu aí qualquer tema constitucional, menos ain<strong>da</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 21


imuni<strong>da</strong>de tributária. A questão cingiu-se à isenção fiscal e com base,apenas, na Lei nº 351/48. Correta, assim, a interpretação restritiva. Acircunstância de ter o eminente Min. Oswaldo Trigueiro conceituado aslistas em referência como meros catálogos de interesse comercial, pelasdivulgações que fazem, com a vênia devi<strong>da</strong>, não procederia. É que adestinação específica <strong>da</strong>s listas consiste em facilitar as comunicações,de manifesto interesse social. A publici<strong>da</strong>de que nelas se insere, to<strong>da</strong>ela paga, apenas concorre para reduzir seus custos, uma vez que a suadistribuição é obrigatória e gratuita, refletindo-se, outrossim, no preçodos serviços prestados, que ficariam diminuídos, e sabi<strong>da</strong>mente sãocontrolados pelo Poder Concedente.9.6. Igualmente, em na<strong>da</strong> afetou a exegese ampliativa já assenta<strong>da</strong>pelo Plenário ao comentado texto constitucional a decisão que veio atomar a C<strong>da</strong>. 2ª Turma, ao julgar, em 15.12.78, o RE nº 87.663, de SãoPaulo, e do qual foi Relator o eminente Ministro Cordeiro Guerra (RTJ89/278-81).Versava o dissídio sobre a pretendi<strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de tributária pela ediçãode “Calendários Comerciais”.Do decisório, cabe destacar expressivo fragmento, de todo decisivo,do voto do Relator, para mostrar que na<strong>da</strong> tem ele com a edição <strong>da</strong>s“Listas Telefônicas”.Diz, p. 280:“Os calendários comerciais, como as folhinhas e agen<strong>da</strong>s, não são livros, jornais, revistasou periódicos, no sentido de veículos de manifestação do pensamento humano. Constituemuma simples mercadoria de consumo, periodicamente posta em circulação, mas não sãoperiódicos no sentido legal e constitucional, de modo a autorizar a pretendi<strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de.”10. Os julgados antes arrolados, todos do Eg. Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,intérprete máximo <strong>da</strong> Constituição, foram inspirados nas melhoresfontes doutrinárias. E, bem aclarados pelos destaques que deles se fizeram,a par dos comentários que à sua margem se realçaram, evidenciamque o critério correto de interpretar as imuni<strong>da</strong>des tributárias, inclusiveaquele que interessa à espécie, o art. 19, III, d, <strong>da</strong> Carta Maior, é o ampliativo,compreendendo os métodos teleológico, sistemático e outros.Enfatizando o valor de tais julgados, formando jurisprudência, acentuavao Mestre Baleeiro, no prefácio <strong>da</strong> 2ª edição de suas LimitaçõesConstitucionais ao Poder de Tributar, p. XIV:22R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


“Parodiando CHARLES HUGHES, quando, político ain<strong>da</strong> jovem, não sonhava atingir,na maturi<strong>da</strong>de, a presidência <strong>da</strong> Corte Suprema, pode-se afirmar que há limitações constitucionaisao poder de tributar, mas elas são aquilo que os ministros do Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong> querem limitar.”E, em sintonia com esse pensamento, preleciona Maximiliano, emsua Hermenêutica e Aplicação do Direito, 9. ed., Forense, 1979, p. 314,nº 378, XV:“Aplica-se à exegese constitucional o processo sistemático de Hermenêutica, e tambémo teleológico, assegura<strong>da</strong> ao último a preponderância. Nesse terreno consideram-se ain<strong>da</strong>de alta valia a jurisprudência, sobretudo a <strong>da</strong> Corte Suprema; os precedentes parlamentares;os fatores sociais; e a apreciação do resultado, a Werturteil, dos tedescos.”Nesse sentido, ain<strong>da</strong>, os ensinamentos de J. Story, in Commentarieson the Constitution, Hilliard, Gray and Co., Boston, 1833, v. 1., p. 383-4,§ 400; e Henry C. Black, in Construction and Interpretation of the Laws,West Publishing Co., 1896, p. 15, n. 8.10.1. E, fun<strong>da</strong>dos os decisórios em referência na lição de Baleeiro(obra cita<strong>da</strong>, 5. ed., p. 189), reconheceram que a imuni<strong>da</strong>de em questão“protege objetivamente a coisa apta ao fim, sem referir-se à pessoa ouenti<strong>da</strong>de”. Acrescentou que a Constituição visa duplo objetivo ao estatuiressa imuni<strong>da</strong>de: amparar e estimular a cultura por meio dos livros,periódicos e jornais; garantir a liber<strong>da</strong>de de manifestação de pensamento,o direito de crítica e a propagan<strong>da</strong> partidária.To<strong>da</strong>via, é de reconhecer-se que a finali<strong>da</strong>de menciona<strong>da</strong> pelo saudosoMestre é meramente exemplificativa. Compreende a norma constitucional,na amplitude que os julgados a tem consagrado, alcances outros,além <strong>da</strong>queles que livros, jornais e periódicos possam conter e que areali<strong>da</strong>de há de revelar no desenrolar <strong>da</strong>s conquistas que, dia por dia, sefazem ou se aperfeiçoam.11. A essa altura <strong>da</strong>s considerações feitas, forçoso é concluir que as“Listas Telefônicas”, pelas características que lhes são impostas pelalegislação que as disciplinam, e, nota<strong>da</strong>mente, pela valia que emprestamao serviço público <strong>da</strong>s comunicações, sejam locais, sejam estaduais,nacionais ou internacionais, estão cobertas pela imuni<strong>da</strong>de consagra<strong>da</strong>pelo art. 19, III, d, <strong>da</strong> Constituição, pois sem elas seriam, em ver<strong>da</strong>de,de todo impraticáveis.11.1. Sejam ditas listas qualifica<strong>da</strong>s como livros, segundo foram elasR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 23


considera<strong>da</strong>s pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo,in Parecer do Prof. Ulhoa Canto inserto aos autos, sejam, mais precisamente,como “livros técnicos”, como as conceituaram os Pareceresemitidos pelos eminentes Ministros Cordeiro Guerra e Cunha Peixoto,também ilustrando o feito e com os quais estou inteiramente de acordo,subscrevendo seus eruditos fun<strong>da</strong>mentos, tenho-os como integradosneste parecer, não vendo como se lhes possa negar a imuni<strong>da</strong>de quantoa impostos por sua edição.Nesse sentido, assegurando imuni<strong>da</strong>de quanto a impostos <strong>da</strong>s listasem estudo, decidiram os Tribunais de Justiça de São Paulo, nas apelaçõescíveis n os 107.359-2 e 113.962-2, segundo acórdãos xerocopiadosnos autos, p. 312-18 e 327-8, respectivamente; bem assim, os Estadosde Goiás, Santa Catarina e Distrito <strong>Federal</strong>, conforme indicação no votodo eminente Min. Octavio Gallotti, in RDA, v. 166, p. 47.11.2. A exegese teleológica atribuí<strong>da</strong> ao preceito constitucional consideradoseria limitativa se circunscrita aos arts. 153, §§ 8º e 36º, 176,179 e 180, indicados por Baleeiro (ob. cit., p. 189). Note-se, porém, queo saudoso Mestre, à indicação menciona<strong>da</strong>, acrescentou a expressão e“outros do Estatuto Supremo”.11.3. Se, quanto aos livros impressos, aos jornais e aos periódicos, nãose fez qualquer restrição quanto ao conteúdo, menos ain<strong>da</strong> se há de fazerno pertinente às listas discuti<strong>da</strong>s, renováveis periodicamente, distribuí<strong>da</strong>sobrigatória e gratuitamente entre seus assinantes, tornando-se, pelo querepresentam, componente essencial e indispensável ao serviço públicode comunicações e cuja relevância a própria Constituição consagrou, aoatribuir à União, e só a ela, a exploração de tais serviços, e é sabido queela o faz em forma de monopólio; e, ain<strong>da</strong>, privativamente, o poder desobre tal matéria legislar. É o que se lê no seu art. 8º, XV, a, e XVII, i,respectivamente. Com proprie<strong>da</strong>de, sublinhou o eminente Min. SydneySanches, ao votar no RE 104.539-9, de São Paulo, in RDA 166/51, verbis:“De resto, o propósito <strong>da</strong> norma constitucional é inquestionavelmente o de baratear aimpressão e divulgação de livros, jornais e periódicos, não se podendo excluir destes as listastelefônicas, com sua imensa utili<strong>da</strong>de social, por seu caráter informativo sobre telefones dehospitais, pronto-socorro, repartições públicas de to<strong>da</strong> espécie (policiais, judiciárias, etc.),empresas de transportes ferroviário, rodoviário, aeroviário, comércio em geral e sobre ospróprios telefones de particulares e profissionais liberais.”24R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


11.4. Não fora assim, certamente não se tornariam credores <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>deem comentário as relações que os jornais, em forma de separata,vendidos à parte, costumam publicar em dias próximos às eleições, contendoa nominata dos eleitores, com indicação <strong>da</strong>s seções onde devemvotar. Igualmente, os livros índice, em volumes distintos, e referentesa Tratados, a exemplo, como existe do Tratado de Direito ComercialBrasileiro, de Carvalho de Mendonça, ou do Tratado de Direito Privado,de Pontes de Miran<strong>da</strong>. E bem assim os livros contendo a tábua de logaritmos,ou os Atlas Geográficos e publicações outras e idênticas que sepoderiam declinar. Não contêm eles qualquer matéria que se compreendena exemplificação de Baleeiro, nem mesmo na enumeração procedi<strong>da</strong>por Amilcar de Araújo Falcão no bem deduzido parecer que se encontrana RDA 66/368-9.Ninguém, to<strong>da</strong>via, negará imuni<strong>da</strong>de a qualquer <strong>da</strong>s referi<strong>da</strong>s publicações.11.5. Por isso mesmo e com to<strong>da</strong> a proprie<strong>da</strong>de, observou o eminenteMin. Cordeiro Guerra em seu parecer já referido:“47. Vivemos um momento de transformações científicas e de progressos tecnológicos enão podemos excluir <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de constitucional as publicações que surgem do evolver <strong>da</strong>civilização técnica em que nos inserimos. As listas telefônicas são li<strong>da</strong>s e consulta<strong>da</strong>s comfrequência, pelas informações de relevância social que encerram e por isso, como refereAliomar Baleeiro, são encontradiças nas bibliotecas americanas.48. Finalmente, nega<strong>da</strong> a imuni<strong>da</strong>de no caso, onerar-se-iam os custos de produção doslivros telefônicos de forma significativa e, em consequência, o editor teria que majorar asua remuneração. Conforme o caso, poder-se-ia inclusive temer que as concessionáriasou tivessem de arcar com parte desse custo adicional ou repassá-lo aos usuários dos seusserviços, exatamente o que hoje se pretende evitar.”Da mesma forma, acentuou o eminente Ministro Cunha Peixoto, emseu parecer já mencionado, fl. 12:“11 – A Constituição constitui a garantia <strong>da</strong> ordem, <strong>da</strong> paz e <strong>da</strong> tranquili<strong>da</strong>de, sem a qualnão há progresso nem liber<strong>da</strong>de. Forçoso se lhe torne acompanhar a evolução, a<strong>da</strong>ptar-seàs circunstâncias imprevistas mas vitoriosas.Ora, o telefone venceu em to<strong>da</strong> a linha; dominou o mundo; limitou as distâncias, a pontodo Código Civil considerar como presente a pessoa que contrata pelo telefone (art. 1.081,I), pouco importando, como observa Carvalho de Mendonça – J. X. –, que os aparelhos seachem na mesma praça, ou em lugares diversos (Tratado de Direito Comercial, v. VI, 1ªparte, p. 467, nº 552).To<strong>da</strong>via, torna-se ele uma máquina inútil, se desacompanhado <strong>da</strong> ‘Lista Telefônica’. ÉR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 25


que o telefone, para ser acionado, necessita de uma linguagem própria, e o suporte fáticodessa linguagem é a lista telefônica. Constitui ela, pois, o meio gráfico de informações e,consequentemente, tem de ser classifica<strong>da</strong> como livro ou periódico de natureza técnica.”12. Para finalizar, resta, apenas, responder às questões propostas pelaconsulente.IV Respostas às questões formula<strong>da</strong>s1ª. Quanto à primeira: sim. A consulente, com a edição de suas “ListasTelefônicas”, goza <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de quanto à instituição de impostos,inclusive o ISS, nos termos do art. 19, III, d, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.2ª. Quanto à segun<strong>da</strong>: sim. Negando o acórdão recorrido a imuni<strong>da</strong>depropugna<strong>da</strong>, contrariou o citado art. 19, III, d, <strong>da</strong>quele Estatuto, ao mesmopasso que divergiu, quanto à sua aplicação, dos padrões indicadosna petição recursal, do Eg. Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, no RE nº 86.026,bem como do 1º <strong>Tribunal</strong> de Alça<strong>da</strong> Civil de São Paulo, proferido naApelação nº 275.857;3ª. Quanto à terceira: sim. Em face <strong>da</strong>s respostas anteriores, o recursoextraordinário há de merecer do Egrégio Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>conhecimento e provimento para o efeito de deferir o man<strong>da</strong>do de segurança,nos termos do pedido.É o parecer.Porto Alegre, 21 de outubro de 1987.26R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


As recomen<strong>da</strong>ções do Conselho Nacional de Justiçaem face <strong>da</strong>s deman<strong>da</strong>s judiciais envolvendo aassistência à saúde *IntroduçãoMarga Inge Barth Tessler **A consagração do direito à saúde deu-se de forma ampla apenas naConstituição <strong>Federal</strong> de 1988, que dispensou o merecido destaque aosdireitos sociais, entre eles, o <strong>da</strong> saúde. A evolução <strong>da</strong> matéria até o atualpatamar pode ser sintetiza<strong>da</strong> pelo tratamento dispensado nos textosconstitucionais. 1 A Constituição de 1891 não dispôs sobre a saúde deforma expressa, deixou registrado apenas que a “aposentadoria poderiaser <strong>da</strong><strong>da</strong> aos funcionários públicos em caso de invalidez nos serviços <strong>da</strong>Nação” (artigo 175). A Carta de 1934 elevou a saúde à condição de direitosubjetivo do trabalhador no âmbito do sistema de seguri<strong>da</strong>de social, coma criação dos diversos Institutos de Aposentadoria e Pensões. A Cartade 1937, no artigo 16, permaneceu com atenção volta<strong>da</strong> ao trabalhador,* Texto-base para a apresentação no Seminário A Judicialização <strong>da</strong> Saúde Pública em uma PerspectivaCompara<strong>da</strong> Franco-Brasileira, 30 e 31 de agosto de 2010, Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong>Fluminense. O texto é capítulo de um estudo maior, sob o título “A Justiça e a efetivi<strong>da</strong>de na saúde pública”,apresentado à Fun<strong>da</strong>ção Getúlio Vargas, FGV-Direito Rio, como requisito para a obtenção do grau de Mestredo Curso de Mestrado Profissionalizante em Poder Judiciário, em agosto de 2010.**Desembargadora <strong>Federal</strong>, Presidente do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Mestre em Direito pela PUC/RS.1BALERA, Wagner. A seguri<strong>da</strong>de social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 27


trazendo cobertura de riscos sociais sem cogitar de benefícios sociais geraise fontes de custeio. Permaneceu, na Constituição de 1946, a mesmasituação de vínculo com o trabalhador, mas, no período, iniciaram-se asações objetivando ampliar a proteção à saúde, destacando-se a criação doMinistério <strong>da</strong> Saúde em 1950. Em 1954, pela Lei nº 2.312, foram cria<strong>da</strong>sas normas gerais de defesa e proteção <strong>da</strong> saúde, nascendo então a afirmativade tratar-se de “dever do Estado, bem como <strong>da</strong> família, defender eproteger a saúde do indivíduo”. O Código Nacional de Saúde é de 21 dejaneiro de 1961. Note-se que o arcabouço legislativo vigorou até a edição<strong>da</strong> Lei nº 8.080/1990.Por obra <strong>da</strong> Constituição de 1967 e <strong>da</strong>s Emen<strong>da</strong>s n os 1/1969, 2/1972 e7/1977, a questão <strong>da</strong> saúde pelo artigo 8º, inciso XVII, alínea a, reserva àUnião a competência para expedir as normas gerais de “defesa e proteção<strong>da</strong> saúde”. O artigo 165, ao estabelecer sobre a Ordem Econômica e Social,assegurava aos “trabalhadores” a “assistência sanitária, hospitalar e médicapreventiva” e amparo previdenciário nos casos de “doença, velhice e invalidez”.Preocupou-se também com o custeio, dizendo <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de, paracriação ou majoração de benefício, <strong>da</strong> necessária “fonte de custeio total”.Observa-se a níti<strong>da</strong> preferência pela assistência médica curativa eindividual, com supremacia dos serviços médico-hospitalares de caráterindividual e supervisionado pelo extinto INPS. A doença era ain<strong>da</strong> vistacomo um risco individual.Os programas de caráter coletivo “ficavam a cargo do Ministério <strong>da</strong>Saúde e <strong>da</strong>s Secretarias Estaduais”. A saúde percebi<strong>da</strong> como sistemanacional foi instituí<strong>da</strong> pela Lei nº 6.229/1975 e, em 1977, foi criado oInstituto Nacional de Assistência Médica <strong>da</strong> Previdência Social (Inamps)para atender os trabalhadores com vínculos formais, isto é, que tivessemCarteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assina<strong>da</strong>.Em lenta evolução, do modelo médico assistencial privatista de atençãoà saúde passamos a um modelo que tendia à universalização – nãoconseguindo concretizar-se até a realização do 8º Congresso Nacionalde Saúde, ocasião em que criado o Sistema Unificado e Descentralizadode Saúde (Suds), que representou a desconcentração <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des doInamps para as Secretarias Estaduais de Saúde. Passou-se a atender aosdesempregados e rurícolas. Houve projetos de interiorização, projetos dereforma ensaiados pela 8ª Conferência Nacional de Saúde, com a descon-28R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


centração dos serviços.A Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 recebeu e recolheu os elementos dessemovimento sanitarista, incorporou as propostas e criou o Sistema Únicode Saúde (SUS), regulamentado pelas Leis n os 8.080/1990 e 8.142/1990.Dispôs sobre os direitos sociais, incluindo a saúde, no artigo 6º, e nosartigos 196 a 200, conjunto que é encimado pelo disposto no artigo 1º,inciso II, o respeito à digni<strong>da</strong>de humana.Assim, a saúde é para a Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 um bem fun<strong>da</strong>mental2 e um direito de todos. Procurou a Carta de 1988 e a legislaçãosuperveniente no campo ideal promover um ambiente sustentável desaúde. Efetuou uma combinação de ações, tentou conciliar os interesseseconômicos com os propósitos de assegurar bem-estar, objetivou diminuirdesigual<strong>da</strong>des, atendimento e tratamento com equi<strong>da</strong>de, estimulando a participação<strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de, a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e o fortalecimento <strong>da</strong> prevençãoe <strong>da</strong> promoção <strong>da</strong> saúde. O valor que mais se destaca nos direitos sociaisé a igual<strong>da</strong>de em vertente material ou fática. O ideal em alguns aspectosestá sendo atingido, há reconhecimento internacional em prol de algunsserviços brasileiros, como a Fun<strong>da</strong>ção Oswaldo Cruz, do Ministério <strong>da</strong>Saúde, que, em 2006, foi eleita a melhor instituição de saúde pública domundo, pela World Federation of Public Health Associations.Das formulações constitucionais e <strong>da</strong> Lei nº 8.080/1990 derivam osprincípios em matéria sanitária que adiante abor<strong>da</strong>remos. A referi<strong>da</strong> Leinº 8.080/1990 regula em todo o território nacional as ações e serviços desaúde, prestados por pessoas de direito público ou privado. A Lei, no § 1º,informa que o dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulaçãoe na execução de políticas econômicas e sociais e no estabelecimento decondições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviçosde saúde. No artigo 7º estão elencados os princípios e as diretrizesdo SUS de acordo com a Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, artigo 198.1 Os princípios em matéria sanitária 3Os princípios específicos do direito sanitário inspiram todo o sistema2Direitos humanos são os direitos reconhecidos pelo direito positivo internacional a to<strong>da</strong>s as gentes. Direitosfun<strong>da</strong>mentais sociais são os direitos reconhecidos pela Constituição.3TESSLER, Marga Inge Barth. O juiz e a tutela jurisdicional sanitária. Interesse Público, Sapucaia do Sul,n. 25, p. 27-58, maio/jun. 2004. Com acréscimos.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 29


e são preciosos elementos para guiar o intérprete.A teoria dos princípios foi desenvolvi<strong>da</strong> por Ronald Dworkin, 4 atribuindonormativi<strong>da</strong>de aos princípios e evidenciando a distinção entreregras e princípios. 5 Uma visão <strong>da</strong>queles aplicáveis ao direito sanitárioserve à compreensão e à justificação <strong>da</strong> atuação do Judiciário no tema.Os princípios provocaram uma postura diferente do juiz, pois a formallegali<strong>da</strong>de é insuficiente para <strong>da</strong>r a medi<strong>da</strong> do direito. Estabelecem odever de promover fins, <strong>da</strong>í uma dificul<strong>da</strong>de, já que os fins são múltiplose colidentes. Os princípios de uma ciência são as proposições básicas,fun<strong>da</strong>mentais que constituem to<strong>da</strong>s as estruturações posteriores. São asvigas mestras ou os alicerces <strong>da</strong> ciência. Cretella Júnior, em lição clássica,os classifica em princípios universais, plurivalentes, monovalentese setoriais, conforme possam ser comuns a todos os ramos do saber, comunsa um grupo de ciências, referidos a um só campo de conhecimentoe setoriais que informam apenas setores em que se divide determina<strong>da</strong>ciência. A essa lição se alinha Di Pietro 6 ao enumerar os princípios informadoresdo Direito Administrativo, fazendo ver sua grande importância,pois permitem ao intérprete estabelecer o necessário equilíbrio entre osdireitos dos administrados e as prerrogativas <strong>da</strong> Administração. 7Os princípios informadores <strong>da</strong> ação do gestor público previstos noartigo 37 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, quais sejam, a legali<strong>da</strong>de,a impessoali<strong>da</strong>de, a morali<strong>da</strong>de, a publici<strong>da</strong>de e a eficiência, aplicam--se, são informadores, de todo o direito sanitário e vinculantes para ogestor público. Os atos <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des públicas sanitárias desfrutamdos mesmos atributos dos atos administrativos em geral, quais sejam,a presunção de veraci<strong>da</strong>de no que respeita aos fatos, a imperativi<strong>da</strong>de,isto é, impõem-se a terceiros independentemente <strong>da</strong> concordância, e aautoexecutorie<strong>da</strong>de, isto é, podem ser executados pela própria administraçãoquando se tratar de medi<strong>da</strong> urgente que, caso não adota<strong>da</strong>, cause4DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Idem. Taking rights seriously.Massachusetts: Harvard University, 1978. Idem. A virtude soberana. São Paulo: Martins Fontes, 2005.5As regras, segundo Dworkin, aplicam-se de modo tudo ou na<strong>da</strong>, e os princípios, por ponderação.6DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001.7Sobre o exame dos atos administrativos: STJ, REsp nº 493811/SP, 2ª Turma. Relatora: Ministra ElianaCalmon, julgado em 11.11.2003, DJU de 15.03.2004, p. 236; STJ, REsp nº 577836/SC, 1ª Turma. Relator:Ministro Luiz Fux, julgado em 21.10.204. DJU de 28.02.2005, p. 200.30R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


prejuízo ou risco maior, sinalando-se que, de regra, a autoexecutorie<strong>da</strong>dedeve ter sido prevista na lei. Na questão <strong>da</strong> presunção de veraci<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>imperativi<strong>da</strong>de, é de observar que há uma íntima correlação dos referidosprincípios com o princípio <strong>da</strong> participação social. O controle social doSUS se dá por meio dos Conselhos de Saúde, que, entre as suas atribuições,têm a de deliberar e fiscalizar a aplicação do Orçamento, Planosde Saúde, Plano de Aplicação de Recursos, etc. Os Conselhos de Saúdefuncionam nos âmbitos federal, estadual e municipal, junto ao Ministério<strong>da</strong> Saúde e às secretarias estaduais e municipais, podendo ser criadosconselhos distritais. Os Conselhos de Saúde constituem assim a instânciade resistência democrática <strong>da</strong> garantia dos princípios constitucionais elegais dos direitos do ci<strong>da</strong>dão, devendo haver representantes usuáriosdo SUS nos Conselhos.1º) O princípio <strong>da</strong> proteção <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humanaEste princípio vem consagrado no inciso II do artigo 1º <strong>da</strong> Constituição<strong>Federal</strong> de 1988, um dos fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> República e do EstadoDemocrático e Social do Direito.Segundo Sarlet, 8 a origem do conceito moderno de digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoahumana parte <strong>da</strong> ideia kantiana de autonomia ética do ser humano,que residiria na ve<strong>da</strong>ção do homem ser tratado como objeto, inclusivepor si próprio. A liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vontade consiste na proprie<strong>da</strong>de que temde <strong>da</strong>r-se ela mesma a sua lei, essa liber<strong>da</strong>de que conduz à autonomia eque situa a todos no mundo dos fins, que converte as pessoas em seresdignos e que não tem preço. Assim, quando uma coisa está acima de todoo preço e não permite equivalente, ela tem digni<strong>da</strong>de. A Declaração Universaldos Direitos Humanos <strong>da</strong> ONU, de 1948, consagrou a digni<strong>da</strong>de<strong>da</strong> pessoa humana como fun<strong>da</strong>mental na ordem jurídica.Lembra Figueiredo 9 que, segundo a doutrina alemã, citando Hofman,a digni<strong>da</strong>de estaria fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no reconhecimento social, na valoraçãopositiva de pretensão de respeito social. Assim, a digni<strong>da</strong>de só pode serdefini<strong>da</strong> na relação e na comunicação com o outro, retomando o aspecto<strong>da</strong> alteri<strong>da</strong>de kantiana. Não se poderia pensar em digni<strong>da</strong>de desvincula<strong>da</strong>8SARLET, Ingo Wolfgang. Digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana e direitos fun<strong>da</strong>mentais. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2001. p. 34.9FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fun<strong>da</strong>mental à Saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 31


<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de. Segundo Aith, 10 é o aludido princípio que proíbe a tortura,o trabalho escravo, pesquisas com cobaias humanas, a comercializaçãode órgãos humanos, tratamentos de choque em doentes mentais, etc. ALei nº 8.080/1990 tem previsão de sua proteção no artigo 7º, inciso III.O princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de humana se opõe à obstinação terapêutica, que éa situação de buscar só a tecnologia, e não o bom senso, é o uso abusivode recursos terapêuticos.2º) O princípio <strong>da</strong> saúde como direito 11Trata-se de um direito fun<strong>da</strong>mental do ser humano, um direito incluídoentre os direitos sociais, e significa para o Poder Público a responsabili<strong>da</strong>dede elaborar programas concretos para garantia <strong>da</strong> saúde<strong>da</strong> população. Para a população, o direito reconhecido confere direitosubjetivo de exigir a prestação de serviços de saúde pelo Estado, individualou coletivamente. Para o Poder Judiciário, como um dos Poderes doEstado, a responsabili<strong>da</strong>de de fazer implementar as ações e os serviçosno sentido de promover e proteger a saúde <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de. Note-se quea Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 reconheceu um direito ao acesso aosbenefícios, não se trata de benefício contraprestacional nem de cari<strong>da</strong>deassistencial. Durante as manifestações produzi<strong>da</strong>s na Audiência Públicanº 4, 12 não houve pronunciamento contrário ao referido princípio, emborapossíveis limites fáticos, técnicos e orçamentários.O princípio em tela significa, para todos e para ca<strong>da</strong> um, o poderde exigir individual ou coletivamente a consecução desse direito “mediantepolíticas sociais e econômicas que visem à redução do risco dedoença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às açõese serviços”. 13 Segundo Rezende e Trin<strong>da</strong>de:“As principais dificul<strong>da</strong>des, entre outras, enfrenta<strong>da</strong>s para a implementação do SUS, são10AITH, Fernando. Curso de direito sanitário: a proteção do direito à saúde no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2007.11DWORKIN, 1999, p. 433-435. Dworkin argumenta em torno do Princípio do Resgate: “A vi<strong>da</strong> e a saúdesão os bens mais importantes, todo o resto tem menor importância e deve se sacrificado [...]. É tão antigo[...] e quase totalmente inútil [...].” Diz que devemos gastar tudo o que pudermos até que não seja possívelpagar nenhuma melhora na saúde. Nenhuma socie<strong>da</strong>de sadia tentaria alcançar esse padrão.12A realização <strong>da</strong> Audiência Pública nº 4 deu-se no Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> por convocação do MinistroGilmar Mendes, então Presidente <strong>da</strong> Corte, em maio/abril de 2009, e foi um dos marcos para a promoçãodo direito à saúde no Brasil.13BRASIL. Constituição <strong>Federal</strong> de 1988. Artigo 196.32R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


a manutenção <strong>da</strong>s forças conservadoras nas instâncias de Poder; o financiamento do setor; acultura de clientelismo; a mu<strong>da</strong>nça do padrão epidemiológico e demográfico <strong>da</strong> população;os crescentes custos do processo de atenção; as formas de gerenciamento do sistema desaúde; o corporativismo dos profissionais de saúde; entre muitos outros.” 143º) A saúde como um dever fun<strong>da</strong>mentalO texto <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 expressa, além de um direito,também um dever fun<strong>da</strong>mental. 15 Trata-se de uma categoria jurídicaautônoma, nos dizeres de Sarlet e Figueiredo, 16 seriam os deveresexpressão <strong>da</strong> soberania estatal, mas do Estado fun<strong>da</strong>do na primazia <strong>da</strong>spessoas, dos ci<strong>da</strong>dãos. Na saúde, especialmente, há referência expressaao dever, embora sem referir exatamente que ativi<strong>da</strong>de deve ser toma<strong>da</strong>pelo Estado, mas é aquela ativi<strong>da</strong>de que permite ou favorece a todos afruição do direito assegurado, ao menos no patamar mínimo. O indivíduo,como ser livre e responsável, também em alguma dimensão temdeveres, uma parcela de responsabili<strong>da</strong>de para com a sua saúde e a <strong>da</strong>coletivi<strong>da</strong>de. Esse dever individual se prende à len<strong>da</strong> de Cura, lembra<strong>da</strong>por Heidegger: 17 “O homem é filho do cui<strong>da</strong>do no seu percurso temporalno mundo”. Os serviços de saúde são considerados de relevância pública,quer sejam prestados pelo Estado, quer por particulares, segundo odisposto no artigo 197 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988. Consequênciadessa disposição constitucional é a possibili<strong>da</strong>de de sujeição dos atosdos particulares à sindicabili<strong>da</strong>de do Ministério Público.4º) O princípio <strong>da</strong> unici<strong>da</strong>de do sistema SUSPrincípio expresso no artigo 199 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 eno art. 7º, inc. XIII, <strong>da</strong> Lei nº 8.080/1990.Esse princípio inaugura um sistema diferente do vigente até 1988,pois antes as ações e serviços eram operados por uma grande quanti<strong>da</strong>de14REZENDE, Conceição Apareci<strong>da</strong> Pereira; TRINDADE, Jorge. Manual de atuação jurídica em saúdepública. In: BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Saúde. Direito sanitário e saúde pública. Brasília: Ministério <strong>da</strong> Saúde,2003. v. 2, p. 21-37.15TESSLER, Marga Inge Barth. O direito à saúde: a saúde como direito e como dever na Constituição <strong>Federal</strong>de 1988. Revista do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Porto Alegre, v. 12, n. 40, p. 75-108, 2001.16SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filtchtiner. Reserva do Possível, mínimo existenciale direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Orgs.).Direitos Fun<strong>da</strong>mentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 11-53.17HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 33


de órgãos. O artigo 198 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, ao se referira um “sistema único”, implantou a unici<strong>da</strong>de como princípio. Deve serprestado de maneira indiferencia<strong>da</strong> para todos.A unici<strong>da</strong>de como princípio organizador e estrutural do SUS leva àconsequência de que os três entes <strong>da</strong> federação são responsáveis pelofuncionamento do sistema único. O ideário que inspirou a reforma sanitáriaconsistia na criação de um sistema único fun<strong>da</strong>mentalmente estatal,não havendo espaço para ser prestado, de forma diferencia<strong>da</strong> para alguns,mediante pagamento ou privilégio. Não quer dizer que não possa haveruma política dirigi<strong>da</strong> para portadores de doenças raras, ou idosos – Lei nº10.791/2003 (dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências),de 1º de outubro de 2003; Portaria nº 2528 GM/MS (aprova a PolíticaNacional de Saúde <strong>da</strong> Pessoa Idosa), de 19 de outubro de 2006 – ou paraatendimento à criança – Lei nº 8.069/1990 (dispõe sobre o Estatuto <strong>da</strong>Criança e do Adolescente).5º) O princípio <strong>da</strong> universali<strong>da</strong>deExtrai-se o princípio dos artigos 194, inciso I, e 196 <strong>da</strong> Constituição<strong>Federal</strong> de 1988 e do artigo 7º <strong>da</strong> Lei nº 8.080/1990, e a sua consequênciaé a concretização <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de que todos tenham acesso igualaos serviços. Para cumprir o princípio, há necessi<strong>da</strong>de do planejamentode ações realizando-se antes um diagnóstico <strong>da</strong> situação sanitária <strong>da</strong>comuni<strong>da</strong>de. Os três primeiros princípios, em seu conjunto, formam umnúcleo de “ideias-força unificadoras e transformadoras”, fun<strong>da</strong>mentaisno sentido <strong>da</strong> construção do SUS como patrimônio social. As políticasde saúde repercutem na estabili<strong>da</strong>de social, devendo haver coerênciae firmeza de propósitos por parte dos gestores. O referido princípiotrouxe para o SUS a noção <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia como elemento norteador <strong>da</strong>spolíticas de saúde. 18 A ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia como condição exclusiva para o acessofizeram do SUS a maior política pública de saúde, quebrando a lógica doseguro-saúde. A universali<strong>da</strong>de está relaciona<strong>da</strong> à gratui<strong>da</strong>de do acessoaos serviços, 19 e o objetivo de tal formulação é o fortalecimento <strong>da</strong>18FERRAZ, Octávio Luiz Motta; VIEIRA, Fabiola Sulpino. Direito à saúde, recursos escassos e equi<strong>da</strong>de:os riscos <strong>da</strong> interpretação judicial dominante. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 52, n. 1, p.223-251, mar. 2009.19CARVALHO, Guido Ivan de; SANTOS, Lenir. Sistema Único de Saúde: Comentários à Lei Orgânica <strong>da</strong>34R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


coesão social, evitando a estigmatização do pobre, bem como a que<strong>da</strong>na quali<strong>da</strong>de do serviço. Admite medi<strong>da</strong>s específicas a um grupo, porexemplo, diabéticos, aidéticos. Não o limita aos pobres. A concessãode um medicamento ou tratamento deve ser universalizável. 20 Nesseaspecto, entende-se desnecessária a perquirição sobre rendimentos dosbeneficiários dos serviços do SUS. Não pode ser negado a quem temren<strong>da</strong>, pois tal pessoa só por isso não deixou de ter direitos sociais. Aresponsabili<strong>da</strong>de social e a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de é que deveriam funcionar comoautocontenção.6º) O princípio <strong>da</strong> integrali<strong>da</strong>de do atendimentoEstá expresso no artigo 198, inc. II, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 eno art. 7º, inc. II, <strong>da</strong> Lei nº 8.080/1990. A pessoa tem direito de ser atendi<strong>da</strong>e assisti<strong>da</strong> sempre que necessitar, utilizando ou não insumos, desde o atendimentobásico (consulta) até a alta complexi<strong>da</strong>de (tratamento oncológico).O que define o atendimento deve ser a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa. Significa queto<strong>da</strong>s as ações e serviços de saúde (promoção, proteção ou recuperação)são uma reali<strong>da</strong>de una e inseparável. Não basta, pelo princípio, a comprade uma ambulância pela Prefeitura, é necessário, no mínimo, oferecerserviço de urgência e materno-infantil. No princípio <strong>da</strong> integrali<strong>da</strong>de doatendimento há algumas questões intensamente debati<strong>da</strong>s, como o abortoe o direito <strong>da</strong> mulher em optar por fazê-lo, há a questão dos idosos e a dosportadores de doenças raras, a do atendimento especial aos menores e indígenas,estes últimos bastante esquecidos em suas necessi<strong>da</strong>des elementares.Constitui um ponto de tensão entre os gestores públicos e pacientes quedeman<strong>da</strong>m por medicamentos. A integrali<strong>da</strong>de é a não fragmentação <strong>da</strong>spolíticas. 21 Não quer dizer oferta de todo e qualquer medicamento, produtoou insumo, mas o bastante para o atingimento de seus fins. A integrali<strong>da</strong>deé atendi<strong>da</strong> quando promovido o razoável atendimento do fim. 22Saúde (Lei nº 8080/90 e Lei nº 8142/90). 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1995.20UIB, David. “Não há recursos para atender todos”. Folha de São Paulo, 29 maio 1998. Entrevista concedi<strong>da</strong>a Lucia Martins. Cotidiano. O infectologista David Uib acha que o princípio <strong>da</strong> universali<strong>da</strong>de é umengano de retórica.21BIEHL, João Guilherme. Pharmaceuticalization: AIDS treatment and global health politics. AnthropologicalQuarterly, Baltimore, v. 80, n. 4, p. 1534-1518, 2007. A ênfase em medicamentos, isto é, a farmaceuticalizaçãotraz riscos de fragmentação. É nociva e dispendiosa, segundo Biehl.22ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: <strong>da</strong> definição à aplicação dos princípios jurídicos.São Paulo: Malheiros, 2003. “Um meio é adequado quando promove minimamente o fim.”R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 35


7º) O princípio <strong>da</strong> preservação <strong>da</strong> autonomia <strong>da</strong>s pessoas – art. 7º,inc. III, <strong>da</strong> Lei nº 8.080/1990O paciente tem o direito de ser informado.É princípio ético e integra a trin<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Bioética junto com a Justiçae a Beneficência. O tratamento <strong>da</strong> saúde e a defesa <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de físicae moral não podem ser impostos, pelo contrário, as pessoas precisam serconscientiza<strong>da</strong>s e orienta<strong>da</strong>s, está no art. 7º, inc. III, <strong>da</strong> Lei nº 8.080/1990.A autorização judicial para a realização de transfusão de sangue recusa<strong>da</strong>por motivos religiosos procura flexibilizar o aludido princípio. O episódio<strong>da</strong> Revolta <strong>da</strong> Vacina (1904) constitui exemplo histórico no Brasil. Em31.10.1904, o Congresso aprovou lei que tornou obrigatória a vacinaçãocontra a varíola, houve revolta no Rio de Janeiro. Não se teve naépoca a consciência do fato de que as pessoas precisam ser esclareci<strong>da</strong>s,situação bem diferente <strong>da</strong> que hoje desfrutamos, com as campanhas devacinação do estilo “Zé Gotinha”, política pública exitosa, que motivaos pais a procurar o posto de vacinação em dias específicos, utilizandoum boneco, personagem infantil – “o Zé Gotinha” –, só para tomar umagotinha para se imunizar.Exemplo de violação do princípio <strong>da</strong> autonomia <strong>da</strong> pessoa é a situaçãona China, noticia<strong>da</strong> pelos jornais, em que as pessoas são presaspara serem esteriliza<strong>da</strong>s, por violação à Lei do Filho Único, do fim <strong>da</strong>déca<strong>da</strong> de 70. Tal política só permite um filho por casal. Uma mulherque desafia a regra pode ser presa e esteriliza<strong>da</strong>. 23 É importante dizer quese superou o modo Hipocrático de tratamento médico. O paciente tem odireito de ser informado sobre a sua doença e o prognóstico. Os valoresdo doente devem ser considerados, fazendo-se o que é do melhor interessedo paciente. O consentimento informado fun<strong>da</strong>menta e legitima o atomédico. As ordens de “não ressuscitação” são um reflexo do princípio<strong>da</strong> autonomia do paciente.8º) O princípio do direito à informação às pessoas assisti<strong>da</strong>s – art.7º, inc. VÉ o direito de informação sobre o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico.Os pacientes devem ser esclarecidos sobre benefícios e riscos de23Jornal O Sul, Porto Alegre, 19 abr. 2010.36R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


todos os procedimentos. A manutenção e guar<strong>da</strong> de tais registros, com oconsentimento informado do paciente, pode ser fun<strong>da</strong>mental para a defesado prestador do serviço em juízo e também para o próprio paciente. Oprontuário há de ser, com as cautelas devi<strong>da</strong>s, exibido em juízo, no casode controvérsia sobre tratamentos. O gestor público deverá providenciara guar<strong>da</strong> de tais registros. Pondera-se assim a necessi<strong>da</strong>de do pacienteprocurar o serviço público de saúde antes de deman<strong>da</strong>r judicialmente.Em princípio não há possibili<strong>da</strong>de de responsabilização do gestor públicopor tratamentos prescritos no âmbito privado em caso de fatali<strong>da</strong>desou equívocos. O princípio está intimamente ligado ao <strong>da</strong> autonomia <strong>da</strong>pessoa e se materializa pelo consentimento informado.9º) O princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de ou equi<strong>da</strong>deOs serviços de saúde devem ser prestados de maneira uniforme eindiferencia<strong>da</strong> a todos, sem privilégios ou preconceitos. O princípio foiestabelecido para sepultar a política de favores, ou a cultura do favor, oua ideia de que quem não podia pagar seria tratado como indigente. Poroutro lado, o princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de não tolera distinção entre usuáriospagantes e não pagantes. Era a chama<strong>da</strong> “diferença de classe”, isto é,a separação de ambientes, o oferecimento de melhores acomo<strong>da</strong>ções erefeições aos que podiam pagar. Tudo isso desprestigia o princípio <strong>da</strong>igual<strong>da</strong>de e não contribui para a prestação de um serviço digno e eficientepara todos. Por outro lado, a igual<strong>da</strong>de deve ser compreendi<strong>da</strong> dentro<strong>da</strong> universali<strong>da</strong>de. Todos estão incluídos e são iguais em consideração edireitos. As pessoas não podem ser excluí<strong>da</strong>s ou privilegia<strong>da</strong>s. A alocaçãode recursos será feita pelos indivíduos coletivamente considerados. Oprincípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de permite sem ofensa a construção de políticas parao atendimento de grupos como diabéticos, aidéticos, bem como a buscade um tratamento ou medicamento alternativo em face de intolerânciaaos padronizados pelo SUS, mediante perícia médica.10º) O princípio <strong>da</strong> participação <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>deEsse princípio extrai-se do artigo 198, inc. III, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>de 1988 e do artigo 7º, inc. VIII, <strong>da</strong> Lei nº 8.080/90.O direito sanitário é um direito solidário e democrático e a comuni<strong>da</strong>departicipa, deve participar, para que realmente se possa chegar ao serviçoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 37


que a Constituição moldou nos dispositivos que comentamos e tambémsegundo o preâmbulo <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 que estabeleceque a República brasileira tem como fun<strong>da</strong>mento a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoahumana e objetiva promover o bem de todos. A saúde é um bem social ehá a exigência ética, política e também econômica <strong>da</strong> disponibili<strong>da</strong>de dosserviços de saúde para todos de forma eficiente, suficiente e padroniza<strong>da</strong>.O Estado tem o poder-dever de intervir para assegurar a fruição do bemsocial no interesse de todos. É urgente a sensibilização dos detentoresdo Poder Político. O Poder Judiciário tem na jurisdição o seu modo qualificadode participar para concretizar a vontade <strong>da</strong> Constituição, tendoa Audiência Pública nº 4 24 sido um veículo inovador para propiciar aparticipação <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de.11º) Princípio <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de no financiamento, ou <strong>da</strong>diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> base de financiamentoDiz o artigo 195 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 que a seguri<strong>da</strong>desocial será financia<strong>da</strong> por to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de de forma direta e indireta, eem segui<strong>da</strong> a Constituição passa a elencar como se <strong>da</strong>rá o financiamento,com recursos orçamentários <strong>da</strong> União, dos Estados e dos Municípios econtribuições sociais que especifica, e ain<strong>da</strong>, arrematando o Capítulo IIdo Título VIII, há ampla possibili<strong>da</strong>de de instituir outras fontes destina<strong>da</strong>sa garantir a manutenção ou expansão <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social (art.194, parágrafo único, inc. VI, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988). Essavinculação e as possibili<strong>da</strong>des aqui abertas não podem ser esqueci<strong>da</strong>s nomomento de decidir causas tributárias e penais sempre defendi<strong>da</strong>s porprofissionais extremamente bem preparados. To<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de é chama<strong>da</strong>ao financiamento, cui<strong>da</strong>ndo-se para que os dispêndios tenham a melhorutilização possível. O Pacto pela Saúde instituído pela Portaria nº 399/GM/2006 procura <strong>da</strong>r ênfase a este e outros princípios.12º) Princípio <strong>da</strong> vinculação de recursos orçamentáriosPrincípio de alta importância que não há de ser diminuído ou esquecido.A autori<strong>da</strong>de que na sua administração o descumprir se sujeita àresponsabili<strong>da</strong>de fiscal (artigos 198, § 2º; 35, inc. III; e 198, § 1º, <strong>da</strong>24A Audiência Pública nº 4 foi promovi<strong>da</strong> pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> para eluci<strong>da</strong>r as questões <strong>da</strong> saúdepública no Brasil.38R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


Constituição <strong>Federal</strong> de 1988) e Lei de Responsabili<strong>da</strong>de Fiscal – LeiComplementar nº 101/2000. Não é horizonte ideal, mas contato com oreal, o que se pode razoavelmente esperar. A Emen<strong>da</strong> nº 29/2000 estabeleceuno artigo 198 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 parâmetros concretose objetivos em dois novos parágrafos, a propósito de destinaçãodos recursos do SUS.A Emen<strong>da</strong> nº 29/2000 é autoaplicável, mas deixou espaços abertosque oferecem necessi<strong>da</strong>de de conceitos operacionais, tendo sido edita<strong>da</strong>a Resolução nº 316/2000 com parâmetros, e o Ministério <strong>da</strong> Saúdeeditou a Portaria nº 2.047/2002, estabelecendo diretrizes operacionais.O Sistema SIOPS, criado pela Portaria Interministerial nº 1.163/2000, éo parâmetro para fiscalização, sendo que o descumprimento pelos antesobrigados na aplicação dos recursos pode e deve ser comunicado ao Denasus– Departamento Nacional de Auditoria do SUS. A responsabili<strong>da</strong>dedo gestor de recursos e a obrigação de prestar contas está imbrica<strong>da</strong> coma indisponibili<strong>da</strong>de de recursos públicos. 25O que pode ser considerado como gastos com saúde (Res. nº 322do CNS, PL nº 306)O texto <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 29 não desce a minúcias sobreo que efetivamente é ou pode ser considerado como gasto em saúde, eo Projeto de Lei, PL 306/2008, está em tramitação desde o ano de 2000.O Legislativo não conseguiu ain<strong>da</strong> regulamentar a matéria. Existe muitacontrovérsia.Objetivando preencher a lacuna, o Conselho Nacional de Saúde editoua Resolução nº 322, de maio de 2003, aprovou diretrizes bastanterazoáveis para a definição dos recursos mínimos a serem aplicados nasaúde. A Primeira Diretriz diz com a definição <strong>da</strong> base de cálculo paraa definição de recursos mínimos; a Quinta Diretriz, com o que é consideradocomo despesas com saúde; e a Sétima Diretriz, objeto <strong>da</strong> ADInnº 2.999-1, sobre o que não pode ser considerado como despesas comserviços públicos de saúde. Destaco <strong>da</strong> 7ª Diretriz o pagamento de apo-25CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Controle jurisdicional dos atos políticos e administrativos na saúdepública. Interesse Público, Sapucaia do Sul, v. 14, n. 59, p. 120, jan./fev. 2010. Se a Administração Pública éresponsável pela administração dos gastos e pela eficácia máxima possível <strong>da</strong>s políticas públicas, o Judiciárionão deve viabilizar seja teci<strong>da</strong> uma confusa teia gerencial apta a comprometer o próprio equilíbrio social.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 39


sentadorias e pensões, a assistência à saúde que não aten<strong>da</strong> ao princípio <strong>da</strong>universali<strong>da</strong>de (clientela fecha<strong>da</strong>), meren<strong>da</strong> escolar, saneamento básicorealizado com recursos de taxas ou tarifas, limpeza urbana, remoção deresíduos sólidos, preservação do meio ambiente, ações de assistênciasocial (bolsas-família, meren<strong>da</strong> escolar, vale-leite, etc.).Em outubro de 2008, o Conselho Nacional de Saúde expediu a ResoluçãoCNS nº 30, com o objetivo de orientar os Conselhos Estaduaise Municipais de Saúde na tarefa de acompanhar e fiscalizar os fundosde saúde. Embora os esforços, o que se constata é que os recursos <strong>da</strong>saúde não são aplicados corretamente, os Estados deixaram de aplicarR$ 3,6 bilhões em 2007. A verba teria sido utiliza<strong>da</strong> para “almoço depreso, far<strong>da</strong> de policial, meren<strong>da</strong> escolar, financiamento de casa própria,ampliação de rádio estatal, bolsa-família, etc”. 26Inúmeros palestrantes na Audiência Pública nº 4 27 destacaram aimportância <strong>da</strong> imediata normatização <strong>da</strong> questão. É uma situação queefetivamente só poderá ser altera<strong>da</strong> com a conscientização de todos e aaplicação de sanções ao gestor infiel na aplicação de recursos. A questãonão envolve apenas os operadores do direito, mas os gestores públicose os profissionais <strong>da</strong> área médica, e as decisões judiciais, conforme foireconhecido pelo Ministro Gilmar Mendes na condução <strong>da</strong> AudiênciaPública nº 4, 28 têm significado um ponto de tensão perante os gestores<strong>da</strong>s políticas públicas.13º) O princípio <strong>da</strong> ressarcibili<strong>da</strong>de ao SUSO SUS deve ser ressarcido em caso de atendimento por doenças causa<strong>da</strong>spelos agentes econômicos. 29 É princípio que se impõe como deveraos gestores <strong>da</strong> Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e seextrai do artigo 198, § 1º: “além de outras fontes”, e do artigo 32 <strong>da</strong> Lei26WESTIN, Ricardo. Verba <strong>da</strong> saúde paga almoço de preso e far<strong>da</strong>. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 set.2009. Cotidiano.27A Audiência Pública nº 4 foi realiza<strong>da</strong> pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> para eluci<strong>da</strong>r as questões referentesà saúde pública.28Idem.29BASILE, Juliano. LDO prevê indenização ao SUS por indústria do tabaco. Valor Econômico, Rio de Janeiro,28 jun. 2010. A indústria do fumo está sendo aponta<strong>da</strong> como causadora de males aos usuários. A previsãode ressarcimento consta <strong>da</strong> Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). São bilhões de reais e a indústria dofumo diz ser medi<strong>da</strong> inconstitucional.40R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


nº 9.656/1998. Consiste na obrigação <strong>da</strong>s operadoras priva<strong>da</strong>s de planosde saúde ressarcir ao SUS em caso de o sistema único prestar o atendimentoao segurado ou beneficiário <strong>da</strong> operadora priva<strong>da</strong>. Decorrente doprincípio há o dever <strong>da</strong>s operadoras de prestar informações à ANS. Parafazer frente aos gastos com a saúde, há transferência de verbas federaisque devem ser corretamente aplica<strong>da</strong>s pelos Estados e Municípios. OMinistério Público <strong>Federal</strong> tem atuado no sentido de corrigir distorções,v.g., Ação Civil Pública nº 2000.70.10.000456-0, TRF-<strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, DJUde 30.04.2003. Na ADI nº 1931/DF, Relator Ministro Marco Aurélio, sediscute a constitucionali<strong>da</strong>de dos repasses de informações priva<strong>da</strong>s aoSUS. A ressarcibili<strong>da</strong>de ao SUS sofre grande resistência por parte dosagentes econômicos, que não estão dispostos a assumir as externali<strong>da</strong>dessanitárias que se materializam, por exemplo, em acidentes de trabalho,doenças profissionais e acidentes de trânsito.14º) O princípio <strong>da</strong> prevenção e <strong>da</strong> precauçãoSão princípios que objetivam <strong>da</strong>r conta dos riscos na hipercomplexi<strong>da</strong>de.Na déca<strong>da</strong> de 40, a ideia de prevenção foi introduzi<strong>da</strong> por Sigerist, quedefiniu as quatro tarefas primordiais <strong>da</strong> medicina: a promoção <strong>da</strong> saúde,a prevenção <strong>da</strong> doença, a recuperação do enfermo e a reabilitação. 30Está estabeleci<strong>da</strong> no artigo 196 e em todos os comandos à vigilânciasanitária e epidemiológica. O artigo 200 está repleto de diretivas e princípiosde prevenção e precaução que são de fun<strong>da</strong>mental importância. Opostulado <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de tem aqui grande possibili<strong>da</strong>de de auxiliar noexame do caso concreto, deman<strong>da</strong>ndo uma relação congruente entre amedi<strong>da</strong> adota<strong>da</strong> e o fim que ela pretende atingir, ou verificação de equivalênciaentre direitos e sacrifícios exigidos. O princípio <strong>da</strong> prevençãoestá diretamente ligado à antecipa<strong>da</strong> previsão de acontecimentos negativosou incerteza sobre consequências e acontecimentos. Já o princípiode precaução significa que se há de agir antecipa<strong>da</strong>mente frente a umadupla fonte, a incerteza que é a ausência de conhecimento científico eo próprio perigo conhecido. Não é só exortação à toma<strong>da</strong> de cautela,mas significa a necessi<strong>da</strong>de de prática de ações, como, por exemplo,pesquisas ou até medi<strong>da</strong>s extremas como barreiras alfandegárias ou a30LEAVELL, H.; CLARK, E. G. Medicina Preventiva. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1976.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 41


destruição de produtos diante de ameaça de <strong>da</strong>nos sérios e irreversíveis.A prevenção está genericamente no art. 2º <strong>da</strong> Lei nº 6.939/1981, não éestática, atualiza-se constantemente. Prestigia-se a precaução quando nãose permite que o SUS propicie tratamento sem comprovação científicaestabeleci<strong>da</strong>. A obrigatorie<strong>da</strong>de de registro e aprovação de medicamentospela Anvisa é outro exemplo de aplicação do princípio. A saúde é umcampo em que o risco é onipresente. Há comportamentos e estilos devi<strong>da</strong> arriscados. Os procedimentos médicos e terapias envolvem riscos eefeitos colaterais. O princípio <strong>da</strong> precaução tem como objetivo preservaros benefícios do desenvolvimento científico, agindo antecipa<strong>da</strong>mente nosentido de assegurar a saúde pública. A OMS estabeleceu, por exemplo, ostermos do acordo Sanitário e Fitossanitário, com forte atuação do poderpúblico. 31 O exemplo mais dramático de falhas na aplicação <strong>da</strong> precauçãona liberação de medicamento foi o que passou a ser denominado deTragédia <strong>da</strong> Talidomi<strong>da</strong>, que cinquenta anos após a ocorrência motivoua edição <strong>da</strong> Lei nº 12.140, de 13.01.2010, concedendo indenização por<strong>da</strong>no moral aos vitimados pela Síndrome <strong>da</strong> Talidomi<strong>da</strong>. 32 O remédiotambém era eficiente contra enjoos <strong>da</strong> gravidez. Retira<strong>da</strong> em quatro diasapós o alerta de pesquisadores na Europa, levou quatro anos para serretirado do mercado do Brasil. A Lei nº 7.070, de 20.12.1982, concedeupensão especial às vítimas. A Lei nº 10.651/2003 controlou o seu uso.15º) Princípios geraisO artigo 200 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 elenca extenso rol decompetências atribuí<strong>da</strong>s ao SUS. De simples leitura, extrai-se a importância,a complexi<strong>da</strong>de e a diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s tarefas.No que respeita ao primeiro item, o de controlar e fiscalizar procedimentos,produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar <strong>da</strong>produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivadose outros insumos, há grande número de deveres a serem exercidos,31VENTURA, Deisy de Freitas Lima. Direito internacional. In: ARANHA, Márcio Iorio; TOJAL, SebastiãoBotto de Barros (Orgs.). Curso de Especialização a distância em Direito Sanitário para membros do MinistérioPúblico e <strong>da</strong> Magistratura <strong>Federal</strong>. Brasília-DF: Fiocruz, Universi<strong>da</strong>de de Brasília, Escola Nacionalde Saúde Pública, 2002. p. 479 et seq.32A talidomi<strong>da</strong> foi comercializa<strong>da</strong> na Alemanha em 1957. Era considera<strong>da</strong> segura, medicamento para dormir.Utilizado por mulheres grávi<strong>da</strong>s, causava focolemia (ausência ou má-formação dos membros). Nunca foiaprova<strong>da</strong> pelo FDA (Food and Drug Administration). No mundo, dez mil crianças foram afeta<strong>da</strong>s.42R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


e saliente-se que (art. 2º <strong>da</strong> Lei nº 8.080/1990, § 2º) o dever do Estadonão exclui o <strong>da</strong>s pessoas, <strong>da</strong> família, <strong>da</strong>s empresas e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Noartigo 6º <strong>da</strong> Lei nº 8.080/1990 está de forma mais detalha<strong>da</strong> o elenco deatribuições do SUS. Na questão principiológica, poderão ser extraídosprincípios referentes aos serviços de saúde suplementar, campo de atuação<strong>da</strong> Agência ANS, artigo 24 <strong>da</strong> Lei nº 8.080/1990 e princípios referentesà vigilância sanitária, campo de atuação <strong>da</strong> Anvisa.16º) O princípio <strong>da</strong> beneficênciaO princípio <strong>da</strong> beneficência, o bonum facere, primum non nocere,fun<strong>da</strong>menta-se na regra <strong>da</strong> confiança, segurança e eficácia e está inscritono artigo 1º <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, entre os princípiosfun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> República, no item IV: “promover o bem de todos [...]”sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, i<strong>da</strong>de e quaisquer outrasformas de discriminação. Também no preâmbulo <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>de 1988, ao assegurar o “bem-estar”, abriga uma “meta horizonte”.Esse princípio põe temperamentos em to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des relaciona<strong>da</strong>sao direito sanitário e é por isso de extrema importância, é outra “metahorizonte”. Difícil extrair o seu sentido, o sentido do que seria bom individuale coletivamente, mas pelo menos com certeza o princípio sugerea não maleficência, o primum non nocere. Integra o princípio a trin<strong>da</strong>debioética, juntamente com a Autonomia e a Justiça.17º) O princípio do não retrocessoO direito à saúde é um “direito fun<strong>da</strong>mental explícito”, segundo Sarlet.Não efetivado na medi<strong>da</strong> em que garantido na Carta Política, isso nãoquer dizer que possa ser diminuído, diante do princípio do não retrocesso.O aludido princípio se relaciona com a ideia de desenvolvimentosustentável, expressamente contemplado no preâmbulo e no artigo 3º <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, onde constam os objetivos fun<strong>da</strong>mentais<strong>da</strong> República, bem como com o artigo 1º, inc. III, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>de 1988 – o princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de humana. O sistema como estabelecidodirige-se a prestigiar o não retrocesso em matéria sanitária. Nãopodemos ser levados a patamares inferiores ou piores aos ora existentes.Nessa linha, poderia se dizer que não poderiam ser reduzidos os recursosdestinados à saúde, nem altera<strong>da</strong> a vinculação constitucional introduzi<strong>da</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 43


pela Emen<strong>da</strong> nº 29 que fixou recursos para o custeio dos serviços desaúde. A não atualização <strong>da</strong>s listas de medicamentos, com incorporaçãode novas terapias por longos períodos de tempo, como acabou acontecendo,significa também um retrocesso a desafiar a ve<strong>da</strong>ção, que requerimparciali<strong>da</strong>de e igual<strong>da</strong>de na distribuição de riscos e benefícios.2 O direito fun<strong>da</strong>mental à saúde: a saúde como direito de todos edever do EstadoUm apertado resumo <strong>da</strong> doutrina sobre o direito fun<strong>da</strong>mental à saúdenão se percorre sem passagem pela obra de Alexy 33 e de Sarlet, 34 no sentidode afirmar que a saúde constitui um direito humano fun<strong>da</strong>mental aser tutelado pelo Estado. O núcleo central do proclamado direito liga-seà noção de “ausência de doenças” ou à de “quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>”.Trata-se de um direito social que oferece dupla dimensão: um aspectodefensivo no sentido de não prejudicar a saúde de outros, e então temdimensão negativa, determinando um dever de respeito à saúde; e umadimensão prestacional imputando um dever, em geral ao Estado, de modoa oferecer medi<strong>da</strong>s concretas para manter ou recuperar e proteger a saúde<strong>da</strong> população. É mais no aspecto prestacional que se pressupõe ativi<strong>da</strong>despelo Estado no escopo de organização de serviços, procedimentosou fornecimento de bens materiais. O aspecto prestacional faz com queos ci<strong>da</strong>dãos se coloquem na posição de titulares de um direito subjetivo,credores de determina<strong>da</strong> prestação normativa ou material. Alexy 35insere os direitos sociais na categoria de direitos a prestação em sentidoamplo, que deman<strong>da</strong>m uma ação do Estado e poderiam ser divididosem: direitos à proteção, isto é, o Estado deve proteger o titular contraatos ou agressões à saúde por parte de terceiros; direito à organização eprocedimento; e direito à prestação em sentido estrito. O direito à saúdecomunga <strong>da</strong>s três categorias.Trata-se de um direito humano expressamente reconhecido pela DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos <strong>da</strong> Organização <strong>da</strong>s NaçõesUni<strong>da</strong>s (ONU) e está intimamente ligado ao direito à vi<strong>da</strong> e à integri<strong>da</strong>de33ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fun<strong>da</strong>mentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.34SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fun<strong>da</strong>mentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,2005.35ALEXY, op. cit.44R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


física. Para a Organização Mundial <strong>da</strong> Saúde (OMS), a saúde é o completobem-estar físico, mental e social. O conceito é vago, tratando-se, nosdizeres de Scliar, 36 de “uma imagem horizonte”, aberta, a ser persegui<strong>da</strong>em direção <strong>da</strong> idealização, não um conceito fechado e acabado.A universali<strong>da</strong>de dos direitos sociais, entre eles o direito à saúde, étambém uma característica essencial, embora historicamente tenha sidorelacionado à classe trabalhadora, como antes recor<strong>da</strong>do. Na lição deLopes, 37 os direitos sociais se realizam coletivamente, embora possamem determina<strong>da</strong>s circunstâncias ser exigidos individualmente e judicializados,mas de regra dependem para a sua exata conformação <strong>da</strong> atuaçãodo Legislativo e do Executivo para conferir aspectos normativos e meiosmateriais e suporte para a sua fruição. Assim se dá em relação à segurançapública, ao ambiente sadio, à educação e à moradia. Os direitos sociaisoferecem alguma dificul<strong>da</strong>de para ajustar-se à ideia de individualização.Na Constituição de 1988, o direito à saúde é estabelecido no artigo6º, caput, e minudenciado nos artigos 196 e seguintes, com nota de fun<strong>da</strong>mentali<strong>da</strong>de.Na lição de Sarlet, 38 a fun<strong>da</strong>mentali<strong>da</strong>de formal decorre<strong>da</strong> superior hierarquia axiológica normativa de que goza, pois normaconstitucional de previsão de limites formais e materiais à reforma constitucional<strong>da</strong> vinculativi<strong>da</strong>de aos poderes públicos e <strong>da</strong> aplicabili<strong>da</strong>deimediata pela norma do artigo 5º, § 1º, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988.A fun<strong>da</strong>mentali<strong>da</strong>de material encontra-se na relevância <strong>da</strong> saúde,como bem tutelado, por ser diretamente relacionado a direitos maiores,como o direito à vi<strong>da</strong> e à digni<strong>da</strong>de humana. Encerra em si um direitodo qual deflui um dever fun<strong>da</strong>mental, com diz expressamente o artigo196: “A saúde é dever do Estado”. Daí se pode afirmar que o direito àsaúde depende de procedimentos, suportes, estrutura, organização paraque possa ser efetivado, necessitando ademais de normas organizadorassobre os modos e a possibili<strong>da</strong>de de exercer a sua fruição.36SCLIAR, Moacir. Do mágico ao social: a trajetória <strong>da</strong> saúde pública. Porto Alegre: L&PM, 1987.37LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do judiciário no Estadosocial de direito. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo:Malheiros, 1994.38SARLET, op. cit.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 45


3 As recomen<strong>da</strong>ções do Conselho Nacional de Justiça em face <strong>da</strong>sdeman<strong>da</strong>s judiciais envolvendo a assistência à saúdeAs Recomen<strong>da</strong>ções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que apóscomentaremos, inserem-se na perspectiva assinala<strong>da</strong> pelo Ministro GilmarMendes durante a Audiência Pública nº 4, destina<strong>da</strong> aos temas desaúde pública, no sentido de que o Poder Judiciário não poderia deixarsem resposta, sem projeto, sem política institucional a questão <strong>da</strong> efetivi<strong>da</strong>dedo direito à saúde.O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criado em 31 de dezembro de2004 e instalado em 14 de julho de 2005, foi instituído em obediência aodeterminado na Constituição <strong>Federal</strong>, nos termos do artigo 103-B. Temcomo missão institucional, mediante ações de planejamento, coordenaçãoe controle administrativo, aperfeiçoar o serviço público de prestação <strong>da</strong>Justiça. A excessiva judicialização <strong>da</strong>s questões envolvendo os serviçospúblicos de saúde e a importância de tais serviços para a populaçãoexigiram uma abor<strong>da</strong>gem inovadora do Conselho Nacional de Justiça.Em 5 de março de 2009, por iniciativa do Ministro Gilmar Mendes,Presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no biênio 2008/2010,foi convoca<strong>da</strong> a Audiência Pública nº 4, cuja abertura ocorreu no dia28 de abril de 2009. Com profundo significado simbólico para o temasaúde pública, constituiu um marco para a compreensão <strong>da</strong> prática <strong>da</strong>spolíticas públicas na saúde brasileira. Extraindo efeitos concretos doselementos colhidos durante a sua realização, foi criado pela Portaria nº650/2009 do CNJ um grupo de trabalho constituído por magistrados eprofessores especialistas em direito sanitário, com a incumbência deelaborar estudos e propor medi<strong>da</strong>s concretas e normativas referentes àsdeman<strong>da</strong>s judiciais envolvendo a assistência à saúde. 3939O grupo foi integrado pelos seguintes magistrados: Manoel Ricardo Calheiros D’Ávila, Juiz <strong>da</strong> 5ª Vara <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>Pública do Estado <strong>da</strong> Bahia; Valéria Pachá Bichara, Juíza <strong>da</strong> 10ª Vara <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Pública do Estado do Rio deJaneiro; Jorge André de Carvalho Mendonça, Juiz <strong>da</strong> 5ª Vara <strong>Federal</strong> de Pernambuco; Marga Inge Barth Tessler,Desembargadora do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>; e pela especialista em direito sanitário ProfessoraAna Paula Carvalhal. Ain<strong>da</strong> pelos especialistas Janaina Lima Penalva <strong>da</strong> Silva, Dr. Ricardo Augusto Dias <strong>da</strong> Silvae, pela OAB, o Conselheiro <strong>Federal</strong> Frederico Coelho de Souza, realizando os seus trabalhos sob a presidênciado Conselheiro Milton Nobre, do Conselho Nacional de Justiça, <strong>da</strong> Comissão Permanente de RelacionamentoInstitucional e Comunicação, também integrado pelos Conselheiros Marcelo Nobre e Nelson Tomaz Braga.46R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


Tendo por referência os elementos reunidos durante a AudiênciaPública nº 4, foi apresentado Relatório conclusivo após onze reuniões.Dando prosseguimento, seguiu-se ato do Conselho Nacional de Justiça(CNJ), que teve o escopo de melhor subsidiar os magistrados e demaisoperadores do direito no sentido de assegurar maior segurança e efetivi<strong>da</strong>dena solução <strong>da</strong>s deman<strong>da</strong>s judiciais envolvendo a assistência à saúde.A Recomen<strong>da</strong>ção nº 31/2010 afirma a relevância <strong>da</strong> matéria paraa garantia de uma vi<strong>da</strong> digna à população brasileira. Nesse aspecto,vincula-se ao princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de humana e prestigiamento do constitucionalismo.40Considera as dificul<strong>da</strong>des enfrenta<strong>da</strong>s pelos magistrados, especialmenteas carências sobre informações clínicas relativas aos deman<strong>da</strong>ntes.Pondera que os medicamentos e outros insumos, para serem utilizadosno Brasil, necessitam de prévia aprovação pela Anvisa, na forma doartigo 12 <strong>da</strong> Lei nº 6.360/1973 c/c Lei nº 9.782/1999.Reafirma a importância <strong>da</strong> oitiva dos gestores públicos, bem comosobre a necessi<strong>da</strong>de de assegurar a sustentabili<strong>da</strong>de e o gerenciamentodo SUS.Atenta para a necessi<strong>da</strong>de de proteção dos doentes submetidos apesquisas experimentais.Assim, inspira<strong>da</strong> por tais considerações, recomen<strong>da</strong>:a) aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais quecelebrem convênios para assegurar apoio técnico, composto por médicose farmacêuticos, com o objetivo de auxiliar os magistrados na formaçãode um juízo de valor sobre as questões clínicas apresenta<strong>da</strong>s pelas partes.A recomen<strong>da</strong>ção assenta-se em experiência exitosa já em prática junto ao<strong>Tribunal</strong> de Justiça do Rio de Janeiro, em que a ação de espécie, antes dechegar ao despacho inicial do magistrado, recebe parecer técnico sobreo medicamento solicitado, se consta ou não dos protocolos clínicos, seé disponibilizado, constando <strong>da</strong>s listas públicas (Rename), etc.Outra experiência interessante no trato <strong>da</strong> matéria foi identifica<strong>da</strong>40NAÇÕES UNIDAS (ONU). Comentários aos princípios de Bangalore de conduta judicial. Traduzido porMarlon <strong>da</strong> Silva Maia e Ariane Emílio Kloth. Brasília: CJF, 2008, p. 76-77.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 47


em São Paulo, em que há um corpo técnico que examina as prescriçõesapresenta<strong>da</strong>s ao gestor público antes do ingresso em juízo. No caso dehaver parecer favorável pela aquisição, não há necessi<strong>da</strong>de do ingresso<strong>da</strong> ação judicial. Há uma conciliação prévia. Isso é bastante oportunoconsiderar, pois o objetivo é reduzir deman<strong>da</strong>s <strong>da</strong> espécie, e os doentesdeveriam ser atendidos sem a necessi<strong>da</strong>de de ação judicial. Trata-se deuma composição prévia.Evidenciou-se que boa parte <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des ofereci<strong>da</strong>s na apreciaçãodos pedidos reside na instrução precária <strong>da</strong>s iniciais, muitas vezes semos elementos necessários para uma boa compreensão <strong>da</strong> questão de fato,já que as peças processuais limitam-se a discorrer sobre as questões dedireito.Também na intenção de subsidiar os magistrados com informações, foielaborado um Termo de Cooperação Técnica nº 108/2009, firmado peloConselho Nacional de Justiça (CNJ) com diversas instituições públicas,com a criação de um banco de <strong>da</strong>dos a ser alimentado pelo Ministério <strong>da</strong>Saúde e disponibilizado no portal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),por meio do qual o magistrado poderá receber informações rápi<strong>da</strong>s sobremedicamentos e outras questões. Foi considerado que a operacionalizaçãodo sistema informativo deverá ser rápi<strong>da</strong>, com objetivi<strong>da</strong>de sobre omedicamento, inclusão em lista, indicações, motivos de não inclusão,ou qualquer outra informação relevante.Essas providências revelam-se necessárias, pois os magistrados nãotêm conhecimentos técnicos sobre questões médicas, sendo extremamentedifícil decidir à beira do leito, ou em situação em que se alegarisco de vi<strong>da</strong> em caso de não deferimento administrativo <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> oudo medicamento. Conceder a medicação é a solução mais fácil, nemsempre a mais acerta<strong>da</strong>. Neste passo, o Conselho Nacional de Justiçapreocupou-se em construir e oferecer “organização e procedimentos”,no sentido de que os magistrados alcancem a melhor solução, atuando deacordo com o item 6.2 dos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial,facilitando assim a execução <strong>da</strong>s responsabili<strong>da</strong>des pelos magistrados.b) aos magistrados que evitem autorizar o fornecimento de medicamentosnão registrados pela Anvisa, ou em fase experimental. É o48R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


princípio <strong>da</strong> precaução.Restou evidenciado durante a Audiência Pública nº 4 prática comercialbastante agressiva por parte de alguns produtores de medicamentosque forçam sua aceitação pelos prescritores, sem se submeter ao prévioregistro e exame pela Anvisa. Tal proceder, além de colocar em risco avi<strong>da</strong> dos pacientes, constitui afronta à lei que rege a matéria. Os medicamentose tratamentos utilizados no Brasil dependem de prévia aprovaçãopela Anvisa, na forma do artigo 12 <strong>da</strong> Lei nº 6.360/1977.c) a oitiva, quando possível, preferencialmente por meio eletrônico,dos gestores antes <strong>da</strong> apreciação de medi<strong>da</strong>s de urgência.Resultou tal recomen<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> constatação de que muitas ações poderiamser evita<strong>da</strong>s ou concilia<strong>da</strong>s por uma simples troca de informações.Os gestores públicos na saúde, de modo geral, ressentem-se e sentem--se desconsiderados em face <strong>da</strong>s deliberações judiciais, que de surpresaimpactam severamente em seus esforços gerenciais, colocando por terraa custosa e difícil organização dos serviços. A questão é crucial em casode filas para transplantes, leitos em UTI, etc.A oitiva prévia do gestor, com a devi<strong>da</strong> consideração dos esforçosgerenciais, mesmo que após contrariados, faz homenagem ao postulado<strong>da</strong> presunção de legali<strong>da</strong>de e adequação dos seus atos. A prévia oitivado gestor em certa medi<strong>da</strong> auxilia na sustentabili<strong>da</strong>de do SUS e no seugerenciamento. Alerte-se que os gestores mais solicitados ou deman<strong>da</strong>dosdeverão manter possibili<strong>da</strong>de de acesso por contato eletrônico de formarápi<strong>da</strong>, designando pessoal capacitado para fornecer informações.d) que os magistrados verifiquem junto à Comissão Nacional de Éticaem Pesquisa (CONEP) se os autores fazem ou fizeram parte de pesquisascom novos medicamentos; sendo este o caso, há obrigação ética e legalde os laboratórios atenderem os pacientes após a pesquisa, continuandoa fornecer os medicamentos.Pesquisas feitas no âmbito privado, para efeitos comerciais, não poderãoser financia<strong>da</strong>s pelo SUS.e) que, no momento de concessão de alguma providência (medicamentos,insumos, leitos) abrangi<strong>da</strong> por política pública existente, seja determina<strong>da</strong>a inscrição do beneficiário no respectivo programa. Exemplifica-seR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 49


com o caso dos diabéticos, o SUS disponibiliza todo um programa deapoio ao enfermo com educação alimentar, exercício, controle de peso,cui<strong>da</strong>dos higiênicos, etc., e não apenas insulinas. O paciente do SUSdeve submeter-se a todo o programa, pois só o medicamento não traráos benefícios esperados.Por fim, as recomen<strong>da</strong>ções constantes nas letras c e d, sinalizam paraa inclusão <strong>da</strong> temática do direito à saúde como ponto específico nos concursospara a magistratura na relação mínima de disciplinas, Resoluçãonº 75/2009-CNJ.A recomen<strong>da</strong>ção para que as escolas de magistratura oportunizemvisitas dos magistrados aos Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde,dispensário de medicamentos e hospitais públicos tem o objetivode melhor conhecer a reali<strong>da</strong>de de tais serviços, 41, 42 a exemplo do queocorre com as visitas aos presídios. Mais do que oportuna a visita, poisa providência é reclama<strong>da</strong> pelos gestores.Por último, há recomen<strong>da</strong>ção dirigi<strong>da</strong> à Escola Nacional de Formaçãoe Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e às escolas de magistraturano sentido <strong>da</strong> promoção de seminário de estudos, congregando, além dosmagistrados, os gestores públicos, defensores, procuradores e usuáriosdo Sistema SUS para um diálogo e melhor conhecimento <strong>da</strong>s reali<strong>da</strong>desenfrenta<strong>da</strong>s, o que poderá favorecer uma redução dos conflitos. Os doisúltimos aspectos estão em sintonia com os Princípios de Bangalore deConduta Judicial. 43Assim, observa-se que o Conselho Nacional de Justiça na sua missãoinstitucional está a oferecer aproximação com os atores institucionais naárea <strong>da</strong> saúde. Constrói gra<strong>da</strong>tivamente “organização e procedimentos”,que são um dever imposto às instituições públicas <strong>da</strong> área, no sentido de41GONZATTO, Marcelo. 30 horas em busca de saúde. Zero Hora, Porto Alegre, 16 jun. 2009.42TREZZI, Humberto. Avião é fretado por falta de UTI. Zero Hora, Porto Alegre, 26 maio 2010. “Meninateve de ser leva<strong>da</strong> de Alvora<strong>da</strong> para Santa Maria, onde foi interna<strong>da</strong> em hospital privado em vaga custea<strong>da</strong>pelo SUS”.43COMENTÁRIOS..., op. cit. p. 132. “6.3 Um juiz deve tomar medi<strong>da</strong>s sensatas para manter e aumentaro seu conhecimento, habili<strong>da</strong>de e quali<strong>da</strong>des pessoais necessárias para a execução apropria<strong>da</strong> dos deveresjudiciais, tomando vantagem, para esse fim, de treinamentos e outros recursos que possam estar disponí veis,sob controle judicial, para os juízes.” No comentário, o conhecimento que é exigido pode-se estender nãosomente aos aspectos <strong>da</strong> lei substantiva e processual, mas igualmente ao impacto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> real na lei e nas cortes.50R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


oferecer e tornar possível uma decisão segura pelo Juiz e a fruição portodos do direito assegurado.No contato democrático com a socie<strong>da</strong>de, procurou recolher asmúltiplas perspectivas em torno do assunto. Na área pública, procuroufazer com que o Estado tome consciência <strong>da</strong> relevância <strong>da</strong> matéria, to<strong>da</strong>siniciativas tendentes a resolver a excessiva judicialização. Construiu políticaspúblicas judiciárias, organização e procedimentos para <strong>da</strong>r plenascondições para o melhor desempenho <strong>da</strong> jurisdição. Pode-se afirmar queas recomen<strong>da</strong>ções verti<strong>da</strong>s na Recomen<strong>da</strong>ção nº 31/2010 do ConselhoNacional de Justiça constituem política pública judicial para melhor composiçãodos litígios e maior efetivi<strong>da</strong>de do direito constitucional à saúde.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 51


ciona<strong>da</strong> com a proteção judicial que o Estado, detentor do monopólio <strong>da</strong>função jurisdicional, deve oferecer aos ci<strong>da</strong>dãos. É fácil ver, pois, quenão se confundem “função” e “tutela” jurisdicional. Uma corresponde àativi<strong>da</strong>de, ao poder-dever estatal de solucionar os conflitos de interesses(litígios), e a outra, ao resultado, ao produto dessa ativi<strong>da</strong>de, consubstanciadona concreta e efetiva oferta dos bens e situações jurídicas quefavorecem o litigante vencedor na reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.A função jurisdicional de solução dos conflitos de interesses desenvolve-sede dois modos: pela via judicial adjudicatória, em que oEstado-Juiz substitui-se à vontade <strong>da</strong>s partes, em regime de monopólio,decidindo por meio de sentença, e pela via <strong>da</strong> consensual estimula<strong>da</strong>,em que o Estado-Juiz utiliza-se de mecanismos de solução consensual(conciliação, mediação ou arbitragem), incentivando as partes a umasolução autocompositiva.Cumpre lembrar que os apanágios principais que se exigem <strong>da</strong> “funçãojurisdicional” são de ordem adjetiva e substantiva. A “efetivi<strong>da</strong>deadjetiva” reside na predisposição dos meios adequados para que se alcancea tutela, e a “efetivi<strong>da</strong>de substantiva”, no concernente à obtençãodos resultados que correspon<strong>da</strong>m exatamente ao que foi prometido pelopreceito constitutivo do direito. A esses resultados, convencionou-sechamar Tutela Jurisdicional, nela compreendido, obviamente, o seu cabalexaurimento por parte do Estado-Juiz, o que somente ocorre quando éefetivamente satisfeita a pretensão resisti<strong>da</strong>, com a entrega do bem <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> objeto <strong>da</strong> lide ao vitorioso.Essa abor<strong>da</strong>gem sobre “tutela jurisdicional <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social”engloba tanto os meios processuais para a sua obtenção quanto a efetivaproteção do Estado-Juiz para o cabal exercício dos direitos <strong>da</strong> securi<strong>da</strong>desocial, vale dizer: saúde, previdência e assistência social, em face doEstado-Previdência.Trocando em miúdos, o estudo é sobre a necessi<strong>da</strong>de de otimizaçãodos meios de “proteção judicial” dos direitos sociais (fun<strong>da</strong>mentais esubjetivos) inerentes à seguri<strong>da</strong>de social.1 Tutela jurisdicional <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de na crise do welfare stateBem fixa<strong>da</strong>s essas premissas, pode-se avançar um pouco para examinara tutela jurisdicional <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social em espécie, tomando54R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


como ponto de parti<strong>da</strong> a análise <strong>da</strong> essência <strong>da</strong> formação <strong>da</strong>s decisõesjudiciais – estas que aperfeiçoam a tutela aplica<strong>da</strong> aos casos concretos.Há uma gama de vere<strong>da</strong>s que se poderia percorrer nesse desiderato de seexaminar a racionali<strong>da</strong>de do processo formativo <strong>da</strong>s decisões judiciaisna seguri<strong>da</strong>de social. Vou trilhar apenas alguns, que me parecem maisrelevantes.Na perspectiva do que a doutrina convencionou chamar de fun<strong>da</strong>mentosintrínsecos <strong>da</strong> sentença, gostaria de enfocar, brevemente, algunsaspectos que influem na decisão judicial como apanágios que se colocama serviço <strong>da</strong> efetivação dos direitos sociais fun<strong>da</strong>mentais vinculadosà seguri<strong>da</strong>de social e para a construção de uma socie<strong>da</strong>de mais justa,igualitária e fraterna.A esse propósito, devo reconhecer a existência de um certo déficitde atenção para o cenário social (irresponsabili<strong>da</strong>de social) sobre o qualincidem os efeitos <strong>da</strong>s decisões judiciais. 1Ca<strong>da</strong> decisão proferi<strong>da</strong> em matéria previdenciária e assistencial temo potencial de interferir diretamente no plano <strong>da</strong> satisfação dos direitossociais e, portanto, no contexto social, na medi<strong>da</strong> em que permite ainclusão social e o atendimento dos ideais republicanos de erradicação<strong>da</strong> pobreza e <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des sociais e <strong>da</strong> promoção do bem comum.Por isso, impõe-se ao juiz previdenciarista, a menos que duvide do seupapel de agente de transformação social, encontrar o sentido <strong>da</strong> decisãoque seja mais consentâneo com os valores que a Constituição consagraa título de direitos sociais, a que, subjetivamente, correspondem direitosfun<strong>da</strong>mentais. Seu papel no constitucionalismo moderno é de lhes <strong>da</strong>rsensibili<strong>da</strong>de social, para que passem do plano do reconhecimento parao <strong>da</strong> efetivação e deixem de ser mera manifestação de propósitos semconsequências práticas no mundo fenomênico.Sobretudo, é curial um olhar mais profundo para o contexto sociopolí-1Vide, sobre o tema, o excelente artigo de Vladimir Passos de Freitas, sob título Responsabili<strong>da</strong>de Social doJuiz e do Poder Judiciário (in Revista CEJ – Centro de Estudos Judiciários do Conselho <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>,n. 51, out./dez. 2010, p. 6-13), em que deixa assentado que “Juízes e Judiciário, como Poder de Estado, nãopodem ser insensíveis aos problemas sociais vividos por grande parte <strong>da</strong> população brasileira. No uso de suasatribuições constitucionais e legais, muito podem fazer para minimizar a situação grave que se atravessa.Assim, no exercício <strong>da</strong> jurisdição ou nas ativi<strong>da</strong>des administrativas, cumpre <strong>da</strong>r soluções que se vinculemsempre a uma ação social ativa e solidária”.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 55


tico que constitui o pano de fundo <strong>da</strong> intervenção jurisdicional no EstadoSocial Constitucional de Direito, que na<strong>da</strong> mais representa, diga-se depassagem, do que a vinculação do Estado ao compromisso de efetivaçãodos Direitos Sociais Fun<strong>da</strong>mentais de sede constitucional.E esse contexto sociopolítico nos revela um ver<strong>da</strong>deiro desastresocial. O apogeu <strong>da</strong>s ideologias neoliberais, basea<strong>da</strong>s no discurso queprivilegia o econômico em detrimento do social. O ajuste fiscal que visaa garantir o fim <strong>da</strong> inflação e a estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> faz-se à custa <strong>da</strong>spolíticas de educação, de seguri<strong>da</strong>de, de habitação, de saneamento, decultura, enfim, <strong>da</strong>s prestações do Estado que universalizam os direitosfun<strong>da</strong>mentais constitucionalmente reconhecidos. Exemplo disso são oscaóticos sistemas de saúde e de educação (ambos sucateados).O neoliberalismo, que está a impregnar a nossa políticasocioeconômica, 2 baseado na hegemonia <strong>da</strong>s políticas monetaristas, produzuma ver<strong>da</strong>deira guerra social que compromete a eficácia de direitossociais fun<strong>da</strong>mentais, a começar pelo direito a um emprego formal quepermita, depois, acesso aos direitos previdenciários. As técnicas recessivasde combate à inflação, basea<strong>da</strong>s na retira<strong>da</strong> de moe<strong>da</strong> de circulação,têm sido o fator mais importante no aumento dos índices de desemprego.Nós sabemos que a maioria <strong>da</strong> massa trabalhadora brasileira nãopossui carteira de trabalho assina<strong>da</strong>. Temos perto de 11 milhões de pessoastrabalhando na informali<strong>da</strong>de. Cerca de 50% <strong>da</strong>s pessoas em i<strong>da</strong>deeconomicamente ativa não possuem carteira assina<strong>da</strong> ou trabalham porconta própria. 3 De ca<strong>da</strong> 10 novos empregos gerados nos últimos 14 anos,2É lapi<strong>da</strong>r a lição do professor Luís Roberto Barroso: “O discurso acerca do Estado atravessou, ao longodo século XX, três fases distintas: a pré-moderni<strong>da</strong>de (ou Estado liberal), a moderni<strong>da</strong>de (ou Estado social)e a pós-moderni<strong>da</strong>de (ou Estado neoliberal). A constatação inevitável, desconcertante, é que o Brasil chegaà pós-moderni<strong>da</strong>de sem ter conseguido ser liberal nem moderno. Herdeiros de uma tradição autoritária epopulista, elitiza<strong>da</strong> e excludente, seletiva entre amigos e inimigos – e não entre certo e errado, justo ouinjusto –, mansa com os ricos e dura com os pobres, chegamos ao terceiro milênio atrasados e com pressa”(BARROSO, Luís Roberto. Fun<strong>da</strong>mentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro.Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: .Acesso em: 20 abr. 2011).3Considera-se elevado o índice de informali<strong>da</strong>de, apesar de o percentual de mulheres no mercado de trabalhoformal (que têm carteira assina<strong>da</strong>, incluindo domésticas, militares e funcionárias públicas estatutárias,são empregadoras ou trabalhadoras por conta própria que contribuíam para a previdência social) ter subidode 41,5%, em 1999, para 48,8% em 2009. Entre os homens, houve um incremento de 45,9% para 53,2%(Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Indicadores sociais 2010 . Acesso em 22 jun. 2011).56R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


7 foram informais, de acordo com <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Organização Internacional doTrabalho (OIT). Pequenas e microempresas têm 12,5% de empregadosinformais; 10,9% dos empregadores são informais (Dados do SEBRAE,set. 2010).A expectativa que se tinha do crescimento econômico era de distribuiçãoequânime de ren<strong>da</strong>, de geração de mais empregos formais, deextensão <strong>da</strong>s políticas sociais. O social, de rigor, deveria ser um desdobramentodo econômico. Mas na<strong>da</strong> disso ocorreu. A estabili<strong>da</strong>de, aocontrário, deu-se à custa do social.Os avanços do welfare state – Estado do bem-estar, conquistados aferro e fogo ao longo do século XX, consagrando direitos fun<strong>da</strong>mentaisungidos pela vontade popular, estão, pouco a pouco, sendo limitados ousuprimidos. Passaram mesmo a ser tratados como “problemas” por pressõesexternas, pelos países ricos, pelo FMI, pelo Banco Mundial: geramdéficit fiscal, causam desemprego, quebram a previdência, 4 constituempaternalismo demagógico, alimentam a preguiça, criam óbices à livreconcorrência e à competivi<strong>da</strong>de.O welfare state, embora se reconheça que há uma tendência globaliza<strong>da</strong>de redução do conjunto de benesses que os Estados oferecem conformeos seus programas sociais, tal como tem ocorrido inclusive nos paísesricos <strong>da</strong> União Europeia, continua sendo imprescindível diante dos riscos,<strong>da</strong>s incertezas e <strong>da</strong> falta de informações que tendem sempre a aumentarnas socie<strong>da</strong>des modernas, tornando essencial e indispensável a atuaçãoestatal para atender a essas contingências. Não fosse por isso, o fatosignificativo de manter economicamente ativa a mais ampla maioria <strong>da</strong>população, por si só, já constituiria motivo suficiente para a manutençãodos programas sociais que caracterizam o welfare social state.Conquanto, do ponto de vista econômico, desde o último quartel doséculo passado, países como Alemanha, França, Itália, Suécia e Inglaterratenham promovido importantes enxugamentos nos seus programas sociais,numa tentativa de a<strong>da</strong>ptação às mu<strong>da</strong>nças na conjuntura econômicamundial e aos tempos de recessão, parece manter-se intangível o espaço4Quando pela primeira vez, há mais de 30 anos, li um estudo sobre o assunto, lá estava estampado que aPrevidência Social iria quebrar. É um discurso ameaçador que constrange e inibe o aplicador do direito,mas que não tem qualquer fun<strong>da</strong>mento. Ao contrário, a Previdência Social, longe de ser deficitária, subsidiaoutros gastos públicos.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 57


eservado ao Estado do Bem-Estar Social.Assim que a questão é mesmo de a<strong>da</strong>pting, como bem refere NicholasBarr:“In the face of all these changes, the word ‘a<strong>da</strong>pting’ is key. To criticize the welfare stateas though it were set in tablets of stone is to make the same mistake as Marx’s critique ofcapitalism – it ignores the fact that both the market system and state institutions a<strong>da</strong>pt. Thewelfare state faces problems; as a result, its institutions a<strong>da</strong>pt; this does not mean that thereis a crisis. The reasons why a welfare state is necessary will not go away; its institutionsare robust and responsive; in forms that will continue to evolve, it remains a continuingtwenty-first-century challenge.” 5O <strong>da</strong>do relevante me parece ser o abismo existente entre a seguri<strong>da</strong>desocial europeia – aliás um dos pilares do Estado Europeu – e a seguri<strong>da</strong>desocial dos países em desenvolvimento como o Brasil. Lá, existe espaçosuficiente para limitações – até porque em certos aspectos algumas benessesconcedi<strong>da</strong>s pelo Estado constituem ver<strong>da</strong>deiras extravagâncias;aqui, o pouco que se conquistou e que a nossa situação econômica permiteatender não admite qualquer retrocesso ou limitação.Voltando ao tema, nesse contexto de limitação dos direitos sociais,parece que a aposta é mesmo de “entregar o social para uma grandeseguradora financeira” ou para o chamado Terceiro Setor. Quem puderpagar pelo seguro garante saúde e previdência. É a mercantilização dosdireitos sociais. O Estado somente deve intervir para garantir direitosbásicos – o que chamam de mínimo existencial – a quem comprove estarno umbral <strong>da</strong> miserabili<strong>da</strong>de. Mera filantropia.O Poder Judiciário, infelizmente, faz esse jogo de minimalismo sociale aprendeu a medir o tamanho <strong>da</strong> miserabili<strong>da</strong>de com régua milimétrica,observando os critérios apertados que o neoliberalismo dita, sempre comtendência seletiva e excludente. O que importa hoje é a racionali<strong>da</strong>deeconômica, somos homo economicus, precisamos ficar atentos às consequênciaseconômicas <strong>da</strong>s decisões judiciais, senão vamos quebrar aPrevidência Social, vamos alimentar a inflação. Ca<strong>da</strong> benefício que senega é dinheiro público que se está a economizar, afinal o Estado precisacomprar um submarino nuclear, aju<strong>da</strong>r banqueiros inescrupulososou países em dificul<strong>da</strong>de, ou ain<strong>da</strong> investir pesa<strong>da</strong>mente como agente5BARR, Nicholas. The Welfare State as Piggy Bank: Information, Risk, Uncertainty, at the Role of the State.Oxford/New York: Oxford University Press, 2003. p. 272.58R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


econômico, imiscuindo-se perigosamente na economia como se empreendedorfosse (40% <strong>da</strong>s riquezas que produzimos passam pelas mãos doEstado). O Estado está falido para o social, mas não para o econômico!Diríamos: são efeitos <strong>da</strong> globalização econômica. Isso é inevitável. 6O próprio termo globalização é algo que não está bem explicado. Alguémque não recordo disse que vai <strong>da</strong> Internet até o hambúrguer, mas nãopassa de uma expressão emprega<strong>da</strong> pelos países ricos para dissimularsuas intervenções no sentido de assumir posições privilegia<strong>da</strong>s nas economiasdos países pobres e em desenvolvimento.A globalização econômica, de que fazem parte as medi<strong>da</strong>s de ajuste<strong>da</strong> economia e desajuste do social, somente faz por exacerbar antigassituações de miséria e desigual<strong>da</strong>de a partir de uma nova pobreza causa<strong>da</strong>pelo desemprego e pela generalização <strong>da</strong>s situações de precarie<strong>da</strong>de notrabalho, aumentando o contingente <strong>da</strong>queles que se tornaram vulneráveisdo ponto de vista social pela ausência dos mecanismos de proteçãosocial; pelo desmanche ou desmonte <strong>da</strong>s políticas sociais, substituí<strong>da</strong>spor programas transitórios de combate à pobreza: fome zero, bolsa famíliaetc, que visam a apenas minimizar os efeitos dos ajustes nas classesmiseráveis.Se é ver<strong>da</strong>de que houve, nos últimos dez anos, uma sensível melhora<strong>da</strong> situação de pobreza, algo em torno de 50%, não menos ver<strong>da</strong>deé que o quadro persiste sendo muito grave. Cerca de 16,2 milhões debrasileiros continuam sendo extremamente pobres, segundo o IBGE, oque representa 8,5% <strong>da</strong> população brasileira. Desses 16,2 milhões, 4,8milhões não possuem nenhuma ren<strong>da</strong> e 11,4 milhões têm rendimentoper capita de R$ 1,00 a R$ 70,00. 76Prefiro reconhecer que são os efeitos <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> “globalização negativa”, assim descritos por Beck: “Laglobalización, entendi<strong>da</strong> en términos económicos, no sólo significa intercambio comercial y apertura delos mercados. Ocasiona también una competencia más fuerte, un ritmo más acelerado, una maior presióninnovadora; y, como consecuencia del imperativo de a<strong>da</strong>ptación global, un mayor desmantelamiento de losderechos sociales y garantias de protección” (BECK, Ulrich; BECK-GERNSHEIM, Elisabeth. GeneraciónGlobal [parte do livro Generation Global, publicado originalmente em alemão, em 2007, por Suhrkamp].Tradução de Richard Gross. Barcelona: Paidós, 2008. p. 59).7Fonte: IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise <strong>da</strong>s condições de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população brasileira2010. Dados disponíveis em: .Acesso em: 22 jun. 2011.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 59


O Brasil, segundo o Programa <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s para o Desenvolvimento– PNUD, ocupava, em 2008, a 70ª colocação no Relatóriode Desenvolvimento Humano em um renque de 179 países. O nossocoeficiente de Gini, que é o medidor <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de na distribuição deren<strong>da</strong>, está em 0,537 (quanto mais próximo de zero melhor será a distribuiçãode ren<strong>da</strong>). 8 Há, pois, uma pobreza sistêmica que assola o Brasil,seja qual for o critério que se adote para medir a pobreza (< de 1 dólardia – PNUD ou < de ¼ do salário mínimo – IBGE).Um dos efeitos negativos <strong>da</strong> globalização neoliberal é o fenômeno <strong>da</strong>desfiliação, expressão cunha<strong>da</strong> por Castel, para identificar“a presença, aparentemente ca<strong>da</strong> vez mais insistente, de indivíduos colocados em situaçãode flutuação na estrutura social e que povoam seus interstícios sem encontrar aí um lugardesignado. Silhuetas incertas, à margem do trabalho e nas fronteiras <strong>da</strong>s formas de trocasocialmente consagra<strong>da</strong>s – desempregados por períodos longos, moradores dos subúrbiospobres, beneficiários <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mínima de inserção, vítimas <strong>da</strong>s rea<strong>da</strong>ptações industriais,jovens à procura de emprego e que passam de estágio a estágio, de pequeno trabalho àocupação provisória... – quem são eles, de onde vem, como chegaram ao ponto em queestão, o que vão se tornar?” 9É óbvio que essa perversa conjuntura precisa ser considera<strong>da</strong> quandose examinam direitos previdenciários e assistenciais. O rigorismo formalque não ausculta a origem <strong>da</strong>s situações comprometedoras <strong>da</strong> sobrevivênciae <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s pessoas tende a impor ao Poder Judiciário umacerta subserviência ao neoliberalismo econômico, desvirtuado que fica oprocesso <strong>da</strong> sua função de instrumento de inclusão social, de erradicação<strong>da</strong> pobreza e <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des sociais, missões constitucionalmenteconferi<strong>da</strong>s ao Estado. 10Esse é o primeiro filtro que penso deva nortear as decisões nas deman<strong>da</strong>sde direito <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social, é o requisito intrínseco <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>dediante de uma conjuntura socioeconômica tremen<strong>da</strong>menteinjusta e excludente. É a racionali<strong>da</strong>de que projeta uma decisão o quanto8Uma socie<strong>da</strong>de com total igual<strong>da</strong>de teria um coeficiente de 0, enquanto 1 representaria a desigual<strong>da</strong>deabsoluta. Para ilustração, o Relatório de Desenvolvimento Humano 2009, <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s, traz comoindicadores mais recentes: 0,743 para a Namíbia e 0,247 para a Dinamarca.9CASTEL, Robert. As metamorfoses <strong>da</strong> questão social: uma crônica do salário. Petrópolis, Rio de Janeiro:Vozes, 1998. p. 23.10“Na aplicação <strong>da</strong> lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”(LICC, art. 5º).60R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


possível mais aderente à reali<strong>da</strong>de social.É sob esse cenário que são os juízes chamados a atuar, em que pessoassitua<strong>da</strong>s nos umbrais <strong>da</strong> pobreza e <strong>da</strong> miserabili<strong>da</strong>de nos vêm mendigarpor melhores condições de sobrevivência, porque na<strong>da</strong> mais lhes foipossível obter diante do Estado minimalista e miniaturizado. Esse é odilema que os juízes previdenciaristas têm de solver todos os dias,1 – quando precisam decidir se ¼ de salário mínimo é suficiente paraa sobrevivência de uma pessoa em uma família que cui<strong>da</strong> de um inválidoou idoso, por exemplo, e que se superar em R$ 10,00 o limite legal nãofaz jus à assistência estatal (o inválido que não se enquadra na LOAS,não podendo trabalhar – não pode ser segurado –, está fa<strong>da</strong>do à miséria);2 – quando exigem prova <strong>da</strong> relação formal de trabalho, enquantoo neoliberalismo incentiva o informalismo, fomenta o desemprego e oaumento do número de pessoas que estão vivendo abaixo <strong>da</strong> linha <strong>da</strong>pobreza;3 – quando decidem por devolver ao mercado de trabalho, com baseem uma perícia às vezes incompleta, um indivíduo que é apenas relativamenteincapaz, para competir com milhares de outros desempregadosplenamente capazes, porque a conjuntura econômica não se compadececom ações paternalistas e é impiedosa com quem não pode pagar o seguro.Hoje, a maioria dos processos tratando de seguri<strong>da</strong>de social tramita nosJuizados Especiais Federais, que foram concebidos também para invertera lógica positivista legalista de interpretar a norma sem a preocupaçãocom o exame <strong>da</strong> sua legitimi<strong>da</strong>de social e sua a<strong>da</strong>ptação para a situaçãoconcreta <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> real que está sendo trata<strong>da</strong>. Almejou-se exatamente aconcepção de um segmento do Poder Judiciário que estivesse vinculadodiretamente à efetivação dos fins <strong>da</strong> República de erradicação <strong>da</strong> pobrezae <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des sociais, e adredemente instrumentalizaram-se osjuízes com o poder de julgar por equi<strong>da</strong>de.E equi<strong>da</strong>de corresponde à mitigação <strong>da</strong> lei escrita por circunstânciasque ocorrem em relação às pessoas, às coisas, ao lugar ou aos temas.A equi<strong>da</strong>de é o resultado de uma interpretação sociológica que atendeca<strong>da</strong> vez mais às consequências prováveis de um modo de entender eaplicar um texto legal; quanto possível, busca uma conclusão benéficae compatível às ideias modernas de proteção aos hipossuficientes, defraterni<strong>da</strong>de e de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de humana.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 61


2 O princípio isonômico como instrumento de otimização <strong>da</strong> tutelajurisdicional <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de socialAssentado que o sistema legal precisa ser interpretado com filtroconstitucional, é relevante o papel do princípio isonômico, um princípioque, ao lado <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, situa-se como o mais relevante <strong>da</strong> ordemjurídica mundial. São, igual<strong>da</strong>de e liber<strong>da</strong>de, os valores fun<strong>da</strong>mentaisde qualquer democracia.Falarei de igual<strong>da</strong>de enquanto princípio do Estado Social Constitucionalde Direito, ou seja, não apenas de tratamento igual perante a lei (típicodo Estado Liberal), mas sim <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de que visa a proporcionar aosdiferentes as mesmas oportuni<strong>da</strong>des e, sobretudo, os mesmos resultados.É nessa perspectiva que a igual<strong>da</strong>de determina que haja sempre a préviaequiparação para que, depois, inci<strong>da</strong>, no processo, a regra de justiça. Natarefa <strong>da</strong> igualização, impende consultar as condições sociais, materiaise mesmo a hipossuficiência de informações, que permitam considerariguais as partes.Quando se discute a incidência <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de no trato <strong>da</strong> questãoprevidenciária e assistencial, enquanto bem social relevante e critériode aplicação <strong>da</strong> justiça distributiva, não se pode olvi<strong>da</strong>r que constituemobjetivos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> República Federativa do Brasil erradicar apobreza e a marginalização, reduzir as desigual<strong>da</strong>des sociais e regionaise promover o bem de todos sem qualquer forma de discriminação(incisos III e IV do art. 3º <strong>da</strong> CR). Esses objetivos fun<strong>da</strong>mentais devempermear as ativi<strong>da</strong>des legislativas, executivas e judiciárias e, de rigor,também to<strong>da</strong>s as relações sociais e individuais. No plano <strong>da</strong> efetivaçãodos direitos fun<strong>da</strong>mentais, constituem “man<strong>da</strong>tos constitucionais deigualização” dos desiguais.Desgraça<strong>da</strong>mente, o cenário social e político que caracteriza a naçãobrasileira é marcado por uma espécie de ética dos privilégios e desigual<strong>da</strong>des.Como bem observa Luís Roberto Barroso,“Tais desvios envolvem, em primeiro lugar, a ideologia <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de. Desigual<strong>da</strong>deeconômica, que se materializa no abismo entre os que têm e os que não têm, com a consequentedificul<strong>da</strong>de de se estabelecer um projeto comum de socie<strong>da</strong>de. Desigual<strong>da</strong>de política,que faz com que importantes opções de políticas públicas aten<strong>da</strong>m prioritariamente aossetores que detêm força eleitoral e parlamentar, mesmo quando já sejam os mais favorecidos.Desigual<strong>da</strong>de filosófica: o vício nacional de buscar o privilégio em vez do direito, aliado à62R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


incapaci<strong>da</strong>de de perceber o outro, o próximo.” 11Como bem observa José Ricardo Cunha, a dramática situação <strong>da</strong> nossadesigual<strong>da</strong>de é caracteriza<strong>da</strong> pelos seguintes aspectos:“1. é praticamente impossível para quem está em estado de pobreza absoluta mu<strong>da</strong>r asua própria situação por vias lícitas;2. a maior parte <strong>da</strong>s pessoas que está em melhor situação de vi<strong>da</strong> não consegue se colocarna situação <strong>da</strong>quelas que estão em piores condições e não possuem a mínima ideia do queé viver de forma totalmente degra<strong>da</strong>nte;3. essa desigual<strong>da</strong>de radical não diz respeito apenas à ren<strong>da</strong> e consumo, mas a todos osaspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social como acesso às belezas naturais ou produções culturais ou artísticas;4. a desigual<strong>da</strong>de radical acarreta diferentes formas de violência que se manifestamdifusamente na socie<strong>da</strong>de, mas que atingem com mais cruel<strong>da</strong>de exatamente os mais empobrecidosque são duplamente penalizados.” 12A igual<strong>da</strong>de jurídica, a igual<strong>da</strong>de perante a lei e a igual<strong>da</strong>de dosdireitos, formas tradicionais de reconhecimento do âmbito do princípioisonômico, embora inequivocamente imprescindíveis, não se revelambastantes. Não assegura a igual<strong>da</strong>de almeja<strong>da</strong> pela Constituição a meraforma de regulação geral e abstrata e de aplicação igualitária <strong>da</strong> lei. 13Outorgar o mesmo tratamento a to<strong>da</strong>s as pessoas, sem observar as distinçõesque a complexi<strong>da</strong>de social e a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> lhes impõem, étambém uma forma de violar o princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de.A igual<strong>da</strong>de, enquanto conceito relativo, exige análise e confrontação<strong>da</strong>s diferentes situações em que se encontram os diversos sujeitosde direitos. Somente com a determinação <strong>da</strong>s características essenciaisde ca<strong>da</strong> um é que se pode eleger soluções capazes de equiparar as diferentessituações, vale dizer, de corrigir as distorções e os desequilíbriosentão existentes. Idêntico fun<strong>da</strong>mento que impõe tratamento isonômicopara os que estão em situações iguais exige que se dedique tratamento11BARROSO, Luís Roberto. Fun<strong>da</strong>mentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro.Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: .Acesso em: 20 abr. 2011.12CUNHA, José Ricardo. A garantia dos direitos humanos na reconstrução do Estado de Direito: a luta contraa exclusão. In CUNHA, José Ricardo (org.). Direitos Humanos e Poder Judiciário no Brasil. Rio de Janeiro:Escola de Direito do Rio de Janeiro <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Getúlio Vargas, Centro de Justiça e Socie<strong>da</strong>de, 2009. p. 23.13Como bem refere Edgard de Moura Bittencourt, “o magistrado, doublé de sociólogo, deve antecipar-sesobre a reforma legislativa, que segue com passo coxo os progressos <strong>da</strong>s ciências humanas, e fazer exaltarde sua sentença esta grande ver<strong>da</strong>de: a uma desigual<strong>da</strong>de social deve corresponder uma desigual apreciação”(BITTENCOURT, Edgard de Moura. O juiz. São Paulo: EUD, 1982. p. 104).R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 63


diferenciado aos que se encontram em situações desiguais, como queautorizando uma espécie de “discriminação inversa”, pressuposto <strong>da</strong>“igual<strong>da</strong>de de fato”.A igualização (no sentido de corrigir desigual<strong>da</strong>des por meio dediscriminações) é, pois, o pressuposto para que se tenha a igual<strong>da</strong>de defato, vale dizer, predisposição de meios para o igualitário e efetivo gozodos direitos fun<strong>da</strong>mentais e quanto ao acesso aos bens materiais.Rui Portanova enfoca o princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de enquanto elementoativo para promover a igualização dos destinatários <strong>da</strong> norma. Segundoesse autor gaúcho,“o princípio jurídico <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de ou <strong>da</strong> isonomia é um princípio dinâmico. Melhor se diriaao denominá-lo princípio igualizador. Ou seja, não se trata de uma determinação constitucionalestática que se acomo<strong>da</strong> na fórmula abstrata ‘todos são iguais perante a lei’. Pelocontrário, a razão de existir de tal princípio é propiciar condições para que se busque realizara igualização <strong>da</strong>s condições desiguais. É que, havendo indiscutivelmente desigual<strong>da</strong>des, alei abstrata e impessoal que inci<strong>da</strong> em todos igualmente, levando em conta apenas a igual<strong>da</strong>dedos indivíduos, e não a igual<strong>da</strong>de dos grupos, acaba por gerar mais desigual<strong>da</strong>des epropiciar injustiça.” 14Para arrematar este tema, trago à colação o escólio do ilustrado colegaArtur César de Souza quando considera a pobreza como a principalbarreira externa (tendão de aquiles) <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de processual e do acessoà justiça:“O sistema, na ver<strong>da</strong>de, não funciona para ‘o homem comum’ (Gelsi Bi<strong>da</strong>rt). O ci<strong>da</strong>dão,em geral, ou bem tem uma justiça (sua defesa) de segun<strong>da</strong> categoria ou simplesmentenão conta com possibili<strong>da</strong>de de acesso à jurisdição, nem a outras opções alternativas, se éque elas efetivamente existem. Qualquer tentativa de análise do tema, pragmaticamente,demonstra que um aspecto é a possibili<strong>da</strong>de de se valer do devido processo legal adjetivopara os ricos, e outra para aquele que, de fato, envolvido em sua pobreza, quer usar a vestimentade litigante. Tudo o mais não passa de simples retórica. É por isso que se exige paraa solução dos conflitos uma urgente e desespera<strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça fun<strong>da</strong>mental e suficiente, quevá além do que atualmente se vem oferecendo, a fim de que a jurisdição seja uma ativi<strong>da</strong>deefetivamente igualitária.” 2514PORTANOVA, Rui. Os Princípios Constitucionais do Processo Civil. Revista <strong>da</strong> ESMESC, n. 06, p. 63.15SOUZA, Artur César de. A Parciali<strong>da</strong>de Positiva do Juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 214.64R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


3 A assimetria entre a teoria discursiva dos direitos fun<strong>da</strong>mentaise a sua efetivação social: o déficit de implementação <strong>da</strong>s políticaspúblicas <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de socialPara o alcance do presente exercício, vou ficar com duas posiçõescediças na dogmática jurídica.A primeira, no sentido de que o Estado, para que possa ser consideradode Direito, precisa contar (1) com um conjunto de normas garantidorasde direitos fun<strong>da</strong>mentais de natureza civil, política, econômica e sociale (2) também com um sistema efetivo de promoção e garantia dessesdireitos que possibilite o seu pleno gozo pela população. O Estado deDireito não se realiza, pois, pela mera existência de um sistema formal deregras jurídicas e pela substituição <strong>da</strong> discricionarie<strong>da</strong>de do governantepela discricionarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vontade do legislador.A segun<strong>da</strong>, a ditar que, no Estado Social Constitucional de Direito,não é a vontade do legislador que deve prevalecer para conter o arbítriodo governante, mas sim a vontade <strong>da</strong> Constituição, que se deve sobreportanto ao legislador como ao governante. Aqui, a Constituição não se limitaa fixar os parâmetros de organização jurídica e política do Estado e vaimais longe para outorgar poder normativo vinculante aos valores queestruturam a ordem social. Mesmo quando váli<strong>da</strong>, a norma que contrarievalores, princípios ou regras constitucionais perde o seu fun<strong>da</strong>mento delegitimi<strong>da</strong>de e torna-se inváli<strong>da</strong>.Há hoje um quase consenso no sentido de que os direitos sociais,antes de tudo direitos humanos, estão enquadrados na espécie dos direitosfun<strong>da</strong>mentais, conferindo, portanto, a seus titulares um feixe deposições jurídicas subjetivas em face do Estado, cujo objeto, no caso, sãoos direitos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social. Natural consequência disso é atribuir-sea vários legitimados a possibili<strong>da</strong>de de deman<strong>da</strong>rem judicialmente emdefesa de seu direito subjetivo. 16O art. 6º <strong>da</strong> CR/88 dispõe que:“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, aprevidência social, a proteção à materni<strong>da</strong>de e à infância, a assistência aos desamparados,na forma desta Constituição.”16Cf. posição defendi<strong>da</strong>, entre inúmeros outros constitucionalistas, por Gomes Canotilho, Ingo W. Sarlet,Paulo Bonavides, Gilmar Mendes, Daniel Sarmento, Dimitri Dimoulis e Jairo Schäfer.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 65


De rigor, é mais relevante do que o próprio reconhecimento dos direitosfun<strong>da</strong>mentais a disposição constitucional que confere a esses aplicabili<strong>da</strong>deimediata, dispensando interposição legislativa (§ 1º do art. 5º).Os direitos humanos e, por conseguinte, os direitos fun<strong>da</strong>mentais,ain<strong>da</strong> que não estivessem previstos na ordem jurídica nacional, poderiamser hauridos de uma normativi<strong>da</strong>de supranacional de caráter universal,que extrapola as ordens jurídicas dos Estados Sociais Democráticos deDireito. O reconhecimento dos direitos fun<strong>da</strong>mentais coloca-se hojecomo um dos pilares do que se convencionou chamar de Nova ÉticaGlobal, que não conhece limites, nem fronteiras, encontrando-se fun<strong>da</strong><strong>da</strong>nos valores <strong>da</strong> Digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Pessoa Humana, <strong>da</strong> Fraterni<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>Soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de intra e intergeracional, aperfeiçoando o Estado de DireitoSupranacional. Uma terceira mu<strong>da</strong>nça de paradigma (Estado de Direito,Estado Constitucional de Direito e Estado Supranacional de Direito), queteria a pretensão de abranger a todos, inclusive aqueles que são excluídosno sistema de direitos dos Estados Nacionais.Cito, à guisa ilustrativa, o art. 25 <strong>da</strong> Declaração Universal dos DireitosHumanos:“Todo ser humano tem direito a um padrão de vi<strong>da</strong> capaz de assegurar-lhe, e a suafamília, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cui<strong>da</strong>dos médicose os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença,invalidez, viuvez, velhice e outros casos de per<strong>da</strong> dos meios de subsistência em circunstânciasfora de seu controle.”De rigor, todos os direitos radicados no princípio vetor <strong>da</strong> Digni<strong>da</strong>de<strong>da</strong> Pessoa Humana – fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> República, conforme dispõe o incisoIII do art. 1º <strong>da</strong> CR –, sobretudo porque afetam a liber<strong>da</strong>de e a autonomiado indivíduo, ostentam a conformação de Direitos Fun<strong>da</strong>mentais de cunhoprestacional, e mais, têm sua pereni<strong>da</strong>de assegura<strong>da</strong> pelo princípio <strong>da</strong>ve<strong>da</strong>ção de retrocessos.Ao Direito <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social cumpre a tarefa árdua <strong>da</strong> disciplinado reconhecimento e <strong>da</strong> efetivação de alguns dos direitos fun<strong>da</strong>mentaissociais mais relevantes para a vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong>de: saúde, previdência e66R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


assistência social. 17 O Estado (Constitucional de Direito), 18 a partir <strong>da</strong>consagração dos direitos fun<strong>da</strong>mentais no texto <strong>da</strong> Constituição, tem odever de implementá-los pela via legislativa criando as políticas públicasnecessárias. Na sua omissão ou insuficiência, a missão é trespassa<strong>da</strong>ao Poder Judiciário. Dessarte, mesmo à míngua de previsão legal infraconstitucional,não pode o Poder Judiciário demitir-se de seu papelconstitucional de prestar a jurisdição (princípio <strong>da</strong> inafastabili<strong>da</strong>de docontrole juridiscional), incumbindo-lhe possibilitar às pessoas a fruiçãoefetiva dos referidos direitos.O Poder Judiciário desempenha o relevante papel de protagonistaativo na efetivação dos direitos fun<strong>da</strong>mentais, porque agora o problemanão é mais de reconhecimento desses direitos, mas sim prático e de suaefetivação. A jurisdição tem o compromisso constitucional de proporcionarsensibili<strong>da</strong>de social aos direitos fun<strong>da</strong>mentais. Passamos, pois, <strong>da</strong>crise de reconhecimento dos direitos para a crise de efetivi<strong>da</strong>de; já não sebusca mais o reconhecimento e a justificação dos direitos do homem, esim a sua proteção. O problema não é mais filosófico, mas sim político,como ensina Bobbio. 19Houve, no último quartel do século passado e nesse limiar do séculoXXI, um considerável avanço na teoria discursiva dos direitos fun<strong>da</strong>mentais.Podemos hoje contar com uma racionali<strong>da</strong>de teórica bem construí<strong>da</strong>e suficiente para justificar estarmos identificados com o ideáriodo Estado Social Constitucional de Direito. Dito avanço, to<strong>da</strong>via, nãose refletiu no campo social, na esfera <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de palpitante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>spessoas. É, pois, paradoxal “a prodigali<strong>da</strong>de discursiva no campo dodireito sem compromisso com o efeito transformador <strong>da</strong> base material<strong>da</strong> Constituição”. 20Como bem observa o professor Luiz Edson Fachin,17A seguri<strong>da</strong>de social compreende, consoante dispõe o art. 194 <strong>da</strong> CR, um conjunto integrado de ações deiniciativas do poder público e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, destina<strong>da</strong>s a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdênciae à assistência social.18No Estado Constitucional de Direito não é a vontade do legislador que deve prevalecer para conter oarbítrio do governante, mas sim a vontade <strong>da</strong> Constituição que deve se sobrepor tanto ao legislador comoao governante.19BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Traduzido por Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus,1992. p. 24.20FACHIN, Luiz Edson. A Constituição nossa de ca<strong>da</strong> dia. Jornal Carta Forense. Abr. 2011, p. 16.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 67


“Do descompasso entre o prodigioso discurso principiológico e a realização que o circun<strong>da</strong>,se extrai uma importante lição. Materializar a comunhão <strong>da</strong> teoria e <strong>da</strong> práxis na prospectivaefetivação de nossa Constituição é tarefa que ain<strong>da</strong> não se cumpriu.O desafio é a reconstrução <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de do discurso jurídico diante do real, <strong>da</strong>s condiçõesmateriais de vi<strong>da</strong>, sem montagens efêmeras ou capengas. Poderá vir outra linguageme outros significantes desde que essa nova genética seja realmente para construir, e nãoapenas para iludir.” 21As políticas públicas na área <strong>da</strong> saúde, por exemplo, são deficitárias.Não é preciso esforço para perceber-se que o nosso sistema de saúdeestá muito aquém do que se faz mister para a implementação do direitofun<strong>da</strong>mental à saúde <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de. O atendimento é precário, não háhospitais em número suficiente e o fornecimento de medicamentos nãoatende satisfatoriamente à deman<strong>da</strong>. No Sistema de Previdência, <strong>da</strong> mesmaforma, há uma níti<strong>da</strong> tendência de limitação de direitos. Por fim, nocampo <strong>da</strong> Assistência Social, são intermináveis as discussões judiciaissobre as mais diversas questões.Daniel Machado <strong>da</strong> Rocha resume com proprie<strong>da</strong>de o caráter deficitáriodo modelo de seguri<strong>da</strong>de social adotado pelo Brasil, in verbis:“Em resumo, as peculiari<strong>da</strong>des do nosso modelo de seguri<strong>da</strong>de social, ao contrário domodelo universalista, não permitem que to<strong>da</strong>s as situações de necessi<strong>da</strong>de social sejamampara<strong>da</strong>s. A estipulação dos condicionamentos genéricos na manutenção <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de desegurado e <strong>da</strong> carência funcionam como filtros de separação entre as situações de necessi<strong>da</strong>desocial ampara<strong>da</strong>s pelo regime previdenciário e as que não encontrarão cobertura.” 22Resultado disso é a corri<strong>da</strong> ao Poder Judiciário para que este supra asomissões do Estado, assegurando a efetiva implementação dos direitosfun<strong>da</strong>mentais correspondentes. Tem-se, então, to<strong>da</strong> sorte de discussõesem torno dos limites <strong>da</strong> atuação e sobre a legitimi<strong>da</strong>de do Poder Judiciáriopara interferir no campo <strong>da</strong>s Políticas Públicas e ain<strong>da</strong> quanto ao supostodiscricionarismo <strong>da</strong> Administração na sua implementação.Vale aqui lembrar que o Pretório Excelso, embora tenha reconhecido aexcepcionali<strong>da</strong>de, culminou por reconhecer legitimi<strong>da</strong>de ao Poder Judiciáriopara formular e implementar políticas públicas, quando os órgãosestatais competentes vierem a comprometer a eficácia e a integri<strong>da</strong>de de21Idem, ibidem.22Assistência Social como Direito Fun<strong>da</strong>mental: uma análise <strong>da</strong> evolução <strong>da</strong> concretização judicial dobenefício assistencial. Revista <strong>da</strong> Ajufergs, n. 01, mar. 2003, Porto Alegre. p. 111.68R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional,ain<strong>da</strong> que derivados de normas programáticas (ADPF nº 45).O tema é deveras polêmico, mas eu gostaria de centrar essas singelasconsiderações, a título meramente exemplificativo, na celeuma em tornodo benefício de prestação continua<strong>da</strong> assistencial.É inequívoco que o legislador, ao estabelecer os pressupostos para aconcessão do referido benefício assistencial, o fez de forma deficitária. Amá vontade do Poder Público com amparo aos necessitados ficou patentedesde o atraso na regulamentação do inciso V do art. 203 <strong>da</strong> CR/88. Somenteem 1993 veio a lume a LOAS (Lei 8.743/93). Depois, edita<strong>da</strong> a lei,apenas com a edição do Decreto nº 1.744, de 08 de dezembro de 2005,é que a concessão do benefício restou possível. Mais adiante, nova viacrucis, tanta era a renitência que uma situação ver<strong>da</strong>deiramente absur<strong>da</strong>ocorreu: nem o INSS, nem a União reconheciam sua legitimi<strong>da</strong>de pararesponder na via judicial pela concessão do benefício. Isso perdurou poralgum tempo, até que o STJ reconheceu a legitimi<strong>da</strong>de do INSS.No concernente aos requisitos, revelou-se, de plano, acintosa a ren<strong>da</strong>mensal familiar máxima exigi<strong>da</strong> para a concessão do benefício assistencial:1/4 do salário mínimo por membro. A questão foi parar no STF, que,na ADIn nº 1.232-1/DF, por maioria de votos, julgando improcedente aação, reconheceu a constitucionali<strong>da</strong>de do referido critério econômico(art. 20, § 3º, <strong>da</strong> Lei 8.742/93). Resultado: as instâncias inferiores solenementepassaram a descumprir a decisão do STF e continuaram a julgarno sentido de que a situação de miserabili<strong>da</strong>de poderia ser comprova<strong>da</strong>de outras formas, afastado, portanto, o requisito econômico objetivo.Reclamações foram ajuiza<strong>da</strong>s e o Pretório Excelso acabou mitigandosua decisão ao indeferir a maioria delas. 23 Apesar de ser elogiável aposição do Pretório Excelso ao permitir que nova composição <strong>da</strong> Cortereexamine a matéria, surgiu um outro problema muito sério: a matériaencontra-se afeta<strong>da</strong> à repercussão geral desde 08.02.2008, estando to-23Comentando a decisão do STF, Daniel Machado <strong>da</strong> Rocha assim se manifesta: “Sem medo de errar, podemosafirmar que a decisão em foco é mais um exemplo dos nocivos efeitos provocados por uma dogmáticajurídica anacrônica que, por deixar de reconhecer as diferentes posições jurídicas negativas e positivas quepodem resultar <strong>da</strong>s normas de direitos fun<strong>da</strong>mentais, sejam eles de primeira, segun<strong>da</strong> ou terceira dimensão,é incapaz de dialogar adequa<strong>da</strong>mente com o sistema jurídico e com a reali<strong>da</strong>de social por ele regula<strong>da</strong>”(Op. cit., p. 128).R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 69


dos os processos em tramitação nas instâncias inferiores sobrestados.Imagine-se a prejudiciali<strong>da</strong>de conti<strong>da</strong> nessa paralisação. É o mesmo quecongelar o direito fun<strong>da</strong>mental à assistência social e engessar o PoderJudiciário. Com certeza, o STF, sensível a esse problema, em brevedeverá pacificar a matéria.Por fim, cumpre tocar num ponto relevante. Há uma generosa parcelade contribuição que se deve creditar à baixa participação social nos processosdecisórios <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social. Os chamados espaços públicosde controle e intervenção social, tais como previstos na Constituição de1988, apesar do longo período de estabili<strong>da</strong>de democrática que atravessamos,não foram ain<strong>da</strong> adequa<strong>da</strong>mente ocupados. Por exemplo: no art.194, VII, quanto à Seguri<strong>da</strong>de Social, está previsto que ela será organiza<strong>da</strong>de forma a observar o caráter democrático e descentralizado <strong>da</strong>administração, mediante participação dos trabalhadores, empregadorese aposentados; no art. 198, II, está prevista a abertura para a participação<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de como uma <strong>da</strong>s diretrizes para a organização <strong>da</strong>s ações eserviços relativos à Saúde; no art. 204, II, está prevista a participação <strong>da</strong>população por meio de organizações representativas, na formulação <strong>da</strong>spolíticas e no controle <strong>da</strong>s ações em todos os níveis <strong>da</strong> Assistência Social.Apesar <strong>da</strong> regulamentação desses preceptivos constitucionais, osespaços democráticos não têm sido bem ocupados. Os Conselhos deParticipação Popular, as Audiências e as Conferências Públicas necessitamalcançar o interesse de todos os ci<strong>da</strong>dãos, e o diálogo democráticoprecisa livrar-se <strong>da</strong>s perversas influências econômicas e políticas. É preciso,sobretudo, levar ao conhecimento <strong>da</strong>s populações a existência deespaços reservados à sua atuação por meio de campanhas de difusão deuma nova cultura (educação popular para a democracia) de participaçãopolítica e exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.4 Reflexos <strong>da</strong> eficácia imediata dos direitos fun<strong>da</strong>mentais sociaisno processo civilConsoante dispõe o parágrafo 1º do art. 5° <strong>da</strong> CR, as normas definidorasde direitos fun<strong>da</strong>mentais têm aplicação imediata. Está, pois, assentadoque os preceitos constitucionais e também as regras consagradoras dedireitos fun<strong>da</strong>mentais de natureza material e processual não carecem deinterposição legislativa para serem implementados. Também já não se70R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


debate mais acerca <strong>da</strong> principal virtude <strong>da</strong>s normas de direitos fun<strong>da</strong>mentaisde constituírem diretivas e fontes materiais permanentes para aatuação tanto do legislador como dos aplicadores do direito, inclusos osgovernantes e o Poder Judiciário.No processo, que sempre deve ser visto como um instrumento, ummeio para a concretização dos direitos fun<strong>da</strong>mentais, nunca um óbice,um entrave, a aplicação imediata desses direitos impõe aos juízes arre<strong>da</strong>ros formalismos e suprir as deficiências e omissões porventura existentesna legislação processual para assegurar a maior efetivi<strong>da</strong>de possível noresultado a ser obtido. Se o legislador falha, o juiz precisa corrigir ea<strong>da</strong>ptar o procedimento, se o legislador é omisso, cumpre ao juiz criaro procedimento adequado para possibilitar seja a tutela jurisdicionalpresta<strong>da</strong> no caso concreto. Esse comportamento não macula o devidoprocesso legal.Mais relevante ain<strong>da</strong> é o princípio do devido processo legal substantivo,este que se coloca nas decisões judiciais como imperativo de umjulgamento justo, calcado na aplicação <strong>da</strong> lei segundo os valores eleitosna Constituição, em favor <strong>da</strong> efetivação dos direitos fun<strong>da</strong>mentaisindividuais e sociais (vi<strong>da</strong>, saúde, previdência, assistência, liber<strong>da</strong>de,patrimônio, meio ambiente etc).A doutrina moderna já trabalha com o conceito substitutivo de devidoprocesso justo (acesso à ordem jurídica justa e solidária), querendocom isso dizer que a substância deve sempre se sobrepor à forma. Nessaperspectiva, ensina Arru<strong>da</strong> Alvim,“o que conta, em última análise, não é tanto a existência de uma normativi<strong>da</strong>de completae lógica, em que todos os direitos são protegidos pela letra <strong>da</strong> lei e pelo sistema, mas tãosomente aparentemente funcional, pois, na ver<strong>da</strong>de, normativi<strong>da</strong>de jurídica, ain<strong>da</strong> queexaustiva, não é suficiente para satisfazer as aspirações sociais dos segmentos numericamentepredominantes e desprotegidos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.” 24É necessário averbar que o princípio constitucional <strong>da</strong> inafastabili<strong>da</strong>dedo controle jurisdicional e seu corolário, o direito fun<strong>da</strong>mental àefetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> tutela jurisdicional, impõem ao juiz o dever de encontrara técnica necessária e hábil para a proteção do direito material, suprindo,por assim dizer, eventual lacuna deixa<strong>da</strong> pelo legislador, de quem não24ALVIM, Arru<strong>da</strong>. Tratado de Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 33.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 71


se pode exigir uma previsibili<strong>da</strong>de completa e exauriente de técnicasprocessuais necessárias para atender às diversas situações de direitosubstancial. Assim, ao juiz, interpretando a norma processual com o filtrodo direito fun<strong>da</strong>mental à efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> tutela jurisdicional, incumbearre<strong>da</strong>r os óbices formais à efetiva e eficaz satisfação do direito violado,sem descurar, é evidente, <strong>da</strong> esfera de direitos do réu no que tange à suaampla defesa. 25Aliás, os poderes-deveres judiciais de criação e a<strong>da</strong>ptação procedimentaisestão colocados como um imperativo que tem norteado as iniciativasde reforma do CPC capitanea<strong>da</strong>s pelo Ministro Luiz Fux. Segundo se depreendede suas iniciativas, o processo civil precisa ser desburocratizado,racionalizado e informalizado. Não deve ser compreendido como um fimem si mesmo, mas sempre e apenas como um instrumento qualificadopara que a tutela jurisdicional se concretize eficiente e eficazmente. Oformalismo sempre se coloca a serviço <strong>da</strong> negativa dos direitos fun<strong>da</strong>mentais.Constitui uma retórica que visa a apenas justificar a intençãode não efetivar tais direitos.O culto ao “legalismo formalista”, que corresponde a uma ver<strong>da</strong>deiraideologia contagiosa ain<strong>da</strong> com amplo espaço dentro do Poder Judiciário,deve-se a uma complexi<strong>da</strong>de de fatores que começam na influência deuma arraiga<strong>da</strong> cultura sociofamiliar individualista e elitista, passandopela formação acadêmica anacrônica e culminando em uma espécie de“jurisprudência defensivista”, que se esforça por reduzir a deman<strong>da</strong> deprocessos a partir de teses processuais que ocupam indevi<strong>da</strong> e ostensivamenteo lugar dos julgamentos de mérito.Gostaria aqui de trazer alguns exemplos de condutas judiciais queconstituem entrave ao acesso à jurisdição. Práticas que burocratizam oajuizamento <strong>da</strong>s deman<strong>da</strong>s criando exigências que não estão previstasno próprio CPC, tais como requisitos especiais para a petição inicial,para a procuração, para realização de perícias, para o recebimento dopagamento etc, contributos indesejáveis e obstativos <strong>da</strong> efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>tutela jurisdicional <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social.A Coordenação dos JEFs <strong>da</strong> 4 a <strong>Região</strong> – Cojef constituiu, em parce-25Nesse sentido, MARINONI, Luiz Guilherme. A Legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> atuação do juiz a partir do direito fun<strong>da</strong>mentalà tutela jurisdicional efetiva. Revista <strong>da</strong> Escola Nacional <strong>da</strong> Magistratura (AMB), a. 1, n. 1, abr. 2006.72R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


ia com a Corregedoria <strong>Regional</strong>, uma comissão de magistrados para aelaboração de estudos sobre a eliminação dos formalismos inúteis nosJEFs. 26 O resultado do trabalho <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> comissão foi submetido àapreciação do Fórum Interinstitucional de Direito Previdenciário, quetive a honra de presidir nos Estados do RS, de SC e do PR. Foram,então, encampa<strong>da</strong>s as propostas <strong>da</strong> comissão e aprovados os seguintesenunciados, que trago a lume a título ilustrativo:“A comprovação documental do endereço do(a) autor(a) deve ser exigi<strong>da</strong> somentequando houver indício fun<strong>da</strong>do de inconsistência <strong>da</strong> informação constante na petição inicialou mediante impugnação do réu.A junta<strong>da</strong> de cópia integral do processo administrativo não constitui requisito indispensávelao ajuizamento <strong>da</strong> ação.Nos pleitos de benefícios por incapaci<strong>da</strong>de, não constituiu documento indispensável parao ajuizamento <strong>da</strong> ação o atestado médico atualizado, desde que a parte já tenha apresentadoo documento contemporâneo ao requerimento administrativo para comprovar a necessi<strong>da</strong>dede afastamento do trabalho.A outorga de poderes para o foro em geral e poderes específicos permite ao advogadodefender os interesses <strong>da</strong> parte em juízo, sendo desnecessário o minucioso detalhamentodo objeto <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> a ser ajuiza<strong>da</strong>.Não é exigível a apresentação de memória pormenoriza<strong>da</strong> de cálculo <strong>da</strong>s diferençaspostula<strong>da</strong>s quando <strong>da</strong> propositura <strong>da</strong> ação.A postergação <strong>da</strong> análise do pedido de antecipação de tutela e/ou medi<strong>da</strong> cautelar nãopode ser objeto de regulamentação por portaria.”5 A necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> busca incessante <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de real e <strong>da</strong>superação do formalismo positivista no processo previdenciárioAlém <strong>da</strong> exegese sociológica, e exatamente para, a partir dela, garantirque decisão seja justa e aderente à reali<strong>da</strong>de social (vi<strong>da</strong> real), faz-semister redobra<strong>da</strong> atenção para dois aspectos: (1) a busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>dereal dos fatos (a cognição quanto às questões de fato) e (2) a busca <strong>da</strong>ver<strong>da</strong>de real na aplicação do direito material (a correta aplicação dodireito previdenciário).Esse é o duplo aspecto que nos permite tocar em dois pontos cruciaisdo atual momento do direito <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social, o primeiro dizendorespeito à instrução do processo, e o segundo guar<strong>da</strong>ndo relação com a26Compuseram a comissão os juízes federais Vivian Josete Pantaleão, João Lazzari, José Savaris e EduardoPicarelli.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 73


aplicação do direito material (o momento <strong>da</strong> decisão judicial).5.1 Movimento pela superação do positivismo em busca <strong>da</strong>ver<strong>da</strong>de real – necessi<strong>da</strong>de de ativa participação do juiz nainstrução do processo – poderes (e deveres) instrutórios do juiz emmatéria de seguri<strong>da</strong>de socialPrimeiro, convém aqui identificar um ponto importante na atuaçãojurisdicional em matéria de direitos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social, uma ameaçamuito séria: a busca pela celeri<strong>da</strong>de, a ênfase no gerenciamento <strong>da</strong> vara ea obstinação pelos resultados podem conduzir a uma indeseja<strong>da</strong> posturado juiz na condução do processo, qual seja, a que diminui as chances dese perseguir a ver<strong>da</strong>de real. Uma postura volta<strong>da</strong> para a ver<strong>da</strong>de formal,algo já inaceitável no processo civil moderno e quanto mais em sede dedireito previdenciário (em que se maneja com o direito fun<strong>da</strong>mental àsubsistência digna de uma pessoa).A conjuntura atual do Poder Judiciário impõe aos juízes uma cargade trabalho demasia<strong>da</strong>mente pesa<strong>da</strong>. Cobra-lhes metas e resultados,planejamento minuto a minuto. Têm que produzir ca<strong>da</strong> vez mais emmenos tempo. São obrigados, então, a terceirizar atribuições que lhessão inerentes.É claro que o processo de terceirização <strong>da</strong> jurisdição contribui (negativamente)para que as decisões judiciais percam em quali<strong>da</strong>de. A buscado sentido humanista 27 <strong>da</strong> decisão judicial é trabalho que não pode, comtodo o respeito, ser integralmente delegado a um servidor, ain<strong>da</strong> que sejao mais qualificado. Só o juiz tem, ou deveria ter, o domínio dos requisitosimplícitos <strong>da</strong> decisão judicial. Quando o juiz se desinteressa pela sorte <strong>da</strong>spartes no processo, seja ele de que espécie for, enxergando nele apenasum número que alimenta o banco de <strong>da</strong>dos disponível em seu computadore que precisa ser eliminado com a maior brevi<strong>da</strong>de, invariavelmente asolução desse processo, essencialmente frívolo, matemático e de mera“subsunção positivista”, constituirá uma porta aberta para a injustiçasocial. Ao conduzir os processos para um julgamento tão rápido o quantopossível, o juiz corre o risco de abrir mão de perseguir a ver<strong>da</strong>de real,27Os princípios constitucionais humanistas manifestam a prevalência <strong>da</strong> pessoa e sua digni<strong>da</strong>de como centrode interpretação <strong>da</strong>s normas constitucionais. Um sentido, portanto, antropocêntrico.74R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


legitimi<strong>da</strong>de quando se satisfaz com a solução legal nem sempre justa.E a busca do justo deman<strong>da</strong>, quase que invariavelmente, a igualizaçãosubstancial <strong>da</strong>s partes. Equilibrar os ônus probatórios no processo previdenciárioé um caminho quase sempre a ser transposto e sem o qual nãose chega a uma decisão justa. Mas, infelizmente, constata-se na matériauma flagrante subutilização dos poderes instrutórios inerentes à funçãojurisdicional.A iniciativa probatória oficial coloca-se como um imperativo para aigualização <strong>da</strong>s partes no processo previdenciário. Esclarecer os fatospara encontrar a justa solução é dever do juiz, que precisa equilibrar asforças <strong>da</strong>s partes no processo, especialmente diante do profissionalismodo INSS, que é hoje, longe, o maior litigante <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> (partepassiva em 40% dos processos). O professor José Roberto dos SantosBe<strong>da</strong>que enfrenta essa questão:“Considerando que a parte ‘mais fraca’ não tem as mesmas possibili<strong>da</strong>de que a ‘maisforte’ de trazer, para os autos, as provas necessárias à demonstração de seu direito, aausência de iniciativa probatória pelo juiz corresponde a alguém assistir passivamentea um duelo entre o lobo e o cordeiro. Evidentemente, não estará atendido o princípio <strong>da</strong>igual<strong>da</strong>de substantiva que, segundo a moderna ciência processual, deve prevalecer sobrea igual<strong>da</strong>de formal. E, em razão dessa passivi<strong>da</strong>de do julgador, provavelmente se chegaráa um resultado diverso <strong>da</strong>quele pretendido pelo direito material. Ou seja, o objetivo doprocesso não será alcançado.” 29No que toca ao Direito Previdenciário, a postura do juiz é de sumaimportância. Um juiz apenas dogmático, preso às amarras de uma obrigaçãoúnica de “julgar conforme a lei”, sem a percepção de que, apesardisso, na<strong>da</strong> o impede de optar por uma interpretação mais sociológica emais justa e por uma toma<strong>da</strong> de posição mais crítica, pode significar umabarreira intransponível para os jurisdicionados e para os compromissosestatais de efetivação de direitos fun<strong>da</strong>mentais.Como bem observa Dalmo de Abreu Dallari,“Por influência do positivismo jurídico passou-se a considerar que só é ‘direito’ o que estácontido na lei. E esta, no mundo atual, é feita segundo o jogo <strong>da</strong>s forças políticas, semqualquer consideração pela reali<strong>da</strong>de social ou por aquilo que na linguagem de Montesquieu29BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes Instrutórios do Juiz. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2009. p. 104.76R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


e dos teóricos do direito natural seria ‘a natureza <strong>da</strong>s coisas’. De qualquer modo, o direitoseria sempre político, mas, a partir <strong>da</strong> concepção do Poder Legislativo como um órgão ouconjunto de órgãos em que são produzi<strong>da</strong>s as leis, essa politici<strong>da</strong>de passou a caminhar muitopróxima <strong>da</strong> natureza político-partidária. Desse modo, foi estabeleci<strong>da</strong> uma ambigui<strong>da</strong>de,pois a lei pode ser a expressão do direito autêntico, nascido <strong>da</strong>s relações sociais básicas eexpressando os valores de um grupo social, mas, geralmente, passou a expressar apenasa vontade do grupo que predomina em determinado momento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de um povo, sendomuitas vezes um instrumento de interesses individuais ou grupais contrários ao de todoo povo.” 305.2 O juiz previdenciário na aplicação do direito: o movimentopela superação do consequencialismo econômico utilitaristaEsse segundo aspecto traduz uma análise crítica <strong>da</strong> jurisprudênciaprevidenciária, isto é, <strong>da</strong> atuação do juiz enquanto aplicador do direitoprevidenciário. Aqui é indubitável a percepção de que algumas <strong>da</strong>sprincipais decisões em matéria previdenciária negaram a proteção socialporque os julgadores, em meio a uma séria e ameaçadora atmosfera deum suposto colapso na Previdência, orientaram suas decisões a partir dosefeitos que elas poderiam gerar nos orçamentos públicos.É possível identificar em algumas decisões do Poder Judiciário umacerta ética utilitarista, assim compreendi<strong>da</strong>, uma parte <strong>da</strong> ética queaprova determina<strong>da</strong> ação de acordo com suas consequências. Para oconsequencialismo, não importa a ação em si. A justiça <strong>da</strong> decisão deagir é medi<strong>da</strong> pelas consequências. No plano social, esse utilitarismo éregido pela máxima segundo a qual se deve buscar a maior felici<strong>da</strong>depara o maior número (Bentham). A ação social justa é aquela que trarácomo consequência a maximização <strong>da</strong> média de satisfação (ou felici<strong>da</strong>de,ou utili<strong>da</strong>de) quanto aos seus resultados. É ponto comum que Rawlscomprovou a desvalia <strong>da</strong> prevalência do utilitarismo, ao sustentar queo utilitarismo não leva a sério os direitos fun<strong>da</strong>mentais dos indivíduos.Dworkin chegou a escrever o “levando os direitos a sério”. A críticaprincipal era a de que, na ótica do utilitarismo, determina<strong>da</strong> políticapública seria moralmente aceita, ain<strong>da</strong> que violasse direitos fun<strong>da</strong>mentaisindividuais, se a socie<strong>da</strong>de, como um todo, obtivesse, em média,30DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. 3. ed. revista. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 59.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 77


um estado de coisas mais vantajoso. O que importa é a satisfação <strong>da</strong>maioria, em suma.Pois bem. As reformas previdenciárias opera<strong>da</strong>s nesses dez últimosanos têm, em minha maneira de ver, um forte cunho utilitarista. Nãolevaram em conta a segurança jurídica, reduziram o nível de proteçãosocial dos indivíduos, apertaram os requisitos para a concessão de benefíciosetc. O que se buscava era a proteção do maior número, isto é,partindo de uma premissa falaciosa de que a previdência social entrariaem colapso, reduziu-se o nível de benefícios de seus titulares, em nomede to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de, isto é, em nome <strong>da</strong> preservação de um seguro coletivoque é de interesse (útil) a todos desta geração e <strong>da</strong>s próximas. Amáxima satisfação para o maior número de pessoas.Não consigo ver na efetivação de direitos fun<strong>da</strong>mentais colisão entreinteresses individuais e coletivos (<strong>da</strong> maioria, segundo o raciocínio utilitarista),à míngua de um elemento de concretude. O interesse coletivocontido na contingência de recursos públicos (leia-se: economia dedinheiro público ou verbas orçamentárias) e todo o mais que inspira oraciocínio utilitarista <strong>da</strong> reserva do possível constituem presunção abstratae perspectiva, e não elemento concreto, <strong>da</strong>do real, e muitas vezesé mesmo argumento definido por uma conspiração falaciosa, a exemplodo mito <strong>da</strong> quebra <strong>da</strong> Previdência, quando é cediço que o orçamento <strong>da</strong>seguri<strong>da</strong>de social é superavitário, estando o desequilíbrio insistentementealardeado no orçamento fiscal, que consome parte substancial <strong>da</strong>quele. 31ConclusõesO que proponho?1. Que a atuação judicial, ao tutelar os direitos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social, observea variável socioeconômica do país, caracteriza<strong>da</strong> pelo aumento <strong>da</strong>ssituações de riscos e incertezas decorrentes <strong>da</strong> pobreza, <strong>da</strong> precarie<strong>da</strong>dee <strong>da</strong> informali<strong>da</strong>de nas relações de trabalho, enquanto consequências doneoliberalismo econômico, bem assim a inoportuni<strong>da</strong>de dos movimentosde retira<strong>da</strong> do Estado do setor social (desmonte do welfare state).31Conforme Nota Técnica do Sindfisco Nacional, Financiamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social: do déficit <strong>da</strong> Previdênciaao superávit <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de (Brasília-DF, Setembro de 2010, p. 16), “uma vez desfeita a lógicafinanceira e reestabelecido o equilíbrio <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, algumas políticas públicas, ain<strong>da</strong> não coloca<strong>da</strong>sem prática no Brasil, contribuiriam para maior sustentabili<strong>da</strong>de do Sistema de Seguri<strong>da</strong>de Social”.78R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


2. Que os princípios humanitários constitucionais consagradores dosvalores éticos e sociais relevantes para a socie<strong>da</strong>de se sobreponham àsregras limitadoras e constituam filtro hermenêutico inafastável quando sediscute sobre os alcances subjetivo e objetivo dos direitos fun<strong>da</strong>mentaissociais.3. A igual<strong>da</strong>de de fato como fim a ser perseguido, de modo que oprincípio igualitário seja tomado enquanto necessi<strong>da</strong>de de igualizaçãodos necessitados, e que essa premissa se reflita como pressuposto para aincidência <strong>da</strong> “regra de justiça”, possibilitando que as distorções possamser corrigi<strong>da</strong>s ou atenua<strong>da</strong>s por meio <strong>da</strong> atuação jurisdicional.4. A superação do formalismo positivista, algo que se diz faz mais de50 anos, mas que, na prática, ain<strong>da</strong> vigora, produto de uma formação basea<strong>da</strong>na tradição legalista que tivemos, ensinados a decorar textos de lei.5. Que, no trabalho de flexibilização dos requisitos legais e no juízode equi<strong>da</strong>de, o juiz deve levar em conta as consequências que, uma vezalcança<strong>da</strong>s, reforçam os fun<strong>da</strong>mentos axiológico-normativos do sistemaconstitucional <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social, em suma: as consequências humanaspara o indivíduo do problema concreto, não as consequências econômicas,de suposta utili<strong>da</strong>de para uma maioria.Se me perguntarem a que corrente do pensamento filosófico me filio,diria que ao pragmatismo jurídico, que é baseado no realismo jurídicoamericano, também conhecido como “jurisprudência sociológica”, cujaprincipal característica é o contextualismo, o que implica dizer que to<strong>da</strong>e qualquer proposição seja julga<strong>da</strong> de acordo com as necessi<strong>da</strong>des humanase sociais, e sobretudo, como diria o saudoso professor Luis AlbertoWarat, com uma boa pita<strong>da</strong> de amor.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 79


Constitucionali<strong>da</strong>de do art. 172 <strong>da</strong> Lei nº 8.112/90 –aspectos do processo administrativo disciplinarCarlos Eduardo Thompson Flores Lenz *Realmente, o art. 231 <strong>da</strong> Lei nº 1.711/52 – art. 172 <strong>da</strong> Lei nº 8.112/90– previa que o funcionário só poderia ser exonerado a pedido após a conclusãodo processo disciplinar a que respondesse e desde que reconheci<strong>da</strong>a sua inocência, o que tinha por finali<strong>da</strong>de impedir que, por meio desseexpediente, viesse o funcionário a esquivar-se ao resultado do processoadministrativo disciplinar contra ele em curso.A aplicação desse dispositivo legal jamais suscitou controvérsiasquanto à sua constitucionali<strong>da</strong>de, na lição de nossos administrativistas (J.GUIMARÃES MENEGALE, in O estatuto dos funcionários. Forense,1962, v. II, p. 670, n. 604; THEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCAN-TI, in O funcionário público e o seu regime jurídico. Rio de Janeiro:Borsoi, 1958. Tomo II. p. 307).No mesmo sentido, a lição de GUIDO ZANOBINI, in Corso di DirittoAmministrativo. 5ª ed. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1957. v. 3. p. 344-5, nº7, “c”, verbis:“1) Le demissioni sono sempre in facoltà dell’impiegato. Esse devono essere presentateper iscritto e non hanno effetto se non in seguito all’accettazione dell’amministrazione:perciò i doveri dell’impiegato persistono finchè non sia a lui comunicata detta accettazione.*Desembargador <strong>Federal</strong> do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 81


Quest’ultima può essere rifiutata o ritar<strong>da</strong>ta per motivi di servizio o quando sia in corsoprocedimento disciplinare nei riguardi dell’impiegato.”Da mesma forma, ALAIN PLANTEY, in La fonction publique: traitégénéral. Paris: Éditions Litec, 1991. p. 307, § 2, verbis:“723 – Le pouvoir disciplinaire reste cepen<strong>da</strong>nt libre d’agir à l’encontre de l’agentdémissionnaire, pour des faits antérieurs à l’acceptation et révélés après elle (C.E. deLestapis, 07.08.1945. Rec. P. 771; v. loi du 09.01.1984, art. 87), par exemple s’il a cesséde remplir ses fonctions avant que l’autorité compétente ait accepté sa démission (C.E.Jan, 15.07.1932. Rec. P. 736).”Dispõe o art. 172 <strong>da</strong> Lei nº 8.112/90, verbis:“Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado apedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento <strong>da</strong>penali<strong>da</strong>de, acaso aplica<strong>da</strong>.Parágrafo único. Ocorri<strong>da</strong> a exoneração de que trata o parágrafo único, inciso I, doart. 34, o ato será convertido em demissão, se for o caso.”Ora, se a própria aposentadoria pode ser cassa<strong>da</strong> em razão de resultadodo processo administrativo (HELY LOPES MEIRELLES, inDireito Administrativo Brasileiro, 14. ed., RT, 1989, p. 387), não há quese cogitar de inconstitucionali<strong>da</strong>de do art. 172 <strong>da</strong> Lei nº 8.112/90, queconfigura uma medi<strong>da</strong> cautelar que visa a resguar<strong>da</strong>r os interesses <strong>da</strong>Administração Pública.Dessa forma, o mencionado dispositivo legal não fere qualquer dispositivo<strong>da</strong> Carta de 1988, pelo contrário, tal norma, já tradicional noDireito Administrativo Brasileiro, é ampara<strong>da</strong> no art. 37, caput, <strong>da</strong> CF.A autori<strong>da</strong>de administrativa, ao proferir a sua decisão no processoadministrativo disciplinar, dispõe, como não poderia deixar de ser, decerto poder discricionário no exame <strong>da</strong> prova e do próprio fato imputadoao servidor.Nesse sentido, é tranquilo o entendimento <strong>da</strong> melhor doutrina, consoanteo magistério de Serge Salon, verbis:“Il est de règle que le chef de service dispose, sous le contrôle du juge, de l’entièreliberté d’apprécier si le comportement d’un subordonné est effectivement contraire à sesobligations et, s’il en est ainsi, de définir lui même l’incrimination.” (In Délinquance etrépression disciplinaires <strong>da</strong>ns la fonction publique. Paris: Libr. Générale de Droit et deJurisprudence, 1969. p. 47)82R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


Identicamente, entre outros, os seguintes autores: SANTI ROMA-NO, in Scritti Minori. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1950. v. II. p. 115, n.22; ROGER BONNARD, in Précis elémentaire de droit administratif,Recueil Sirey, 1926, p. 138.Por conseguinte, não é concebível – como muitas vezes se pretende– a substituição do critério adotado pela autori<strong>da</strong>de administrativa competentepara julgar o processo disciplinar pelo do servidor investigado,uma vez que tal poder não dispõe sequer o Poder Judiciário ao apreciar,na via judicial, decisões proferi<strong>da</strong>s em processos disciplinares, pois,caso contrário, estaria o magistrado investindo-se nas atribuições, seja<strong>da</strong> Comissão de Sindicância, seja do Administrador a quem compete ojulgamento do processo disciplinar, em clara violação ao princípio <strong>da</strong>Separação dos Poderes, insculpido no art. 2º <strong>da</strong> Magna Carta.A respeito, precioso o ensinamento de Carlos S. de Barros Jr., emconceitua<strong>da</strong> monografia, verbis:“Essa discricionarie<strong>da</strong>de do poder disciplinar, em tese de reconhecimento unânimepela doutrina, surge não só no que diz respeito à iniciativa e à atuação, como no que tangeao conceito <strong>da</strong> infração, sua apreciação e certa latitude na escolha <strong>da</strong> pena.” (In Do poderdisciplinar na administração pública. São Paulo: Rev. dos Tribs., 1972. p. 205, n. 109)Por outro lado, sob pena de violação à garantia do art. 5º, LV, <strong>da</strong> CF,a instrução do processo administrativo disciplinar deve ser realiza<strong>da</strong> nolocal onde está lotado o servidor.Ao julgar o RE nº 87.152-PB, deliberou a Suprema Corte, verbis:“Funcionário autárquico estável. Demissão fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em inquérito administrativo. Nuli<strong>da</strong>deconsequente do manifesto cerceamento de defesa quando a Constituição impõe queseja ampla. Efeitos.II. Realizado o inquérito fora <strong>da</strong> sede e em capital distante <strong>da</strong> repartição onde o servidorexercia sua ativi<strong>da</strong>de e cabia a coleta <strong>da</strong>s provas, obstando que pudesse acompanhar todos ostermos do procedimento, acarretando-lhe o cerceamento de sua defesa, invocado em vão, écerto que não pode prevalecer tal inquérito, que culminou com a aplicação <strong>da</strong> pena máxima.III. RE conhecido pela manifesta contrarie<strong>da</strong>de ao art. 189, II, <strong>da</strong> Constituição de 1946,mantido pela de 1967, no art. 103, II, e repetido na vigente, no art. 105, II, e provido.” (InRTJ 92/1.228)Em seu voto, salientou o eminente Relator, o Ministro ThompsonFlores, verbis:“(...)5. Com efeito.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 83


São fatos certos que as ocorrências que motivaram o inquérito e serviram de base àdemissão do recorrente se passaram to<strong>da</strong>s na ci<strong>da</strong>de de João Pessoa, na Delegacia <strong>Regional</strong>do IAA, chefia<strong>da</strong> então por ele.To<strong>da</strong>via, o inquérito foi instaurado na ci<strong>da</strong>de do Recife, onde funcionou a respectivaComissão, do princípio ao fim, colhendo to<strong>da</strong>s as provas.Desde o primeiro instante reclamou o recorrente, além de faltas outras que apontou,como se vê do próprio relatório <strong>da</strong> Comissão, fls. 26-8, não logrando, to<strong>da</strong>via, ser atendido.Tal proceder, como anotaram os próprios votos vencedores do aresto impugnado, importariaem virtual nuli<strong>da</strong>de pela presunção de prejuízo que causaria.Por ela não deram porque não testemunhado o mal que tivesse originado.Não tenho por fiel dita conclusão, à garantia assegura<strong>da</strong>, de forma expressa, por to<strong>da</strong>s asConstituições ao dispor, também, expressamente sobre a amplitude <strong>da</strong> defesa do indiciado.O qualificativo que aí se atribui à defesa não se concilia com a que pudesse ser produzi<strong>da</strong>pelo indiciado em outro Estado, distante <strong>da</strong> sede onde os fatos deveriam ser investigados,nota<strong>da</strong>mente o servidor que por falta de recursos não dispôs de meios para acompanharto<strong>da</strong>s as provas produzi<strong>da</strong>s, melhor instruindo seu defensor; (...)Acho que não é preciso, num caso desses, demonstrar a efetivi<strong>da</strong>de do prejuízo. Este éevidente por si mesmo. São desses fatos que a própria experiência <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> está a demonstrar,o funcionário que reside, que praticou atos em João Pessoa, ter examinados os fatos de suagestão com depoimentos e outras provas feitas em Recife, constitui forte detrimento dedefesa.” (In RTJ 92/1.233)Ademais, na composição <strong>da</strong> Comissão Disciplinar não pode figurarservidor com posição hierárquica inferior à do servidor sindicado.A matéria também já foi objeto de apreciação pelo Eg. Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong>, quando do julgamento do RE nº 75.159-BA, em que foirelator o eminente Ministro Thompson Flores, in RTJ 68/491.Em seu voto conclui o ilustre Ministro Thompson Flores, após referira tranquila jurisprudência a respeito <strong>da</strong> Suprema Corte, pela nuli<strong>da</strong>dede processo administrativo do qual participaram servidores de inferiorhierarquia à do acusado, independentemente de qualquer impugnaçãona via administrativa (In RTJ 68/493).Ora, na ordem constitucional em vigor, a Administração Pública, nostermos do art. 37 <strong>da</strong> CF/88, submete-se ao princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de, nãolhe sendo permitido a prática de atos administrativos em manifesta violaçãoà letra e ao espírito <strong>da</strong> Magna Carta, incumbindo aos seus agentesa observância estrita dos ditames <strong>da</strong> Constituição.Nesse sentido, a lição de Charles Debbasch e Marcel Pinet, verbis:“L’obligation de respecter les lois comporte pour l’administration une double exigen-84R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


ce, l’une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l’autre,positive, consiste à les appliquer, c’est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementairesou individuelles qu’implique nécessairement leur exécution.” (In Les grands textes administratifs.Paris: Sirey, 1970. p. 376)Pertinente, ain<strong>da</strong>, o ensinamento de Paul Roubier, verbis:“La non-observation des conditions de validité possées par la loi à la confection de cetacte aura pour sanction une action de nullité ou de rescision, c’est-à-dire une action quin’entrait aucunement <strong>da</strong>ns les vues de l’auter (ou des auteurs) de l’acte juridique.Ici encore cette action n’est pas fondée sur la violation d’un droit antérieur, elle estfondée sur une infraction à un devoir, le devoir d’observer les conditions légales de validitéde l’acte posées par la loi.” (in Droits subjectifs et situations juridiques. Paris: Dalloz,1963. p. 74-5)Cabe ao Poder Judiciário o exame <strong>da</strong> alega<strong>da</strong> violação ao direito asseguradopela Carta Magna, ou seja, o princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de previstono art. 37 <strong>da</strong> CF/88.A respeito, leciona Bernard Schwartz, in Commentary on theConstitution of the United States: the rights of property. New York: TheMacmillan Company, 1965. p. 2-3, verbis:“The Constitution has been construed as a living instrument intended to vest in thenation whatever authority may be appropriate to meet the exigencies of almost two centuriesof existence.To regard the Constitution solely as a grant of governmental authority is, nevertheless,to obtain but a partial and distorted view. Just as important is its function as a limitationupon such authority. As already emphasized in section 1, the American conception of aconstitution is one which is not confined to viewing such instrument as a charter fromwhich government derives the powers which enable it to function effectively. Instead, withus, the organic document is one under which governmental powers are both conferred andcircumscribed.The Constitution is thus more than a framework of government; it establishes andguarantees rights which it places beyond political abridgment. In this country, writtenconstitutions were deemed essential to protect the rights and liberties of the people againstthe encroachments of governmental power.”Da mesma forma, impõe-se recor<strong>da</strong>r a velha mas sempre nova liçãode John Randolph Tucker, em seu clássico comentário à Constituiçãonorte-americana, verbis:“All acts of every department of government, within the constitutional bounds of powers,are valid; all beyond bounds are ‘irritum et insane’ – null and void. Government, therefore,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 85


has no inherent authority, but only such as is delegated to it by its sovereign principal.Government may transcend the limits of this authority, but its act is none the less void. Itcannot, by usurpation, jurally enlarge its powers, nor by construction stretch them beyondthe prescribed limits.”(In The Constitution of the United States. Chicago: Callaghan & Co., 1899. p. 66-7, § 54)Outro não é o ensinamento de Daniel Webster, verbis:“The Constitution, again, is founded on compromise, and the most perfect and absolutegood faith, in regard to every stipulation of this kind contained in it is indispensable toits preservation. Every attempt to grasp that which is regarded as an immediate good, inviolation of these stipulations, is full of <strong>da</strong>nger to the whole Constitution.”(In The works of Daniel Webster. Boston: Little, Brown and Company, 1853. v. I. p. 331)No regime do Estado de Direito não há lugar para o arbítrio por partedos agentes <strong>da</strong> Administração Pública, pois a sua conduta perante oci<strong>da</strong>dão é regi<strong>da</strong>, única e exclusivamente, pelo princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de,insculpido no art. 37 <strong>da</strong> Magna Carta.Por conseguinte, somente a lei pode condicionar a conduta do ci<strong>da</strong>dãofrente ao poder do Estado, sendo nulo todo ato <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de administrativacontrário ou extravasante <strong>da</strong> lei, e como tal deve ser declaradopelo Poder Judiciário quando lesivo ao direito individual.Nesse sentido, também, a já cita<strong>da</strong> lição de Charles Debbasch eMarcel Pinet, verbis:“L’obligation de respecter les lois comporte pour l’administration une double exigence,l’une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l’autre,positive, consiste à les appliquer, c’est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementairesou individuelles qu’implique nécessairement leur exécution.” (In Les grands textes administratifs.Paris: Sirey, 1970. p. 376)In casu, trata-se de caso típico de exame <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ação <strong>da</strong>Administração pelo Poder Judiciário, ou seja, a existência ou não denuli<strong>da</strong>de do processo administrativo disciplinar.A respeito, anota o saudoso Min. Victor Nunes Leal, em suaobra Problemas de Direito Público. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p.264, verbis:“A ‘legali<strong>da</strong>de’ do ato administrativo compreende não só a competência para a práticado ato e as suas formali<strong>da</strong>des extrínsecas, como também os seus requisitos substanciais, osseus motivos, os seus pressupostos de direito e de fato (desde que tais elementos estejamdefinidos em lei como vinculadores do ato administrativo). Tanto é ilegal o ato que emane86R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


de autori<strong>da</strong>de incompetente, ou que não revista a forma determina<strong>da</strong> em lei, como o quese baseie num <strong>da</strong>do fato que, por lei, <strong>da</strong>ria lugar a um ato diverso do que foi praticado. Ainconformi<strong>da</strong>de do ato com os fatos que a lei declara pressupostos dele constitui ilegali<strong>da</strong>de,do mesmo modo que o constitui a forma inadequa<strong>da</strong> que o ato porventura apresente.”Impõe-se destacar, pela sua importância, expressivo voto proferidopelo eminente e saudoso Ministro Laudo de Camargo no julgamento <strong>da</strong>Apelação Cível nº 6.845, onde assinalou o ex-Presidente do Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, verbis:“Não é isenta de censuras a proposição de que o juiz só tem a ver com a existência ounão do processo administrativo, sendo-lhe defeso perquirir do que vai por seu merecimento.Não é assim. O preceito de lei não pode ser de tal modo sacrificado.Seria frustar a ação do judiciário. Ca<strong>da</strong> poder tem vi<strong>da</strong> autônoma, age com independênciae se move em esfera própria.Mas se o executivo pratica um ato, que é <strong>da</strong>do como irregular, ao interessado caberecorrer à justiça e pedir a esta que o aprecie.Na apreciação, o que se deve ter em vista é a legali<strong>da</strong>de ou não do ato incriminado.Terá ele de ser examinado pela forma com que se apresentar e pelos motivos que odeterminaram.Se houve processo e pelas provas <strong>da</strong><strong>da</strong>s na<strong>da</strong> se concluir contra o acusado e, não obstanteisso, veio ele a padecer demissão, poderá assim <strong>da</strong>r a esta como legítima, só pelo fato dedeparar com um processo?Melhor fora então que o ato demissionário não ficasse dependente de processo algum,se só pelo exterior fosse o ato julgado, contrariando o que ele contivesse.O judiciário é chamado para dizer se há ou não algo ilícito, capaz de originar reparação.Como saber se o ato foi ou não lícito sem pesar os motivos que o determinaram, nemapreciar os elementos colhidos?” (In Revista Forense, v. 78, p. 494)Ademais, na Sindicância impende ouvir o sindicado, sob pena de sercomprometido o seu direito de defesa e o próprio rumo a ser tomadopela investigação.A respeito, pertinente o magistério do Prof. Marcel Waline acerca <strong>da</strong>importância <strong>da</strong> ouvi<strong>da</strong> do servidor no processo administrativo disciplinar,bem como a sua presença na inquirição <strong>da</strong>s testemunhas, verbis:“G) La présence de l’inculpé ou de ses défenseurs n’est pas nécessaire lors de l’auditiondes témoins par l’enquêteur, pourvu que le compte rendu de cette audition lui soit communiquéen temps utile.Il est à remarquer que la solution contraire est imposée, si l’audition se fait devant leconseil de discipline lui-même, tant par le texte applicable au personnel hospitalier (arts. 43et 45 du décret du 20 mai 1955; l’arrêt le rappelle expressément), que par la jurisprudenceR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 87


applicable à l’ensemble des fonctionnaires et agents publics (15 janvier 1943, Fortuné, p.9; 30 novembre 1949, de Saint-Thibault, p. 516; 2 juin 1954, Peyrethon, p. 325).On peut se demander pourquoi le Conseil d’État n’exige pas, lorsque les témoignagessont produits devant un enquêteur unique (qui peut être, rappelons-le, l’instigateur de lapoursuite lui-même), ce qu’il exige lorsque les témoins sont entendus par tout le conseil.Sans doute a-t-il pensé (la ré<strong>da</strong>ction de l’arrêt le leisse clairement entendre) que cetteprésence n’est exigée par un texte que si les témoins sont entendus par le conseil et qu’iln’appartient pas à la jurisprudence d’étendre sans texte cette obligation. A l’objection queles droits de la défense risquent de ne pas être sauvegardés, il répond que le respect desdroits de la défense exige seulement que le rapport analysant les déclarations des témoinssoient communiqués à l’agent inculpé suffisamment tôt avant la réunion du conseil, pourqu’il puisse discuter le rapport.Cette argumentation ne nous convainc pas. S’il est permis, pour une fois, au commentateurd’évoquer un souvenir personnel - pour la première fois <strong>da</strong>ns une longue carrièred’annotateur – il nous a été donné, en 1945, de présider une commission d’épuration. Enten<strong>da</strong>ntdes témoignages accablants pour le agents poursuivis, nous avons régulièrementinvité les témoins à renouveler leurs déclarations en présence de l’‘inculpé’. Le résultat était,<strong>da</strong>ns la grande majorité des cas, une rétractation spontanée du témoignage. Aussi pensons--nous que, bien plus que l’a<strong>da</strong>ge Testis unus, testis nullus s’impose, <strong>da</strong>ns toute procédureten<strong>da</strong>nt à la recherche de la vérité sur des faits, la règle qu’un témoignage donné hors dela présence de l’inculpé est de bien peu de valeur, comparativement à un témoignage faitdevant lui. Les juges d’instruction le savent bien, qui recourent presque régulièrement àdes confrontations.Nous pensons donc que si rien n’obligeait strictement, en l’absence de textes, le Conseild’État à étendre aux témoignages recueillis par l’enquêteur, la règle de l’audition en présencede l’inculpé, que les textes n’exigent que devant le conseil de discipline lui-même, riennon plus ne l’empêchait de juger que ce caractère contradictoire de l’audition des témoinsétait seul susceptible de garantir efficacement les droits de la défense, et qu’il aurait étémieux inspiré en jugeant ainsi.Cela nous paraît d’autant plus vrai, que la jurisprudence du présent arrêt va permettrede tourner facilement la règle posée par les articles 43 et 45: il suffira de renoncer systématiquementaux auditions de témoins par le conseil de discipline et de les renvoyer à uneenquête. Ainsi, la présence obligatoire de l’agent poursuivi se trouvera-t-elle ipso factoéludée. C’est pourquoi nous regrettons cette solution.” (In Revue du Droit Public et de laScience Politique, L.G.D.J., 1964, p. 443-4)Da mesma forma, impõe-se a indicação na Portaria de instauração doprocesso disciplinar <strong>da</strong>s infrações a serem averigua<strong>da</strong>s.Não se trata de mera formali<strong>da</strong>de, mas de pressuposto essencial paraa concretização <strong>da</strong> garantia <strong>da</strong> plena defesa do acusado, insculpi<strong>da</strong> naConstituição (art. 153, § 15, <strong>da</strong> CF de 1969; art. 5º, LV, <strong>da</strong> CF de 1988).88R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


Impende, pois, que a Portaria descreva o ato ou atos a apurar, indicando--se as infrações a serem puni<strong>da</strong>s.Realmente, ao fixar o alcance do art. 5º, LV, <strong>da</strong> CF, não cabe ao intérpretedistinguir onde a lei não o faz (CARLOS MAXIMILIANO, inHermenêutica e aplicação do Direito. 6. ed. Freitas Bastos, 1957. p. 306,n. 300), nota<strong>da</strong>mente quando se trata de interpretação constitucional.A respeito, pertinente o magistério sempre autorizado de Pontes deMiran<strong>da</strong>, verbis:“Na interpretação <strong>da</strong>s regras jurídicas gerais <strong>da</strong> Constituição, deve-se procurar, deantemão, saber qual o interesse que o texto tem por fito proteger. É o ponto mais rijo, maissólido; é o conceito central, em que se há de apoiar a investigação exegética. Com isso nãose proscreve a exploração lógica. Só se tem de adotar critério de interpretação restritivaquando haja, na própria regra jurídica ou noutra, outro interesse que passe à frente. Por isso,é erro dizer-se que as regras jurídicas constitucionais se interpretam sempre com restrição.De regra, o procedimento do intérprete obedece a outras sugestões, e é acertado que seformule do seguinte modo: se há mais de uma interpretação <strong>da</strong> mesma regra jurídica insertana Constituição, tem de preferir-se aquela que lhe insufle a mais ampla extensão jurídica; eo mesmo vale dizer-se quando há mais de uma interpretação de que sejam suscetíveis duasou mais regras jurídicas considera<strong>da</strong>s em conjunto, ou de que seja suscetível proposiçãoextraí<strong>da</strong>, segundo os princípios, de duas ou mais regras. A restrição, portanto, é excepcional.”(In Comentários à Constituição de 1967 com Emen<strong>da</strong> nº 1 de 1969. 3. ed. Rio de Janeiro:Forense, 1987. Tomo I. p. 302, n. 14)Outra não é a lição de Henry Campbell Black, em obra clássica, verbis:“Where the meaning shown on the face of the words is definite and intelligible, the courtsare not at liberty to look for another meaning, even though it would seem more probable ornatural, but they must assume that the constitution means just what it says.” (In Handbookof American Constitutional Law. 2. ed. St. Paul, Minn.: West Publishing Co., 1897. p. 68)Ademais, recorde-se antigo aresto do saudoso Ministro HannemannGuimarães ao julgar o RE nº 9.189, verbis:“Não se deve, entretanto, na interpretação <strong>da</strong> lei, observar estritamente a sua letra. Amelhor interpretação, a melhor forma de interpretar a lei não é, sem dúvi<strong>da</strong>, a gramatical.A lei deve ser interpreta<strong>da</strong> pelo seu fim, pela sua finali<strong>da</strong>de. A melhor interpretação <strong>da</strong> leié, certamente, a que tem em mira o fim <strong>da</strong> lei, é a interpretação teleológica.” (In RevistaForense, v. 127/397)Ora, inobserva<strong>da</strong> tal formali<strong>da</strong>de, resta comprometi<strong>da</strong> a garantiaconstitucional prevista no art. 5º, LV, <strong>da</strong> CF/88.Ademais, a jurisprudência do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> é firmeR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 89


no sentido de que, sendo inconstitucional, a regra jurídica é nula, nãoproduzindo qualquer efeito jurídico, sendo a declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>deex tunc (in RTJ 102/671; 143/859; 146/461 e 147/985-6).A respeito, pronunciou-se o eminente Ministro Thompson Flores,quando Presidente <strong>da</strong> Suprema Corte, ao votar no julgamento <strong>da</strong> Rp. nº1.014-RJ, verbis:“A lei ou o ato atingido, porque inconstitucionais, são nulos desde o nascedouro; sãoeles, como afirmava Ruy, como se nunca tivessem existido; seu efeito dessarte, pelo nossosistema, é sempre ex tunc. E esta é a jurisprudência indiscrepante e reitera<strong>da</strong> do Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.” (in RTJ 91/776)Da mesma forma, manifesta-se a melhor doutrina, verbis:“The general rule is that an unconstitutional statute, though having the form and nameof law, is in reality no law, but is wholly void, and in legal contemplation is as inoperativeas if it had never been passed. Since an unconstitutional law is void, it imposes no dutiesand confers no power or authority on any one; it affords protection to no one, and no oneis bound to obey it, and no courts are bound to enforce it.When a judgment of any court is based on an unconstitutional law, it has been saidthat it has no legitimate basis at all, and is not to be treated as a judgement of a competenttribunal, and courts of other states are not required to give to it the full faith and creditcommanded by the provisions of the United States constitution as to the public acts recirdsand judicial proceedings of other states.” (in Constitutional Law: Ruling Case Law. Rochester,N.Y.: The Lawyers Co-operative Publishing Company, 1915. v. 6. p. 117-8, n. 117)“An unconstitutional act is not a law. It confers no rights; it imposes no duties; it affordsno protection; it creates no office. It is, in legal contemplation, as inoperative as thoughit had never been passed.” (HENRY CAMPBELL BLACK, in Handbook of AmericanConstitutional Law. 2. ed. St. Paul, Minn.: West Publishing Co., 1897. p. 66, n. 46)A respeito, ain<strong>da</strong>, deliberou o Pretório Excelso que é nulo o processoadministrativo disciplinar que omitir a substância de fato <strong>da</strong>s acusaçõesna portaria de sua instauração (RE nº 120.570-BA, rel. Min. Sepúlve<strong>da</strong>Pertence, in RTJ 138/658).No mesmo sentido, inclina-se a doutrina, consoante o magistério deCino Vitta, em obra clássica, verbis:“La giurisprudenza ha ripetutamente affermato che l’imputato deve conoscere tutti ipunti essenziali sui quali poggia l’accusa, e l’aver trascurato di notificargliene taluno èmotivo di nullità del procedimento;” (CINO VITTA, in Il potere disciplinare sugli impiegatipubblici. Milano: Società Editrice Libraria, 1913. p. 477)90Da mesma forma, entre outros, o ensinamento de MARCEL WALI-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


NE, in Traité Élémentaire de Droit Administratif. 6ª edition. Paris: Sirey,1952. p. 348, 4º, bem como o de HELY LOPES MEIRELLES, in DireitoAdministrativo Brasileiro. 14. ed. Rev. dos Tribunais, 1989. p. 591.Concluindo, podemos afirmar, com fulcro na melhor doutrina e najurisprudência: I) o art. 172 <strong>da</strong> Lei nº 8.112/90 – que corresponde aoart. 231 <strong>da</strong> Lei nº 1.711/52 – não viola qualquer dispositivo <strong>da</strong> Carta de1988; II) para resguar<strong>da</strong>r a garantia insculpi<strong>da</strong> no art. 5º, LV, <strong>da</strong> CF, aportaria que instaurar o processo administrativo disciplinar deve contertodos os fatos pelos quais é investigado o servidor; III) na composição <strong>da</strong>Comissão de Sindicância não pode figurar servidor com posição hierárquicainferior a do sindicado; IV) a instrução do processo administrativodisciplinar deve ser realiza<strong>da</strong> no local onde está lotado o servidor; V) e,finalmente, enfatizar a importância <strong>da</strong> ouvi<strong>da</strong> do servidor no processoadministrativo disciplinar, bem como a sua presença na inquirição <strong>da</strong>stestemunhas, consoante assinalado pelo Mestre Waline na lição antestranscrita. A respeito, ain<strong>da</strong>, é de todo pertinente recor<strong>da</strong>r o magistériodo saudoso Ministro Carlos Thompson Flores acerca do direito de defesano processo administrativo, expresso em palavras lapi<strong>da</strong>res, verbis:“9.2 É lamentável que a Egrégia Corte tenha procedido contra a lei, realizando o atoimpugnado, deslembra<strong>da</strong> de assegurar o direito de defesa à concorrente, máxime nas circunstânciasem que o fez. Dito direito é inato à criatura humana.O próprio Deus, o mais sábio e justo dos juízes, assim o entendeu, apesar do seu podertotal, desde o princípio do mundo. Externou-o ao ser cometido o primeiro homicídio ocorridosobre a Terra, quando Caim, levado pela inveja, matou seu irmão Abel.São palavras do Senhor, segundo a Bíblia Sagra<strong>da</strong>, Genesis, cap. 4, n. 9:‘E o Senhor disse a Caim: onde está teu irmão Abel? Ao que Caim respondeu: Eu não sei.Acaso sou eu guar<strong>da</strong> do meu irmão?’E consta do mesmo livro e capítulo, n. 10:‘Disse-lhe o Senhor: Que é o que fizeste? A voz do sangue de teu irmão clama desde aterra até mim.’E, só então, o Senhor o puniu. Não se animou, o maior Juiz, a aplicar-lhe a sanção, comoo fez, sem ouvi-lo para que se defendesse.E assim seguiu-se na marcha <strong>da</strong>s gerações.Entre nós, o direito de defesa jamais foi ignorado e deixou de ser reconhecido. Desdeo regime republicano, conforme a Constituição de 1891, resultou expresso, art. 72, § 16.Integrou ele as demais Constituições que àquela se seguiram: 1934, 1937, 1946, 1967 eEmen<strong>da</strong> nº 1/69, art. 153, § 15, em pleno vigor.9.3 Por certo os fatos mais comuns ocorrem nos procedimentos criminais. Mas sempre seR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011 91


econheceu a necessi<strong>da</strong>de de observar-se o direito de defesa nos processos administrativos,quando do seu exame se imputa falta grave ao servidor. No presente procedimento, a to<strong>da</strong>evidência, ele é de aplicar-se, uma vez que trata de processo semelhante ao qual incidemnormas decorrentes do Direito Administrativo.9.4 Cabe assinalar que, mesmo no regime revolucionário instaurado no País em 1964,os Atos Institucionais, embora sobranceiros à própria Constituição, reconheceram o direitode defesa, deixando-o expresso. Assim ocorreu com o primeiro deles, AI nº 1/64, art. 7º, §4º, com a regulamentação que lhe atribuiu o Decreto nº 53.897, de 27.04.1964, art. 5º (inR.F., v. 206/434), ao impor graves sanções.No STF concorri com meu voto para anular diversas sanções impostas com base no citadoart. 7º, § 4º. E o fun<strong>da</strong>mento central <strong>da</strong>s nuli<strong>da</strong>des dos procedimentos referidos assentou nafalta de audiência dos imputados, como o impunha a cita<strong>da</strong> legislação. Destaco de tais julgamentosos primeiros deles, publicados na R.T.J., v. 47/211; v. 50/67; e v. 53, p. 120 e 379.Inegavelmente o princípio em comentário, direito de defesa, aplica-se ao procedimentodo concurso quando, é certo, ocorre acusação sobre o concorrente já admitido em definitivo,depois de procedido o seu respectivo exame, discricionariamente, pelo <strong>Tribunal</strong>. Certo queele não vem expresso, apesar dos detalhes introduzidos na regulamentação do concurso,seja no edital, seja em leis outras a ele referentes.Dito direito, que o Padre Vieira acentuava em seus Sermões ser ‘sagrado’, está implícitona sua disciplinação, já que a Constituição sobre ele incide, projetando-se com to<strong>da</strong> a forçae intensi<strong>da</strong>de.” (In Revista de Direito Administrativo, v. 225, p. 420-5)92R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 13-92, 2011


DISCURSOS


<strong>Discurso</strong> * Marga Inge Barth Tessler **Excelentíssimo Senhor Marco Maia, Deputado <strong>Federal</strong> Presidente <strong>da</strong>Câmara dos Deputados, Excelentíssimo Senhor Carlos Henrique Kaipper,Procurador-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, representandoo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Excelentíssimo Senhor JoséFortunati, Prefeito <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de de Porto Alegre, nas pessoas de quem saúdoto<strong>da</strong>s as autori<strong>da</strong>des já nomina<strong>da</strong>s.Excelentíssima Senhora Ministra Ellen Gracie Northfleet, Ministrado Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, Excelentíssimos Senhores Ministros AriPargendler, Presidente do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, e Teori AlbinoZavascki, nossas figuras exemplares, nominando-os saúdo todos os Ministros,Desembargadores e Juízes aqui presentes.Excelentíssimo Senhor Dr. Claudio Lamachia, eminente Presidente<strong>da</strong> OAB/RS, em nome de quem saúdo todos os advogados que nos honramcom o comparecimento e que são parceiros imprescindíveis para arealização de Justiça.Excelentíssimo Senhor Dr. João Carlos de Carvalho Rocha, Procurador-Chefe<strong>da</strong> Procuradoria-Geral <strong>da</strong> República, nominando-o saúdo todosos Procuradores <strong>da</strong> República, Procuradores e Promotores presentes.*<strong>Discurso</strong> de posse na Presidência do TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> para o biênio 2011-2013, proferido na sessão solenede 20.06.2011.** Desembargadora <strong>Federal</strong> Presidente do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 95


Excelentíssimo Senhor General de Exército Carlos Bolivar Goellner,Coman<strong>da</strong>nte Militar do Sul, nomeando-o saúdo to<strong>da</strong>s as autori<strong>da</strong>desmilitares presentes.Dr. Rogério Welter, servidor do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,nominando-o saúdo todos os dedicados servidores do Judiciário<strong>Federal</strong>.Aos representantes dos meios de comunicação, agradeço a prestigiosapresença, na certeza de sermos parceiros em prol <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de deimprensa.Caros amigos, queridos familiares, a nossa escolta social em meioàs águas turbulentas do mundo líquido, do efêmero, do “ca<strong>da</strong> um porsi”, nos confortam com a sua presença. Senhores e senhoras, são todosbem-vindos e nos honram com a prestigiosa presença.Assumo a grande responsabili<strong>da</strong>de de presidir o <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong><strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, acompanha<strong>da</strong> pelos eminentes DesembargadoresLuiz Carlos de Castro Lugon, como Vice-Presidente, e Ta<strong>da</strong>aqui Hirose,no cargo de Corregedor. Nesta ocasião solene, que se repete a ca<strong>da</strong>biênio, o <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> prestigia o princípiorepublicano <strong>da</strong> temporarie<strong>da</strong>de dos man<strong>da</strong>tos.Oferecemos também um modesto exemplo <strong>da</strong> convivência e <strong>da</strong> integraçãode diferentes etnias para a construção <strong>da</strong> nacionali<strong>da</strong>de brasileira:o Desembargador Ta<strong>da</strong>aqui é filho de imigrantes japoneses e foi o primeironissei a assumir o cargo de Desembargador <strong>Federal</strong>; o DesembargadorLugon descende de imigrantes suíços trazidos ao Espírito Santo. Os meusbisavós vieram <strong>da</strong> Alemanha em 1852. Pobres todos, a história dessasfamílias se fez com trabalho árduo na agricultura familiar, um passadode privações e disciplina, tudo feito aos poucos, produto de um esforçorepetido, dia após dia, por gerações, trabalho, estudo e fé em Deus.Não é tarefa pequena a administração do <strong>Tribunal</strong>, cuja jurisdiçãoabrange três estados <strong>da</strong> federação, envolvendo 4.918 servidores, 179varas federais, 356 juízes e um orçamento de R$ 1.289.275.197,00 (umbilhão, duzentos e oitenta e nove milhões, duzentos e setenta e cincomil, cento e noventa e sete reais). Ninguém faz na<strong>da</strong> sozinho. Nestamissão tenho a felici<strong>da</strong>de de poder contar com a colaboração crítica dosdemais Desembargadores e com servidores muito preparados, alguns meacompanham de longa <strong>da</strong>ta. Vejo a caminha<strong>da</strong> que ora se inicia muito96R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


facilita<strong>da</strong> pelos seguros rumos já traçados pelas administrações precedentes.Destaco a dos Desembargadores aqui presentes: Desembargador<strong>Federal</strong> Vilson Darós (junho/2009 a junho/2011), Desembargadora <strong>Federal</strong>Silvia Goraieb (junho/2007 a junho/2009), Desembargadora <strong>Federal</strong>Maria Lúcia Luz Leiria (maio/2006 a junho/2007), Desembargador<strong>Federal</strong> Nylson Paim de Abreu (junho/2005 a maio/2006 e 12/05/2003a 23/06/2003), Desembargador <strong>Federal</strong> Vladimir Passos de Freitas (junho/2003a junho/2005), Ministro Teori Albino Zavascki (junho/2001a maio/2003), Desembargador <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> Rosa (junho/1999a junho/2001), Ministra Ellen Gracie Northfleet (junho/1997a junho/1999), Desembargador <strong>Federal</strong> Pedro Máximo Paim Falcão(junho/1995 a junho/1997), Ministro Gilson Langaro Dipp (junho/1993a junho/1995). Distingo o excelente trabalho realizado pelo estimadocontemporâneo de Facul<strong>da</strong>de e colega do Banco Central, DesembargadorVilson Darós, e por sua equipe, no último biênio. Darei continui<strong>da</strong>de àsrotas inicia<strong>da</strong>s, cumprindo e prestigiando a orientação <strong>da</strong> Resolução nº70/2009 do Conselho Nacional de Justiça, que realçou a necessi<strong>da</strong>de de<strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de administrativa aos tribunais. Agradeço ao estimadoDesembargador Darós pela disponibili<strong>da</strong>de no encaminhamento <strong>da</strong>transição e registro o dinamismo de sua gestão.Envi<strong>da</strong>rei esforços para garantir à socie<strong>da</strong>de uma prestação jurisdicionalrápi<strong>da</strong>, acessível e efetiva, comprometi<strong>da</strong> com a ética, a atençãoao ser humano, a transparência, o respeito ao bem comum e a inovação.Há caminhos sem volta, não é mais possível em muitos aspectosretroceder. Como gestora de tão significativo patrimônio institucional,social e histórico, assumo o compromisso de prestigiar em minhas açõesos princípios vetores <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 e os do artigo 37,quais sejam: a legali<strong>da</strong>de, a impessoali<strong>da</strong>de, a morali<strong>da</strong>de, a publici<strong>da</strong>dee a eficiência, bem como o de cumprir e manter alinha<strong>da</strong> a instituição àspolíticas judiciárias do Conselho Nacional de Justiça, com disponibili<strong>da</strong>depara colaborar em to<strong>da</strong>s as suas iniciativas.Não é demasia ressaltar o trabalho inovador e moralizador já realizadopelo Conselho Nacional de Justiça por suas sucessivas presidências ecorregedorias. Afirmo a importância de se manter a sua atual configuração,sem alterações que o enfraqueçam ou deslegitimem.Assumo o compromisso de trabalhar em prol <strong>da</strong> manutenção <strong>da</strong> ima-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 97


gem positiva desta Casa de Justiça, aprofun<strong>da</strong>r esforços em direção <strong>da</strong>celeri<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> acessibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prestação jurisdicional. Aperfeiçoar oque for possível e ajustar quando necessário. Administrar não é reformar,nem imprimir marcas personalíssimas a uma gestão. O <strong>Tribunal</strong> não éuma “donna mobile”, como pluma ao vento. O administrador <strong>da</strong> coisapública não é estilista de mo<strong>da</strong> com repulsa ao que foi realizado nobiênio precedente. Deve inovar em alguns aspectos, introduzir os avançostecnológicos. Esgota-se a possibili<strong>da</strong>de de fazer “mais do mesmo”,como já asseverou a Ministra Ellen, sendo que, com certeza, teremosque fazer “mais com menos”. Não é possível atribuir aos outros Poderesos problemas do Judiciário, mas assumir responsabili<strong>da</strong>de própria nabusca de soluções.Procurarei exercer gestão compartilha<strong>da</strong> e harmônica, estabelecendorelações cooperativas com os demais segmentos do Poder Judiciário, comas associações de classe, com os magistrados diretores de foro, juízese advogados, certa de que todos compreendem a eleva<strong>da</strong> missão que éadministrar a Justiça.Agradecemos os discursos estimuladores dos eminentes Dr. JoãoCarlos de Carvalho Rocha e Dr. Claudio Lamachia.Agradecemos as palavras elogiosas a nós dirigi<strong>da</strong>s pelo Desembargador<strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Ressalto queneste ano de 2011 é festejado o centenário de nascimento do MinistroCarlos Thompson Flores, que tantas e exemplares lições legou à magistraturabrasileira, exemplo de vi<strong>da</strong> para todos os juízes. Segue o ilustreDesembargador os passos <strong>da</strong> figura avoenga. Parafraseando os versosde Rainer Maria Rilke, “Gesammelte geschichte”, “(...) porém, o neto émais, é tudo aquilo que o avô foi e aquele que ele não foi faz-se grandenele, ele é o futuro e o retorno (...)”.A Justiça é construí<strong>da</strong> com concórdia e confiança. É a confiança dopúblico na independência <strong>da</strong>s cortes, na integri<strong>da</strong>de de seus juízes e naimparciali<strong>da</strong>de e eficiência de seus processos que sustenta o sistemajudiciário de um país e a própria democracia.Permitam-me concluir com a lembrança de que este momento etambém o biênio <strong>da</strong> presidência são fugazes como as flores que ornamesta mesa. Na<strong>da</strong>, na<strong>da</strong> será possível vencer sem o amor e o estímulodos nossos cônjuges e filhos, <strong>da</strong> nossa família. Então, Maria Izabel,98R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


Guilherme e Louise, esposa e filhos do Desembargador Ta<strong>da</strong>aqui; ElianeMaria, Rogério, Antônio, Lair e Dora, esposa e filhos do DesembargadorLugon; e o meu querido Breno, Débora, Daniel, Rubem e Ingrid, esposo,filhos, irmão e sobrinha; obrigado por existirem em nossas vi<strong>da</strong>s e nosacompanharem neste significativo momento.Agradeço a todos pela honrosa presença.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 99


<strong>Discurso</strong> * Vilson Darós **Autori<strong>da</strong>des que compõem a mesa de honra, autori<strong>da</strong>des aqui presentes,Ministros do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> e do Superior <strong>Tribunal</strong> deJustiça, Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, Presidentes dosTribunais de Justiça, Presidentes dos Tribunais do Trabalho, eminentesMagistrados membros desta Corte, Magistrados, servidores, senhoras esenhores:Cheguei a esta Corte de espírito aberto e amistoso, conduzido pelovoto dos insignes membros deste Plenário e solicitando o auxílio <strong>da</strong>experiência vivi<strong>da</strong> pelos eminentes colegas que me precederam.Com todos muito aprendi.Transcorridos dois anos, é chegado o momento de transmitir o cargoà minha eminente sucessora, Desembargadora Marga Inge Barth Tessler.Ao longo <strong>da</strong> caminha<strong>da</strong> como Presidente, tive como foco a agili<strong>da</strong>de,a quali<strong>da</strong>de e a eficiência <strong>da</strong> prestação jurisdicional para alcançar anecessária efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s decisões.Para atingir tal propósito, busquei <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de às ações positivasque já vinham sendo desenvolvi<strong>da</strong>s no <strong>Tribunal</strong>, acrescentando outras,fixando metas e estabelecendo indicadores. Priorizei a informatizaçãocom o desenvolvimento e a implantação dos processos eletrônicos ju-*<strong>Discurso</strong> de despedi<strong>da</strong> <strong>da</strong> Presidência do TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, proferido em 20.06.2011.** Desembargador <strong>Federal</strong> do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 101


dicial e administrativo em to<strong>da</strong> a <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, que restaram consoli<strong>da</strong>dos,tornando-se a marca <strong>da</strong> gestão que ora se encerra.Os sistemas desenvolvidos foram denominados e-Proc v2 e SEI –Sistema Eletrônico de Informações – os quais estão em plena utilizaçãoem to<strong>da</strong> a <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, permitindo uma efetiva gestão do conhecimento,redun<strong>da</strong>ndo em decisões mais ágeis e qualifica<strong>da</strong>s dos administradores edos julgadores. Com a mu<strong>da</strong>nça oriun<strong>da</strong> dessa implantação, que se deude forma rápi<strong>da</strong>, muito se ganhou, não só em termos de organização eagilização dos processos judiciais e administrativos, mas, também, napreservação ambiental.Devo registrar, ain<strong>da</strong>, que o sucesso <strong>da</strong> implantação desses sistemasinovadores deu-se por meio de muitas ações que foram concretiza<strong>da</strong>s,envolvendo tarefas por vezes árduas, mas que sempre contaram com ocomprometimento dos magistrados, dos servidores, dos operadores doDireito e de to<strong>da</strong>s as uni<strong>da</strong>des organizacionais.Além <strong>da</strong> informatização, outros procedimentos colaboraram paraagilizar a jurisdição, como a conciliação, que proporciona a resoluçãode conflitos e a redução do passivo, por meio <strong>da</strong> realização do maiornúmero de acordos no menor espaço de tempo e com o menor gasto derecursos públicos. Essa experiência exitosa foi leva<strong>da</strong> ao interior com ainstalação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.Acrescente-se, ain<strong>da</strong>, a realização, nas três Seções Judiciárias, de FórunsPrevidenciários, que tiveram por finali<strong>da</strong>de ampliar a discussão sobreo aperfeiçoamento de práticas e procedimentos nas deman<strong>da</strong>s previdenciárias<strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, facilitando a interlocução efomentando a colaboração entre as partes envolvi<strong>da</strong>s, com vista a umamais ágil e eficiente prestação jurisdicional.Implantou-se o Planejamento Estratégico <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, alinhado ao<strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> e ao do próprio Judiciário Brasileiro, capitaneadospelo CJF e pelo CNJ, respectivamente.Tivemos, ain<strong>da</strong>, a revitalização <strong>da</strong> Ouvidoria, que passou a ter umtratamento institucional único na <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, com controle estatístico<strong>da</strong>s deman<strong>da</strong>s formula<strong>da</strong>s, disponibilização dos <strong>da</strong>dos em tempo real,informações interativas e geração de gráficos.Foram instala<strong>da</strong>s sete novas Varas Federais, sendo a de Guaíra, noParaná, e as de Capão <strong>da</strong> Canoa e Gravataí, no Rio Grande do Sul,102R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


em locali<strong>da</strong>des onde não havia ain<strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>, e acrescentou-seem Porto Alegre e Canoas, no Rio Grande do Sul, em Foz do Iguaçu,no Paraná, e em Itajaí, em Santa Catarina, consoli<strong>da</strong>ndo ain<strong>da</strong> mais ainteriorização <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> no âmbito <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>. Além disso,instalaram-se JEFAs em Ibaiti, Paraná, e em Ijuí, Rio Grande do Sul, eestão adianta<strong>da</strong>s as tratativas para implantar em São Borja, Alegrete, SãoGabriel, Jaguarão, Sole<strong>da</strong>de e Marau, com o objetivo de <strong>da</strong>r melhor emais fácil acesso à Justiça, especialmente nas questões previdenciárias.Os Juizados Especiais Federais mereceram uma atenção especial,privilegiando-se as Turmas Recursais, com a instalação de mais quatro,o que totalizou dez na <strong>Região</strong>, sendo quatro no Rio Grande do Sul, trêsem Santa Catarina e três no Paraná, além de lhes <strong>da</strong>r uma relativa estruturafuncional.Como ocorreu nas gestões anteriores, neste biênio deu-se ênfase aoaperfeiçoamento de magistrados e servidores, com inúmeras ativi<strong>da</strong>desdesenvolvi<strong>da</strong>s pela Escola <strong>da</strong> Magistratura – Emagis e pela Diretoria deRecursos Humanos, respectivamente, destacando o II Seminário Brasil– Alemanha e os projetos Gentileza gera Gentileza e Gestão em Tela.O <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, ao longo de sua história,não tem medido esforços para atingir suas metas e manter o alto conceitoalcançado. A Administração que ora se despede procurou manter esse patamarnum trabalho conjunto, <strong>Tribunal</strong> e Seções Judiciárias, magistradose servidores, e, para mim, foi muito honroso ter feito parte dessa história.O momento, então, é de agradecer e a muitos tenho de fazê-lo.Em primeiro lugar, agradeço a Deus, por ter me <strong>da</strong>do vi<strong>da</strong>, saúdee vontade de fazer; agradeço, do fundo de meu coração, à Cláudia, àsminhas filhas, aos meus netos e familiares, pelo suporte que me deramao longo desse período que ensejou tantos afastamentos. Vocês foram omeu sustentáculo.Agradeço a meus pares pela confiança, pelo apoio, pelos valiososconselhos e pela contribuição na solução <strong>da</strong>s questões que surgiram aolongo desses dois anos.Ao Colendo Conselho de Administração, composto pelos DesembargadoresÉlcio Pinheiro de Castro, Vice-Presidente; Luiz Carlos deCastro Lugon, Corregedor <strong>Regional</strong>; Thompson Flores, Néfi Cordeiroe os suplentes Otávio Roberto Pamplona e Joel Paciornik, parabenizoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 103


pela celeri<strong>da</strong>de na solução <strong>da</strong>s deman<strong>da</strong>s apresenta<strong>da</strong>s ao Colegiado,agradecendo também pelo convívio enriquecedor.Ao Vice-Presidente, Desembargador <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro,agradeço por ter sido um companheiro incansável, com quem pude contarem to<strong>da</strong>s as horas, e por sua dedicação na condução <strong>da</strong> Comissão queelaborou o novo Regimento Interno deste <strong>Tribunal</strong> e pela disponibili<strong>da</strong>denas minhas frequentes ausências.Aos Desembargadores Luiz Carlos de Castro Lugon, Corregedor <strong>Regional</strong>;Paulo Afonso Brum Vaz, Coordenador <strong>da</strong> Cojef; Álvaro EduardoJunqueira, Coordenador do Sistcon; Ta<strong>da</strong>aqui Hirose, Diretor <strong>da</strong> Emagis;e Otávio Roberto Pamplona, Ouvidor, agradeço pelas iniciativas, pelotrabalho realizado à testa desses importantes órgãos de nosso <strong>Tribunal</strong>.Aos Diretores do Foro, Marcelo De Nardi, <strong>da</strong> Seção Judiciária doRio Grande do Sul; Alcides Vettorazzi, <strong>da</strong> Seção Judiciária de SantaCatarina; e Danilo Pereira Júnior, <strong>da</strong> Seção Judiciária do Paraná, meuagradecimento, pela competência, parceria, compreensão, fideli<strong>da</strong>de,companheirismo e sugestões.Meu agradecimento a todos os magistrados <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> pela dedicaçãoe pelo comprometimento que tiveram, mantendo o alto conceitoque a Justiça <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> adquiriu. Destaco aqui o empenhodo Juiz <strong>Federal</strong> Sérgio Renato Teja<strong>da</strong> Garcia e de sua equipe no desenvolvimentoe na implantação do e-Proc, e dos servidores Rosi Capelari,Patrícia Valentina Ribeiro Santanna Garcia e Mairon Guerra Bathagliniquanto ao SEI.Agradeço aos servidores, estagiários e prestadores de serviço terceirizadosdesta Casa, o que faço na pessoa <strong>da</strong> Dra. Eloisa Agra Hassen,Diretora-Geral, e dos Diretores que compuseram minha equipe: CristianRamos Prange, Diretor de Informática; Eduardo Eidelvein, Diretor Judiciário;Elaine Villar, Diretora Administrativa; Myrian Jungblut, Diretorade Recursos Humanos; e Roberto Capeleti, Diretor Financeiro, peladedicação e pela fideli<strong>da</strong>de.Agradeço aos advogados privados e públicos, à OAB <strong>da</strong>s três Seções,Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, aos Procuradores Públicos,à Advocacia-Geral <strong>da</strong> União, ao Ministério Público <strong>Federal</strong>, à DefensoriaPública, à Polícia <strong>Federal</strong>, a to<strong>da</strong>s as enti<strong>da</strong>des públicas e priva<strong>da</strong>s,pela parceria, pela soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e por terem, de um modo ou de outro,104R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


colaborado com o sucesso <strong>da</strong>s diversas ações intenta<strong>da</strong>s pelo <strong>Tribunal</strong>nesta gestão e, em especial, no desenvolvimento e na implantação doprocesso eletrônico em to<strong>da</strong> a <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.Agradeço, enfim, a todos os amigos, servidores e magistrados queaju<strong>da</strong>ram nesta caminha<strong>da</strong> e que a fizeram menos espinhosa.À Desembargadora Marga Inge Barth Tessler – cuja fibra, dedicaçãoe competência, entre tantos outros predicados que possui, que dispensamapresentação –, que assumirá a Presidência neste ato solene; ao DesembargadorLuiz Carlos de Castro Lugon e ao Desembargador Ta<strong>da</strong>aquiHirose, que assumirão a Vice-Presidência e a Corregedoria <strong>Regional</strong>,respectivamente; e à sua qualifica<strong>da</strong> equipe, os votos de um profícuodesempenho e de uma exitosa gestão volta<strong>da</strong> ao melhor para a Justiça<strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>. E finalizo estas breves palavras enfatizando que agestão que ora se despede priorizou a informatização e o planejamentoestratégico, tendo administrado com os pés no chão e os olhos no futuro,inspirando-se em John Kennedy, que apregoou: “Mu<strong>da</strong>nças são a lei <strong>da</strong>vi<strong>da</strong>. E aqueles que olham apenas para o passado ou para o presentevão certamente deixar o futuro escapar”.Obrigado.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 105


<strong>Discurso</strong> *Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz **Senhora Presidente,Senhores Desembargadores,Dignas autori<strong>da</strong>des civis e militares,Senhoras e Senhores.A presente sessão solene destina-se à posse dos novos Presidente,Vice-Presidente e Corregedor <strong>Regional</strong> do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong><strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, eleitos para o biênio 2011/2013.Cabe-me a honrosa missão de, em nome <strong>da</strong> Corte, saudá-los por essainvestidura.Contudo, antes de fazê-lo, é de justiça que me dirija ao Presidentecujo man<strong>da</strong>to ora se encerra, o eminente Desembargador <strong>Federal</strong> VilsonDarós, para dizer-lhe do reconhecimento dos seus Colegas pelo muitoque realizou pelo <strong>Tribunal</strong> no período em que o dirigiu.Com efeito, ao longo de seu man<strong>da</strong>to, o Presidente Vilson Darósperseguiu ambiciosos propósitos de bem servir à Justiça, destacando-sea implantação, com invulgar êxito, do processo eletrônico, empenhandotodos os seus esforços no aprimoramento <strong>da</strong> prestação jurisdicional.Ajusta-se com proprie<strong>da</strong>de ao seu pensamento aquela passagem de*<strong>Discurso</strong> de sau<strong>da</strong>ção à nova gestão do TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> (2011-2013), proferido na sessão solene de possedos novos dirigentes do <strong>Tribunal</strong>, em 20.06.2011.**Desembargador <strong>Federal</strong> do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 107


Michel Debré, Ministro <strong>da</strong> Justiça do Presidente De Gaulle, a respeito <strong>da</strong>sua preocupação com o aperfeiçoamento e a modernização do Judiciário:“Je suis de ces républicains qui rêvent d’une justice habile et prompte, sévère et humaine,con<strong>da</strong>mnant ceux qui méritent de l’être, protégeant l’innocence, statuant avec équité entous domaines. Il me paraît que la valeur de la justice et le respect dont ses décisions sontentourées attestent du degré de civilisation qu’un peuple a atteint.” (1)Com to<strong>da</strong> a tranquili<strong>da</strong>de, pode Vossa Excelência ter a consciênciado dever cumprido, de haver diligenciado por exercer, com digni<strong>da</strong>de,os pesados encargos <strong>da</strong> Presidência.Tal reconhecimento, inclusive, deu-se no ano passado quando o Institutodos Advogados do Rio Grande do Sul conferiu a Vossa Excelênciaa Comen<strong>da</strong> Honorífica “Magistrado Exemplar”, pelos serviços que, aolongo de sua vitoriosa carreira, prestou ao Direito e à Justiça.Senhores:É <strong>da</strong> tradição deste <strong>Tribunal</strong>, prevista em seu Regimento Interno,convocar para dirigi-lo, sucessivamente, os magistrados que, por maislongos anos, lhe hajam prestado serviços.A escolha de seus dirigentes pelos próprios membros dos Tribunaisé corolário do princípio <strong>da</strong> Separação dos Poderes. Na primeira ConstituiçãoRepublicana, a de 1891, estava expresso em seu art. 58:“Art. 58 – Os tribunais federais elegerão do seu seio os seus presidentes e organizarãoas respectivas secretarias.”As Constituições de 1934 e 37 não a reproduziram. A Carta de 46a restabeleceu em termos mais amplos, uma vez que não se refere exclusivamenteao presidente, como a de 1891, mas, de forma genérica, aórgãos de direção, entre os quais se incluem os cargos de Vice-Presidentee de Corregedor.Da mesma forma, a Constituição de 1967, com as alterações <strong>da</strong>Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 7/77.A Constituição em vigor dispõe, em seu art. 96, I, a, ao assegurar oprincípio <strong>da</strong> competência dos Tribunais para eleger os seus dirigentes:“Art. 96. Compete privativamente:I – aos tribunais:a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância <strong>da</strong>snormas de processo e <strong>da</strong>s garantias processuais <strong>da</strong>s partes, dispondo sobre a competência e108R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;”Ao completar esse dispositivo constitucional, a Lei Orgânica <strong>da</strong> MagistraturaNacional estabeleceu, em seu art. 102, verbis:“Art. 102 – Os Tribunais, pela maioria de seus membros efetivos, por votação secreta,elegerão dentre seus Juízes mais antigos, em número correspondente ao dos cargos dedireção, os titulares destes, com man<strong>da</strong>to por dois anos, proibi<strong>da</strong> a reeleição. Quem tiverexercido quaisquer cargos de direção por quatro anos, ou o de Presidente, não figurará maisentre os elegíveis, até que se esgotem todos os nomes, na ordem de antigui<strong>da</strong>de. É obrigatóriaa aceitação do cargo, salvo recusa manifesta<strong>da</strong> e aceita antes <strong>da</strong> eleição.”O insigne Min. Rodrigues de Alckmin, um dos autores <strong>da</strong> Reforma Judiciáriade 1977, ao discorrer sobre o assunto em conferência proferi<strong>da</strong> naEscola Superior de Guerra, com a sua autori<strong>da</strong>de de um dos mais ilustresmagistrados que pontificaram no Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, salientou:“Outra medi<strong>da</strong> proposta no projeto <strong>da</strong> Lei Orgânica <strong>da</strong> Magistratura, original, diz coma eleição dos dirigentes dos Tribunais.Restringe-se a escolha a um reduzido número de candi<strong>da</strong>tos e ve<strong>da</strong>-se a reeleição dopresidente.A medi<strong>da</strong> visa, ao que se me afigura, reduzir atritos e desavenças internas, tão <strong>da</strong>nosasao prestígio do Poder Judiciário.” (2)A objetivi<strong>da</strong>de do critério, porém, não desmerece, antes valoriza, oalto valor dos escolhidos.E, no presente caso, a eleição <strong>da</strong> Presidente Marga Tessler, do Vice--Presidente Castro Lugon e do Corregedor <strong>Regional</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose,uma vez mais, o tempo conspirou no acerto <strong>da</strong> escolha com os nossossufrágios.É de se assinalar, ain<strong>da</strong>, a singular circunstância de apresentarem osempossados, no que diz com as suas carreiras profissionais, marcantesafini<strong>da</strong>des.Vossas Excelências integram os quadros <strong>da</strong> magistratura federal decarreira, trilhando, sempre pelo critério nobilitante do merecimento,extensa jorna<strong>da</strong> até a promoção a esta Corte.Fizeram parte, nos respectivos Estados, <strong>da</strong> composição do <strong>Tribunal</strong><strong>Regional</strong> Eleitoral.Juristas forjados no exercício <strong>da</strong> magistratura federal, há, na semelhança<strong>da</strong>s etapas venci<strong>da</strong>s, a exteriorização do mesmo espírito queanima o exercício <strong>da</strong> judicatura e <strong>da</strong>s mesmas quali<strong>da</strong>des que adornamR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 109


os melhores juízes.Desembargadora Marga Tessler:Ao assumir a Presidência desta Casa, transfere-se a Vossa Excelênciaa Chefia do Poder Judiciário <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.Relevantes e distintos serão, portanto, além <strong>da</strong>queles concernentes aopróprio <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong>, as exigências a que Vossa Excelência,Senhora Presidente, terá de atender em prol do Judiciário <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, compreendendo as seções judiciárias dos Estados do Rio Grandedo Sul, de Santa Catarina e do Paraná.As garantias de que elas serão satisfeitas encontram-se na brilhantetrajetória já percorri<strong>da</strong> por Vossa Excelência.Forma<strong>da</strong> pela Pontifícia Universi<strong>da</strong>de Católica de Porto Alegre, obtevea láurea acadêmica.Após ser aprova<strong>da</strong> com destaque em concorrido concurso público,ingressou, primeiramente, na Procuradoria do Banco Central e, posteriormente,em 1988, na magistratura federal.Possui os mestrados em Direito Público pela Pontifícia Universi<strong>da</strong>deCatólica de Porto Alegre e em Administração <strong>da</strong> Justiça pela Fun<strong>da</strong>çãoGetúlio Vargas, sendo autora de inúmeros artigos publicados em conceitua<strong>da</strong>srevistas forenses.Nesta Corte, que integra desde 1994, já exerceu, entre outros, oscargos de Diretora <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> Magistratura e de Vice-Presidente.Alcança, agora, a Presidência do <strong>Tribunal</strong> coroando brilhante carreirana magistratura, na qual conquistou to<strong>da</strong>s as digni<strong>da</strong>des que ajudicatura pode proporcionar, revelando as quali<strong>da</strong>des de uma grandejuíza para quem a Presidência <strong>da</strong> Corte parece naturalmente destina<strong>da</strong>.Na gestão do eminente Desembargador Vilson Darós foram <strong>da</strong>dospassos decisivos no aprimoramento <strong>da</strong> prestação jurisdicional na Justiça<strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.Esperamos, com ânimo renovado e com a colaboração inestimáveldo Conselho <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> e do Conselho Nacional de Justiça,prosseguir nesses trabalhos, visando a reduzir, ain<strong>da</strong> mais e dentro doslimites do razoável, o acúmulo de serviço, que constitui, em reali<strong>da</strong>de,a grande deficiência do Poder Judiciário, com reflexos negativos nasegurança jurídica e na estabili<strong>da</strong>de social.A respeito, acentuava, no já distante ano de 1901, o então Ministro110R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


<strong>da</strong> Justiça Epitácio Pessoa, verbis:“Diminuto, insignificante, quase nulo, entretanto, é o acréscimo de despesas que elecusta, 30:000$ talvez para os cofres <strong>da</strong> União, comparado com o resultado que é destinadoa produzir diretamente na ordem judiciária e indiretamente na ordem financeira, pois ésabido que a certeza de justiça pronta vivifica a ativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações comerciais e civis,cujo desenvolvimento não se opera sem proveito para os cofres públicos.Encaram o problema somente por uma face os que em nome <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des <strong>da</strong> situaçãofinanceira impugnam medi<strong>da</strong>s de utili<strong>da</strong>de que importam pequeno sacrifício, porque o interessepúblico, uno e idêntico como é em sua vasta complexi<strong>da</strong>de, não pode ser consideradoisola<strong>da</strong>mente em ca<strong>da</strong> um dos seus diferentes aspectos.Boas finanças dependem de um bom estado social, e não há estado social satisfatórioonde não há justiça pronta, boa e eficaz, muni<strong>da</strong> de órgãos bastantes para atender sem demoraa to<strong>da</strong>s as solicitações do direito, que o conflito dos interesses e <strong>da</strong>s paixões humanaspossa determinar.Na<strong>da</strong> é mais triste do que o curso de uma deman<strong>da</strong>, que se prolonga três, quatro e maisanos sem solução final, como não raro sucede entre nós, ou porque o pessoal <strong>da</strong> justiça éinsuficiente para <strong>da</strong>r impulso a todos os processos, ou porque o aparelho <strong>da</strong> justiça é defeituosoe perro em seu funcionamento.Quem sofre os incômodos de semelhantes delongas ou os conhece pela observação dosfatos dificilmente se aventura a promover judicialmente a reparação do seu direito, porqueé preferível perdê-lo a perder com ele a confiança nos tribunais, e tal é o sentimento que sevai generalizando, com manifesto prejuízo do prestígio moral que deve fortalecer as grandesinstituições destina<strong>da</strong>s especialmente à garantia dos direitos individuais.” (3)A Reforma Judiciária promovi<strong>da</strong> pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 45/04pouco fez para resolver o ver<strong>da</strong>deiro problema do Poder Judiciário, queé a demora na prestação jurisdicional.Lamentavelmente, dita reforma iniciou-se sem a indispensávelelaboração, por parte dos órgãos competentes, sobretudo o Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, dos necessários estudos preliminares, com a feiturade um ver<strong>da</strong>deiro “Diagnóstico <strong>da</strong> Justiça”, após a colheita dos <strong>da</strong>dosimprescindíveis à confecção desse importante documento.Nesse sentido, colha-se a advertência do notável magistrado ArthurVanderbilt, em sua clássica obra Minimum Stan<strong>da</strong>rds of Judicial Administration,verbis:“Most judicial reforms fail, or are disappointing, because they are not based on adequatestudy of the particular conditions in which they are expected to operate or because they areadopted without adequate comparison with the experience with similar attempts, of finallybecause they lack the support of the moral force of the community.” (4)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 111


Ademais, outras providências objetivas precisam ser adota<strong>da</strong>s noâmbito <strong>da</strong> União com o propósito de descongestionar a Justiça, sobretudoa tão reclama<strong>da</strong> simplificação <strong>da</strong>s leis processuais, conferindo-seefetivi<strong>da</strong>de às decisões judiciais para que sejam cumpri<strong>da</strong>s sem delongas,em especial aquelas que envolvam o Poder Público.Em exaustivo estudo solicitado pelo Ministério <strong>da</strong> Justiça <strong>da</strong> França,conclui, nesse tópico, o Magistrado Jean-Marie Coulon, verbis:“L’effectivité des decisions de justice est la condition du respect de l’autorité judiciaireet de la sécurité juridique. Une bonne et prompte exécution des jugements (qui représentent86% des décisions judiciaires) constitue le fondement de la crédibilité de la justice.” (5)O aumento <strong>da</strong> litigiosi<strong>da</strong>de na esfera cível envolvendo o Poder Públicotende a aumentar, motivo pelo qual precisam ser adota<strong>da</strong>s, com urgência,medi<strong>da</strong>s legislativas que permitam às pessoas lesa<strong>da</strong>s em seu direito apronta execução do julgado, agora com mais razão considerando-se odisposto no art. 5º, LXXVIII, <strong>da</strong> CF/88, na re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucionalnº 45/04.No final dos anos sessenta, tal fenômeno já era detectado nos EstadosUnidos, ocasionando o congestionamento <strong>da</strong>s Cortes Federais deApelação.É o que informa Paul Carrington, Professor <strong>da</strong> Michigan Law School,em artigo publicado na prestigia<strong>da</strong> Harvard Law Review, verbis:“It seems quite likely that the United States will become involved in more civil disputesin the future. This prognosis rests not merely on a prediction that the Government will beinvolved in more and larger programs involving a larger number of potential adversaries,but also on a prediction about the attitude of those potential litigants toward litigation.A modern trend has favored subsidy over regulation for new programs. To an increasingdegree, such programs are regarded less as acts of grace by a benevolent government, andmore as a source of proprietary rights that are suitable subjects of litigation, and it seemsnot unlikely that challenges will receive a hospitable hearing in the federal courts.” (6)Por outro lado, impõe-se, também, o aprimoramento do sistema derecrutamento de juízes.Nesse passo, papel relevante poderá ser desempenhado pelo ConselhoNacional de Justiça, podendo o futuro Estatuto <strong>da</strong> Magistratura criar juntoa esse órgão um Centro Nacional de Estudos Judiciários que forneceriapropostas de aperfeiçoamento do modelo de ingresso na magistratura.Proposições fun<strong>da</strong>mentais – repetindo Wolfgang Röd (7) – não são112R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


apodícticas, mas sim proposições problemáticas; existem alternativaspara elas, tratando-se de se escolher, em ca<strong>da</strong> ocasião, a alternativa maisprodutiva.É mister, frente aos novos tempos, enfrentar os desafios que se apresentampromovendo todos os esforços para proporcionar uma prontadistribuição <strong>da</strong> Justiça.Ponhamos ao dispor dos juízes instrumentos hábeis para que, libertosde uma processualística complexa e inadequa<strong>da</strong>, dificultando a tramitaçãodos processos, possam distribuir uma eficiente e rápi<strong>da</strong> solução doslitígios, como o exige a Constituição.Senhora Presidente:Vossa Excelência possui os predicados necessários para enfrentar osdesafios que se lhe apresentam.A seu lado, compartilhando a direção do <strong>Tribunal</strong>, como Vice-Presidente,conta Vossa Excelência com o Desembargador Castro Lugon,magistrado que todos admiram e respeitam.À frente <strong>da</strong> Corregedoria, contará com a experiência e o tirocínio doDesembargador Ta<strong>da</strong>aqui Hirose.A administração desta Corte está entregue a mãos exemplares.São elas dignas do prestígio e do respeito que este <strong>Tribunal</strong>, desde asua instalação, tem desfrutado no seio <strong>da</strong> Nação brasileira.Muito obrigado.Notas1In DEBRÉ, Michel. Trois Républiques pour une France: Mémoires.Paris: Albin Michel, 1988. Tomo II. p. 333.2In ALCKMIN, José G. Rodrigues de. Conjuntura Política Nacional:O Poder Judiciário. Conferência publica<strong>da</strong> pelo Departamento deEstudos <strong>da</strong> Escola Superior de Guerra, 1978, p. 22.3In Obras Completas de Epitácio Pessoa: No Ministério <strong>da</strong> Justiça. Riode Janeiro: MEC, 1959. Tomo V. p. 364.4In VANDERBILT, Arthur T. Minimum Stan<strong>da</strong>rds of Judicial Administration.Published by the Law Center of New York University,1949. p. 65.5In COULON, Jean-Marie. Réflexions et Propositions sur la ProcédureCivile. Paris: La Documentation Française, 1997. p. 106.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 113


6In CARRINGTON, Paul D. Crowded Dockets and The Courts of Appeals:The Threat to the Function of Review and the National Law. InHarvard Law Review (1968-9). v. 82. p. 548-9.7In RÖD, Wolfgang. Der Weg der Philosophie. München: Verlag C. H.Beck, 1996. Tomo 2. p. 549.


<strong>Discurso</strong> *João Carlos de Carvalho Rocha **Excelentíssima Senhora Presidente, Desembargadora <strong>Federal</strong> MargaInge Barth Tessler, na pessoa de quem saúdo todos os Magistrados aquipresentes e em especial os nobres integrantes desta Corte; ExcelentíssimosMembros do Ministério Público <strong>Federal</strong> e dos Estados aquipresentes; Excelentíssimo Deputado <strong>Federal</strong> Marco Maia, Presidente<strong>da</strong> Câmara dos Deputados, na pessoa de quem cumprimento todos osintegrantes do Poder Legislativo nas três esferas <strong>da</strong> Federação; ExcelentíssimoAdvogado-Geral <strong>da</strong> União, Ministro Luís Inácio Lucena A<strong>da</strong>ms,na pessoa de quem cumprimento todos os representantes do Poder Executivonas três esferas <strong>da</strong> Federação; estimado Doutor Claudio PachecoPrates Lamachia, Presidente <strong>da</strong> Ordem dos Advogados do Brasil, Seçãodo Rio Grande do Sul, na pessoa de quem saúdo todos os advogadospresentes; senhoras e senhores:A ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia encontra-se em festa e vem a esta Corte participar destemomento de júbilo. Repetindo rito periódico e republicano, o <strong>Tribunal</strong><strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> renova o seu quadro de dirigentes. ComoProcurador-Chefe <strong>da</strong> Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> República <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,acompanhei com proximi<strong>da</strong>de o muito que foi feito no último biênio e*<strong>Discurso</strong> de sau<strong>da</strong>ção à nova gestão do TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> (2011-2013), proferido na sessão solene de20.06.2011.** Procurador-Chefe <strong>da</strong> Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> República <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 115


honra-me poder sau<strong>da</strong>r os dias que estão por vir.Dirijo minha mensagem inicial ao Desembargador <strong>Federal</strong> VilsonDarós, que hoje passa o comando desta Corte à Presidente Marga Tessler.Desembargador Darós, fui testemunha do seu trabalho diuturno emprol do contínuo aperfeiçoamento <strong>da</strong> prestação jurisdicional em segun<strong>da</strong>instância, com o vigor infatigável de quem não esmorece pela magnitudedos desafios. Revestido de firmeza obstina<strong>da</strong>, que nunca recuou diantedos percalços, mas deles soube tirar proveito para melhor executar osprojetos aos quais se lançara.Recordo que nos últimos anos, com a crise econômica mundial atingindomais os países desenvolvidos do que os emergentes, com a novaconformação geopolítica que fez surgir os BRICs, tornou-se comumdizer que o Brasil não é mais o país do futuro, porque o futuro, outrorasempre anunciado e reitera<strong>da</strong>mente adiado, tornou-se o nosso tempopresente. Aqui não é o momento nem o lugar para analisar a ver<strong>da</strong>dedessa assertiva em todos os setores nacionais.Mas não resta dúvi<strong>da</strong> de que na Justiça brasileira o TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>tem feito do futuro o tempo comum no qual vivemos.E para esse mister contribuiu decidi<strong>da</strong>mente o biênio no qual a Corteesteve sob a presidência do Desembargador Vilson Darós. Nenhumoutro <strong>Tribunal</strong> atende com mais empenho e eficiência às metas traça<strong>da</strong>spelo Conselho Nacional de Justiça. Nenhum outro <strong>Tribunal</strong> implantouem período tão célere o processo eletrônico, nem de forma tão radical.Digo radical porque aqui, na porção meridional desta grande Repúblicabrasileira, o processo eletrônico foi concebido na sua acepção ver<strong>da</strong>deirae estrita, como processo inteiramente virtual, que substitui e sucede aoantigo procedimento <strong>da</strong> palavra impressa em papel.Todo esse labor foi realizado ouvindo e colhendo o aprendizado obtidocom os parceiros deste <strong>Tribunal</strong>, nota<strong>da</strong>mente o Ministério Público,a advocacia pública e priva<strong>da</strong>, a Polícia <strong>Federal</strong> e os órgãos <strong>da</strong> União.A esses marcos de gestão e aperfeiçoamento tecnológico, associa-sea sensibili<strong>da</strong>de social que marcou este último biênio, evidencia<strong>da</strong> nabem sucedi<strong>da</strong> realocação <strong>da</strong> Vila Chocolatão, projeto no qual o TRF <strong>4ª</strong><strong>Região</strong> e o Ministério Público <strong>Federal</strong> estiveram e estão juntos, assegurandomoradia digna e condições de vi<strong>da</strong> e educação para mais de duascentenas de famílias.116R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


Durante esse biênio, a presidência <strong>da</strong> Corte certamente contou coma colaboração de todos os seus integrantes, mas destaco nota<strong>da</strong>menteo empenho incessante do Vice-Presidente Élcio Pinheiro de Castro,magistrado em tempo integral, exemplo de sabedoria e virtude, semprepreocupado com a jurisdição e a boa prestação <strong>da</strong> justiça. Vossa Excelênciabem soube responder ao desafio que se avizinhava em 2009, com asinovações legislativas a respeito do instituto <strong>da</strong> repercussão geral, bemcomo quanto ao contínuo aperfeiçoamento do regimento interno <strong>da</strong> Corte.Saúdo também o Corregedor <strong>Regional</strong> Castro Lugon, que hoje assumea Vice-Presidência. Vossa Excelência ostenta, com modéstia e orgulho,as virtudes dos vossos antepassados helvéticos, ciosos <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>justiça e <strong>da</strong> autentici<strong>da</strong>de. Durante dois anos esteve ao seu encargo odifícil mister de exercer a disciplina sobre os juízes. Corrigir, antes depunir, significa prever e ensinar, mas também apartar e sancionar, sempreque necessário. Vossa Excelência soube exercer a correição de formasimultaneamente generosa e severa, mantendo a higidez do corpo <strong>da</strong>Justiça <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, para que permaneça a Instituição saudávele respeita<strong>da</strong>, merecedora do reconhecimento nacional.Nesta tarde Vossa Excelência passa a exercer a Vice-Presidência <strong>da</strong>Corte, e, além do papel de colaborador direto <strong>da</strong> nova Presidente, caberáa Vossa Excelência o exame de admissibili<strong>da</strong>de dos recursos, justamenteno <strong>Tribunal</strong> com menor índice de congestionamento processual entre oscinco Tribunais Regionais Federais, e com reconheci<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de deinovação e vanguar<strong>da</strong>. Esse mister haverá de ser exercido com o equilíbrioentre o respeito ao termo dos conflitos e a autori<strong>da</strong>de dos julgados,e, de outro lado, com o zelo pela correta aplicação <strong>da</strong> Constituição e<strong>da</strong>s Leis frente à reali<strong>da</strong>de complexa <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira, a merecera pacificação <strong>da</strong> jurisprudência do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça e doSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.Na Corregedoria <strong>Regional</strong> assume o Desembargador Ta<strong>da</strong>aqui Hirose.Nascido paulista de Guaimbê, ci<strong>da</strong>de construí<strong>da</strong> pela determinação <strong>da</strong>colonização nipônica, mas filho <strong>da</strong> terra paranaense desde os seus primeirosanos, tendo passado to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> naquele Estado, desde a sua tenrainfância até a posse como desembargador federal em novembro de 1999.Todos os que atuam perante a Justiça <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> reconheceme admiram o vosso conhecimento jurídico, o zelo pela correta aplicaçãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 117


do Direito e vossa capaci<strong>da</strong>de de trabalho e senso de disciplina. To<strong>da</strong>sessas quali<strong>da</strong>des haverão de brilhar mais uma vez, com luz ain<strong>da</strong> maisintensa, nos desafios que aguar<strong>da</strong>m na Corregedoria <strong>Regional</strong>.Por último, e com ain<strong>da</strong> maior relevo, saúdo a nova Presidente, DesembargadoraMarga Tessler. Vossa Excelência oferece a esta Corte, parao biênio 2011-2013, o generoso acúmulo de conhecimento e sabedoria,forja<strong>da</strong>s no compromisso ético com a realização do Direito. O TRF <strong>4ª</strong><strong>Região</strong> tem muitas razões para felicitar-se por estar sob vosso segurocomando.Ao longo de vossa trajetória profissional e acadêmica, sempre se preocupoucom a efetivi<strong>da</strong>de dos princípios mais caros ao Direito, com ajustiça, a ética, a probi<strong>da</strong>de, a morali<strong>da</strong>de, a busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, a reparaçãodo ato injusto e a promoção <strong>da</strong> paz. Manteve, simultaneamente, a reflexãointelectual em torno dos temas jurídicos de vanguar<strong>da</strong>, nota<strong>da</strong>mente nasáreas do direito constitucional, ambiental, sanitário, direitos humanos eadministração <strong>da</strong> justiça, com contribuições <strong>da</strong>s mais relevantes para adoutrina nacional.Os desafios que se avizinham são muitos. A ca<strong>da</strong> dia há novas formasde criminali<strong>da</strong>de, de violação <strong>da</strong> intimi<strong>da</strong>de, de manipulação de ver<strong>da</strong>desoutrora factuais, de fraudes ao consumidor e às finanças públicas e priva<strong>da</strong>s,de impactos socioambientais, a deman<strong>da</strong>rem a atuação do Judiciário.Entretanto, a mesma ciência e a mesma tecnologia que trazem essesnovos reptos instrumentalizam o Judiciário a enfrentá-los e superá-los,mediante o planejamento, a definição de priori<strong>da</strong>des, a qualificação dosmagistrados e o uso instrumental dos novos saberes em prol <strong>da</strong> agili<strong>da</strong>de,<strong>da</strong> eficácia e <strong>da</strong> economici<strong>da</strong>de judicial. As tecnologias de informação têmum papel central nesse processo, mas não podemos esquecer que atrás deto<strong>da</strong> TI há a dimensão humana, a mesma dimensão humana que deve serobjeto <strong>da</strong> atenção e do respeito de to<strong>da</strong> e qualquer inovação tecnológica.Neste sentido o processo eletrônico é um marco histórico, como aquijá ressaltado, mas não é um fim em si mesmo. Legitima-se pelos bonsfrutos que traz à socie<strong>da</strong>de, e não por sua inerente condição transitóriade novi<strong>da</strong>de.Se a socie<strong>da</strong>de brasileira espera, ca<strong>da</strong> vez mais, uma Justiça ágil,efetiva e próxima, deseja também que essa Justiça seja leve, pois oaparato judicial não é um fim em si mesmo, e o protagonismo social <strong>da</strong>118R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


Magistratura, reconhecido que o Direito não coincide necessariamentecom a vontade estatal, deve se harmonizar com o livre fluir <strong>da</strong> própriasocie<strong>da</strong>de pluralista e democraticamente organiza<strong>da</strong>.A busca pela conciliação, a valorização <strong>da</strong> solução dos conflitos difusosmediante processos coletivos, a política constitucional <strong>da</strong> Corte,construí<strong>da</strong> a partir do exercício <strong>da</strong> cláusula de reserva de plenário, sãovetores para uma Justiça ao mesmo tempo leve e próxima <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.Vale, a respeito, a lição de Gustavo Zagrebelsky, segundo o qual é “(...)a política constitucional, que deriva <strong>da</strong>s adesões e dos abandonos dopluralismo, e não a Constituição, que poderá determinar os resultadosconstitucionais históricos concretos”. 1Não obstante a dificul<strong>da</strong>de dos desafios que se apresentam, muitasvezes francamente contraditórios, o ideal de uma Justiça ágil nas suasdecisões, acessível a to<strong>da</strong> a população e sem déficit de quali<strong>da</strong>de, valedizer, de uma “Justiça para uma socie<strong>da</strong>de justa”, correspondente aonosso mundo complexo e multifacetado, nunca esteve tão próximo. In<strong>da</strong>gadoa respeito do que entendia por socie<strong>da</strong>de justa, Zygmunt Bauman,testemunha ocular de tantas utopias malogra<strong>da</strong>s, assim a definiu: “Uma‘socie<strong>da</strong>de justa’ é aquela que pensa não ser justa o bastante, que questionaa suficiência dos níveis de justiça alcançados, sejam eles quais forem,e considera que a justiça está sempre pelo menos um passo adiante”. 2Senhora Presidente, senhores dirigentes, Vossas Excelências atenderamà gloriosa convocação para a persecução desse horizonte, a ca<strong>da</strong> diadeste novo biênio, e assim nos biênios seguintes, construindo o TRF <strong>4ª</strong><strong>Região</strong> o legado de uma Justiça que seja, de fato e por princípio, solidáriae intergeracional. Nesse mister a Corte sempre contará com a colaboraçãoativa do Ministério Público <strong>Federal</strong> e dos seus Procuradores <strong>da</strong> República.Esta é uma tarde de júbilo. Esta Corte está de parabéns! Contudo,mais além deste Plenário, estão de parabéns o povo catarinense, gaúchoe paranaense, que podem contar com o trabalho e a dedicação dos novosdirigentes <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> na <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>. Saúdo todos na aurora <strong>da</strong>renovação!Muito obrigado.1El derecho dúctil, 2003, p. 14, tradução livre.2Bauman sobre Bauman – Diálogos com Keith Tester, 2011, p. 75, destaque é do original.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 119


<strong>Discurso</strong> * Claudio Lamachia **Excelentíssima Senhora Desembargadora <strong>Federal</strong> Marga Inge BarthTessler, Digníssima Presidente deste <strong>Tribunal</strong>;Excelentíssimo Senhor Desembargador <strong>Federal</strong> Vilson Darós, DigníssimoPresidente deste <strong>Tribunal</strong>;Excelentíssimo Senhor Dr. Tarso Genro, Digníssimo Governador doEstado;Excelentíssimo Senhor Deputado Adão Villaverde, Digníssimo Presidente<strong>da</strong> Assembleia Legislativa do Estado;Excelentíssimo Senhor Desembargador <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro deCastro, Digníssimo Vice-Presidente do TRF4;Excelentíssimo Senhor Desembargador <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de CastroLugon, Digníssimo Corregedor <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>, ora empossadona Vice-Presidência;Excelentíssimo Senhor Desembargador <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose, oraempossado Corregedor <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>;Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral de Justiça, Dr. Eduardo deLima Veiga;Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral do Estado, Dr. Carlos Hen-*<strong>Discurso</strong> de sau<strong>da</strong>ção à nova gestão do TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> (2011-2013), proferido na sessão solene de20.06.2011.** Presidente <strong>da</strong> Seccional <strong>da</strong> Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB/RS).R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 121


ique Kaipper;Excelentíssima Senhora Defensora Pública-Geral do Estado, Dra.Jussara Maria Barbosa Acosta;Excelentíssimos Senhores Desembargadores;Excelentíssimos Senhores Juízes;Excelentíssimas autori<strong>da</strong>des já nomina<strong>da</strong>s pelo cerimonial;distintos colegas advogados e advoga<strong>da</strong>s aqui presentes;minhas senhoras e meus senhores:Peço licença a Vossas Excelências para render inicialmente umahomenagem de reconhecimento <strong>da</strong> Ordem dos Advogados do Brasil –Seccional do Rio Grande do Sul – ao ilustre sempre Presidente destacorte, Desembargador Vilson Darós, e a todos os desembargadores queintegraram a Direção do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> peloexemplar trabalho de leal cooperação e profícua integração com a advocacia,o que vem assegurando a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> acentua<strong>da</strong> melhoria<strong>da</strong> prestação jurisdicional que nos orgulha e envaidece. É imperiosoreconhecer que nunca nos faltou a convicção de que a excelente relaçãoinstitucional que construímos teria significativos e promissores avanços.Excelentíssimo Senhor Desembargador Vilson Darós – estimadoamigo:Saúdo calorosamente Vossa Excelência, como o permanente estimuladorde iniciativas recíprocas, que resultaram na reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> melhoriado atendimento aos advogados, na agilização dos procedimentos, emmu<strong>da</strong>nças necessárias e oportunas, como na implantação do ProcessoEletrônico, em fase de consoli<strong>da</strong>ção e aprimoramento.O Processo Eletrônico ágil, seguro, confiável, fruto do diálogo exaustivocom advogados, juízes e servidores, incluindo profissionais <strong>da</strong> área<strong>da</strong> informática e <strong>da</strong> eletrônica, deverá se tornar reali<strong>da</strong>de indispensável,desde que se possa alcançar a unificação dos diversos sistemas, facilitandodessa forma o dia a dia dos advogados.Mas o que preciso e desejo registrar nesta hora, por um imperativode justiça, são a permanente e louvável atenção e a disponibili<strong>da</strong>de queme foram dispensa<strong>da</strong>s, o atendimento pessoal de to<strong>da</strong>s as Subseções <strong>da</strong>Ordem que acorreram ao <strong>Tribunal</strong>, ora liderando suas comuni<strong>da</strong>des noencaminhamento de suas justas reivindicações, ora pleiteando atençãopara as Varas e Postos <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> de seus municípios. Foram122R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


tantas essas oportuni<strong>da</strong>des e tão vivas estão na minha memória as manifestaçõesdos colegas Presidentes <strong>da</strong>s Subseções, que não tenho receioem afirmar que to<strong>da</strong>s, incluindo até mesmo aquelas que ain<strong>da</strong> não foramcontempla<strong>da</strong>s em seus pedidos, to<strong>da</strong>s, repito, proclamam a magníficarecepção e acolhi<strong>da</strong> que Vossa Excelência, desembargadores e juízes doTRF4 proporcionaram às suas delegações.Para a Ordem, que prioriza as relações institucionais como fun<strong>da</strong>mentaispara a conquista de objetivos, <strong>da</strong> melhoria dos serviços, <strong>da</strong>satisfação dos interesses maiores dos ci<strong>da</strong>dãos, para a manutenção <strong>da</strong>harmonia e <strong>da</strong> integração indispensável, suas atitudes, seus fi<strong>da</strong>lgosgestos e seu exemplo marcam indelevelmente sua trajetória brilhante demagistrado íntegro, Presidente muitas vezes precursor, realizador, afávele respeitoso, e mereci<strong>da</strong>mente respeitado amigo dos advogados. Nossoreconhecimento pela sua harmoniosa e exitosa gestão.Senhora Presidente:A Ordem dos Advogados do Brasil – pelo seu Conselho <strong>Federal</strong> epelas Seccionais dos Estados do Paraná, de Santa Catarina e do RioGrande do Sul, aqui está presente. Coube-me a honra e o privilégio defalar em nome do Presidente do Conselho <strong>Federal</strong>, Ophir Cavalcante, edos Presidentes Paulo Borba e José Lucio Glomb neste solene momentoque, pela sua magnitude, é motivo de júbilo e satisfação para os milharesde advogados que aqui representamos.Desembargadora Marga Inge Barth Tessler,Vossa Excelência assume a Presidência deste <strong>Tribunal</strong>, mercê desuas incontestáveis virtudes e <strong>da</strong> sua notória capaci<strong>da</strong>de profissional.Sua invejável trajetória é penhor de segurança para a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> profícua e exemplar deste Egrégio <strong>Tribunal</strong> que honra sobremodoa magistratura federal do nosso País.Nesta belíssima soleni<strong>da</strong>de, repete-se o sempre festejado ritual <strong>da</strong>democracia. Não é simplesmente um ato formal. É a posse de magistradosde escol, preparados para substituírem condignamente destacadosmembros <strong>da</strong> magistratura federal, o Desembargador Vilson Darós, oDesembargador Élcio Pinheiro de Castro e o Desembargador Luiz Carlosde Castro Lugon, nesta soleni<strong>da</strong>de empossado Vice-Presidente deste<strong>Tribunal</strong>, aos quais prestamos nossas efusivas homenagens.No simbolismo deste solene ato, destaca-se, mais uma vez, não sóR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 123


a investidura de novos dirigentes, mas o encerramento de uma etapaextraordinária de realizações, de au<strong>da</strong>ciosos, firmes e seguros passosno campo <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de processual, próprias <strong>da</strong> sabedoria de pessoaspredestina<strong>da</strong>s a marcarem seu tempo nas instituições pelas quais passaramcom notável desempenho.A Ordem aqui vem participar deste momento, plena de júbilo e dereconhecimento.Tão fortes, sinceras e transparentes foram as atitudes, os gestos defi<strong>da</strong>lguia e distinção, a franqueza e a leal<strong>da</strong>de em todos os momentos, atémesmo naqueles em que houve divergência, que a referência se impõe.É preciso que todos os que participam deste distinto e seleto plenáriotomem conhecimento dessa importante circunstância que testemunhei evivi aqui, nestes últimos quatro anos e meio de man<strong>da</strong>to como Presidente<strong>da</strong> Seccional e que certamente haverá de ter continui<strong>da</strong>de. Expressomeu reconhecimento ain<strong>da</strong> a todos os sempre presidentes desta corte,nas pessoas <strong>da</strong> Desa. Maria Lúcia Luz Leiria e <strong>da</strong> Desa. Silvia MariaGonçalves Goraieb, com as quais privei ao longo destes quatro anos emeio que tenho a honra de estar presidindo a OAB/RS.O povo brasileiro, como dizem as pesquisas, sempre confiou e continuaa confiar na Justiça. E ela traduz equilíbrio, equi<strong>da</strong>de e harmonia,quando conta efetivamente para a sua realização com a participaçãode Advogados, Juízes, membros do Ministério Público e servidores deTribunais com tradição, como a do nosso querido e respeitado <strong>Tribunal</strong><strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.Senhora Presidente, Senhoras e Senhores:Este importante momento para a Advocacia Gaúcha me permite reafirmarque, no exercício profissional, lapidei minha formação jurídica como espírito na reflexão e senti a fun<strong>da</strong>mental necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> existênciade íntima colaboração <strong>da</strong> Magistratura e <strong>da</strong> Advocacia na distribuição<strong>da</strong> Justiça.Reconheci, desde cedo, o papel fun<strong>da</strong>mental do Advogado na realização<strong>da</strong> justiça, apontando os fun<strong>da</strong>mentos do direito em que repousa acausa de seu cliente. Pela ação colaboradora do Advogado, o juiz terá suaatenção atraí<strong>da</strong> para o ponto fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>, a fim de decidir,cui<strong>da</strong>dosa e criteriosamente, produzindo uma sentença justa. A advocaciaé, sem sombra de dúvi<strong>da</strong>s, ver<strong>da</strong>deiro múnus público, sendo indispen-124R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


sável à administração <strong>da</strong> justiça. O Estado confia ao Juiz a direção e adisciplina do Processo. Natural é, então, a ação conjunta do Advogadoe do Juiz, para que ocorra a segura solução do pleito. O Advogado devepreservar, contra tudo e contra todos, o cunho liberal e humanista <strong>da</strong>sua profissão, esta fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na liber<strong>da</strong>de de convicção, porquanto tenhacomo fun<strong>da</strong>mento a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana e a livre afirmação <strong>da</strong>sinfinitas tendências e inclinações do homem.Cumpro, portanto, o honroso e indeclinável dever de cumprimentarefusivamente Vossa Excelência, em nome <strong>da</strong> advocacia, desejando-lhemuito êxito e plena realização <strong>da</strong> nobre missão que lhe foi confia<strong>da</strong>.Senhora Presidente:Sabe Vossa Excelência o quanto a Constituição ci<strong>da</strong>dã ampliouas possibili<strong>da</strong>des de litigiosi<strong>da</strong>de. Como também sabe que o ci<strong>da</strong>dãopassou a ver, no Judiciário, o estuário natural de suas reivindicações.Tenho convicção de que Vossa Excelência, a exemplo do que foi feitopelos sempre presidentes desta corte, saberá enfrentar com coragem edeterminação a dura reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prestação jurisdicional que precisa sermodifica<strong>da</strong>, aprimora<strong>da</strong>, com o esforço de todos nós.Vossa Excelência, desde o primeiro momento, quando foi à OABnos convi<strong>da</strong>r para esta soleni<strong>da</strong>de, já afirmou sua determinação demultiplicar suas tarefas e suas atribuições, abrindo seu gabinete para asocie<strong>da</strong>de, estimulando o diálogo e o debate com a Ordem, o MinistérioPúblico, a Defensoria Pública e os servidores, evidenciando interesse euma vontade incomum de realizar o melhor possível diante <strong>da</strong>s notóriaslimitações. Aqui podemos sentir o progresso, o avanço, e reconhecer afé e a confiança num futuro melhor, justamente quando a Nação, ain<strong>da</strong>com lamentável frequência, se mostra perplexa e traumatiza<strong>da</strong> pela on<strong>da</strong>de corrupção que invadiu, nos últimos anos, nunca imaginados setoresindispensáveis à vi<strong>da</strong> nacional.Saibam que os frutos <strong>da</strong> boa semente que plantamos com este Egrégio<strong>Tribunal</strong> serão certamente colhidos pela socie<strong>da</strong>de.A Ordem dos Advogados do Brasil, que Vossas Excelências, PresidenteDarós e Presidente Marga, honraram no exercício <strong>da</strong> Advocacia,continuará a capitanear, com as Associações de Magistrados, com asAssociações do Ministério Público, com as Associações dos DefensoresPúblicos, com as Associações de Advogados Públicos e uma imensa rela-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 125


ção de enti<strong>da</strong>des que bem representam o povo gaúcho, campanhas comoo Agora Chega! – contra a violência e a corrupção de todos os matizes.A Ordem nunca transigirá com a impuni<strong>da</strong>de e a corrupção. Manteráfirme sua luta contra essa ver<strong>da</strong>deira epidemia que chega a tornar banalo saque ao erário público, a propina descara<strong>da</strong> e os subornos de muitosque detêm man<strong>da</strong>tos populares.A OAB/RS tem certeza de que Vossa Excelência, como todos osMagistrados que integram este Egrégio <strong>Tribunal</strong>, haverá de responderpositivamente aos anseios de justiça plena que brotam do seio de nossagente.Sabemos nós que uma Nação não tem propósitos momentâneos, transitórios.Ela deve ter suas bases assenta<strong>da</strong>s em valores perenes, sobreos quais as gerações futuras devem espelhar-se para assegurar nossagrandeza e prosperi<strong>da</strong>de.A Ordem tem consciência de que deve agir com firme determinaçãona busca desse objetivo e que, nesse contexto, por vezes alarmante, ain<strong>da</strong>há um refúgio sagrado onde viceja o ideal de servir, de cumprir o dever ede obedecer à lei. Refiro-me a Tribunais como este que hoje nos recebe.Por tudo isso, neste momento de gala, solene, de luz e de flores, esteEgrégio <strong>Tribunal</strong> interrompe sua labuta cotidiana para realizar, mais umavez, o sempre festejado e aplaudido ritual <strong>da</strong> democracia.Confesso-lhes que experimento, sempre que aqui venho, a emoçãoque invade a alma do advogado que sou, no honroso exercício <strong>da</strong>Presidência <strong>da</strong> Seccional gaúcha. Aqui, onde o ci<strong>da</strong>dão deposita seusanseios de justiça, é o lugar no qual o advogado exercita por inteiro seuimportante e elevado ofício. Aqui, onde o Ministério Público exerce suanobre missão, o juiz cumpre sua relevante tarefa: proclamar a palavrado direito, augusta, humana, justa e necessária. É <strong>da</strong>qui que emanamas decisões que a socie<strong>da</strong>de almeja e requer, com fé e respeito; que oci<strong>da</strong>dão recolhe o altruístico sentimento de confiança na existência doEstado Democrático de Direito.É aqui que se promove o debate, se busca a aplicação <strong>da</strong> lei, se requer oamparo do Poder que tem a atribuição de julgar os homens e os conflitos,dirimir as dúvi<strong>da</strong>s, afastar as angústias, fortalecer e consagrar a ordemjurídica. É aqui, neste augusto recinto, que se administra e se faz Justiça.Vem <strong>da</strong>í a respeitosa consideração dos que labutam neste <strong>Tribunal</strong> e126R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


dos que nele depositam suas esperanças na prevalência <strong>da</strong> equi<strong>da</strong>de nahegemonia <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, na supremacia do direito e no reinado <strong>da</strong> Justiça.Tenho para mim que o povo que vive no sul do Brasil deposita to<strong>da</strong>a sua confiança na Justiça <strong>Federal</strong> e, por isso, bate às portas deste <strong>Tribunal</strong>,pedindo ao seu Presidente a instalação de uma Vara nos municípiosmais distantes desta Capital. Creio que esta é a mais autêntica prova dereconhecimento do seu importante trabalho.Assim, a Ordem, que sempre se destacou na vanguar<strong>da</strong> <strong>da</strong> luta pelorestabelecimento pleno do estado democrático de direito em nosso país,quer reafirmar neste momento sua disposição de não esmorecer jamaisna luta pela consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> democracia e na perseguição <strong>da</strong>s metasque assegurem progresso, bem-estar e paz social para o povo brasileiro.A par de nossas sabi<strong>da</strong>s responsabili<strong>da</strong>des de zelar de forma intransigentepelas prerrogativas profissionais, fiscalizar a atuação de todosos seus inscritos, em consonância com os preceitos contidos em nossoEstatuto, no Código de Ética e Disciplina e na legislação pátria, seguiremosimplacáveis no combate à impuni<strong>da</strong>de e à corrupção. É o queespera de nós a socie<strong>da</strong>de brasileira e particularmente as enti<strong>da</strong>des civisque ombreiam com a Ordem, principalmente ao longo dos últimos anos.Senhora Presidente,Vivemos as inquietudes de um ciclo histórico que se cumpriu e outroque já iniciou sua vigência.Cabe-nos encontrar os caminhos que possam servir ao desenvolvimento,mas que se priorize a educação e a Justiça. A primeira, por serfun<strong>da</strong>mental para o crescimento racional não apenas produtivo, mascapaz de satisfazer necessi<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mentais para uma vi<strong>da</strong> digna <strong>da</strong>população. De digni<strong>da</strong>de lhes falo e, portanto, na<strong>da</strong> mais próximo <strong>da</strong>digni<strong>da</strong>de do que o conceito ver<strong>da</strong>deiro de Justiça.Advogados que somos, comprometidos com a socie<strong>da</strong>de, diante <strong>da</strong>expressa determinação constitucional, queremos, sim, continuar a serparticipantes ativos e indispensáveis para a administração <strong>da</strong> Justiça noâmbito de jurisdição deste Egrégio <strong>Tribunal</strong>. E, assim como estivemosaté a presente <strong>da</strong>ta irmanados pelo espírito fraterno de cooperação e desprendimento,desejamos prosseguir aliados aos esforços <strong>da</strong> DigníssimaPresidente e dos demais membros <strong>da</strong> sua Diretoria.Desembargadora Marga Barth Tessler:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 127


Desde sua colação de grau no Curso de Direito <strong>da</strong> PUCRS, ondefoi aluna laurea<strong>da</strong>, Vossa Excelência palmilhou os caminhos do êxito,do fecundo labor e <strong>da</strong> acentua<strong>da</strong> distinção profissional. Seu currículo éadmirável e extraordinárias são suas experiências acumula<strong>da</strong>s ao longo<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> profissional, como Procuradora Estadual, Procuradora <strong>Federal</strong>e, motivo de orgulho para a Ordem, brilhante advoga<strong>da</strong>.Ao seu lado, para o cumprimento de importantes atribuições, estaráo eminente desembargador Luiz Carlos de Castro Lugon, igualmenteadvogado de marcante atuação profissional, ex-Procurador-Chefe doIapas, Consultor Jurídico do Inamps, com destaca<strong>da</strong> folha de serviçosprestados.Exemplar no exercício de suas funções, deixa a marca de profun<strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>dee compreensão no trato <strong>da</strong>s questões pertinentes à advocacia.Para o seu lugar, como Corregedor <strong>Regional</strong>, recebe o TRF4 o vigorosoimpulso proveniente <strong>da</strong> experiência e <strong>da</strong> consagra<strong>da</strong> competênciado Desembargador Ta<strong>da</strong>aqui Hirose.Em nome <strong>da</strong> Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do RioGrande do Sul, transmito a Vossas Excelências meus respeitosos e efusivoscumprimentos e a Vossas Excelências, Senhores Desembargadores,desejamos êxito na gestão que ora se inicia e felici<strong>da</strong>de constante.Muito obrigado.128R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


<strong>Discurso</strong> * Ta<strong>da</strong>aqui Hirose **Excelentíssimo Senhor Desembargador <strong>Federal</strong> Vilson Darós, Presidentedo <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, em nome de quemsaúdo as demais autori<strong>da</strong>des presentes.Prezados Juízes Federais Substitutos hoje empossados: é com grandeprazer e imensa honra que, a partir de agora, posso chamar VossasExcelências de colegas.A Justiça <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> está de parabéns por reforçar seu jáqualificado quadro de julgadores com profissionais tão competentes. Ossenhores comprovaram a sua capacitação e o seu conhecimento jurídicoao vencer, degrau por degrau, ca<strong>da</strong> desafio imposto por este que é umdos mais concorridos concursos para a magistratura no Brasil. Entre2.861 candi<strong>da</strong>tos inscritos, os 25 aprovados representam apenas 0,87%.É uma conquista de dimensão incalculável. Essa distinção, porém,a par de ser motivo de justo orgulho para os senhores e para seus familiarese amigos, é também o momento em que lhes é outorga<strong>da</strong> umaárdua e perpétua responsabili<strong>da</strong>de: a nobilíssima missão de julgar, deinterpretar o direito para fazer justiça – sem nunca esquecer que, atrás deca<strong>da</strong> calhamaço dos antigos autos de papel ou de ca<strong>da</strong> página virtual no*<strong>Discurso</strong> proferido em sau<strong>da</strong>ção aos 20 Juízes Federais Substitutos empossados em Sessão Solene realiza<strong>da</strong>no TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> em 06.06.2011.**Desembargador <strong>Federal</strong>, então Diretor <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> Magistratura do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 129


moderno processo eletrônico, há vi<strong>da</strong>s de pessoas de ver<strong>da</strong>de que vêmàs portas do Judiciário buscar amparo contra violações de to<strong>da</strong> ordem.O disputado certame, que chega a seu ponto culminante na presentesessão solene de posse, atinge esse ápice no ano em que a Escola <strong>da</strong>Magistratura do TRF completa uma déca<strong>da</strong> de destaca<strong>da</strong> atuação. Nodecorrer desse decênio, ao longo <strong>da</strong>s sucessivas gestões, a jovem Emagistornou-se conheci<strong>da</strong> e reconheci<strong>da</strong> em todo o país.Integrando a programação comemorativa ao 10º aniversário, a partirde amanhã a Escola realizará o Curso de Formação Inicial na Carreira<strong>da</strong> Magistratura. Até o final <strong>da</strong> próxima semana, as ativi<strong>da</strong>des pretendemfamiliarizar os novos juízes com os principais aspectos <strong>da</strong> rotina judiciáriae do funcionamento <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>. Os conteúdosprogramados estão em sintonia com as diretrizes traça<strong>da</strong>s pela EscolaNacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) epelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).Como Diretor <strong>da</strong> Emagis e Presidente <strong>da</strong> Comissão Examinadora do14º Concurso Público para Provimento de Cargo de Juiz <strong>Federal</strong> Substituto,aproveito para agradecer de público ao inestimável trabalho dosdemais componentes <strong>da</strong> banca: Desembargadores Federais Luiz FernandoWowk Penteado, Joel Ilan Paciornik, Luís Alberto d’Azevedo Aurvallee Ricardo Teixeira do Valle Pereira; Doutores Luiz Felipe Lima de Magalhãese Raimar Rodrigues Machado; e Professores Roberto CatalanoBotelho Ferraz e Sérgio Cruz Arenhart. Com desprendimento, dedicaçãoe saber jurídico excepcional, prestaram valiosíssima contribuição paraque o certame tivesse sucesso e chegasse a este bom termo.Agradeço ain<strong>da</strong> ao Presidente do <strong>Tribunal</strong>, pelo apoio permanenteà Comissão Examinadora; e aos servidores <strong>da</strong> Emagis, em especial àAssessora Isabel Cristina Lima Selau, que secretariou o concurso. Semo auxílio qualificado desse corpo funcional, resta bem claro que seriainviável a própria Corte organizar um processo seletivo de tamanho vultoe tão grande complexi<strong>da</strong>de.Dito isso, é imperioso que eu retome o tema mais importante destatarde e de to<strong>da</strong>s as suas jorna<strong>da</strong>s de agora em diante: a divina e humanaresponsabili<strong>da</strong>de de julgar, essa missão que é fardo e bênção a um sótempo.Bênção porque não há incumbência mais gratificante do que a de130R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


uscar justiça. Muito mais importante do que o poder do cargo é a oportuni<strong>da</strong>dede cumprirmos nossa função social. Aliás, esse é o objetivo<strong>da</strong>s nossas prerrogativas. Esse poder não é um fim em si mesmo, masum meio para prestarmos um serviço digno, eficiente e imprescindível àsocie<strong>da</strong>de e ao país. Somos agentes do Poder Judiciário, sim. Mas temosque ter, ca<strong>da</strong> vez mais, a consciência de que somos também servidorespúblicos – e que isso muito deve nos honrar.Ao mesmo tempo, é um fardo. E, aqui, essa palavra não tem nenhumaconotação negativa. Trata-se do dever que temos de <strong>da</strong>r a devi<strong>da</strong> atençãoao tamanho de nossa responsabili<strong>da</strong>de. Sem desmerecer o perfil de quematuou no passado, em outros contextos históricos, a Justiça brasileira,acompanhando a evolução, mudou nas últimas duas déca<strong>da</strong>s. Está maisdemocrática, aprimorou-se para fazer frente aos desafios do aumento dedeman<strong>da</strong> verificado a partir <strong>da</strong> Constituição de 1988.Os juízes estão mais modernos, mais próximos <strong>da</strong> população, trabalhamcom novas tecnologias, despacham em processos eletrônicos,flexibilizam as rotinas judiciárias, adotam a simplificação e a informali<strong>da</strong>denos juizados especiais, propõem acordos, atuam com transparência,comunicam-se com os jurisdicionados inclusive por meio <strong>da</strong> imprensa.Tudo isso é benéfico, mas não se pode confundir esse avanço comomissão, negligência ou flexibilização de limites éticos. O magistradonão deve ser autoritário, mas tem que manter sua autori<strong>da</strong>de e sua integri<strong>da</strong>demoral, seja na vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong>, seja na pública; é melhor que não sejaaustero e distante, mas essa mu<strong>da</strong>nça de postura não retira a serie<strong>da</strong>dedo seu encargo.Claro que, por nossa natureza humana, podem ocorrer falhas, masnunca por falta de empenho, foco ou precaução. Como Charles Chaplindisse no famoso discurso do filme O grande ditador, “Não sois máquinas,homens é que sois”. Não somos máquinas nem deuses. Somos pessoas.E essa dimensão humana, se nos torna falíveis, também é fun<strong>da</strong>mentalpara julgarmos com razão e sensibili<strong>da</strong>de.Nobres novos colegas: antes de concluir esta breve sau<strong>da</strong>ção, desejoaos senhores não apenas uma boa celebração por esta conquista tãorelevante, mas uma profícua e exitosa carreira. A socie<strong>da</strong>de brasileiraconta com seu talento, sua sabedoria, seu bom senso e sua dedicação.E, para encerrar, quero compartilhar com Vossas Excelências um “so-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 131


neto jurídico” cujos versos foram compostos e cantados por um homemde grande talento nas Letras e no Direito: Luiz Carlos de Castro Lugon,Desembargador desta Casa de Justiça. Nestas estrofes inspira<strong>da</strong>s queagora cito, fica para os novos juízes uma bela lição do poeta magistradosobre o que de fato importa na concretização de seu elevado mister:“Direito, meu amigo, é como o vinhoque tramita no bojo do processofluido que é, não pode an<strong>da</strong>r sozinhoe à mesa do conviva ter acessoEncontrarás, <strong>da</strong>s lides no caminho,intérpretes de pose e de sucesso,que, atados aos grilhões do pergaminho,um passo a mais não dão pelo progressoPresos assim à letra tanto, tanto,cultuam mais o barro do que o santoesse legem habemus não aceitoQuem a má exegese não descartacui<strong>da</strong> demais que o vidro não se partaderrama e perde a essência do direito” 1Muito obrigado!1LUGON, Luiz Carlos de Castro. In: SEMINÁRIO sobre reforma do CPC começa no TRF com poesia ecultura jurídica. Portal <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> – Notícias, Porto Alegre, 4 ago. 2005. Disponível em: Acesso em: 3 jun. 2011.132R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


<strong>Discurso</strong> * Leandro Cadenas Prado **Exmo. Sr. Desembargador <strong>Federal</strong> Vilson Darós, Presidentedo <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, na pessoa de quem peçovênia para sau<strong>da</strong>r to<strong>da</strong>s as autori<strong>da</strong>des presentes e já nomina<strong>da</strong>s; ama<strong>da</strong>Margarita Aquilina Cadenas, minha mãe, na pessoa de quem saúdo atodos os familiares, amigos e presentes.Era verão de 1993. Tinha completado recentemente 20 anos dei<strong>da</strong>de e caminhava, ain<strong>da</strong> com bermu<strong>da</strong>s e tênis, pelo centro de Curitiba.Ao passar em frente a uma agência dos Correios, vi um cartaz divulgandoo concurso para os cargos de técnico, atendente e auxiliar do <strong>Tribunal</strong><strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.Nessa ocasião, eu sequer sabia o que era um TRF, ou a diferençaentre STF e STJ. Lembro-me, aliás, de ter decorado, para o concurso,a diferença entre carta precatória e carta rogatória! Mesmo assim, fiz ainscrição e resolvi estu<strong>da</strong>r até a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> prova. Fui aprovado e comeceia trabalhar como atendente, cargo que hoje foi renomeado para técnicojudiciário. Minha lotação inicial foi na 1ª Vara de Execuções Fiscais,cujo titular era o hoje Des. <strong>Federal</strong> Néfi Cordeiro, sendo que o Diretor de* <strong>Discurso</strong> proferido em nome dos 20 Juízes Federais Substitutos empossados em Sessão Solene realiza<strong>da</strong>no TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> em 06.06.2011.** Primeiro colocado no XIV Concurso Púbico para Provimento de Cargo de Juiz <strong>Federal</strong> Substituto <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 133


Secretaria era o Dr. Marcos Hideo Hamasaki, hoje Juiz <strong>Federal</strong> e Diretordo Foro <strong>da</strong> Subseção Judiciária de Joinville. Naquela ocasião, o Diretordo Foro <strong>da</strong> Seção Judiciária do PR era o Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose,presidente <strong>da</strong> comissão deste concurso.Foi um ótimo período <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>. Aí comecei a entender o queera a JF e a tomar gosto pelo Direito. Em 1997 me formei em engenhariaelétrica e em 2000 fui aprovado no concurso para auditor-fiscal <strong>da</strong> Receita<strong>Federal</strong>, cargo ocupado até ontem.Na despedi<strong>da</strong> do cargo de técnico, lembro-me também de tercomentado com os colegas que eu iria para a Receita, mas voltaria àJF ocupando o cargo de juiz!! Como havia gostado muito <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de,decidi, já naquela ocasião, investir meu tempo e meus estudos narealização desse sonho.E assim foi. Na mesma semana <strong>da</strong> posse como auditor, pesquisei dentreas facul<strong>da</strong>des <strong>da</strong> locali<strong>da</strong>de aquela onde poderia cursar Direito e inicieio curso no mês seguinte.Longos anos se passaram e, após uma centena de livros lidos,dezenas de canetas consumi<strong>da</strong>s e milhares de páginas escritas, aqui estou,finalmente, realizando o sonho <strong>da</strong> magistratura!Importante ressaltar que hoje já sei o que é um TRF, e tambéma diferença entre STF, STJ, carta precatória e carta rogatória!!Não tenho dúvi<strong>da</strong>s de que essa minha história, em muitosaspectos, se assemelha à dos colegas que hoje tomam posse neste que éum dos cargos mais importantes <strong>da</strong> República, o que faz avultar nossaresponsabili<strong>da</strong>de a partir de agora.O Poder Judiciário já não é mais um mero espectador relegadoa segundo plano. No passado, tanto o Legislativo quanto o Executivo jáestiveram em posição de destaque.Hodiernamente penso que esse posto cabe ao Judiciário, com oóbvio respeito que os demais Poderes merecem em um Estado de Direito.O constitucionalismo, a judicialização de políticas públicas, agarantia <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de humana e do bem-estar social, o efeito vinculante<strong>da</strong>s decisões <strong>da</strong> Suprema Corte, o constante crescimento <strong>da</strong> busca porsoluções judiciais, mormente após o advento dos juizados especiais, bemdemonstram tal grau de relevância.E nesse ponto o papel do magistrado é crucial. Não detemos, e134R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


hoje já posso me incluir como tal, legitimação popular, já que não somoseleitos. O magistrado, em regra, ascende ao cargo por meio do concursopúblico, em um sistema tipicamente meritocrático. Isso busca <strong>da</strong>r aisenção necessária para bem cumprir nossa tarefa, pacificando conflitosà luz <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.Ante a diretriz do amplo acesso ao Judiciário alberga<strong>da</strong> pela atualCarta Magna, como se disse, o volume de deman<strong>da</strong>s vem crescendoexponencialmente, restando quase inviabiliza<strong>da</strong> a tarefa do antigo juiz,em face <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong>de assombrosa de feitos.O Judiciário em muito tem evoluído, tanto sob o aspectolegislativo quanto sob o pessoal e o administrativo.Citem-se inovações como as súmulas vinculantes, a abstrativizaçãodo controle difuso de constitucionali<strong>da</strong>de, a exigência de repercussãogeral nos recursos extraordinários, as regras dos recursos repetitivos,<strong>da</strong>s ações coletivas e causas multitudinárias.Agregue-se a isso o nascimento do processo eletrônico, reali<strong>da</strong>deque faz deste egrégio TRF exemplo nacional.Não se pode olvi<strong>da</strong>r a recente criação de centenas de novas varasfederais, algumas <strong>da</strong>s quais geraram vagas ora preenchi<strong>da</strong>s. Um dosobjetivos foi o de levar para o interior a JF, fato que também destaca esteTRF no cenário pátrio, já que a excelência <strong>da</strong>s administrações que aquise sucederam é facilmente percebi<strong>da</strong> observando-se a interiorização na<strong>Região</strong>.Ademais, também importa lembrar a relevância <strong>da</strong> justiçaitinerante e <strong>da</strong>s turmas descentraliza<strong>da</strong>s dos Tribunais, conforme previstopela EC 45 de 2004.Nesse contexto, 20 novos juízes hoje são empossados. O desafiode chegar até aqui foi grande. Contudo, a partir de hoje, os novos desafiosserão ain<strong>da</strong> maiores e diferentes, no dia a dia <strong>da</strong> judicatura. Até ontema relevância era pessoal. A partir de hoje, social!Além do conhecimento técnico, exige-se do novo juiz uma posturahumana, paciente, tranquila e, ao mesmo tempo, segura e firme.Acrescento que o novo juiz também deve ser um bomadministrador. Não li<strong>da</strong>remos apenas com leis e processos frios e semrosto, mas também com pessoas e suas histórias.Igualmente teremos que administrar estoque de processos, prazos,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 135


estatísticas. Buscar formas de <strong>da</strong>r maior eficiência ao nosso trabalho etambém tornar mais frutífero e produtivo o ambiente interpessoal e seusmúltiplos relacionamentos.Enfim, são muitos os desafios. Mas estou certo de que dispomosde todo instrumental para superá-los e, acima de tudo, e afirmo issocom convicção, em nome de todos, dispomos do desejo íntimo de poderdistribuir a ver<strong>da</strong>deira Justiça a quantos dela necessitem.Por fim, gostaria de fazer alguns agradecimentos:Primeiramente a Deus, como quer que ca<strong>da</strong> um dos senhores oconceba, pelo dom <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.À Presidência deste egrégio TRF e à banca do concurso, que tãobem o conduziu, sempre mostrando-se respeitosa, profissional e isentaem to<strong>da</strong>s as suas fases.Aos familiares e amigos que, ca<strong>da</strong> qual à sua maneira,incentivaram, auxiliaram ou simplesmente torceram pela nossaaprovação. Nosso sucesso é também de vocês, obrigado! Que Deus nosabençoe.136R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


<strong>Discurso</strong> * João Batista Pinto Silveira **Eminente Desembargadora Marga Inge Barth Tessler, Presidente destaCorte, em nome de quem saúdo to<strong>da</strong>s as autori<strong>da</strong>des presentes, caroscolegas, magistrados, advogados, integrantes do Ministério Público, <strong>da</strong>Defensoria Pública, servidores desta Casa, familiares do empossado,senhoras e senhores, Desembargador Rogerio Favreto.Inicialmente, agradeço a grande honra a mim conferi<strong>da</strong> em momentotão solene e importante como a posse de um novo integrante desta Corte.Serei o mais breve possível em minhas palavras. Curvo-me às característicasdeste terceiro milênio. O mundo atualmente não comporta maislongos e eruditos discursos. Vivemos a era <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de otimizaçãodo tempo, <strong>da</strong> informática, <strong>da</strong> comunicação visual, <strong>da</strong>s redes sociais, doreconhecimento dos direitos <strong>da</strong>s minorias. O mundo está mu<strong>da</strong>ndo emveloci<strong>da</strong>de talvez nunca antes detecta<strong>da</strong>.Entretanto, a brevi<strong>da</strong>de possível a que me refiro não significa superficiali<strong>da</strong>de,apenas representa uma busca pela essência fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong>quiloque deve ser dito e refletido em um momento como este.Mas, mesmo imbuído desse espírito de brevi<strong>da</strong>de, pela riqueza <strong>da</strong>experiência de vi<strong>da</strong> do Desembargador Rogerio Favreto e pelo seu ex-*<strong>Discurso</strong> de sau<strong>da</strong>ção ao Desembargador <strong>Federal</strong> Rogerio Favreto quando <strong>da</strong> sua posse no TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, em 11.07.2011.**Desembargador <strong>Federal</strong> do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 137


tenso currículo profissional e acadêmico, já antecipo que será uma difíciltarefa. Prometo esforçar-me.Inicialmente, cumpre ressaltar que o Dr. Rogerio Favreto vem integrareste <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> pelo quinto constitucional, havendo obtidoo 1º lugar na Seccional <strong>da</strong> OAB/RS, bem como no Conselho <strong>Federal</strong> <strong>da</strong>OAB, com votação histórica na qual obteve indicação de 27 entre as 28banca<strong>da</strong>s, integra<strong>da</strong>s, ca<strong>da</strong> uma, por 3 conselheiros federais votantes, oque vem a demonstrar, ain<strong>da</strong> mais, a legitimi<strong>da</strong>de de sua representação.Tal fato espelha, sem sombra de dúvi<strong>da</strong>, sua liderança junto à nobre classedos advogados que representa, classe esta que também tenho o orgulhode representar neste <strong>Tribunal</strong>.Neste tópico, não posso deixar de ressaltar e enaltecer a profícua ehonrosa contribuição à Justiça presta<strong>da</strong> pelo Desembargador <strong>Federal</strong>Valdemar Capeletti, que durante mais de 10 anos exerceu a jurisdiçãoneste <strong>Tribunal</strong>, sempre fiel às suas origens de advogado e comprometidocom uma jurisdição célere e efetiva.Sua Excelência, além <strong>da</strong> competência técnica, marcou sua atuaçãonesta Corte sempre com um espírito alegre, gentil com os colegas e acessívelaos jurisdicionados na sua maior concepção, aliás, acessibili<strong>da</strong>deesta que se espera de quem presta tão relevante serviço à socie<strong>da</strong>de.Para a vaga do Desembargador Capeletti, decorrente de sua mereci<strong>da</strong>aposentadoria, foi escolhido, e hoje toma posse, o DesembargadorRogerio Favreto.Nascido no município de Tapejara/RS, em 02.03.1966, único filhohomem de pais agricultores, atuou no apoio <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des de agriculturafamiliar com o pai Orlando, já falecido, e a mãe Elidia Favreto desdea infância.Com a companheira Marli Luzza é pai <strong>da</strong> única filha, Isadora LuzzaFavreto, nasci<strong>da</strong> em 1º de abril de 1996.Durante o ensino de 1º e 2º graus, estudou no turno <strong>da</strong> manhã e àtarde trabalhava na lavoura, restando a noite para as tarefas escolares ea preparação para as provas.Os finais de semana eram para jogar futebol com os amigos e vizinhos,brincadeiras nos rios e campinhos no interior de Tapejara/RS, aforaeventuais bailes e matinês nos clubes paroquiais.Seu gosto pelo futebol permanece até hoje. É fervoroso torcedor do138R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


Sport Club Internacional, sendo integrante do seu Conselho Deliberativo.Sabedor <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des dos pais prescindirem de tempo integralpara as lides <strong>da</strong> lavoura, já que único filho homem, teve muita dedicaçãoaos estudos pela valorização do esforço dos genitores na busca de outraformação profissional, a fim de retribuir depois à família.À época tinha a companhia <strong>da</strong> irmã Silvana, hoje dedica<strong>da</strong> e batalhadoraprofessora pública. Depois vieram a outras irmãs: Catia, enfermeira,e Fabiana, então colega advoga<strong>da</strong>.Mercê dessa situação, foi aluno esforçado em todo o curso primárioe no secundário, logrando sempre aprovação antecipa<strong>da</strong> e por média(como se dizia na época), mas tudo com muitas dificul<strong>da</strong>des pessoais efinanceiras.Depois veio o ingresso na facul<strong>da</strong>de de Ciências Jurídicas e Sociais,tomando uma opção atípica para o seu meio social. Na escolha do curso deDireito à noite, pesou a necessi<strong>da</strong>de de conciliar o trabalho e os estudos.Ingressou na Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Passo Fundono segundo semestre de 1984. Foi um período de muitas descobertas ede muito esforço. As viagens diárias de 50 km para ir e 50 km para voltareram difíceis, seja pelo tempo, seja pelo pó e pelo barro <strong>da</strong> maior partedo caminho sem asfalto. Mas tudo valia a pena pela esperança de que agraduação trouxesse um futuro melhor à família.Logo se identificou com o curso, apaixonando-se pelas letras jurídicas,tempo que lhe despertou o interesse pela política estu<strong>da</strong>ntil, jáensaia<strong>da</strong> nas turmas de jovens rurais <strong>da</strong> Igreja Católica. Foi um períodode descoberta vocacional, porém de muita austeri<strong>da</strong>de em razão do altocusto <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de particular, quase incompatível com os recursos deque a família dispunha.Os estudos foram desafiadores, mas a vontade e a responsabili<strong>da</strong>deforam <strong>da</strong>ndo formato ao futuro advogado, forjando sua visão do direitocomo instrumento de justiça e transformação social.Concluiu regularmente a facul<strong>da</strong>de de Direito em 5 anos, com distinção<strong>da</strong> melhor avaliação e obtendo o 1º lugar entre os formandos <strong>da</strong>Turma de 1989.Ao mesmo tempo em que se preparou para a facul<strong>da</strong>de, o Dr. Favretofez concurso público, sendo aprovado em uma <strong>da</strong>s três vagas parao cargo de fiscal <strong>da</strong> Prefeitura de Tapejara, assumindo em janeiro deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 139


1985, ocasião em que deixou a família no interior para iniciar sua vi<strong>da</strong>profissional na ci<strong>da</strong>de.Mesmo assim, nunca deixou de ir ao encontro dos pais nos finais desemana, para auxiliá-los nas ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> agricultura familiar, comoretribuição a todo apoio recebido.Logo no segundo ano do novo emprego, por questões políticas típicas<strong>da</strong> época, foi transferido provisoriamente para o Cartório Eleitoral <strong>da</strong>Comarca de Tapejara, para apoio no reca<strong>da</strong>stramento eleitoral de 1986.Desempenhou essa função de 1986 a 1989, o que lhe permitiu conciliaras lições teóricas com a prática forense, já que, além <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>Justiça Eleitoral, atuava no cartório judicial, em suas varia<strong>da</strong>s rotinas,e, o que mais gostava, <strong>da</strong>tilografando as sentenças manuscritas pelosmagistrados que por lá atuaram. Dessa forma, aproveitava para estu<strong>da</strong>rtodo o processo e já pensar na atuação <strong>da</strong> sonha<strong>da</strong> profissão de advogado.Concluiu o curso em julho de 1989 e, já preparado para inaugurar suaativi<strong>da</strong>de advocatícia, veio a notícia de que havia sido premiado comuma bolsa de estudos para a Escola Superior do Ministério Público emPorto Alegre, por ter obtido o primeiro lugar entre os formandos.A partir <strong>da</strong>í, iniciou-se uma fase de a<strong>da</strong>ptação com a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> capital,seja pela ansie<strong>da</strong>de e pela necessi<strong>da</strong>de de trabalhar para seu sustento,seja pela sau<strong>da</strong>de <strong>da</strong> família. Entretanto, as coisas foram mais rápi<strong>da</strong>sdo que imaginava o jovem advogado: em dois meses já estava atuandona advocacia particular. Iniciou na área cível, trabalhista e de consultoriasindical, em um escritório estruturado em parceria com o então DeputadoEstadual José Fortunati, hoje Prefeito de nossa Capital; o entãovereador de Porto Alegre João Motta; e o ain<strong>da</strong> acadêmico de direitoRicardo Giuliani.Foram cerca de 6 anos de advocacia priva<strong>da</strong>, conciliados em partecom convites para assessoria jurídica e política. A primeira experiênciafoi a assessoria jurídica nas Câmaras dos Vereadores de Porto Alegre eCachoeirinha, para elaboração <strong>da</strong>s Leis Orgânicas Municipais. A partirdessas experiências e contatos surgiu o convite para a assessoria jurídicana Procuradoria do Município de Porto Alegre, o que o levou a despertarpara a advocacia pública.O interesse pela advocacia pública o fez retomar os estudos para osconcursos públicos. Apesar <strong>da</strong> dura rotina de trabalho, obteve aprovação140R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


em dois concursos públicos no Município de Porto Alegre: Assessor paraAssuntos Jurídicos e Procurador Municipal.Teve rápi<strong>da</strong> ascensão profissional no Município de Porto Alegre.Em 1996 ocupou o cargo de Assessor Jurídico do Prefeito Municipal –função equivalente à subchefia jurídica, com a atribuição de assessorardiretamente o então Prefeito Tarso Genro, hoje Governador de nossoEstado, cuja presença traz um significado todo especial a esta soleni<strong>da</strong>de.Na sua gestão de dirigente <strong>da</strong> Procuradoria-Geral do Município dePorto Alegre, inovou na política proativa do advogado público, comdestaque para o papel preventivo na esfera jurídica e a aproximação dooperador do direito com a viabilização de políticas municipais. Comisso buscou superar a posição defensiva e predominantemente legalistastricto sensu, por uma visão informa<strong>da</strong> pelos princípios constitucionais<strong>da</strong> Administração Pública, mormente o interesse público, a razoabili<strong>da</strong>de,a motivação e a eficácia <strong>da</strong> máquina estatal, combina<strong>da</strong> com umaatuação do procurador público integra<strong>da</strong> com as demais áreas técnicas,em especial as áreas finalísticas de prestação do serviço à população.Nessa linha, entre tantos, destaca-se o projeto instalado na PGMdenominado “Junta Administrativa de Indenizações – JAI”, que funcionacomo um juizado especial interno <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Pública Municipal,permitindo ao ci<strong>da</strong>dão buscar a reparação de direitos violados ou <strong>da</strong>nosocasionados pelo poder público na via administrativa.Dando continui<strong>da</strong>de a sua trajetória, agora no âmbito federal, foi AssessorEspecial <strong>da</strong> Subchefia Jurídica <strong>da</strong> Casa Civil. Chefiou a ConsultoriaJurídica do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.Chefiou, também, a assessoria especial <strong>da</strong> Secretaria de RelaçõesInstitucionais <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong> República. Foi Secretário Nacional deReforma do Judiciário, no Ministério <strong>da</strong> Justiça, período em que teve destaca<strong>da</strong>participação na coordenação do II Pacto Republicano de ReformasNormativas, no combate à morosi<strong>da</strong>de do Judiciário, no fortalecimentoe na valorização <strong>da</strong> advocacia.Destaco que o eminente Des. <strong>Federal</strong> Rogerio Favreto deu fun<strong>da</strong>mentalcontribuição na elaboração <strong>da</strong> lei que criou 230 varas federais e noprojeto de fortalecimento <strong>da</strong> mediação e <strong>da</strong> conciliação, que foi gestadonesta Corte e difundido posteriormente em todo Brasil.Não poderia deixar de referir, ain<strong>da</strong>, mesmo que de forma sucinta, oR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 141


currículo do novo Desembargador no que diz respeito à sua vi<strong>da</strong> acadêmicae à sua vasta produção científica, igualmente ricas e profícuas,bem como na área do magistério superior.Graduado como bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universi<strong>da</strong>dede Passo Fundo, mestrando em Direito pela Unisinos, na área deInstituições de Direito do Estado, sua excelência teve 5 livros publicados.Entre outras ativi<strong>da</strong>des, foi (1) membro do Conselho Superior do PrêmioInnovare; (2) membro <strong>da</strong> Comissão de Direitos Humanos <strong>da</strong> seccional<strong>da</strong> OAB/RS; (3) membro do Conselho Científico do Observatório <strong>da</strong>Justiça Brasileira, Presidente <strong>da</strong> Comissão de Alto Nível sobre Direitosdo Trabalho; (4) Presidente <strong>da</strong> Comissão do III Diagnóstico <strong>da</strong> DefensoriaPública; (5) Membro Titular do Grupo de Trabalho Interministerial sobreArbitragem; (6) Membro Titular e Coordenador do Grupo de TrabalhoInterministerial sobre os Serviços Notariais e de Registro; (7) Coordenadordo Comitê Interinstitucional de Gestão do II Pacto de Estado; (8)Presidente <strong>da</strong> Comissão de Acompanhamento do Curso de Capacitaçãode Magistrados e Servidores em Técnicas de Mediação.Integrou representações internacionais do governo brasileiro, taiscomo: (1) representante do Brasil no Conselho de Direção de ConsórciosEUROsocial/Justiça – comissão europeia. Paris/França 2007/2010;(2) Coordenador Nacional junto à Conferência de Ministros de Justiçados Países Ibero-Americanos – COMJIB, Madrid/Espanha 2007/2010;(3) participante <strong>da</strong> Iber Rede – Rede Latino-Americana de CooperaçãoJurídica Internacional. Punta del Este/Uruguai 15 e 16/11 de 2007; (4)membro <strong>da</strong> Delegação Brasileira na 9ª Conferência Bienal “Igual<strong>da</strong>dee Justiça para Todos”, <strong>da</strong> Associação Internacional <strong>da</strong>s Mulheres Juízas(IAWJ), Ci<strong>da</strong>de do Panamá, 25 a 26 de março 2008; (5) Secretário--Geral Adjunto <strong>da</strong> Conferência dos Ministros <strong>da</strong> Justiça dos PaísesIbero-Americanos.Sua excelência também participou, a partir do ano de 2006, comoconferencista e palestrante em cerca de 37 eventos internacionais <strong>da</strong>mais alta relevância, bem como de 82 eventos nacionais.Cumpre-me destacar a sua coautoria em diversos livros jurídicos eprojetos de lei, dentre os quais menciono os estudos e comentários à leique criou o instituto <strong>da</strong>s Ações Civis Públicas, instrumento de fun<strong>da</strong>mentalimportância em momento de tão excessiva carga de litigância142R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


envolvendo grupos e questões coletivas e homogêneas. Também foiautor de mais de 25 livros jurídicos, havendo prefaciado e apresentadoem torno de 20 livros e publicações.Exerceu o magistério na Escola Superior de Direito Municipal, noCurso de Especialização em Advocacia Municipal (Ufrgs), no Curso dePós-Graduação em Direito Municipal (Centro de Ensino Superior deSanta Catarina – Cesusc) e no Curso de Pós-Graduação em AdministraçãoPública (Universi<strong>da</strong>de do Oeste de Santa Catarina – Unoesc).Em continui<strong>da</strong>de, dirijo-me ao nobre colega para dizer que Vossa Excelênciatem um longo futuro em nosso <strong>Tribunal</strong>. Esta Corte representa aunião de esforços entre servidores, magistrados, advogados, procuradoresfederais, defensores públicos, <strong>da</strong> advocacia <strong>da</strong> Caixa Econômica <strong>Federal</strong>,membros <strong>da</strong> Advocacia Geral <strong>da</strong> União e tantos outros trabalhadoresque, de forma direta e indireta, auxiliam na construção <strong>da</strong> boa e célereprestação jurisdicional que a socie<strong>da</strong>de tanto necessita e almeja.É preciso reconhecer o trabalho contínuo e determinado, e quasesempre anônimo, <strong>da</strong> grande maioria dos juízes que, com idealismo eindependência, realizam a Justiça cotidianamente.Repasso-lhe neste momento, caro colega, o ensinamento que me foigenerosamente ofertado pela atual Presidente desta Corte, DesembargadoraMarga Inge Barth Tessler, por ocasião de minha investidura comoDesembargador <strong>Federal</strong>, e que me tem sido de grande valia:“Não vacile, Desembargador Favreto, em pedir auxílio para a tarefa que se inicia. VossaExcelência recebe um Gabinete com excelentes servidores. Na dúvi<strong>da</strong>, peça vista, passe osseus olhos pela questão, que veem melhor do que os olhos dos outros, pela singela razãode que se trata de seu olhar.”Olhar este, acrescento eu, que vem a somar, a agregar e, por vezes,demonstrar outras perspectivas e nuances na complexa tarefa de julgare decidir acerca de direitos alheios.A função de julgar é tão antiga como a própria socie<strong>da</strong>de. Em todoaglomerado humano, por primitivo que seja, o choque de paixões e interessesprovoca desavenças que hão de ser dirimi<strong>da</strong>s por alguém. Essealguém será o juiz.A propósito, relata o jurista italiano Mauro Cappelletti:“Sob a ponte <strong>da</strong> Justiça passam to<strong>da</strong>s as dores, to<strong>da</strong>s as misérias, to<strong>da</strong>s as aberrações,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 143


to<strong>da</strong>s as opiniões políticas, todos os interesses sociais. Justiça é compreensão, isto é, tomarem conjunto e a<strong>da</strong>ptar interesses opostos: a socie<strong>da</strong>de de hoje e a esperança de amanhã.”Evidentemente que não há de ser somente o Poder Judiciário queirá arre<strong>da</strong>r to<strong>da</strong>s as mazelas sociais e econômicas que afligem nossasocie<strong>da</strong>de, até porque lhe falece competência constitucional para tarefatão ansia<strong>da</strong>, mas há de ser a justiça que, com seu permanente exemplode independência e sensibili<strong>da</strong>de, seguirá a mostrar, por meio de suasjustas e sábias decisões, o caminho para a construção de uma ordemsocial alicerça<strong>da</strong> nos princípios constitucionais, com a prevalência dosdireitos humanos, defesa <strong>da</strong> paz, defesa <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, numa socie<strong>da</strong>de maislivre, mais solidária, com menos pobreza e desigual<strong>da</strong>des sociais.O Poder Judiciário tem um compromisso histórico e moral com a preservaçãodos valores fun<strong>da</strong>mentais que protegem a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoahumana. Os juízes, em sua atuação institucional, não podem desconhecera reali<strong>da</strong>de insuprível dos direitos essenciais <strong>da</strong> pessoa, trate-se de direitosde primeira, de segun<strong>da</strong> ou de terceira gerações.E a Justiça <strong>Federal</strong> teve e tem especial protagonismo nesta caminha<strong>da</strong>de nossa pátria, na transformação <strong>da</strong> antiga colônia em país livre esoberano.Muito embora tenha sido posto a dormitar latente durante certoperíodo, o Judiciário <strong>Federal</strong> retomou sua existência e muito cresceu,especialmente nos últimos 20 anos. E não poderia ser diferente, tendo-seem conta os referenciais gigantescos do País, projetados a to<strong>da</strong>s as áreasde sua intrínseca expressão enquanto Nação.Gostaria, também, com a liber<strong>da</strong>de que nossa amizade permite, derelembrar ao mais novo integrante deste Colegiado as palavras que proferiao assumir perante esta Corte e a socie<strong>da</strong>de o compromisso de contribuirpara a melhor prestação jurisdicional possível: nunca tenha dúvi<strong>da</strong>s,quando em choque uma pretensão individual frente ao legítimo interessepúblico, em optar pelos princípios que conduzem ao bem-estar social.Nunca se pode perder de vista que a almeja<strong>da</strong> ânsia pela distribuiçãoplena e adequa<strong>da</strong> <strong>da</strong> justiça somente será efetiva<strong>da</strong> se esta for tempestiva.A plenitude, a integrali<strong>da</strong>de, a correção <strong>da</strong> decisão, pouco ou na<strong>da</strong>representarão se ela não chegar a tempo.Meu caro Desembargador Rogerio Favreto, Vossa Excelência agorapassa a integrar o TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, que o recebe como uma <strong>da</strong>s le-144R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


gítimas partes que compõem este todo, resultante <strong>da</strong> convergência deentendimentos, sempre na busca de cumprir sua missão de bem prestara melhor jurisdição.Encerro reportando-me ao mestre italiano Piero Calamandrei, que emsuas reflexões caracteriza com ímpar proprie<strong>da</strong>de a responsabili<strong>da</strong>de doato de julgar:“Conheci um químico que, quando no seu laboratório destilava venenos, acor<strong>da</strong>va àsnoites em sobressalto, recor<strong>da</strong>ndo com pavor que um miligrama <strong>da</strong>quela substância bastavapara matar um homem. Como poderá dormir tranquilamente o juiz que sabe possuir, numalambique secreto, aquele tóxico subtil que se chama injustiça e do qual uma ligeira fugapode bastar, não só para tirar a vi<strong>da</strong>, mas, o que é mais horrível, para <strong>da</strong>r a uma vi<strong>da</strong> inteiraindelével sabor amargo, que doçura alguma jamais poderá consolar?”Caro colega e amigo, Desembargador Rogerio Favreto, seja bem--vindo, continue sua trajetória profissional de sucesso e, principalmente,continue a ser feliz.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 145


<strong>Discurso</strong> * Rogerio Favreto **– Exma. Desembargadora <strong>Federal</strong> Dra. Marga Inge Barth Tessler,Presidente do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>;– Exmo. Ministro Teori Zavascki, representando a Presidência doSuperior <strong>Tribunal</strong> de Justiça;– Exma. Ministra Rosa Maria Weber Candiota <strong>da</strong> Rosa, representandoa Presidência do <strong>Tribunal</strong> Superior do Trabalho;Em nome de Vossas Excelências, saúdo to<strong>da</strong>s as autori<strong>da</strong>des e membrosdo Poder Judiciário.– Em nome do Governador do Estado do RS, Dr. Tarso Genro, e doPrefeito Municipal de Porto Alegre, Dr. José Fortunati, saúdo to<strong>da</strong>s asautori<strong>da</strong>des do Poder Executivo;– Exmo. Sr. Presidente <strong>da</strong> Câmara dos Deputados, Dep. <strong>Federal</strong>Marco Maia;Em seu nome e do Presidente <strong>da</strong> Assembleia Legislativa do RS, Dep.Estadual Adão Villaverde, saúdo to<strong>da</strong>s as autori<strong>da</strong>des e representantesdo Poder Legislativo;– Em nome <strong>da</strong> Procuradora-Chefe Substituta <strong>da</strong> Procuradoria <strong>Regional</strong><strong>da</strong> República <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Dra. Maria Emilia Correa <strong>da</strong> Costae do ex-Procurador-Geral <strong>da</strong> República, aqui presente, Dr. Antonio*<strong>Discurso</strong> de posse como Desembargador <strong>Federal</strong> do TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, em 11.07.2011.**Desembargador <strong>Federal</strong> do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 147


Fernando Barros e Silva, saúdo todos os representantes do MinistérioPúblico <strong>Federal</strong> e Estadual,– Exma. Conselheira Taís Schilling Ferraz, representando o ConselhoNacional do Ministério Público;– Exmo. Dr. Bruno Dantas, hoje nomeado para o Conselho Nacionalde Justiça;– Em nome do Presidente <strong>da</strong> OAB Gáucha, Dr. Claudio Lamachia,saúdo todos os Advogados, em especial os presidentes <strong>da</strong>s subseçõesdo RS, <strong>da</strong>s seccionais do Brasil, os Conselheiros Federais e estaduaisaqui presentes!– Em nome do Presidente <strong>da</strong> Associação Nacional dos ProcuradoresMunicipais, Dr. Evandro Bastos, uma sau<strong>da</strong>ção especial a todos os colegasProcuradores Municipais aqui presentes.– Eminentes Desembargadores Federais deste <strong>Tribunal</strong> que ora passoa integrar;Demais autori<strong>da</strong>des cita<strong>da</strong>s pelo cerimonial;Servidores deste <strong>Tribunal</strong>;Dirigentes e representantes de enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil;Profissionais <strong>da</strong> imprensa;Familiares e amigos presentes!Inicialmente gostaria de agradecer as palavras de boas-vin<strong>da</strong>s e estímulodo amigo e colega João Batista Silveira.Muito obrigado, não só por isso, mas por ter sido um dos principaisconstrutores desta vitoriosa caminha<strong>da</strong>. Espero continuar seguindo seusconselhos e honrar a nossa parceria. Somente amigos como você podemexagerar nos elogios e eventuais méritos do empossando. Conte semprecomigo!Hoje é um dia de muita felici<strong>da</strong>de, não só para mim, minha família,mas para todos aqueles que compartilham <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>, cabendo inicialmenteagradecer a Deus por mais esta oportuni<strong>da</strong>de e estar vivendoum momento de grande alegria e júbilo.Mas como dizer o que sinto neste momento?Penso que a melhor forma é descrever um pouco <strong>da</strong> trajetória profissionale de vi<strong>da</strong>, para, acima de tudo, agradecer às pessoas que fizerame fazem parte dela e muito contribuíram para este momento de fortíssimaemoção e grande felici<strong>da</strong>de, como também em outras conquistas.148R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


Procuro viver e curtir intensamente ca<strong>da</strong> momento. Não faço planosde longo prazo. Acredito que isso decorre <strong>da</strong> minha origem humilde!Para um guri <strong>da</strong> roça que tinha que conciliar a enxa<strong>da</strong> com os cadernos,para continuar estu<strong>da</strong>ndo além do tradicional ensino fun<strong>da</strong>mental– comum e aceitável para filhos de agricultores <strong>da</strong> minha região –,inicialmente queria apenas não ser mais um sem-terra, até porque, descendentede numerosa família italiana do interior de Tapejara – 15 tios–, meu pai ain<strong>da</strong> sequer tinha sua terra e trabalhava como arren<strong>da</strong>táriode uma pequena proprie<strong>da</strong>de rural.Mas isso somente foi possível pela bon<strong>da</strong>de e pelo esforço dos meuspais, na expectativa de oferecer um futuro melhor aos seus filhos.Desde já, quero agradecer os ensinamentos <strong>da</strong> minha Professora doensino primário, Isol<strong>da</strong> Bertollo Giacomin, que me prestigia com suapresença. Muito obrigado pelas lições iniciais que servem até hoje de basepara a minha vi<strong>da</strong>. Aproveito o momento de saudosismo para agradecera numerosa comitiva tapejarense que enfrentou os 350 km que separamTapejara de Porto Alegre.O faço nas pessoas do Prefeito Municipal de Tapejara, meu amigo econtemporâneo <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Passo Fundo, Seger Luiz Menegaz;e do ex-Prefeito e hoje Deputado Estadual Gilmar Sossella.Obrigado pela presença de vocês e de ca<strong>da</strong> um dos meus conterrâneose amigos.Sempre tive o sonho <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de, mas cursar o quê?Confesso que o curso de Direito foi uma misto entre a fuga dos serviços<strong>da</strong> lavoura praticados desde os cinco anos – na época não se falavaem trabalho infantil – e a necessi<strong>da</strong>de de estu<strong>da</strong>r à noite para trabalhardurante o dia e pagar os estudos.Mas o Direito logo me cativou, combinado com curiosi<strong>da</strong>de e militânciano movimento estu<strong>da</strong>ntil.Foram cinco anos de intensas experiências e ansie<strong>da</strong>de de me verAdvogado, para poder defender as causas e direitos dos ci<strong>da</strong>dãos, emespecial os mais excluídos.Sempre sonhei e busquei trabalhar pela inclusão social e pela diminuição<strong>da</strong>s injustiças.A conclusão <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de trouxe um alívio e a expectativa de logopraticar a Advocacia, mas também uma encruzilha<strong>da</strong> de difícil escolha.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 149


Pedi demissão <strong>da</strong> Prefeitura Municipal de Tapejara <strong>da</strong> função defiscal que exercia por concurso público desde 1985. Até aluguei umapequena sala para o futuro escritório, no mesmo prédio do Fórum <strong>da</strong>Comarca de Tapejara, local onde atuei por mais de três anos como servidormunicipal cedido ao Cartório Eleitoral. Acho que imaginava captaros clientes desprovidos de defensores, mas em ci<strong>da</strong>de pequena tudo etodos se conhecem...Oportuno agradecer aos colegas de trabalho, em especial os magistradosde então <strong>da</strong>quela Comarca, o que faço na pessoa <strong>da</strong> Dra. MariaIsabel Pereira <strong>da</strong> Costa e dos promotores, hoje procuradores de Justiça,Delmar Pacheco <strong>da</strong> Luz e Magali Manhart, que muito me apoiaram nosestudos e, em especial, na prática forense.Mas, como disse, ao mesmo tempo em que estava muito ansioso paraadvogar, recebi no início de agosto de 1989 a notícia <strong>da</strong> premiação deuma bolsa de estudos para cursar a Escola Superior do Ministério Públicoem Porto Alegre.Vibração e dúvi<strong>da</strong>s sobre qual caminho seguir. Mas o incentivo dosfamiliares e amigos auxiliaram na opção de continuar os estudos.Aí veio o novo desafio: encarar a ci<strong>da</strong>de grande, a capital. Continuarestu<strong>da</strong>ndo estava muito bom, mas precisava trabalhar para sobreviver.Daí surgiu o convite para a arroja<strong>da</strong> proposta do meu primeiro escritóriode advocacia e consultoria sindical, numa parceria com os colegasJosé Fortunati, hoje Prefeito de Porto Alegre, o amigo João Motta, hojeSecretário de Planejamento do Estado do RS, e o combativo advogadoRicardo Giuliani.Serei eternamente grato por essa oportuni<strong>da</strong>de de trabalho e aprendizado,em especial pelo significado profissional e pelo momento de amparo.Gostei tanto <strong>da</strong> minha Porto Alegre que, depois de uma experiênciana assessoria legislativa <strong>da</strong> Câmara Municipal de Porto Alegre e naProcuradoria-Geral do Município, fiz concurso para Procurador doMunicípio.Na Prefeitura, especialmente na Procuradoria, tive minhas maioresrealizações profissionais <strong>da</strong> Advocacia.A advocacia pública municipal oportunizou-me o desafio de conferirviabili<strong>da</strong>de jurídica às políticas públicas, sentindo de perto a efetivi<strong>da</strong>dedos benefícios à socie<strong>da</strong>de, ao mesmo tempo <strong>da</strong> permanente responsabi-150R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


li<strong>da</strong>de de eficiência e boa gestão dos recursos públicos. Ain<strong>da</strong> mais aquiem Porto Alegre, onde a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia é vigilante e participativa.Agradeço a presença dos colegas e amigos <strong>da</strong> advocacia públicafederal, estadual e municipal, o fazendo na pessoa dos amigos e colegasEvandro Bastos e Cristiane Nery, Presidente e Vice <strong>da</strong> AssociaçãoNacional dos Procuradores Municipais.Saúdo com muita emoção também os inúmeros colegas procuradoresmunicipais, em especial os ex e atuais Procuradores-Gerais <strong>da</strong>s capitaisaqui presentes: de Curitiba, Fortaleza, Vitória, Recife, Salvador e Aracaju– que possa não ter localizado. Somente a amizade e o saudosismo<strong>da</strong> nossa confraria do Fórum fizeram vocês atravessar o Brasil para me<strong>da</strong>r um abraço.O mais importante que levamos para a vi<strong>da</strong> são as amizades, e vocêssão ver<strong>da</strong>deiros amigos!Caros colegas Procuradores Municipais, nossa luta continua pelaconstitucionalização <strong>da</strong> carreira de procurador municipal, a única ain<strong>da</strong>pendente deste valor expresso na Constituição. Contem sempre comigo!Certamente o Presidente Marco Maia vai conseguir uma brecha na pauta<strong>da</strong> Câmara dos Deputados para votar este ano a PEC 153.Agradeço a presença massiva dos colegas <strong>da</strong> minha Procuradoriae servidores do Município de Porto Alegre, o que faço na pessoa doPresidente em exercício <strong>da</strong> APMPA – Associação dos Procuradores doMunicípio, Dr. Eduardo Tedesco. Amigo e Prefeito Fortunati: na semanaque passou tive que fazer um pedido simples que me foi muito difícil – orequerimento de exoneração. Inicialmente, não entendia por que demoreitanto para fazer singelo requerimento, mas era meu inconsciente queresistia ao desligamento <strong>da</strong> Prefeitura.Foram mais de 21 anos de trabalho, participação em muitos projetos<strong>da</strong> nossa ci<strong>da</strong>de e grandes amizades construí<strong>da</strong>s e conquista<strong>da</strong>s.Minha história de vi<strong>da</strong> se confunde com a vi<strong>da</strong> profissional no Município.Colegas e amigos <strong>da</strong> Prefeitura: estarei de alma e espírito ain<strong>da</strong>presente nessa que até hoje foi minha segun<strong>da</strong> casa.Aprendi muito na Procuradoria e fui honrado com o cargo de Procurador-Geralpor oito anos, por convite e confiança de três Prefeitos <strong>da</strong>capital, algo que inicialmente sequer imaginava.Agradeço a confiança e os ensinamentos republicanos que recebiR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 151


dos Prefeitos <strong>da</strong> capital, grandes gestores públicos, homens probos ecomprometidos com as causas sociais e o fortalecimento <strong>da</strong> democracia.Obrigado, ex-Prefeito João Verle, pela permanente transmissão <strong>da</strong>tranquili<strong>da</strong>de e pela orientação precisa, típica de alguém preparado ereconhecido desde a atuação no <strong>Tribunal</strong> de Contas do Estado.Meu agradecimento ao ex-Prefeito e hoje Deputado Estadual RaulPont, pelos constantes ensinamentos de retidão e rigidez na aplicação dosrecursos públicos. Seu prestígio é até hoje reconhecido pela populaçãonos continuados man<strong>da</strong>tos populares no legislativo gaúcho.Minha gratidão também ao ex-Prefeito, hoje Governador do Estadodo RS, Tarso Genro pelos permanentes desafios de reflexão política ejurídica, sempre desafiadores pelo seu adiantado conhecimento teóricoe pela visão transformadora do Estado.Ex-Governador Olivio Dutra, embora não tenha lhe assessorado diretamente,foi na sua gestão <strong>da</strong> Prefeitura que iniciei minha advocaciapública. Por isso, a honra pela sua presença e admiração pelo seu exemplode homem público comprometido com as causas sociais.Obrigado, meus sempre Prefeitos, pelas oportuni<strong>da</strong>des, pela confiançae pela aposta no crescimento profissional. Espero ter contribuídopara a afirmação <strong>da</strong> democracia participativa e a boa gestão pública <strong>da</strong>nossa Porto Alegre, há muito tempo reconheci<strong>da</strong> no cenário nacional einternacional.Ao Governador e amigo Tarso Genro, reforço o agradecimento pormais duas missões que recebi na sua passagem exitosa no Governo<strong>Federal</strong>.Primeiro, na assessoria <strong>da</strong> Secretaria de Relações Institucionais <strong>da</strong>Presidência <strong>da</strong> República e, por último, no comando <strong>da</strong> Secretaria Nacionalde Reforma do Judiciário no Ministério <strong>da</strong> Justiça.Não foram somente postos nobres e de grande responsabili<strong>da</strong>de, mascompartilhar cotidianamente de suas reflexões sobre o aperfeiçoamentodo Estado, <strong>da</strong> democracia e <strong>da</strong> Justiça brasileira muito me desafiaram efizeram crescer profissionalmente.Espero que tenha atendido, pelo menos em parte, os desafios dereinvenção do Estado de Direito democrático, para compatibilizá-lo àstransformações sociais e econômicas, como tarefa não só dos teóricos<strong>da</strong> democracia, mas também dos juristas conscientes <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de152R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


efetivação dos direitos fun<strong>da</strong>mentais e erradicação <strong>da</strong> pobreza.Momento de agradecer meus colegas e colaboradores do Ministério<strong>da</strong> Justiça, em particular <strong>da</strong> Secretaria de Reforma do Judiciário, ondeatuei por três anos e meio, o que faço em nome do meu amigo MarceloVieira de Campos, que tive a honra de ter como colaborador direto echefe de gabinete e hoje me sucede na direção <strong>da</strong> Secretaria de Reformado Judiciário.O Ministério <strong>da</strong> Justiça conferiu-me os mais desafiadores projetos<strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>, como a luta pela universalização do acesso à Justiça queconstruímos numa parceria estreita com as defensorias públicas de todoo Brasil.O acesso à Justiça é mais que acesso à Jurisdição: é acesso aos direitosbásicos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, e isso depende muito <strong>da</strong> qualificação e do fortalecimento<strong>da</strong> Defensoria Pública para bem representar as pessoas carentes.Uma revolução democrática do direito e <strong>da</strong> Justiça só faz ver<strong>da</strong>deiramentesentido no âmbito de uma transformação mais ampla, que inclua ademocratização do Estado e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, como nos ensina o sociólogoportuguês Boaventura de Souza Santos.Quero assim agradecer o apoio e a presença dos defensores públicosestaduais e federais aqui presentes, em nome <strong>da</strong> minha amiga FrancileneGomes de Brito, Presidente do Conselho Nacional dos DefensoresPúblicos-Gerais e Defensora Pública-Geral do Estado do Ceará.A missão mais delica<strong>da</strong> e de maior responsabili<strong>da</strong>de que recebi noMinistério <strong>da</strong> Justiça foi a formatação e a execução do II Pacto Republicanode Reforma <strong>da</strong> Justiça.Governador Tarso Genro: sob sua orientação no Ministério <strong>da</strong> Justiça,foram oito meses de negociação com os Presidentes do Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong>, <strong>da</strong> Câmara dos Deputados e do Senado <strong>Federal</strong>, para definir ostemas prioritários <strong>da</strong> pauta <strong>da</strong>s reformas do Sistema de Justiça.Em parceria com as instituições e enti<strong>da</strong>des representativas do PoderJudiciário, do Ministério Público e <strong>da</strong> Advocacia, priorizamos a concretizaçãodos direitos humanos e fun<strong>da</strong>mentais; a agili<strong>da</strong>de e a efetivi<strong>da</strong>de<strong>da</strong> prestação jurisdicional; e a democratização do acesso à justiça.Em pouco mais de um ano de execução do II Pacto Republicano, aprovamos14 leis e duas emen<strong>da</strong>s constitucionais, que conferiram mais acesso,efetivi<strong>da</strong>de e agili<strong>da</strong>de à Justiça, além de inúmeros projetos em adianta<strong>da</strong> faseR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 153


de tramitação legislativa, cabendo um agradecimento especial ao CongressoNacional, que faço hoje em nome do atual Presidente <strong>da</strong> Câmara dos Deputados,Deputado <strong>Federal</strong> Marco Maia, que muito me honra com sua presença.Esses desafios e outros oportunizaram uma estreita e cotidiana relação comtodos os setores <strong>da</strong> Justiça, uma vez que conferimos à Secretaria de Reformado Judiciário o papel de órgão de articulação e mediação entre os poderes eas instituições <strong>da</strong> Justiça.Certamente isso despertou e animou a minha participação no processo dedisputa desta vaga do quinto constitucional neste importante <strong>Tribunal</strong>.O trabalho de reformas e execução de políticas públicas de efetivação dedireitos somente foi possível pelo debate e pelas contribuições de to<strong>da</strong>s asenti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> magistratura, do Ministério Público, <strong>da</strong> defensoria e <strong>da</strong> advocacia,que agradeço em nome <strong>da</strong>s inúmeras enti<strong>da</strong>des representa<strong>da</strong>s nesta soleni<strong>da</strong>de.É momento também de agradecer o convívio e a parceria com os TribunaisSuperiores, reiterando meu agradecimento pela presença do Ministro TeoriZavascki, exemplo de magistrado, também oriundo do quinto constitucional,meu mestre e incentivador em alguns ensaios acadêmicos, bem como aosamigos e Ministros do STJ aqui presentes, Benedito Gonçalves e AntonioCarlos Ferreira.Obrigado, mais uma vez, pela sua presença, Ministra Rosa Maria WeberCandiota <strong>da</strong> Rosa, do <strong>Tribunal</strong> Superior do Trabalho, com quem tive a honrade compartilhar e muito aprender na Comissão de Juristas de reforma doDireito do trabalho, onde desenvolvemos diversos projetos de inclusão dostrabalhadores no mercado formal e garantia dos seus direitos. Alguns já foramtransformados em leis e outros ain<strong>da</strong> estão em gestação. Leve meu abraçoao Presidente do TST, o gaúcho João Oreste Dallazen, e aos demais amigos<strong>da</strong>quela Corte.Aproveito para registrar o carinho pela presença do Ministro aposentadodo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> José Neri <strong>da</strong> Silveira.Neste momento de posse sempre vem o questionamento: o que um advogadomilitante, com mais de 21 anos de advocacia, pretende na carreira <strong>da</strong>magistratura?Sou advogado por vocação, mas hoje inicio uma nova missão de integrar amagistratura federal, esperando, com minha trajetória na advocacia pública epriva<strong>da</strong>, soma<strong>da</strong> às experiências de gestão pública, emprestar o esforço para bemhonrar e responder às expectativas de tantos colegas e amigos incentivadores desteprojeto, na contínua busca <strong>da</strong> melhor prestação <strong>da</strong> Justiça aos jurisdicionados.154R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


Se estou aqui neste momento, depois de longo e qualificado processo seletivo,que disputei com nobres e competentes colegas, foi mais pelo apoio epelo incentivo dos amigos do que por eventual merecimento meu.Assumo esse desafio com a compreensão e a responsabili<strong>da</strong>de que nosensinou Ruy Barbosa:“o Poder Judiciário deve ser o baluarte <strong>da</strong>s nossas liber<strong>da</strong>des civis, o guar<strong>da</strong> <strong>da</strong> Constituição, oarbitrador dos limites <strong>da</strong> ação administrativa, o defensor <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de pública e o protetor supremo<strong>da</strong> nossa vi<strong>da</strong>, honra, digni<strong>da</strong>de e igual<strong>da</strong>de perante a lei.”Para tanto, entendo o Direito como instrumento de justiça e transformaçãosocial, sempre aproximado <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de contemporânea. Quando as instituiçõespolíticas do Estado falharem em seu dever de respeitar a Constituição e deobservar as leis, o direito deve ser reposto e jamais prevalecer pela vontadede uma só pessoa, de um só estamento, de um só grupo ou, ain<strong>da</strong>, de uma sóinstituição.Os direitos básicos do ci<strong>da</strong>dão, na concepção de to<strong>da</strong>s as declarações dosdireitos do homem, compreendem, “além dos direitos individuais tradicionais,que consistem em liber<strong>da</strong>des, também os chamados direitos sociais, que consistemem poderes”. Mas “a realização integral de uns impede a realizaçãointegral de outros. Quanto mais aumentam os poderes dos indivíduos, tantomais diminuem as liber<strong>da</strong>des dos mesmos indivíduos”, como nos ensinaNorberto Bobbio, na indispensável leitura <strong>da</strong> A Era dos Direitos.Por isso que o descomunal volume de processos não só remete ao desafio deagilizar a prestação jurisdicional, mas exige do magistrado uma dupla função:julgar rápido e julgar bem, porque por trás de ca<strong>da</strong> processo existem pessoashumanas, famílias e vi<strong>da</strong>s em jogo.Daí a necessi<strong>da</strong>de de sempre enfatizar que o Poder Judiciário tem umcompromisso histórico e moral com a luta pelas liber<strong>da</strong>des e, nos dias de hoje,o desafio de promover e efetivar os direitos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de, quedevem proteger a essencial digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana. Por isso, exige-sea necessária sensibili<strong>da</strong>de do julgador, integrado com a socie<strong>da</strong>de e com ouniverso <strong>da</strong>s reais causas que permeiam as pretensões judiciais.Mais que distribuir Justiça, hoje os magistrados têm a missão de seremgestores <strong>da</strong> ação e dos processos, porque a plenitude e a correção de direitospelas decisões pouco ou na<strong>da</strong> representam se não chegarem a tempo.Por isso, é preciso construir a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia a partir do reconhecimento de queto<strong>da</strong> pessoa tem Direito a ter Direitos. Mas, para tanto, devemos <strong>da</strong>r efetivi<strong>da</strong>deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 155


às regras constitucionais e bem aparelhar e qualificar os órgãos de Justiça.Nessa seara, tive a honra de atuar em importante projeto de interiorização<strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>, seja na priorização pelo Poder Executivo, seja na negociaçãoe na aprovação <strong>da</strong> Lei nº 12.011, de 2009, que permitiu a criação de 230novas varas federais e a estruturação <strong>da</strong>s turmas recursais federais, já em fasede implantação.Outro tema que me aproximou ain<strong>da</strong> mais <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>, em especialdeste <strong>Tribunal</strong>, foi o programa de fortalecimento <strong>da</strong> conciliação, desenvolvidoem parceria com o Ministério <strong>da</strong> Justiça, por meio de cursos de técnicas demediação e composição de conflitos, cujo projeto piloto foi executado no TRF<strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> e depois expandido para outros tribunais, auxiliando também oprograma Conciliar é Legal do CNJ.Entendo que devemos trabalhar pela superação <strong>da</strong> cultura do conflito forja<strong>da</strong>pelo bacharelismo, centrado na lógica <strong>da</strong> guerra, e não <strong>da</strong> paz, buscando meiosalternativos de desjudicialização e maior composição de conflitos, sempre nodesafio de construir um novo paradigma voltado à pacificação social.Na escolha de meu nome, trago a responsabili<strong>da</strong>de de bem representar oquinto constitucional, emprestando ao Judiciário a formação e a experiênciaadquiri<strong>da</strong> na advocacia.Agradeço a distinção <strong>da</strong> OAB gaúcha pela indicação em lista sêxtupla,em nome do Presidente Claudio Lamachia e dos Conselheiros Federais CleiaCarpi <strong>da</strong> Rocha, Luiz Carlos Levenzon, Renato <strong>da</strong> Costa Figueira, GilmarStelo e Luiz Felipe Magalhães, extensivo a todos os conselheiros estaduais,muitos aqui presentes.Presidente Lamachia, depois faço a entrega <strong>da</strong> minha carteira, mas deixereservado pelo menos o número 26.867, porque um dia posso precisar novamente.Minha responsabili<strong>da</strong>de aumenta porque passo a representar a advocaciados três Estados integrantes deste <strong>Tribunal</strong>: Rio Grande do Sul, Santa Catarinae Paraná.Mas quero registrar especial agradecimento ao Presidente do Conselho<strong>Federal</strong> <strong>da</strong> Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Ophir Cavalcante Junior,que, por imprevisto de última hora, não pode estar presente e hoje cedo mecomunicou e felicitou.Participei de muitas parcerias com a OAB, e conquistamos importantesavanços para a advocacia, desde as reformas legais pontuais até a lei <strong>da</strong> inviolabili<strong>da</strong>dedo direito de defesa.156R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


Fica o agradecimento a to<strong>da</strong> direção e aos Conselheiros Federais de todosos Estados, muitos aqui presentes. Enfim, minha gratidão a to<strong>da</strong> a classe dosadvogados.Oportuno também manifestar a gratidão pela acolhi<strong>da</strong> que recebi dos desembargadoresfederais deste tribunal, não só no processo de escolha <strong>da</strong> listatríplice, como no estímulo e no apoio.Faço-o em nome do ex-Presidente, Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós, que magistralmenteconduziu o processo de escolha e recentemente deixou o comandodesta Corte.Meu agradecimento também à Presidenta Dilma Rousseff pela escolha epela nomeação para tão nobre missão.Ocuparei vaga do nobre Desembargador <strong>Federal</strong> Valdemar Capeletti, jáocupa<strong>da</strong> antes pelo Ministro do STJ Gilson Dipp, o que aumenta meu desafioe minha responsabili<strong>da</strong>de.Integro-me a esta casa em prol do ci<strong>da</strong>dão e para trabalhar em favor <strong>da</strong>Justiça, do bem e <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de e, acima de tudo, integro este <strong>Tribunal</strong>, cuja admiraçãojá nutria como advogado, não só para trabalhar com muita humil<strong>da</strong>dee dedicação, mas também para manter a harmonia e o prestígio que representao <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.Para chegar até este honrado cargo de Desembargador <strong>Federal</strong>, num dostribunais mais respeitados do Brasil, aprendi muito e conquistei novos amigose assim espero continuar, porque do passado colhemos admiráveis lições parao amanhã.Incorporo-me a este <strong>Tribunal</strong> com espírito coletivo e muita prudência – ain<strong>da</strong>mais um tribunal regional, com atribuição nos três Estados do sul do país.Mas o homem prudente, em determina<strong>da</strong>s situações, é o que ousa caminhosdesabrigados.Por fim, um agradecimento muito particular a minha família.Aos meus pais Orlando e Elidia pela visão de oportunizar os estudos epor sempre me apoiarem, mesmo com o sacrifício financeiro e a sobrecargade trabalho.Sei que meu pai, pela precoce convocação divina, não pode estar vivendoesta alegria, mas sinto sua presença espiritual que sempre me guiou nessacaminha<strong>da</strong>.À minha mãe Elidia, pessoa de coração enorme em cujo vocabulário nãoexiste a palavra não. Sempre lutou à frente <strong>da</strong> nossa família. Saiba, mãe, que osensinamentos de humil<strong>da</strong>de e trabalho são as coisas mais valiosas que carregoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011 157


na vi<strong>da</strong>, esperando poder retribuir seu esforço com digni<strong>da</strong>de e felici<strong>da</strong>de.Obrigado pelo exemplo de caráter e amor que dedica a todos!Às minhas irmãs, o carinho e o amor pela permanente parceria e pelo apoio,suportando minhas chatices e tensões. Mais que isso:– à professora Silvana, sempre atenta e disponível para corrigir os meustextos jurídicos;– à enfermeira Catia, também pelas consultas e cui<strong>da</strong>dos médicos aoatribulado irmão;– à colega advoga<strong>da</strong> Fabiana pelas lições de economia e possibili<strong>da</strong>de dosdebates jurídicos.Enfim, obrigado pelo carinho, pelo amor e pelos conselhos ao Mano,mesmo sempre chegando atrasado para os almoços familiares.Um abraço aos cunhados Tiago e Carlos Alberto.À Marli, companheira de muitas jorna<strong>da</strong>s, a gratidão eterna pela permanenteparceria, pelo apoio e pelo carinho, inclusive nos momentos de afastamento,pois sempre foi compreensiva e, nas minhas ausências, no tempo em que residiem Brasília ou dediquei-me exagera<strong>da</strong>mente ao trabalho, cumpriu o papelduplo de mãe e pai com a nossa filha Isadora. Sem teu apoio e tua orientação,não teria chegado até aqui.Isadora, minha princesa!Você, além de torcer e orar muito por mais esta conquista, expressandomais uma vez a sua precoce maturi<strong>da</strong>de, sempre entendeu minhas ausências,emprestando seu talento de me confortar e acalmar nas horas difíceis.Filha, a sau<strong>da</strong>de nos últimos anos foi difícil, mas agora estamos perto ejuntos todos os dias. Não só para curtir a alegria deste momento, mas parapoder compartilhar mais do cotidiano dos teus estudos e de tantas alegriasque vibramos juntos, como as fortes emoções do Beira-Rio, esperando novostítulos do nosso Inter campeão de tudo!Te amo muito, minha pequena inspiradora!Que Deus continue me iluminando nessa nova missão.Fico extremamente honrado com tantos amigos reunidos num momentoespecial <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>.Muito obrigado pela presença de todos.158R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 93-158, 2011


ACÓRDÃOS


DIREITO ADMINISTRATIVOE DIREITO CIVIL


APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000933-26.2008.404.7119/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores LenzApelante: União <strong>Federal</strong>Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> UniãoApelante: Robispierre Giuliani <strong>da</strong> SilvaAdvogado: Dr. Ronaldo Audis CellaApelados: Os mesmosEMENTADireito autoral. Fotografia. Obra intelectual. Divulgação em revistasem a identificação <strong>da</strong> autoria. Violação dos arts. 24 e 108 <strong>da</strong> Lei nº9.610/98 e dos arts. 5º, XXVIII, e 37, § 6º, <strong>da</strong> CF/88. Cabimento <strong>da</strong>indenização por <strong>da</strong>nos morais. Doutrina e jurisprudência.1. Com efeito, consoante bem assinalado na r. sentença, o dever deindenizar os <strong>da</strong>nos morais decorre <strong>da</strong> violação dos arts. 24 e 108 <strong>da</strong> Leinº 9.610/98, bem como do art. 5º, XXVIII, <strong>da</strong> CF/88.No caso em exame, o ato ilícito foi reconhecido pela União, uma vezque a publicação <strong>da</strong> fotografia em revista de circulação nacional semconstar o nome do autor <strong>da</strong> imagem, inegavelmente, violou o direito doautor, assegurando-lhe a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> reparação.Nesse sentido, confira-se a doutrina: Henri Desbois, in Le DroitD’Auteur. Paris: Dalloz, 1950, p. 129, n. 106; A. Lucas et H. J. Lucas,in Traité de La Propriété Littéraire et Artistique. Paris: Litec, 1994, p.136, n. 128.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 163


A propósito, leciona Henri Desbois, na obra cita<strong>da</strong>, p. 628, nº 606,verbis: “Le droit moral préexiste au contrat, puisqu’il est opposable àtous; de plus, il échappe à toute convention, inaliénable de nature commeles droits de la personnallité”.Por conseguinte, considerando-se que o ato ilícito por parte <strong>da</strong> Uniãofoi reconhecido, ausente excludente de responsabili<strong>da</strong>de, impõe-se odever de indenizar, pois presente a violação do direito moral do autor.2. Precedentes do STF (RE nº 75.267-Guanabara, rel. Ministro ThompsonFlores, in RTJ 67/837-842).3. Apelações a que se nega provimento.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 3ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento às apelações, nos termos do relatório,votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante dopresente julgado.Porto Alegre, 06 de julho de 2010.Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Éeste o teor <strong>da</strong> r. sentença recorri<strong>da</strong>, fls. 117-125, verbis:“Vistos e analisados estes autos.ROBISPIERRE GIULIANI DA SILVA ajuizou a presente ação ordinária contra a UNIÃOFEDERAL, objetivando a condenação <strong>da</strong> deman<strong>da</strong><strong>da</strong> ao pagamento de indenização por<strong>da</strong>nos morais e materiais, em virtude de publicação de foto de sua autoria em revista decirculação nacional, cujos créditos autorais foram conferidos a terceiros.Alegou, em síntese, ser fotógrafo profissional há vários anos, atuando, em especial,junto a jornais e revistas relacionados ao setor primário. Aduziu que em fevereiro de 2008foi surpreendido pela publicação de uma de suas fotografias na capa <strong>da</strong> Revista PolíticaAgrícola, tendo sido os créditos <strong>da</strong> mesma conferidos a Luis Carlos Vissoci e Thais Lorenzini.Relatou que em contato com a equipe <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> revista recebeu a informação de quea foto teria sido copia<strong>da</strong> de um ‘banco de imagens’. Afirmou que a conduta <strong>da</strong> requeri<strong>da</strong>fere os preceitos insertos na Lei nº 9.610/98, que trata dos Direitos Autorais, bem como oartigo 5º, inciso XVII, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>. Juntou documentos.A parte-autora promoveu emen<strong>da</strong> à inicial (fl. 34).164R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Cita<strong>da</strong>, a União apresentou contestação (fls. 37-67). Requereu, preliminarmente, suaexclusão do polo passivo, por ilegitimi<strong>da</strong>de ou, subsidiariamente, o direcionamento dofeito também contra a Editora Gazeta Sul, órgão de comunicação que cedeu a fotografiaobjeto <strong>da</strong> lide ao Ministério <strong>da</strong> Agricultura, sem a indicação do autor <strong>da</strong> imagem. Nomérito, afirmou se tratar de responsabili<strong>da</strong>de subjetiva por parte do Estado, já que se tratade conduta omissiva <strong>da</strong> União. Discorreu acerca dos elementos <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de extracontratualsubjetiva. Alegou não haver <strong>da</strong>no material a ser ressarcido ao autor, porquantoeste havia vendido a fotografia à Editora Gazeta Sul. Referiu não ter o autor carreado aosautos provas concretas acerca dos dissabores sofridos em virtude do ocorrido. Requereu atotal improcedência <strong>da</strong> ação.Intima<strong>da</strong>s as partes, o autor apresentou réplica, às fls. 55-61, na<strong>da</strong> inovando quanto aomérito, apenas refutando os argumentos expendidos na peça contestatória.A União requereu a realização de prova testemunhal (fl. 63), o que restou deferido, à fl.64. Na mesma oportuni<strong>da</strong>de, foi rejeita<strong>da</strong> a preliminar de ilegitimi<strong>da</strong>de passiva argui<strong>da</strong> pelaré, bem como a denunciação à lide aduzi<strong>da</strong> pela mesma em relação à Editora Gazeta Sul.Irresigna<strong>da</strong>, a União interpôs agravo retido, à fl. 66.Realiza<strong>da</strong> a oitiva <strong>da</strong>s testemunhas arrola<strong>da</strong>s pela ré (depoimentos às fls. 94-96 e 107-108).A União apresentou memoriais (fls. 114-116), enquanto a parte-autora restou silente(certidão <strong>da</strong> fl. 110-v).Vieram-me os autos conclusos para sentença.É o breve relatório. Decido.I. MÉRITOPretende a parte-autora a condenação <strong>da</strong> União ao pagamento de indenização por <strong>da</strong>nosmorais e materiais em virtude de divulgação de fotografia em revista de circulação nacionalsem a anotação do nome do autor <strong>da</strong> imagem.Para o deslinde <strong>da</strong> controvérsia, impõe-se, inicialmente, identificar a espécie de responsabili<strong>da</strong>decivil aplicável ao caso. Em tal sentido, alega a União <strong>Federal</strong> que seria opresente feito caso de responsabili<strong>da</strong>de subjetiva, uma vez que se trata de conduta omissivaintenta<strong>da</strong> pela mesma.A respeito do tema, a doutrina e a jurisprudência brasileiras ain<strong>da</strong> não se pacificaram,havendo sobre o assunto duas posições. A primeira, que defende que a responsabili<strong>da</strong>dedo Estado por conduta omissiva tem natureza subjetiva, com base legal no artigo 15 doantigo Código Civil. A segun<strong>da</strong> defende a teoria <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de objetiva tanto para aconduta comissiva como para a omissiva, aplicando-se, para ambos, a norma do artigo 37,§ 6º, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.No caso em tela, entretanto, não vejo necessi<strong>da</strong>de de adentrar na aludi<strong>da</strong> conten<strong>da</strong>,porquanto constato ter a parte-ré agido comissivamente, já que, além de não informar onome do deman<strong>da</strong>nte como autor <strong>da</strong> imagem, atribuiu a terceiros os créditos por ocasião<strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> fotografia na Revista Política Agrícola, conforme se verifica à página 01do encarte acostado à fl. 30 dos autos.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 165


Sendo assim, para a caracterização do direito à indenização, segundo a doutrina <strong>da</strong>responsabili<strong>da</strong>de civil objetiva do Estado, devem estar presentes as seguintes condições:(a) efetivi<strong>da</strong>de do <strong>da</strong>no; (b) nexo causal; e (c) ausência de causas excludentes.Em suma, o Estado será objetivamente responsável pelo <strong>da</strong>no causado ao administrado,sendo indispensável, é claro, que as provas encerrem elementos objetivos e, se possível,inequívocos acerca do objeto <strong>da</strong> lide, incumbindo aos litigantes o ônus de produzir as provasde suas alegações, nos moldes do art. 333, I e II, do CPC.Do <strong>da</strong>no moral e materialNos termos do acima exposto, resta caracterizado o primeiro requisito <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>decivil, qual seja, a conduta (comissiva ou omissiva) <strong>da</strong> ré.Passo, portanto, à análise <strong>da</strong> ocorrência do <strong>da</strong>no.Inicialmente, impende analisar a posição ocupa<strong>da</strong> pelo <strong>da</strong>no moral no ordenamento jurídicobrasileiro, a fim de, logo em segui<strong>da</strong>, verificar a efetiva ocorrência do mesmo no casoconcreto e o direito do autor à eventual indenização.Para o professor Yussef Said Cahali, <strong>da</strong>no moral‘é a privação ou diminuição <strong>da</strong>queles bens que têm um valor precípuo na vi<strong>da</strong> do homeme que são a paz, a tranquili<strong>da</strong>de de espírito, a liber<strong>da</strong>de individual, a integri<strong>da</strong>de individual,a integri<strong>da</strong>de física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em<strong>da</strong>no que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e <strong>da</strong>no que molestaa parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, sau<strong>da</strong>de, etc.), <strong>da</strong>no moral que provocadireta ou indiretamente <strong>da</strong>no patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e <strong>da</strong>no moral puro (dor,tristeza, etc.).’Na ver<strong>da</strong>de, a aceitação <strong>da</strong> doutrina que defende a indenização por <strong>da</strong>no moral repousavanuma interpretação sistemática de nosso direito, abrangendo o próprio artigo 159 do CódigoCivil de 1916 (o qual restou modificado com a introdução do novo Código Civil) que, ao aludirà ‘violação de um direito’, não estava limitado à reparação ao caso de <strong>da</strong>no material apenas.Antes <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, o <strong>da</strong>no moral não estava normatizado em nenhumdiploma legal, o que levava ao entendimento de que não era um direito legalmente reconhecido.Com o advento <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, essa matéria passou a adquirir relevânciaem face do registro feito nos incisos V e X do art. 5º, que enumerou, entre os direitos e garantiasfun<strong>da</strong>mentais – considera<strong>da</strong>s como cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, CF/88) –, ‘o direito deresposta, proporcional ao agravo, além <strong>da</strong> indenização por <strong>da</strong>no material, moral ou à imagem’e declarou serem invioláveis ‘a intimi<strong>da</strong>de, a vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong>, a honra e a imagem <strong>da</strong>s pessoas,assegurado o direito à indenização pelo <strong>da</strong>no material ou moral decorrente de sua violação’.A matéria ganhou maior relevância com a edição <strong>da</strong> Lei nº 10.406/2002, a qual instituiuo novo Código Civil Brasileiro, tendo em vista o que dispõe o artigo 186 do novel estatutolegal, in verbis:‘Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,166R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


violar direito e causar <strong>da</strong>no a outrem, ain<strong>da</strong> que exclusivamente moral , comete ato ilícito.’Assim sendo, tendo em vista que, atualmente, não há mais discussão quanto à possibili<strong>da</strong>dede indenização por <strong>da</strong>nos morais, ressalto que, para que o deman<strong>da</strong>nte faça jus aoressarcimento, deve preencher aos pressupostos exigidos pelo nosso ordenamento jurídico,antes referidos.Acerca <strong>da</strong> prova do <strong>da</strong>no moral, escreve o renomado jurista Sérgio Cavalieri Filho(Programa de Responsabili<strong>da</strong>de Civil, 2005, p. 108):‘(...) por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do <strong>da</strong>no moral não pode ser feita pormeio dos mesmos meios utilizados para a comprovação do <strong>da</strong>no material. Seria uma demasia,algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou humilhação pormeio de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar descrédito, orepúdio ou o desprestígio por meio dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria porensejar o retorno à fase <strong>da</strong> irreparabili<strong>da</strong>de do <strong>da</strong>no moral em razão de fatores instrumentais.Neste ponto, a razão se coloca ao lado <strong>da</strong>queles que entendem que o <strong>da</strong>no moral estáínsito na própria ofensa, decorre <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão,por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.Em outras palavras, o <strong>da</strong>no moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fatoofensivo, de tal modo que, prova<strong>da</strong> a ofensa, ipso facto está demonstrado o <strong>da</strong>no moral àguisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti que decorre <strong>da</strong>s regras<strong>da</strong> experiência comum. Assim, por exemplo, prova<strong>da</strong> a per<strong>da</strong> de um filho, do cônjuge oude outro ente querido, não há que se exigir a prova do sofrimento, porque isso decorre dopróprio fato de acordo com as regras de experiência comum; provado que a vítima teve oseu nome aviltado, ou a imagem vilipendia<strong>da</strong>, na<strong>da</strong> mais ser-lhe-á exigido do que provar,por isso o <strong>da</strong>no moral está in re ipsa; decorre inexoravelmente <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de do próprio fatoofensivo de sorte que, provado o fato, provado está o <strong>da</strong>no moral.’Nessa esteira, refere a Constituição <strong>Federal</strong>, no seu artigo 5º, XXVIII, que ‘aos autorespertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras’.A Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), por sua vez, em seu artigo 24, especifica osdireitos morais do autor, merecendo destaque os que seguem: ‘o de reinvidicar a autoria <strong>da</strong>obra a qualquer tempo; o de ter o seu nome indicado ou anunciado na utilização <strong>da</strong> obra;o de assegurar a integri<strong>da</strong>de <strong>da</strong> obra, opondo-se a quaisquer modificações; o de modificara obra e o de retirá-la de circulação’ (grifei).Depreende-se, por conseguinte, que os direitos morais do autor consubstanciam-se, basicamente,na paterni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> obra e na sua integrali<strong>da</strong>de, e têm por principais características apessoali<strong>da</strong>de e a perpetuali<strong>da</strong>de, pois a lei diz que são direitos inalienáveis e irrenunciáveis(art. 27 <strong>da</strong> Lei 9.610/98). Segundo o ilustre Prof. Dr. Sergio Cavalieri Filho, ‘esse direito,embora a lei o atribua com exclusivi<strong>da</strong>de ao autor (art. 28 <strong>da</strong> Lei 9.610/98), pode ser porele transferido a terceiros, total ou parcialmente, temporária ou definitivamente, por meiode autorização, concessão, cessão e outros meios jurídicos (arts. 49 e 50 <strong>da</strong> Lei 9.610/98).R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 167


Cede-se a obra, ou a sua exploração econômica, mas a autoria nunca’ (vide: http://www.focusfoto.com.br/direito.autoral.fotografia.htm).Feitas essas colocações, julgo que o dever de indenizar por <strong>da</strong>nos morais decorre <strong>da</strong>simples violação de qualquer um <strong>da</strong>queles direitos do autor enunciados no artigo 24 <strong>da</strong> leiautoral, ain<strong>da</strong> que a violação não exponha o autor a nenhum sentimento de dor, vexame,sofrimento ou humilhação.O artigo 108 <strong>da</strong> Lei 9.610/98 confirma tal entendimento:‘Art. 108. Quem, na utilização, por qualquer mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de, de obra intelectual, deixar deindicar ou de anunciar, como tal, o nome, o pseudônimo ou sinal convencional do autor e dointérprete, além de responder por <strong>da</strong>nos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identi<strong>da</strong>de<strong>da</strong> seguinte forma:I. Tratando de empresa de radiodifusão, no mesmo horário em que tiver ocorrido ainfração, por três dias consecutivos;II. Tratando-se de publicação gráfica ou fonográfica, mediante inclusão de errata nosexemplares ain<strong>da</strong> não distribuídos, sem prejuízo de comunicação, com destaque, por trêsvezes consecutivas em jornal de grande circulação, dos domicílios do autor, do intérpretee do editor ou produtor;III. Tratando-se de outra forma de utilização, por intermédio <strong>da</strong> imprensa, na forma aque se refere o inciso anterior.’ (grifei)Outrossim, a jurisprudência pátria, à qual me filio, tem entendido que a publicação defotografia deverá indicar, de forma legível, o nome do seu autor, nos termos dos dispositivoslegais antes mencionados. Colaciono, a título exemplificativo, os seguintes precedentes:‘DIREITOS AUTORAIS. PUBLICAÇÃO DE FOTO SEM A IDENTIFICAÇÃO DAAUTORIA. ‘A fotografia, quando divulga<strong>da</strong>, indicará de forma legível o nome do seu autor’(Lei nº 5.988/73, art. 82, § 1º); o descumprimento dessa norma legal rende direito à indenizaçãopor <strong>da</strong>nos morais. Recurso especial não conhecido.’ (REsp 132896/MG, RECURSOESPECIAL 1997/0035428-8, Ministro ARI PARGENDLER (1104), T3 – TERCEIRATURMA, Data do Julgamento: 17.08.2006, Data <strong>da</strong> Publicação/Fonte DJ 04.12.2006, p.292, RNDJ, v. 88, p. 7) (grifei)‘APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE INDE-NIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. OBRA FOTOGRÁFICA. FOTOGRA-FIA EM CARTÕES TELEFÔNICOS SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO ARTISTA.DEVER DA PARTE-RÉ DE INDENIZAR O AUTOR POR PREJUÍZOS DE NATUREZAMORAL. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DESTE TRIBUNAL. AUSÊNCIA DEDANO MATERIAL INDENIZÁVEL. As obras fotográficas e as produzi<strong>da</strong>s por processoanálogo ao <strong>da</strong> fotografia são considera<strong>da</strong>s obras intelectuais, estando protegi<strong>da</strong>s pela Leidos Direitos Autorais. Inteligência do artigo 7º, inciso VII, <strong>da</strong> Lei nº 9.610/98. Assim, naespécie, a utilização de fotografia do autor em cartões telefônicos confeccionados pelaempresa-ré, e distribuídos por todo o Estado do Rio Grande do Sul, sem a prévia autorizaçãodo deman<strong>da</strong>nte, enseja a reparação de <strong>da</strong>no moral. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. RESPON-168R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


SABILIDADE DO MUNICÍPIO RÉU. A responsabili<strong>da</strong>de do Município réu decorre <strong>da</strong>celebração de Termo de Cessão de Direitos de Uso de Imagem realizado com a empresa-ré,sem a devi<strong>da</strong> autorização do autor <strong>da</strong> fotografia objeto de discussão na presente deman<strong>da</strong>.QUANTUM INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO DO VALOR FIXADO PELO JUÍZO AQUO. SENTENÇA MODIFICADA. Na fixação <strong>da</strong> reparação do <strong>da</strong>no moral, inexistindocritérios objetivos para seu arbitramento, incumbe ao Julgador a tarefa de delimitar a quantiaque venha a compensar aquele prejuízo de natureza moral. Assim, na hipótese dos autos,aplicando-se critérios de aferição subjetiva e juízo de equi<strong>da</strong>de, aliando-se as particulari<strong>da</strong>desdo caso concreto, a majoração do montante indenizatório é medi<strong>da</strong> que se impõe. PEDIDODE PUBLICAÇÃO DE DESAGRAVO PÚBLICO. VIABILIDADE. Deve ser manti<strong>da</strong> adeterminação do Juízo a quo para publicação, na imprensa do Município e do Estado, <strong>da</strong>ver<strong>da</strong>deira autoria <strong>da</strong> obra fotográfica pertence ao deman<strong>da</strong>nte. JUROS MORATÓRIOS.Modificação <strong>da</strong> sentença quanto ao termo inicial <strong>da</strong> incidência dos juros moratórios nopercentual de 12% ao ano. APELAÇÃO DA RÉ BRASIL TELECOM PARCIALMENTEPROVIDA, APELO DO MUNICÍPIO RÉU DESPROVIDO E RECURSO ADESIVO DOAUTOR PARCIALMENTE PROVIDO.’ (Apelação Cível Nº 70024753964, Vigésima CâmaraCível, <strong>Tribunal</strong> de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgadoem 22.04.2009, COMARCA DE ORIGEM: São Borja, SEÇÃO: CÍVEL, PUBLICAÇÃO:Diário <strong>da</strong> Justiça do dia 18.06.2009, TIPO DE DECISÃO: Acórdão) (grifei)Assim, considerando que o ato ilícito por parte <strong>da</strong> ré já foi devi<strong>da</strong>mente reconhecido, enão tendo sido aponta<strong>da</strong> pela União nenhuma causa excludente <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de, restadevi<strong>da</strong>mente caracterizado o abalo moral sofrido pelo autor, não havendo, por conseguinte,qualquer dúvi<strong>da</strong> acerca do nexo de causali<strong>da</strong>de entre a conduta <strong>da</strong> ré e o <strong>da</strong>no experimentadopela deman<strong>da</strong>nte.No que se refere, por fim, à pretensão de reparação de <strong>da</strong>nos materiais, julgo que nãomerece acolhi<strong>da</strong>. Isso porque tal só teria cabimento se o causador do <strong>da</strong>no tivesse obtidoalgum proveito econômico com a exploração <strong>da</strong> obra do autor sem a sua autorização ouparticipação, o que não se apresenta no caso dos autos. Ademais, em tendo o autor vendidoa fotografia objeto <strong>da</strong> lide à Editora Gazeta Sul, na<strong>da</strong> ressalvando a respeito de posteriorcedência <strong>da</strong> imagem a terceiros, não há que se falar em prejuízo econômico sofrido pelomesmo em decorrência <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> fotografia na Revista de Política Agrícola.Nesse sentido:‘EMENTA: DIREITO AUTORAL. FOTOGRAFIA. OBRA INTELECTUAL. AU-SÊNCIA DE MENÇÃO AOS CRÉDITOS DA OBRA. FOTOGRAFIAS EM CARTÕESTELEFÔNICOS. PUBLICAÇÃO COM SUPRESSÃO DO NOME DO AUTOR DAOBRA. DANO MORAL. PRESUNÇÃO SISTEMÁTICA (LEI 9.609/98). NEXO CAU-SAL CONFIGURADO. COMPENSAÇÃO. QUANTUM. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO.DANO MATERIAL INEXISTENTE. 1 Ação em que a parte busca a reparação por <strong>da</strong>nomoral decorrente <strong>da</strong> veiculação de fotografias, cuja autoria restou suprimi<strong>da</strong> nos créditos.2 Cessão de uso <strong>da</strong>s fotografias, com a ressalva de ser credita<strong>da</strong> a autoria. Descumprimentodo contratado. Dano moral configurado. O veicular de obra artística, e a fotografia é umaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 169


obra artística, sem a nomeação e identificação clara de seu autor agride o íntimo <strong>da</strong> pessoa.Ausência de <strong>da</strong>no material indenizável. Nexo causal configurado a ensejar a reparaçãodo <strong>da</strong>no moral. 3 Do quantum. O montante indenizatório que deve ser fixado segundo oprincípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de, analisa<strong>da</strong>s as circunstâncias do caso concreto. Montante reduzidopara tornar-se consentâneo com a reali<strong>da</strong>de dos fatos, bem como com os parâmetrosadotados pela Câmara. 4 Juros legais. Incidência de 12% ao ano, desde a citação. Incidênciado novo Código Civil. Responsabili<strong>da</strong>de deriva<strong>da</strong> de descumprimento contratual. Apelosparcialmente providos.’ (Apelação Cível Nº 70015249816, Décima Câmara Cível, <strong>Tribunal</strong>de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 31.08.2006)Resta, pois, fixar o quantum <strong>da</strong> indenização por <strong>da</strong>nos morais.A reparação do <strong>da</strong>no moral representa para a vítima apenas uma compensação, capazde minorar ou neutralizar a dor ocasiona<strong>da</strong> pelo ato ilícito. Não há, portanto, ressarcimentopropriamente, apenas uma compensação, pois a dor não se paga, compensa-se.Como não existem na lei parâmetros objetivos para a sua fixação, a quantificação do<strong>da</strong>no moral, segundo critérios propostos pela doutrina e jurisprudência pátria, deve levar emconsideração as circunstâncias e peculiari<strong>da</strong>des do caso, as condições econômicas <strong>da</strong>s partes,o grau de reprovação <strong>da</strong> conduta, as consequências do ato ilícito e eventual contribuição <strong>da</strong>vítima para a configuração do evento <strong>da</strong>noso. Ain<strong>da</strong>, ganha relevância o caráter pe<strong>da</strong>gógico<strong>da</strong> condenação, devendo a mesma ser fixa<strong>da</strong> em patamar que represente efetiva puniçãoao ofensor, visando a desestimular a prática de condutas semelhantes, sem representar, poroutro lado, enriquecimento fácil ao ofendido.Sopesando tais critérios e a situação concreta, na qual a parte-autora não fez nenhumaprova dos incômodos que alega ter sofrido, resumindo-se a ofensa ao <strong>da</strong>no moral puro, e acapaci<strong>da</strong>de econômica <strong>da</strong>s partes, julgo prudente fixar o quantum indenizatório no montantede R$ 10.000,00 (dez mil reais).II. DISPOSITIVOAnte o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, extinguindoa deman<strong>da</strong> com resolução do mérito, nos termos do inciso I do artigo 269 do Código deProcesso Civil, para o efeito de condenar a União <strong>Federal</strong> ao pagamento de indenizaçãopor <strong>da</strong>nos morais ao autor, os quais fixo em R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor corrigidomonetariamente pelo INPC a partir desta <strong>da</strong>ta (Súmula n° 362 do STJ) e acrescido, ain<strong>da</strong>,de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do evento <strong>da</strong>noso (publicação naRevista de Política Agrícola, em janeiro de 2007), nos termos <strong>da</strong> Súmula n° 54 do STJ.Condeno a União ao pagamento <strong>da</strong>s custas processuais e dos honorários advocatícios aoprocurador <strong>da</strong> parte adversa, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor <strong>da</strong> condenação,considerando a natureza <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> e o trabalho desenvolvido pelo profissional, na formado art. 20, § 3º, do CPC (Súmula 326 do STJ).Interposto recurso pela parte interessa<strong>da</strong>, uma vez cumpridos os pressupostos recursais,determino seja recebido no duplo efeito, ofertando-se vista à parte adversa para contrarrazões.Por fim, remetam-se os autos ao Egrégio <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.”170R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Em grau de apelação postula a União a reforma do julgado, reproduzindoos argumentos <strong>da</strong> contestação.A parte-autora recorre requerendo a total procedência <strong>da</strong> ação.Foram apresenta<strong>da</strong>s contrarrazões.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Thompson Flores Lenz: In casu,afiguram-se-me irrefutáveis as considerações desenvolvi<strong>da</strong>s pelo ilustreMagistrado, Dr. Leandro <strong>da</strong> Silva Jacinto, fls. 118-124, cujos argumentosadoto como razões de decidir, verbis:“Pretende a parte-autora a condenação <strong>da</strong> União ao pagamento de indenização por <strong>da</strong>nosmorais e materiais em virtude de divulgação de fotografia em revista de circulação nacionalsem a anotação do nome do autor <strong>da</strong> imagem.Para o deslinde <strong>da</strong> controvérsia, impõe-se, inicialmente, identificar a espécie de responsabili<strong>da</strong>decivil aplicável ao caso. Em tal sentido, alega a União <strong>Federal</strong> que seria opresente feito caso de responsabili<strong>da</strong>de subjetiva, uma vez que se trata de conduta omissivaintenta<strong>da</strong> pela mesma.A respeito do tema, a doutrina e a jurisprudência brasileiras ain<strong>da</strong> não se pacificaram,havendo sobre o assunto duas posições. A primeira, que defende que a responsabili<strong>da</strong>dedo Estado por conduta omissiva tem natureza subjetiva, com base legal no artigo 15 doantigo Código Civil. A segun<strong>da</strong> defende a teoria <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de objetiva tanto para aconduta comissiva como para a omissiva, aplicando-se, para ambos, a norma do artigo 37,§ 6º, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.No caso em tela, entretanto, não vejo necessi<strong>da</strong>de de adentrar na aludi<strong>da</strong> conten<strong>da</strong>,porquanto constato ter a parte-ré agido comissivamente, já que, além de não informar onome do deman<strong>da</strong>nte como autor <strong>da</strong> imagem, atribuiu a terceiros os créditos por ocasião<strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> fotografia na Revista Política Agrícola, conforme se verifica à página 01do encarte acostado à fl. 30 dos autos.Sendo assim, para a caracterização do direito à indenização, segundo a doutrina <strong>da</strong>responsabili<strong>da</strong>de civil objetiva do Estado, devem estar presentes as seguintes condições:(a) efetivi<strong>da</strong>de do <strong>da</strong>no; (b) nexo causal; e (c) ausência de causas excludentes.Em suma, o Estado será objetivamente responsável pelo <strong>da</strong>no causado ao administrado,sendo indispensável, é claro, que as provas encerrem elementos objetivos e, se possível,inequívocos acerca do objeto <strong>da</strong> lide, incumbindo aos litigantes o ônus de produzir as provasde suas alegações, nos moldes do art. 333, I e II, do CPC.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 171


Do <strong>da</strong>no moral e materialNos termos do acima exposto, resta caracterizado o primeiro requisito <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>decivil, qual seja, a conduta (comissiva ou omissiva) <strong>da</strong> ré.Passo, portanto, à análise <strong>da</strong> ocorrência do <strong>da</strong>no.Inicialmente, impende analisar a posição ocupa<strong>da</strong> pelo <strong>da</strong>no moral no ordenamentojurídico brasileiro, a fim de, logo em segui<strong>da</strong>, verificar a efetiva ocorrência do mesmo nocaso concreto e o direito do autor à eventual indenização.Para o professor Yussef Said Cahali, <strong>da</strong>no moral‘é a privação ou diminuição <strong>da</strong>queles bens que têm um valor precípuo na vi<strong>da</strong> do homem eque são a paz, a tranquili<strong>da</strong>de de espírito, a liber<strong>da</strong>de individual, a integri<strong>da</strong>de individual,a integri<strong>da</strong>de física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo,em <strong>da</strong>no que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e <strong>da</strong>no quemolesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, sau<strong>da</strong>de, etc.), <strong>da</strong>no moral queprovoca direta ou indiretamente <strong>da</strong>no patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e <strong>da</strong>no moralpuro (dor, tristeza, etc.).’Na ver<strong>da</strong>de, a aceitação <strong>da</strong> doutrina que defende a indenização por <strong>da</strong>no moral repousavanuma interpretação sistemática de nosso direito, abrangendo o próprio artigo 159 doCódigo Civil de 1916 (o qual restou modificado com a introdução do novo Código Civil)que, ao aludir à ‘violação de um direito’, não estava limitado à reparação ao caso de <strong>da</strong>nomaterial apenas.Antes <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, o <strong>da</strong>no moral não estava normatizado em nenhumdiploma legal, o que levava ao entendimento de que não era um direito legalmentereconhecido.Com o advento <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, essa matéria passou a adquirir relevânciaem face do registro feito nos incisos V e X do art. 5º, que enumerou, entre os direitose garantias fun<strong>da</strong>mentais – considera<strong>da</strong>s como cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, CF/88) –,‘o direito de resposta, proporcional ao agravo, além <strong>da</strong> indenização por <strong>da</strong>no material,moral ou à imagem’ e declarou serem invioláveis ‘a intimi<strong>da</strong>de, a vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong>, a honrae a imagem <strong>da</strong>s pessoas, assegurado o direito à indenização pelo <strong>da</strong>no material ou moraldecorrente de sua violação’.A matéria ganhou maior relevância com a edição <strong>da</strong> Lei nº 10.406/2002, a qual instituiuo novo Código Civil Brasileiro, tendo em vista o que dispõe o artigo 186 do novel estatutolegal, in verbis:‘Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,violar direito e causar <strong>da</strong>no a outrem, ain<strong>da</strong> que exclusivamente moral , comete ato ilícito.’Assim sendo, tendo em vista que, atualmente, não há mais discussão quanto à possibili<strong>da</strong>dede indenização por <strong>da</strong>nos morais, ressalto que, para que o deman<strong>da</strong>nte faça jus aoressarcimento, deve preencher aos pressupostos exigidos pelo nosso ordenamento jurídico,antes referidos.172R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Acerca <strong>da</strong> prova do <strong>da</strong>no moral, escreve o renomado jurista Sérgio Cavalieri Filho(Programa de Responsabili<strong>da</strong>de Civil, 2005, p. 108):‘(...) por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do <strong>da</strong>no moral não pode ser feita pormeio dos mesmos meios utilizados para a comprovação do <strong>da</strong>no material. Seria uma demasia,algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou humilhação pormeio de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar descrédito, orepúdio ou o desprestígio por meio dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria porensejar o retorno à fase <strong>da</strong> irreparabili<strong>da</strong>de do <strong>da</strong>no moral em razão de fatores instrumentais.Neste ponto, a razão se coloca ao lado <strong>da</strong>queles que entendem que o <strong>da</strong>no moral estáínsito na própria ofensa, decorre <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão,por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.Em outras palavras, o <strong>da</strong>no moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fatoofensivo, de tal modo que, prova<strong>da</strong> a ofensa, ipso facto está demonstrado o <strong>da</strong>no moral àguisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti que decorre <strong>da</strong>s regras<strong>da</strong> experiência comum. Assim, por exemplo, prova<strong>da</strong> a per<strong>da</strong> de um filho, do cônjuge oude outro ente querido, não há que se exigir a prova do sofrimento, porque isso decorre dopróprio fato de acordo com as regras de experiência comum; provado que a vítima teve oseu nome aviltado, ou a imagem vilipendia<strong>da</strong>, na<strong>da</strong> mais ser-lhe-á exigido do que provar,por isso o <strong>da</strong>no moral está in re ipsa; decorre inexoravelmente <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de do próprio fatoofensivo de sorte que, provado o fato, provado está o <strong>da</strong>no moral.’Nessa esteira, refere a Constituição <strong>Federal</strong>, no seu artigo 5º, XXVIII, que ‘aos autorespertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras’.A Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), por sua vez, em seu artigo 24, especifica osdireitos morais do autor, merecendo destaque os que seguem: ‘o de reinvidicar a autoria <strong>da</strong>obra a qualquer tempo; o de ter o seu nome indicado ou anunciado na utilização <strong>da</strong> obra;o de assegurar a integri<strong>da</strong>de <strong>da</strong> obra, opondo-se a quaisquer modificações; o de modificara obra e o de retirá-la de circulação’ (grifei).Depreende-se, por conseguinte, que os direitos morais do autor consubstanciam-se, basicamente,na paterni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> obra e na sua integrali<strong>da</strong>de, e têm por principais características apessoali<strong>da</strong>de e a perpetuali<strong>da</strong>de, pois a lei diz que são direitos inalienáveis e irrenunciáveis(art. 27 <strong>da</strong> Lei 9.610/98). Segundo o ilustre Prof. Dr. Sergio Cavalieri Filho, ‘esse direito,embora a lei o atribua com exclusivi<strong>da</strong>de ao autor (art. 28 <strong>da</strong> Lei 9.610/98), pode ser porele transferido a terceiros, total ou parcialmente, temporária ou definitivamente, por meiode autorização, concessão, cessão e outros meios jurídicos (arts. 49 e 50 <strong>da</strong> Lei 9.610/98).Cede-se a obra, ou a sua exploração econômica, mas a autoria nunca’ (vide: http://www.focusfoto.com.br/direito.autoral.fotografia.htm).Feitas essas colocações, julgo que o dever de indenizar por <strong>da</strong>nos morais decorre <strong>da</strong>simples violação de qualquer um <strong>da</strong>queles direitos do autor enunciados no artigo 24 <strong>da</strong> leiautoral, ain<strong>da</strong> que a violação não exponha o autor a nenhum sentimento de dor, vexame,sofrimento ou humilhação.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 173


O artigo 108 <strong>da</strong> Lei 9.610/98 confirma tal entendimento:‘Art. 108. Quem, na utilização, por qualquer mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de, de obra intelectual, deixar deindicar ou de anunciar, como tal, o nome, o pseudônimo ou sinal convencional do autor e dointérprete, além de responder por <strong>da</strong>nos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identi<strong>da</strong>de<strong>da</strong> seguinte forma:I. Tratando de empresa de radiodifusão, no mesmo horário em que tiver ocorrido ainfração, por três dias consecutivos;II. Tratando-se de publicação gráfica ou fonográfica, mediante inclusão de errata nosexemplares ain<strong>da</strong> não distribuídos, sem prejuízo de comunicação, com destaque, por trêsvezes consecutivas em jornal de grande circulação, dos domicílios do autor, do intérpretee do editor ou produtor;III. Tratando-se de outra forma de utilização, por intermédio <strong>da</strong> imprensa, na forma aque se refere o inciso anterior.’ (grifei)Outrossim, a jurisprudência pátria, à qual me filio, tem entendido que a publicação defotografia deverá indicar, de forma legível, o nome do seu autor, nos termos dos dispositivoslegais antes mencionados. Colaciono, a título exemplificativo, os seguintes precedentes:‘DIREITOS AUTORAIS. PUBLICAÇÃO DE FOTO SEM A IDENTIFICAÇÃO DAAUTORIA. ‘A fotografia, quando divulga<strong>da</strong>, indicará de forma legível o nome do seu autor’(Lei nº 5.988/73, art. 82, § 1º); o descumprimento dessa norma legal rende direito à indenizaçãopor <strong>da</strong>nos morais. Recurso especial não conhecido.’ (REsp 132896/MG RECURSOESPECIAL 1997/0035428-8, Ministro ARI PARGENDLER (1104), T3 – TERCEIRATURMA, Data do Julgamento: 17.08.2006, Data <strong>da</strong> Publicação/Fonte DJ 04.12.2006, p.292, RNDJ, v. 88, p. 7) (grifei)‘APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE INDE-NIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. OBRA FOTOGRÁDFICA. FOTOGRA-FIA EM CARTÕES TELEFÔNICOS SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO ARTISTA.DEVER DA PARTE-RÉ DE INDENIZAR O AUTOR POR PREJUÍZOS DE NATUREZAMORAL. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DESTE TRIBUNAL. AUSÊNCIA DEDANO MATERIAL INDENIZÁVEL. As obras fotográficas e as produzi<strong>da</strong>s por processoanálogo ao <strong>da</strong> fotografia são considera<strong>da</strong>s obras intelectuais, estando protegi<strong>da</strong>s pela Leidos Direitos Autorais. Inteligência do artigo 7º, inciso VII, <strong>da</strong> Lei nº 9.610/98. Assim, naespécie, a utilização de fotografia do autor em cartões telefônicos confeccionados pelaempresa-ré, e distribuídos por todo o Estado do Rio Grande do Sul, sem a prévia autorizaçãodo deman<strong>da</strong>nte, enseja a reparação de <strong>da</strong>no moral. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. RESPON-SABILIDADE DO MUNICÍPIO RÉU. A responsabili<strong>da</strong>de do Município réu decorre <strong>da</strong>celebração de Termo de Cessão de Direitos de Uso de Imagem realizado com a empresa ré,sem a devi<strong>da</strong> autorização do autor <strong>da</strong> fotografia objeto de discussão na presente deman<strong>da</strong>.QUANTUM INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO DO VALOR FIXADO PELO JUÍZO AQUO. SENTENÇA MODIFICADA. Na fixação <strong>da</strong> reparação do <strong>da</strong>no moral, inexistindocritérios objetivos para seu arbitramento, incumbe ao Julgador a tarefa de delimitar a quantia174R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


que venha a compensar aquele prejuízo de natureza moral. Assim, na hipótese dos autos,aplicando-se critérios de aferição subjetiva e juízo de equi<strong>da</strong>de, aliando-se as particulari<strong>da</strong>desdo caso concreto, a majoração do montante indenizatório é medi<strong>da</strong> que se impõe. PEDIDODE PUBLICAÇÃO DE DESAGRAVO PÚBLICO. VIABILIDADE. Deve ser manti<strong>da</strong> adeterminação do Juízo a quo para publicação, na imprensa do Município e do Estado, <strong>da</strong>ver<strong>da</strong>deira autoria <strong>da</strong> obra fotográfica pertence ao deman<strong>da</strong>nte. JUROS MORATÓRIOS.Modificação <strong>da</strong> sentença quanto ao termo inicial <strong>da</strong> incidência dos juros moratórios nopercentual de 12% ao ano. APELAÇÃO DA RÉ BRASIL TELECOM PARCIALMENTEPROVIDA, APELO DO MUNICÍPIO RÉU DESPROVIDO E RECURSO ADESIVO DOAUTOR PARCIALMENTE PROVIDO.’ (Apelação Cível Nº 70024753964, Vigésima CâmaraCível, <strong>Tribunal</strong> de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgadoem 22.04.2009, COMARCA DE ORIGEM: São Borja, SEÇÃO: CÍVEL, PUBLICAÇÃO:Diário <strong>da</strong> Justiça do dia 18.06.2009, TIPO DE DECISÃO: Acórdão) (grifei)Assim, considerando que o ato ilícito por parte <strong>da</strong> ré já foi devi<strong>da</strong>mente reconhecido, enão tendo sido aponta<strong>da</strong> pela União nenhuma causa excludente <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de, restadevi<strong>da</strong>mente caracterizado o abalo moral sofrido pelo autor, não havendo, por conseguinte,qualquer dúvi<strong>da</strong> acerca do nexo de causali<strong>da</strong>de entre a conduta <strong>da</strong> ré e o <strong>da</strong>no experimentadopela deman<strong>da</strong>nte.No que se refere, por fim, à pretensão de reparação de <strong>da</strong>nos materiais, julgo que nãomerece acolhi<strong>da</strong>. Isso porque tal só teria cabimento se o causador do <strong>da</strong>no tivesse obtidoalgum proveito econômico com a exploração <strong>da</strong> obra do autor sem a sua autorização ouparticipação, o que não se apresenta no caso dos autos. Ademais, em tendo o autor vendidoa fotografia objeto <strong>da</strong> lide à Editora Gazeta Sul, na<strong>da</strong> ressalvando a respeito de posteriorcedência <strong>da</strong> imagem a terceiros, não há que se falar em prejuízo econômico sofrido pelomesmo em decorrência <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> fotografia na Revista de Política Agrícola.Nesse sentido:‘EMENTA: DIREITO AUTORAL. FOTOGRAFIA. OBRA INTELECTUAL. AU-SÊNCIA DE MENÇÃO AOS CRÉDITOS DA OBRA. FOTOGRAFIAS EM CARTÕESTELEFÔNICOS. PUBLICAÇÃO COM SUPRESSÃO DO NOME DO AUTOR DAOBRA. DANO MORAL. PRESUNÇÃO SISTEMÁTICA (LEI 9.609/98). NEXO CAU-SAL CONFIGURADO. COMPENSAÇÃO. QUANTUM. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO.DANO MATERIAL INEXISTENTE. 1 Ação em que a parte busca a reparação por <strong>da</strong>nomoral decorrente <strong>da</strong> veiculação de fotografias, cuja autoria restou suprimi<strong>da</strong> nos créditos.2 Cessão de uso <strong>da</strong>s fotografias, com a ressalva de ser credita<strong>da</strong> a autoria. Descumprimentodo contratado. Dano moral configurado. O veicular de obra artística, e a fotografia é umaobra artística, sem a nomeação e identificação clara de seu autor agride o íntimo <strong>da</strong> pessoa.Ausência de <strong>da</strong>no material indenizável. Nexo causal configurado a ensejar a reparaçãodo <strong>da</strong>no moral. 3 Do quantum. O montante indenizatório que deve ser fixado segundo oprincípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de, analisa<strong>da</strong>s as circunstâncias do caso concreto. Montante reduzidopara tornar-se consentâneo com a reali<strong>da</strong>de dos fatos, bem como com os parâmetrosadotados pela Câmara. 4 Juros legais. Incidência de 12% ao ano, desde a citação. IncidênciaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 175


do novo Código Civil. Responsabili<strong>da</strong>de deriva<strong>da</strong> de descumprimento contratual. Apelosparcialmente providos.’ (Apelação Cível Nº 70015249816, Décima Câmara Cível, <strong>Tribunal</strong>de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 31.08.2006)Resta, pois, fixar o quantum <strong>da</strong> indenização por <strong>da</strong>nos morais.A reparação do <strong>da</strong>no moral representa para a vítima apenas uma compensação, capazde minorar ou neutralizar a dor ocasiona<strong>da</strong> pelo ato ilícito. Não há, portanto, ressarcimentopropriamente, apenas uma compensação, pois a dor não se paga, compensa-se.Como não existem na lei parâmetros objetivos para a sua fixação, a quantificação do<strong>da</strong>no moral, segundo critérios propostos pela doutrina e jurisprudência pátria, deve levar emconsideração as circunstâncias e peculiari<strong>da</strong>des do caso, as condições econômicas <strong>da</strong>s partes,o grau de reprovação <strong>da</strong> conduta, as consequências do ato ilícito e eventual contribuição <strong>da</strong>vítima para a configuração do evento <strong>da</strong>noso. Ain<strong>da</strong>, ganha relevância o caráter pe<strong>da</strong>gógico<strong>da</strong> condenação, devendo a mesma ser fixa<strong>da</strong> em patamar que represente efetiva puniçãoao ofensor, visando a desestimular a prática de condutas semelhantes, sem representar, poroutro lado, enriquecimento fácil ao ofendido.Sopesando tais critérios e a situação concreta, na qual a parte-autora não fez nenhumaprova dos incômodos que alega ter sofrido, resumindo-se a ofensa ao <strong>da</strong>no moral puro, e acapaci<strong>da</strong>de econômica <strong>da</strong>s partes, julgo prudente fixar o quantum indenizatório no montantede R$ 10.000,00 (dez mil reais).”Correto o decisum.Nesse sentido, precedentes dos Tribunais, verbis:“DIREITOS AUTORAIS. PUBLICAÇÃO DE FOTO SEM A IDENTIFICAÇÃO DAAUTORIA. ‘A fotografia, quando divulga<strong>da</strong>, indicará de forma legível o nome do seu autor’(Lei nº 5.988/73, art. 82, § 1º); o descumprimento dessa norma legal rende direito à indenizaçãopor <strong>da</strong>nos morais. Recurso especial não conhecido.” (REsp 132896/MG RECURSOESPECIAL 1997/0035428-8, Ministro ARI PARGENDLER (1104), T3 – TERCEIRATURMA, Data do Julgamento: 17.08.2006 Data <strong>da</strong> Publicação/Fonte DJ 04.12.2006, p.292, RNDJ, v. 88, p. 7)“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE INDE-NIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. OBRA FOTOGRÁFICA. FOTOGRA-FIA EM CARTÕES TELEFÔNICOS SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO ARTISTA.DEVER DA PARTE-RÉ DE INDENIZAR O AUTOR POR PREJUÍZOS DE NATUREZAMORAL. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DESTE TRIBUNAL. AUSÊNCIA DEDANO MATERIAL INDENIZÁVEL. As obras fotográficas e as produzi<strong>da</strong>s por processoanálogo ao <strong>da</strong> fotografia são considera<strong>da</strong>s obras intelectuais, estando protegi<strong>da</strong>s pela Leidos Direitos Autorais. Inteligência do artigo 7º, inciso VII, <strong>da</strong> Lei nº 9.610/98. Assim, naespécie, a utilização de fotografia do autor em cartões telefônicos confeccionados pelaempresa-ré, e distribuídos por todo o Estado do Rio Grande do Sul, sem a prévia autorizaçãodo deman<strong>da</strong>nte, enseja a reparação de <strong>da</strong>no moral. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. RESPON-SABILIDADE DO MUNICÍPIO RÉU. A responsabili<strong>da</strong>de do Município réu decorre <strong>da</strong>176R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


celebração de Termo de Cessão de Direitos de Uso de Imagem realizado com a empresa ré,sem a devi<strong>da</strong> autorização do autor <strong>da</strong> fotografia objeto de discussão na presente deman<strong>da</strong>.QUANTUM INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO DO VALOR FIXADO PELO JUÍZO AQUO. SENTENÇA MODIFICADA. Na fixação <strong>da</strong> reparação do <strong>da</strong>no moral, inexistindocritérios objetivos para seu arbitramento, incumbe ao Julgador a tarefa de delimitar a quantiaque venha a compensar aquele prejuízo de natureza moral. Assim, na hipótese dos autos,aplicando-se critérios de aferição subjetiva e juízo de equi<strong>da</strong>de, aliando-se as particulari<strong>da</strong>desdo caso concreto, a majoração do montante indenizatório é medi<strong>da</strong> que se impõe. PEDIDODE PUBLICAÇÃO DE DESAGRAVO PÚBLICO. VIABILIDADE. Deve ser manti<strong>da</strong> adeterminação do Juízo a quo para publicação, na imprensa do Município e do Estado, <strong>da</strong>ver<strong>da</strong>deira autoria <strong>da</strong> obra fotográfica pertence ao deman<strong>da</strong>nte. JUROS MORATÓRIOS.Modificação <strong>da</strong> sentença quanto ao termo inicial <strong>da</strong> incidência dos juros moratórios nopercentual de 12% ao ano. APELAÇÃO DA RÉ BRASIL TELECOM PARCIALMENTEPROVIDA, APELO DO MUNICÍPIO RÉU DESPROVIDO E RECURSO ADESIVO DOAUTOR PARCIALMENTE PROVIDO.” (Apelação Cível Nº 70024753964, Vigésima CâmaraCível, <strong>Tribunal</strong> de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgadoem 22.04.2009, COMARCA DE ORIGEM: São Borja, SEÇÃO: CÍVEL, PUBLICAÇÃO:Diário <strong>da</strong> Justiça do dia 18.06.2009, TIPO DE DECISÃO: Acórdão)Quando do julgamento do RE nº 75.267/Guanabara, em que foi relatoro saudoso Ministro Carlos Thompson Flores, deliberou o Eg. STF, emcaso idêntico ao dos autos, verbis:“FOTOGRAFIA. DIVULGAÇÃO EM REVISTA. USURPAÇÃO DO NOME DE SEUAUTOR. AUTOR DE PERDAS E DANOS.II. SENDO FATO CERTO QUE A FOTOGRAFIA ERA DE AUTORIA DO DEMAN-DANTE E FOI DIVULGADA NA REVISTA DA RÉ, COMO DE AUTOR OUTRO,CABE-LHE A INDENIZAÇÃO A QUE SE REFERE O ART. 667, § 1º, DO CÓD. CIVIL.III. A APURAÇÃO DE SEU QUANTUM, ATENDIDAS TODAS AS CIRCUNSTAN-CIAS, DEVE SER APURADA EM EXECUÇÃO.IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.” (STF, RE 75.267/Guanabara, in RTJ 67, p. 837-842)Em seu voto, anotou o ilustre Ministro Carlos Thompson Flores,verbis:“O Sr. Ministro Thompson Flores (Relator): – Conheço do recurso e lhe dou provimento,para restabelecer o acórdão <strong>da</strong> eg. 1ª Câmara Cível <strong>da</strong>s fls. 210-11-v.2. O acórdão recorrido, proferido na via dos embargos infringentes, recebendo-os, restabeleceua sentença, a qual considerava que, sem prova do <strong>da</strong>no, descabia sua reparação.Para assim concluir, se fun<strong>da</strong>mentou o acórdão em questão <strong>da</strong> seguinte maneira, fls.22-31:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 177


‘Certa a conclusão a que chegou o ilustre prolator do voto vencido, que deu margem aospresentes embargos, visto que não há, nestes autos, prova <strong>da</strong> existência de qualquer <strong>da</strong>noindenizável, uma vez que o embargado não alegou, nem provou qualquer prejuízo em concreto,a não ser um pretenso <strong>da</strong>no moral resultante do fato <strong>da</strong> publicação de uma fotografiade sua autoria, <strong>da</strong><strong>da</strong> como feita por outro profissional, seu companheiro na revista Manchete,de proprie<strong>da</strong>de do embargante.Aliás, isto mesmo reconhece o v. acórdão quando afirma escapar a apreciação do <strong>da</strong>nopatrimonial, por se tratar de questão trabalhista, existindo, a seu ver, apenas, para sua apreciação,o <strong>da</strong>no moral que consistiu na publicação <strong>da</strong> fotografia <strong>da</strong> fl. 95, que foi atribuí<strong>da</strong>como sendo de Richard Sasso, quando na ver<strong>da</strong>de era ela <strong>da</strong> autoria do embargado, fatoesse que, no entender <strong>da</strong> maioria, constituía ato ilícito que deve ser reparado.Com referência a reparação por <strong>da</strong>no moral, conforme muito bem salienta AgostinhoAlvim:‘O nosso legislador não inseriu no Código uma regra sobre <strong>da</strong>no moral, nem mesmo,como certos Códigos, para conceder indenização em casos previstos. Não existe nenhumanorma de caráter geral.Apenas, no art. 1.543, prevê-se um caso, outros dispositivos há, de caráter casuístico,melhor direi discutíveis. Mas, mesmo que se enxerguem casos de indenizações por <strong>da</strong>nomoral em várias disposições, nenhuma generalização é possível, donde, o mais que se podeconceder é que o Código se filiou à doutrina dos casos previstos em lei.’ (Da inexecução<strong>da</strong>s obrigações, p. 246-7)Assim é que, no entendimento desse ilustre jurista, o caso previsto no art. 1.543 do CC,é caso típico de <strong>da</strong>no moral puro, assim, to<strong>da</strong> a recomposição do patrimônio se opera pelarestituição do equivalente. Logo, a que se dá a mais, é uma reparação moral, uma satisfaçãoaos sentimentos afetivos. Os demais casos, que se pretende atribuir como <strong>da</strong>no moral,são realmente <strong>da</strong>nos patrimoniais, embora, em muitos deles, sucede que o <strong>da</strong>no moral eo <strong>da</strong>no patrimonial de tal forma se misturam que dificilmente podem ser consideradossepara<strong>da</strong>mente.Donde se conclui que, somente haverá indenização por <strong>da</strong>no moral, em nosso direito,nos casos expressamente previstos em lei.No caso dos autos, não existe nenhuma prova de que o embargado tivesse sofrido qualquer<strong>da</strong>no moral. É completa a ausência de comprovação de que tenha ele sido ofendidoem sua honra, ou que fosse ofendido em seu sentimento afetivo, em sua liber<strong>da</strong>de, casosem que poderia ocorrer o pretendido <strong>da</strong>no moral.Assim, o simples fato do embargante ter publicado a fotografia com nome de outrem,não é, ao ver do Grupo, motivo para o reconhecimento de um <strong>da</strong>no moral, máxime, nãoteve o aludido fato qualquer repercussão no patrimônio do embargado.Acresce ain<strong>da</strong> que o <strong>da</strong>no puramente moral é insuscetível de reparação. Tanto na doutrinacomo na jurisprudência o princípio que tem dominado até hoje é que, no sistema doCódigo Civil Brasileiro, o <strong>da</strong>no puramente moral não é indenizável, pelo menos em tese.178R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Somente como exceção, o Código admite a possibili<strong>da</strong>de dessa indenização nas hipótesesexpressamente previstas em lei.Nesse sentido, já decidiram os 1º, 2º, 3º e 4º Grupos de Câmaras Cíveis, nos Recursosde Revista 1.779, 2.610 e 5.394, cujos acórdãos estão publicados no D.J. de 07.10.54 ede 28.04.55 e na Rev. de Juris. 8/72-4; Apelação Cível 48.441 <strong>da</strong> 3ª Câmara Cível in Rev.Juris., vol. 18; e Recurso de Revista 7.003, in Rev. Juris. 17/226 – hipóteses estas previstasnos arts. 1.543, 1.547, 1.548 e 1.549, todos do C. Civil.Daí concluir-se que só é indenizável o <strong>da</strong>no moral com repercussão econômica.Assim muito bem salienta o nosso ilustre colega Desembargador Perez de Lima que,como relator, ao decidir sobre a tese em tela, declarou:‘Afastando-se <strong>da</strong> orientação dominante na matéria, o projeto do Código de obrigaçõescui<strong>da</strong>, explicitamente, <strong>da</strong> reparação do <strong>da</strong>no moral, ao dispor que o <strong>da</strong>no simplesmentemoral será também ressarcido (art. 856), o que vem ain<strong>da</strong> mais reforçar o acerto <strong>da</strong>quelesque se opõem à doutrina consagra<strong>da</strong> pela sentença, absolutamente, insustentável, em facedo atual sistema legal.’ (in Rev. Juris., 18-312)3. Em princípio, cabe afastar a pretendi<strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> L. 5.250-67.Desprovido pela eg. Câmara o agravo processual que dela cogitou, sem que dessadecisão fosse interposto recurso extraordinário pelo prejudicado, o tema ficou sepultadopela preclusão.4. Resta a questão principal: o <strong>da</strong>no moral.Desatendendo como o fez o acórdão ora impugnado, penso que, a to<strong>da</strong> evidência, negouvigência ao art. 667, § 1º, do CC, tal como o considerou o parecer <strong>da</strong> douta Procuradoria--Geral <strong>da</strong> República, em seu parecer antes transcrito, como o significou esta Corte, na precisaementa a julgado proferido nº RE 70.451, verbis: ‘Nega vigência à lei a decisão que recusao que ela concede inequivocamente, ou que concede o que ela, também inequivocamente,recusa’ (RTJ, 55/648).Sua aplicação se impunha, e pelas razões constantes <strong>da</strong> bem deduzi<strong>da</strong> petição recursal,quando <strong>da</strong>quele preceito cuidou, fl. 237 e seguintes.Com efeito.É fato certo que o autor <strong>da</strong> fotografia publica<strong>da</strong> com duplo destaque pela revista Manchete,na capa <strong>da</strong> edição de 20.07.68 e à p. 111 (folhas 40 e 95 dos autos), era o ora recorrente,quando a ré os fez apresentar como se fosse seu fotógrafo Richard Sasso, p. 110 do semanário.A própria recorri<strong>da</strong> o reconhece e dispunha-se a fazer a retificação, a qual jamais procedeu.Ocorreu, assim, o ilícito <strong>da</strong> forma incontesta<strong>da</strong>, a que se refere o artigo 667, § 1º, mencionado,o qual, expressamente, proporciona indenização, por ‘per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos’.Negá-los, como procedeu o decisório impugnado, sob pretexto de que não provou o autoros prejuízos sofridos e suscetíveis de reparação, seria denegar aplicação àquele preceito.Trata-se de reparação do <strong>da</strong>no moral, e, por isso, perseverou o recorrente em insistir naaplicação do art. 56 <strong>da</strong> L. 5.250/67, o qual admitiu a cisão <strong>da</strong>s duas ações para a reparaçãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 179


do <strong>da</strong>no moral e do material.In casu, poderiam existir ambas, mas o que quer o recorrente é a que se refere ao moral.Não há como ignorá-la, desde que se vincule a publicação <strong>da</strong>s fotos nas condições emque teve lugar e como de autoria de outrem, e os fatos que precederam, a começar pelacorrespondência dirigi<strong>da</strong> ao deman<strong>da</strong>nte, e a consequente rescisão do contrato de trabalho,com a per<strong>da</strong> do trabalho na empresa deman<strong>da</strong><strong>da</strong>, cujos efeitos, é manifesto, refletiram-sena sua vi<strong>da</strong> profissional, em seu desfavor.Por isso, com proprie<strong>da</strong>de invocou o recorrente o acórdão do eg. <strong>Tribunal</strong> de Justiça doentão Distrito <strong>Federal</strong>, de 14.08.44, in R.F. 110/428-9, do qual cabe destacar:‘Em ver<strong>da</strong>de, o parágrafo único do art. 667, cit., não exige a efetivi<strong>da</strong>de de <strong>da</strong>no materialpara impor ao usurpador o dever de indenizar, mas apenas a efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> usurpação.Deve-se mesmo admitir possam ser até simplesmente de ordem moral os <strong>da</strong>nos ali man<strong>da</strong>dosindenizar, porque decorrente <strong>da</strong> ofensa ao direito moral do escritor. E, na espécie emexame, a usurpação ali prevista, não há negar, houve, porquanto bastava para realizá-la, anova omissão do nome do apelado na nova publicação de sua tradução; não era imprescindívela substituição dele pelo de outrem; a substituição constitui apenas uma <strong>da</strong>s formas deusurpação. Consequentemente, deve o valor desse <strong>da</strong>no, causado pela apelante ao apelado,ser arbitrado na execução, como determinou a sentença e prescrevem os arts. 906 e 909, I,do C. Pr. Civil. Além dessa indenização, estaria o usurpador obrigado, em face do § 2º docitado artigo 667, a inserir nos exemplares <strong>da</strong> tradução publica<strong>da</strong> o nome do tradutor, masa esse respeito foi omissa a inicial. (CPC, arts. 4º, 154 e 157).’Essa foi, outrossim, a orientação toma<strong>da</strong> pelo aresto <strong>da</strong> eg. 1ª Câmara, ora restabelecido.É o meu voto.”Com efeito, consoante bem assinalado na r. sentença, o dever deindenizar os <strong>da</strong>nos morais decorre <strong>da</strong> violação dos arts. 24 e 108 <strong>da</strong> Leinº 9.610/98, bem como do art. 5º, XXVIII, <strong>da</strong> CF/88.No caso em exame, o ato ilícito foi reconhecido pela União, uma vezque a publicação <strong>da</strong> fotografia em revista de circulação nacional semconstar o nome do autor <strong>da</strong> imagem, inegavelmente, violou o direito doautor, assegurando-lhe a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> reparação.Nesse sentido, confira-se a doutrina: Henri Desbois, in Le DroitD’Auteur. Paris: Dalloz, 1950, p. 129, n. 106; A. Lucas et H. J. Lucas,in Traité de La Propriété Littéraire et Artistique. Paris: Litec, 1994, p.136, n. 128.A propósito, leciona Henri Desbois, na obra cita<strong>da</strong>, p. 628, n. 606,verbis: “Le droit moral préexiste au contrat, puisqu’il est opposable àtous; de plus, il échappe à toute convention, inaliénable de nature commeles droits de la personnallité”.180R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Por conseguinte, considerando-se que o ato ilícito por parte <strong>da</strong> Uniãofoi reconhecido, ausente excludente de responsabili<strong>da</strong>de, impõe-se odever de indenizar, pois presente a violação ao direito moral do autor.A partir de 1946, adotou-se, no Brasil, no que concerne às enti<strong>da</strong>desde direito público, a responsabili<strong>da</strong>de objetiva, com fulcro na teoria dorisco administrativo, sem, no entanto, adotar a posição extrema<strong>da</strong> dosadeptos do risco integral, em que a Fazen<strong>da</strong> Pública responderia sempre,mesmo presentes as excludentes <strong>da</strong> obrigação de indenizar (CF de 1946,art. 194 e seu parágrafo único; CF de 1967, art. 105 e seu parágrafo único;CF de 1969, art. 107 e seu parágrafo único, e CF de 1988, art. 37, § 6º).A Suprema Corte, em mais de uma oportuni<strong>da</strong>de, fixou o exato alcancedo comentado dispositivo constitucional. Assim o fez no RE nº 68.107-SP, julgado pela 2ª Turma, verbis:“(...)II. A responsabili<strong>da</strong>de objetiva, insculpi<strong>da</strong> no art. 194 e seu parágrafo único, <strong>da</strong> CF de1946, cujo texto foi repetido pelas Cartas de 1967 e 1969, arts. 105-7, respectivamente, nãoimporta no reconhecimento do risco integral, mas temperado.(...)” (In RTJ 55/50)Em seu voto, o relator, o eminente Ministro Thompson Flores, ex--Presidente <strong>da</strong> Excelsa Corte, salientou, verbis:“(...) embora tenha a Constituição admitido a responsabili<strong>da</strong>de objetiva, aceitandomesmo a teoria do risco administrativo, fê-lo com temperamentos, para prevenir excessose a própria injustiça.Não obrigou, é certo, à vitima e aos seus beneficiários, em caso de morte, a prova deculpa ou dolo do funcionário para alcançar indenização. Não privou, to<strong>da</strong>via, o Estadodo propósito de eximir-se <strong>da</strong> reparação, que o <strong>da</strong>no defluíra do comportamento doloso ouculposo <strong>da</strong> vítima.Ao contrário senso, seria admitir a teoria do risco integral, forma radical que obrigariaa Administração a indenizar sempre, e que, pelo absurdo, levaria Jean Defroidmont (LaScience du Droit Positif, p. 339) a cognominar de brutal. (...)” (In RTJ 55/52-3)Outro não foi o entendimento adotado por um dos mais conceituadosadministrativistas do país, o eminente e saudoso Ministro ThemístoclesCavalcanti, ao votar no julgamento do RE nº 61.387-SP, verbis:“(...)Partindo <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de dos encargos e <strong>da</strong>s finali<strong>da</strong>des essenciais do Estado, oclássico Tirard chegava à responsabili<strong>da</strong>de do Estado pela falta verifica<strong>da</strong> no serviço (DeR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 181


la responsabilité du service publique, 1906).Nesta particular, a varie<strong>da</strong>de na aplicação dos casos é muito grande. Principalmente ajurisprudência francesa se detém no exame <strong>da</strong>s hipóteses. É assim que são mencionadoscasos de responsabili<strong>da</strong>de, ou por não se ter evitado um perigo por meio de obras necessárias,como a construção de um parapeito na estra<strong>da</strong>; de não se ter impedido a circulaçãoem um trecho perigoso; de não se ter retirado um obstáculo em um rio canalizado etc. oupor omissão material, por falta de sinalização, de abandono de trecho <strong>da</strong> estra<strong>da</strong>, aberturade trincheira em uma estra<strong>da</strong> etc.Essa teoria não é talvez suficiente para prever to<strong>da</strong>s as hipóteses de responsabili<strong>da</strong>dedo Estado, mas a sua aplicação deve ser casuística para não envolver a responsabili<strong>da</strong>de doEstado em todos os casos em que age dentro de sua finali<strong>da</strong>de própria.Assim, nem sempre se verifica essa responsabili<strong>da</strong>de, de acordo com a boa doutrina,quando há escassez de abastecimento de água, interrupção de energia elétrica, o mal calçamentode uma estra<strong>da</strong>. Depende sempre <strong>da</strong>s circunstâncias.(...)” (In RTJ 47/381. No mesmo sentido, RTJ 71/99, bem como julgado do extinto<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> de Recursos no julgamento <strong>da</strong> Ap. Cív. nº 33.552, rel. Ministro CARLOSMÁRIO VELLOSO, in RDA 137/233)Na doutrina nacional, a jurisprudência do Pretório Excelso é respal<strong>da</strong><strong>da</strong>,como se verifica, entre outros, dos seguintes autores: Hely LopesMeirelles, in Direito Administrativo Brasileiro. 14. ed., Rev. dos Tribs.,1989. p. 551; Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira, in Responsabili<strong>da</strong>de Civil.Forense, 1989. p. 143. n. 105.Da mesma forma, a idêntica solução é adota<strong>da</strong> na França, como lecionao clássico Laubadère, verbis:“La jurisprudence a consacré, au-delá de la responsabilitè pour faute, une responsabilitède l’administration pour risque; elle admet que, <strong>da</strong>ns certains cas, les collectivitéspubliques sont tenues de réparer les dommages entrainés par leur activité même non fautive.La responsabilité pour risque est, rappelons-le, celle qui est engagée dès lors qu’est établieune relation de cause a effet entre l’activité de l’auteur du dommage et ce dommage luimême.” (In ANDRÉ DE LAUBADÈRE, Traité Élémentaire de Droit Administratif. Paris:Libr. Générale, 1953. p. 490, n. 892. Igualmente, JEAN RIVERO, in Droit Administratif.8. ed., Paris: Dalloz, 1977. p. 274, n. 284)Assim, como restou demonstrado, a teoria do risco administrativo,adota<strong>da</strong> pelas Constituições brasileiras, a partir de 1946, não implica oreconhecimento de que a Administração Pública tenha que indenizarsempre, mesmo quando presentes as excludentes dessa responsabili<strong>da</strong>de.In casu, a r. sentença recorri<strong>da</strong> demonstrou configurados os pressupostosdo art. 37, § 6º, <strong>da</strong> CF/88.182R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


No que concerne ao <strong>da</strong>no moral, o Juízo a quo fixou-o com moderação,atento às peculiari<strong>da</strong>des do caso concreto.Em precioso estudo, intitulado “Il Danno Morale (Contributo allateoria del <strong>da</strong>nno extracontrattuale)”, publicado na Rivista di DirittoCivile, a. III, 1957, parte prima, CEDAM, p. 332-3, assinalou RenatoScognamiglio, acerca dos critérios de indenização do <strong>da</strong>no extrapatrimonial,verbis:“L’altra soluzione – che è stata anche di recente esplicitamente difesa [Knöpfel, op. cit.p. 152 ss. (anche per gli argomenti successivi in favore della teoria)] – appare senza dubbiomeglio rispondente alla idea del risarcimento. Si assume in proposito che tra le circostanzedel caso, cui la valutazione equitativa fa capo, sicuramente rientra qui la colpa del reo:in particolare la violazione della personalità umana (e quella connessa del sentimento digiustizia) – che nell’ipotesi si consuma – risulterebbe tanto piú grave, quanto maggioresarà l’entità della colpa. Né varrebbe l’agevole obiezione che il moderno diritto civilenon tiene alcun conto, ai fini della responsabilità, del grado della colpa, poiché questoprincipio potrebbe applicarsi in pieno soltanto al risarcimento vero e proprio. Ma devereplicarsi: quest’ultima considerazione non appare soli<strong>da</strong>mente fon<strong>da</strong>ta se si riflette cheil nostro legislatore fa menzione anche qui del risarcimento e dunque sono <strong>da</strong> applicareall’intera materia gli stessi principî generali. In ogni caso poi il criterio suggerito nonsembra rispondente alla natura del nostro istituto: se difatti si tratta di risarcimento e nondi pena – come senz’altro si ammette – non si spiega perché debba tenersi conto, ai finidel risarcimento, essenzialmente della gravità della colpa. Vi potrà essere senza dubbiouna coincidenza in tal senso perché, a colpa piú grave potrà corrispondere un torto piúgrave e maggior dolore, ma non piú di questo. L’unico criterio, in definitiva, che possa consufficiente sicurezza adottarsi è quello – soltanto fon<strong>da</strong>to sulla ratio del nostro istituto –che fa capo alla intensità del dolore sofferto. Posto che tale è il <strong>da</strong>nno che viene preso inconsiderazione – e si tratta di attribuire alla vittima adeguate soddisfazioni compensative(non di punire il reo) – agevolmente si spiega che debba aversi riguardo essenzialmente allaentità delle sofferenze psichiche, quale può desumersi, tra l’altro, <strong>da</strong>lle circostanze principalidel caso. La obiezione che cosí si rischia di cadere in un pericoloso sentimentalismo,per la eceessiva considerazione della sensibilità di ciascun soggetto, non va sopravalutata[Contro questo pericolo ammonisce di recente Cass., 30 giugno 1954, n. 2261, in Resp. civ.,1954, p. 450.]. Il pericolo non sussiste perché, per la ben nota impossibilità di misurare ildolore, si rimane sempre nel campo della valutazione equitativa, che è 1’oggetto dell’attualein<strong>da</strong>gine. Il riferimento al dolore subito opera cosí come criterio di base dell’apprezzamentodel giudice, il quale, nel pronunziarsi in definitiva secondo il suo prudente arbitrio, nonmancherà di tener presente – per meglio contemperare fra l’altro le opposte esigenze –sopratutto quella che può essere, nella fattispecie, la sensibilità al dolore dell’uomo medio.Soluzione che consente tra l’altro – a quanto ci sembra – di realizzare risultati abbastanzacostanti, evitando il pericolo di eccessive fluttuazioni della giurisprudenza. Ed appare poi diR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 183


agevole applicazione pratica: poiché già l’accertamento, che in ogni caso deve farsi, dellaricorrenza del <strong>da</strong>nno morale fornirà un criterio abbastanza approssimativo di orientamentocirca l’entità del dolore.”Nesse sentido, ain<strong>da</strong>, o magistério de Antonio Jeová Santos, em suaobra Dano Moral Indenizável, 4. ed., Revista dos Tribunais, 2003, p.151-2, verbis:“Ao contrário do Direito Penal, que a ca<strong>da</strong> crime corresponde o tamanho <strong>da</strong> pena, o graumínimo e o máximo que deve ser aplicado ao criminoso, quanti<strong>da</strong>de que é sempre embasa<strong>da</strong>na gravi<strong>da</strong>de do delito praticado, em tema de <strong>da</strong>no moral esse critério é impossível. Repudiadoo tarifamento <strong>da</strong> indenização do <strong>da</strong>no moral, resta mesmo ao julgador percorrer o pantanosocaminho do na<strong>da</strong> para encontrar o quantum indenizatório. Essa dificul<strong>da</strong>de conspira para aausência de acordos, faz com que nenhuma <strong>da</strong>s partes fique satisfeita quando o juiz prolataa sentença e encontra o valor <strong>da</strong> indenização, tanto que raras vezes autor e réu não recorremsimultaneamente; o autor, por entender que a quantia que lhe foi outorga<strong>da</strong> é mínima, e oréu, porque o juiz foi generoso e arbitrou importância excessiva. Difícil o caso em que nãoexistam dois recursos quando a deman<strong>da</strong> é acolhi<strong>da</strong> e o juiz estabelece a indenização, enfim,a dificul<strong>da</strong>de não pode servir de empeço ao estudo do tema, nem a que o estudioso do direitoesteja sempre a procurar a melhor forma de indenizar o padecimento espiritual que alguémsofreu. Fugindo <strong>da</strong>s indenizações simbólicas ou <strong>da</strong>quelas que, pelo montante, possam causar oenriquecimento indevido <strong>da</strong> vítima, nesse largo espaço, entre um extremo e outro, o advogadoe o juiz haverão de trabalhar de forma incansável até encontrar o justo valor <strong>da</strong> indenização.Uma postura de humil<strong>da</strong>de haverá de revestir essa ativi<strong>da</strong>de. Nenhum critério existe.Fórmulas matemáticas sempre deverão ser afasta<strong>da</strong>s. Procurar de forma científica o quanto aser indenizado, não conduzirá a lugar algum. Vale a ponderação de Ortega y Gasset: ‘Minhaalegria é minha; a tristeza é minha e ninguém mais que eu pode tê-las’. O sofrimento humanoé insuscetível de ser avaliado por terceiros. Sobretudo se a avaliação deve ser feita em dinheiro.Afinal, um fato <strong>da</strong>noso repercute no ânimo <strong>da</strong>s pessoas em graus diferentes. Um é maisintimorato; o outro tem uma personali<strong>da</strong>de mais suscetível à intimi<strong>da</strong>ção, de sorte que nãose pode auscultar o espírito humano para verificar a extensão do <strong>da</strong>no. Essa constatação, desi mesma inarredável, impede a existência de termos e critérios quantitativamente exatos, oque é buscado pelo operador do direito, mas pelo caráter fluido e fugidio do tema ora versado,jamais será encontrado, para desespero <strong>da</strong>queles que estão acostumados com o alto grau dedesenvolvimento do <strong>da</strong>no patrimonial em que basta a existência de um <strong>da</strong>no para saber-seexatamente quanto será necessário para satisfazer a vítima sem nenhum grau de impossibili<strong>da</strong>deou de injustiça quanto a deixá-la indene.O arbitramento certo <strong>da</strong> indenização do <strong>da</strong>no moral, além de não existir pauta quantitativamenteexata, reduz-se a uma operação insuscetível de ser fixa<strong>da</strong>, tomando-se comoembasamento conceitos que sirvam de validez geral. A fluidez e o caráter nebuloso e relativo<strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de, do sofrimento anímico, impede a existência de pautas que gozem de validezuniversal ou, ao menos, em determinado ordenamento jurídico de <strong>da</strong>do país.184R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


29. O PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUIZFaltando critério de validez geral, faz-se um apelo a critério sumamente subjetivo. Oprudente arbítrio do juiz passa a ser a única forma de superação <strong>da</strong> dificul<strong>da</strong>de <strong>da</strong> indenizaçãodo <strong>da</strong>no moral. Confia-se nos juízes nessa tarefa, isso é certo.”No caso em exame, o ilustre Magistrado, considerando as dificul<strong>da</strong>dese peculiari<strong>da</strong>des do caso concreto, estipulou o valor <strong>da</strong> indenização emquantia compatível com o <strong>da</strong>no sofrido pela parte-autora, impondo-se,pois, a manutenção <strong>da</strong> sentença no ponto.No que concerne aos consectários, a r. sentença observou o dispostonas Súmulas n os 54, 326 e 362, to<strong>da</strong>s do Eg. STJ.Os honorários advocatícios restaram fixados observando-se as circunstânciasdo art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.Por esses motivos, voto por negar provimento às apelações.É o meu voto.APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.70.00.028452-5/PRRelatora: A Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Marga Inge Barth TesslerApelantes: Mapfre Vera Cruz Seguradora S/A e outrosAdvogados: Drs. Fabricio Nedel Scalzilli e outrosDra. Angela Carla Zandona UbialliDra. Vanessa Cristina PasqualiniDr. Alessandro Serafin Octaviani LuisDr. Angelino Luiz Ramalho TagliariApelante: União <strong>Federal</strong>Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> UniãoApelados: Os mesmosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 185


EMENTADireito Administrativo e Processual Civil. Agravo retido. Perícia.Capaci<strong>da</strong>de técnica. Responsabili<strong>da</strong>de objetiva do Estado. Acidenteaéreo. Seguro aeronáutico. Ação regressiva. Companhia seguradora.Nexo causal ausente. Falha do serviço público. Inocorrência.1. Correto o indeferimento do pedido de realização de nova perícia,uma vez que não evidencia<strong>da</strong> incapaci<strong>da</strong>de técnica do perito nomeado.2. A responsabili<strong>da</strong>de objetiva <strong>da</strong> União <strong>Federal</strong> independe <strong>da</strong> comprovaçãode culpa ou dolo, bastando restar configura<strong>da</strong> a existência do <strong>da</strong>no,<strong>da</strong> ação e do nexo de causali<strong>da</strong>de entre ambos. Já a responsabilização porfalha do serviço não prescinde <strong>da</strong> comprovação <strong>da</strong> culpa do ente estatal,cumprindo ser averigua<strong>da</strong> a existência ou não de causas excludentes.3. No caso concreto, restou demonstrado que o piloto <strong>da</strong> aeronavefoi causador do sinistro objeto <strong>da</strong> causa, aliado às más condições meteorológicas,não tendo a conduta dos agentes públicos sido determinantepara a ocorrência.4. Não há como reconhecer a responsabili<strong>da</strong>de do Estado, visto queausente nexo de causali<strong>da</strong>de entre o ato <strong>da</strong> Administração e o evento<strong>da</strong>noso, não sendo pois devido o ressarcimento postulado na inicial.5. Manti<strong>da</strong> a sentença de improcedência <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>, bem como afixação <strong>da</strong> verba honorária.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia <strong>4ª</strong> Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento ao agravo retido e às apelações, nostermos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.Porto Alegre, 01 de dezembro de 2010.Desa. <strong>Federal</strong> Marga Inge Barth Tessler, Relatora.RELATÓRIOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Marga Inge Barth Tessler: Trata-se deapelações interpostas em face <strong>da</strong> sentença que julgou improcedente açãode ressarcimento movi<strong>da</strong> por Vera Cruz Seguradora S/A, Itaú Seguros186R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


S/A, Real Previdência e Seguros S/A, Saoex Seguradora e PrevidênciaPriva<strong>da</strong> S/A e Golden Cross Seguradora S/A contra a União <strong>Federal</strong>, emvirtude de acidente com aeronave ocorrido no aeroporto de Bacacheri,em Curitiba/PR, em 13 de setembro de 1996. Outrossim, condenou aparte-autora ao pagamento de honorários advocatícios à União, fixadosem 10% do valor <strong>da</strong> causa.Os fatos que deram origem à controvérsia foram assim relatados peloMM. Julgador de primeiro grau:“VERA CRUZ SEGURADORA S/A, ITAÚ SEGUROS S/A, REAL PREVIDÊNCIA ESEGUROS S/A, SAOEX S/A SEGURADORA E PREVIDÊNCIA PRIVADA e GOLDENCROSS SEGURADORA S/A ingressaram em 13 de setembro de 2001 com a presente açãoindenizatória contra a UNIÃO FEDERAL.Os autores são legítimos a ingressarem com ação de indenização contra quem deucausa no <strong>da</strong>no, nos termos <strong>da</strong> Súmula 188 do STF, bem como pelos artigos 985 e 988 doCódigo Civil.Aduzem ter ocorrido um acidente aéreo e, na quali<strong>da</strong>de de seguradoras, cumpriram como contrato de seguro com o pagamento a empresa MATEL Matadouro Industrial Lt<strong>da</strong>., dovalor de R$ 476.330,44, em dezembro de 1996.Alega que a responsabili<strong>da</strong>de pelo acidente aéreo ocorreu por atos dos agentes doMinistério <strong>da</strong> Aeronáutica de Curitiba e São José dos Pinhais, portanto legítima a União<strong>Federal</strong> como requeri<strong>da</strong>.No dia 13 de setembro de 1996, por volta <strong>da</strong>s 19h30min horas, a aeronave BARON58, série TH-1511, de proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> MATEL – MATADOURO INDUSTRIAL LTDA.,decolou do Aeroporto do Bacacheri, em Curitiba, com destino a Campo Grande-MS, sobo comando do piloto Milton Juvenal de Queiroz.Como as condições meteorológicas que se apresentaram naquela ocasião não permitiamque fosse efetuado voo com orientação visual, o piloto necessitava de orientação porinstrumentos <strong>da</strong> Torre de Comando, iniciando a subi<strong>da</strong> como ERON 2, afastando-se doaeroporto de Bacacheri.Aduz que, logo após a decolagem, a torre de controle do aeroporto do Bacacheri,inadverti<strong>da</strong>mente, autorizou uma outra aeronave, de porte e potência muito maiores queo primeiro, pertencente à companhia ‘Passaredo’, a decolar com destino à ci<strong>da</strong>de de SãoJosé dos Campos-SP.A aeronave Passaredo logo alcançou o pequeno Baron 58 e, por determinação doscontroladores do aeroporto de Curitiba, pois a aeronave Passaredo igualmente realizou umvôo por instrumentos, ao receber a informação que estava em rota de colisão, realizou umamanobra de emergência, utilizando to<strong>da</strong> a força de seus motores para ascender. Ocorreque tal atitude causou uma perturbação na coluna de ar, chama<strong>da</strong> de ‘esteira’ ou ‘on<strong>da</strong>’,consequentemente retirando to<strong>da</strong> a sustentação do Baron 58 no ar, causando sua que<strong>da</strong>.Narram os autores tratar-se de um voo noturno a ser realizado pela Baron 58, com másR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 187


condições de tempo e visibili<strong>da</strong>de, sendo essencial as instruções de voo. Fun<strong>da</strong>mentam queas instruções jamais foram presta<strong>da</strong>s, sendo que as torres <strong>da</strong> região não contavam mais como ra<strong>da</strong>r primário, somente contando com o ra<strong>da</strong>r secundário, que, por sua vez, não estavafuncionando de modo a proporcionar a maior segurança possível.Portanto, seja pela ausência do ra<strong>da</strong>r primário e por não terem realizado as instruçõespelo padrão ‘não ra<strong>da</strong>r’, seja pela permissão de decolagem entre aeronaves com intervalode cinco minutos, a ausência de correta instrução dos agentes <strong>da</strong>s torres de comando foi acausa do acidente.Salienta que o APP/CT, em São José dos Pinhais, é o responsável pelo controle aéreo deto<strong>da</strong> a região de Curitiba, devendo monitorar e guiar to<strong>da</strong>s as aeronaves que se aproximame se afastam <strong>da</strong> região, enquanto a torre de controle do Aeroporto de Bacacheri orienta osaviões que decolam e pousam neste aeroporto, em conformi<strong>da</strong>de com as informações querecebem <strong>da</strong>quele mesmo APP/CT. O controle APP/CT não cumpriu sua principal missão,de evitar o acidente aéreo.Narra que a investigação própria do Ministério <strong>da</strong> Aeronáutica é descabi<strong>da</strong> por tratar-se<strong>da</strong> ‘raposa sobre o galinheiro’. Diz que ‘...o mesmo órgão que causou o <strong>da</strong>no por meio do atoilícito de seus agentes é o órgão incumbido de investigar e apresentar as causas do acidente’.Sustenta a ‘coincidência’ do arquivamento de inquérito civil público sobre o aeroportodo Bacacheri e suas deficiências, exatamente após o acidente causa <strong>da</strong> presente lide.Fun<strong>da</strong>menta seu pedido na responsabili<strong>da</strong>de civil extracontratual do Estado pela falhado serviço.Pede, ao final, inaudita altera parte, a apresentação <strong>da</strong>s fitas de gravação do controlede tráfego aéreo <strong>da</strong> região de Curitiba, durante o período compreendido entre as 18h e as24h do dia 13.09.1996, a relação de to<strong>da</strong>s as aeronaves (e horários em) que pousaram edecolaram no Aeroporto de Bacacheri durante o período compreendido entre as 18h e as24h do dia 13.09.1996, a qualificação dos oficiais que respondiam pelo controle de tráfegoaéreo na torre de controle do Aeroporto de Bacacheri e no controle de aproximação <strong>da</strong>região de Curitiba no dia 13.09.1996, citação <strong>da</strong> União <strong>Federal</strong> e final condenação destano pagamento de R$ 601.947,50 pelos <strong>da</strong>nos ocorridos, com produção de to<strong>da</strong>s as provaspermiti<strong>da</strong>s em direito. (...)”Regularmente instruído o feito, sobreveio sentença (fls. 1516-1522)que julgou improcedente a deman<strong>da</strong>. Condenou a parte-autora ao pagamento<strong>da</strong>s despesas processuais e de honorários advocatícios fixados em10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa (R$ 601.947,50, na<strong>da</strong>ta de 28.06.2001) atualizado monetariamente pelo IPCA-E.Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fls. 1530-1531).Inconforma<strong>da</strong>, recorre a parte-autora. Nas razões (fls. 1534-1592),pleiteia a apreciação do agravo retido interposto contra a decisão queindeferiu a realização de nova prova pericial. Sustenta que deve ser reconheci<strong>da</strong>a responsabili<strong>da</strong>de objetiva <strong>da</strong> União no evento, bem como por188R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


falha no serviço do controle de tráfego aéreo, que ocasionou o acidentecom graves consequências. Alega que a prova dos autos não foi corretamenteanalisa<strong>da</strong>, argumentando que a causa determinante do acidentefoi a esteira de turbulência ocasiona<strong>da</strong> por aeronave de maior porte,afetando gravemente a estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aeronave sinistra<strong>da</strong>. Assevera nãoter sido observado o regulamento que determina a separação de cincominutos entre a decolagem dos aviões. Afirma que, não fosse a atuaçãoequivoca<strong>da</strong> dos controladores de voo, poderia ter sido evita<strong>da</strong> a rota decolisão. Aponta vícios na perícia oficial, reportando-se ao laudo do assistentetécnico. Anexa planilhas de cálculo em abono a sua tese. Requera conversão do feito em diligência para a realização de outra perícia oua reforma <strong>da</strong> sentença para julgar integralmente procedente o pedido.Em seu apelo, pretende a União a majoração <strong>da</strong> condenação em honoráriosadvocatícios (fls. 1597-1601).Apresenta<strong>da</strong>s contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.É o relatório.VOTOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Marga Inge Barth Tessler: Preliminarmente,quanto ao exame do agravo retido, tenho que merece ser manti<strong>da</strong>por seus próprios fun<strong>da</strong>mentos a decisão <strong>da</strong>s fls. 1.196/97, nos seguintestermos:“Manifestam-se as Requerentes aduzindo, em suma: a) insuficiência técnica do perito; b)necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> realização de cálculos; c) embasamento equivocado na transcrição <strong>da</strong>s fitasrelativas ao acidente; d) desnecessi<strong>da</strong>de de copiloto para o voo discutido; e) suspeição de‘qualquer profissional de aviação paranaense’; f) necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> nomeação de outro perito.(...)Quanto às alegações <strong>da</strong>s requerentes, cumpre dizer o seguinte: processualmente, a impugnaçãodo perito resta preclusa, já que o prazo para tal expira em cinco dias <strong>da</strong> ciência<strong>da</strong> nomeação. Ademais, em análise sumária do laudo, não verifico qualquer mácula quepossa ensejar nuli<strong>da</strong>de (arts. 243 e segs., do CPC).A perícia atendeu aos pedidos postulados na exordial de que o perito fosse desvinculadode qualquer órgão privado ou público <strong>da</strong> aeronáutica e, do mesmo modo, contemplou osquesitos estipulados pelas partes de forma eminentemente técnica, respondendo com clarezaaos quesitos formulados.Eventual descontentamento com os resultados obtidos não figura como razão legal paraimpugnar a perícia, pelo que indefiro a nomeação de outro perito.”R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 189


Efetivamente, no momento oportuno, as autoras não solicitaramesclarecimentos com relação ao trabalho do expert, deixando de formularquesitos complementares ou de impugnar a técnica utiliza<strong>da</strong> naelaboração do laudo. A circunstância de não ter o perito respondidosatisfatoriamente a apenas um quesito, versando sobre cálculo de probabili<strong>da</strong>des,dentro de um universo de sessenta quesitos, não evidenciasua incapaci<strong>da</strong>de técnica para análise <strong>da</strong> matéria discuti<strong>da</strong> nos autos, atéporque o referido profissional somente foi impugnado após a feitura dolaudo desfavorável à parte.Assim, como bem referido na sentença (fl. 1520), não há falar em faltade técnica do perito, tendo respondido aos quesitos necessários, motivopelo qual é despicien<strong>da</strong> a realização de nova prova pericial.Portanto, impõe-se a rejeição do agravo retido interposto.No mérito, a controvérsia cinge-se a determinar se existe obrigaçãoregressiva <strong>da</strong> União quanto ao ressarcimento do <strong>da</strong>no arcado pelasseguradoras, supostamente em razão de falhas <strong>da</strong> Torre de Controle doAeroporto de Curitiba.O magistrado a quo entendeu versar a hipótese sub judice sobre aresponsabili<strong>da</strong>de objetiva do Estado, conforme o disposto no artigo 37,§ 6º, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, enquanto o pedido formulado na inicialrestou embasado no mau funcionamento do serviço público relativo aocontrole do tráfego aéreo.Se aplica<strong>da</strong> a responsabili<strong>da</strong>de objetiva do Estado, com base na teoriado risco administrativo, esta independe <strong>da</strong> comprovação de culpa. Sobrea referi<strong>da</strong> norma constitucional, leciona Hely Lopes Meirelles:“O § 6º do art. 37 <strong>da</strong> CF seguiu a linha traça<strong>da</strong> nas Constituições anteriores e, abandonandoa privatística teoria subjetiva <strong>da</strong> culpa, orientou-se pela doutrina do Direito Públicoe manteve a responsabili<strong>da</strong>de civil objetiva <strong>da</strong> Administração, sob a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de do riscoadministrativo.(...)O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para to<strong>da</strong>s as enti<strong>da</strong>desestatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o <strong>da</strong>no causadoa terceiros por seus servidores, independentemente <strong>da</strong> prova de culpa no cometimento <strong>da</strong>lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de sem culpa pela atuação lesivados agentes públicos e seus delegados.(...)Na teoria <strong>da</strong> culpa administrativa exige-se a falta do serviço; na teoria do risco admi-190R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


nistrativo exige-se, apenas, o fato do serviço. Naquela, a culpa é presumi<strong>da</strong> <strong>da</strong> falta administrativa;nesta, é inferi<strong>da</strong> do fato lesivo <strong>da</strong> Administração. Aqui não se cogita <strong>da</strong> culpa <strong>da</strong>Administração ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato <strong>da</strong>noso e injustoocasionado por ação ou omissão do Poder Público.(...)Advirta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova <strong>da</strong>culpa <strong>da</strong> Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa <strong>da</strong> vítima paraexcluir ou atenuar a indenização. Isso porque o risco administrativo não se confunde como risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deva indenizarsempre e em qualquer caso o <strong>da</strong>no suportado pelo particular; significa, apenas e tão somente,que a vítima fica dispensa<strong>da</strong> <strong>da</strong> prova <strong>da</strong> culpa <strong>da</strong> Administração, mas esta poderá demonstrarculpa total ou parcial do lesado no evento <strong>da</strong>noso, caso em que a Fazen<strong>da</strong> Pública seeximirá integral ou parcialmente <strong>da</strong> indenização.” (in Direito Administrativo Brasileiro.São Paulo: Malheiros, p. 561-565)Entretanto, qualquer que seja o fun<strong>da</strong>mento invocado, para fins deresponsabili<strong>da</strong>de estatal é indispensável haver um nexo causal entre aconduta (comissiva ou omissiva) dos agentes do Estado e o evento <strong>da</strong>noso.Por outras palavras, constitui pressuposto <strong>da</strong> determinação <strong>da</strong>quelaresponsabili<strong>da</strong>de a existência <strong>da</strong> relação de causali<strong>da</strong>de entre a atuaçãoou omissão do ente público e o <strong>da</strong>no reclamado, elementos cujo ônus <strong>da</strong>prova compete à parte-autora.In casu, conforme bem decidiu a sentença, não ficou comprovado orespectivo nexo causal entre os atos do serviço público e a ocorrência doacidente. Segundo ensina, com precisão, Maria Sylvia Zanella Di Pietro:“Sendo a existência do nexo de causali<strong>da</strong>de o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civil doEstado, esta deixará de existir ou incidirá de forma atenua<strong>da</strong> quando o serviço público nãofor a causa do <strong>da</strong>no ou quando estiver aliado a outras circunstâncias, ou seja, quando nãofor a causa única.” (in Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, p. 518)Por outro lado, além <strong>da</strong> suposta prática de uma conduta objetiva,discute-se nos autos também uma omissão, qual seja, o descumprimento<strong>da</strong> obrigação de segurança no controle de tráfego aéreo.Nessa hipótese, sendo o prejuízo decorrente <strong>da</strong> alega<strong>da</strong> falha do serviço,é necessária a demonstração <strong>da</strong> culpa dos agentes públicos. Devehaver uma norma legal ou regulamento que não tenha sido observadodurante as ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> torre de controle de voos do Aeroporto do Bacacheri,ou mesmo um comportamento inerte dos respectivos funcionários.Em se tratando de responsabili<strong>da</strong>de civil do Estado por omissão, háR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 191


que ser aplica<strong>da</strong> a teoria <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de subjetiva, que não prescinde<strong>da</strong> comprovação <strong>da</strong> culpa do ente estatal.Aliás, cumpre esclarecer que, na linha dos precedentes <strong>da</strong> Turma, osrequisitos para a caracterização dessa responsabili<strong>da</strong>de são: 1. a omissãodo Estado; 2. a comprovação <strong>da</strong> culpa do ente estatal; 3. o <strong>da</strong>no; 4. onexo de causali<strong>da</strong>de entre a omissão e o <strong>da</strong>no ocorrido; 5. a inexistênciade causas excludentes <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de (p. ex., culpa exclusiva <strong>da</strong>vítima, caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva de terceiro etc.).To<strong>da</strong>via, à luz <strong>da</strong> prova coligi<strong>da</strong>, não há como imputar qualquer dessashipóteses à União, e assim é incabível responsabilizá-la pelo acidente.No caso, é impossível afirmar que não ocorreria o <strong>da</strong>no mesmo que oserviço alega<strong>da</strong>mente deficiente tivesse sido regularmente prestado.Elide a responsabili<strong>da</strong>de do Estado a culpa <strong>da</strong> vítima ou de terceiro,como parece ter acontecido na espécie. Consoante se observa do examedos autos, a alega<strong>da</strong> existência de falha ou mau funcionamento do serviçopúblico não constituiu fator determinante para ocasionar o acidente, oqual se deveu principalmente à atuação do próprio piloto, até mesmopor força <strong>da</strong>s condições meteorológicas adversas, ou ain<strong>da</strong> por motivofortuito, imponderável.Segundo as Normas do Sistema do Comando <strong>da</strong> Aeronáutica, disponíveisno site do Centro de Investigação e Prevenção de AcidentesAeronáuticos – Cenipa, conceitua-se como acidente aeronáutico“to<strong>da</strong> ocorrência relaciona<strong>da</strong> com a operação de uma aeronave, havi<strong>da</strong> entre o momentoem que uma pessoa nela embarca com a intenção de realizar um voo, até o momento emque to<strong>da</strong>s as pessoas tenham dela desembarcado e, durante o qual, pelo menos uma <strong>da</strong>ssituações abaixo ocorra: uma pessoa sofra lesão grave ou morra, a aeronave sofra <strong>da</strong>no oufalha estrutural e a aeronave seja considera<strong>da</strong> desapareci<strong>da</strong> ou completamente inacessível.”No caso dos autos, vale transcrever trecho do Relatório Final (fls. 199-208) do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos– Sipaer, vinculado ao Cenipa, do Ministério <strong>da</strong> Aeronáutica, in verbis:“HISTÓRICO DO ACIDENTEA aeronave decolou do Aeroporto de Bacacheri, em Curitiba, com destino a Campo Grande.Após a decolagem <strong>da</strong> pista 17, na execução do perfil <strong>da</strong> subi<strong>da</strong> EROM 2, o controladordo APP-CT observou, por meio de apresentação no ra<strong>da</strong>r secundário, que a aeronave estavarealizando curva à direita, quando o previsto seria uma curva à esquer<strong>da</strong> para interceptara radial 005 do VOR CTB. Questionado do seu procedimento, o piloto informou estar na192R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


adial 004 e cruzando a proa 150º, sendo esta a sua última transmissão.A aeronave foi encontra<strong>da</strong> a 5 Km do aeroporto, tendo colidido verticalmente com osolo. Houve per<strong>da</strong> total e os ocupantes faleceram no local. (...)Informações meteorológicasA aeronave estava em condições de voo por instrumentos noturno, dentro de uma cama<strong>da</strong>de nuvens, com chuva e provável turbulência leve. Segundo SPECI <strong>da</strong>s 22:15 UTC,13 minutos antes do acidente, o aeródromo do Bacacheri operava abaixo dos mínimos paravoos por instrumentos, devido a uma cama<strong>da</strong> a 400 ft (OVC 004). Conforme previsto naIMA 100-12, “Regras do Ar e Serviço de Tráfego Aéreo, a Torre de Controle é o órgãocredenciado para avaliar as condições meteorológicas nos setores de aproximação e decolagem.Uma vez que os setores de pouso e decolagem se apresentavam com visibili<strong>da</strong>dee teto acima dos mínimos IFR, a Torre de Controle do Aeroporto do Bacacheri manteveo aeródromo aberto para operação IFR. O vento era de 090/10 e a visibili<strong>da</strong>de de 4.000mdevido a chuvisco. (...)Informações sobre o impacto e os destroçosO impacto <strong>da</strong> aeronave com o solo foi com uma atitude de cerca de 90º. Os destroçosficaram concentrados e algumas partes enterra<strong>da</strong>s a uma profundi<strong>da</strong>de de cerca de cincometros. Devido ao alto grau de destruição <strong>da</strong> aeronave, foi impossível reconhecer qualquerposição ou indicação dos comandos e controles. Não há indícios de que possa ter ocorridouma falha estrutural em voo.(...)Aspectos operacionaisNo dia do acidente o piloto havia voado de Campo Grande para São Paulo e após paraCuritiba, onde iria pegar quatro passageiros e transportá-los para Campo Grande. Nessedia, ele saiu de casa às 06h e disse que deveria retornar por volta <strong>da</strong>s 23h.Na hora de preencher o plano de voo em Bacacheri, o piloto pediu a uma outra pessoaque o preenchesse, tendo alegado a essa pessoa que estava muito cansado para fazê-lo. Oplano previa o voo por instrumentos de Curitiba direto para Campo Grande, no FL 100,com tempo estimado de 02h15min de voo.Como o piloto não compareceu à sala AIS para preencher o plano de voo, é provável quenão tenha tomado conhecimento <strong>da</strong>s condições meteorológicas do local, <strong>da</strong> rota e do destino.O acionamento dos motores foi às 22h09min. Antes de ser autoriza<strong>da</strong> a decolagem, opiloto teve que aguar<strong>da</strong>r 15 minutos no ponto de espera <strong>da</strong> pista, devido a duas aeronavesque realizavam procedimento de desci<strong>da</strong> por instrumento.A decolagem ocorreu às 22h28min UTC, e o piloto foi instruído a realizar curva àesquer<strong>da</strong> após a decolagem e prosseguir na subi<strong>da</strong> EROM 2 (RD 005 do VOR CTB) esubir até o FL070.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 193


Aproxima<strong>da</strong>mente três minutos após a decolagem, o controlador do APP-CT questionouo piloto quanto à sua altitude e à sua distância, tendo este informado que estava a oitomilhas, mas não respondeu qual era a altitude.Foi instruído então que reportasse a 15 NM, subindo para o FL070 e mantendo o perfil<strong>da</strong> subi<strong>da</strong> EROM 2.O controlador do APP, mesmo estando com o sistema operando no modo convencional,observou por meio de informação do ra<strong>da</strong>r secundário que estava funcionando intermitentemente,que a aeronave estava curvando à direita e abandonando a radial 005 com proaSudeste. Nessa condição, a trajetória de voo passou a interferir com a de outra aeronaveque havia decolado e estava realizando outra subi<strong>da</strong>.Nesse momento, o APP-CT questionou novamente o procedimento do piloto e estereportou que estava mantendo a radial 004 e a proa 150º: ‘Tá desviando, proa cento e cinquentaagora’, quando na reali<strong>da</strong>de deveria estar se afastando com a proa N/NE.Como a aeronave continuava em curva à direita, com uma proa de possível conflitocom outro tráfego, o controlador instruiu a mesma a fazer curva à direita e interceptar aRadial 005 do VOR CTB. Entretanto, nesse momento já não tinha mais visualização ra<strong>da</strong>r<strong>da</strong> aeronave e também não obteve mais resposta do piloto às suas mensagens. (...)Fator HumanoOs fatos, quando relacionados com o acidente, mostram que o piloto estava com um nívelelevado de fadiga. Junto a isso, as condições adversas durante o voo (período noturno, chuvae condições IFR) podem ter levado o piloto a uma situação de desorientação espacial. (...)Fator OperacionalDa análise <strong>da</strong>s informações operacionais, <strong>da</strong>s condições do impacto com o solo, <strong>da</strong>disposição dos destroços e do relato <strong>da</strong>s testemunhas, verifica-se claramente que houveuma per<strong>da</strong> de controle em voo. Resta portanto saber os motivos que possam ter provocadoesta per<strong>da</strong> de controle.Pelo Relatório do APP-CT, verificou-se que a aeronave não executou corretamente oprocedimento de subi<strong>da</strong> EROM 2. O fato de o piloto reportar que a proa estava ‘derivando’e que estava cruzando a proa 150º, quando deveria estar mantendo uma proa próxima a005º, denota que o mesmo possivelmente estava desorientado quanto à altitude <strong>da</strong> aeronavee à sua posição.Esse <strong>da</strong>do mostra um primeiro indício de uma per<strong>da</strong> de consciência situacional. Noentanto, o piloto poderia já estar em um processo de desorientação sem ter-se <strong>da</strong>do conta<strong>da</strong> situação. Dessa forma, poderia ter iniciado a curva de maneira erra<strong>da</strong> para o lado direito,ou ter-se equivocado na execução do procedimento de subi<strong>da</strong>. Por esse motivo, a desorientaçãopode ter ocorrido mesmo antes do contato final com o APP-CT, visto ter a decolagemde Bacacheri sido realiza<strong>da</strong> em condições IFR, com um teto de 500 ft. Presume-se, noentanto, que a per<strong>da</strong> de controle tenha ocorrido após o último contato rádio, pois dos fatosinvestigados verificou-se que o tempo decorrido entre esse contato e o impacto com o solo194R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


foi um pouco maior ou igual a três minutos.As condições de noite escura, o teto e a visibili<strong>da</strong>de reduzidos contribuíram para que opiloto ficasse na completa dependência dos instrumentos de voo para manter ou recuperaras condições normais. A inexistência de referências externas contribuiu decisivamente paraa per<strong>da</strong> de controle e a impossibili<strong>da</strong>de de recuperação.” (fls. 199-205)Em conclusão, o referido relatório apontou como fatores que contribuírampara causar o acidente controvertido: o Fator Humano, consistentenos aspectos fisiológico e psicológico do piloto; além do FatorOperacional, a saber: condições meteorológicas adversas, planejamentodeficiente do voo e julgamento deficiente do piloto quanto às condiçõesverifica<strong>da</strong>s (fls. 206-207).Idênticas foram as conclusões <strong>da</strong> prova pericial, conforme o laudotécnico juntado às fls. 1033-1082, o qual analisou detalha<strong>da</strong>mente e deforma incensurável os quesitos apresentados pela partes. Apontou comocausa <strong>da</strong> que<strong>da</strong> o procedimento do piloto do Baron naquela ocasião,aliado a um conjunto dinâmico de fatores.Buscam as Apelantes fazer prevalecer a tese de que a causa determinantedo acidente foi a esteira de turbulência ocasiona<strong>da</strong> por aeronave demaior porte, afetando gravemente a estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aeronave sinistra<strong>da</strong>.Assevera não ter sido observa<strong>da</strong> a necessária separação de cinco minutosentre a decolagem dos aviões. Afirma que, se não fosse a atuação equivoca<strong>da</strong>dos controladores de voo, poderia ter sido evita<strong>da</strong> a rota de colisão.Contudo, razão não lhes assiste.No contexto descrito nos autos, é forçoso reconhecer que houve nocaso um acidente que pode ter decorrido de vários fatores (mau tempo,baixa visibili<strong>da</strong>de, deslocamento de ar, desorientação espacial, falha dopiloto, etc.) sem que se possa direcionar à Torre de Controle do Aeroportode Bacacheri a certeza <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de pelo evento.Cumpre notar que a realização do voo apenas por instrumentos, empequenas aeronaves, é ativi<strong>da</strong>de de natureza arrisca<strong>da</strong>, sendo inviávelafirmar taxativamente que a turbulência fora causa<strong>da</strong> pelo outro aviãoem decolagem.Assim, mesmo que alguma falha técnica pudesse ser imputa<strong>da</strong> aoscontroladores de voo, fato que não ficou comprovado, isso não resultariapor si só em fator determinante para a ocorrência do acidente que, comovisto, foi ocasionado por circunstâncias diversas.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 195


Diante desse quadro, em que pesem as alegações <strong>da</strong>s Apelantes, nãoelidiram os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> r. sentença, que ora transcrevo e tambémadoto como razões de decidir, litteris:“Sustenta a parte-autora a responsabili<strong>da</strong>de do réu por falha do serviço.Para a configuração <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civil, genericamente, é indispensável a configuraçãodos seguintes requisitos: a) ato ou omissão do agente; b) ilegali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> condutaou negligência <strong>da</strong> parte (culpa); c) nexo de causali<strong>da</strong>de entre o ato e o <strong>da</strong>no sofrido; e d) aconfiguração do <strong>da</strong>no.Nos termos do art. 37, § 6º, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, no entanto, para a configuração<strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de do Estado, prescinde-se <strong>da</strong> demonstração <strong>da</strong> culpa do agente, basta ademonstração do nexo de causali<strong>da</strong>de entre o ato e o <strong>da</strong>no sofrido.Tal opção constitucional (que distingue o tratamento <strong>da</strong>do ao Estado e aos particulares,já que em relação a estes é indispensável a prova <strong>da</strong> culpa) tem como fun<strong>da</strong>mento o princípio<strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de, o qual decorre do risco <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de.A responsabili<strong>da</strong>de objetiva do Estado tem fun<strong>da</strong>mento no princípio <strong>da</strong> isonomia. Ou seja,quando o Estado, agindo de forma lícita, causa <strong>da</strong>nos ao particular, o princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>deimpõe que esse particular, que teve sua esfera atingi<strong>da</strong> em razão de um bem realizado emfavor <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de, divi<strong>da</strong> o ônus sofrido com essa mesma coletivi<strong>da</strong>de, no caso, por meio<strong>da</strong> indenização que será suporta<strong>da</strong> mediatamente por todos e imediatamente pelo Estado.Neste sentido é a lição de Celso Antonio Bandeira de Mello:‘No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de <strong>da</strong>nos ligados à situaçãocria<strong>da</strong> pelo Poder Público – mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato <strong>da</strong>noso –,entendemos que o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de estatal é garantir uma equânime repartiçãodos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízosocorridos por ocasião ou por causa de ativi<strong>da</strong>des desempenha<strong>da</strong>s no interesse de todos. Deconseguinte, seu fun<strong>da</strong>mento é o princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de, noção básica do Estado de Direito.’(Curso de Direito Administrativo, 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 789) Grifado.No mesmo sentido a lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro:‘Sem abandonar essa teoria, o Conselho de Estado francês passou a adotar, em determina<strong>da</strong>shipóteses, a teoria do risco, que serve de fun<strong>da</strong>mento para a responsabili<strong>da</strong>de objetivado Estado. Essa doutrina baseia-se no princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de dos ônus ou encargos sociais:assim como os benefícios decorrentes <strong>da</strong> atuação estatal repartem-se por todos, também oprejuízo sofrido por alguns membros <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de devem ser repartidos. Quando uma pessoasofre um ônus maior que o suportado pelos demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamentedeve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deveindenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público.’ (Direito Administrativo. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 504)A opção pela responsabili<strong>da</strong>de objetiva tem fun<strong>da</strong>mento também na teoria do risco196R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


administrativo, a qual parte <strong>da</strong> ideia de que a atuação estatal envolve um risco de <strong>da</strong>no quelhe é inerente.Assim, garante-se aos que sofrem <strong>da</strong>nos à sua esfera juridicamente protegi<strong>da</strong>, o direitode serem indenizados. A presença do risco faz presumir a culpa.Fixa<strong>da</strong>s, portanto, as premissas <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de objetiva, o que se verifica é queestão ambas, princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e risco <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de, presentes no caso em apreço.Independentemente <strong>da</strong> vítima, possível a caracterização <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de objetiva.Nesse sentido, é a lição <strong>da</strong> jurisprudência:‘CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AGENTE EVÍTIMA: SERVIDORES PÚBLICOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO:CF, art. 37, § 6º. I. – O entendimento do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> é no sentido de quedescabe ao intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo ‘terceiro’ contido no § 6º do art.37 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, devendo o Estado responder pelos <strong>da</strong>nos causados por seusagentes qualquer que seja a vítima, servidor público ou não. Precedente. II. – Agravo nãoprovido.’ (STF, AI-AgR 473381, Rel. Carlos Velloso, DJ 28.10.2005)Daí decorre, portanto, a aplicação do art. 37, § 6º <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, na hipótesede existência dos requisitos <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de objetiva.Também é imprescindível, porém, uma análise quanto à alegação <strong>da</strong> União <strong>Federal</strong>de que teria havido culpa exclusiva <strong>da</strong> vítima, já que tal circunstância exclui o nexo decausali<strong>da</strong>de entre o ato do Estado e o <strong>da</strong>no sofrido.Passo à análise <strong>da</strong>s provas.Sustentam os autores que a causa do acidente aéreo foi o erro do controle de torrede comando ao permitir a decolagem em menos de cinco minutos de outra aeronave, nocaso um avião Brasília-Passaredo, após a decolagem do avião BARON 58, ocasionandouma turbulência denomina<strong>da</strong> ‘esteira’ ou ‘on<strong>da</strong>’ de turbulência, a retirar a sustentação <strong>da</strong>aeronave menor.A perícia judicial narra em resposta aos quesitos a não ocorrência <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> ‘turbulência’como causa do acidente, fl. 1042:‘O regime de separação mínima entre as aeronaves que saem: ‘as disposições seguintessão complementares aos mínimos de separação longitudinal especificados no capítulo 8. (...)Cinco minutos de separação, no momento de cruzamento do nível de cruzeiro, se a aeronaveque parte cruzar o nível de outra que tenha partido antes e ambas seguirem a mesma rota’.Está correto. (Pequena correção no enunciado: se a aeronave que parte cruzará...)Não conseguindo estabelecer a separação lateral e sabendo-se que haverá o cruzamentode nível, é obti<strong>da</strong> a separação longitudinal de 5 minutos no momento do cruzamento de nível.Resposta: Neste caso, não se aplica a separação mínima de 5 minutos (enunciado <strong>da</strong>pergunta 13) porque a aeronave que parte (Passaredo) não cruzaria o ‘nível de cruzeiro’ –fl. 100 – <strong>da</strong> outra (Baron) que tenha partido antes. Podemos observar na IMA a figura queilustra o que determina a letra ‘c’. A aeronave que partiu encontra-se estabiliza<strong>da</strong> no nívelde cruzeiro (FL 60). B. Ambas aeronaves não seguiram a ‘mesma rota’. A mesma rota, nesteR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 197


caso, quer dizer: ambas com destino a Campo Grande ou São José dos Pinhais.’O argumento <strong>da</strong> causa do acidente, erro do controle <strong>da</strong> torre de comando, a ocasionara ‘turbulência’, pela prova pericial evidencia-se que não ocorreu.Portanto, não se comprova o nexo causal entre os comandos <strong>da</strong> torre de controle e oacidente.A fita em CD, que acompanha os autos, demonstra claramente que o piloto <strong>da</strong> BARON58 não seguiu a rota correta de decolagem do aeroporto do Bacacheri, verificando-se suainstabili<strong>da</strong>de quanto a evidentes manobras incompatíveis com a decolagem correta.A conclusão <strong>da</strong> culpa do piloto quanto ao acidente é a única plausível, aliás mesmaconclusão <strong>da</strong> Cenipa, constante dos autos.Na<strong>da</strong> mais resta a não ser julgar a presente lide improcedente.Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação, nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentaçãosupra.” (fls. 1516-1522)Nessas condições, inexistindo nexo causal em relação ao serviço público,não há como imputar à União qualquer responsabili<strong>da</strong>de pelo fato.A possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ocorrência do sinistro é um dos elementos docontrato de seguro, cujos riscos são previsíveis e estão expressamenteprevistos na cobertura securitária, mormente em se tratando de aviaçãocivil.Portanto, não encontra amparo jurídico a tentativa de transferir à Uniãoo prejuízo suportado pelas seguradoras no exercício de sua ativi<strong>da</strong>de.Logo, deve ser manti<strong>da</strong> a decisão de improcedência do pedido.Por fim, tenho que a fixação <strong>da</strong> verba advocatícia <strong>da</strong> sucumbência foifeita em observância ao disposto no artigo 20, §§ 3º e 4º, do CPC, bemcomo em atenção aos precedentes <strong>da</strong> Turma, não merecendo reparos.Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo retido e aosrecursos de apelação.É o voto.198R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.72.16.004049-5/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> SilvaApelante: Imobiliária Cerrados Lt<strong>da</strong>.Advogado: Dr. Jamil FelippeApelado: Ministério Público <strong>Federal</strong>Interessa<strong>da</strong>: Fun<strong>da</strong>ção de Amparo ao Meio Ambiente – FatmaAdvogados: Drs. Geraldo Stelio Martins e outrosEMENTAConstitucional, Administrativo e Ambiental. Ação Civil Pública. Danoambiental. EIA/Rima. Área de preservação permanente. LoteamentoPraia <strong>da</strong> Ilhota. Balneário Santa Marta Pequeno. Município de Laguna.Manutenção <strong>da</strong> sentença. Apelo desprovido.1. Hipótese de manutenção <strong>da</strong> sentença que: a) determinou a suspensãode to<strong>da</strong> e qualquer obra dentro do loteamento Praia <strong>da</strong> Ilhota, em BalneárioSanta Marta Pequeno (Praia Ilhota), Município de Laguna/SC; b) condenoua requeri<strong>da</strong> a apresentar o EIA/Rima relativo ao Loteamento Praia<strong>da</strong> Ilhota, em Balneário Santa Marta Pequeno (Praia Ilhota), Municípiode Laguna/SC, no prazo de 6 meses, custeando as reparações ambientaisque se mostrarem necessárias, segundo as orientações do próprio estudode impacto ambiental; c) proibiu a alienação dos imóveis cuja outorgade uso foi cancela<strong>da</strong> pela Secretaria do Patrimônio <strong>da</strong> União, conformefl. 655 e planta junta<strong>da</strong> à fl. 680 do Volume III dos anexos; d) condenoua recorrente ao pagamento de indenização no valor de R$ 1.000.000,00(um milhão de reais), os quais reverterão em favor do Fundo de Defesa deDireitos Difusos, nos termos previstos nas Leis n os 7.789/89 e 7.347/85.2. Apelação desprovi<strong>da</strong>.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 3ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos enotas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 03 de maio de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva, Relator.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 199


RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva: Trata-se deação civil pública, ajuiza<strong>da</strong> em 30 de agosto de 2005, pelo Procurador <strong>da</strong>República Celso Antônio Três, com objetivo de condenar a ImobiliáriaCerrados Lt<strong>da</strong>. e a Fun<strong>da</strong>ção do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina– Fatma a realizar EIA/Rima para delimitar as áreas de preservaçãopermanente, impróprias às construções, bem como para excluir as terrasde marinha <strong>da</strong>s áreas autoriza<strong>da</strong>s a construir no Loteamento Praia <strong>da</strong>Ilhota, em Balneário Santa Marta Pequeno, Praia <strong>da</strong> Ilhota, Municípiode Laguna/SC, e verificar a extensão do impacto ambiental decorrentedo empreendimento em questão.Como parte do relatório, adoto aquele vertido na r. sentença <strong>da</strong>s fls.202-210, <strong>da</strong> lavra <strong>da</strong> MM. Juíza <strong>Federal</strong> Daniela Tocchetto Cavalheiro:“Objeto <strong>da</strong> ação: O Ministério Público <strong>Federal</strong> ajuizou ação civil pública contra ImobiliáriaCerrados Lt<strong>da</strong>. e Fun<strong>da</strong>ção do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina – Fatma,objetivando a realização de EIA/Rima para delimitar as áreas de preservação permanente,impróprias às construções, bem como para excluir as terras de marinha <strong>da</strong>s áreas autoriza<strong>da</strong>sa construir no Loteamento Praia <strong>da</strong> Ilhota, em Balneário Santa Marta Pequeno, Praia<strong>da</strong> Ilhota, Município de Laguna, e verificar a extensão do impacto ambiental decorrentedo empreendimento.Inicial: Afirmou que a presente ACP originou-se de representação formula<strong>da</strong> por OrlandoFelipe <strong>da</strong> Conceição, que se disse lesado por ter adquirido lotes no Loteamento Praia<strong>da</strong> Ilhota, pertencentes à União, com a conivência do Registro de Imóveis e <strong>da</strong> PrefeituraMunicipal de Laguna.O empreendimento, cuja área total era de 640.000,00m², com área destina<strong>da</strong> aos lotesde 352.842,00m², teve início com a Imobiliária Ypuã, a qual, em 11.12.1990, transferiu paraa Imobiliária Cerrados por meio do instrumento particular de cessão de direitos e outrasavenças, os direitos, obrigações, ações e exceções referentes ao loteamento.Informou o Parque que a área lotea<strong>da</strong> possuía inscrição de ocupação na Secretaria doPatrimônio <strong>da</strong> União – SPU, em nome de Arnaldo <strong>da</strong> Conceição e Orlando C. Filho, contudo,tal inscrição restou cancela<strong>da</strong> pela própria SPU, em 1992, ao constatar que se tratavade área de preservação permanente.Asseverou que a Fun<strong>da</strong>ção do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina – Fatma teriaconcedido Licença de Instalação, em 29.07.1993, e Licença Ambiental de Operação, semexigir a apresentação de Estudo de Impacto Ambiental. E, após várias vistorias realiza<strong>da</strong>spelo Ibama e pela SPU, o empreendimento teria sido readequado, oportuni<strong>da</strong>de em quefora emiti<strong>da</strong> nova Licença Ambiental de Operação pela Fatma, em junho de 1997, restandouma área de lotes de 228.749,38m². Porém, ain<strong>da</strong> assim não teriam sido excluí<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as200R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


áreas de preservação permanente.Requereu a concessão de liminar para que fossem sequestrados os imóveis inseridosem terreno de marinha e acrescidos, cuja outorga de uso tenha sido cancela<strong>da</strong> pela SPU,ve<strong>da</strong>ndo sua alienação, bem como determina<strong>da</strong> a realização de EIA/Rima do LoteamentoPraia <strong>da</strong> Ilhota, atestando as áreas impróprias às construções, determinando-se à Fatma asuspensão do licenciamento ambiental até a homologação do referido estudo.Por fim, pleiteou a procedência do pedido para condenar a ré, Imobiliária Cerrados, aimplantar to<strong>da</strong>s as medi<strong>da</strong>s constantes do EIA/Rima, a excluir to<strong>da</strong>s as áreas de marinhado loteamento, cancelando-se as respectivas matrículas, e a pagar indenização pelo <strong>da</strong>nomaterial perpetrado, revertendo os valores em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos.Quanto à Fatma, pugnou pela determinação <strong>da</strong> obrigação de fazer, consistente na exigênciade EIA/Rima ao licenciamento ambiental.An<strong>da</strong>mento: À analise <strong>da</strong> liminar foi determina<strong>da</strong> a intimação <strong>da</strong> Fatma para que prestasseinformações, bem como a intimação <strong>da</strong> União para se manifestar sobre interesse nofeito – fl. 21. To<strong>da</strong>via, a ré limitou-se a informar que, de imediato, seria suspensa a licençae requereu a concessão de prazo para a revisão administrativa do processo em questão.Medi<strong>da</strong> Liminar: A liminar foi concedi<strong>da</strong> parcialmente, sendo determina<strong>da</strong> a ve<strong>da</strong>ção<strong>da</strong> alienação dos imóveis do Loteamento Praia <strong>da</strong> Ilhota, inseridos em terreno de marinhae acrescidos, cuja outorga de uso foi cancela<strong>da</strong> pela Secretaria de Patrimônio <strong>da</strong> União, e asuspensão do licenciamento ambiental e, consequentemente, a suspensão de to<strong>da</strong> e qualquerobra dentro do loteamento – fls. 33-38.Contestação: Citados os réus, a Imobiliária Cerrados apresentou contestação, aduzindoinexistir terras de marinha ou <strong>da</strong> União dentro do Loteamento Praia <strong>da</strong> Ilhota.Asseverou que o loteamento em questão já estaria implantado havia anos, tendo sidocomercializados diversos lotes pela proprietária antecessora, Imobiliária Ypuã, a qual pertencea Orlando <strong>da</strong> Conceição e Arnaldo <strong>da</strong> Conceição, pai e tio do denunciante.Argumentou que fora interposto recurso de revista administrativamente contra o embargo<strong>da</strong> obra realizado pelo Ibama, o qual foi julgado procedente pelo Ministro do MeioAmbiente, em fevereiro de 2000, perdendo relevância os pareceres <strong>da</strong> Autarquia <strong>Federal</strong>firmados em 01/86 e 23/07, uma vez que afastados pela instância superior administrativa.Informou que, à época <strong>da</strong> implantação do loteamento (1973), foram cumpri<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>sas exigências legais, inexistindo nenhuma conivência do poder público municipal ou docartório de registro imobiliário, e que a área em comento teria origem em títulos <strong>da</strong> Diretoriade Terras e Colonização de Santa Catarina, substituí<strong>da</strong> pelo Irasc.Alegou que a determinação para realização de EIA/Rima vai de encontro ao despachodo Ministro do Meio Ambiente, o qual autorizou o desembargo total <strong>da</strong> área do empreendimentoLoteamento Praia <strong>da</strong> Ilhota, e que a liminar, no ponto que ve<strong>da</strong> a realizaçãode to<strong>da</strong> e qualquer obra dentro do empreendimento, estaria atingindo direito de terceiros,pois impede que os proprietários dos diversos lotes comercializados possam construir suasresidências. Requereu, ao final, seja definido a quem foi dirigi<strong>da</strong> a suspensão determina<strong>da</strong>na decisão liminar, bem como seja libera<strong>da</strong> a alienação dos terrenos que não estejam dentrode terras de marinha.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 201


Contestação Fatma: A Fatma, por sua vez, informou que, após ter revisado o processode licenciamento do empreendimento, concluiu que a readequação feita efetivamente nãofoi suficiente para preservar as APPs e ecossistemas frágeis, sendo necessária a realizaçãode EIA/Rima para a delimitação <strong>da</strong> área em exame, pelo que requereu seu afastamento dopolo passivo <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>, passando a atuar no ativo, juntamente com o MPF.O MPF manifestou-se contrário à pretensão <strong>da</strong> Fatma.As partes não requereram a produção de provas.A União ingressou na lide, à fl. 195, na condição de assistente, não pretendendo produzirprovas.Vieram-me os autos conclusos.”O MM. Juízo a quo lavrou o dispositivo sentencial nos seguintestermos:“Ante o exposto, EXTINGO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO emrelação à Fatma, no que tange à condenação à obrigação de fazer pleitea<strong>da</strong> na inicial, hajavista já tê-la cumprido, suspendendo as licenças ambientais anteriormente concedi<strong>da</strong>s, logoque cita<strong>da</strong> nesta deman<strong>da</strong>, forte no artigo 267, VI, do CPC, e, no mérito:JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, confirmando a liminar concedi<strong>da</strong> para:a) determinar a suspensão de to<strong>da</strong> e qualquer obra dentro do loteamento Praia <strong>da</strong> Ilhota,em Balneário Santa Marta Pequeno (Praia Ilhota), Município de Laguna/SC;b) condenar a requeri<strong>da</strong> a apresentar o EIA/Rima relativo ao Loteamento Praia <strong>da</strong> Ilhota,em Balneário Santa Marta Pequeno (Praia Ilhota), Município de Laguna/SC, no prazo de6 meses, custeando as reparações ambientais que se mostrarem necessárias, segundo asorientações do próprio estudo de impacto ambiental;c) determinar seja proibi<strong>da</strong> a alienação dos imóveis cuja outorga de uso foi cancela<strong>da</strong>pela Secretaria do Patrimônio <strong>da</strong> União, conforme fl. 655 e planta junta<strong>da</strong> à fl. 680 doVolume III dos anexos;c) condenar a pagar indenização no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), osquais reverterão em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos previstosnas Leis n os 7.789/89 e 7.347/85, conforme dito na fun<strong>da</strong>mentação.Oficie-se ao Registro Imobiliário.P.R.I.Após o trânsito em julgado, arquive-se.”A Imobiliária Cerrados Lt<strong>da</strong>. interpôs recurso de apelação, postulando,preliminarmente, que seja desentranha<strong>da</strong> a manifestação deOrlando Felipe <strong>da</strong> Conceição, pois é parte estranha à lide e desprovidode capaci<strong>da</strong>de postulatória (engenheiro). No mais, perfilhou consideraçõesgenéricas no sentido de que o MM. Juízo a quo na<strong>da</strong> falou acerca<strong>da</strong> ação de revisão contratual <strong>da</strong> fl. 182, bem como o que consta <strong>da</strong> fl.186, e também não levou em consideração que o loteamento já havia202R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


sido aprovado pela Municipali<strong>da</strong>de de Laguna, com lotes vendidos amuitos adquirentes, pois já haviam passado 24 anos <strong>da</strong> sua aprovação.Asseverou que o loteamento em questão está a 147 metros <strong>da</strong> faixa deareia coberta e descoberta pelo mar e que a apelante se compromete apagar dois milhões de reais caso a MM. Juíza a quo entregue os 842lotes livres de ônus. Afirmou que os atuais proprietários <strong>da</strong> ImobiliáriaCerrados Lt<strong>da</strong>. não alienaram nenhuma gleba de terras no loteamentoem questão porque nunca tiveram autorização judicial para tanto. Sustentouque, com relação ao pagamento de R$ 1.000.000,00 decorrente<strong>da</strong> sentença, não há possibili<strong>da</strong>de de o recorrente efetuar seu pagamento,porque não cometeu nenhuma infração ambiental. Repisou o argumentode que “estamos falando do início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1970, quando tudo eradirigido, fiscalizado e autorizado pela municipali<strong>da</strong>de local!!”. Pugnouassim pela modificação/anulação <strong>da</strong> sentença (fls. 214-234).Com contrarrazões subiram os autos a esta e. Corte.O Ministério Público <strong>Federal</strong> opinou pelo desprovimento do recurso.Pela petição <strong>da</strong>s fls. 262-283, vários proprietários de lotes nas áreasem litígio postularam a nuli<strong>da</strong>de/ineficácia <strong>da</strong> sentença por ausência delitisconsórcios passivos necessários, com pedido de antecipação de tutelapara: a) permitir que a Celesc regularize a distribuição de energia elétricapara as casas existentes no loteamento; b) determinar que o Oficial doCartório de Registro de Imóveis de Laguna cumpra a sentença realizandoo registro de alienação dos lotes que não estão na área de marinha; c)declarar a nuli<strong>da</strong>de/inexistência <strong>da</strong> sentença e demais atos viciados doprocesso, tendo em vista a existência de litisconsórcio passivo necessárionão citado nos autos, permitindo que os proprietários realizem sua defesaantes de terem seu direito de proprie<strong>da</strong>de maculado. Juntaram aos autosfarta documentação, como instrumentos particulares de procuração,escrituras de compra e ven<strong>da</strong> de imóveis, cópias de matrículas, entreoutros elementos (fls. 284-765).É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva: Inicialmente,verifico a impossibili<strong>da</strong>de de atendimento <strong>da</strong> solicitação conti<strong>da</strong> no Ofícionº 4745146, de 01.10.2010, oriundo <strong>da</strong> 1ª Vara de Execuções Fiscais deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 203


Curitiba, juntado aos presentes autos, tendo em vista que a controvérsiaenvolvendo os imóveis em questão encontra-se sub judice.Quanto à petição <strong>da</strong>s fls. 262-283, determino o seu desentranhamentodos autos, pois formula<strong>da</strong> por pessoas estranhas à presente relaçãoprocessual. Se o julgamento desta deman<strong>da</strong> trará, ou não, reflexos paraa esfera patrimonial de eventuais particulares, a presente via processualnão se mostra adequa<strong>da</strong> à discussão de tais interesses, que poderá sertrata<strong>da</strong> em âmbito extrajudicial pelos possíveis interessados ou até mesmojudicialmente, em ação própria para o caso.No mérito, é sabido que a Carta Republicana atual preocupou-sesobremaneira com a temática em questão, iniciando o seu Capítulo VI(Do Meio Ambiente) com a seguinte imposição ao Poder Público e àcoletivi<strong>da</strong>de:“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de usocomum do povo e essencial à sadia quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>, impondo-se ao Poder Público e à coletivi<strong>da</strong>deo dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (grifei)No caso concreto, como razões de decidir e com base nos princípios<strong>da</strong> celeri<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> economia processual, adoto os fun<strong>da</strong>mentos vertidosna r. sentença <strong>da</strong>s fls. 202-210, <strong>da</strong> lavra <strong>da</strong> MM. Juíza <strong>Federal</strong> DanielaTocchetto Cavalheiro, cuja cognição exauriente deverá ser prestigia<strong>da</strong>por este e. <strong>Tribunal</strong> por ocasião do presente julgado, uma vez que, commaestria e profundi<strong>da</strong>de, a referi<strong>da</strong> magistra<strong>da</strong> esgotou a análise <strong>da</strong>matéria posta nos autos, verbis:“(omissis)II – FUNDAMENTAÇÃO:Trata-se de ACP em que o Ministério Público <strong>Federal</strong> busca a condenação <strong>da</strong> ImobiliáriaCerrados Lt<strong>da</strong>. a, antes de implantar em definitivo o Loteamento Praia <strong>da</strong> Ilhota,localizado no Balneário Santa Marta Pequeno, Praia <strong>da</strong> Ilhota, Município de Laguna,apresentar EIA/Rima, a fim de se verificar a extensão do impacto ambiental decorrente doempreendimento, bem como para, uma vez atesta<strong>da</strong> sua viabili<strong>da</strong>de, delimitar as áreas depreservação permanente impróprias às construções, além de excluir as terras de marinha<strong>da</strong>s áreas autoriza<strong>da</strong>s à construção.O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi erigido a preceito constitucionalcom a Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, sendo dever do Poder Público, assim comotambém de to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de, zelar pela integri<strong>da</strong>de ambiental, a fim de preservá-lo para apresente e as futuras gerações.204R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Para tanto, segundo disposições do § 1º do artigo 225 <strong>da</strong> CF, incumbe ao Poder Público,entre outros, definir, em to<strong>da</strong>s as uni<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Federação, espaços territoriais e seuscomponentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permiti<strong>da</strong>ssomente por meio de lei, ve<strong>da</strong><strong>da</strong> qualquer utilização que comprometa a integri<strong>da</strong>de dosatributos que justifiquem sua proteção, bem como exigir, na forma <strong>da</strong> lei, para instalação deobra ou ativi<strong>da</strong>de potencialmente causadora de significativa degra<strong>da</strong>ção do meio ambiente,estudo prévio de impacto ambiental, a que se <strong>da</strong>rá publici<strong>da</strong>de.Preceitua o artigo 3º <strong>da</strong> Resolução 237/97 do Conama, que regulamenta o sistemanacional de licenciamento ambiental:‘Art. 3º – A licença ambiental para empreendimentos e ativi<strong>da</strong>des considera<strong>da</strong>s efetivaou potencialmente causadoras de significativa degra<strong>da</strong>ção do meio dependerá de prévioestudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/Rima), ao qual se <strong>da</strong>rá publici<strong>da</strong>de, garanti<strong>da</strong> a realização de audiências públicas, quandocouber, de acordo com a regulamentação.’No caso, trata-se de loteamento que, inicialmente, previa a área de 640.000,00m², sendodestina<strong>da</strong> aos lotes área de 352.842,00m² que, após readequação feita em junho de 1997,resultou em 228.749,38m². Inegável, portanto, que se trata de empreendimento de grandeporte a ser implementado em local próximo à praia <strong>da</strong> Ilhota e, quando digo próximo àpraia, enten<strong>da</strong>-se próximo à faixa de areia periodicamente coberta e descoberta pelo mar.A localização do empreendimento, por si só, é suficiente para ensejar questionamentosacerca de sua viabili<strong>da</strong>de. O acervo fotográfico constante dos autos evidencia que pelomenos boa parte do loteamento está inseri<strong>da</strong> sobre dunas e vegetação características deárea de preservação permanente.O loteamento foi aprovado pela Prefeitura Municipal de Laguna em 1973, tendo-lhesido concedi<strong>da</strong> Licença de Instalação pela Fatma em 1991; contudo, tal licença foi <strong>da</strong><strong>da</strong> aoarrepio <strong>da</strong> atual Carta Magna, pois deixou de exigir o necessário estudo de impacto ambiental.Depreende-se dos autos, ain<strong>da</strong>, que, por conta <strong>da</strong> existência de terras de marinha e áreasde preservação ambiental no loteamento, o empreendimento teve cancela<strong>da</strong> sua inscriçãode ocupação em 1992 – fl. 655 do anexo III.De lá para cá, sofreu diversas vistorias, realiza<strong>da</strong>s ora pelo Ibama, ora pela Fatma e pelaSPU. To<strong>da</strong>s foram unânimes em atestar o grande porte do empreendimento e a presença deáreas insuscetíveis de construção. Até mesmo a Fatma, que a priori tinha concedido licençaambiental, voltou atrás e, em 1997, condicionou a concessão <strong>da</strong> licença ao cumprimento dealgumas exigências, as quais, to<strong>da</strong>via, não foram obedeci<strong>da</strong>s pela ré.O relatório de vistoria realizado pelo Ibama, em 18.04.1997, concluiu que:‘O empreendimento está localizado em área situa<strong>da</strong> imediatamente após a faixa de praia,assim entendi<strong>da</strong> como a faixa periodicamente coberta e descoberta pelas águas, acresci<strong>da</strong> <strong>da</strong>faixa subsequente de material detrítico como areia, cascalho, lixos e pedregulhos até o limiteonde se inicia a vegetação natural ou, em sua ausência, onde comece outro ecossistema.[...] A área é de preservação permanente, onde se verifica o início de sua descaracteri-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 205


zação, devendo ser objeto de recuperação e não de total ocupação’ – fl. 696 do anexo III.Em consonância com o citado laudo do Ibama, extrai-se <strong>da</strong> revisão administrativa feitapela Fatma, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 07.12.2005, que a equipe revisora‘entende que o embargo à área deve ser mantido, não devendo ser autoriza<strong>da</strong> qualquerconstrução no local, mesmo nos lotes que permanecem no projeto após a proposta dereadequação. B) A equipe revisora avalia que o porte e a localização do empreendimentoobrigam à solicitação de EIA/Rima para um adequado encaminhamento <strong>da</strong> questão [...]’– fl. 117 destes autos.Ressalte-se que a decisão administrativa no âmbito do Ministério do Meio Ambiente foiampara<strong>da</strong> por vícios formais do auto de infração que originou o referido embargo. Contudo,não se observa naquele decisum qualquer menção ao mérito <strong>da</strong> causa, isto é, não foi examina<strong>da</strong>a questão de ser ou não a área passível de construção (fls. 1055-1060 do anexo IV).Nesse passo, tal decisão refere-se, tão somente, à regulari<strong>da</strong>de do auto de infração, sendoinsuficiente para afastar os laudos ambientais posteriormente realizados.Cumpre destacar, ain<strong>da</strong>, o fato de que, embora a ré tenha afirmado, categoricamente,inexistirem terras de marinha no loteamento, não requereu a produção de qualquer provaa fim de amparar suas alegações, as quais caem no vazio diante do acervo documentalconstante nos volumes em anexo.Quanto ao argumento de que o empreendimento estaria de acordo com o regramentovigente à época de sua aprovação e totalmente implantado desde 1973, não se mostra consentâneocom a reali<strong>da</strong>de, uma vez que, embora aprovado na Prefeitura em 1973, somenteem 1993 obteve a Licença Ambiental de Implantação – LAI (fls. 66-67, volume I), licençaesta que, como já explicitado acima, deixou de cumprir a determinação constitucionalrelativa à exigência <strong>da</strong> apresentação do EIA/Rima.Ademais, em se tratando <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> legislação ambiental no tempo, como bemponderado por Édis Milaré, em sua obra Direito do Ambiente,‘[...] as normas edita<strong>da</strong>s com o escopo de defender o meio ambiente, por serem de ordempública, têm aplicação imediata, vale dizer, aplicam-se não apenas aos fatos ocorridos sobsua vigência, como também às consequências e aos efeitos dos fatos ocorridos sob a égide<strong>da</strong> lei anterior (facta pendentia). Essas normas só não atingirão os fatos ou relações jurídicasjá definitivamente exauridos antes de sua edição (facta praeterita). [...] Destarte, escreveMichel Prieur, as autorizações concedi<strong>da</strong>s não constituem atos individuais intangíveis,prolongando-se seus efeitos no tempo. Certamente poderão ser retira<strong>da</strong>s se forem ilegaise no prazo do recurso; to<strong>da</strong>via isso não impede que sejam modifica<strong>da</strong>s e recusa<strong>da</strong>s, nãosomente segundo o direito aplicável à época de sua edição, mas também segundo o direitonovo eventualmente aplicável à época de sua modificação. A vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s autorizações particularesestá liga<strong>da</strong> de forma indissolúvel e permanente à regulamentação geral relativa àautorização. Sem retroativi<strong>da</strong>de e ofensa ao direito adquirido é possível modificar autorizaçãoexistente, devendo o poluidor submeter-se sempre à nova regra, que deverá, em princípio,<strong>da</strong>r maior proteção ao meio ambiente.’ (4. ed. SP: Revista dos Tribunais, 2005. 219 p.).206R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Assim, a defesa do meio ambiente, erigi<strong>da</strong> a preceito constitucional, sobrepõe-se aosinteresses preponderantemente econômicos e privados.Nesse contexto, diante do porte do empreendimento e em obediência ao princípio <strong>da</strong>precaução, que norteia o Direito Ambiental, mostra-se imprescindível a realização de EIA/Rima, para a verificação do impacto que o empreendimento causará ao meio ambiente local,além de delimitar, de uma vez por to<strong>da</strong>s, quais as áreas passíveis de serem comercializa<strong>da</strong>se construí<strong>da</strong>s, bem como a forma de viabilizar a ocupação com a menor agressão possívelao ambiente.Nesse ponto, muito bem examina<strong>da</strong> a questão pela Juíza <strong>Federal</strong> que me antecedeu nainstrução do feito, ao proferir a medi<strong>da</strong> liminar no ponto que determina a suspensão de ‘to<strong>da</strong>e qualquer obra dentro do loteamento, até que seja regulariza<strong>da</strong> a situação’.No que tange ao pedido indenizatório, este se mostra totalmente pertinente, porquantoo <strong>da</strong>no potencial suportado pelo meio ambiente (presunção fática) em decorrência do empreendimentoé indenizável, inclusive em atenção ao princípio <strong>da</strong> precaução.A moderna doutrina ambiental consagra a teoria <strong>da</strong>s presunções fáticas quanto à ocorrênciado <strong>da</strong>no. Francisco José Marques Sampaio, em sua obra ‘Evolução <strong>da</strong> Responsabili<strong>da</strong>deCivil e Reparação de Danos Ambientais’, muito bem preceitua o tema:‘Tratando-se de <strong>da</strong>nos ao meio ambiente, o aprimoramento <strong>da</strong> dogmática do institutoé fun<strong>da</strong>mental para assegurar a continuação e a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>, bem como a digni<strong>da</strong>de<strong>da</strong> pessoa humana. Por isso, estu<strong>da</strong>-se a possibili<strong>da</strong>de de adoção de presunções fáticas <strong>da</strong>ocorrência de <strong>da</strong>nos ambientais, como meio de substituir a necessi<strong>da</strong>de de efetuar provacabal <strong>da</strong> ocorrência dos referidos <strong>da</strong>nos em casos nos quais, de acordo com livre e prudentecritério do julgador, essa prova constitua obstáculo processual excessivamente oneroso aquem deva suportá-lo.’Assim, apesar do <strong>da</strong>no ambiental mostrar feição diversa de um <strong>da</strong>no comum, não significaque não enseje a respectiva indenização.Os laudos de vistoria realizados pelos diversos órgãos públicos atestam a irregulari<strong>da</strong>dedo loteamento, o qual ocupou áreas de preservação permanente.Frise-se que, mesmo após a readequação do loteamento, que reduziu o número de lotes de1.147 para 842, não foram excluí<strong>da</strong>s as APPs, mantendo-se a utilização inadequa<strong>da</strong> <strong>da</strong> área.A Imobiliária requeri<strong>da</strong> foi alerta<strong>da</strong> pela Fatma sobre a necessi<strong>da</strong>de de reformular oprojeto do empreendimento em 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001, to<strong>da</strong>via manteve-se inerte,resultando, inclusive, no Auto de Infração nº 4171, o qual também não foi atendido, conformese infere <strong>da</strong> CI 2005 de fls. 105-106 e do relatório de vistoria de fls. 112-116.Ora, a Imobiliária Cerrados, ciente dos vícios que maculam o projeto do loteamento,insistiu em não cumprir as exigências dos órgãos ambientais, tentando manter inalteradoo empreendimento em prejuízo ao meio ambiente, mostrando total desrespeito às normasambientais.Assim, verifica<strong>da</strong> a irregulari<strong>da</strong>de do loteamento, bem como a magnitude do empreendimento,que, mesmo reduzido em 1996, compõe-se de 842 lotes, os quais, valoradosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 207


no mínimo em R$ 10.000,00 ca<strong>da</strong>, importariam em um total de R$ 8.420.000,00, tem-seevidencia<strong>da</strong> a capaci<strong>da</strong>de econômica do empreendedor.Logo, sopesa<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as circunstâncias que envolvem o caso, inclusive o fato de que nãohouve a efetiva comercialização <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de dos lotes referidos, e forte no princípio <strong>da</strong> precaução,entendo que o valor justo para compor o gravame potencialmente perpetrado contra o meioambiente corresponde a R$ 1.000.000,00(um milhão de reais), devendo tal verba reverter em favordo Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos previstos nas Leis n os 7.797/89 e 7.347/85.III – DISPOSITIVO:Ante o exposto, EXTINGO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO em relaçãoà Fatma, no que tange a condenação à obrigação de fazer pleitea<strong>da</strong> na inicial, haja vista já tê-lacumprido, suspendendo as licenças ambientais anteriormente concedi<strong>da</strong>s, logo que cita<strong>da</strong> nestademan<strong>da</strong>, forte no artigo 267, VI, do CPC, e, no mérito:JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, confirmando a liminar concedi<strong>da</strong> para:a) determinar a suspensão de to<strong>da</strong> e qualquer obra dentro do loteamento Praia <strong>da</strong> Ilhota, emBalneário Santa Marta Pequeno (Praia Ilhota), Município de Laguna/SC;b) condenar a requeri<strong>da</strong> a apresentar o EIA/Rima relativo ao Loteamento Praia <strong>da</strong> Ilhota, emBalneário Santa Marta Pequeno (Praia Ilhota), Município de Laguna/SC, no prazo de 6 meses,custeando as reparações ambientais que se mostrarem necessárias, segundo as orientações dopróprio estudo de impacto ambiental;c) determinar seja proibi<strong>da</strong> a alienação dos imóveis cuja outorga de uso foi cancela<strong>da</strong> pelaSecretaria do Patrimônio <strong>da</strong> União, conforme fl. 655 e planta junta<strong>da</strong> à fl. 680 do Volume IIIdos anexos;c) condenar a pagar indenização no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), os quaisreverterão em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos previstos nas Leis n os7.789/89 e 7.347/85, conforme dito na fun<strong>da</strong>mentação.Oficie-se ao Registro Imobiliário.P.R.I.Após o trânsito em julgado, arquive-se.Laguna, 11 de dezembro de 2007.”Compulsando os autos, verifico que mesmo ciente <strong>da</strong>s irregulari<strong>da</strong>desaponta<strong>da</strong>s pelos órgãos de fiscalização ambiental, no sentido <strong>da</strong> edificaçãoem área de preservação permanente, a apelante ignorou as recomen<strong>da</strong>çõese proibições, <strong>da</strong>ndo continui<strong>da</strong>de ao projeto imobiliário em questão, com acomercialização dos referidos lotes.No ponto, para não incorrer em tautologia, transcrevo excertos dos principaisfun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> r. decisão singular recorri<strong>da</strong> onde foi demonstra<strong>da</strong>minudentemente a reiteração <strong>da</strong>s condutas infracionais leva<strong>da</strong>s a cabo pelaora recorrente, veja-se:208R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


“(omissis)Os laudos de vistoria realizados pelos diversos órgãos públicos atestam a irregulari<strong>da</strong>dedo loteamento, o qual ocupou áreas de preservação permanente.Frise-se que, mesmo após a readequação do loteamento, que reduziu o número de lotes de1.147 para 842, não foram excluí<strong>da</strong>s as APPs, mantendo-se a utilização inadequa<strong>da</strong> <strong>da</strong> área.A Imobiliária requeri<strong>da</strong> foi alerta<strong>da</strong> pela Fatma sobre a necessi<strong>da</strong>de de reformular oprojeto do empreendimento em 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001, to<strong>da</strong>via manteve-se inerte,resultando, inclusive, no Auto de Infração nº 4171, o qual também não foi atendido, conformese infere <strong>da</strong> CI 2005 de fls. 105-106 e do relatório de vistoria de fls. 112-116.Ora, a Imobiliária Cerrados, ciente dos vícios que maculam o projeto do loteamento,insistiu em não cumprir as exigências dos órgãos ambientais, tentando manter inalteradoo empreendimento em prejuízo ao meio ambiente, mostrando total desrespeito às normasambientais.Assim, verifica<strong>da</strong> a irregulari<strong>da</strong>de do loteamento, bem como a magnitude do empreendimento,que, mesmo reduzido em 1996, compõe-se de 842 lotes, os quais, valoradosno mínimo em R$ 10.000,00 ca<strong>da</strong>, importariam em um total de R$ 8.420.000,00, tem-seevidencia<strong>da</strong> a capaci<strong>da</strong>de econômica do empreendedor.Logo, sopesa<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as circunstâncias que envolvem o caso, inclusive o fato de quenão houve a efetiva comercialização <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de dos lotes referidos, e forte no princípio<strong>da</strong> precaução, entendo que o valor justo para compor o gravame potencialmente perpetradocontra o meio ambiente corresponde a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), devendo talverba reverter em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos previstos nasLeis n os 7.797/89 e 7.347/85.(omissis)”Portanto, não procedem as alegações genéricas verti<strong>da</strong>s na apelação<strong>da</strong>s fls. 214-234, devendo ser manti<strong>da</strong> a r. sentença <strong>da</strong>s fls. 202-210 porseus próprios fun<strong>da</strong>mentos.Oficie-se ao MM. Juízo <strong>da</strong> 1ª Vara de Execuções Fiscais de Curitiba,informando-o <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de atendimento <strong>da</strong> solicitação conti<strong>da</strong>no Ofício nº 4745146, de 01.10.2010, juntado aos presentes autos,tendo em vista que a controvérsia envolvendo os imóveis em questãoencontra-se sub judice, bem como comunicando-o sobre o julgamentodo presente recurso.Desentranhe-se a petição <strong>da</strong>s fls. 262-283, juntando-se-a por linha.Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 209


EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2007.71.00.012546-4/RSRelator: O Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Guilherme BeltramiEmbargante: Arnaldo Campos <strong>da</strong> CunhaAdvogados: Drs. Landromar Oviedo Ribeiro e outroEmbarga<strong>da</strong>: União <strong>Federal</strong>Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> UniãoEMENTAEmbargos Infringentes. Constitucional e Administrativo. Perseguido políticodurante o regime militar. Danos morais e materiais. Indenização. Valor.– O conjunto probatório dos autos demonstra ter o autor sofrido <strong>da</strong>nosmateriais e morais em razão de atos de perseguição política empreendidospelo regime militar.– O valor de R$ 80.000,00, definido na sentença, afigura-se comorazoável para a compensação dos prejuízos sofridos pelo autor, uma vezque esses se estenderam por sete anos, somados ao impacto inicial <strong>da</strong>apreensão de livros de seu estabelecimento comercial.– No que tange ao pedido de indenização por <strong>da</strong>nos morais, a sentença,ao deferir o valor de R$ 150.000,00, fez justiça às peculiari<strong>da</strong>des docaso, estando de acordo com a Jurisprudência.– Não há que se falar em afronta à limitação do art. 4º <strong>da</strong> Lei 10.559/02,haja vista que a reparação econômica de que trata tal lei não se confundecom a indenização por <strong>da</strong>nos morais (prevista no art. 5º, V e X, <strong>da</strong> CF/88,art. 159 do CC/1916, e art. 186 do CC/2002), não havendo óbice a suapercepção conjunta.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 2ª Seção do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por maioria, <strong>da</strong>r provimento aos embargos infringentes, nos termos dorelatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 10 de fevereiro de 2011.Juiz <strong>Federal</strong> Guilherme Beltrami, Relator.210R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


RELATÓRIOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Guilherme Beltrami: Trata-se de embargosinfringentes interpostos contra o v. acórdão <strong>da</strong> 3ª Turma desta Corte que,por maioria de votos, nos autos <strong>da</strong> Apelação Cível Nº 2007.71.00.012546-4/RS, fez prevalecer o entendimento do Eminente Des. <strong>Federal</strong> FernandoQuadros <strong>da</strong> Silva, restando assim ementado:“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PRESO POLÍTICO DURANTE OREGIME MILITAR. DANOS MORAIS E MATERIAIS. IMPRESCRITIBILIDADE.INDENIZAÇÃO. LEI 10.559/2002. CONSECTÁRIOS LEGAIS.1. A superveniência <strong>da</strong> Lei 10.559/2002, que regulamentou o disposto no art. 8º do Ato<strong>da</strong>s Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, constitui renúncia tácita à prescrição,porquanto passou a reconhecer, por meio de um regime próprio, direito à reparaçãoeconômica de caráter indenizatório aos anistiados políticos.2. O conjunto probatório que demonstra que o autor, anistiado político, sofreu perseguiçãodevido ao seu engajamento político, por vários anos, dá ensejo ao pagamento deindenização a título de <strong>da</strong>nos morais, assim como a demonstração de prejuízo econômicodeve ser repara<strong>da</strong> por meio de indenização a título de <strong>da</strong>nos materiais.3. A limitação do quantum indenizatório fixado tem previsão legal no art. 4º <strong>da</strong> 10.559/02.4. É devi<strong>da</strong> correção monetária (Súmula 562 do STF), pelo INPC, nos termos <strong>da</strong> MP1.415/1996 e <strong>da</strong> Lei 9.711/1998, desde a <strong>da</strong>ta do prejuízo, conforme a Súmula 43 do STJ.Em se tratando de indenização por <strong>da</strong>nos morais, o termo inicial <strong>da</strong> correção monetária éa <strong>da</strong>ta do arbitramento (Súmula 362/STJ).5. Os juros moratórios fluem a partir do evento <strong>da</strong>noso, em caso de responsabili<strong>da</strong>deextracontratual, conforme a Súmula 54 do STJ, no percentual de 0,5% ao mês até 10.01.2003e, a partir <strong>da</strong>í, na taxa de 1% ao mês.6. Manti<strong>da</strong> a condenação <strong>da</strong> União ao pagamento <strong>da</strong> verba honorária no percentualde 10% sobre o valor <strong>da</strong> condenação, porquanto em consonância com os critérios legais ejurisprudenciais.”Postula a parte embargante, alicerça<strong>da</strong> no voto vencido de lavra <strong>da</strong> E.Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria, a manutenção dos valores definidosna sentença para fins de indenização de <strong>da</strong>nos materiais e morais(R$ 80.000,00 e R$ 150.000,00, respectivamente) sofridos em razão deperseguição política na época do regime militar.Regularmente intima<strong>da</strong> a parte embarga<strong>da</strong>, vieram os autos conclusos,com impugnação.É o relatório.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 211


VOTOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Guilherme Beltrami: No presente caso, tenhopor acompanhar a posição divergente, com a devi<strong>da</strong> vênia dos queoptaram pela majoritária.Cabe ressaltar que não está mais em debate, nessa esfera, o fato de tero autor sofrido <strong>da</strong>nos materiais e morais devidos a atos de perseguiçãopolítica empreendidos pelo regime militar, tais como prisão, interrogatórios,fechamento e posteriores entraves ao funcionamento de seuestabelecimento comercial (livraria), entre eles a apreensão de livros.Nesse ponto o julgamento foi unânime, a divergência está adstrita aoquantum indenizatório devido.Entendeu o voto condutor ser excessivo o valor de R$ 80.000,00para fins de compensação material, haja vista não haver a parte-autoralogrado provar, efetivamente, quantos livros foram apreendidos de seuestabelecimento, sendo seu tal ônus, a teor do art. 333, I, do CPC. Tenhoque tal raciocínio e enquadramento legal seriam inquestionáveis se aquilidássemos com uma apreensão regular de mercadoria feita pela Receita<strong>Federal</strong>, com auto discriminado e via do contribuinte devi<strong>da</strong>mente entregue.Bem sabemos que não era assim o procedimento. A prova dosautos foi a única possível, qual seja, certidão emiti<strong>da</strong> pela Justiça Militar<strong>Federal</strong> remetendo a registros sobre a operação de busca e apreensãorealiza<strong>da</strong> em 26.06.1964, pelo DOPS/SSP/RS, na Livraria Vitória, deproprie<strong>da</strong>de do autor, ocasião em que foram apreendidos “vários livroscom temas de cunho esquerdista e até mesmo subversivo” (fl. 24).Questiono, então, a adequação de se onerar a parte-autora por debili<strong>da</strong>dede uma prova que, em última análise, se deve aos atos <strong>da</strong> própriaparte-ré. Tenho, portanto, que o fato não deve ser mensurado apenas emtermos de ônus probatório.Com isso em mente, passo à análise <strong>da</strong>s alegações <strong>da</strong> parte-autora.Seria razoável se supor que uma livraria trabalhasse com estoque de10.000 livros? Perfeitamente, e nem ao menos seria uma livraria degrande porte. E que metade desse estoque houvesse sido objeto de apreensão?Considerando-se a perspectiva que o regime militar tinha <strong>da</strong> parterequerente, expressa na denúncia <strong>da</strong> Procuradoria <strong>da</strong> Justiça Militar decópia nas fls. 31-3 (a título exemplificativo – “...transformaram a ex-212R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


-livraria Vitória em autêntica célula viva do extinto Partido Comunista,proporcionando o funcionamento clandestino deste...”), seria cogitávelaté mesmo ter sido integral a apreensão, sendo assim absolutamenteplausível a alegação.Por fim, o valor por uni<strong>da</strong>de considerado para fins de cálculo doprejuízo imediato – R$ 20,00 – é módico e compatível com a reali<strong>da</strong>dedo mercado livreiro atual. A soma de todos esses fatores, por si só, jáseria suficiente para justificar o valor indenizatório deferido na sentença.Mas o prejuízo enfrentado pelo autor não se limitou à mera apreensãode mercadorias. A leitura dos autos não deixa qualquer dúvi<strong>da</strong> de queforam impostas à parte-autora, no período entre 1964 e 1971, <strong>da</strong>ta desua absolvição pela Justiça Militar, sérias limitações às vi<strong>da</strong>s priva<strong>da</strong> eprofissional/comercial. Retornando ao campo <strong>da</strong> plausibili<strong>da</strong>de, entendocomo plenamente válido o questionamento contido na petição inicial, qualseja, “(...) quantos clientes foram perdidos pelas pressões, quantos livrosdeixaram de ser vendidos, quantos empreendimentos foram abortados,quantos caminhos se fecharam nesse período cruciante <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> nacional?”.Sob essa ótica, o valor de R$ 80.000,00 definido na sentença se afiguracomo razoável para a compensação dos prejuízos sofridos pelo autor,uma vez que esses se estenderam por sete anos, somados ao impactoinicial <strong>da</strong> apreensão de livros. Assim sendo, voto pelo provimento dosembargos infringentes, quanto ao ponto.No que tange ao pedido de indenização por <strong>da</strong>nos morais, entendoque a sentença, ao deferir o valor de R$ 150.000,00, fez justiça às peculiari<strong>da</strong>desdo caso, já suficientemente descritas. É sempre difícil a tarefade medir o sofrimento humano em termos de numerário, mas o seguinteprecedente do E. STJ oferece um parâmetro:“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DOESTADO. DITADURA MILITAR. SARGENTO EXPULSO DO EXÉRCITO, PRESOARBITRARIAMENTE E ENCONTRADO MORTO. DANOS MATERIAIS E MORAIS.VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMU-LA 284/STF. VALOR DA INDENIZAÇÃO E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.REVISÃO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.JUROS COMPOSTOS. DESCABIMENTO. SÚMULA 186/STJ. JUROS MORATÓRIOS.(...)3. O Juízo de 1º grau proferiu sentença em 11.12.2000. O pedido foi julgado parcialmenteR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 213


procedente, e a União condena<strong>da</strong> a pagar: a) pensão mensal vitalícia com base nos arts.1.537, 1.539 e 1.540 do Código Civil revogado, desde 13.08.1966 e no valor <strong>da</strong> remuneraçãointegral que a vítima recebia, compensados os valores já pagos a título de pensão militar; b)despesas de funeral, viagem e luto familiar; e c) indenização por <strong>da</strong>nos morais no montantede R$ 222.720,00 (duzentos e vinte e dois mil, setecentos e vinte reais).O <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> desproveu a Apelação e a Remessa Necessária.4. Não se conhece de Recurso Especial em relação à ofensa ao art. 535 do CPC quandoa parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado.Aplicação, por analogia, <strong>da</strong> Súmula 284/STF.5. A interpretação ampla ao pedido de indenização pelos prejuízos causados, de modoa incluir na condenação os <strong>da</strong>nos morais provados nos autos, não viola os arts. 128 e 460do CPC. Precedentes do STJ.6. Ain<strong>da</strong> que tenha sido paga a indenização estabeleci<strong>da</strong> na Lei 9.140/1995, subsisteinteresse processual em pleitear reparação por <strong>da</strong>nos morais e materiais em maior extensão.Precedentes do STJ.7. A indenização por <strong>da</strong>nos morais foi feita com base em extensa e minuciosa análisedos elementos probatórios <strong>da</strong> dor que afligiu a recorri<strong>da</strong> com a prisão e a morte do cônjugena época <strong>da</strong> ditadura militar. A redução do valor, que não se mostra excessivo, esbarra noóbice <strong>da</strong> Súmula 7/STJ.8. ‘Nas indenizações por ato ilícito, os juros compostos somente são devidos por aqueleque praticou o crime’ (Súmula 186/STJ), sendo descabi<strong>da</strong> a sua imposição à União.9. Durante a vigência do Código Civil de 1916, os juros de mora devem incidir em 0,5%ao mês, nos termos do seu art. 1.062.Precedentes do STJ.10. A revisão <strong>da</strong> verba honorária implica reexame <strong>da</strong> matéria fático-probatória, o queé ve<strong>da</strong>do em Recurso Especial (Súmula 7/STJ). Excepciona-se apenas a hipótese de valorirrisório ou exorbitante, o que não se configura neste caso.11. Recurso Especial parcialmente provido para afastar a incidência de juros compostose reduzir o percentual dos juros de mora para 0,5% ao mês durante o período de vigênciado Código Civil anterior.” (REsp 900.380/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segun<strong>da</strong>Turma, julgado em 01.09.2009, DJe 08.09.2009)Na forma dos trechos em destaque, vemos que, embora não tenhaadentrado no mérito <strong>da</strong> redução do valor por força <strong>da</strong> Súmula nº 7/STJ,o aresto faz claro juízo de valor ao definir como não excessiva, para finsde reparação de <strong>da</strong>no moral de vítima do regime militar, quantia superiorà ora debati<strong>da</strong>.Aponto que, na forma <strong>da</strong> alegação <strong>da</strong> parte-autora, não se trata dereparação por morte ou torturas físicas. Porém, pelo que dos autosconsta, foi a parte-autora submeti<strong>da</strong> a reitera<strong>da</strong>s prisões e ameaças detortura física, o que constitui intenso sofrimento psicológico, sendo que214R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


os constrangimentos impostos ao autor se estenderam por vários anos.E, ain<strong>da</strong>, no que diz com a quantificação de <strong>da</strong>nos morais, é certa adificul<strong>da</strong>de em tal mensuração, <strong>da</strong>í, tirante situações aberrantes, tenhoque cabe prestigiar a pretensão <strong>da</strong> parte que, sabedora de sua própriareali<strong>da</strong>de, indica uma quantificação que entende ser suficiente à compensaçãode seus padecimentos.No caso, então, em face de to<strong>da</strong>s essas ponderações, tenho por adequadoo valor fixado em sentença e acolhido pelo voto vencido.Por fim, não há que se falar em afronta à limitação do art. 4º <strong>da</strong> Lei10.559/02, haja vista que, nos termos do que decide o E. STJ, a reparaçãoeconômica de que trata tal lei não se confunde com indenização por<strong>da</strong>nos morais (prevista no art. 5º, V e X, <strong>da</strong> CF/88, art. 159 do CC/1916,e art. 186 do CC/2002), não havendo óbice à sua percepção conjunta:“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DOESTADO. ANISTIA (LEI 9.140/95). ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 535, I E II, DOCPC. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DODECRETO 20.910/32. ACUMULAÇÃO DE REPARAÇÃO ECONÔMICA COM INDE-NIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 16DA LEI 10.559/2002. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.(...)4. Não há ve<strong>da</strong>ção para a acumulação <strong>da</strong> reparação econômica com indenização por<strong>da</strong>nos morais, porquanto se tratam de verbas indenizatórias com fun<strong>da</strong>mentos e finali<strong>da</strong>desdiversas: aquela visa à recomposição patrimonial (<strong>da</strong>nos emergentes e lucros cessantes),ao passo que esta tem por escopo a tutela <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de moral, expressão dos direitos <strong>da</strong>personali<strong>da</strong>de. Aplicação <strong>da</strong> orientação consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> na Súmula 37/STJ.5. Os direitos dos anistiados políticos, expressos na Lei 10.559/2002 (art. 1º, I a V), nãoexcluem outros conferidos por outras normas legais ou constitucionais. Insere-se, aqui, odireito fun<strong>da</strong>mental à reparação por <strong>da</strong>nos morais (CF/88, art. 5º, V e X; CC/1916, art. 159;CC/2002, art. 186), que não pode ser suprimido nem cerceado por ato normativo infraconstitucional,tampouco pela interpretação <strong>da</strong> regra jurídica, sob pena de inconstitucionali<strong>da</strong>de.6. Recurso especial desprovido.” (REsp 890.930/RJ, Rel. Ministra Denise Arru<strong>da</strong>,Primeira Turma, julgado em 17.05.2007, DJ 14.06.2007, p. 267)Ante o exposto, voto por <strong>da</strong>r provimento aos embargos infringentes,nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação.É o voto.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 215


APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIONº 5001470-20.2010.404.7004/PRRelatora: A Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz LeiriaApelantes: União – Advocacia-Geral <strong>da</strong> UniãoEstado do ParanáApelado: Ministério Público <strong>Federal</strong>MPF: Ministério Público <strong>Federal</strong>Interessado: Município de UmuaramaEMENTAAdministrativo e Constitucional. Serviço de Terapia Renal Substitutiva.Ação Civil Pública. Legitimi<strong>da</strong>de ativa do MPF. Entes políticos –responsabili<strong>da</strong>de solidária. Valor pago por serviço – cabível intervençãodo Judiciário quando o caso pode ocasionar morte de pacientes.1. A preliminar suscita<strong>da</strong> é matéria já pacifica<strong>da</strong> no âmbito do Superior<strong>Tribunal</strong> de Justiça, que entende pela legitimi<strong>da</strong>de ativa do MinistérioPúblico <strong>Federal</strong> para propor ação civil pública visando à tutela de direitosindividuais indisponíveis.2. A União, os Estados-Membros e os Municípios têm legitimi<strong>da</strong>depassiva e responsabili<strong>da</strong>de solidária nas causas que versam sobre recebimentode serviço médico.3. O Judiciário poderá determinar que a Administração Pública repassevalor maior que o estipulado em tabela quando o serviço médicoa ser pago, caso seja interrompido, ocasionará a limitação ao direito àvi<strong>da</strong> de um número considerável de ci<strong>da</strong>dãos, como é o caso <strong>da</strong> TerapiaRenal Substitutiva.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 3ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento às apelações e à remessa oficial, nostermos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.Porto Alegre, 12 de abril de 2011.Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.216R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


RELATÓRIOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de apelaçõese reexame necessário contra sentença que julgou procedente a açãocivil pública e ordenou ao Estado do Paraná, à União e ao Município deUmuarama o pagamento <strong>da</strong> integrali<strong>da</strong>de do custo dos serviços de TerapiaRenal Substitutiva que forem efetivamente prestados aos pacientes doSUS domiciliados no âmbito <strong>da</strong> 12ª <strong>Regional</strong> Estadual de Saúde, independentementede teto global financeiro fixado em normativo infralegal.A União aduz a ilegitimi<strong>da</strong>de ativa do Ministério Público <strong>Federal</strong>,bem como que não cabe ao judiciário determinar acerca <strong>da</strong>s dotaçõesorçamentárias e do programa de priori<strong>da</strong>des traçado pelos governantesacerca <strong>da</strong> saúde.O Estado do Paraná alega sua ilegitimi<strong>da</strong>de passiva e também que oprincípio <strong>da</strong> reserva do possível restou violado, pois não cabe ao Judiciárioa escolha de como aplicar o dinheiro público. Sustenta ain<strong>da</strong> quea determinação <strong>da</strong> sentença ofendeu os princípios <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>proporcionali<strong>da</strong>de.Sem contrarrazões, vieram os autos a este <strong>Tribunal</strong>, onde o MinistérioPúblico <strong>Federal</strong> opinou pelo desprovimento <strong>da</strong>s apelações.É o relatório.VOTOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria: A legitimi<strong>da</strong>de doMPF é matéria já pacifica<strong>da</strong> no âmbito do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça,que entende pela legitimi<strong>da</strong>de para propor ação civil pública visando àtutela de direitos individuais indisponíveis, a saber:“PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL AFASTADAS.LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICAVISANDO AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO A GRUPO DE PORTADORESDE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGAPROVIMENTO.” (AgRg no Ag 981.163/RJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, PrimeiraTurma, julgado em 24.03.2009, DJe 01.04.2009)“RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PESSOA IDO-SA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 217


1. Este <strong>Tribunal</strong> Superior possui entendimento pacífico no sentido de que o MinistérioPúblico é parte legítima para propor ação civil pública, com o objetivo de tutelar direitosindividuais indisponíveis.2. O direito à vi<strong>da</strong> e à saúde são direitos individuais indisponíveis, motivo pelo qual oMinistério Público é parte legítima para ajuizar ação civil pública visando ao fornecimentode medicamentos de uso contínuo para pessoas idosas (q.v., verbi gratia, EREsp 718.393/RS, Rel. Ministra Denise Arru<strong>da</strong>, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ 15.10.2007).3. Recurso especial não provido.” (REsp 927.818/RS, Rel. Min. Carlos FernandoMathias (Juiz Convocado do TRF 1ª <strong>Região</strong>), Segun<strong>da</strong> Turma, julgado em 01.04.2008,DJe 17.04.2008)Sendo assim, não há falar em ilegitimi<strong>da</strong>de ativa do MPF para proporação civil pública visando à cobertura de atendimento médico.O direito fun<strong>da</strong>mental à saúde encontra-se garantido na Constituição,descabendo as alegações de mera norma programática, de forma anão lhe <strong>da</strong>r eficácia. A interpretação <strong>da</strong> norma constitucional há de terem conta a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Constituição, máxima efetivi<strong>da</strong>de dos direitosfun<strong>da</strong>mentais e a concordância prática, que impede, como solução, osacrifício cabal de um dos direitos em relação aos outros. Em se tratandode fornecimento de medicamentos, tenho adotado determinados parâmetros:a) eventual concessão <strong>da</strong> liminar não pode causar <strong>da</strong>nos e prejuízosrelevantes ao funcionamento do serviço público de saúde; b) o direitode um paciente individualmente não pode, a priori, prevalecer sobre odireito de outros ci<strong>da</strong>dãos igualmente tutelados pelo direito à saúde; c)o direito à saúde não pode ser reconhecido apenas pela via estreita dofornecimento de medicamentos; d) havendo disponíveis no mercado, deveser <strong>da</strong><strong>da</strong> preferência aos medicamentos genéricos, porque comprova<strong>da</strong>sua bioequivalência, resultados práticos idênticos e custo reduzido; e) ofornecimento de medicamentos deve, em regra, observar os protocolosclínicos e a “medicina <strong>da</strong>s evidências”, devendo eventual prova pericial,afastado “conflito de interesses” em relação ao médico, demonstrar quetais não se aplicam ao caso concreto; f) medicamentos ain<strong>da</strong> em fase deexperimentação, não enquadrados nas listagens ou protocolos clínicos,devem ser objeto de especial atenção e verificação, por meio de períciaespecífica, para comprovação de eficácia em seres humanos e aplicaçãoao caso concreto como alternativa viável.Tenho que, quanto à alega<strong>da</strong> ilegitimi<strong>da</strong>de passiva <strong>da</strong> União, em quepese não desconhecer recente posição do STJ a respeito <strong>da</strong> competên-218R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


cia para julgar e decidir sobre a execução de programas de saúde e <strong>da</strong>distribuição de medicamentos, no sentido de excluir a União dos feitos(REsp 873196/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 24.05.2007, p. 328),mantenho a posição esposa<strong>da</strong> pela Exma. Ministra Ellen Gracie (SS3205, Informativo 470-STF), no sentido de que“a discussão em relação à competência para a execução de programas de saúde e de distribuiçãode medicamentos não pode se sobrepor ao direito à saúde, assegurado pelo art.196 <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República, que obriga to<strong>da</strong>s as esferas de Governo a atuarem deforma solidária.”Prescreve o artigo 196 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> que é obrigação doEstado (União, Estados e Municípios) assegurar a todos o acesso à saúde:“a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais eeconômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universale igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”Portanto, está evidente a legitimi<strong>da</strong>de passiva dos réus, bem comosua soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de no caso.No caso presente, evidente a multiplici<strong>da</strong>de de direitos e princípiospostos em questão: a reserva do possível, a competência orçamentáriado legislador, a eficiência <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de administrativa, a preservaçãodo direito à vi<strong>da</strong> e o direito à saúde. Na concretização <strong>da</strong>s normas emface <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social e diante dos interesses, princípios e direitos emconflito, está subjacente a ideia de “igual valor dos bens constitucionais”e que a concordância prática impede, “como solução, o sacrifíciode uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites econdicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonizaçãoou concordância prática entre estes bens” (p. 1225).Disso decorre, portanto, a observação de determinados pressupostosbásicos, quais sejam: a) que eventual concessão de liminar ou tutela antecipa<strong>da</strong>não pode causar <strong>da</strong>nos e prejuízos relevantes ao funcionamentodo serviço público de saúde, o que implicaria, ao final, prejuízo ao direitode saúde de todos os ci<strong>da</strong>dãos; b) “o direito de um paciente individualmenteconsiderado não pode, a priori e em termos abstratos, ser semprepreferente ao direito de outro(s) ci<strong>da</strong>dão(s), igualmente tutelado(s) pelodireito à saúde ou por políticas sociais diversas, mas também essenciais”(FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fun<strong>da</strong>mental à saúde. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 212), e, simultaneamente,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 219


prevalecendo, desproporcionalmente, aos princípios de competênciaorçamentária e <strong>da</strong>s atribuições administrativas do Poder Executivo, noencaminhamento <strong>da</strong>s políticas públicas; c) que o direito à saúde nãopode ser reconhecido apenas pela via estreita do fornecimento de medicamentos,porque envolve políticas públicas de maior abrangência, emespecial ações preventivas e promocionais, sem predominância de açõescurativas. Necessário, pois, fixar determinados parâmetros de forma acompatibilizar os direitos e princípios envolvidos no caso sub judice.A presente ação é singular em seu pedido, motivo pelo qual me reportoà sentença de primeiro grau do juiz Daniel Luis Speglorin, cujosfun<strong>da</strong>mentos tomo como razão de decidir (Evento 1, SENT50):“No que tange ao caso concreto, recentemente, em 23.04.2009, o Ministro de Estado<strong>da</strong> Saúde expediu a Portaria nº 807 (fls. 109-114 e 125-130 dos autos), a qual ‘redefineos limites financeiros destinados ao custeio <strong>da</strong> Terapia Renal Substitutiva dos Estados, doDistrito <strong>Federal</strong> e dos Municípios’, determinando, no art. 2º, que os recursos para pagamentodesse procedimento terapêutico de alta complexi<strong>da</strong>de devem correr por conta do orçamentodo Ministério <strong>da</strong> Saúde.Por essa portaria, conclui-se facilmente que a responsabili<strong>da</strong>de direta pelo custeio dosprocedimentos de Terapia Renal Substitutiva está a cargo <strong>da</strong> UNIÃO, que, portanto, devearcar com a totali<strong>da</strong>de dos recursos necessários, ain<strong>da</strong> que, indiretamente, a responsabili<strong>da</strong>depela promoção do direito à saúde seja solidária.Segundo a relação que consta do anexo desse normativo infralegal ao MUNICÍPIODE UMUARAMA, que tem a gestão plena do Sistema Público de Saúde do âmbito <strong>da</strong>12ª <strong>Regional</strong> de Saúde do Paraná, é prevista a destinação do montante de R$ 215.986,92(duzentos e quinze mil, novecentos e oitenta e seis reais e noventa e dois centavos).Esse valor, consoante se infere dos autos (fls. 47, 71, 86-87, 90-91, 97 e 106-108), temsido há muito insuficiente para o pagamento <strong>da</strong> fatura mensal apresenta<strong>da</strong> pelo prestadordo serviço de TRS na 12ª <strong>Regional</strong> de Umuarama.É ver<strong>da</strong>de que, na média, o montante repassado mensalmente pelo Ministério <strong>da</strong> Saúdecorresponde a mais de 90% do custo total do serviço prestado pela empresa INSTITUTODO RIM DE UMUARAMA. Não obstante, como o déficit tem ocorrido, mesmo que empercentual baixo, regularmente, forçoso reconhecer que a situação é deveras preocupante,porquanto pode chegar um momento em que o prestador citado, para não comprometera higidez de sua ativi<strong>da</strong>de empresarial, terá de limitar o número de atendimento ao tetofinanceiro estabelecido pelo normativo citado acima e começar a recusar pacientes, osquais, vale ressaltar, poderão ingressar em juízo individualmente para que o Estado (latosensu) seja compelido a prestar-lhe o serviço de saúde de que tanto necessitam.Contudo, isso não pode ser admitido, haja vista que ocasionará a limitação ao direitoà vi<strong>da</strong> de um número considerável de ci<strong>da</strong>dãos que, infelizmente, são dependentes, para220R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


ter uma vi<strong>da</strong> saudável e digna, como asseverado pelo autor, do serviço de Terapia RenalSubstitutiva.A relação <strong>da</strong>s fls. 98-101 demonstra que, no mês de agosto de 2009, o INSTITUTO DORIM DE UMUARAMA prestou atendimento a 109 (cento e nove) pacientes domiciliadosem 17 (dezessete) municípios <strong>da</strong> região. Nesse documento consta, ain<strong>da</strong>, que são realiza<strong>da</strong>s,em média, 1.360 sessões de hemodiálise por mês, cuja conta tem alcançado o valoraproximado de R$ 225.000,00. No entanto, em vista do teto financeiro estabelecido peloMinistério <strong>da</strong> Saúde, tem sido pago o valor aproximado de R$ 215.000,00.(...)aliás, o fato de o prestador do serviço terapêutico alhures citado continuar a atendera todos os pacientes, apesar do déficit constante, não retira o interesse de agir <strong>da</strong> parte--autora, nem torna menos importantes as alegações ventila<strong>da</strong>s na inicial, considerando queo INSTITUTO DO RIM DE UMUARAMA, embora preste serviço público por delegação,exerce ativi<strong>da</strong>de empresarial visando ao lucro, não estando obrigado, em tese, a prestarserviço sem a respectiva contraparti<strong>da</strong> financeira estatal.Dessa forma, há evidente risco de que a aludi<strong>da</strong> empresa deixe de prestar o serviço deTerapia Renal Substitutiva ou que, pelo menos, comece a restringir o número de pacientesa serem atendidos pelo serviço de saúde prestado, o que não é desejado.(...)Não se olvi<strong>da</strong> a ve<strong>da</strong>ção ao Poder Judiciário de ingerir no mérito administrativo, usurpandoas funções do Executivo na valoração <strong>da</strong> oportuni<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> conveniência <strong>da</strong> práticade atos administrativos discricionários. Também não se nega o fato de que as necessi<strong>da</strong>dessociais são praticamente infinitas e que os recursos financeiros são escassos. No entanto,é cediço que o Judiciário poderá efetuar o controle <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de/constitucionali<strong>da</strong>de doato administrativo, inclusive no que atine aos seus elementos ou pressupostos (v.g. motivo,motivação, finali<strong>da</strong>de, objeto, competência), bem como quanto à razoabili<strong>da</strong>de e à proporcionali<strong>da</strong>de;mesmo que se trate de ato administrativo discricionário.Com efeito, no caso, a omissão estatal em seu dever constitucional de prestar o serviçode Terapia Renal Substitutiva a todos indistintamente, independentemente de teto globalfinanceiro, configura inegável inconstitucionali<strong>da</strong>de/ilegali<strong>da</strong>de. Veja-se o seguinte precedentedo Colendo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>:‘DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO – MODALIDADES DE COMPORTAMENTOSINCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. – O desrespeito à Constituição tantopode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação deinconstitucionali<strong>da</strong>de pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que ageou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, ospreceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importaem um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionali<strong>da</strong>de por ação. – Se o Estado deixarde adotar as medi<strong>da</strong>s necessárias à realização concreta dos preceitos <strong>da</strong> Constituição, emordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumpriro dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do textoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 221


constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionali<strong>da</strong>de poromissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adota<strong>da</strong>, ou parcial, quandoé insuficiente a medi<strong>da</strong> efetiva<strong>da</strong> pelo Poder Público.’ (STF – ADIn nº 1439. Pleno. Rel.Min. Celso de Mello. J. 22.05.96. DJ 30.05.03. RTJ 185/794-796 – sem destaque no original)Na situação em análise, fazendo-se a ponderação dos interesses em jogo, há de prevalecero direito à saúde dos pacientes portadores de insuficiência renal crônica. Quanto à questãoorçamentária, calha observar que ordinariamente já há previsão de verbas e de mecanismosgovernamentais para prestação de Terapia Renal Substitutiva. To<strong>da</strong>via, a limitação financeirados gastos com essa espécie de terapia não se mostra razoável.Não se está diante de um simples procedimento terapêutico, nem do fornecimento demedicamentos não essenciais, mas, sim, pretende-se garantir a prestação de serviço desaúde – Terapia Renal Substitutiva – imprescindível para manutenção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dos doentesrenais crônicos.Verifica<strong>da</strong> a insuficiência orçamentária, cabe ao Estado realocar as verbas necessáriaspara manutenção dessa espécie de serviço de saúde, pois, caso contrário, poderá haver operecimento de vi<strong>da</strong>s humanas, em detrimento do direito constitucional à saúde e ofensaao princípio <strong>da</strong> isonomia, à medi<strong>da</strong> que somente alguns poderiam beneficiar-se <strong>da</strong> TerapiaRenal Substitutiva presta<strong>da</strong> no âmbito <strong>da</strong> 12ª <strong>Regional</strong> de Saúde do Paraná, caso fossemantido o informado teto global financeiro imposto pelo Poder Público.”Portanto, merece ser manti<strong>da</strong> a sentença, tal como prolata<strong>da</strong>.Quanto ao prequestionamento, não há necessi<strong>da</strong>de do julgadormencionar os dispositivos legais e constitucionais em que fun<strong>da</strong>mentasua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento <strong>da</strong>matéria por meio do julgamento feito pelo <strong>Tribunal</strong> justifica o conhecimentode eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº155.621-SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira,DJ de 13.09.99).Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações e à remessaoficial.222R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL


HABEAS CORPUS Nº 0001530-07.2011.404.0000/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk PenteadoImpetrante: Dr. Clark Tadeu Zor<strong>da</strong>nPaciente: M.L.M.Impetrado: Juízo <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> VF e JEF Criminal de LajeadoEMENTAHabeas Corpus. Suspensão condicional do processo. Condenaçãoanterior. Transcorridos mais de cinco anos. Desconsideração.– Se para a reincidência o legislador previu um prazo para que essacircunstância, que agrava a pena e a situação processual do réu, desaparecesse,não se mostra adequado que para a concessão <strong>da</strong> suspensãocondicional do processo a existência de condenação anterior constituaóbice que permaneça por tempo indeterminado (precedentes do Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>).ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 8ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por maioria, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório,votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.Porto Alegre, 10 de março de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 225


RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk Penteado: Trata-sede habeas corpus, com pedido de provimento liminar, objetivando asuspensão do processo nº 2007.71.14.001233-2 e a remessa do feito aoMinistério Público para que, afastado o óbice do caput do artigo 89 <strong>da</strong>Lei nº 9.099/95, seja aprecia<strong>da</strong> a presença dos demais requisitos paraconcessão do sursis processual.Consta nos autos que o paciente está respondendo processo criminalpor suposta prática do delito previsto no artigo 334 do Código Penal.Ain<strong>da</strong>, que teve duas condenações anteriores, com extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>deem novembro/97 (certidões <strong>da</strong>s fls. 43 e 45), e que teve deferi<strong>da</strong>,em março/99, sua reabilitação (fls. 80-82, 90 e 91). Também, que não foiofereci<strong>da</strong> proposta de suspensão condicional do processo, prosseguindoo feito.O impetrante sustenta, em síntese, que a suspensão condicional doprocesso apresenta-se como um direito subjetivo do acusado. Refere,ain<strong>da</strong>, que “as condenações anteriores, cuja pena já fora extinta há maisde cinco anos, não podem ser considera<strong>da</strong>s para efeito de reincidência,não obstando, portanto, o direito ao benefício do sursis processual”.A tutela de urgência pleitea<strong>da</strong> foi deferi<strong>da</strong>, “em parte, para suspendero feito originário até julgamento do mérito do presente writ”.Presta<strong>da</strong>s informações, o Ministério Público <strong>Federal</strong> opinou pelaconcessão <strong>da</strong> ordem.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk Penteado: Dispõe oartigo 89 <strong>da</strong> Lei nº 9.099/95:“Nos crimes em que a pena mínima comina<strong>da</strong> for igual ou inferior a um ano, abrangi<strong>da</strong>sou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensãodo processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ounão tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariama suspensão condicional <strong>da</strong> pena (art. 77 do Código Penal).”Com efeito, evidencia-se que a norma em questão prevê, como óbicepara concessão do sursis processual, a inexistência de condenação poroutro crime, deixando de referir acerca de tempo, como ocorre, por226R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


exemplo, com a reincidência, que não mais prevalece quando transcorridosmais de cinco (05) anos entre a extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de e a novainfração (artigo 64, inciso I, do Código Penal).Contudo, como para a reincidência o legislador previu um prazo paraque essa circunstância, que agrava a pena e a situação processual do réu,desaparecesse, não é justo que para a concessão <strong>da</strong>quele benefício, queapenas suspende o processo, a existência de condenação anterior constituaóbice que permaneça por tempo indeterminado.Caso contrário, a suspensão condicional do processo somente beneficiariao agente que jamais foi condenado, não podendo ser concedi<strong>da</strong>para aquele que já sofreu alguma condenação, mesmo passados 10 anosdo cumprimento de pena que lhe foi imposta.Mesmo entendimento foi exarado pelo Ministério Público <strong>Federal</strong> noparecer juntado aos autos:“Já no tocante ao segundo requisito, não estar sendo processado ou não tiver sidocondenado por outro crime, verifica-se que o paciente não está sendo processado, mas jáfoi condenado anteriormente por crime doloso. Entretanto, no que concerne à condenaçãoanterior, tem-se que deve ser observado o prazo expurgador <strong>da</strong> reincidência, na forma doartigo 64, inciso I, do Código Penal.Não é outro o entendimento do Fórum Nacional dos Juizados Especiais – Fonaje, queeditou seu Enunciado 16, no seguinte teor:‘Enunciado 16 – Nas hipóteses em que a condenação anterior não gerar reincidência,é cabível a suspensão condicional do processo.’Sabe-se que a condenação anterior que não gera reincidência pode ser considera<strong>da</strong>como maus antecedentes, o que inviabilizaria a proposta de suspensão do processo porquenão estariam preenchidos os requisitos do artigo 77 do Código Penal. No presente caso,contudo, com a devi<strong>da</strong> vênia <strong>da</strong>s respeitáveis opiniões divergentes, parece não ser coerenteque as condenações anteriores, não gerando mais reincidência ao paciente ‘tecnicamenteprimário’, passassem a ser considera<strong>da</strong>s para sempre como impeditivas a uma proposta desuspensão condicional do processo. Essa, a nosso sentir, em face do disposto no artigo 5º,inciso XLVII, alínea b, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, que proíbe penas de caráter perpétuo, é asolução mais justa a ser adota<strong>da</strong>.”Confiram-se julgados do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> acerca <strong>da</strong> matéria:“EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE ABORTO. SUSPENSÃO CONDICIONALDO PROCESSO (ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95). CONDENAÇÃO ANTERIOR PELOCRIME DE RECEPTAÇÃO. PENA EXTINTA HÁ MAIS DE CINCO ANOS. APLICA-ÇÃO DO INCISO I DO ART. 64 DO CP À LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS. O silêncioR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 227


<strong>da</strong> Lei dos Juizados Especiais, no ponto, não afasta o imperativo <strong>da</strong> interpretação sistêmica<strong>da</strong>s normas de direito penal. Pelo que a exigência do artigo 89 <strong>da</strong> Lei nº 9.099/95 – de inexistênciade condenação por outro crime, para fins de obtenção <strong>da</strong> suspensão condicionaldo feito – é de ser conjuga<strong>da</strong> com a norma do inciso I do art. 64 do CP. Norma que ‘apaga’a ‘pecha’ de uma anterior condenação criminal, partindo <strong>da</strong> presunção constitucional <strong>da</strong>regenerabili<strong>da</strong>de de todo indivíduo. A melhor interpretação do art. 89 <strong>da</strong> Lei nº 9.099/95 éaquela que faz associar a esse diploma normativo a regra do inciso I do art. 64 do CódigoPenal, de modo a viabilizar a concessão <strong>da</strong> suspensão condicional do processo a todosaqueles acusados que, mesmo já condenados em feito criminal anterior, não podem maisser havidos como reincidentes, <strong>da</strong><strong>da</strong> a consumação do lapso de cinco anos do cumprimento<strong>da</strong> respectiva pena. Ordem concedi<strong>da</strong> para fins de anulação do processo-crime desde a <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> audiência, determinando-se a remessa do feito ao Ministério Público para que, afastado oóbice do caput do art. 89 <strong>da</strong> Lei nº 9.099/95, seja analisa<strong>da</strong> a presença, ou não, dos demaisrequisitos <strong>da</strong> concessão do sursis processual.” (HC nº 88.157/SP, 1ª Turma, rel. Min. CarlosBritto, DJ de 30.03.2007)“EMENTA: PROCESSO CRIMINAL. Suspensão condicional. Transação penal. Admissibili<strong>da</strong>de.Maus antecedentes. Descaracterização. Reincidência. Condenação anterior. Penacumpri<strong>da</strong> há mais de 5 (cinco) anos. Impedimento inexistente. HC deferido. Inteligência dosarts. 76, § 2º, III, e 89 <strong>da</strong> Lei nº 9.099/95. Aplicação analógica do art. 64, I, do CP. O limitetemporal de cinco anos, previsto no art. 64, I, do Código Penal, aplica-se, por analogia, aosrequisitos <strong>da</strong> transação penal e <strong>da</strong> suspensão condicional do processo.” (HC nº 86.646/SP,1ª Turma, rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 09.06.2006)Decorrentemente, impõe-se afastar o óbice apontado pelo MinistérioPúblico <strong>Federal</strong>, devendo o processo em questão retornar ao respectivoórgão para que examine a eventual presença dos demais requisitos parao oferecimento <strong>da</strong> suspensão condicional do processo.Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus.228R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014044-37.2008.404.7100/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum VazApelante: Ministério Público <strong>Federal</strong>Apelado: J.E.C.Advogados: Drs. Humberto Lauro Ramos e outroDra. Maria do Carmo Passos Azambuja RamosEMENTAPenal. Apelação Criminal. Crime contra o Sistema Financeiro Nacional.Artigo 20 <strong>da</strong> Lei 7.492/86. Princípio <strong>da</strong> ofensivi<strong>da</strong>de ou lesivi<strong>da</strong>de.Ínfimo prejuízo à instituição financeira. Insuficiência. Necessi<strong>da</strong>de deabalo ao Sistema Financeiro Nacional. Desclassificação para o crimedo artigo 315 do CP. Extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de pela prescrição.1. O princípio <strong>da</strong> ofensivi<strong>da</strong>de (ou lesivi<strong>da</strong>de) coloca-se como uma<strong>da</strong>s mais relevantes garantias do Direito Penal, ocupando lugar de destaquenão apenas na constituição do ilícito e nos limites de atuação doDireito Penal e <strong>da</strong>s Políticas Criminais do Estado, mas também na seara<strong>da</strong> aplicação prática <strong>da</strong>s normas penais pelo Poder Judiciário.2. Conquanto não se discuta mais sobre o imperativo constitucional delesivi<strong>da</strong>de (concreta ou abstrata) enquanto critério definidor <strong>da</strong> incriminaçãoabstrata no âmbito do Direito Penal Econômico, é preciso refletirmelhor a questão <strong>da</strong> ofensivi<strong>da</strong>de ao bem jurídico tutelado na apreciaçãojudicial dos casos concretos que têm como objeto os crimes contra oSFN. Impõe-se refutar a confusão comum entre o bem jurídico tuteladode natureza transindividual e coletiva e o bem jurídico patrimonial quecaracteriza o patrimônio <strong>da</strong>s instituições financeiras e dos investidores.3. A tipificação de ditos delitos tutela a higidez do sistema financeiroem seu funcionamento harmônico e equilibrado, em sua credibili<strong>da</strong>dediante <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, e apenas reflexamente os interesses individualizados.Embora secun<strong>da</strong>riamente a ca<strong>da</strong> delito correspon<strong>da</strong> um bemjurídico específico (como são a política cambial, na evasão de divisas,as políticas públicas de subsídio e incentivo a algumas ativi<strong>da</strong>des, nodesvio de financiamento, e o próprio patrimônio <strong>da</strong>s instituições financeirase dos investidores, nas gestões fraudulenta e temerária), não sepode desvincular esse bem jurídico específico do interesse maior que éR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 229


a proteção do SFN como um todo. Quando a afetação ao bem jurídicoespecífico revela-se incapaz de produzir risco ou efetiva lesivi<strong>da</strong>de aobem jurídico geral e primário, não há como reconhecer a existência decrime contra o SFN.4. Hipótese em que o órgão acusatório imputou ao réu o desvio definali<strong>da</strong>de de financiamento no valor de R$ 69.688,00 (sessenta e novemil, seiscentos e oitenta e oito reais) obtido junto ao BNDES, o quelegitima a competência <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> para examinar a acusaçãoformula<strong>da</strong> pelo MPF, visto que tal conduta subsume-se ao tipo penal doartigo 315 do CP. Contudo, diante <strong>da</strong> pena máxima prevista para essedelito (três meses), deve ser reconhecido, de ofício, o transcurso doprazo prescricional de dois anos entre a <strong>da</strong>ta dos fatos (08.03.2007) e ado recebimento <strong>da</strong> denúncia (18.12.2009), nos termos dos artigos 107,IV, e 109, VI, do CP, ficando prejudicado o exame do apelo ministerial.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Colen<strong>da</strong> 8ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por maioria, desclassificar, de ofício, a conduta imputa<strong>da</strong> ao recorridopara o tipo penal do artigo 315 do CP, declarando extinta a punibili<strong>da</strong>depela prescrição, e julgar prejudicado o recurso ministerial, nos termos dorelatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 06 de abril de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz: O MinistérioPúblico <strong>Federal</strong> ofereceu denúncia contra J.E.C. pela prática do delitoprevisto no artigo 20 <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86. A exordial acusatória (fls. 02-06), subscrita pelo Dr. Adriano Augusto Silvestrin Guedes, recebi<strong>da</strong> em18.12.2009 (fls. 09-09v.), assim narrou os fatos criminosos:“1.1. O denunciado J.E.C., (<strong>da</strong>dos omitidos por segredo de justiça), obteve financiamentono valor de (omitido), recursos estes oriundos do BNDES (Banco nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social) e repassados pela instituição financeira BANSICREDI – Bancodo Sistema de Crédito Cooperativo (omitido), no âmbito do Programa de Incentivo à Irri-230R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


gação e à Armazenagem MODERINFRA, com a finali<strong>da</strong>de de ampliação e modernizaçãode uma uni<strong>da</strong>de armazenadora de grãos (omitido), sendo que posteriormente, (omitido),foi constatado que aplicou, em finali<strong>da</strong>de diversa <strong>da</strong> prevista em contrato, os recursos provenientesdeste financiamento (fl. 163).[...]1.3. Ocorre que o denunciado J.E.C. não logrou comprovar financeiramente, até apresente <strong>da</strong>ta, a efetiva utilização <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de do referido valor liberado pelo BNDES,na finali<strong>da</strong>de prevista e expressa na Nota de Crédito Rural (omitido) (fls. 123-125), pois,conforme concluído pela Cooperativa de Crédito Sul Riograndense – SICREDI Metrópolis(fl. 163), não se pode afirmar que a ampliação e modernização <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de armazenadora degrãos do denunciado foi construí<strong>da</strong> com os recursos oriundos do referido financiamento, oque motivou o desenquadramento <strong>da</strong> operação de crédito e a quitação antecipa<strong>da</strong> por partedo BANSICREDI (omitido) (fl. 11-12 e fl. 21).[...]2.1. Assim agindo, J.E.C. praticou o delito previsto no artigo 20 <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86,em face do que requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL o recebimento <strong>da</strong> denúncia,para que seja instaurado o devido processo legal, a fim de que o denunciado seja citado eintimado, para que apresente a defesa preliminar, e se veja processar e julgar como incursonas penas do artigo supra, até final sentença condenatória.”O réu foi citado (fl. 18) e apresentou defesa preliminar (fls. 21-38).Processado o feito regularmente, sobreveio, em 17.08.2010 (fl. 166),sentença (fls. 162-165v.), julgando improcedente a denúncia para absolvero acusado, nos termos do artigo 386, III, do CPP.Irresignado, o MPF interpôs apelação (fl. 168), sustentando, em síntese(fls. 178-181), que a sentença deve ser reforma<strong>da</strong>, porquanto ficoucomprova<strong>da</strong> a não aplicação do financiamento na finali<strong>da</strong>de contrata<strong>da</strong>,pois o contrato pactuado com o BNDES previa uma prestação de contaspormenoriza<strong>da</strong>. Logo, não pode ser aceito como prova do cumprimentodo mútuo o recibo único, apresentado em nome <strong>da</strong> empresa (omitido),dois anos após a conclusão <strong>da</strong> obra.Após as contrarrazões (fls. 193-206), a Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> República<strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, em parecer lavrado pelo Dr. Maurício Gotardo Gerum,manifestou-se pelo provimento do apelo ministerial (fls. 233-235).Os autos vieram conclusos para julgamento em 18.02.2011 (fl. 236).É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz: O princípio <strong>da</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 231


ofensivi<strong>da</strong>de (ou lesivi<strong>da</strong>de) coloca-se como uma <strong>da</strong>s mais relevantesgarantias do Direito Penal, ocupando um lugar de destaque não apenasna constituição do ilícito e nos limites de atuação do Direito Penal e <strong>da</strong>sPolíticas Criminais do Estado, mas também na seara <strong>da</strong> aplicação prática<strong>da</strong>s normas penais pelo Poder Judiciário. Ou seja,“não só o legislador deve ater-se à exigência de ofensivi<strong>da</strong>de na proposição de novas figurasdelitivas que, na sua interação com outros princípios penais, leva-lo-á a priorizar sempreas formas de ofensa mais intensas, como na aplicação <strong>da</strong> norma penal exigirá do intérpreteuma hermenêutica atenta à sua efetiva existência. O que é o mesmo que dizer que to<strong>da</strong>sas deficiências legislativas deverão ser corrigi<strong>da</strong>s a partir de um filtro hermenêutico que,muitas vezes, poderá restringir o âmbito de aplicação do ilícito-típico, em um processo decorreção e recuperação do ilícito, quando, por certo, o tipo penal permitir tal correção, e,outras vezes, pela total incapaci<strong>da</strong>de de adequação à noção de ofensivi<strong>da</strong>de, deverá levar inevitavelmenteao reconhecimento de sua inconstitucionali<strong>da</strong>de.” (D’AVILA, Fabio Roberto.O modelo de crime como ofensa ao bem jurídico. Elementos para a legitimação do direitopenal secundário. In: ______. Limites materiais do Direito Penal Ambiental. Porto Alegre:TRF – <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, 2008 (Currículo Permanente. Caderno de Direito Penal, módulo 4). p. 23)Embora não se discuta mais sobre o imperativo constitucional delesivi<strong>da</strong>de (concreta ou abstrata) enquanto critério definidor <strong>da</strong> incriminaçãoabstrata no âmbito do Direito Penal Econômico, é preciso refletirmelhor a questão <strong>da</strong> ofensivi<strong>da</strong>de ao bem jurídico tutelado na apreciaçãojudicial dos casos concretos que têm como objeto os crimes contra oSFN. Impõe-se refutar a confusão comum entre o bem jurídico tuteladode natureza transindividual e coletiva e o bem jurídico patrimonial quecaracteriza o patrimônio <strong>da</strong>s instituições financeiras e dos investidores. Atipificação de ditos delitos tutela a higidez do sistema financeiro em seufuncionamento harmônico e equilibrado, em sua credibili<strong>da</strong>de diante <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de, e apenas reflexamente os interesses individualizados. Emborasecun<strong>da</strong>riamente a ca<strong>da</strong> delito correspon<strong>da</strong> um bem jurídico específico(como são a política cambial, na evasão de divisas, as políticas públicasde subsídio e incentivo a algumas ativi<strong>da</strong>des, no desvio de financiamento,e o próprio patrimônio <strong>da</strong>s instituições financeiras e dos investidores,nas gestões fraudulenta e temerária), não se pode desvincular esse bemjurídico específico do interesse maior que é a proteção do SFN como umtodo. Quando a afetação ao bem jurídico específico revela-se incapaz deproduzir risco ou efetiva lesivi<strong>da</strong>de ao bem jurídico geral e primário, nãohá como reconhecer a existência de crime contra o SFN.232R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Casos há em que sequer é possível intuir ou presumir que dita lesivi<strong>da</strong>depossa se materializar. Condutas são enquadra<strong>da</strong>s como lesivas aoSFN, quando nem de longe ameaçam o bem jurídico tutelado, fazendocom que haja uma espécie de esvaziamento deste.Veja-se, por exemplo, o caso do financiamento fraudulento (art. 19 <strong>da</strong>Lei dos Crimes contra o SFN), em que, considerado o alcance econômicodo financiamento obtido, no mais <strong>da</strong>s vezes, não se tem algo mais relevantedo que um pequeno estelionato. Uma solução a partir do princípio<strong>da</strong> especiali<strong>da</strong>de sugere mesmo a aplicação <strong>da</strong> norma específica, masisso seria possível mesmo quando não há a ofensivi<strong>da</strong>de ao patrimônio<strong>da</strong> instituição financeira, tampouco risco à regular implementação depolítica econômica pública (bens jurídicos específicos)?Nesses casos, a resposta penal mais gravosa para condutas de menorofensivi<strong>da</strong>de, comparativamente àquelas previstas para o delito de estelionato,atenta contra o princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de no viés que ve<strong>da</strong>reações penais injustifica<strong>da</strong>mente discrepantes para situações iguais.Instrumento de garantia do Estado Democrático de Direito, tem o princípio<strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de como função primordial evitar que direitos egarantias fun<strong>da</strong>mentais sofram lesões, seja em decorrência <strong>da</strong> ação ou <strong>da</strong>omissão do Estado, seja de parte de particulares (por condutas indeseja<strong>da</strong>s).Materializa-se por meio <strong>da</strong>s regras <strong>da</strong> adequação, <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>dee <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de em sentido estrito. A adequação vai examinarse a ativi<strong>da</strong>de estatal desencadea<strong>da</strong> revela-se idônea para atingir o fimalmejado, ou seja, um interesse público identificado na proteção de umbem jurídico penalmente tutelado. A necessi<strong>da</strong>de indica se a medi<strong>da</strong> eleitaconstitui o meio menos gravoso, dentre os disponíveis e eficazes, paraa concretização do fim desejado (tutela do bem jurídico protegido). Aproporcionali<strong>da</strong>de em sentido estrito coloca-se como raciocínio destinadoa evitar o excesso, ditando a justa medi<strong>da</strong> e as desvantagens dos meiosem relação aos fins. Cui<strong>da</strong>, de rigor, para que o direito fun<strong>da</strong>mental quesofre a restrição em razão <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> penal não tenha o seu núcleo essencialaniquilado. Conquanto tenha seu enunciado preponderantementevoltado a ditar os contornos <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de legislativa, não é o princípio<strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de incompatível com a ativi<strong>da</strong>de jurisdicional. Háuma vertente do princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de que trata <strong>da</strong> ve<strong>da</strong>çãodo excesso. Essa corrente, recebendo o influxo transversal do princípioR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 233


isonômico, impõe haja um nivelamento <strong>da</strong> resposta penal ditado pelaintensi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ameaça ou real ofensivi<strong>da</strong>de que se lhe impõe o agente.Verificar-se que a conduta não oferece qualquer risco ou <strong>da</strong>no efetivoao bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora e, mesmo assim,prosseguir na persecução penal infligindo sanção ao agente é fazer tábularasa do princípio <strong>da</strong> ofensivi<strong>da</strong>de, é interferir sem relevante justificativano campo sagrado <strong>da</strong>s garantias e liber<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mentais, na medi<strong>da</strong>em que a incriminação constitui o resultado <strong>da</strong> ponderação de valoresna qual o direito fun<strong>da</strong>mental à liber<strong>da</strong>de cede em favor <strong>da</strong> conservaçãode outros valores fun<strong>da</strong>mentais para a socie<strong>da</strong>de.O crime do art. 19 <strong>da</strong> Lei dos Crimes contra o SFN é de <strong>da</strong>no, “consuma-sesomente com o advento do resultado material, isto é, com aefetiva lesão do bem jurídico tutelado”, conforme ensinam Bitencourt eBre<strong>da</strong> (BITENCOURT, Cezar Roberto; BREDA, Juliano. Crimes contrao sistema financeiro & contra o mercado de capitais. Rio de Janeiro:Lúmen Júris, 2010. p. 219), mas mesmo o fato de se estar diante de crimede perigo abstrato não desautoriza a exigência <strong>da</strong> lesivi<strong>da</strong>de, que deveser busca<strong>da</strong>, em ca<strong>da</strong> caso concreto, no perigo que o desvalor <strong>da</strong> condutaimpõe ao bem jurídico tutelado.O problema é que não se pode também afastar, abstratamente, essascondutas do domínio penal, tampouco exigir do legislador a precisãocirúrgica na definição do ilícito. Teríamos, então, dois caminhos aseguir: ou se absolve o agente por atipici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> conduta (lesivi<strong>da</strong>deinsignificante ou socialmente irrelevante), ou – e esta nos parece sera melhor solução – opera-se a desclassificação do delito contra o SFNpara o de estelionato, hipótese em que, dependendo <strong>da</strong> natureza jurídica<strong>da</strong> instituição financeira lesa<strong>da</strong>, a competência deixará de ser <strong>da</strong> Justiça<strong>Federal</strong>, conforme preconiza o artigo 109, I, <strong>da</strong> CF. Nesse sentido,destaca-se o recentíssimo precedente do TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> (ACR nº00383974920054047100, Oitava Turma, Rel. Des. <strong>Federal</strong> Paulo AfonsoBrum Vaz, j. 02.03.2011).Dessarte, a premissa para uma nova tutela penal do Sistema Financeiroreside, inevitavelmente, na compreensão do bem jurídico a ser efetivamentetutelado. E tal definição não pode desconsiderar os pressupostosjá delineados na Constituição <strong>da</strong> República, pois o legislador penal nãodeve criminalizar condutas ao arrepio <strong>da</strong> vontade do constituinte, uma234R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


vez que, consoante o magistério de Prado (PRADO, Luiz Regis. Bemjurídico-penal e Constituição. São Paulo: RT, 2003. p. 100), a Constituiçãohá de ser o ponto jurídico-político de referência primeiro em temade injusto penal, bem como afirmação do indispensável liame materialentre o bem jurídico e os valores constitucionais.Com o advento <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 40/2003, a disciplinaconstitucional do Sistema Financeiro Nacional cinge-se ao caput do art.192 <strong>da</strong> Constituição:“Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimentoequilibrado do País e a servir aos interesses <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de, em to<strong>da</strong>s as partes queo compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementaresque disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que ointegram.”A Carta Política, como se vê, determina que o SFN “sirva aos interesses<strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de”, <strong>da</strong>ndo, dessa forma, o norte a ser adotado pelolegislador na tutela dos crimes perpetrados contra tal bem jurídico.Isso se deve ao fato de que, segundo o escólio de Feldens (FELDENS,Luciano. A Constituição Penal – A dupla face <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de naproteção <strong>da</strong>s normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.p. 58-59), “lesões indeseja<strong>da</strong>s a bens jurídicos tradicionais – como avi<strong>da</strong>, a saúde, a digni<strong>da</strong>de humana, etc. – podem decorrer de ataques quenão necessariamente lhe sejam diretos, mas que nem por isso deixam deatingi-los severamente”.Ora, diante <strong>da</strong> magnitude do bem jurídico a ser protegido, nota<strong>da</strong>mentequando os efeitos de sua destruição pelas forças livres dos mercadosfinanceiros tornaram-se absolutamente inquestionáveis após o crashde 2008, ressaltamos, em concordância com a assertiva de Paschoal(PASCHOAL, Janaina Conceição. Constituição, criminalização e direitopenal mínimo. São Paulo: RT, 2003. p. 134), que não pode “haver umaobrigatorie<strong>da</strong>de incondicional de criminalização, mas sim uma possibili<strong>da</strong>dede criminalização, na medi<strong>da</strong> do necessário, mesmo nos casosde ‘determinações’ constitucionais expressas”.Portanto, a criminali<strong>da</strong>de financeira somente se justifica, sob a perspectivaconstitucional, diante <strong>da</strong> ocorrência de uma lesão contrária aosinteresses <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de. Isso porque o bem jurídico salvaguar<strong>da</strong>do peloordenamento jurídico não é o patrimônio <strong>da</strong> instituição financeira, masR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 235


a confiança <strong>da</strong>queles que disponibilizam as suas economias à administraçãodessas instituições, que, a seu turno, devem ofertar recursos aosdiversos setores produtivos <strong>da</strong> economia para propiciar o tão almejadodesenvolvimento sócioeconômico, segundo o magistério de Prado:“Em termos gerais, o bem jurídico tutelado nesse diploma é, fun<strong>da</strong>mentalmente, osistema financeiro nacional, consistente no conjunto de instituições (monetária, bancáriase socie<strong>da</strong>des por ações) e do mercado financeiro (de capitais e valores mobiliários). Tempor objetivo gerar e intermediar crédito (e empregos), estimular investimentos, aperfeiçoarmecanismos de financiamento empresarial, garantir a poupança popular e o patrimônio dosinvestidores, compatibilizar crescimento com estabili<strong>da</strong>de econômica e reduzir desigual<strong>da</strong>des,assegurando uma boa gestão <strong>da</strong> política econômico-financeira do Estado, com vistas aodesenvolvimento equilibrado do País. Trata-se de bem jurídico de natureza macrossocial outransindividual, de cunho institucional ou coletivo, salvo exceções.” (PRADO, Luiz Regis.Direito Penal Econômico. São Paulo: RT, 2004. p. 212)Sendo assim, a falência dos mecanismos administrativos de supervisãoe regulação <strong>da</strong>s instituições financeiras – verifica<strong>da</strong> ao longo destaturbulência enfrenta<strong>da</strong> pelo sistema financeiro internacional – enseja,indubitavelmente, uma revisão dos tipos penais previstos na legislaçãovigente, a fim de aprimorar o controle social exercido pelo Direito Penalnessa área, porque, conforme vaticina Fischer (FISCHER, Douglas.Delinquência Econômica e estado social e democrático de direito: umateoria à luz <strong>da</strong> Constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 142),“os delinquentes econômicos devem ser considerados, em determina<strong>da</strong>scircunstâncias, tão ou mais perigosos que o infrator comum (que atentacontra bens individuais)”.Contudo, não é possível seguir penalizando condutas que deixem deameaçar, efetivamente, a higidez do Sistema Financeiro Nacional ou queestejam protegi<strong>da</strong>s por outras normas penais previstas no Código Penal(estelionato, apropriação indébita, peculato, desvio de verbas públicas)e na legislação extravagante (Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária,Código de Defesa do Consumidor, Lei Antitruste e Lei do Sigilo Bancário),enquanto os genuínos crimes financeiros ficam desprovidos de umatutela penal adequa<strong>da</strong>, inviabilizando, por conseguinte, uma respostacélere e eficiente por parte do Poder Judiciário. Portanto, de acordo coma lição de Cervini,“as tendências à descriminalização e criminalização, bem entendi<strong>da</strong>s e fora de todo o236R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


esquematismo, podem fazer-se atuar simultaneamente como instrumentos de um mesmoprocesso renovador, impondo-se descriminalizar de forma paulatina os ‘delitos de recheio’e, simultaneamente, criminalizando, quando não há outro recurso, aquelas condutas que sãoautenticamente nocivas para a socie<strong>da</strong>de, de qualquer maneira, com prévia avaliação doscustos individuais e sociais destas normas incriminadoras.” (CERVINI, Raúl. Os processosde descriminalização. São Paulo: RT, 2002. p. 217, grifei)Mas quais seriam os autênticos delitos financeiros que justificariamuma intervenção penal, isto é, quais os crimes capazes de desencadearum nefasto risco sistêmico, aqui entendido, segundo a conceitualizaçãode Turczyn (TURCZYN, Sidnei. O Sistema Financeiro Nacional e aRegulação Bancária. São Paulo: RT, 2005. p. 379), como sendo aqueleque pode“potencialmente propagar-se pelo Sistema desestabilizando-o, pela possibili<strong>da</strong>de de contágioe potencialização dos riscos próprios <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de bancária (especialmente o risco deliquidez), levando à situação de insolvência de instituições sãs.”A resposta a essa in<strong>da</strong>gação pressupõe, antes de tudo, o conhecimentosistemático sobre as razões pelas quais as instituições financeiras vão àbancarrota. Muito embora haja uma literatura econômica abun<strong>da</strong>nte sobreesse tema tão complexo, recorre-se à síntese elabora<strong>da</strong> por Oliveira:“a) má gestão de ativos, observa<strong>da</strong> nos elevados índices de inadimplência ou nopéssimo desempenho <strong>da</strong> carteira de empréstimos; b) novos produtos cujos riscos não sãointeiramente conhecidos; c) controles internos inadequados; d) instinto de mana<strong>da</strong> (opçãopor determinado investimento só porque a maioria vem direcionando suas aplicações emtal opção financeira); e e) fraude.” (OLIVEIRA, Marcos Cavalcante de. Moe<strong>da</strong>, juros einstituições financeiras – regime jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 97)Como se pode observar, muitas dessas circunstâncias menciona<strong>da</strong>snão seriam, em princípio, considera<strong>da</strong>s crime, porque, tradicionalmente,vêm associa<strong>da</strong>s a uma incompetência de gestão ou fiscalização deficiente,seja <strong>da</strong> própria instituição financeira, seja dos órgãos responsáveis pelafiscalização (v.g. Bacen, CVM, Susep, SPC). To<strong>da</strong>via, a crise financeirainternacional atual mostra que os excessos gerenciais perpetrados no manejode vultosas quantias de terceiros possuem um efeito devastador sobre aeconomia e, portanto, potenciali<strong>da</strong>de lesiva para to<strong>da</strong> a coletivi<strong>da</strong>de. Esseé o caso dos novos produtos, como são os chamados CDS (Credit-DefaultSwaps), ou do efeito de mana<strong>da</strong>, como foi o massivo número de transaçõesfinanceiras realiza<strong>da</strong>s com as hipotecas subprime nos EUA.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 237


A lição que fica é que, em situações dessa gravi<strong>da</strong>de, não há comojogar a responsabili<strong>da</strong>de (civil, administrativa ou penal) só nas costasdos financistas que se esmeram ao máximo para multiplicar os lucrosexigidos pela cultura capitalista, máxime quando há uma clara omissãopor parte dos órgãos de fiscalização, isto é, <strong>da</strong>queles que têm o deverde zelar pelo equilíbrio do sistema. Definitivamente, inexiste exageroalgum na afirmação de Saramago (SARAMAGO, José. Crise é um“crime financeiro contra a humani<strong>da</strong>de”. Revista Época Negócios, SãoPaulo, 16 dez. 2008. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2008) de que esta criserepresenta “um crime financeiro contra a humani<strong>da</strong>de”, na medi<strong>da</strong> emque quantias inimagináveis de recursos foram aloca<strong>da</strong>s para conter opânico disseminado pelo sistema financeiro global após a quebra desóli<strong>da</strong> instituição financeira dos EUA.Por outro lado, a dimensão dessa catástrofe financeira internacionalestá a demonstrar que uma parcela significativa dos crimes praticadoscontra o sistema financeiro dentro do território nacional não teria lesionadoo bem jurídico <strong>da</strong> maneira como se imaginava, isto é, não pareceter ocorrido, em muitos dos fatos criminosos analisados pela jurisdiçãocriminal federal brasileira, um mínimo comprometimento dos alicerces<strong>da</strong> engrenagem econômico-financeira. Não se trata de evocar as correntesque insistem em desprezar os efeitos nocivos dos chamados crimesdo colarinho-branco, mas apenas de mostrar que tais violações não secoadunam com a diretriz emana<strong>da</strong> <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República, istoé, proteger o Sistema Financeiro Nacional dos riscos que o impedem deservir aos interesses <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de.Nessa linha de ideias, pontifica Tasse que a lesão ao Sistema FinanceiroNacional ocorre quando o “agente passa a colocar em risco a credibili<strong>da</strong>dede que deve ser detentor o Estado, no que tange ao especialaspecto de gestão financeira, produzindo real ameaça para o bem-estarfinanceiro <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira” (TASSE, Adel El. Crimes contra oSistema Financeiro Nacional: o bem jurídico específico necessário paraa incidência <strong>da</strong> Lei 7.492/86 à determina<strong>da</strong> conduta. In: PRADO, LuizRegis (coord.). Direito Penal Contemporâneo: Estudos em homenagemao Prof. José Cerezo Mir. São Paulo: RT, 2007. p. 339 e 341).Sendo assim, não obstante as considerações esposa<strong>da</strong>s pelo Parquet,238R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


é forçoso reconhecer que, no caso em tela, a denúncia transcrita no relatórionão descreve qual o prejuízo ao sistema financeiro causado pelascondutas perpetra<strong>da</strong>s pelo acusado.Muito embora a Constituição <strong>da</strong> República atribua à União to<strong>da</strong> aresponsabili<strong>da</strong>de pelo funcionamento do Sistema Financeiro Nacional(art. 21, VIII; art. 22, VI e VII; e art. 109, VI), é forçoso reconhecer quea competência penal delinea<strong>da</strong> no art. 109, VI, é expressa:“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:[...]VI – os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contrao sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;” (Grifei)Como se vê, o constituinte atribuiu à Justiça <strong>Federal</strong> a competênciapara processar especificamente delitos perpetrados em detrimento doSistema Financeiro Nacional, cuja definição pode ser deduzi<strong>da</strong> do art.192 <strong>da</strong> CF, conforme a EC nº 40/2003, alhures transcrito.Desse modo, não é todo e qualquer crime financeiro ou que tenharepercussões financeiras que deverá ser processado perante a Justiça<strong>Federal</strong>, mas somente aqueles definidos na legislação própria, a Lei nº7.492/86, que pressupõe ação delitiva capaz de ameaçar a estrutura e ahigidez do Sistema Financeiro Nacional como um todo. Ou seja, a CartaPolítica determina que a Justiça <strong>Federal</strong> processe e julgue somente oscrimes financeiros de natureza difusa, com potenciali<strong>da</strong>de de comprometeros alicerces <strong>da</strong> economia do país estabelecidos na estruturação doSistema Financeiro Nacional.Nessa exata linha de conta, leciona o eminente Juiz <strong>Federal</strong> Artur Césarde Souza no voto-vista proferido no paradigmático julgamento <strong>da</strong> ACRnº 2003.72.00.017341-8/SC, ocorrido no dia 1º de dezembro de 2010:“A Constituição <strong>Federal</strong>, em seu artigo art. 109, inciso VI, estabelece que aos juízesfederais compete processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho e, nos casosdeterminados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira.Deve-se observar que o texto constitucional insere como bem jurídico o sistema financeiro,e não a instituição financeira. Portanto, a legislação tem por pressuposto a estruturado sistema no seu todo, e não partes componentes e isola<strong>da</strong>s desse sistema.Essa diferenciação é bem níti<strong>da</strong> pelo conteúdo normativo do art. 192 <strong>da</strong> Constituição<strong>Federal</strong>, que assim prescreve: O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promovero desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de, emto<strong>da</strong>s as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado porR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 239


leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nasinstituições que o integram. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 40, de 2003)Assim, pela leitura do artigo 192, as instituições financeiras integram o sistema financeiro,razão maior para não se confundir os dois institutos jurídicos.Por sua vez, a Lei 7.492/86 é uma legislação que define os crimes contra o SISTEMAFINANCEIRO, e não contra a INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.Sobre sistema e estrutura no direito, anota Mario G. Losano: ‘No grego clássico, otermo ‘sistema’ tem dois significados técnicos (na métrica e na música) e dois significadosatécnicos. O significado mais genérico indica qualquer forma de agregação: é um ‘sistema’também a corporação de apicultores. O outro significado, atécnico, mas menos impreciso,é referido à ordem do mundo social e natural: o cosmos distingue-se do caos porque é umconjunto. Um problema de fundo, debatido mas não resolvido, é se o cosmos deva ser vistocomo ordenado por leis em analogia com a socie<strong>da</strong>de, ou se a ordem <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de se modelasobre a do cosmos: nos dois casos, o pensamento grego recorre à noção de sistema. Essetermo abstrato foi recebido não sem dificul<strong>da</strong>des em latim. Língua propensa ao concreto,o latim tendia a substituir por um verbo o ‘sistema’ dos textos gregos, ou também extraíametáforas <strong>da</strong> arquitetura: ‘construere’, ‘structura’ são termos que adquirirão significadostécnicos somente nos séculos posteriores’. (Sistemas e Estruturas no Direito. vol. 1, Trad.Carlo Aberto Dastoli. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 3).Assim, percebe-se que o termo sistema jamais teve uma conotação atomista, uma vezque, seja no seu significado técnico ou atécnico, ele representa um conjunto de elementoenvolvido em uma estrutura uniforme e homogênea.A palavra sistema, em latim, será representa<strong>da</strong> por: ‘systema, copages, compago, collectio,compositio, concretio, congregatio, caterva, coetus, conturbernium, factio, globus,manus militum, turma, congruere, congruitas, struere, construere, stracutura, concinnatus’Em italiano, ‘sistema, sistematica, sistematicità, sistemazione, sistematizzazione, tutto, unità,unitarietà, modello, modellizzazione, universalismo’ (Idem, ibidem).Portanto, o entrelaçamento do termo ‘sistema’ nas diversas línguas sempre representaráuma conotação de constituição no sentido de estrutura.Assim, conforme já observara Lambert, todo sistema é composto dos seguintes elementos:a) partes, b) forças conectivas, c) nexo comum, d) escopo (Idem, ibidem, p. 115).Por isso, entendo que assiste razão ao Eminente Desembargador <strong>Federal</strong> Luiz FernandoPenteado quando, ao avaliar os fatos, não chega a uma conclusão de que houve risco aoSISTEMA FINANCEIRO como um todo.Na ver<strong>da</strong>de, a conduta pratica<strong>da</strong> pelo réu gerou potencial prejuízo à Instituição Financeira,no caso, o Banco do Estado de Santa Catarina, razão pela qual a competência para oseu julgamento não é <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>, mas, sim, <strong>da</strong> Justiça Estadual [...].”Confira-se, ain<strong>da</strong>, excerto do acórdão lavrado no aludido julgamentopelo eminente Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando W. Penteado, publicado recentemente(23.02.2011):“PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. BEM JURÍDI-240R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


CO TUTELADO. AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA DA CONDUTA. CRIMEDE GESTÃO FRAUDULENTA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. – A Lei nº7.492/86 tem como objetivo primário a proteção do sistema financeiro nacional, tutelandoapenas secun<strong>da</strong>riamente a instituição financeira. Não é, contudo, qualquer prejuízo causadopela conduta do administrador que autoriza a incidência dos ditames desse diplomalegal, mas somente aquele cuja monta seja tamanha a desestabilizar o sistema financeiro.[...] – Hipótese na qual a conduta perpetra<strong>da</strong> não permite concluir pela existência de riscoao sistema financeiro como um todo, mas, sim, pela ocorrência de crime de estelionatocontra instituição estadual, circunstância que afasta a competência <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> parao processamento <strong>da</strong> ação penal.” (Grifei)Portanto, deve ser considera<strong>da</strong>, em matéria dos delitos financeiros,a mesma orientação <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Pretório Excelso em relação aos crimescontra a organização do trabalho: somente serão <strong>da</strong> competência <strong>da</strong> Justiça<strong>Federal</strong> os delitos que ofendem o sistema de órgãos e instituiçõesfinanceiras destina<strong>da</strong>s a preservar coletivamente o trabalho (v.g. RE588332, Relatora Ministra Ellen Gracie, Segun<strong>da</strong> Turma, RT v. 98, n.886, 2009, p. 525-530).Pois bem. No caso concreto, ao que se pode depreender <strong>da</strong> exordialacusatória, teria havido um desvio de finali<strong>da</strong>de de um mútuo de R$69.688,00 (sessenta e nove mil, seiscentos e oitenta e oito reais). Ora,embora não seja o caso de falar em insignificância dessa conduta lesiva,não há a menor dúvi<strong>da</strong> de que o Sistema Financeiro Nacional não restouminimamente abalado com suposto comportamento do acusado, de modoa justificar a imputação reitera<strong>da</strong> no apelo ministerial.Contudo, considerando que no caso em apreço a vítima seria o BNDES(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), subsiste a competência<strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> para examinar a acusação formula<strong>da</strong> pelo Parquet,que, a meu ver, subsume-se ao tipo penal do artigo 315 do CP (empregoirregular de verbas ou ren<strong>da</strong>s públicas):“Art. 315. Dar às verbas ou ren<strong>da</strong>s públicas aplicação diversa <strong>da</strong> estabeleci<strong>da</strong> em lei.Pena – Detenção de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.”Nesse sentido, vaticina o eminente jurista Paulo José <strong>da</strong> Costa Júnior(Comentários ao Código Penal. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 998) que“a conduta é comum na administração pública. Por isso, não são poucos os que condenamerigir semelhante conduta à categoria de delito, mormente diante <strong>da</strong> moderna tendência dedescriminalização. Outros chegam a alertar, a propósito: ‘Não acreditem muito na puniçãodesse crime...’. Inexiste para o Estado qualquer <strong>da</strong>no patrimonial: nem subtração, nemR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 241


apropriação de dinheiro público. Sucede apenas que verbas ou ren<strong>da</strong>s públicas são aplica<strong>da</strong>sdiversamente do critério estabelecido em lei ou no orçamento. (...) Visa-se a tutelar a boaordem e a regulari<strong>da</strong>de administrativa.”Pois bem. No caso em tela, diante <strong>da</strong> pena máxima prevista para o tipopenal do artigo 315 do CP (três meses), deve ser reconhecido, de ofício,o transcurso do prazo prescricional de dois anos entre a <strong>da</strong>ta dos fatos(08.03.2007) e a do recebimento <strong>da</strong> denúncia (18.12.2009), nos termosdos artigos 107, IV, e 109, VI, do CP, razão pela qual fica prejudicado oexame do apelo ministerial.Ante o exposto, voto por desclassificar, de ofício, a conduta imputa<strong>da</strong>ao recorrido para o tipo penal do artigo 315 do CP, declarando extinta apunibili<strong>da</strong>de pela prescrição, e julgar prejudicado o recurso ministerial.REVISÃO CRIMINAL Nº 0035721-15.2010.404.0000/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Márcio Antônio RochaRequerente: A.B. – réu presoAdvogado: Dr. Osorio FerrariRequerido: Ministério Público <strong>Federal</strong>EMENTARevisão Criminal. Sequestro. Prescrição <strong>da</strong> pretensão punitiva. Redução<strong>da</strong> pena. Falta de interesse. Extorsão qualifica<strong>da</strong> pelo resultadomorte. Desclassificação para participação em extorsão simples. Reapreciaçãode prova. Incabimento. Pena privativa de liber<strong>da</strong>de. Cálculo.Causas de aumento genéricas. Inadmissibili<strong>da</strong>de.1. Declara<strong>da</strong> extinta a pretensão punitiva pela ocorrência de prescriçãoem relação ao crime de sequestro, carece o réu de interesse jurídico parao ajuizamento de revisão criminal com a finali<strong>da</strong>de de obter a redução242R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


<strong>da</strong> pena aplica<strong>da</strong>.2. A revisão criminal não se presta à reapreciação <strong>da</strong>s provas já analisa<strong>da</strong>se sopesa<strong>da</strong>s na ação penal.3. Se a tese acerca <strong>da</strong> previsibili<strong>da</strong>de ou não do resultado morte quando<strong>da</strong> prática do crime de extorsão foi fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>mente examina<strong>da</strong>na sentença e no julgamento do recurso interposto pela defesa, não severifica decisão contrária à evidência dos autos, mas, sim, manifestaçãolivre e fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> do convencimento do julgador.4. Não se enquadrando nas hipóteses em que é admiti<strong>da</strong> a revisãocriminal, o pedido é improcedente.5. Estando o delito capitulado no parágrafo segundo do art. 158 doCódigo Penal (roubo qualificado pelo resultado morte), não incidem ascausas de aumento previstas no § 1º do art. 158 do CP (cometido porduas ou mais pessoas, ou com emprego de arma).6. Impondo-se maior punibili<strong>da</strong>de ao crime, em decorrência <strong>da</strong> maiorgravi<strong>da</strong>de do resultado (lesão corporal grave ou morte), não cabe a aplicação<strong>da</strong>s agravantes genéricas previstas no § 1º do art. 158 do CP, sobpena de bis in idem. Precedentes do STF.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia <strong>4ª</strong> Seção do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, julgar improcedente a revisão criminal e, de ofício, reduzira pena imposta ao requerente, excluindo o aumento de 1/3 (um terço),aplicado com base no § 1º do art. 158 do Código Penal, estendendo-seos efeitos <strong>da</strong> presente decisão ao corréu V.C.S., nos termos do relatório,votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.Porto Alegre, 18 de abril de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Márcio Antônio Rocha, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Márcio Antônio Rocha: Trata-se de RevisãoCriminal requeri<strong>da</strong> por A.B., objetivando, em síntese, a redução <strong>da</strong> penade sequestro e a desclassificação do crime de extorsão para participaçãoem extorsão simples.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 243


Refere que foi condenado a pena privativa de liber<strong>da</strong>de fixa<strong>da</strong> em 26(vinte e seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e multa de 13 dias-multano valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente na <strong>da</strong>ta dos fatos,por infração aos artigos 148 c/c 71 e 158, §§ 1º e 2º, c/c 69, todos doCódigo Penal. Em apelação, esta Corte confirmou a sentença, transitandoem julgado o acórdão para a acusação em 30.07.07 e para a defesa em13.03.09.Argumenta, de início, que houve uma tendência de generalização <strong>da</strong>scondutas dos envolvidos.Quanto ao delito de sequestro em continui<strong>da</strong>de delitiva, aduz que apena foi aumenta<strong>da</strong> em patamar máximo de forma irregular, uma vezque o requerente tem bons antecedentes, sem <strong>da</strong>dos que desabonem suaconduta. Postula, assim, a redução do patamar <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de delitivapara 1/6 (um sexto). Ain<strong>da</strong> em relação ao delito de sequestro, argumentaque a pena deve ser reduzi<strong>da</strong>, tendo em vista a participação de menorimportância do requerente.No que concerne ao crime de extorsão, afirma que o requerente apenasauxiliou na conduta do cacique V.C.S.; que o resultado morte não eraprevisível ao grupo que o auxiliava, pois não imaginavam que a políciaos surpreenderia; que a morte não estava inseri<strong>da</strong> no dolo dos agentes.Requer a desclassificação do delito para participação em extorsão simples,pela incidência do art. 29, § 2º, 1ª parte, do Código Penal, ou subsidiariamentea aplicação <strong>da</strong> 2ª parte do mesmo dispositivo.Os autos foram remetidos ao Ministério Público <strong>Federal</strong>, que se manifestoupelo não conhecimento <strong>da</strong> revisão criminal e, no mérito, pelasua improcedência (fls. 84-90).É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Márcio Antônio Rocha: É sabido que a finali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> revisão criminal é corrigir erros de fato ou de direito ocorridosem processos findos, quando se encontrem provas <strong>da</strong> inocência ou decircunstância que devesse ter influído no an<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> reprimen<strong>da</strong>. Ashipóteses de seu cabimento são taxativas, de modo que a contrarie<strong>da</strong>deao texto expresso <strong>da</strong> lei penal e à evidência dos autos deve ser frontal,e a posterior descoberta de provas novas <strong>da</strong> inocência do acusado ou de244R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


causa de diminuição especial de pena deve ser inequívoca, verbis:“CPP. Art. 621. A revisão dos processos findos será admiti<strong>da</strong>:I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso <strong>da</strong> lei penal ou àevidência dos autos;II – quando a sentença condenatória se fun<strong>da</strong>r em depoimentos, exames ou documentoscomprova<strong>da</strong>mente falsos;III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenadoou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial <strong>da</strong> pena.”No caso dos documentos acostados em apenso, verifica-se que orequerente foi condenado à pena definitiva de 26 (vinte e seis) anos e 8(oito) meses de reclusão e multa de 13 dias-multa no valor unitário de1/30 do salário mínimo vigente na <strong>da</strong>ta dos fatos, pela prática do crimede extorsão qualificado pelo resultado – morte – art. 158, §§ 1º e 2º,c/c art. 69 do Código Penal. Observo que o acórdão <strong>da</strong> 8ª Turma destaCorte declarou, de ofício, quanto ao crime de sequestro, a extinção <strong>da</strong>punibili<strong>da</strong>de dos réus pela prescrição (fls. 64-65).Portanto, quanto aos pedidos de redução <strong>da</strong> pena fixa<strong>da</strong> para o crimede sequestro não há interesse jurídico para o ajuizamento de revisãocriminal, uma vez que extinta a sua punibili<strong>da</strong>de.Quanto ao crime de extorsão qualificado pelo resultado morte, sustentao requerente que deve haver desclassificação para o delito de extorsãosimples (art. 158, § 1º, do CP), pois a participação do requerentelimitava-se à extorsão.A denúncia assim narrou os fatos:“(...) Durante o mês de março de 1999 o denunciado V.C.S. passou a ameaçar gravementea vítima Reny César Mendes de que, se este não cedesse 35% (trinta e cinco por cento) <strong>da</strong>sua plantação de soja que era cultiva<strong>da</strong> dentro <strong>da</strong> área indígena situa<strong>da</strong> no município deIpuaçu, o mesmo e seu bando iriam matá-lo, bem como a sua família.Na <strong>da</strong>ta de 23 de março de 1999, em horário que a instrução poderá apurar, na áreaindígena situa<strong>da</strong> no município de Ipuaçu/SC, nesta Comarca, o denunciado V.C.S. deu maisum ultimato para a vítima Reny de que, caso não desse 35% (trinta e cinco por cento) <strong>da</strong>produção de soja cultiva<strong>da</strong> nas áreas <strong>da</strong> reserva indígena, iriam ‘invadir sua proprie<strong>da</strong>de equeimar os maquinários’.Diante de tantas ameaças, com evidente intenção de obtenção de vantagem financeiraindevi<strong>da</strong> por parte do denunciado V.C.S., a vítima Reny César Mendes resolveu pedir auxíliopara a Polícia Militar, uma vez que temia pela sua segurança e de seus familiares, diante<strong>da</strong>s insistentes ameaças que sofria por parte de V.C.S. e demais indígenas que integram oR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 245


que chamam de ‘seguranças’ do cacique, ora denunciados.Como se encontrava pendente de cumprimento um man<strong>da</strong>do de prisão preventiva contraV.C.S., expedido pela Justiça <strong>Federal</strong> de Chapecó/SC, a Polícia Militar deslocou algunshomens coman<strong>da</strong>dos pelo Major PMSC Luiz Roberto de Quadros, para que fizessem levantamento<strong>da</strong> área para futuro cumprimento <strong>da</strong> ordem judicial.Por volta <strong>da</strong>s 21 horas, na residência <strong>da</strong> vítima, situa<strong>da</strong> na locali<strong>da</strong>de de Pinhalzinho,município de Ipuaçu/SC, mais uma vez o denunciado V.C.S. efetuou um telefonema exigindoo pagamento de parte <strong>da</strong> produção de soja de Reny César Mendes.Como a vítima Reny César Mendes resistia às ameaças do denunciado V.C.S., o mesmo,com intenção de <strong>da</strong>r exaurimento a sua exigência de parte <strong>da</strong> produção de soja <strong>da</strong> vítima,ain<strong>da</strong> com intenção de atemorizá-la, reuniu os seus ‘seguranças’, todos os demais denunciados,no Posto Indígena Xapecó, ci<strong>da</strong>de de Ipuaçu/SC, para que, armados com revólverese espingar<strong>da</strong>s, fossem até a residência <strong>da</strong> vítima para receber a parcela <strong>da</strong> produção de sojaque exigia ser-lhe entregue.Saíram todos os nove denunciados em direção à locali<strong>da</strong>de de Pinhalzinho, área indígena,município de Ipuaçu/SC, nesta Comarca, onde residia a vítima Reny César Mendes.Antes de dirigirem-se até a casa <strong>da</strong> vítima, com intenção de realizar maior pressão namesma, para que entregasse a vantagem exigi<strong>da</strong> para o denunciado V.C.S. e os demaisdenunciados, por volta <strong>da</strong>s 21h30min, na locali<strong>da</strong>de de Pinhalzinho, Ipuaçu/SC, por determinaçãode V.C.S., os denunciados J.N., V. “de tal” (cunhado de D.X.S.), que estavam nointerior de uma Toyota, de proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Funai, foram até a residência de Rildo Mendes eo obrigaram, mediante violência e ameaça, uma vez que se encontravam armados, a entrarno veículo para irem até a residência de Reny César Mendes exigir o pagamento indevidode parte <strong>da</strong> produção <strong>da</strong> soja.Da mesma forma, logo em segui<strong>da</strong>, os mesmos denunciados e V.C.S. obrigaram a vítimaJulieta Zorzi Mendes a entrar no veículo Toyota para irem até a residência de Reny CésarMendes para acertar o pagamento <strong>da</strong> exigência de V.C.S. e seus ‘seguranças’.Com tal conduta, Rildo Mendes e Julieta Zorzi Mendes foram retirados de suas residênciaspelos denunciados V.C.S., J.N., J.N., V.B., A.B. e V. ‘de tal’, mediante ameaças comemprego de armas de fogo, sendo obrigados a entrarem em um veículo Toyota, pelo queforam privados de sua liber<strong>da</strong>de de locomoção pela conduta violenta de todos os denunciados,pois todos se faziam presentes no local distribuídos em um veículo Corcel, Ford,cor marrom, e num veículo VW gol.Após fazerem seus reféns, todos os denunciados, em união de esforços e desígnios preordenados,nos três veículos acima aludidos, dirigiram-se até a residência <strong>da</strong> vítima RenyCésar Mendes, todos sob o comando do denunciado V.C.S., para receberem a vantagemindevi<strong>da</strong> exigi<strong>da</strong> <strong>da</strong>quela vítima, utilizando-se <strong>da</strong>s pessoas que levavam consigo, uma sendomãe do mesmo e o outro, irmão.Ao chegarem na residência <strong>da</strong> vítima Reny César Mendes, os denunciados desembarcaramdos automóveis, sendo que ordenaram, novamente mediante ameaças, que Rildo Mendese Julieta Zorzi Mendes fossem na frente do grupo, constituído por todos os denunciados,pois caso ocorresse resistência os mesmos seriam usados como escudos pelos denunciados.246R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Ao chegar na frente <strong>da</strong> residência de Reny César Mendes, Julieta Zorzi Mendes, mãe domesmo, gritou dizendo ‘é o V.C.S. veio para acertar contigo a parte <strong>da</strong> produção de soja’.Quando Reny César Mendes abriu uma janela de sua residência para olhar o que aconteciado lado de fora foi efetuado um disparo de arma de fogo contra sua residência, tudocom evidente intenção de amedrontá-lo para obter-se a vantagem indevi<strong>da</strong>, o que deu inícioa um tiroteio que perdurou por alguns minutos.O tiroteio teve início por parte dos denunciados, não se podendo identificar sua autoria,mas por certo tinha como objetivo obter a vantagem exigi<strong>da</strong> <strong>da</strong> vítima, sendo que de talviolência resultou a morte de Abel Mendes, irmão de Reny, que se encontrava na residênciadeste, tendo como causa morte ferimento perfurocontundente, por projétil de arma de fogo,que provocou trauma de crânio e sua morte, consoante auto de exame ca<strong>da</strong>vérico (fl. 128).Também veio a óbito J.N., que acompanhava o grupo liderado por V.C.S., em decorrênciade ferimentos provocados por projéteis de arma de fogo, consoante se infere do autode exame ca<strong>da</strong>vérico (fl. 118).Após o tiroteio travado com os Policiais Militares que se encontravam na residência <strong>da</strong>vítima no momento dos fatos, bem como <strong>da</strong> morte <strong>da</strong>s pessoas acima descritas, além <strong>da</strong>slesões sofri<strong>da</strong>s pelo Policial Tulio Boeno descritas na fl. 134, os denunciados evadiram-sedo local.Os denunciados integram grupo liderado pelo denunciado V.C.S., que tem como finali<strong>da</strong>deatemorizar os indígenas que vivem no interior <strong>da</strong> área indígena de Ipuaçu/SC, paraassim perpetrarem diversas condutas criminosas, sempre contando com a impuni<strong>da</strong>de queo medo de suas condutas violentas inspira na pacata população indígena.Através de tais condutas violentas perpetra<strong>da</strong>s pelos chamados ‘seguranças’ ou ‘capangas’do cacique V.C.S., como a dos presentes autos, o mesmo conseguiu manter-se naliderança <strong>da</strong> população indígena local, sempre empregando armas de fogo nas ativi<strong>da</strong>descriminosas. (...)”A 8ª Turma desta Corte, ao examinar a apelação do réus, destacouque as pessoas que praticam crimes à mão arma<strong>da</strong> assumem os riscosprovenientes dessa ação criminosa, inserindo-se perfeitamente no desdobramentocausal <strong>da</strong> ação delitiva com resultado morte. Concluiu queera previsível o resultado, uma vez que os acusados, ain<strong>da</strong> que nemtodos, portavam arma de fogo (fato comprovado nos autos) e, portanto,assumiram o risco de atentarem contra a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s vítimas, o que permitesuas condenações como coautores do delito de extorsão qualifica<strong>da</strong> peloresultado morte. Transcrevo trecho do voto lavrado pela Exma. Juíza<strong>Federal</strong> Eloy Bernst Justo no que toca à autoria, verbis:“3.2 AutoriaA autoria ressai induvidosa, uma vez que os réus confirmaram em juízo que se encontravamno local dos fatos (V.C.S. – fl. 27, V. – fl. 276, A.B. – fl. 279, A. – fl. 281, D.X.S.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 247


– fl. 284, J.N. – fl. 287, D.B. – fl. 289, to<strong>da</strong>s <strong>da</strong> ACR nº 2003.72.02.004104-0/SC, e J. – fl.572 <strong>da</strong> ACR nº 2003.72.02.004103-9/SC), sendo que V.B., D.B. e J.N. foram presos emflagrante delito (fls. 10-19). O corréu D.B., inclusive, refere-se ao grupo como a ‘liderançareuniu-se’, ao mencionar a fatídica i<strong>da</strong> à residência de Reny Mendes.Todos eles tinham conhecimento <strong>da</strong> indevi<strong>da</strong> exigência de comissão sobre o plantiode soja por parte do cacique V.C.S. e, por livre e espontânea vontade, e em comunhão deesforços, a ele se juntaram para acompanhá-lo até a casa <strong>da</strong> vítima com o propósito deexigir dela tal quantia. A participação dos acusados fica ain<strong>da</strong> mais evidente por estaremfortemente armados naquela ocasião. A defesa nega o porte de armas. Pergunta-se, então:de onde partiu o tiro que vitimou Abel, irmão de Reny? Teriam os próprios policiais atiradocontra uma <strong>da</strong>s pessoas que se encontrava junto <strong>da</strong> vítima Reny? E mais, Rildo Mendes(irmão de Reny) afirma ter sido o denunciado V. o autor do primeiro disparo que desencadeouo tiroteio com a polícia. Já Julieta Zorzi Mendes (progenitora de Reny), por sua vez,conta que V.C.S., A.B., V. e A. efetuaram disparos de arma de fogo, enquanto V.M. (fl. 503)referiu que, pela quanti<strong>da</strong>de de tiros desferidos pelos indígenas, todos estavam armados. Nomais, o testemunho dos demais policiais corrobora a versão. Inclusive, o policial ClaudirSchmidt declarou em juízo que o réu Valdo foi o autor do tiro que vitimou Abel Mendes (fl.504). Sem sombra de dúvi<strong>da</strong>s, o tiroteio com a polícia foi desencadeado pelos denunciados.Ain<strong>da</strong> que assim não se entendesse, a alegação de que alguns réus não portavam armade fogo na ocasião dos fatos é irrelevante, porquanto, assim como ocorre no roubo praticadocom emprego de arma de fogo, responde pelo resultado morte não somente quem desferiuos tiros, mas também quem auxiliou na execução <strong>da</strong> conduta.De fato,‘no roubo praticado com o emprego de arma de fogo, do qual resulte a morte <strong>da</strong> vítima oude terceiro, é coautor do latrocínio tanto aquele que somente se apoderou <strong>da</strong> res quanto ocomparsa que desferiu tiros contra a pessoa para assegurar a posse <strong>da</strong> res ou a impuni<strong>da</strong>dedo crime. Os agentes, ao participar do roubo à mão arma<strong>da</strong>, assumem os riscos provenientesdessa ação criminosa, de modo que está inseri<strong>da</strong> perfeitamente no desdobramento causal<strong>da</strong> ação delitiva a produção do evento morte por ocasião <strong>da</strong> subtração. É que, em se tratandode crime qualificado pelo resultado, incide a regra do art. 19 do Código Penal: ‘peloresultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado aomenos culposamente’. Esse, inclusive, é o posicionamento adotado pelo STJ. Não importasaber qual dos coautores do latrocínio desferiu os tiros, pois todos respondem pelo mesmofato. É óbvio que eles devem ter conhecimento de que um comparsa traz consigo arma defogo.’ (CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 2, p. 413)Na hipótese dos autos, independentemente de alguns réus não estarem armados, eraprevisível o resultado, uma vez que outros acusados portavam arma de fogo (fato comprovadonos autos), e, portanto, aqueles assumiram o risco de os comparsas atentarem contraa vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s vítimas, o que permite suas condenações como coautores do delito de extorsãoqualifica<strong>da</strong> pelo resultado morte.248R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Os acusados alegam, ain<strong>da</strong>, que os fatos somente se desencadearam <strong>da</strong> forma comodescritos na denúncia em razão do flagrante preparado pela polícia militar com o auxílio<strong>da</strong> vítima.Primeiramente, cabe referir que não se trata de flagrante preparado, uma vez que ospoliciais lá se encontravam a pedido <strong>da</strong> vítima Reny, que temia por sua segurança diante<strong>da</strong>s ameaças sofri<strong>da</strong>s por parte do acusado V.C.S. (...)”Como se vê, a questão suscita<strong>da</strong> na presente revisão criminal, acerca<strong>da</strong> previsibili<strong>da</strong>de do resultado morte, foi expressamente analisa<strong>da</strong> novoto condutor do aresto. Os réus dirigiram-se até a residência <strong>da</strong> vítima,fortemente armados, com intuito de ameaçá-la, bem como a sua família, epor meio <strong>da</strong> intimi<strong>da</strong>ção pelo uso de armas de fogo obter vantagem ilícita.Descabi<strong>da</strong>, igualmente, a tese de que deve ser aplicado o § 2º do art.29 do Código Penal, pois o requerente quis participar de crime menosgrave. Segundo se depreende <strong>da</strong> sentença e do acórdão proferidos,restou evidenciado nos autos que todos os réus atuavam com uni<strong>da</strong>dede desígnios para a prática do delito. Destacou a sentença que todos osréus, em conjunto, um apoiando o outro, concorrem de modo igual parao delito, determinando o conluio de vontades e a coautoria (fls. 30-31).Ademais, “a vontade de participar de crime menos grave, em regra,é excepcional, reclamando prova efetiva por parte de quem alega, quehá de ser examina<strong>da</strong> e coteja<strong>da</strong> com todos os elementos do conjunto <strong>da</strong>prova” (HC 31.169/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª Turma,DJ 06.02.2006). Tal análise já foi feita quando <strong>da</strong> prolação <strong>da</strong> sentençae do acórdão em grau recursal.Portanto, as alegações feitas em sede de revisão criminal foramfun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>mente afasta<strong>da</strong>s no recurso <strong>da</strong> defesa interposto peranteo TRF. Assim, percebe-se que a pretensão do requerente não encontraguari<strong>da</strong> em nenhuma <strong>da</strong>s hipóteses de cabimento <strong>da</strong> Revisão Criminal,sendo sua intenção apenas reabrir a discussão acerca de matérias exaustivamentetrata<strong>da</strong>s na Ação Penal respectiva. Isto é, as teses defendi<strong>da</strong>spelo requerente deman<strong>da</strong>ram valoração <strong>da</strong>s provas conti<strong>da</strong>s nos autos, oque, independentemente <strong>da</strong> conclusão, já foi exaustivamente realizado.No caso, como se vê dos trechos <strong>da</strong> sentença e do acórdão já transcritos,não houve decisão contrária à evidência dos autos, mas, senão, amanifestação livre e devi<strong>da</strong>mente fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> do convencimento dojulgador, não havendo falar em ocorrência de erro judiciário na espécie.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 249


Não procede, assim, a revisão criminal no ponto.Entretanto, do exame <strong>da</strong> dosimetria <strong>da</strong> pena imposta aos réus, verifica--se a existência de constrangimento ilegal, que deve ser corrigi<strong>da</strong>, inclusive,de ofício. A orientação firma<strong>da</strong> na jurisprudência é no sentido deque somente nas hipóteses de erro ou ilegali<strong>da</strong>de prontamente verificávelna dosimetria pode-se reexaminar o decisum.A sentença condenatória e o acórdão ao proceder ao cálculo <strong>da</strong> penafizeram incidir, quanto ao crime de extorsão qualificado pelo resultadomorte (art. 158, § 2º do Código Penal), a causa de aumento do parágrafo1º – crime cometido por duas ou mais pessoas ou com uso de arma defogo (art. 158, § 1º, do CP). A dosimetria <strong>da</strong> pena foi assim fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>no voto condutor do aresto:“4.3 Réu A.B.O Juízo a quo, acerta<strong>da</strong>mente, considerou favoráveis ao réu to<strong>da</strong>s as circunstânciasjudiciais do art. 59 do CP, fixando a pena-base no mínimo legal, ou seja, 20 (vinte) anosde reclusão.Corretamente majora<strong>da</strong> a pena em 1/3 (um terço) por força <strong>da</strong> causa de aumentoprevista no § 1º do art. 158 do CP (crime cometido por duas ou mais pessoas ou com usode arma de fogo), ficando a pena privativa de liber<strong>da</strong>de definitivamente arbitra<strong>da</strong> em 26(vinte e seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão, já que ausentes outras causas de aumentoou diminuição de pena.Por guar<strong>da</strong>r simetria com a pena privativa de liber<strong>da</strong>de e encontrar-se adequa<strong>da</strong> àscondições econômicas do réu, mantenho a pena de multa em 13 (treze) dias-multa, à razãounitária de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos.”Com tal mecânica a pena ficou fixa<strong>da</strong> para o réu, ora requerente, em26 (vinte e seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e para o corréu V.C.S.em 31 (trinta e um) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, superando asbalizas do art. 157, § 3º, do Código Penal.Ocorre que, estando o delito capitulado no § 2º do art. 158 do CódigoPenal (roubo qualificado pelo resultado morte), não incidem as causasde aumento previstas no parágrafo 1º do art. 158 do CP (“cometido porduas ou mais pessoas, ou com emprego de arma”).O art. 158 do Código Penal assim prevê:“ExtorsãoArt. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuitode obter para si ou para outrem indevi<strong>da</strong> vantagem econômica, a fazer, tolerar que se façaou deixar fazer alguma coisa:250R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.§ 1º - Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma,aumenta-se a pena de um terço até metade.§ 2º – Aplica-se à extorsão pratica<strong>da</strong> mediante violência o disposto no § 3º do artigoanterior.§ 3º – Se o crime é cometido mediante a restrição <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vítima, e essa condiçãoé necessária para a obtenção <strong>da</strong> vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12(doze) anos, além <strong>da</strong> multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penasprevistas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente.”O referido art. 157 do mesmo diploma, por sua vez, dispõe:“RouboArt. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaçaou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibili<strong>da</strong>dede resistência:Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.§ 1º – Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraí<strong>da</strong> a coisa, emprega violênciacontra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impuni<strong>da</strong>de do crime ou a detenção<strong>da</strong> coisa para si ou para terceiro.§ 2º – A pena aumenta-se de um terço até metade:I – se a violência ou ameaça é exerci<strong>da</strong> com emprego de arma;II – se há o concurso de duas ou mais pessoas;III – se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.IV – se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outroEstado ou para o exterior;V – se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liber<strong>da</strong>de.§ 3º Se <strong>da</strong> violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinzeanos, além <strong>da</strong> multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo <strong>da</strong>multa.”Consoante lição de Nelson Hungria, acerca <strong>da</strong> extorsão qualifica<strong>da</strong>pelo resultado, <strong>da</strong> mesma forma que no roubo, “a extorsão é qualifica<strong>da</strong>(cominando-se-lhe exacerba<strong>da</strong>s penas autônomas, tal e qual no rouboqualificado pelo resultado) quando <strong>da</strong> violência resulta lesão corporalgrave ou morte (§ 2º do art. 158) (Comentários ao Código Penal, v. VII,4. ed., Forense, 1980, p. 72).Examinado caso análogo ao dos autos, o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>já se manifestou que, nos casos de condenação pelo crime de latrocínio,a incidência <strong>da</strong>s causas de aumento genéricas, previstas no § 2º do art.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 251


157, implica bis in idem, haja vista que o delito do § 3º, em razão <strong>da</strong>ssuas consequências, já é apenado de forma mais grave:“EXECUÇÃO PENAL. Pena privativa de liber<strong>da</strong>de. Prisão. Cálculo. Delito de latrocínio(art. 157, § 3º, do CP). Causas de aumento por concurso de pessoas e emprego de arma defogo (art. 157, § 2º, I e II). Aplicação. Inadmissibili<strong>da</strong>de. Bis in idem. Maior gravi<strong>da</strong>de jáconsidera<strong>da</strong> na cominação <strong>da</strong> pena base. HC não conhecido. Ordem concedi<strong>da</strong> de ofício.Precedentes. Não se aplicam as majorantes previstas no § 2º do art. 157 do Código Penalà pena base pelo delito tipificado no § 3º.” (HC 94994, Rel. Min. Cezar Peluso, Segun<strong>da</strong>Turma, julgado em 16.09.2008, DJe 07.11.2008) (grifei)Como destacou o Exmo. Min. Cezar Peluso, no corpo do voto, sãoinaplicáveis as majorantes do § 2º do art. 157 do CP ao crime de latrocínio,cuja pena-base traz em si a consideração <strong>da</strong> maior gravi<strong>da</strong>de doresultado, por implicar bis in idem. Dos precedentes indicados no votocondutor, transcrevo trecho do voto proferido no RE nº 93.754, Rel. Min.Leitão de Abreu, DJ 26.06.1981:“(...) quando o delito se capitula no § 3º do art. 157, não há aplicar-se o aumento <strong>da</strong> penaa que se refere o § 2º <strong>da</strong> mesma regra legal. No § 3º, consoante Nelson Hungria, cui<strong>da</strong>-se ‘decondição de maior punibili<strong>da</strong>de, em razão <strong>da</strong> maior gravi<strong>da</strong>de do resultado’ (Comentários,v. VII, 1967, Forense, p. 59). Impondo-se maior punibili<strong>da</strong>de, em decorrência de maiorgravi<strong>da</strong>de do resultado (se resulta lesão corporal de natureza grave ou se resulta morte),não cabe a aplicação <strong>da</strong>s agravantes genéricas do citado § 2º, porquanto a proceder-se detal arte incorrer-se-ia em ver<strong>da</strong>deiro bis in idem. (...)”No mesmo sentido, ensinam também Fernando Capez e Stela Prado,em seu Código Penal Comentado: “As causas de aumento do § 2º nãoincidem sobre as formas qualifica<strong>da</strong>s do § 3º, mas tão somente sobre oroubo na sua forma simples. Nesse sentido: Damásio E. de Jesus, CódigoAnotado, cit., p. 561, e Julio Fabbrini Mirabete, Manual, cit., v. 2, p.242” ( Verbo Jurídico, 2007, p. 323).O Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça já manifestou igual posicionamento:“HABEAS CORPUS. LATROCÍNIO. PENA AUMENTADA NOS TERMOS DO ART.157, § 2º, I E II, DO CÓDIGO PENAL. INAPLICABILIDADE.1. As causas especiais de aumento de pena previstas no §2º do artigo 157 do CódigoPenal não são aplicáveis ao crime de latrocínio.2. Ordem concedi<strong>da</strong>.” (HC 28625/SP, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgadoem 09.08.2005, DJ 19.12.2005, p. 471)O entendimento se aplica <strong>da</strong> mesma forma ao crime de extorsão qua-252R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


lificado pelo resultado morte previsto no § 2º do art. 158, CP: “Aplica-seà extorsão pratica<strong>da</strong> mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior.”Dessarte, se tem na extorsão qualifica<strong>da</strong> também a impossibili<strong>da</strong>dede aplicação <strong>da</strong>s causas especiais de aumento previstas no § 1º do art.158 do CP, acerca do cometimento do crime por duas ou mais pessoasou com emprego de arma, previstas igualmente como causas de aumentono 2º, I e II, do art. 157 do Código Penal, sob pena de bis in idem. É amesma situação em que, impondo-se maior punibili<strong>da</strong>de em razão <strong>da</strong>maior gravi<strong>da</strong>de pelo resultado (lesão corporal grave ou morte), não écabível a aplicação <strong>da</strong>s agravantes genéricas do parágrafo anterior, quenarram condições que viabilizam o resultado especialmente apenado.É o caso, portanto, de excluir-se o aumento de 1/3 (um terço), aplicadocom base no parágrafo 1º, do art. 158, do Código Penal, manti<strong>da</strong> a pena de20 anos de reclusão, fixa<strong>da</strong> de acordo com o § 2º do mesmo dispositivo.Por fim, excluído o aumento de 1/3 já referido e verificando-se que ocorréu na ação penal V.C.S. encontra-se em situação desfavorável, cumpre,de ofício, estender-lhe os efeitos <strong>da</strong> presente decisão, nos termos doart. 580 do Código de Processo Penal. Anoto que, com relação aos demaiscorréus, considerando que todos, à exceção de V.C.S., ingressaram compedidos independentes de revisão criminal, a questão será examina<strong>da</strong>individualmente na revisão respectiva.Ante o exposto, voto por julgar improcedente a revisão criminal e, deofício, reduzir a pena imposta ao requerente, excluindo o aumento de 1/3(um terço), aplicado com base no parágrafo 1º do art. 158 do CódigoPenal, estendendo-se os efeitos <strong>da</strong> presente decisão ao corréu V.C.S.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 253


APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2002.71.00.002628-2/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui HiroseApelante: Ministério Público <strong>Federal</strong>Apelante: A.C.M.Adv. (Dt): Dr. Jorge Reinerio SchmidtApelante: A.X.O.T.Advogado: Defensoria Pública <strong>da</strong> UniãoApelados: Os mesmosEMENTAPenal e Processo Penal. Preliminares de nuli<strong>da</strong>de de perícia grafotécnicae de cerceamento de defesa. Prejuízo não evidenciado. Fraude àlicitação. Artigo 90 <strong>da</strong> Lei 8.666/98. Confecção de uniformes para usode funcionários de conselho federal. Contratação direta com posteriorsimulação de certame licitatório. Dispensabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> licitação emrazão do pequeno valor. Vontade de obtenção de vantagem ilícita. Nãodemonstração. Fato atípico.1. Não há falar em nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> perícia grafotécnica, por ofensa aoprincípio constitucional <strong>da</strong> não autoincriminação, quando os acusados,tendo comparecido perante a autori<strong>da</strong>de policial, fornecem o materialgráfico de próprio punho sem apontar qualquer tipo de coação ou mesmode impugnação em momento processual anterior à decisão de mérito.2. “É relativa a nuli<strong>da</strong>de do processo criminal por falta de intimação<strong>da</strong> expedição de precatória para inquirição de testemunha.” (Súmula nº155 do STF).3. “Intima<strong>da</strong> a defesa <strong>da</strong> expedição <strong>da</strong> carta precatória, torna-se desnecessáriaintimação <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> audiência no juízo deprecado.” (Súmulado STJ nº 273).4. “No processo penal, a falta de defesa constitui nuli<strong>da</strong>de absoluta,mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para oréu” (Súmula nº 523 do STF).5. A conduta típica prevista no artigo 90 <strong>da</strong> Lei de Licitações pressupõea existência do processo licitatório, visando, assim, coibir afrustração ou fraude de seu caráter competitivo. Dessa forma, sendo alicitação dispensável em razão do baixo valor <strong>da</strong> compra (art. 24, II, <strong>da</strong>254R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Lei 8.666/93), a posterior simulação do procedimento licitatório – como objetivo apenas de conferir lisura às aquisições realiza<strong>da</strong>s direta e informalmente– embora ofen<strong>da</strong> os princípios norteadores <strong>da</strong>s licitaçõesem geral (em especial os <strong>da</strong> impessoali<strong>da</strong>de, morali<strong>da</strong>de e probi<strong>da</strong>deadministrativa – artigo 3º <strong>da</strong> Lei 8.666/93) não tem o condão de frustraro caráter competitivo a que alude o tipo penal em questão.6. Ademais, para a caracterização do crime definido no art. 90 <strong>da</strong> Leide Licitações, deve restar demonstra<strong>da</strong> a vontade livre e consciente defrau<strong>da</strong>r o caráter competitivo do certame e, além disso, que o agir fraudulentose deu com o fim especial de obter, para si ou para outrem, qualquervantagem – seja ela pecuniária, seja social, política etc. – decorrente <strong>da</strong>adjudicação do objeto <strong>da</strong> licitação, o que não ocorreu na espécie.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Colen<strong>da</strong> Sétima Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, por maioria, <strong>da</strong>r provimento às apelações interpostas pelasdefesas de A.C.M. e A.X.O.T., para absolver os acusados <strong>da</strong> prática docrime previsto no artigo 90 <strong>da</strong> Lei 8.666/93, na forma do artigo 386,III, do CPP, prejudicado o exame do apelo ministerial, nos termos dorelatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 03 de maio de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose: O Ministério Público<strong>Federal</strong> ofereceu denúncia em face de A.C.M., A.X.O.T., M.S. e W.M.,pela potencial prática do crime previsto no artigo 90 <strong>da</strong> Lei 8.666/93, c/cos artigos 29 e 69, ambos do Código Penal, no seguintes termos:“[...]Os denunciados A.X.O.T., M.S. e W.M. – integrantes <strong>da</strong> Comissão de Licitação <strong>da</strong>autarquia federal Core/RS – e A.C.M., acima qualificados, em comunhão de esforços euni<strong>da</strong>de de desígnios, na ci<strong>da</strong>de de Porto Alegre/RS, frau<strong>da</strong>ram mediante prévia combinação,enceta<strong>da</strong> esta entre os meses de março e julho do ano de 1999, o caráter competitivodos procedimentos licitatórios previstos, respectivamente, nas Cartas Convites 002/99 eR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 255


009/99 – originárias do Conselho <strong>Regional</strong> dos Representantes Comerciais do Rio Grandedo Sul – Core/RS, com o intuito de obter para A.C.M. vantagem (financeira) decorrente <strong>da</strong>adjudicação dos objetos <strong>da</strong>s licitações.Ocorre que os denunciados referidos, em conluio prévio, ressaltando-se, por oportuno,que A.C.M. – participante de ambos os certames é irmão de W.M., presidente <strong>da</strong> Comissãode Licitação (a qual realizou os procedimentos licitatórios acima referidos), simularam aparticipação de duas empresas em ambos os certames licitatórios, quais sejam: Armazémdos Uniformes Indústria e Comércio de Confecções Lt<strong>da</strong>. e Arco Aventais Lt<strong>da</strong>.[... ]Ain<strong>da</strong>, tem-se que, do exame <strong>da</strong> Certidão Especifica, oriun<strong>da</strong> <strong>da</strong> Junta Comercial doEstado do Rio Grande do Sul – Jucergs, restou comprova<strong>da</strong> inexistência de registros referentesà empresa Golden Office Comércio de Confecções Lt<strong>da</strong>.[...]”A denúncia foi recebi<strong>da</strong> em 04.10.2004 (fl. 586).Devi<strong>da</strong>mente instruído o feito, sobreveio sentença (fls. 1.120-37),publica<strong>da</strong> em 09.07.2008 (fl. 1.138), para:a) declarar extinta a punibili<strong>da</strong>de do réu W.M., com base nos artigosnos artigos 107, inciso IV, 109, inciso IV, e 115, todos do Código Penal;b) condenar os acusados A.C.M. e A.X.O.T., por incursos nas sançõesdo art. 90 <strong>da</strong> Lei nº 8.666/93 c/c art. 29 do Código Penal, às penas de 02(dois) anos e 03 (três) meses de detenção, a serem cumpri<strong>da</strong>s em regimeinicialmente aberto, além de multa de 15 (quinze) dias-multa, no valorunitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo à época do último fato;c) condenar o acusado M.S., por incurso nas sanções do art. 90 <strong>da</strong> Leinº 8.666/93 c/c art. 29 do Código Penal, às penas de 02 (dois) anos dedetenção, a ser cumpri<strong>da</strong> em regime inicialmente aberto, além de multade 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) dosalário mínimo à época do último fato.As penas privativas de liber<strong>da</strong>de restaram substituí<strong>da</strong>s por duas restritivasde direitos, quais sejam, prestação de serviços à comuni<strong>da</strong>de ouenti<strong>da</strong>de pública e prestação pecuniária no valor de 10 (dez) saláriosmínimos para os réus A.C.M. e A.X.O.T. e de 08 (oito) salários mínimospara o acusado M.S.Irresignado, o MPF apelou (fl. 1.140), sustentando, em síntese, oreconhecimento do concurso material de crimes, porquanto evidencia<strong>da</strong>a fraude em dois procedimentos licitatórios distintos (Cartas-convite002/99 e 009/99) (fls. 1.143-7).256R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Apelam, também, as defesas de A.X.O.T., M.S. e A.M. 1.167O acusado A.C.M. aduz, preliminarmente, a nuli<strong>da</strong>de do laudo documentoscópicoproduzido em sede policial, por afronta ao princípio queve<strong>da</strong> a autoincriminação. No mérito, sustenta a inexistência de provassuficientemente aptas à sua condenação, bem como a ausência de dolo.Busca, ain<strong>da</strong>, o reconhecimento <strong>da</strong> tese <strong>da</strong> insignificância ou a incidênciado disposto no artigo 17 do CP (crime impossível), porque ínfimos osvalores envolvendo a confecção dos uniformes, a configurar hipótesede dispensabili<strong>da</strong>de de licitação. Caso manti<strong>da</strong> a condenação, requer oafastamento do vetor negativo atinente à personali<strong>da</strong>de, porque ausenteprova hábil à aferição de que o acusado escolheu o crime como modode vi<strong>da</strong> (fls. 1.179-1.215).Já a defesa de A.C.M. sustenta, preliminarmente, as teses do crimeimpossível e do princípio <strong>da</strong> insignificância, além de postular a nuli<strong>da</strong>dedo processo por cerceamento de defesa, diante <strong>da</strong> ausência de intimaçãopessoal do defensor <strong>da</strong>tivo em vários atos do processo. No mérito, dizque o acusado não agiu com dolo, não se verificando, ademais, “qualquer<strong>da</strong>no ao erário” (fls. 1.233-7).Contrarrazões de fls. 1.152-1.161, 1.237 e 1.240-4.Enquanto processados os recursos, sobreveio decisão, no autos doHC nº 2008.04.00.041680-0, concedendo a ordem para extinguir a punibili<strong>da</strong>dedo acusado M.S., em face do reconhecimento <strong>da</strong> prescrição<strong>da</strong> pretensão punitiva do Estado (fls. 1.246-7).Após, subiram os autos a este <strong>Tribunal</strong>, sendo o parecer <strong>da</strong> Procuradoria<strong>Regional</strong> <strong>da</strong> República no sentido de que sejam desprovidos osapelos defensivos e provido o recurso ministerial (fls. 1.257-1.264).É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose: Trata-se de recursosinterpostos pelas defesas de A.C.M. e A.X.O.T., bem como pelo MinistérioPúblico <strong>Federal</strong>, contra sentença que julgou procedente a denúnciapara condenar os acusados por incursos nas sanções do artigo 90 <strong>da</strong> Lei8.666/93.Segundo narra a denúncia, os acusados A.X.O.T., integrante <strong>da</strong> Comissãode Licitação <strong>da</strong> autarquia federal Core/RS (Conselho <strong>Regional</strong> dosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 257


Representantes Comerciais do Rio Grande do Sul), e A.C.M., conselheiroe diretor <strong>da</strong> Câmara de Registro do referido Conselho, frau<strong>da</strong>ram o carátercompetitivo de procedimento licitatório ao ajustarem informalmente aconfecção de uniformes para funcionários e estagiários do Core. Após,visando conferir aparente lisura à negociação, simularam cartas-convite(inclusive com a falsificação de assinaturas de supostos participantes docertame), tudo no intuito de obterem vantagem financeira em favor deA.C.M., proprietário <strong>da</strong> “empresa vencedora”, que foi quem confeccionouos uniformes.Em seu apelo, busca o MPF a aplicação do concurso material decrimes, tendo em vista a evidência de fraude em dois procedimentoslicitatórios distintos.Já as defesas aduzem, em preliminar, a nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> perícia grafotécnica– e, por derivação, dos demais elementos de prova –, visto que osacusados teriam sido compelidos pela autori<strong>da</strong>de policial a forneceremmaterial gráfico de próprio punho, a violar o princípio constitucional<strong>da</strong> não autoincriminação (art. 5°, inc. LXIII, <strong>da</strong> CF/88). Argúem, ain<strong>da</strong>,a nuli<strong>da</strong>de do processo por cerceamento de defesa em relação ao réuA.C.M., por ausência de intimação pessoal de seu defensor <strong>da</strong>tivo emvários atos do processo. No mérito, sustentam, em síntese, a atipici<strong>da</strong>de<strong>da</strong> conduta, uma vez que o procedimento licitatório era dispensável naespécie, inexistindo, outrossim, <strong>da</strong>no patrimonial ao Erário. Alegam, nomais, a inexistência de provas suficientemente aptas às condenações e aausência de dolo. Em assim não sendo entendido, a defesa de Antôniorequer o afastamento do vetor negativo atinente à personali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong><strong>da</strong>a ausência de prova hábil à aferição de que o acusado escolheu o crimecomo modo de vi<strong>da</strong>.Passando-se à preliminar de nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> perícia grafotécnica, produzi<strong>da</strong>em sede de inquérito policial, e, por derivação, dos demais elementosde prova, tenho que restou fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>mente afasta<strong>da</strong> pela sentença, aqual bem anotou terem sido os réus intimados a comparecer “e, sem quese observasse qualquer tipo de coação, forneceram material gráfico depróprio punho” (fl. 1.125), não sendo o laudo objeto de impugnação emnenhum momento processual anterior à decisão de mérito. Demais disso,vê-se que a condenação está basea<strong>da</strong> em outros elementos de prova nãorelacionados às conclusões do exame documentoscópico em questão,258R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


não havendo falar, portanto, em nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong>í decorrente.O mesmo se diga quanto à preliminar de cerceamento de defesa.De fato, na<strong>da</strong> obstante tenha o defensor <strong>da</strong>tivo de A.C.M. apresentadodefesa prévia (fls. 662-3), comparecido nas audiências de inquirição<strong>da</strong>s testemunhas (fls. 769, 803, 833 e 872) e apresentado as devi<strong>da</strong>smanifestações nos prazos dos artigos 499 e 500 do CP (fl. 997 e 1.090-6), verifica-se que não foi intimado pessoalmente para a audiência deinquirição <strong>da</strong> testemunha arrola<strong>da</strong> pela defesa de A.X.O.T., ouvi<strong>da</strong> porprecatória.Ocorre que o <strong>da</strong>tivo foi cientificado, em audiência, <strong>da</strong> expedição <strong>da</strong>aludi<strong>da</strong> carta precatória (fl. 803), sendo que, nos termos <strong>da</strong> Súmula 273do STJ, intima<strong>da</strong> a defesa <strong>da</strong> expedição <strong>da</strong> carta precatória, torna-sedesnecessária a intimação <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> audiência no juízo deprecado.Nesse sentido:“HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ROUBO COM CAUSA DEAUMENTO DE PENA. DATA DA AUDIÊNCIA DE OITIVA DE TESTEMUNHA FORADA TERRA. DEFENSOR PÚBLICO. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE.REGIME INICIAL DE PENA. GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME. FUNDAMEN-TAÇÃO. INSUFICIÊNCIA.1. O artigo 222 do Código de Processo Penal, que determina a intimação <strong>da</strong>s partes <strong>da</strong>expedição <strong>da</strong> carta precatória de oitiva de testemunha fora <strong>da</strong> terra, aplica-se também àdefensoria pública ou <strong>da</strong>tiva, excluindo, por lógica consequência, a sua intimação <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> realização <strong>da</strong> prova no juízo deprecado, de conhecimento submetido, por força <strong>da</strong> lei,à só diligência <strong>da</strong> defesa.2. ‘É relativa a nuli<strong>da</strong>de do processo criminal por falta de intimação <strong>da</strong> expedição deprecatória para inquirição de testemunha’ (Súmula do STF, Enunciado nº 155).3. ‘Intima<strong>da</strong> a defesa <strong>da</strong> expedição <strong>da</strong> carta precatória, torna-se desnecessária intimação<strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> audiência no juízo deprecado’ (Súmula do STJ, Enunciado nº 273).4. ‘A opinião do julgador sobre a gravi<strong>da</strong>de em abstrato do crime não constitui motivaçãoidônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a penaaplica<strong>da</strong>’ (Súmula do STF, Enunciado nº 718).5. ‘A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplica<strong>da</strong> permitirexige motivação idônea’ (Súmula do STF, Enunciado nº 719).6. Ordem parcialmente concedi<strong>da</strong>.” (HC 34.080/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido,Sexta Turma, julgado em 02.08.2005, DJ 05.09.2005, p. 491)Além disso, conquanto assente a necessi<strong>da</strong>de de intimação pessoal dodefensor <strong>da</strong>tivo, sob pena de nuli<strong>da</strong>de, esta não deve ser declara<strong>da</strong> sema efetiva demonstração de prejuízo para a parte que a alega. É o que seR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 259


extrai do teor <strong>da</strong> Súmula nº 523 do STF: “No processo penal, a falta dedefesa constitui nuli<strong>da</strong>de absoluta, mas a sua deficiência só o anulará sehouver prova de prejuízo para o réu”. E, na hipótese, observa-se que odepoimento <strong>da</strong> testemunha ouvi<strong>da</strong> por precatória em na<strong>da</strong> influenciounos fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> condenação.Por derradeiro, gize-se ter havido manifestação expressa do defensor<strong>da</strong>tivo quanto à ausência de sua intimação pessoal para o prazo do art.499 do CP e para a junta<strong>da</strong> <strong>da</strong>s alegações finais (fls. 991-2), tanto quelhe fora restituído o prazo, como demonstram os despachos <strong>da</strong>s fls. 994e 1.081. Portanto, embora lhe fosse possível apontar a falta de intimaçãopara a oitiva realiza<strong>da</strong> por precatória nessa mesma oportuni<strong>da</strong>de, quedou--se silente, vindo a se manifestar somente por ocasião do apelo, o que,na linha dos precedentes do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, não configuracerceamento de defesa:“HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. AUSÊNCIA DE IN-TIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR DATIVO DA PAUTA DE JULGAMENTO DORECURSO DE APELAÇÃO. NULIDADE SUSCITADA MAIS DE 1 ANO APÓS A IN-TIMAÇÃO PESSOAL DO RESULTADO DO ACÓRDÃO. PRECLUSÃO. A AUSÊNCIADE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXCEPCIONAL NÃO CONFIGURA CERCEA-MENTO DE DEFESA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VOLUNTARIEDADE DOSRECURSOS. PRECEDENTE DO STJ. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DOWRIT. ORDEM DENEGADA.1. Não se desconhece que, a teor dos arts. 5º, § 5º, <strong>da</strong> Lei 1.060/50 (acrescido pela Lei7.871/89), 370, § 4º, do CPP e 128 <strong>da</strong> LC 80/94, é prerrogativa <strong>da</strong> Defensoria Pública, oude quem lhe faça as vezes, a intimação pessoal para todos os atos do processo, sob pena denuli<strong>da</strong>de por cerceamento de defesa.2. To<strong>da</strong>via, consoante jurisprudência pacífica deste STJ e do Pretório Excelso, considera--se convali<strong>da</strong><strong>da</strong> a nuli<strong>da</strong>de pelo instituto <strong>da</strong> preclusão quando o Defensor Dativo silencia-sepor mais de 1 ano acerca <strong>da</strong> ausência de intimação pessoal <strong>da</strong> pauta de julgamento.3. A não interposição de recursos na esfera extraordinária pelo Defensor Dativo nãoconfigura cerceamento de defesa, mormente quando já assegurado, como na hipótese, oduplo grau de jurisdição.Aplicação do Princípio <strong>da</strong> Voluntarie<strong>da</strong>de dos Recursos. Precedente.4. Ordem denega<strong>da</strong>, em conformi<strong>da</strong>de com o parecer ministerial.” (HC 101.703/SP,Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 19.11.2009, DJe15.12.2009)“HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDOESTRITO. DEFENSOR DATIVO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL. NULIDADE.INOCORRÊNCIA. PRECLUSÃO.260R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


1. É prerrogativa do defensor <strong>da</strong>tivo e do defensor público, ou de quem exerça cargoequivalente, a intimação pessoal de todos os atos e termos do processo, sob pena de nuli<strong>da</strong>de(artigo 5º, § 5º, <strong>da</strong> Lei 1.060/50, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 7.871/89, e artigo 370, §4º, do Código de Processo Penal, acrescentado pela Lei nº 9.271, de 17 de abril de 1996).2. A subsequente interposição de recurso de apelação, contra a decisão condenatória do<strong>Tribunal</strong> do Júri, julgado, ao fim, em desfavor do paciente e sem alegação específica qualquer,torna preclusa a falta de intimação do defensor <strong>da</strong>tivo para a sessão de julgamento dorecurso em sentido estrito, interposto <strong>da</strong> pronúncia (artigos 564, inciso III, alínea e, últimaparte, e 572 do Código de Processo Penal).3. Ordem denega<strong>da</strong>.” (HC 38.156/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma,julgado em 24.02.2005, DJ 09.05.2005, p. 478)Supera<strong>da</strong>s as preliminares, passo ao exame do mérito.Consoante a prova produzi<strong>da</strong>, A.C.M. – que também era irmão dooutrora acusado W.M., presidente <strong>da</strong> comissão de licitações e tesoureirodo Conselho <strong>Regional</strong> dos Representantes Comerciais do Rio Grande doSul (Core/RS) – tinha uma pequena fábrica de confecção, a A.C. Miola.Em razão disso, e já que costumava vender camisetas de sua própria produçãonas dependências do Conselho, foi procurado por Fernando OnofreBatista <strong>da</strong> Costa e A.X.O.T., ambos integrantes <strong>da</strong> diretoria executiva doCore, que o questionaram sobre a possibili<strong>da</strong>de de produzir uniformesdestinados a funcionários e estagiários do Órgão.A tarefa foi aceita por A.C.M., que confeccionou, digamos, o primeirolote de uniformes (15 peças femininas, 15 masculinas e mais 2 uniformesfemininos próprios para serviços de limpeza), os quais foram entreguese pagos com cheque, no valor de R$ 874,00, “sem problema nenhum”,como afirmou o próprio réu em seu interrogatório. De se registrar queo cheque emitido para tal pagamento teve seu destino ignorado, nãohavendo provas <strong>da</strong> efetiva compensação (fl. 608).Já no que diz respeito ao que seria o segundo lote (23 uniformesfemininos, compostos de calça e blazer, destinados às funcionárias eestagiárias do Core, no valor de R$ 1.656,00), A.C.M. afirmou que aspeças foram igualmente por ele confecciona<strong>da</strong>s; porém, ao comunicar talfato ao acusado A.X.O.T., este alegou “que a partir <strong>da</strong>quele momento elesnão podiam receber nota de nenhum conselheiro [...] porque o <strong>Tribunal</strong>de Contas tava em cima deles”. Eis o relato do diálogo mencionado porA.C.M. em seu interrogatório (fls. 691-2):“[...] ô T. [A.X.O.T.], eu tô com uniforme pronto. E o senhor sabe como é que é uniforme?R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 261


P, M, G e GG. Foi feito grandes, tirado medi<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s pessoas, <strong>da</strong>s mulheres e de homens,blá, blá, foi tirado tudo com, tudo certinho pra entrega. Eu tô com o uniforme pronto. Eutenho que entregá o uniforme. E o que que eu vou fazê? Vou entupi com isso aí? Diz, não,nós precisamo fazê o, acertá essas licitações aqui dentro, que o tribunal tá em cima, é só praregularizá. Digo, olha, T., eu não quero sabê, eu quero recebê. Eu fiz meu, meu trabalho, euquero recebê. Diz, não, nós vamo fazê isso aqui, tu traz teus uniforme aqui, nós vamo fazê,acertamos, nós acertamos, olha, pra mim não tem problema nenhum, eu quero recebê, o meunegócio é recebê os uniformes. Isso é com vocês. Aí ele mandou trazer os uniformes. [...]”Com efeito, tal como afirmado pelo corréu M.S., a aquisição dosuniformes se deu por compra direta, posteriormente “regulariza<strong>da</strong>” pelasimulação de dois certames (fls. 759-760):a) o primeiro, em 10.03.99, denominado “Carta Convite nº 002/99”,compreendendo o que seria o “primeiro lote” mencionado por A.C.M.(fls. 26 e 29-31);b) e o segundo, em 13.03-99, sob a denominação “Carta Convite nº009/99”, correspondendo, nas palavras de A.C.M., ao “segundo [lote de]uniforme” (fls. 62-5).Assim, no intuito de conferir lisura às aquisições realiza<strong>da</strong>s direta einformalmente, tem-se que A.X.O.T. simulou as propostas apresenta<strong>da</strong>spelas licitantes Armazém dos Uniformes e Arco Aventais, inclusive falsificandoas assinaturas dos representantes dessas empresas (cf. laudodocumentoscópico de fls. 29-49), os quais afirmaram que nunca participaramde qualquer procedimento licitatório envolvendo o Core.Demais disso, ao que consta, a pessoa jurídica Golden Office Comérciode Confecções (fl. 57), empresa vencedora <strong>da</strong> “Carta Convite nº 09/1999”(fl. 62), jamais existiu, tendo sido cria<strong>da</strong> para legitimar o pagamento dos23 uniformes a A.C.M., consoante se infere do cheque, no valor de R$1.656,00, nominal à empresa Golden, mas depositado na conta-correntede A.C.M. (fl. 408). Este, contudo, afirmou que nunca lhe man<strong>da</strong>ramcarta-convite para participar de licitação ou para comunicar que haviavencido o certame, “porque não houve licitação” (fl. 192).Em resumo, os procedimentos licitatórios 002/99 e 009/99 foramsimulados para chancelar o total de R$ 2.530,00, valor pago ao corréuA.C.M. em contraprestação aos uniformes por ele confeccionados, cujacompra se deu por contratação direta.Saliente-se, por oportuno, que conforme o depoimento <strong>da</strong> testemunha262R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Yed<strong>da</strong> Jane de Almei<strong>da</strong> Centena, funcionária do setor de reca<strong>da</strong>stramento<strong>da</strong>s Câmaras de Registro e Fiscalização do Core à época dos fatos, osuniformes eram de boa quali<strong>da</strong>de, tendo sido devi<strong>da</strong>mente utilizadospelos funcionários (fl. 808).Pois bem.O crime previsto no artigo 90 <strong>da</strong> Lei de Licitações assim dispõe:“Art. 90. Frustrar ou frau<strong>da</strong>r, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente,o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou paraoutrem, vantagem decorrente <strong>da</strong> adjudicação do objeto <strong>da</strong> licitação:Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.”Nas lições de Diógenes Gasparini (Crimes na Licitação. 2. ed. SãoPaulo: NDJ, 2001) e de André Guilherme Tavares de Freitas (Crimes naLei de licitações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007), o tipo incriminadorconstante no artigo 90 <strong>da</strong> Lei 8.666/93 tem como um dos verbos-núcleodo tipo o ato de “frau<strong>da</strong>r”, vale dizer: burlar, enganar, iludir o carátercompetitivo <strong>da</strong> licitação, de modo a “acarretar a ausência de concorrentes(licitação deserta) ou a pouca quanti<strong>da</strong>de destes, abrindo espaço, por conseguinte,à adjudicação direta do objeto ao único participante do certame”(TAVARES DE FREITAS, op. cit., p. 107-8). Ain<strong>da</strong>, para Marçal JustenFilho (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 13.ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 860), o “[...] frau<strong>da</strong>r envolve o ardilpelo qual o sujeito impede a eficácia <strong>da</strong> competição”.A competitivi<strong>da</strong>de, pois, é atributo essencial a todo e qualquer certamelicitatório. Por isso, uma vez maculado esse princípio – por forçado ato fraudulento –, não mais subsiste a licitação. Como anota JesséTorres Pereira Júnior (Comentários à lei <strong>da</strong>s licitações e contratações<strong>da</strong> administração pública. 6. ed. Rio de janeiro: Renovar, 2003. p. 843):“[...] Equivaleria a um ‘jogo de cartas marca<strong>da</strong>s’, cujo desfecho já estaria previamenteestabelecido em favor de um dos jogadores. Assim os demais licitantes estariam concorrendoapenas por concorrer (cientes ou não de tal circunstância), pois que o objeto do certame jáestará previamente adjudicado a um deles.”Por outro lado, na referência de Marcelo Leonardo (Crimes de responsabili<strong>da</strong>defiscal: crimes contra as finanças públicas; crimes nas licitações;crimes de responsabili<strong>da</strong>de de prefeitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2001),se a fraude ferir outro aspecto <strong>da</strong> licitação que não o caráter competitivo,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 263


poderá ocorrer outra infração, mas não a disposta no artigo 90.Feita essa análise, embora evidente a afronta aos princípios norteadores<strong>da</strong>s licitações em geral – em especial, os <strong>da</strong> impessoali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>morali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> probi<strong>da</strong>de administrativa (artigo 3º <strong>da</strong> Lei 8.666/93)–,tenho não restar caracterizado o crime de fraude à licitação na hipótese.Explico.Os valores despendidos com os uniformes totalizavam, à época, R$2.530,00, inserindo-se, pois, no disposto no artigo 24, II, <strong>da</strong> Lei 8.666/93,que autoriza a dispensa de licitação para serviços e compras de valor até10% (dez por cento) do limite previsto na alínea a, do inciso II do artigo23 <strong>da</strong> mesma Lei, percentual que representa o valor de R$ 8.000,00.Entretanto, a regra, na aquisição de bens e serviços, diz com o deverde a Administração realizar o procedimento licitatório cabível, <strong>da</strong><strong>da</strong> anecessi<strong>da</strong>de imperativa de se obter a proposta mais vantajosa para o entepúblico. Quer-se dizer, com isso, que “a Administração não está livrepara estabelecer quando um determinado caso concreto se enquadra nashipóteses de dispensa ou de inexigibili<strong>da</strong>de de licitação” (cf. Edgar HermelinoLeite Júnior. Dispensa e inexigibili<strong>da</strong>de de licitação, in Licitaçõese Contratos Administrativos. ARRUDA ALVIM, Eduardo; TAVOLARO,Luiz Antônio. (Coords.) Curitiba: Juruá, 2007. p. 267-249). Ou seja, nãobasta que o caso concreto esteja subsumido às hipóteses previstas noartigo 24 <strong>da</strong> Lei de Licitações, mas, senão, que também ocorra a conjunção“<strong>da</strong> comprova<strong>da</strong> conveniência administrativa com o comprovadointeresse público específico, na adoção de tal instrumento administrativo”(cf. Celso Antônio Bandeira de Mello. Revista de Direito Administrativo.Rio de Janeiro: Renovar, out./dez. 1995, v. 202, p. 366-7).Trata-se, portanto, de facul<strong>da</strong>de legal concedi<strong>da</strong> ao administrador, oqual, verificando a possibili<strong>da</strong>de de dispensa <strong>da</strong> licitação, deve adotar oprocedimento administrativo formal que conduza a tal declaração, para,somente após, realizar a contratação direta. Como assevera Marçal JustenFilho (op. cit., p. 228), “ausência de licitação não equivale a contrataçãoinformal, realiza<strong>da</strong> com quem a Administração bem entender, sem cautelasnem documentação”. E prossegue o doutrinador:“[...] a contratação direta exige um procedimento prévio, em que a observância de etapase formali<strong>da</strong>des é imprescindível. [...] Nas etapas internas iniciais, a ativi<strong>da</strong>de administrativaserá idêntica, seja ou não a futura contratação antecedi<strong>da</strong> de licitação. Em um momento264R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


inicial, a Administração verificará a existência de uma necessi<strong>da</strong>de a ser atendi<strong>da</strong>. Deverádiagnosticar o meio mais adequado para atender ao reclamo. Definirá um objeto a sercontratado, inclusive adotando providências acerca <strong>da</strong> elaboração de projetos, apuração<strong>da</strong> compatibili<strong>da</strong>de entre a contratação e as previsões orçamentárias. Tudo isso estará documentadoem procedimento administrativo, externando-se em documentação constantedos respectivos autos.A diferença residirá em que, no momento de definir as fórmulas para a contratação, aAdministração constatará a inaplicabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s regras acerca de licitação. Assim, em vezde elaborar o ato convocatório <strong>da</strong> licitação e instaurar fase externa apropria<strong>da</strong>, a ativi<strong>da</strong>deadministrativa interna desembocará na contratação direta. Ain<strong>da</strong> assim, não se admitirá quea Administração simplesmente contrate, sem observância de outras formali<strong>da</strong>des. Definidoo cabimento <strong>da</strong> contratação direta, a Administração deverá pesquisar a melhor solução,tendo em vista os princípios <strong>da</strong> isonomia e <strong>da</strong> supremacia e indisponibili<strong>da</strong>de dos valoresatribuídos à tutela estatal. [...].”Tais formali<strong>da</strong>des não foram realiza<strong>da</strong>s no caso dos autos, visto queo acusado A.C.M., após ser procurado por F.O. e por A.X.O.T., ambosintegrantes <strong>da</strong> diretoria executiva do Core, confeccionou, entregou erecebeu parte do pagamento dos uniformes, tudo informalmente. Frentea esse contexto, não tenho dúvi<strong>da</strong>s de que a serie<strong>da</strong>de imposta por Leiao gestor <strong>da</strong> coisa pública foi, sim, desrespeita<strong>da</strong>, de modo a acarretarconsequências capazes de refletir nas searas civil e/ou administrativa,mas não na esfera penal.É que, não obstante a contratação direta tenha se realizado de formairregular, o fato é que a adoção do procedimento licitatório não era indispensável,<strong>da</strong><strong>da</strong> a facul<strong>da</strong>de legal acerca do pequeno valor a ser contratado.Assim, embora em tese viável a competição entre os eventuais participantes,a realização <strong>da</strong> licitação, na espécie, afigurava-se “objetivamenteinconveniente com os valores norteadores <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de administrativa”(JUSTEN FILHO, op. cit., p. 233), não sendo, pois, imprescindível.Logo, em sendo possível prescindir <strong>da</strong> licitação, a simulação docertame com o fim precípuo de regularizar o processo de compra jáperfectibilizado não tem o condão de frustrar o caráter competitivo doinstituto. Note-se que a conduta típica prevista no artigo 90 <strong>da</strong> Lei deLicitações pressupõe a existência do processo licitatório, visando, assim,coibir a frustração ou fraude de seu caráter competitivo. Dessa forma, sea compra ou serviço já se perfectibilizou, o que vem depois na<strong>da</strong> mais éque a simulação de um procedimento que sequer era legalmente exigido,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 265


não o crime de fraude à licitação.De outra parte, para a caracterização delitiva deve restar demonstra<strong>da</strong>a vontade livre e consciente de frau<strong>da</strong>r o caráter competitivo do certamee, além disso, que o agir fraudulento se deu com o fim especial de obter,para si ou para outrem, qualquer vantagem – seja ela pecuniária, sejasocial, política etc. – decorrente <strong>da</strong> adjudicação do objeto <strong>da</strong> licitação(cf. TAVARES DE FREITAS, op. cit., p. 109).Na espécie, a simulação se deu no intuito de justificar, perante o <strong>Tribunal</strong>de Contas <strong>da</strong> União, os mais de R$ 2.500,00 pagos diretamenteao conselheiro do Core que confeccionou os uniformes, o que não podeser caracterizado como obtenção de vantagem. Tais valores, em ver<strong>da</strong>de,representam a contraprestação pelos serviços de confecção de uniformes,os quais foram efetivamente realizados e não pagos. O pagamento,portanto, era devido a A.C.M.Em outras palavras, não está configurado o dolo específico, consistentena vontade livre e consciente de frau<strong>da</strong>r o caráter competitivo deprocedimento licitatório com o fim precípuo de obter vantagem.De sorte que, não se evidenciando que a contratação direta, emborairregular, tenha conferido alguma vantagem aos agentes, não há falarem conduta típica.Ante o exposto, voto por <strong>da</strong>r provimento às apelações interpostas pelasdefesas de A.C.M. e A.X.O.T., para absolver os acusados <strong>da</strong> prática docrime previsto no artigo 90, <strong>da</strong> Lei 8.666/93, na forma do artigo 386,III, do CPP, prejudicado o exame do apelo ministerial.VOTO DIVERGENTEO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Márcio Antônio Rocha: Acompanho o votodo Exmo. Relator quanto ao afastamento <strong>da</strong>s preliminares argui<strong>da</strong>s.Afasto a alegação recursal pela aplicação do princípio <strong>da</strong> insignificância,porquanto se trata de delito praticado em detrimento <strong>da</strong> AdministraçãoPública, cujo valor não é irrisório (R$ 2.530,00 em 1999).No mérito, peço vênia para divergir, pois a dispensa <strong>da</strong> licitação, nocaso, não afasta o dever <strong>da</strong> Administração buscar o melhor fornecedor,por meio de carta-convite. Outrossim, o pagamento direto, anteriormenteefetuado, não pode ser visto como um “processo de compra jáperfectibilizado”, pois por compra pelo ente público deve-se interpretar266R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


a transferência lícita de bens pelo fornecedor ao ente público. No caso,a licitude dessa transferência somente viria com a formalização <strong>da</strong> carta--convite a mais de uma empresa, o que foi feito na sequência do itercriminis, mediante procedimento completamente viciado e, nota<strong>da</strong>mente,sem qualquer competição.Assim sendo, mantenho integralmente a sentença, pelos seus própriosfun<strong>da</strong>mentos.Ante o exposto, voto por negar provimento a ambas as apelações.HABEAS CORPUS Nº 5008493-77.2010.404.0000/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos LausImpetrante/Paciente: M.E.Advogado: Dr. Felipe Dreyer de Avila PozzebonImpetrado: Juízo Subs.1ª VF Criminal SFN de Porto AlegreMPF: Ministério Público <strong>Federal</strong>EMENTAProcessual Penal. Habeas Corpus. Notícia de crimes contra o sistemafinanceiro, ordem tributária e lavagem de dinheiro. Quebra de sigilobancário de contas manti<strong>da</strong>s no exterior. Formulário de “Solicitaçãode Assistência Judiciária em Matéria Penal”. Convenção de Palermo(artigo 18). Portaria Conjunta MJ nº 1, de 27.10.2005. Pretensão deque a referência à ocultação de capitais seja omiti<strong>da</strong> do pedido decooperação internacional. Plausibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> investigação em curso.Denegação <strong>da</strong> ordem.1. Conforme tantas vezes já decidiu esta Turma, é ve<strong>da</strong>do ao Judiciáriointerferir, direcionar ou limitar a atuação ministerial na formação desua opinio delicti. To<strong>da</strong>via, situações bem diferentes são aquelas que seR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 267


evelam quando o agir persecutório mostra-se destituído de um suporteindiciário mínimo, ou, se existente, pretextando um enquadramentodivorciado, absolutamente, <strong>da</strong>s evidências que orbitam o fato, em tese,criminoso, hipóteses não imunes ao controle do Estado-Juiz.2. No caso concreto, consoante se depreende dos documentos queaportaram à plataforma digital, bem assim <strong>da</strong> descrição dos fatos conti<strong>da</strong>no pedido de colaboração ao Principado de Liechtenstein, há plausibili<strong>da</strong>dena apuração <strong>da</strong> prática, em tese, do crime de lavagem de dinheiro,uma vez que se tem notícia de uma instituição financeira clandestinagerindo, em tempo pretérito, recursos de terceiros em larga escala, apartir de contas manti<strong>da</strong>s no exterior, e transferências desses mesmosativos, em momento posterior, para contas de titulari<strong>da</strong>de dos investigados,tudo sem conhecimento <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des brasileiras. Desse modo,como esta Corte vem reconhecendo, em regra, a existência de concursomaterial entre as condutas de evadir divisas (artigo 22, parágrafo único,segun<strong>da</strong> parte) e ocultar capitais (artigo 1º <strong>da</strong> Lei 9.613/98) – ACR2005.70.00.034205-1, 8ª Turma, Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz,D.E. 11.03.2010 e ACR 2003.72.00.010174-2, 7ª Turma, Relator paraacórdão Des. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves de Athayde, D.E. 18.06.2009 –não há qualquer excesso na alusão à investigação do delito em comento,e, no contraponto, justificativa para se omitir do pedido de cooperaçãointernacional a existência dessa suspeita.3. Ademais, como a efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> solicitação de cooperação depende,também em grande medi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> clareza com que exposto o pedido, a fimde que o Estado requerido possa compreender o que lhe foi deman<strong>da</strong>do,não há razão para acolher-se a pretendi<strong>da</strong> glosa ao quanto consignado norespectivo formulário, revelando-se contraproducente, porque prematuro,o debate sobre tipificação neste momento.4. Inexistem na re<strong>da</strong>ção do documento, afirmações que possam causarconstrangimento ao paciente ou que tragam informações inverídicassobre as diligências policiais em an<strong>da</strong>mento. A intenção é volta<strong>da</strong> aoestrito aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong>s investigações acerca <strong>da</strong>s noticia<strong>da</strong>s condutascriminosas que teriam sido desenvolvi<strong>da</strong>s por aquele. Não há imputaçãode crime, devendo ser mantidos os termos em que encaminha<strong>da</strong> a “Solicitaçãode Assistência Judiciária em Matéria Penal”.268R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 8a. Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, denegar a ordem, nos termos do relatório, votos e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 12 de janeiro de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos Laus, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos Laus: Trata-se dehabeas corpus, com pedido de provimento liminar, impetrado em favorde M.E., contra decisão do Juízo <strong>Federal</strong> Substituto <strong>da</strong> 1ª Vara <strong>Federal</strong>Criminal SFN de Porto Alegre/RS, que indeferiu o pedido de correçãono formulário de Assistência Judiciária em Matéria Penal dirigido àsautori<strong>da</strong>des do Principado de Liechtenstein.Asseverou o impetrante que o paciente está sendo investigado pelasuposta prática do crime do artigo 22, parágrafo único, <strong>da</strong> Lei 7.492/1986,razão pela qual a Polícia <strong>Federal</strong> representou pela expedição de formuláriode cooperação jurídica internacional ao Principado de Liechtensteina fim de que fosse decreta<strong>da</strong> a quebra de sigilo bancário e o sequestrode valores mantidos junto ao LGT Bank em Liechtenstein em nome dopaciente, relativamente à conta 0027.973.Aduziu que a autori<strong>da</strong>de coatora deferiu o pedido de quebra de sigilo,determinou a expedição de formulário de Assistência Judiciária emMatéria Penal e indeferiu o pleito de constrição do dinheiro depositadoem conta bancária no exterior.Referiu que, na sequência, o Ministério Público <strong>Federal</strong> encaminhou,através do Ofício Criminal/PR/RS/nº 3958/2010, a Solicitação deAssistência Judiciária em Matéria Penal ao Coordenador do Centro deCooperação Jurídica Internacional para que fosse realiza<strong>da</strong> a traduçãopara o idioma alemão e, após, os documentos fossem remetidos ao Departamentode Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional– DRCI, junto ao Ministério <strong>da</strong> Justiça do Brasil, para posterior remessaao Governo de Liechtenstein.Afirmou que, ao tomar conhecimento do pedido, a defesa do pacienteR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 269


equereu à autori<strong>da</strong>de coatora a correção dos termos em que redigidoo formulário para suprimir as menções à suposta prática do crime delavagem de dinheiro do referido texto, bem como o trecho “(...) garantindoefetivi<strong>da</strong>de a uma eventual condenação e assegurando ao erário apossibili<strong>da</strong>de de reparação dos <strong>da</strong>nos sofridos com a prática <strong>da</strong>s condutascriminosas” (evento 21 do processo originário – pedido de quebra desigilo de <strong>da</strong>dos e/ou telefônico 5006010-17.2010.7100).Disse que o juízo competente indeferiu o pleito, nos seguintes termos(evento 32 <strong>da</strong>queles autos virtuais):“M.E. requer a retificação <strong>da</strong> solicitação de Assistência Judiciária em Matéria Penal(e. 14) para suprimir a imputação quanto à prática do crime de Lavagem de Dinheiro, bemcomo retirar o seguinte trecho: ‘(...) garantindo efetivi<strong>da</strong>de a uma eventual condenação eassegurando ao erário a possibili<strong>da</strong>de de reparação dos <strong>da</strong>nos sofridos com a prática <strong>da</strong>scondutas criminosas’. Sustenta a inexistência de elementos probatórios mínimos que indiquema prática do crime de Lavagem de Dinheiro.O Ministério Público manifesta-se pelo indeferimento, por ora, do pedido, tendo emvista que referi<strong>da</strong> solicitação já foi envia<strong>da</strong> ao Governo de Liechtenstein. Acrescenta queapós análise <strong>da</strong> resposta, se for o caso, encaminhará solicitação complementar com asalterações necessárias. (e. 21)A suspeita acerca de eventual lavagem de dinheiro é fun<strong>da</strong><strong>da</strong>, sendo cabível o aprofun<strong>da</strong>mento<strong>da</strong> investigação por intermédio <strong>da</strong> quebra de sigilo <strong>da</strong> conta bancária no exterior.Ain<strong>da</strong> que até o momento não existam maiores elementos sobre tal crime, a manutençãode valores no exterior, sem declaração, é indicativa de que tais valores tenham origem nãodeclarável.Uma <strong>da</strong>s funções <strong>da</strong> investigação criminal é provar a própria existência do crime. Napresença de movimentações financeiras atípicas, a menção à possível lavagem de dinheirono formulário do pedido de assistência judiciária internacional não é de todo equivoca<strong>da</strong>- muito embora talvez fosse recomendável maior cautela quanto à informação transmiti<strong>da</strong>à autori<strong>da</strong>de estrangeira.Quanto ao trecho referente à garantia em caso de condenação, sua inclusão não trazmaiores consequências, visto que o sequestro foi indeferido.Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de correção <strong>da</strong> Solicitação de Assistência Judiciáriaem Matéria Penal.”Contra essa decisão, insurgiu-se o impetrante. Argumentou que opaciente não está sendo investigado pela suposta prática do crime delavagem de dinheiro, inexistindo nos autos indícios do delito. Sustentouque, mesmo se os valores mantidos no exterior fossem oriundos de crimecontra a ordem tributária, por não ser delito precedente para a lavagem de270R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


dinheiro, o investigado não estaria incurso nas sanções <strong>da</strong> Lei 9.613/1998.Acrescentou, também,“que a denúncia ofereci<strong>da</strong> nos autos <strong>da</strong> Ação Penal 2005.51.01.503145-3 (‘Operação N.’que deu origem à investigação contra o Paciente) contra C.P., C.M. e I.M.M.L. não imputa aprática de crime de lavagem de dinheiro. Ora, se os supostos mentores <strong>da</strong> dita ‘OrganizaçãoCriminosa’ não estão sendo acusados <strong>da</strong> prática do referido crime, não há que se falar emtal imputação aos supostos ‘clientes’ desse banco paralelo, no caso o Paciente.”Discorreu sobre os eventuais constrangimentos que informaçõesincorretas presta<strong>da</strong>s à autori<strong>da</strong>de estrangeira podem causar ao paciente.Requereu provimento liminar para que fosse expedido ofício à autori<strong>da</strong>dedo Principado de Liechtenstein, informando-lhe não existir indícioou prova na investigação no tocante ao delito de lavagem de dinheiro,bem como que os elementos colhidos no exterior não visam a garantir areparação dos <strong>da</strong>nos sofridos com a prática de eventual conduta criminosae que tais informações foram equivoca<strong>da</strong>mente menciona<strong>da</strong>s no formulárioanteriormente enviado. No mérito, postulou a confirmação <strong>da</strong> ordem.Indeferido o provimento cautelar (evento 05), sobrevieram informações<strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de dita coatora (evento 08).Ato contínuo, o órgão ministerial opinou pela denegação <strong>da</strong> ordem(evento 12).É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos Laus: A impetraçãoveicula pedido de correção dos termos em que redigido o formuláriode “Solicitação de Assistência Judiciária em Matéria Penal”, dirigidoàs autori<strong>da</strong>des do Principado de Liechtenstein, na forma do que prevêo artigo 18 <strong>da</strong> Convenção de Palermo, aprova<strong>da</strong> no Brasil pelo DecretoLegislativo 231, de 29.05.2003, e promulga<strong>da</strong> pelo Decreto 5.015, de12.03.2004, e segundo a disciplina operacional estabeleci<strong>da</strong> pela PortariaConjunta MJ nº 1, de 27.10.2005.Liminarmente, a matéria foi objeto do seguinte exame (evento 05):“Pelo que verifico <strong>da</strong> documentação acosta<strong>da</strong> na impetração, a Solicitação de AssistênciaJudiciária em Matéria Penal (evento 15 do processo originário – pedido de quebra de sigilode <strong>da</strong>dos e/ou telefônico 5006010-17.2010.7100) discorreu sobre as investigações realiza<strong>da</strong>spela Polícia <strong>Federal</strong> e solicitou informações referentes às contas bancárias manti<strong>da</strong>s porR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 271


M.E. e M.E. no LGT Bank em Liechtenstein.A propósito, transcrevo trechos do pedido (fls. 11-16 do ‘ANEXOSPET3’ do evento 01):‘6.) Sumário: Trata-se de pedido de Assistência Judiciária objetivando o acesso às informaçõesbancárias (tais como identificação dos titulares, cópia dos documentos utilizados paraa abertura <strong>da</strong>s contas, extratos, identificação dos depositantes/destinatários dos recursosdebitados/creditados) <strong>da</strong>s contas 0027.713 e 0027.973 do LGT Bank de Liechtenstein,relativamente a M.E. e M.E.Os irmãos E. são investigados nos autos do inquérito policial nº 2009.71.00.028878-7pelos crimes de internalização irregular de valores no território nacional e evasão de divisas(arts. 21, parágrafo único, e 22, parágrafo único, <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86), lavagem de dinheiro(art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 9.613/98) e contra a ordem tributária (art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 8.137/90), tendo osigilo de <strong>da</strong>dos bancários – em relação às contas 0027.713 e 0027.973 do LGT Bank emLiechtenstein – sido afastado no procedimento nº 5006010-17.2010.404.7100/RS, por decisãoproferi<strong>da</strong> em 13.05.2010 (evento 7) pelo Juízo <strong>da</strong> 1ª Vara <strong>Federal</strong> Criminal de PortoAlegre, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.As informações requeri<strong>da</strong>s visam a comprovar os indícios de autoria e materiali<strong>da</strong>dedos crimes investigados no inquérito policial nº 2009.71.00.028878-7, bem como subsidiara instauração <strong>da</strong> ação penal cabível, garantindo efetivi<strong>da</strong>de a uma eventual condenaçãoe assegurando ao erário a possibili<strong>da</strong>de de reparação dos <strong>da</strong>nos sofridos com a prática<strong>da</strong>s condutas criminosas.7.) Fatos: Os fatos que fun<strong>da</strong>mentam o presente pedido de Assistência Judiciária sãodecorrência dos <strong>da</strong>dos colhidos nos autos do Inquérito Policial nº 2009.71.00.028878-7 edo Processo nº 2007.51.01.809024-6.A polícia federal do Rio de Janeiro deflagrou, nos autos do processo nº 2007.51.01.809024-6, a denomina<strong>da</strong> Operação N., que desarticulou estrutura monta<strong>da</strong> por N.M. e C.P. para aprática de crimes contra o sistema financeiro nacional. Cumpre anotar que, além do casal(os mentores <strong>da</strong> quadrilha), o esquema delituoso contava, ain<strong>da</strong>, com a participação <strong>da</strong>sfilhas de N.: C.M. e I.M.M.L.O referido grupo atuava como ver<strong>da</strong>deira instituição financeira clandestina, gerindorecursos de terceiros em larga escala e desenvolvendo ativi<strong>da</strong>des de captação, intermediaçãoe aplicação de divisas pertencentes a seus clientes a partir de contas manti<strong>da</strong>s no exterior,nota<strong>da</strong>mente no LGT Bank em Liechtenstein e no UBS Bank <strong>da</strong> Suíça. Embora o esquematenha sido arquitetado com o know how de N.M., suíço e ex-funcionário do banco UBS Bank,sua companheira C.P. passou à frente do mesmo nos últimos anos, em razão <strong>da</strong> avança<strong>da</strong>i<strong>da</strong>de e dos problemas de saúde enfrentados por N.O esquema era típico de uma instituição financeira, sendo que o grupo funcionava comouma espécie de central bancária paralela, realizando operações para seus clientes (constituídosmajoritariamente de pessoas físicas residentes no Brasil), tais como de abertura,controle e movimentação de contas, transferência de valores entre contas, câmbio de moe<strong>da</strong>s,aplicação de investimentos, entrega de numerários e solicitação de serviços bancários(como pedido de cartões de crédito, por exemplo).A partir de medi<strong>da</strong>s cautelares de monitoramento telefônico e telemático (procedimento272R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


nº 2005.51.01.503175-1) e de busca e apreensão (procedimento nº 2006.51.01.538314-3),foi possível identificar com precisão e segurança a carteira de clientes do banco informal,instaurando-se, dessa forma, inquéritos policiais individualizados para apuração dos delitoseventualmente perpetrados por esses clientes. Nesse sentido é que foram inauguradosapuratórios em relação às seguintes pessoas: M.F., M.E., M.E., S.E., S.C.B. e N.N.F.N.S.E. era a responsável pela M.F., que mantinha a conta 172.619 no LGT Bank de Liechtenstein.Após o falecimento de S.E., M.E. e M.E., dizendo-se beneficiários <strong>da</strong> referi<strong>da</strong>pessoa jurídica, ordenaram ao banco paralelo que transferissem valores <strong>da</strong> conta <strong>da</strong> M.F.para contas pessoais suas – contas 0027.713 (em nome de Marcelo) e 0027.0973 (em nomede M.E.) –, também manti<strong>da</strong>s no banco LGT Bank de Liechtenstein. Consta nos autos, ain<strong>da</strong>a informação de que M.E. se utilizaria dos serviços <strong>da</strong> instituição financeira marginal pararealizar resgates de valores.Conforme informação presta<strong>da</strong> pelo Banco Central do Brasil e pela Receita <strong>Federal</strong> doBrasil, M.E. e M.E. não possuem declaração de bens, valores ou contas bancárias no estrangeiro,fortalecendo, dessa forma, os indícios de que os depósitos mantidos pelos investigadosjunto ao LGT Bank de Liechtenstein eram clandestinos em relação às autori<strong>da</strong>des brasileiras.Assim, consoante exposto, as informações e documentos que se pretendem alcançar comeste pedido de Assistência Judiciária constituem-se em prova <strong>da</strong> materiali<strong>da</strong>de dos delitosimputados a M.E. e M.E., investigados nos autos do inquérito policial nº 2009.71.00.028878-7, uma vez que são hábeis para comprovar a prática dos crimes contra a ordem tributária,contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de capitais provenientes <strong>da</strong> prática deilícitos.’ (grifei)A decisão vergasta<strong>da</strong>, anteriormente transcrita na íntegra, pronunciou-se no sentido deindeferir o pedido <strong>da</strong> defesa de retificação <strong>da</strong> solicitação de cooperação jurídica internacional,tendo em conta que‘a suspeita acerca de eventual lavagem de dinheiro é fun<strong>da</strong><strong>da</strong>, sendo cabível o aprofun<strong>da</strong>mento<strong>da</strong> investigação por intermédio <strong>da</strong> quebra de sigilo <strong>da</strong> conta bancária no exterior.Ain<strong>da</strong> que até o momento não existam maiores elementos sobre tal crime, a manutençãode valores no exterior, sem declaração, é indicativa de que tais valores tenham origem nãodeclarável. Uma <strong>da</strong>s funções <strong>da</strong> investigação criminal é provar a própria existência docrime. Na presença de movimentações financeiras atípicas, a menção à possível lavagemde dinheiro no formulário do pedido de assistência judiciária internacional não é de todoequivoca<strong>da</strong> - muito embora talvez fosse recomendável maior cautela quanto à informaçãotransmiti<strong>da</strong> à autori<strong>da</strong>de estrangeira. Quanto ao trecho referente à garantia em caso de condenação,sua inclusão não traz maiores consequências, visto que o sequestro foi indeferido.’Nesses termos e pelos elementos constantes nos autos – tendo em vista que não vieram aofeito cópias de peças do inquérito policial 2009.71.00.028878-7 – não vejo, em princípio, nare<strong>da</strong>ção do documento – Solicitação de Assistência Judiciária em Matéria Penal – afirmaçõesque possam causar o alegado constrangimento ou que tragam informações inverídicas sobreas diligências policiais em an<strong>da</strong>mento. Pelo contrário, <strong>da</strong> leitura <strong>da</strong> solicitação, extraio aintenção volta<strong>da</strong> ao estrito aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong>s investigações acerca <strong>da</strong>s supostas condutascriminosas que teriam sido desenvolvi<strong>da</strong>s pelo paciente e seu irmão. Não há, em momentoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 273


algum, a imputação de crime aos mesmos, mas menções às investigações que estão sendorealiza<strong>da</strong>s na esfera extrajudicial.Referentemente ao trecho que se remete à garantia <strong>da</strong> efetivi<strong>da</strong>de em eventual condenação,ficou o mesmo prejudicado no momento em que houve o indeferimento do sequestrode valores, de modo que, na linha do pronunciamento judicial primevo, não é possívelextrair alguma mácula a ensejar a necessária supressão e/ou alteração dos termos lançadosno petitório.Assim, ao menos nesse exame prefacial, não visualizo concreto motivo a respal<strong>da</strong>r atutela urgencial requesta<strong>da</strong>.Pelo exposto, indefiro a liminar.”Não vejo motivo para alterar essa compreensão.Com efeito, conforme tantas vezes já decidiu esta Turma, é ve<strong>da</strong>doao Judiciário interferir, direcionar ou limitar a atuação ministerial naformação de sua opinio delicti.To<strong>da</strong>via, situações bem diferentes são aquelas que se revelam quandoo agir persecutório mostra-se destituído de um suporte indiciário mínimo,ou, se existente, pretextando um enquadramento divorciado, absolutamente,<strong>da</strong>s evidências que orbitam o fato, em tese, criminoso, hipótesesnão imunes ao controle do Estado-Juiz.No entanto, consoante se depreende dos documentos que aportaram àplataforma digital, bem assim <strong>da</strong> descrição dos fatos conti<strong>da</strong> no pedidode colaboração ao Principado de Liechtenstein, há plausibili<strong>da</strong>de naapuração <strong>da</strong> prática, em tese, do crime de lavagem de dinheiro, uma vezque se tem notícia de uma instituição financeira clandestina gerindo, emtempo pretérito, recursos de terceiros em larga escala, a partir de contasmanti<strong>da</strong>s no exterior, e transferências desses mesmos ativos, em momentoposterior, para contas de titulari<strong>da</strong>de dos investigados, tudo semconhecimento <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des brasileiras. Desse modo, como esta Cortevem reconhecendo, em regra, a existência de concurso material entre ascondutas de evadir divisas (artigo 22, parágrafo único, segun<strong>da</strong> parte) eocultar capitais (artigo 1º <strong>da</strong> Lei 9.613/98) – ACR 2005.70.00.034205-1, 8ª Turma, Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz, D.E. 11-3-2010 eACR 2003.72.00.010174-2, 7ª Turma, Relator para acórdão Des. <strong>Federal</strong>Amaury Chaves de Athayde, D.E. 18.06.2009 – não há qualquer excessona alusão à investigação do delito em comento, e, no contraponto, justificativapara se omitir do pedido de cooperação internacional a existênciadessa suspeita.274R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Não conspira contra tal raciocínio a existência de denúncia ofereci<strong>da</strong>em desfavor de membros de suposto grupo criminoso, na qual a acusaçãoversou sobre tipo penal gizado pela Lei 7.492/86, haja vista que o próprioautor do libelo esclareceu que o fato delituoso deixou de ser investigadomais profun<strong>da</strong>mente, em face de dificul<strong>da</strong>des na obtenção <strong>da</strong>s provas.Ademais, como a efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> solicitação de cooperação depende,também em grande medi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> clareza com que exposto o pedido, a fimde que o Estado requerido possa compreender o que lhe foi deman<strong>da</strong>do,não há razão para acolher-se a pretendi<strong>da</strong> glosa ao quanto consignado norespectivo formulário, revelando-se contraproducente, porque prematuro,o debate sobre tipificação neste momento.Consigne-se, finalmente, que inexistem na re<strong>da</strong>ção do documento,afirmações que possam causar constrangimento ao paciente ou que tragaminformações inverídicas sobre as diligências policiais em an<strong>da</strong>mento. Aintenção é volta<strong>da</strong> ao estrito aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong>s investigações acerca<strong>da</strong>s noticia<strong>da</strong>s condutas criminosas que teriam sido desenvolvi<strong>da</strong>s poraquele. Não há imputação de crime, devendo ser mantidos os termos emque encaminha<strong>da</strong> a “Solicitação de Assistência Judiciária em MatériaPenal”.Pelo exposto, nos termos do provimento liminar, voto no sentido dedenegar a ordem.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 275


DIREITO PREVIDENCIÁRIO


APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000343-48.2009.404.7205/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto SilveiraApelante: Joana Bairros de BorbaAdvogado: Dr. André Luiz PintoApelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>Apelado: Município de BlumenauAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Marli Zieker BentoEMENTAConstitucional, Previdenciário e Processual Civil. Reenquadramentode servidor celetista admitido sem concurso público como integrante doregime estatutário de município. Inconstitucionali<strong>da</strong>de declara<strong>da</strong> pelo<strong>Tribunal</strong> de Justiça Estadual. Pedido de pensão pelo regime estatutário,pelo qual já estava aposentado o instituidor. Ato inexistente. Impossibili<strong>da</strong>dede produção de efeitos válidos.1. Os dispositivos <strong>da</strong>s Leis Complementares n os 01 e 02/90 do Municípiode Blumenau/SC que reenquadravam servidores celetistas admitidossem concurso público como integrantes do regime estatutário efetivoforam julgados inconstitucionais pelo <strong>Tribunal</strong> de Justiça Estadual e,por isso, mesmo que o servidor já estivesse “aposentado” por aqueleregime, a correspondente pensão está vincula<strong>da</strong> ao Regime Geral <strong>da</strong>Previdência Social.2. A declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de caracteriza o respectivo atoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 279


como inexistente e, logo, incapaz de produzir efeitos válidos, tornandodescabi<strong>da</strong> a perquirição de boa ou má-fé, preclusão ou decadência.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 6ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório,votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante dopresente julgado.Porto Alegre, 04 de maio de 2011.Des. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto Silveira, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto Silveira: Joana Bairrosde Borba ajuizou ação contra o INSS – Instituto Nacional do SeguroSocial – e o Município de Blumenau/SC, pretendendo a concessão depensão por morte de seu falecido cônjuge.Subsidiariamente, postulou a condenação do INSS a retificar o cálculo<strong>da</strong> RMI <strong>da</strong> pensão por morte, na forma do art. 75 <strong>da</strong> Lei 8.213/91.Asseverou que seu falecido esposo ingressou no serviço públicomunicipal em 13.04.1981, pelo regime celetista; que, posteriormente,em 14.12.93, foi-lhe concedido o benefício por tempo de contribuiçãointegral, pelo regime estatutário municipal.Referiu que o <strong>Tribunal</strong> de Contas Estadual concluiu pela legali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> concessão do benefício; que foi indevido o indeferimento <strong>da</strong> pensão,requeri<strong>da</strong> por ocasião do falecimento, em 28.10.2008. Postulou que oINSS restitua ao Município de Blumenau/SC as contribuições previdenciáriasde seu finado esposo.O MM. Juízo, sentenciando, reconheceu, preliminarmente, a ilegitimi<strong>da</strong>depassiva do INSS em relação ao pedido de restituição ao Municípiode contribuições previdenciárias e, no mérito, julgou improcedentes ospedidos de pensão por morte pelo regime estatutário (com proventosequivalentes ao que o falecido recebia em vi<strong>da</strong> como aposentado), assimcomo a retificação do cálculo <strong>da</strong> RMI <strong>da</strong> pensão deferi<strong>da</strong> à autora.Condenou, ain<strong>da</strong>, a autora ao pagamento de honorários advocatíciosde 10% do valor <strong>da</strong> causa, observa<strong>da</strong> a concessão de AJG. Custas “na280R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


forma <strong>da</strong> lei”.Inconforma<strong>da</strong>, a autora interpôs recurso de apelação. Afirma, preliminarmente,que incide a decadência quinquenal (Lei nº 9.784/99, art.54) do direito <strong>da</strong> Administração Municipal rever o ato concessório <strong>da</strong>aposentadoria do de cujus e que não atua em contrário a suscita<strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> lei local. No mérito, pugna pelo acolhimento dopedido subsidiário e por assim fazer a pensão corresponder a 100% <strong>da</strong>aposentadoria por invalidez percebi<strong>da</strong> pelo falecido. Cita precedentes.Apresenta<strong>da</strong>s contrarrazões unicamente pelo INSS, o qual reafirma suailegitimi<strong>da</strong>de passiva em relação a um dos pedidos e a inaplicabili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> Lei nº 9.784/99 ao Município deman<strong>da</strong>do. Na eventuali<strong>da</strong>de de vir aser acolhi<strong>da</strong> a inicial, pede que sejam descontados os valores percebidosa título de pensão pelo regime geral, bem como, em relação ao pedidosubsidiário, que seja reconheci<strong>da</strong> a falta de interesse de agir <strong>da</strong> autorapor inexistência de prévio requerimento administrativo.O parecer do Ministério Público <strong>Federal</strong> é pelo desprovimento dorecurso.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto Silveira: Preliminarmente,observo que as questões relativas à compensação entre os diversosregimes previdenciários, decadência e mesmo ao prévio requerimentoadministrativo confundem-se com o próprio mérito <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> e comele serão analisa<strong>da</strong>s.Assim fixado, prossigo.O instituidor <strong>da</strong> pensão foi contratado pelo regime celetista, semconcurso público, pelo Município de Blumenau/SC (fls. 34 a 47), vindoa ser enquadrado como estatutário com base nas respectivas Leis Complementaresde n os 01 e 02, ambas de 1990, a partir de 01.10.90, sendoaposentado sob igual regime em 14.12.1993 (fl. 305). O óbito ocorreuem 15.10.2008 (fls. 24) e a autora obteve benefício de pensão por mortepelo Regime Geral.No que interessa, dispunha a Lei Complementar nº 01/1990:“Art. 271. Os empregos e/ou funções públicas ocupados pelos servidores incluídos noregime jurídico único ora instituído ficam transformados em cargos, na <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> vigênciaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 281


desta lei.§ 1º A transformação de que trata o caput deste artigo, nos órgãos do Poder Executivo,<strong>da</strong>r-se-á pelo enquadramento automático dos servidores celetistas, observa<strong>da</strong> a equivalênciae atribuições dos cargos integrantes do Plano de Carreira.§ 2º Os Quadros de Pessoal <strong>da</strong>s Autarquias e Fun<strong>da</strong>ções Públicas instituí<strong>da</strong>s e manti<strong>da</strong>spelo Município, cujos empregos e/ou funções são transformados em cargos, permanecerãoestruturados na forma vigente, até a adoção de Plano de Carreira próprios.(...)Art. 273. Os servidores públicos municipais abrangidos pelo enquadramento automáticopassarão a ocupar os cargos instituídos no Plano de Carreira, mediante transposição ereenquadramento, desde que:(...)II – possuam a devi<strong>da</strong> capacitação profissional, na forma do Manual de Ocupações.§ 1º Para efeitos de transposição e reenquadramento do Plano de Carreira, considerar--se-á o tempo de serviço no Município, suas Autarquias e Fun<strong>da</strong>ções Públicas instituí<strong>da</strong>se manti<strong>da</strong>s, ininterrupto ou não.”Assim também a Lei Complementar 02/1990:“Art. 7º O parágrafo 1º do artigo 217 <strong>da</strong> Lei Complementar nº 1, que instituiu o RegimeJurídico Único no Município, passa a vigorar com a seguinte re<strong>da</strong>ção:§ 1º A transformação de que trata o caput deste artigo, nos órgãos do Poder Executivo,<strong>da</strong>r-se-á pelo enquadramento automático dos servidores celetistas.Art. 8º Para o servidor público municipal não alcançado pelo disposto no artigo 19 doAto <strong>da</strong>s Disposições Constitucionais Transitórias, a contagem do tempo de serviço paraefeitos de declamação <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de terá início com seu reenquadramento.”Ocorre que tais dispositivos foram julgados inconstitucionais, emconformi<strong>da</strong>de com a seguinte ementa:“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS COMPLEMENTARES01/90 E 02/90, DO MUNICÍPIO DE BLUMENAU. REGIME ÚNICO. INDECLINABI-LIDADE DO CONCURSO.Os artigos 271, §§ 1° e 2°, e 273, II e § 1°, <strong>da</strong> LC nº 1/90 – que instituiu o regime único– e os artigos 7° e 8°, <strong>da</strong> LC nº 2/90, do Município de Blumenau, criaram mecanismosde integração de servidores celetistas ao quadro de pessoal <strong>da</strong>quela uni<strong>da</strong>de, ao arrepio <strong>da</strong>exigência de concurso público, padecendo do vício de inconstitucionali<strong>da</strong>de, à luz do art.21, I, <strong>da</strong> CE e do art. 37, II, <strong>da</strong> CF.EFETIVIDADE E ESTABILIDADE.Estabili<strong>da</strong>de é no serviço público; efetivi<strong>da</strong>de diz respeito ao cargo público, sendo, assim,institutos inconfundíveis.” (ADIn nº 107, TJSC, Pleno, Rel. Wilson Eder Graf, j. 20.09.95)Por isso, com acerto, considerou a v. sentença que se configura a282R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


inexistência do direito que fun<strong>da</strong>menta o pedido – é dizer, do próprioato de reenquadramento do servidor <strong>da</strong> Prefeitura –, certo que de ato inconstitucionalnão se admite produção de efeitos. Logo, não se perquire<strong>da</strong> aplicação dos institutos <strong>da</strong> boa ou má-fé, <strong>da</strong> preclusão, <strong>da</strong> decadência.Nem há falar, com proprie<strong>da</strong>de, em “anulação do ato administrativo”: oato é inexistente. Tampouco atua em sentido contrário, por consequência,a homologação do ato de alteração de regime pelo respectivo <strong>Tribunal</strong> deContas estadual, em 2001, tanto mais porque a correspondente declaraçãode inconstitucionali<strong>da</strong>de lhe é antecedente.Como tinha antecipado e agora se vê, o exame <strong>da</strong> matéria sob tal perspectivatorna prejudicado o exame <strong>da</strong>s questões relativas à compensaçãoentre os diversos regimes previdenciários e à decadência.Observo, por oportuno, que já foi decidido pelo Egrégio STF (ADI–MC 2311/MS) que a mera instituição do regime previdenciário própriocom a criação de benefícios pelo ente público municipal não tem o condãode desonerá-lo de recolhimento de contribuições previdenciárias ao RGPSse não há disposição legal de forma de custeio dos benefícios criados.Ou seja, não basta a legislação dispor sobre os benefícios previdenciários,é necessário que seja regulamentado o custeio do novo regime,sob pena do servidor permanecer vinculado ao INSS. Nesta hipótese, oréu seria considerado servidor do regime geral e a aposentadoria seriadevi<strong>da</strong> uma vez que eventual não recolhimento <strong>da</strong>s contribuições seriade responsabili<strong>da</strong>de do município empregador.Sobre o tema, a Corte Constitucional firmou convicção de que a Leinº 9.717/98 – que dispôs sobre regras gerais para a organização e o funcionamentodos regimes próprios de previdência social dos servidorespúblicos <strong>da</strong> União, dos Estados, do Distrito <strong>Federal</strong> e dos Municípios,dos militares dos Estados e do Distrito <strong>Federal</strong> –, em seu art. 5º, estabeleceu,dentre outras regras, que os regimes próprios de previdênciasocial dos servidores públicos não poderão conceder benefícios distintosdos previstos no Regime Geral de Previdência Social, de que trata a Lei8.213/91, e que qualquer extensão dos benefícios já existentes não poderáser feita sem que exista previsão de correspondente fonte de custeio.Nessa linha de raciocínio, o STF entendeu que “a competência concorrentedos Estados e Municípios em matéria previdenciária não autorizase desaten<strong>da</strong>m os fun<strong>da</strong>mentos básicos do sistema previdenciário, deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 283


origem constitucional”, dentre os quais destaca-se o § 5º do art. 195 <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong>:“§ 5º – Nenhum benefício ou serviço de seguri<strong>da</strong>de social poderá ser criado, majoradoou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.”Por outro lado, especificamente em relação à compensação financeiraentre regimes previdenciários diversos, impende acrescer que há previsãoconstitucional no sentido (CF/88, art. 202, § 2º); também, que somentedela se cui<strong>da</strong>ria na eventuali<strong>da</strong>de de acolhimento do correspondentepedido; que independente de intervenção judicial; e, ain<strong>da</strong>, que, mesmonão sendo promovi<strong>da</strong> pelo Município, inexistiria prejuízo à eventualacolhi<strong>da</strong> do pedido <strong>da</strong> promovente.No que diz com o pedido de reajuste do benefício percebido peloRegime Geral, o mesmo não tem o seu conhecimento impedido por ausênciade prévio requerimento administrativo, pois figura apenas comopedido subsidiário do principal nesta ação.Entretanto, não cabe ser acolhido porque está escorado exclusivamentena previsão genérica do artigo 75 <strong>da</strong> Lei 8.213/91 e na circunstânciade haver diferença entre o valor do benefício que recebe a promovente(RMI de R$ 519,00, em outubro de 2008, fl. 18) e o que era auferido pelofalecido a título de aposentadoria (R$ 1.244,91, em igual <strong>da</strong>ta, fl. 13).Não bastasse, trata-se de regimes previdenciários distintos, comovisto antes, com normas e procedimentos diversos, sendo enquadradoso instituidor e sua pensionista no Regime Geral.Valem ain<strong>da</strong> as seguintes considerações <strong>da</strong> v. sentença :“(...)Observa-se que, em conformi<strong>da</strong>de com o artigo 201 <strong>da</strong> CRFB, os benefícios concedidosno RGPS devem observar, além <strong>da</strong> filiação obrigatória, o caráter contributivo e o equilíbriofinanceiro e atuarial.Diante disso, verifica-se que a apuração do benefício de pensão por morte concedido àautora observou necessariamente a integrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s contribuições previdenciárias efetua<strong>da</strong>spelo de cujus (contratos de trabalho consigna<strong>da</strong>s nas CTPS de fls. 34-47); e que certamentedifeririam do benefício idêntico, concedido pelo regime estatutário municipal.”Em igual sentido:“PENSÃO POR MORTE. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL.REGIME JURÍDICO ÚNICO. QUALIDADE DE SEGURADO. REGIME GERAL DE284R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


PREVIDÊNCIA SOCIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.1. Declara<strong>da</strong> a inconstitucionali<strong>da</strong>de de lei municipal que havia enquadrado o falecido,funcionário não concursado e contratado sob regime celetista, no regime jurídico único<strong>da</strong> Prefeitura Municipal de Blumenau, manteve-se a vinculação do trabalhador ao regimegeral de Previdência Social.2. É devi<strong>da</strong> a pensão por morte à viúva do trabalhador que, por manter a quali<strong>da</strong>de desegurado do Regime Geral de Previdência Social, tinha direito à concessão de aposentadoriapor invalidez.” (APELREEX nº 2003.72.05.004106-6, Rel. Rômulo Pizzolatti, 5ª Turma,DJU 24.11.08)“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. ADIN. INCONSTITUCIONALIDADE DEARTIGOS DE LEI MUNICIPAL. REGIME JURÍDICO ÚNICO. ENQUADRAMENTOAUTOMÁTICO DE CELETISTA AO REGIME ESTATUTÁRIO. LEGITIMIDADE PAS-SIVA DO INSS. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORATIVATOTAL E PERMANENTE.1. Restando declara<strong>da</strong> a inconstitucionali<strong>da</strong>de dos artigos <strong>da</strong> Lei Municipal que enquadramos servidores dos órgãos do Poder Executivo automaticamente no regime jurídicoúnico, o deman<strong>da</strong>nte continua vinculado ao Regime Geral <strong>da</strong> Previdência Social, sendoo INSS parte legítima na deman<strong>da</strong>. 2. Comprovado pela perícia oficial, em cotejo com orestante conjunto probatório, que o segurado padece de moléstia, que o incapacita total epermanentemente para o exercício de qualquer ativi<strong>da</strong>de laborativa, é de ser manti<strong>da</strong> a decisãoque determinou a outorga de aposentadoria por invalidez.” (AC nº 2001.04.01.025480-1,Rel. Ta<strong>da</strong>aqui Hirose, 6ª Turma, DJU 03.10.01)É caso, pois, de se manter a v. sentença de improcedência.Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso.APELAÇÃO CÍVEL Nº 0027542-06.2008.404.7100/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Celso KipperApelante: Nicolau Borges Lutz NettoAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Elisandra BarrosApelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> PFE–INSSR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 285


EMENTAPrevidenciário. Indícios de irregulari<strong>da</strong>de ou fraude na concessãodo benefício. Suspensão. Devido processo legal. Contraditório. Ampladefesa. Observância. Esgotamento <strong>da</strong> via administrativa. Desnecessi<strong>da</strong>de.Recurso administrativo. Efeitos. Art. 308 do Decreto nº 3.048/99.Inaplicabili<strong>da</strong>de. Lei nº 9.784/99. Aplicação subsidiária.1. Dispõe a legislação previdenciária (Lei nº 8.212/91, art. 69; Leinº 10.666/03, art. 11; Decreto nº 3.048/99, art. 179) que a suspensão eo cancelamento de benefício previdenciário, em havendo indícios deirregulari<strong>da</strong>de na sua concessão, deverá ser precedi<strong>da</strong> de notificação dobeneficiário para apresentar defesa.2. Jurisprudência consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> no âmbito do Superior <strong>Tribunal</strong> deJustiça (v.g. REsp. nº 737815/DF DJ de 17.10.2005; RMS nº 20577/RO, DJ de 07.05.2007; REsp nº 709516/RJ, DJ de 27.06.2005; REsp nº591660/RJ, DJ de 13.09.2004; REsp. nº 514251/RJ , DJ de 27.03.2006e REsp. 509340/RJ, DJ de 22.09.2003) no sentido de que a invali<strong>da</strong>çãode ato administrativo classificado como ampliativo de direitos dependede processo administrativo prévio, com observância dos princípios docontraditório e <strong>da</strong> ampla defesa.3. O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, a quem incumbe a guar<strong>da</strong> <strong>da</strong> Constituição(art. 102, caput), tem proclamado a essenciali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> observânciairrestrita do princípio do contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa, não só no planojurisdicional, mas também nos procedimentos administrativos em geral,nota<strong>da</strong>mente nas hipóteses em que o ato administrativo repercute no campode interesses individuais (v.g. RE nº 158.543-9/RS, DJ de 06.10.1995;AI-AgR nº 241.201/SC, DJ de 20.09.2002; AI-AgR nº 501.805/PI, DJede 23.05.2008; RE-AgR nº 425.406/RN, DJe de 11.10.2007).4. A Lei nº 9.784, de 29.01.1999, que regula o processo administrativono âmbito <strong>da</strong> Administração Pública <strong>Federal</strong>, aplica-se de formasubsidiária aos processos administrativos específicos.5. No âmbito previdenciário, <strong>da</strong>s decisões do INSS nos processosadministrativos de interesse dos beneficiários e dos contribuintes <strong>da</strong>Seguri<strong>da</strong>de Social cabe recurso para o Conselho de Recursos <strong>da</strong> PrevidênciaSocial, conforme dispuser o Regulamento (art. 126 <strong>da</strong> Lei nº8.213/91, na re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997), que prevê286R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


o recebimento no duplo efeito dos recursos tempestivos contra decisões<strong>da</strong>s Juntas de Recursos do Conselho de Recursos <strong>da</strong> Previdência Social,apenas, inexistindo previsão de recebimento no efeito suspensivo dosrecursos interpostos de decisões monocráticas proferi<strong>da</strong>s nos procedimentosadministrativos que repercutam no âmbito dos interesses individuaisdos segurados.6. Inexistindo previsão na lei específica acerca do tema, incide o dispostono art. 61 <strong>da</strong> Lei nº 9.784/99 – de aplicação subsidiária –, segundoo qual, salvo disposição legal em contrário, o recurso administrativo nãotem efeito suspensivo. Precedentes do STF, do STJ e desta Corte.7. A suspensão do benefício anteriormente ao esgotamento <strong>da</strong> via administrativanão malfere os princípios constitucionais do devido processolegal, do contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa.8. No caso concreto, tem-se hipótese em que, de um lado, a lei específicanão prevê a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e, de outro,há disposição expressa, <strong>da</strong> legislação aplicável de forma subsidiária, nosentido de que, inexistindo expressa disposição legal em contrário – e,no caso, inexiste –, o recurso não tem efeito suspensivo.9. Ademais, o Impetrante não logrou demonstrar documentalmenteo efetivo exercício de ativi<strong>da</strong>des urbanas no período impugnado pelaAutarquia Previdenciária, cuja análise definitiva <strong>da</strong> questão deman<strong>da</strong>dilação probatória, para a qual a via do man<strong>da</strong>do de segurança não é aadequa<strong>da</strong>.10. Indemonstra<strong>da</strong> qualquer ilegali<strong>da</strong>de no ato administrativo impugnado,nega-se provimento ao apelo, mantendo-se a sentença quedenegou a segurança.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 6ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório,votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.Porto Alegre, 15 de dezembro de 2010.Des. <strong>Federal</strong> Celso Kipper, Relator.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 287


RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Celso Kipper: Nicolau Borges Lutz Netto,nascido em 02.01.1950, impetrou man<strong>da</strong>do de segurança, com pedidode medi<strong>da</strong> liminar, objetivando o restabelecimento de sua aposentadoriapor tempo de contribuição, por força do efeito suspensivo do recursoadministrativo que interpôs contra a decisão de cancelamento de seubenefício.A apreciação <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> liminar foi posterga<strong>da</strong> para o momento posteriorà prestação <strong>da</strong>s informações.O Gerente Executivo do INSS em Porto Alegre sustentou a legali<strong>da</strong>dedo ato administrativo de suspensão do benefício do impetrante.Às fls. 456-457, foi indeferido o pedido de medi<strong>da</strong> liminar, decisãocontra a qual foi interposto agravo de instrumento, que restou provido(AI nº 2008.04.00.044851-4/RS, rel. Juiz <strong>Federal</strong> Sebastião Ogê Muniz,6ª Turma, unânime, julgado em 04.03.2009), ao argumento de que seaplicaria ao caso o disposto no art. 308 do Decreto nº 3.048/99.O Ministério Público <strong>Federal</strong> manifestou-se pela denegação <strong>da</strong> segurança.Na sentença (01.07.2009), o magistrado a quo denegou a ordem, tornandosem efeito a liminar deferi<strong>da</strong> por ocasião do julgamento do agravode instrumento. Sem condenação em custas e honorários advocatícios.Em suas razões de apelação, o impetrante sustentou, em síntese, que oart. 308 do Decreto nº 3.048/99 atribui aos recursos administrativos efeitosuspensivo. Assim, o INSS não poderia ter suspendido o pagamento deseu benefício, já que interposto, tempestivamente, recurso administrativocontra a decisão que considerou irregular a concessão <strong>da</strong> aposentadoria.Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte para julgamento.Colhido parecer ministerial pelo provimento <strong>da</strong> apelação.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Celso Kipper: Trata-se de apelo contra sentençadenegatória em man<strong>da</strong>do de segurança, desacolhendo o pedido derestabelecimento de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição,cancelado administrativamente em razão de supostas irregulari<strong>da</strong>des288R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


no ato de concessão.A sentença impugna<strong>da</strong> pelo Impetrante, no que tem de essencial, foiassim redigi<strong>da</strong>:“(...).Compulsando os autos, verifico que a irresignação do impetrante se baseia em um únicoargumento de ordem formal: a violação ao disposto no art. 308 do Decreto nº 3.048/99, emface de a autori<strong>da</strong>de coatora ter suspenso o pagamento de seus proventos antes <strong>da</strong> análisede seu recurso administrativo, protocolado em 24.09.08 (fl. 3).(...).No ponto, tenho que razão não assiste ao autor.Primeiro, porque, nos termos do art. 61, caput, <strong>da</strong> Lei nº 9.784/99, que regula o processoadministrativo no âmbito <strong>da</strong> administração pública federal, somente a lei poderia atribuirefeito suspensivo ao recurso interposto pelo impetrante. O decreto n° 3.048/99 (assimcomo o decreto nº 5.699/06, que alterou seu art. 308), <strong>da</strong>ta venia, não é lei, não podendofun<strong>da</strong>mentar o restabelecimento de sua aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.Segundo, porque o § 3º do art. 11 <strong>da</strong> Lei nº 10.666/03 – norma de hierarquia superioràquela invoca<strong>da</strong> pelo impetrante – determina o imediato cancelamento do benefício dosegurado do RGPS caso sua defesa seja considera<strong>da</strong> improcedente ou insuficiente, nãocondicionando tal ato ao julgamento definitivo de eventual recurso administrativo por eleinterposto.Isso posto, com fulcro na Súmula nº 405 do STF, torno sem efeito a liminar deferi<strong>da</strong>às fls. 476-9 e DENEGO a ordem requeri<strong>da</strong> na inicial, resolvendo o mérito, nos termos doart. 269, inc. I, do Código de Processo Civil.” (fls. 481-482)O Impetrante refere que, por ocasião do recurso administrativoapresentado contra a decisão do INSS que considerou improcedente/insuficiente a defesa deduzi<strong>da</strong>, requereu, com fun<strong>da</strong>mento no art. 308do Decreto 3.048/99, fosse recebido também no efeito suspensivo.No entanto, até a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> impetração (27.10.2008), “o recurso sequertramitou, ao mesmo tempo em que o benefício do impetrante não foirestabelecido (...)”.Aduz que “(...) a partir do momento em que foi interposto um RecursoAdministrativo, tempestivo, em face <strong>da</strong> decisão que autorizou ocancelamento do benefício, e a Lei nº 10.666/03 na<strong>da</strong> dispõe a respeito,tem-se por correto aplicar a disposição do art. 308 do Decreto nº 3.048/99,conferindo ao Recurso Administrativo efeitos suspensivo e devolutivo”(fl. 485, último parágrafo).Passo a analisar as alegações <strong>da</strong> impetração.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 289


1 Dos princípios constitucionais do devido processo legal, docontraditório e <strong>da</strong> ampla defesaA jurisprudência recente do STJ tem indicado a necessi<strong>da</strong>de de observânciado devido processo legal, do contraditório e <strong>da</strong> ampla defesanos procedimentos administrativos, nota<strong>da</strong>mente naqueles que culminamna suspensão ou no cancelamento de benefícios previdenciários,por repercutir no âmbito dos interesses individuais do segurado, verbis:“ADMINISTRAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. EBTU. ANISTIA. ANULAÇÃO DEATO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES. LEI N OS8.878/94. PORTARIAS MINISTERIAIS 698/94 E 69/99. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ANULAÇÃO DE ATO AMPLIATIVO DEDIREITO. NECESSIDADE DE SER ASSEGURADO AO SERVIDOR EM PROCESSOADMINISTRATIVO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.1. Omissis;.2. A jurisprudência desta Corte tem firmado o entendimento de que a invali<strong>da</strong>ção deato administrativo classificado como ampliativo de direito depende de prévio processoadministrativo, em que sejam assegurados ao interessado o contraditório e a ampla defesa.Precedentes.3. Recurso especial provido.” (REsp.737815/DF, Rel. Min. Paulo Medina, SEXTATURMA, DJ 17.10.2005, p. 359)“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE. INOBSERVÂNCIADO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DAAMPLA DEFESA. EFEITOS PATRIMONIAIS DO MANDAMUS CONTADOS DA IM-PETRAÇÃO. SÚMULA 271/STF. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. SEGURANÇACONCEDIDA EM PARTE.1. O Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça firmou compreensão segundo a qual, em tema desuspensão ou cancelamento de benefício previdenciário por suspeita de fraude ou irregulari<strong>da</strong>de,por repercutir no âmbito dos interesses individuais do segurado, impõe-se a préviaobservância dos princípios constitucionais <strong>da</strong> ampla defesa e do contraditório.2. Omissis;3. Omissis.” (RMS nº 20577/RO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJ de07.05.2007, p. 336)“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO DE APO-SENTADORIA. SUSPENSÃO POR SUSPEITA DE FRAUDE. AUSÊNCIA DE PROCE-DIMENTO ADMINISTRATIVO. PRECEDENTES DESTA CORTE. SÚMULA Nº 83/STF.A suspeita de fraude não enseja o cancelamento do benefício previdenciário de plano,dependendo sua apuração de processo administrativo, assegurados os direitos do contraditórioe <strong>da</strong> ampla defesa.290R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Precedentes (Recursos Especiais n os 172.869-SP e 279.369-SP).Recurso desprovido.” (REsp nº 709516/RJ, Rel. Min. José Arnaldo <strong>da</strong> Fonseca, 5ªTurma, DJ 27.06.2005, p. 442)“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA.SUSPENSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SUSPEITA DE FRAUDE. COMPRO-VAÇÃO. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. INAPLICÁVEL. NECESSIDADEDE PROCESSO ADMINISTRATIVO. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLADEFESA E DO CONTRADITÓRIO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA.SÚMULA Nº 7 DO STJ.1. É garanti<strong>da</strong> à Administração a revisão de benefício previdenciário na hipótese deconstatação de fraude em seu ato concessório, não se aplicando o prazo prescricional quinquenalprevisto no art. 207 do Decreto-Lei 89.312/84.2. A suspensão de benefício previdenciário por suspeição de fraude deve ser precedi<strong>da</strong>de instauração de processo administrativo regular, assegurados os princípios do contraditórioe <strong>da</strong> ampla defesa.3. Não há como rever a conclusão <strong>da</strong> Corte a quo, firma<strong>da</strong> no sentido de que o modusoperandi adotado pelo INSS na suspensão do pagamento obedeceu ao procedimento administrativodevi<strong>da</strong>mente traçado na lei, porquanto haveria necessi<strong>da</strong>de de incursão ao campofático-probatório dos autos, o que não se coaduna com a via eleita, por força do comando<strong>da</strong> Súmula nº 7 do STJ.4. Recurso não conhecido.” (REsp nº 591660/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, DJ13.09.2004, p. 281)“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. LI-QUIDEZ E CERTEZA. SÚMULA Nº 7/STJ. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS EMSEDE DE RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. BENEFÍCIO. SUSPENSÃO.GARANTIA DE AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO.1. Omissis;2. Omissis;3. Em tema de suspensão ou cancelamento de benefício previdenciário devido à suspeitade ocorrência de fraude, esta Corte consolidou o entendimento segundo o qual não pode aautarquia adotar a medi<strong>da</strong> extrema sem ouvir o interessado.4. Precedentes.5. Recurso a que se dá provimento.” (REsp. nº 514251/RJ, Rel. Min. Paulo Gallotti, 6ªTurma, DJ 27.03.2006, p. 356)“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. FRAUDE. SUSPENSÃO.PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. SÚMULA07/STJ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MULTA. ART. 557, § 2º, DO CPC.I – A suspensão ou o cancelamento de benefício previdenciário concedido mediantefraude pressupõe, necessariamente, prévio e regular procedimento administrativo, no qualseja assegurado ao beneficiário o direito à defesa, ao contraditório e ao devido processo legal.II – Tendo o e. <strong>Tribunal</strong> a quo constatado, com base no conjunto fático-probatório, aR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 291


inexistência de correto procedimento administrativo apto a ocasionar suspensão do benefício,não cabe o conhecimento do recurso especial, por implicar em reexame de prova.Súmula 07/STJ.III – Omissis;IV – Omissis.” (REsp. 509340/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, DJ 22.09.2003,p. 369)A doutrina, de modo geral, tem observado que “Prevalece – torrencial– a orientação de julgados, em todos os tribunais, segundo a qual asuspensão de vencimentos ou de benefícios previdenciários exige a préviainstauração do devido processo legal, com os apanágios do contraditórioe <strong>da</strong> ampla defesa” (FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu.Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2. ed., 2007. p. 56 e 60).No mesmo sentido, entendo que o poder-dever <strong>da</strong> Administração derevisão do ato ilegal (Súmulas 346 e 473 do STF) há de ser exercido,atualmente, à luz <strong>da</strong> processualização <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de administrativa, coma observância <strong>da</strong>s garantias constitucionais previstas nos incisos LIV eLV do art. 5º <strong>da</strong> CF, verbis:“LIV – ninguém será privado <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de ou de seus bens sem o devido processo legal;LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geralsão assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, a quem incumbe a guar<strong>da</strong> <strong>da</strong> Constituição(art. 102, caput), tem proclamado a essenciali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> observânciairrestrita do princípio do contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa, não só noplano jurisdicional, mas também nos procedimentos administrativos emgeral, nota<strong>da</strong>mente nas hipóteses em que o ato administrativo repercuteno campo de interesses individuais, como se pode ver dos precedentesabaixo relacionados:“ATO ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÕES. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDA-DE. SITUAÇÃO CONSTITUÍDA. INTERESSES CONTRAPOSTOS. ANULAÇÃO.CONTRADITÓRIO. Tratando-se <strong>da</strong> anulação de ato administrativo cuja formalização hajarepercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde <strong>da</strong> observânciado contraditório, ou seja, <strong>da</strong> instauração de processo administrativo que enseje a audição<strong>da</strong>queles que terão modifica<strong>da</strong> situação já alcança<strong>da</strong>. Presunção de legitimi<strong>da</strong>de do atoadministrativo praticado, que não pode ser afasta<strong>da</strong> unilateralmente, porque é comum àAdministração e ao particular.” (RE nº 158.543-9/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio,DJ de 06.10.1995)“PROCESSO ADMINISTRATIVO. RESTRIÇÃO DE DIREITOS. OBSERVÂNCIA292R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


NECESSÁRIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DUE PROCESS OF LAW (CF,ART. 5º, LV). REEXAME DE FATOS E PROVAS, EM SEDE RECURSAL EXTRAOR-DINÁRIA. INADMISSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. RESTRIÇÃO DE DI-REITOS E GARANTIA DO DUE PROCESS OF LAW. – O Estado, em tema de puniçõesdisciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medi<strong>da</strong>s,não pode exercer a sua autori<strong>da</strong>de de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, noexercício de sua ativi<strong>da</strong>de, o postulado <strong>da</strong> plenitude de defesa, pois o reconhecimento <strong>da</strong>legitimi<strong>da</strong>de ético-jurídica de qualquer medi<strong>da</strong> estatal – que importe em punição disciplinarou em limitação de direitos – exige, ain<strong>da</strong> que se cuide de procedimento meramenteadministrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal. Ajurisprudência do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> tem reafirmado a essenciali<strong>da</strong>de desse princípio,nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituí<strong>da</strong> em favor de qualquer pessoaou enti<strong>da</strong>de, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua ativi<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> queem sede materialmente administrativa, sob pena de nuli<strong>da</strong>de do próprio ato punitivo ou <strong>da</strong>medi<strong>da</strong> restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina. NÃO CABE REEXAME DE FATOSE DE PROVAS EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. – Não cabe recurso extraordinário,quando interposto com o objetivo de discutir questões de fato ou de examinar matéria decaráter probatório, mesmo que o apelo extremo tenha sido deduzido em sede processualpenal.” (AI-AgR nº 241.201/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 20.09.2002)“AGRAVO REGIMENTAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SUSPENSÃO. NE-CESSIDADE DE EXAURIMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. DIREITO ÀAMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO.Omissis;Por outro lado, ain<strong>da</strong> que se enten<strong>da</strong> possível o exame <strong>da</strong> questão em julgamento, hádecisões desta Turma no sentido <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de observância do princípio <strong>da</strong> ampladefesa no processo administrativo que resulta na suspensão de benefício previdenciário.Precedentes de ambas as Turmas.Agravo Regimental a que se nega provimento.” (AI-AgR nº 501.805/PI, 2ª Turma, Rel.Min. Joaquim Barbosa, DJe De 23.05.2008)“Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Restabelecimento de benefício previdenciáriopelo tribunal de origem, sob o fun<strong>da</strong>mento de inobservância do contraditório e <strong>da</strong>ampla defesa quando do procedimento administrativo que o suspendera. Violação verifica<strong>da</strong>.A garantia do direito de defesa contempla, no seu âmbito de proteção, todos os processosjudiciais ou administrativos. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.”(RE-AgR nº 425.406/RN, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 11.10.2007)Desse último precedente, destaco o seguinte excerto do voto:“Sobre o direito de defesa, tenho enfatizado que a Constituição de 1988 (art. 5º, LV)ampliou a referi<strong>da</strong> garantia, assegurando aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursosa ela inerentes.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 293


Como já escrevi em outra oportuni<strong>da</strong>de, as dúvi<strong>da</strong>s porventura existentes na doutrinae na jurisprudência sobre a dimensão do direito de defesa foram afasta<strong>da</strong>s de plano, sendoinequívoco que essa garantia contempla, no seu âmbito de proteção, todos os processosjudiciais ou administrativos.Assinale-se, por outro lado, que há muito vem a doutrina constitucional enfatizando queo direito de defesa não se resume a um simples direito de manifestação no processo. Efetivamente,o que o constituinte pretende assegurar – como bem anota Pontes de Miran<strong>da</strong> – éuma pretensão à tutela jurídica (Comentários à Constituição de 1967/69, Tomo V, p. 234).(...)Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde exatamenteà garantia consagra<strong>da</strong> no art. 5º, LV, <strong>da</strong> Constituição, contém os seguintes direitos:1) direito de informação (Recht auf Information), que obriga o órgão julgador a informarà parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes;2) direito de manifestação (Recht auf Ausserung), que assegura ao defendente a possibili<strong>da</strong>dede manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicosconstantes do processo;3) direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berücksichtigung), queexige do julgador capaci<strong>da</strong>de, apreensão e isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit undAufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresenta<strong>da</strong>s (Cf. Pieroth e Schlink,Grundrechte-Staatsrech II, Heidelberg, 1988, p. 281; Bettis e Gusy, Einführung in <strong>da</strong>s Staatsrecht,Heidelberg, 1991, p. 363-364; Ver, também, Düring/Assmann, in: Maunz-Düring,Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol. IV, nº 85-99).(...).Assim, o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os recursos a ele inerentes, temâmbito de proteção de caráter normativo, o que, de um lado impõe ao legislador o dever deconferir densi<strong>da</strong>de adequa<strong>da</strong> a essa garantia e, de outro, permite-lhe alguma liber<strong>da</strong>de deconformação.” (destaque ausente no original)Nessa perspectiva, a Lei nº 9.784, de 29.01.1999, que regula oprocesso administrativo no âmbito <strong>da</strong> Administração Pública <strong>Federal</strong>,determinou expressamente (art. 2º) que a Administração Pública obedeceráaos princípios <strong>da</strong> ampla defesa e do contraditório, estabelecendo(parágrafo único) que nos processos administrativos serão atendidos,dentre outros, os critérios de “observância <strong>da</strong>s formali<strong>da</strong>des essenciaisà garantia dos direitos dos administrados” (inciso VIII) e de “garantiados direitos à comunicação (inciso X). Estipulou, ain<strong>da</strong> (art. 3º), queo administrado tem, perante a Administração, sem prejuízo de outrosque lhe sejam assegurados, o direito de ter ciência <strong>da</strong> tramitação dosprocessos administrativos em que tenha a condição de interessado, tervista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer294R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


as decisões proferi<strong>da</strong>s (inciso II) e de formular alegações e apresentardocumentos antes <strong>da</strong> decisão, os quais serão objeto de consideração peloórgão competente (inciso III), e que os atos administrativos deverão sermotivados, com indicação dos fatos e dos fun<strong>da</strong>mentos jurídicos (art.50, caput), quando, dentre outras situações, neguem, limitem ou afetemdireitos ou interesses (inciso I), ou importem anulação, revogação, suspensãoou convali<strong>da</strong>ção de ato administrativo (VIII).No âmbito <strong>da</strong> Previdência Social, a Lei nº 8.212/91, ao disciplinar,em seu art. 69, o procedimento administrativo de revisão de benefício,referiu, verbis:“Art. 69. O Ministério <strong>da</strong> Previdência e Assistência Social e o Instituto Nacional do SeguroSocial–INSS manterão programa permanente de revisão <strong>da</strong> concessão e <strong>da</strong> manutençãodos benefícios <strong>da</strong> Previdência Social, a fim de apurar irregulari<strong>da</strong>des e falhas existentes§ 1º Havendo indício de irregulari<strong>da</strong>de na concessão ou na manutenção de benefício, aPrevidência Social notificará o beneficiário para apresentar defesa, provas ou documentosde que dispuser, no prazo de trinta dias.§ 2º A notificação a que se refere o parágrafo anterior far-se-á por via postal com avisode recebimento e, não comparecendo o beneficiário nem apresentando defesa, será suspensoo benefício, com notificação ao beneficiário por edital resumido publicado uma vez emjornal de circulação na locali<strong>da</strong>de.§ 3º Decorrido o prazo concedido pela notificação postal ou pelo edital, sem que tenhahavido resposta, ou caso seja considera<strong>da</strong> pela Previdência Social como insuficiente ouimprocedente a defesa apresenta<strong>da</strong>, o benefício será cancelado, <strong>da</strong>ndo-se conhecimento<strong>da</strong> decisão ao beneficiário.§ 4º Para efeito do disposto no caput deste artigo, o Ministério <strong>da</strong> Previdência Sociale o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS procederão, no mínimo a ca<strong>da</strong> 5 (cinco)anos, ao recenseamento previdenciário, abrangendo todos os aposentados e pensionistasdo regime geral de previdência social.”A Lei nº 10.666/03, embora tenha alterado o prazo para o recursodo segurado, manteve o mesmo procedimento do artigo recém-citado,litteris:“Art. 11. O Ministério <strong>da</strong> Previdência Social e o INSS manterão programa permanentede revisão <strong>da</strong> concessão e <strong>da</strong> manutenção dos benefícios <strong>da</strong> Previdência Social, a fim deapurar irregulari<strong>da</strong>des e falhas existentes.§ 1º Havendo indício de irregulari<strong>da</strong>de na concessão ou na manutenção de benefício, aPrevidência Social notificará o beneficiário para apresentar defesa, provas ou documentosde que dispuser, no prazo de dez dias.§ 2º A notificação a que se refere o § 1º far-se-á por via postal com aviso de recebimentoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 295


e, não comparecendo o beneficiário nem apresentando defesa, será suspenso o benefício,com notificação ao beneficiário.§ 3º Decorrido o prazo concedido pela notificação postal, sem que tenha havido resposta,ou caso seja considera<strong>da</strong> pela Previdência Social como insuficiente ou improcedente a defesaapresenta<strong>da</strong>, o benefício será cancelado, <strong>da</strong>ndo-se conhecimento <strong>da</strong> decisão ao beneficiário.”E o art. 179 do Decreto nº 3.048/99 tem a seguinte re<strong>da</strong>ção:“Art. 179. O Ministério <strong>da</strong> Previdência e Assistência Social e o Instituto Nacional doSeguro Social manterão programa permanente de revisão <strong>da</strong> concessão e <strong>da</strong> manutençãodos benefícios <strong>da</strong> previdência social, a fim de apurar irregulari<strong>da</strong>des e falhas existentes.§ 1º Havendo indício de irregulari<strong>da</strong>de na concessão ou na manutenção do benefício ou,ain<strong>da</strong>, ocorrendo a hipótese prevista no § 4º, a previdência social notificará o beneficiáriopara apresentar defesa, provas ou documentos de que dispuser, no prazo de dez dias.§ 2º A notificação a que se refere o § 1º far-se-á por via postal com aviso de recebimentoe, não comparecendo o beneficiário nem apresentando defesa, será suspenso o benefício,com notificação ao beneficiário.§ 3º Decorrido o prazo concedido pela notificação postal, sem que tenha havido resposta,ou caso seja considera<strong>da</strong> pela previdência social como insuficiente ou improcedente a defesaapresenta<strong>da</strong>, o benefício será cancelado, <strong>da</strong>ndo-se conhecimento <strong>da</strong> decisão ao beneficiário.§ 4º O recenseamento previdenciário relativo ao pagamento dos benefícios do RegimeGeral de Previdência Social de que tratam o § 4º do art. 69 e o caput do art. 60 <strong>da</strong> Lei nº8.212, de 1991, deverá ser realizado pelo menos uma vez a ca<strong>da</strong> quatro anos.§ 5º A coleta e transmissão de <strong>da</strong>dos ca<strong>da</strong>strais de titulares de benefícios, com o objetivode cumprir o disposto no § 4º, serão realizados por meio <strong>da</strong> rede bancária contrata<strong>da</strong> paraos fins do art. 60 <strong>da</strong> Lei nº 8.212, de 1991.§ 6º Na impossibili<strong>da</strong>de de notificação do beneficiário ou na falta de atendimento àconvocação por edital, o pagamento será suspenso até o comparecimento do beneficiárioe a regularização dos <strong>da</strong>dos ca<strong>da</strong>strais ou será adotado procedimento previsto no § 1º.”Portanto, o arcabouço jurídico pátrio exige a observância do devidoprocesso legal, do contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa nos procedimentosadministrativos, nota<strong>da</strong>mente naqueles que culminam na suspensão ouno cancelamento de benefícios previdenciários, por repercutir no âmbitodos interesses individuais.2 Dos efeitos do recurso administrativoSustenta o Impetrante que a Autarquia Previdenciária, ao não atribuirefeito suspensivo ao recurso administrativo interposto, praticou ato ilegal,uma vez que a atribuição de efeito suspensivo ao referido recurso encontrarespaldo legal, segundo entende, no art. 308 do Decreto nº 3.048/99.296R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Passo a analisar tal alegação.A Lei nº 9.784, de 29.01.1999, que regula o processo administrativono âmbito <strong>da</strong> Administração Pública <strong>Federal</strong>, dispõe em seu art. 69 queos processos administrativos específicos continuarão a reger-se por leiprópria, aplicando-se apenas subsidiariamente, portanto, seus preceitos.No âmbito Previdenciário, o art. 126 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, na re<strong>da</strong>ção<strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997, estabelece que “Das decisões doINSS nos processos de interesse dos beneficiários e dos contribuintes<strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social caberá recurso para o Conselho de Recursos <strong>da</strong>Previdência Social, conforme dispuser o Regulamento”. (grifei)O Regulamento <strong>da</strong> Previdência Social, por sua vez, na re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong>pelo Decreto nº 5.699, de 13.02.2006, dispõe em seu art. 308, verbis:“Art. 308 – Os recursos tempestivos contra decisões <strong>da</strong>s Juntas de Recursos do Conselhode Recursos <strong>da</strong> Previdência Social têm efeito suspensivo e devolutivo.§ 1.º – Para fins do disposto neste artigo, não se considera recurso o pedido de revisãode acórdão endereçado às Juntas de Recurso e Câmaras de Julgamento.§ 2.º – É ve<strong>da</strong>do ao INSS e à Secretaria <strong>da</strong> Receita Previdenciária escusarem-se decumprir as diligências solicita<strong>da</strong>s pelo Conselho de Recursos <strong>da</strong> Previdência Social, bemcomo deixar de <strong>da</strong>r cumprimento às decisões definitivas <strong>da</strong>quele colegiado, reduzir ouampliar o seu alcance ou executá-las de modo que contrarie ou prejudique seu evidentesentido.” (grifei)Da simples leitura dos artigos 126 (<strong>da</strong> Lei de Benefícios) e 308 (dorespectivo Decreto Regulamentador), chega-se à conclusão de que inexisteprevisão, na legislação específica, de recebimento no efeito suspensivodos recursos interpostos de decisões monocráticas proferi<strong>da</strong>s nosprocedimentos administrativos que repercutam no âmbito dos interessesindividuais dos segurados, como no caso dos autos.O que prevê o referido art. 308 do Decreto nº 3.048/1999, invocadopelo Impetrante, é o recebimento no duplo efeito dos recursos tempestivoscontra decisões <strong>da</strong>s Juntas de Recursos do Conselho de Recursos<strong>da</strong> Previdência Social, apenas, não dispensando o mesmo tratamento àsdecisões monocráticas primevas que, por assim dizer, resolvem o méritodo processo administrativo, como na hipótese dos autos.Inexistindo previsão na lei específica acerca do tema, cumpre perquirir<strong>da</strong> sua existência na Lei nº 9.784/99 – de aplicação subsidiária, comoacima visto –, que no art. 61 dispõe:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 297


“Art. 61 – Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente<strong>da</strong> execução, a autori<strong>da</strong>de recorri<strong>da</strong> ou a imediatamente superior poderá, de ofícioou a pedido, <strong>da</strong>r efeito suspensivo ao recurso.”(grifei)Como se depreende <strong>da</strong> leitura conjuga<strong>da</strong> dos dispositivos legais atéaqui transcritos, no caso concreto, tem-se hipótese em que, de um lado,a lei específica não prevê a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, e,de outro, disposição expressa <strong>da</strong> legislação aplicável de forma subsidiáriano sentido de que, inexistindo expressa disposição legal em contrário – e,no caso, inexiste –, o recurso não tem efeito suspensivo.É bem ver<strong>da</strong>de que o parágrafo único do art. 61 <strong>da</strong> Lei nº 9.784/99dispõe que, “havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparaçãodecorrente <strong>da</strong> execução, a autori<strong>da</strong>de recorri<strong>da</strong> ou a imediatamentesuperior poderá, de ofício ou a pedido, <strong>da</strong>r efeito suspensivo ao recurso”.E é ver<strong>da</strong>de, também, que o Impetrante, por ocasião <strong>da</strong> interposiçãodo recurso administrativo, em 24.09.2008 (fl. 147), requereu fosse esterecebido também no efeito suspensivo. O fez, no entanto, com supedâneonas disposições do art. 308 do Decreto 3.048/99, inaplicáveis à hipótesedos autos, como antes visto, uma vez que não se trata de recurso contradecisão de Junta de Recursos do Conselho de Recursos <strong>da</strong> PrevidênciaSocial.Nesse contexto, inviável seria a atribuição de efeito suspensivo aorecurso administrativo, tendo aplicação a norma segundo a qual, em regra,os recursos administrativos são recebidos apenas no efeito devolutivo,sendo desnecessário o esgotamento <strong>da</strong> via administrativa.Nesse sentido, o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> já se manifestou: (a)pela inviabili<strong>da</strong>de de concessão, por man<strong>da</strong>do de segurança, de efeitosuspensivo a Recurso de Revisão destituído de tal efeito, no âmbito do<strong>Tribunal</strong> de Contas (Ag.Rg. no MS nº 27.443-0/DF, <strong>Tribunal</strong> Pleno, Rel.Min. Celso de Mello, DJe de 29.10.2009); (b) pela inexistência de efeitosuspensivo a recurso administrativo em desapropriação, inexistindo impedimentoà edição de decreto expropriatório na pendência de julgamentodo recurso administrativo (MS nº 24487/DF, <strong>Tribunal</strong> Pleno, Rel. Min.Carlos Britto, DJe de 27.11.2009; MS nº 24449/DF, <strong>Tribunal</strong> Pleno, Rel.Min. Ellen Gracie, DJe de 25.04.2008; MS nº 24163/DF, <strong>Tribunal</strong> Pleno,Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 19.09.2003).298R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


O Colendo Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, igualmente, vem se manifestandono sentido de que os recursos administrativos, em regra, são dotadosapenas de efeito devolutivo, como são representativos os julgados cujasementas, na parte em que interessa, abaixo transcrevo:“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMI-NISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. RECURSO ADMINISTRATIVO. EFEITOSUSPENSIVO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. DECISÃO DE ABSOLVIÇÃOPROFERIDA PELO JUÍZO CRIMINAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. HIPÓTESEQUE NÃO VINCULA A ESFERA ADMINISTRATIVA. COMISSÃO PERMANENTECOMPOSTA POR 3 MEMBROS. LEI DISTRITAL 3.642/2005 POSTERIOR À SUACONSTITUIÇÃO. APLICAÇÃO IMEDIATA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.1. Omissis;2. No processo administrativo, os recursos, em regra, são dotados de efeito devolutivo,que admite o reexame <strong>da</strong>s questões de fato e de direito, salvo expressa determinação legal;por outro lado, em relação ao efeito suspensivo, a regra se inverte, de sorte que apenasexcepcionalmente o recurso pode ser recebido com tal efeito.” (RMS nº 25952/DF, QuintaTurma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 08.09.2008)(grifei)“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. OFICIAIS DE JUSTIÇA. PROCESSOADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. REGIMENTO INTERNOREVOGADO. APLICAÇÃO AOS RECURSOS INTERPOSTOS NA SUA VIGÊNCIA.TEMPUS REGIT ACTUM. RECURSO ADMINISTRATIVO. DIREITO DO ADMINIS-TRADO. RECLAMAÇÃO NÃO CONHECIDA. ILEGALIDADE. DUPLO GRAU DEJURISDIÇÃO. OFENSA. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. APLICAÇÃO. EFEITOSUSPENSIVO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSO PARCIALMENTEPROVIDO.I a IV– Omissis;V – Na ausência de expressa previsão legal, não existe direito líquido e certo a que sejaconferido efeito suspensivo a recursoadministrativo.VI – Recurso ordinário parcialmente provido.” (RMS nº 19.452/MG, Quinta Turma,Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 01.08.2006) (grifei)“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO.PENA DE SUSPENSÃO. RECURSO ADMINISTRATIVO. RECEBIMENTO NO EFEI-TO DEVOLUTIVO, EM REGRA. CUMPRIMENTO IMEDIATO DA PENALIDADE.POSSIBILIDADE. SEGURANÇA DENEGADA.1. A Administração – após regular processo disciplinar e diante dos atributos do atoadministrativo de presunção de veraci<strong>da</strong>de, de imperativi<strong>da</strong>de e de autoexecutorie<strong>da</strong>de –pode aplicar a penali<strong>da</strong>de a servidor público independentemente do julgamento de recursointerposto na esfera administrativa que, em regra, é recebido apenas no efeito devolutivo,nos termos do art. 109 <strong>da</strong> Lei 8.112/90. Precedentes.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 299


2. Segurança denega<strong>da</strong>.” (MS n. 10.759/DF, Terceira Seção, Rel. Min. Arnaldo EstevesLima, DJ de 22.05.2006) (grifei)“RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR DO PO-DER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. DEMISSÃO PRECEDIDA DEPROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. RECURSO ADMINISTRATIVO. NÃOCONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO. LEGALIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITOLÍQUIDO E CERTO. RECURSO IMPROVIDO.I – É incabível a alegação de cerceamento de defesa, por supressão do direito ao recursona via administrativa, se, tão logo tomou conhecimento do ato demissório, o impetranteingressou com pedido de reconsideração, em regular trâmite na Consultoria Jurídica doMinistério <strong>da</strong> Justiça.II – Os recursos administrativos são recebidos, em regra, apenas no efeito devolutivo,podendo ser recebidos no efeito suspensivo.III – Recurso desprovido.” (RMS 17.652/MG, Quinta Turma, Felix Fischer, DJ de14.11.2005) (grifei)“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.PROMOTOR DE JUSTIÇA. DISPONIBILIDADE CAUTELAR. RECURSO ADMINIS-TRATIVO. EFEITO SUSPENSIVO. CONCESSÃO. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊN-CIA DE RAZÕES JUSTIFICADORAS. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.1 – Não há como conceder efeito suspensivo ao Recurso Administrativo interposto peloora recorrente, Promotor de Justiça no Estado de Minas Gerais, contra decisão que decretoua sua disponibili<strong>da</strong>de cautelar. Isso porque o ato impugnado foi devi<strong>da</strong>mente fun<strong>da</strong>mentado,inexistiram defeito de forma, ofensa à segurança dos atos jurídicos e desvio de finali<strong>da</strong>de,não constando nos autos razões capazes de justificar o almejado efeito suspensivo. Assim,o recorrente não possui direito líquido e certo de permanecer no exercício de suas funçõesaté o julgamento do referido recurso pela Câmara de Procuradores de Justiça do Estado, jáque está dentro <strong>da</strong>s atribuições do Procurador-Geral o afastamento preventivo do membroministerial. Ausência de liquidez e certeza a amparar a pretensão.2 – Recurso conhecido, porém, desprovido.” (RMS nº 15.902/MG, Quinta Turma, Rel.Min. Jorge Scartezzini, DJ de 26.04.2004) (grifei)“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TESE DE NULIDADEDO ACÓRDÃO POR VÍCIO EXTRA PETITA. NULIDADE INEXISTENTE. PRELIMI-NAR REJEITADA. PLEITO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSOADMINISTRATIVO HIERÁRQUICO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. EXCEP-CIONALIDADE NÃO VERIFICADA NA ESPÉCIE. DIREITO LÍQUIDO E CERTONÃO EVIDENCIADO.1. Omissis;2. Este Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça tem sido parcimonioso, mesmo em sede de medi<strong>da</strong>cautelar – o que não é o caso dos autos -, no que se refere à concessão de efeito suspensivoa recurso que, de regra, não o possui, estando sempre adstrito a circunstâncias absolutamenteexcepcionais, o que também não se verifica.300R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


3. O fato de tratar-se de verba de caráter alimentar não se mostra suficiente, por si só,para impingir ao recurso o pretendido efeito suspensivo, sobretudo, em razão do dispostono art. 264 <strong>da</strong> Lei Estadual n.º 6.174/70 – que não lhe atribui esse efeito (suspensivo) – eain<strong>da</strong> tendo em vista a via eleita – man<strong>da</strong>do de segurança – que, como é consabido, nãose presta a tal fim. Precedentes.”Logo, a inexistência de efeito suspensivo para os recursos administrativosnão fere os princípios constitucionais do devido processo legal,do contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa. Ademais, sendo a regra geral noprocedimento administrativo a não atribuição de efeito suspensivo aorecurso, não há necessi<strong>da</strong>de do esgotamento <strong>da</strong> via administrativa paraa cessação de benefícios previdenciários.3 Do caso concretoNo caso dos autos, segundo consta do relatório final do procedimentoadministrativo que culminou na cassação do benefício (fls. 143-145), osprocedimentos de auditagem iniciaram-se em 25.06.2004, apontandoirregulari<strong>da</strong>des na concessão do benefício.Em 14.06.2004, foi diligenciado junto à Prefeitura Municipal de PortoAlegre a fim de confirmar a veraci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s informações conti<strong>da</strong>s emdiversas certidões e alvarás que embasaram a concessão do benefíciodo Impetrante.Posteriormente, concluiu-se pela impossibili<strong>da</strong>de de confirmação <strong>da</strong>contemporanei<strong>da</strong>de dos alvarás, tampouco a veraci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s informaçõesconti<strong>da</strong>s na certidão de nº 482/97, emiti<strong>da</strong> pela Secretaria de Indústriae Comércio do Município de Porto Alegre, no sentido de que o oraimpetrante teria trabalhado como autônomo (feirante) no período de01.02.1965 a 02.01.1967 (01 ano, 11 meses e 02 dias).Além disso, <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> situação funcional do Sr. Bartolomeu FelisbertoBrasil Berutti – cuja assinatura consta do Alvará n. 2023, com <strong>da</strong>tade início em 01.02.1965, e que teria <strong>da</strong>do origem à certidão questiona<strong>da</strong>pela Autarquia Previdenciária – consta que o referido servidor teria falecidoem 27.09.1963, conforme cópia <strong>da</strong> certidão de óbito, e que desde19.05.1961 exercia a ativi<strong>da</strong>de de Coletor, função cujas atribuições nãolhe exigia, tampouco autorizava, a assinatura de alvarás.Assim, na <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> do requerimento (08.10.1997), o ora impetrantenão contava 30 anos, 02 meses e 05 dias de tempo de serviço, masR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 301


apenas 28 anos, 03 meses e 03 dias, razão pela qual o segurado foi intimado<strong>da</strong>s irregulari<strong>da</strong>des, sendo-lhe concedido o prazo de dez (10) diaspara a apresentação de documentos e defesa (fls. 26 e 27). Apresenta<strong>da</strong>defesa escrita em 05.09.2005 (fls. 31-40), foi considera<strong>da</strong> insubsistente,uma vez que não foram apresentados documentos contemporâneos quecomprovassem o exercício de ativi<strong>da</strong>de como autônomo, em desacordocom o art. 60 do Decreto nº 2.172/97, vigente à época do requerimentodo benefício (fls. 130-132), razão pela qual foi suspenso o pagamentoem 18.08.2008, com <strong>da</strong>ta de cessação do benefício em 01.09.2008, tendosido apurado o débito (corrigido até a competência de setembro de 2008)no valor de R$ 207.232,75.Em 24.09.2008, o ora Impetrante apresentou Recurso Administrativo(fl. 147), e em 27.10.2008 (33 dias após) impetrou o presente Man<strong>da</strong>dode Segurança, alegando que até a referi<strong>da</strong> <strong>da</strong>ta o recurso administrativosequer havia tramitado.Como se extrai <strong>da</strong> resenha acima, a Autarquia Previdenciária, noprocedimento administrativo que culminou com o cancelamento do benefício,observou os princípios constitucionais do devido processo legal,do contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa (art. 5º, LV, <strong>da</strong> CF/88), segundo aconformação legal antes transcrita.Por outro lado, há fortes indícios de que é produto de fraude a certidãonº 482/97, emiti<strong>da</strong> pela Secretaria de Indústria e Comércio do Municípiode Porto Alegre, no sentido de que o Impetrante teria trabalhado comoautônomo (feirante) no período de 01.02.1965 a 02.01.1967, uma vezque se baseou em informações conti<strong>da</strong>s no Alvará nº 2023 <strong>da</strong> SecretariaMunicipal <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> do Município de Porto Alegre (fl. 22). Esse Alvarádá conta <strong>da</strong> alega<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de do Impetrante no período de 01.02.1965a 02.01.1967, tendo sido firmado por Bartolomeu Felisberto Brasil Berutti.Ocorre, no entanto, que o referido servidor municipal falecera em27.09.1963, conforme cópia <strong>da</strong> certidão de óbito <strong>da</strong> fl. 30. Além disso,apurou-se que desde 19.05.1961 exercia a ativi<strong>da</strong>de de Coletor, funçãocujas atribuições não lhe exigia, tampouco autorizava, a assinatura dealvarás.Considerando esses indícios de fraude, não vislumbro ilegali<strong>da</strong>deno ato de cancelamento do benefício – após regular procedimentoadministrativo, com observância dos princípios constitucionais do de-302R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


vido processo legal, do contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa –, até porqueo Impetrante não fez juntar documentos comprobatórios do efetivoexercício de ativi<strong>da</strong>des urbanas no período impugnado pela AutarquiaPrevidenciária (01.02.1965 a 02.01.1967). Veja-se que vieram aos autosapenas a própria certidão e o alvará impugnados (fls. 11 e 22), cópias deCTPS de irmãos do Impetrante (fls. 41-47), cópias de peças <strong>da</strong> ação penalcontra o Impetrante (fls. 64 a 124) e cópia do certificado de reservista doImpetrante, <strong>da</strong>ndo conta de sua incorporação em 15.01.1968 e dispensaem 20.11.1968, em período posterior ao impugnado, portanto (fls. 10e 314). De ressaltar, ain<strong>da</strong>, que todos esses documentos já constavamdo procedimento administrativo, presumindo-se analisados pelo INSS.Ademais, tampouco elide os indícios de fraude acima referidos aabsolvição do ora impetrante, por ausência de provas, <strong>da</strong> acusaçãode estelionato contra a Autarquia Previdenciária (art. 171, caput e §3º, c/c art. 29, ambos do CPB), conforme sentença <strong>da</strong> ação penal nº2004.71.00.046962-0, cuja junta<strong>da</strong> aos presentes autos ora determino,seja pela independência <strong>da</strong>s instâncias cível e criminal, seja porque aexistência <strong>da</strong> fraude, demonstra<strong>da</strong> na sentença absolutória do ora impetrante,serviu, inclusive, de fun<strong>da</strong>mento para a condenação do corréuAntonio Carlos Medeiros.De qualquer sorte, a análise definitiva de tal questão deman<strong>da</strong> dilaçãoprobatória, para a qual a via do man<strong>da</strong>do de segurança não é a adequa<strong>da</strong>.Em conclusão, no caso dos autos, no procedimento administrativolevado a efeito pelo INSS e que culminou na suspensão do benefícioprevidenciário do ora impetrante: a) foram observados os princípiosconstitucionais do devido processo legal, do contraditório e <strong>da</strong> ampladefesa, não os maculando a circunstância de o benefício ter sido suspensoanteriormente ao exaurimento <strong>da</strong> via administrativa; b) não era o caso deatribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto pelo segurado, oraimpetrante, com base no art. 308 do Decreto nº 3.048/99, uma vez que oque prevê o referido art. 308 do Decreto nº 3.048/1999 é o recebimentono duplo efeito dos recursos tempestivos contra decisões <strong>da</strong>s Juntas deRecursos do Conselho de Recursos <strong>da</strong> Previdência Social, apenas, nãodispensando o mesmo tratamento às decisões monocráticas que resolvemo mérito do processo administrativo, como ocorreu na hipótese; c) consequentemente,inexiste ilegali<strong>da</strong>de no ato de cancelamento do benefícioR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 303


do ora impetrante a ser corrigi<strong>da</strong> pela via do man<strong>da</strong>mus.Assim, conjuntamente considera<strong>da</strong>s as circunstâncias do caso concreto,tenho por indemonstra<strong>da</strong> qualquer ilegali<strong>da</strong>de no ato administrativoimpugnado, de forma que deve ser nega<strong>da</strong> a segurança pleitea<strong>da</strong>.Sem condenação em honorários advocatícios (Súmulas 105 do STJe 502 do STF).Custas pelo impetrante, suspensa a satisfação respectiva em face <strong>da</strong>AJG que ora concedo, em face <strong>da</strong> declaração e do pedido formuladosà fl. 04.Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo.APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.70.99.000222-0/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Rômulo PizzolattiApelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> PFE–INSSApela<strong>da</strong>: Olga RibeiroAdvogado: Dr. Giovani Miguel LopesEMENTAPensão por morte. Companheira. Cui<strong>da</strong>dora.É indevi<strong>da</strong> a pensão por morte à alega<strong>da</strong> companheira quando oconjunto <strong>da</strong> prova dos autos evidencia que ela era na ver<strong>da</strong>de cui<strong>da</strong>dorado falecido segurado, caso em que não há dependência previdenciária.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 5ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r provimento à apelação e à remessa oficial, ti<strong>da</strong>304R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


por interposta, e tornar sem efeito a antecipação <strong>da</strong> tutela, nos termos dorelatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 25 de janeiro de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Rômulo Pizzolatti, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Rômulo Pizzolatti: Trata-se de remessaoficial, ti<strong>da</strong> por interposta, e de apelação do Instituto Nacional do SeguroSocial (INSS) contra sentença que, concedendo antecipação <strong>da</strong> tutela,julgou procedente ação de restabelecimento de pensão por morte, ajuiza<strong>da</strong>por Olga Ribeiro, na quali<strong>da</strong>de de companheira do segurado SeverinoMachado Fernandes, falecido em 29.06.2005, aos 77 anos de i<strong>da</strong>de.Alega o apelante, nas razões recursais, que o benefício foi concedidoe depois revisto, em processo administrativo, porque se apurou que aautora vivia maritalmente com outro homem, com quem teve três filhos,sendo na ver<strong>da</strong>de cui<strong>da</strong>dora do falecido segurado.Com resposta <strong>da</strong> apela<strong>da</strong>, vieram os autos a este tribunal.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Rômulo Pizzolatti: Pelo que se vê dos autos,a autora obteve pensão por morte do idoso Severino Machado Fernandes,na quali<strong>da</strong>de de companheira, sendo, por força de denúncia escrita (fls.29), instaurado processo de revisão, no qual apurado que a pensionista nãoera companheira do falecido idoso (fls. 35).Bem examina<strong>da</strong> a prova dos autos, colhe-se um conjunto exuberantede indícios e circunstâncias que evidenciam ter sido a autora sempre cui<strong>da</strong>dorado idoso segurado, e não companheira, como alega: a) a autora,por ocasião do óbito (29.06.2005), tinha 35 anos de i<strong>da</strong>de (nasceu em30.06.1969), enquanto o idoso tinha 77 anos (nasceu em 02.04.1928); b)quando conheceu a autora, o idoso já era inválido e portador de câncerde próstata (depoimento judicial <strong>da</strong> autora, fl. 150), fato que inviabilizauma união duradoura e estável, mormente com uma mulher ain<strong>da</strong> jovem;R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 305


c) a autora conheceu o idoso ao ser contrata<strong>da</strong> como cui<strong>da</strong>dora dele (depoimentojudicial <strong>da</strong> autora, fls. 150); d) a autora conviveu maritalmentecom outro homem, com quem teve 3 filhos (depoimento judicial, fl. 150);e) embora tenha arrolado testemunhas para confirmar genericamente queera companheira do falecido, a autora não comprovou que o denuncianteMarcolino Vorpagel (fl. 29) e as informantes nomea<strong>da</strong>s na pesquisaadministrativa (fl. 35) tivessem motivo para não dizer a ver<strong>da</strong>de ou paraprejudicar a autora; f) a escritura pública declaratória de convivência porexatos 5 anos com indicação <strong>da</strong> autora como pensionista perante o INSS(fl. 19), lavra<strong>da</strong> cerca de um ano antes do óbito, por tão exata e artificiosa,não disfarça a intenção oculta de servir de prova perfeita de uma situaçãoinexistente (a convivência como marido e mulher por precisos cinco anos).Acresce que as testemunhas arrola<strong>da</strong>s pela autora prestaram depoimentoobsequioso, com o nítido propósito de favorecê-la sem comprometer-se,o que é evidenciado pelo fato de saberem muito sobre a alega<strong>da</strong> convivênciaem união estável e na<strong>da</strong> ou pouco sobre fatos relevantes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>autora, que deviam necessariamente ser conhecidos por elas. Assim é quea testemunha Liomar Mendes de Souza, pergunta<strong>da</strong> se sabia que a autoraconviveu maritalmente com Antonio, respondeu “que o declarante desconhecese a requerente conviveu com Antonio, apenas sabe que a requerentee Antonio possuem três filhos” (fl. 149). Por outro lado, embora seja notórioque a autora tem três filhos, a testemunha Adolfo Krack declarou “que odeclarante desconhece se a requerente possui filhos” (fl. 151).Por seu turno, o depoimento <strong>da</strong> testemunha Lurdes Gonzatti <strong>da</strong> Costa(fl. 152) abala a credibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> “escritura pública declaratória” de uniãoestável por cinco anos (fl. 19), uma vez que noticia que a convivência entrea autora e o segurado iniciou-se “quatro ou cinco anos antes de Severinofalecer”, enquanto a escritura indica exatos cinco (5) anos de união e foilavra<strong>da</strong> mais de um ano antes do óbito.Na ver<strong>da</strong>de, a prova dos autos leva à conclusão de que a autora foi sempree apenas cui<strong>da</strong>dora do falecido segurado, o qual, não tendo condiçõesfinanceiras de pagar-lhe salário digno, mas sendo idoso, muito doente ebeneficiário de aposentadoria por invalidez sem dependentes, concordouem declará-la como sua companheira para viabilizar o recebimento depensão por morte, o que foi concretizado pela artificiosa escritura declaratória<strong>da</strong> fl. 19.306R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Impõe-se, pois, julgar improcedente a deman<strong>da</strong>, condena<strong>da</strong> a autora aopagamento <strong>da</strong>s custas do processo e dos honorários advocatícios, arbitradosequitativamente em R$ 510,00, observado o disposto no art. 12 <strong>da</strong> Lei nº1.060, de 1950, por ser beneficiária <strong>da</strong> gratui<strong>da</strong>de de justiça (fl. 61).Ante o exposto, voto por <strong>da</strong>r provimento à apelação e à remessa oficial,ti<strong>da</strong> por interposta, e tornar sem efeito a antecipação <strong>da</strong> tutela.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 307


DIREITO PROCESSUAL CIVIL


AGRAVO (INOMINADO, LEGAL) EM SELNº 0000570-51.2011.404.0000/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson DarósAgravante: Ministério Público <strong>Federal</strong>Agrava<strong>da</strong>: Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong> de Santa Catarina – UFSCAdvogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>Agravado: Juízo <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 2ª Vara <strong>Federal</strong> de JoinvilleInteressados: Município de Joinville/SCEstado de Santa CatarinaInteressado: Coml. Sinuelo Lt<strong>da</strong>.Advogado: Dr. Silvio OrzechowskiInteressado: Esperança Administradora de Bens Lt<strong>da</strong>.Advogado: Dr. Romeo Piazera JuniorInteressado: Milton MebsAdvogado: Dr. Edilson Neilon GonçalvesInteressados: Vandir BeckerMaria Rubia BeckerAdvogado: Dr. Renato MarconInteressado: Vicente RuonAdvogado: Dr. Silvio OrzechowskiInteressa<strong>da</strong>: Osmarina RuonAdvogado: Dr. Josué Eugenio WernerInteressa<strong>da</strong>: Marli de AndradeInteressado: João Franco de AndradeR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 311


Advogado: Dr. Josué Eugenio WernerInteressado: Marco Antonio TebaldiInteressados: Ademiro Palmerio CustodioDivaldo MarconAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Olga Regina Melchiors EmerimInteressado: Alceu Valdo JulianiAdvogado: Dr. Pedro Victor de Melo Machado LopesInteressados: Ubiraci José <strong>da</strong> SilvaHelcio DaquinoAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Olga Regina Melchiors EmerimInteressado: Fábio Luiz TavaresAdvogado: Dr. Damiano FlenikInteressado: Perci MullerAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Olga Regina Melchiors EmerimEMENTAAgravo Regimental. Pedido de suspensão de liminar ou sentença.Recursos. Prazo em dobro. Art. 188 do CPC. Inaplicabili<strong>da</strong>de. Tempestivi<strong>da</strong>de.Conflito entre lei ordinária e lei complementar. Questãoconstitucional. Aplicabili<strong>da</strong>de dos precedentes do STF.A necessi<strong>da</strong>de de aplicação do entendimento do STF acerca <strong>da</strong> incidênciado art. 188 do CPC nos pedidos de suspensão faz-se necessáriapois a questão perpassa pela análise de aparente conflito de competêncialegislativa constitucional entre Lei Complementar (Lei Complementarnº 75/93) e Lei Ordinária (Lei nº 8.437/1992). Desse modo, se é naConstituição <strong>Federal</strong> que se deve buscar o que será legislado via LeiComplementar, impõe-se a adoção do entendimento do STF que afastao prazo em dobro para o MPF agravar (recorrer) no âmbito do pedidode suspensão.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia Corte Especial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento ao agravo regimental, nostermos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.312R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Porto Alegre, 26 de maio de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós: Trata-se de agravo regimental(fls. 213-20) interposto pelo Ministério Público <strong>Federal</strong> contra decisão(fls. 208-10) que negou seguimento ao agravo interposto às fls. 198-205dos autos.A decisão monocrática reconheceu a intempestivi<strong>da</strong>de do agravo aoentendimento de que, em sede de pedido de suspensão de liminar ou deantecipação de tutela, não incide o artigo 188 do CPC, dispositivo queprevê o prazo em dobro para o Ministério Público recorrer.Em seu recurso, o Ministério Público <strong>Federal</strong> argumenta não estarpresente situação excepcional que justifique o afastamento <strong>da</strong> aplicaçãodo art. 188 do CPC. Defende que a decisão pautou-se tão somente pelajurisprudência do STF, que é contrária ao entendimento vigente no STJ.Com isso, alega que ao caso concreto deveria ser aplicado o posicionamentodeste último, pois não se está diante de questão constitucional,e sim de conflito entre leis federais, o que, segundo consta, deveria serdirimido pela competência do STJ de uniformizar a interpretação do direitofederal comum. Sustenta, outrossim, que a prerrogativa do prazo emdobro para o MPF recorrer também está prevista na Lei Complementarnº 75/93, hierarquicamente superior à Lei Ordinária nº 8.437/92, queestabelece o prazo de cinco dias do agravo <strong>da</strong> suspensão de liminar.Ao final, pugna pelo provimento deste agravo regimental para queseja recebido o agravo de fls. 198-205.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós: Trata-se de agravo regimentalinterposto pelo Ministério Público <strong>Federal</strong> em face de decisão queconsiderou intempestivo agravo manejado contra decisão monocráticadesta Presidência que deferiu em parte pedido para suspender decisãoliminar (cópia na fl. 26 destes autos) proferi<strong>da</strong> na ação civil pública nº2009.72.01.001980-5/SC.A decisão hostiliza<strong>da</strong> foi posta nos seguintes termos:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 313


“DECISÃOTrata-se de agravo interposto pelo Ministério Público <strong>Federal</strong> (fls. 198-205) contradecisão <strong>da</strong>s fls. 188-91 que deferiu o pedido de suspensão dos efeitos <strong>da</strong> liminar proferi<strong>da</strong>nos autos <strong>da</strong> Ação Civil Pública nº 2009.72.01.001980-5 pelo Juízo <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 2ª Vara<strong>Federal</strong> de Joinville/SC.Objetivando a reforma <strong>da</strong> decisão monocrática, o agravante pugna pelo recebimentodo recurso e pela reforma <strong>da</strong> decisão para restabelecer os efeitos do item c do dispositivo<strong>da</strong> liminar.É o relatório. Decido.Conforme o disposto no § 3º do artigo 4º <strong>da</strong> Lei nº 8.437/1992, do despacho que concederou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado ajulgamento na sessão seguinte à sua interposição.Com relação ao prazo para a interposição de agravo contra a decisão proferi<strong>da</strong> pelo Presidentede <strong>Tribunal</strong> em sede de pedido de suspensão de tutela antecipa<strong>da</strong>, restou assentadono âmbito do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> que tal prazo não admite o benefício <strong>da</strong> contagemem dobro prevista no artigo 188 do Código de Processo Civil.Nesse sentido, verbis:‘Suspensão de Tutela Antecipa<strong>da</strong>. Agravo Regimental contra decisão que negou seguimentoa agravo regimental em virtude de sua intempestivi<strong>da</strong>de. Tentativa de <strong>da</strong>r trânsito arecurso interposto no décimo dia após a intimação, ao fun<strong>da</strong>mento de aplicar-se à espécieo disposto no art. 188 do CPC. Entendimento assentado neste <strong>Tribunal</strong> de que o preceitodo artigo 4º, § 3º, <strong>da</strong> Lei 8437/92 é taxativo ao assentar o prazo de cinco dias tanto para oagravo regimental a ser interposto pelo ente público, em razão do indeferimento do pedidode suspensão, quanto para o recurso do interessado que tivesse suspensa a decisão que lheera favorável. Agravo regimental a que se nega provimento.’ (STA 46 AgR-AgR, Relator(a):Min. GILMAR MENDES (Presidente), <strong>Tribunal</strong> Pleno, julgado em 22.04.2010, DJe-091DIVULG 20.05.2010 PUBLIC 21.05.2010 EMENT VOL-02402-01 PP-00009)‘AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGI-MENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. PRAZO RECURSAL. ARTIGO 188DO CPC. PRAZO EM DOBRO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Lei 4348/64 e superveniência<strong>da</strong> Lei 8437/92. Conciliação de sistemas legais pertinentes à possibili<strong>da</strong>de de suspensãode medi<strong>da</strong> liminar e de tutela antecipa<strong>da</strong>. Desfazimento de aparente assimetria processualentão existente entre as ações de man<strong>da</strong>do de segurança e os demais procedimentos decontracautela. Precedente do <strong>Tribunal</strong> Pleno. 2. Agravo regimental. Cabimento do recursocontra a decisão que defere ou indefere o pedido de suspensão de liminar ou de tutela antecipa<strong>da</strong>,no prazo de cinco dias. Contagem em dobro do prazo para recorrer quando a partefor a Fazen<strong>da</strong> Pública ou o Ministério Público. Inaplicabili<strong>da</strong>de do artigo 188 do Códigode Processo Civil à espécie, tendo em vista o disposto no artigo 4º, § 3º, <strong>da</strong> Lei 8437/92.Agravo regimental não conhecido.’ (SS 2198 AgR-AgR, Relator(a): Min. MAURÍCIOCORRÊA, <strong>Tribunal</strong> Pleno, julgado em 03.03.2004, DJ 02.04.2004 PP-00010 EMENTVOL-02146-02 PP-00341)No mesmo sentido, recente decisão proferi<strong>da</strong> pela Corte Especial deste <strong>Tribunal</strong>, in verbis:314R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


‘AGRAVO REGIMENTAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR OU SENTEN-ÇA. RECURSOS. PRAZO EM DOBRO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 188DO CPC. INAPLICABILIDADE. TEMPESTIVIDADE. PRECEDENTE DO STF – SL 172AgR-ED. A inaplicabili<strong>da</strong>de do art. 188 do CPC (prazo em dobro para a fazen<strong>da</strong> pública eo ministério público recorrerem) abrange qualquer recurso interposto em face <strong>da</strong> decisãoproferi<strong>da</strong> pelo Presidente do <strong>Tribunal</strong> em pedidos de suspensão de liminar ou de sentença.Precedente do STF, SL 172 AgR-ED.’ (TRF4, AGRAVO (INOMINADO, LEGAL) EMSEL Nº 0025867-94.2010.404.0000, Presidente, Des. <strong>Federal</strong> VILSON DARÓS, PORUNANIMIDADE, D.E. 03.03.2011)Cumpre também registrar que, muito embora os arts. 18, inc. II, h, <strong>da</strong> LC 75/93 e 41,inc. IV, <strong>da</strong> Lei 8.625/93 confiram prerrogativa aos membros do Ministério Público de seremintimados pessoalmente dos atos processuais, compartilho do entendimento de que, havendoa indicação <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta de recebimento dos autos no setor responsável <strong>da</strong>quele órgão, conta-sea partir <strong>da</strong>í o prazo para a prática dos atos processuais.Nesse sentido, vale citar os seguintes precedentes desta Corte:‘EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PRAZO RECURSALEM DOBRO. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO PESSOAL. INICÍO DA CONTAGEM.INTEMPESTIVIDADE.Conforme disposição do artigo 536 do Código de Processo Civil, os embargos dedeclaração serão opostos no prazo de cinco dias, em petição dirigi<strong>da</strong> ao juiz ou relator,contando-se o prazo <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> intimação <strong>da</strong> sentença ou do acórdão embargado. Os prazospara recorrer serão contados em dobro, contudo, quando a parte for o Ministério Público,a teor do art. 188 do Código de Processo Civil.Embora os artigos 18, inc. II, h, <strong>da</strong> LC 75/93 e 41, inc. IV, <strong>da</strong> Lei 8.625/93 confirama prerrogativa aos membros do Ministério Público de serem intimados pessoalmente,havendo setor responsável pelo recebimento dos autos, conta-se a partir <strong>da</strong>í o prazo paraa prática dos atos processuais.São intempestivos os embargos de declaração opostos pelo Ministério Público <strong>Federal</strong>após decorrido o prazo de dez dias contados do recebimento dos autos naquele órgão.’ (TRF4,EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃODE TUTELA Nº 2009.04.00.017735-3, Presidente, Des. <strong>Federal</strong> VILSON DARÓS, PORUNANIMIDADE, D.E. 10.12.2009) (grifei)‘PROCESSO PENAL. INTIMAÇÃO PESSOAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIOPÚBLICO. CONTAGEM DOS PRAZOS A PARTIR DO RECEBIMENTO NO RESPEC-TIVO ÓRGÃO. 1. Não obstante tratar-se de uma prerrogativa legítima e indispensável, aexigência de intimação pessoal dos membros do Ministério Público (Lei Complementar nº75/93 e Lei nº 8.625/93) não é suficiente para conferir-lhes total controle sobre os prazosprocessuais, em odiosa desigual<strong>da</strong>de processual entre as partes. 2. Conforme precedente <strong>da</strong>Turma, não há norma legal estabelecendo o ‘ciente’ aposto pelo Procurador <strong>da</strong> Repúblicacomo o ato capaz de perfazer a referi<strong>da</strong> determinação. 3. Se há certeza quanto à <strong>da</strong>ta na qualos autos foram recebidos pela Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> República, em vista de marcaçãoassinala<strong>da</strong> pelo setor responsável por tais atos, é sensato concluir que a imposição tenhaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 315


sido satisfeita, contando-se a partir <strong>da</strong>í os prazos processuais.’ (TRF4, EMBARGOS DEDECLARAÇÃO EM RCCR Nº 2001.70.01.002433-0, OITAVA TURMA, Des. <strong>Federal</strong>Luiz Fernando Wowk Penteado, D.J.U. 11.06.2003)‘PROCESSUAL PENAL. PRAZO RECURSAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. TERMOINICIAL. INTIMAÇÃO PESSOAL. VISTA DOS AUTOS. INTEMPESTIVIDADE DOAPELO. 1. O termo a quo do prazo recursal, para o Parquet, se dá a contar do recebimentodo processo, com abertura de vista, no setor administrativo do órgão acusador. 2. A intimaçãopessoal não exige o lançamento de ciência nos autos por parte do agente ministerial, umavez que tal procedimento permitiria ao Ministério Público manipular os prazos processuais,bem como fixar o termo inicial para a interposição de recurso, o que violaria os princípiosdo processo penal e <strong>da</strong> isonomia. 3. Precedentes desta Corte e dos Tribunais Superiores. 4.Recurso não conhecido, por intempestivo.’ (TRF4, QUESTÃO DE ORDEM NA ACR Nº2002.71.00.008972-3, 7ª Turma, Des. <strong>Federal</strong> TADAAQUI HIROSE, D.J.U. 05.10.2005)Pois bem, no caso em tela, a certidão de fl. 196 indica que os presentes autos foramremetidos ao Ministério Público <strong>Federal</strong> na <strong>da</strong>ta de 05 de abril de 2011. À mesma folha,observa-se que o MPF apôs seu carimbo de recebimento no dia 07 de abril (quinta-feira)do corrente ano.Iniciado o prazo para recorrer em 08 de abril, o último dia para a interposição do recursoseria dia 12 de abril (terça-feira). Ocorre que o agravo em questão somente foi apresentadono dia 14 de abril de 2011, conforme registro de protocolo de petição de fl. 198. Vale dizer,o presente agravo foi manejado após ter escoado o prazo de cinco dias para recorrer.Ante o exposto, nego seguimento ao agravo, com fulcro no artigo 557, caput, do Códigode Processo Civil.Intime-se. Publique-se.Oportunamente, dê-se baixa.Porto Alegre, 18 de abril de 2011.Desembargador <strong>Federal</strong> VILSON DARÓSPresidente”Embora os argumentos trazidos pelo agravante, mantenho o posicionamentoesposado no momento em que proferi a decisão monocráticaque reconheceu a intempestivi<strong>da</strong>de do agravo. Explico.Em primeiro lugar, o agravante evoca a competência do STJ, de unificara interpretação do direito federal, para desqualificar a utilização <strong>da</strong>jurisprudência do STF pela decisão agrava<strong>da</strong>.Contudo, não se pode olvi<strong>da</strong>r que ambos os tribunais superioresnão estão limitados às competências referi<strong>da</strong>s pela agravante. Uma <strong>da</strong>sprincipais competências do STF é a guar<strong>da</strong> <strong>da</strong> Constituição via controleconcentrado (Adin) ou difuso (Recurso Extraordinário), mas tambémpode analisar questão de interpretação de lei federal quando recebe re-316R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


curso ordinário de ações originárias de outros tribunais superiores (incisoII do art. 102 <strong>da</strong> CF/88). Nesse caso, havendo decisão do STJ em açãooriginária recorrível via recurso ordinário ao STF, eventual pedido desuspensão deverá ser direcionado ao STF, que não ficará limitado emapontar ofensa à Constituição.Ademais, a agravante alega que não poderia ser afasta<strong>da</strong> a Lei Complementarnº 75/93 (que ao seu entendimento confere a prerrogativa doart. 188 do CPC ao MPF) por norma conti<strong>da</strong> em Lei Ordinária (§ 3º doartigo 4º <strong>da</strong> Lei nº 8.437/1992), <strong>da</strong><strong>da</strong> a hierarquia superior do primeirodiploma legal.Entretanto, mesmo considerando a jurisprudência já consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> doSTF no sentido <strong>da</strong> inexistência de ordem hierárquica entre Lei Complementare Lei Ordinária, e sim de uma competência legislativa materialconstitucionalmente resguar<strong>da</strong><strong>da</strong> à primeira espécie, não se pode olvi<strong>da</strong>rque tal questão é eminentemente constitucional.Assim, pelos próprios fun<strong>da</strong>mentos apresentados nas razões do recursodo MPF, evidencia-se a necessi<strong>da</strong>de de aplicação do entendimentodo STF acerca <strong>da</strong> incidência do art. 188 do CPC, pois se trata tambémde dirimir conflito de competência legislativa constitucional entre LeiComplementar e Lei Ordinária. Em outras palavras, é na própria Constituição<strong>Federal</strong> que está estabelecido o que deve ser legislado via LeiComplementar, consagrando a competência do STF para análise do temae, consequentemente, a adoção do seu entendimento de afastar o prazoem dobro para o MPF recorrer no âmbito do pedido de suspensão.Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo regimental.É o voto.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 317


MANDADO DE SEGURANÇA Nº 0000978-42.2011.404.0000/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luís Alberto D’Azevedo AurvalleImpetrante: Rogério Schutz GoedertAdvogados: Drs. Bento Ademir Vogel e outroImpetrado: Desembargador <strong>Federal</strong> Vice-Presidente do <strong>Tribunal</strong><strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>Interessa<strong>da</strong>: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> NacionalEMENTAMan<strong>da</strong>do de Segurança contra ato judicial. Recurso Especial admitidopor um dos fun<strong>da</strong>mentos. Agravo interposto. Recebimento comopedido de reconsideração. Ausência de interesse processual para oman<strong>da</strong>mus. Inadmissão parcial do Recurso Especial não obsta o exameintegral pelo STJ. Inteligência <strong>da</strong>s Súmulas 292 e 528 do STF.1. Admite-se Man<strong>da</strong>do de Segurança contra ato judicial, desde queausente previsão de recurso para atacá-lo.2. Tendo o Recurso Especial sido admitido por um de seus fun<strong>da</strong>mentos,desnecessária a interposição de agravo, o qual fora recebido comoPedido de Reconsideração.3. A inadmissão parcial do Recurso Especial não obsta o exame integraldo recurso pelo STJ, conforme preceituam as Súmulas 292 e 528do STF.4. Ausência de interesse processual para o man<strong>da</strong>mus.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia Corte Especial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de, indeferir a inicial, extinguindo a ação man<strong>da</strong>mental,nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficamfazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 28 de abril de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, Relator.318R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle: Trata-sede man<strong>da</strong>do de segurança impetrado por Rogério Schutz Goedert contradecisão proferi<strong>da</strong> pelo e. Desembargador Vice-Presidente desta Corte,que negou provimento ao agravo inominado interposto <strong>da</strong> decisão queadmitiu parcialmente o Recurso Especial interposto.Em atenção ao despacho <strong>da</strong> fl. 61, a União (Fazen<strong>da</strong> Nacional) ingressouno feito (fls. 69-70), requerendo, preliminarmente, a extinçãodo processo sem julgamento de mérito ou, venci<strong>da</strong> a preliminar, pugnoupela denegação <strong>da</strong> segurança.A autori<strong>da</strong>de impetra<strong>da</strong> prestou as informações (fls. 73-74).O Ministério Público <strong>Federal</strong> opinou pela extinção do man<strong>da</strong>mus,em preliminar, e , no mérito, pela denegação <strong>da</strong> segurança (fls. 76-78v.).É o Relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle: Ain<strong>da</strong>que a jurisprudência pátria admita o manejo do Man<strong>da</strong>do de Segurançaem face de decisão judicial contra a qual não haja previsão de recurso,tenho que o presente man<strong>da</strong>mus não deve ter prosseguimento.Constitui truísmo vulgar, na teoria geral do Direito, o reconhecimentode que o espírito se sobrepõe à letra <strong>da</strong> lei. Por analogia, o nomen jurisemprestado pelos operadores do Direito aos institutos jurídicos nãorepresenta necessariamente sua natureza. Levando tais lições básicasao campo do direito processual, sobressai a constatação de que o nome<strong>da</strong>do ao remédio jurídico escolhido pela parte nem sempre se amol<strong>da</strong> àsua pretensão. Interessa, sim, in<strong>da</strong>gar sobre o “bem <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>” perseguidopelo titular do direito de ação, para saber se o veículo escolhido é-lhecompatível.No presente man<strong>da</strong>do de segurança, o Impetrante busca a nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong>decisão proferi<strong>da</strong> pela E. Vice-Presidência desta Corte que, recebendo seuagravo como pedido de reconsideração do despacho de admissibili<strong>da</strong>dedo recurso especial, o indeferiu.Para tanto, afirmou que “não era <strong>da</strong>do à Douta Autori<strong>da</strong>de Coatorareexaminar o conteúdo <strong>da</strong> decisão e proferir novo julgamento, porqueR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 319


lhe incumbe, por força do art. 544 do CPC, <strong>da</strong>r vista à parte adversa eencaminhar o caderno judiciário ao Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça” (fl. 6).Data venia, tal pretensão possui níti<strong>da</strong> natureza reclamatória, por terhavido alega<strong>da</strong> usurpação de competência originária do Col. STJ, a teordo disposto no art. 105, I, f, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>: “Compete ao STJprocessar e julgar originariamente a reclamação para a preservação desua competência e garantia <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de de suas decisões”. Por essarazão, não compete a este Eg. <strong>Regional</strong> – e muito menos a este Relator– manifestar-se sobre ter havido ou não usurpação <strong>da</strong> competência doCol. STJ. Sendo o juízo de admissibili<strong>da</strong>de do recurso especial, feito porparte <strong>da</strong> Eg. Vice-Presidência <strong>da</strong> Corte <strong>Regional</strong>, fruto de competênciadelega<strong>da</strong> diretamente pelo Col. STJ, a inconformi<strong>da</strong>de quanto a tal juízosomente pode ser aprecia<strong>da</strong> pelo <strong>Tribunal</strong> Superior delegante.Por essa razão, o agravo previsto no art. 544 do CPC é dirigido ao<strong>Tribunal</strong> Superior, e não ao <strong>Regional</strong>. Assim, não pode o presente man<strong>da</strong>dode segurança – e nem o agravo interposto no processo originário– ser aqui conhecido, por absoluta incompetência, pois não pode a açãoman<strong>da</strong>mental ser sucedânea de pedido reclamatório.Alternativamente, mesmo que venci<strong>da</strong> fosse a barreira objetiva doexame dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido eregular do processo – o que se admite apenas por apego à argumentação–, melhor sorte não sorriria ao Impetrante, no que respeita às condições<strong>da</strong> ação, por lhe falecer interesse processual.Sucede que, ain<strong>da</strong> que parcialmente, o recurso especial foi admitidopela decisão anterior à ora ataca<strong>da</strong>. Sendo ele composto por três capítulos,mesmo tendo sido negado trânsito a dois deles, quanto ao cabimento ounão de honorários advocatícios foi-lhe <strong>da</strong>do seguimento, o que possibilitaque o <strong>Tribunal</strong> Superior aprecie todos os três fun<strong>da</strong>mentos arguidospelo recorrente.Assim, repisa-se, uma vez admitido o Recurso Especial, mesmo queparcialmente, pelo <strong>Tribunal</strong> de origem, não impede que a Corte Superioro aprecie sob todos os fun<strong>da</strong>mentos interpostos, conforme precedentedo STJ, verbis:“PROCESSO PENAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INADMISSÃO PARCIALDO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. SÚMULAS 292/STF E 528/STF. AGRAVO NÃO CONHECIDO.” (decisão monocrática proferi<strong>da</strong> no AI320R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


nº 1.089.394-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, publica<strong>da</strong> no DJe 10.02.2009)No corpo <strong>da</strong> decisão, a Ministra Relatora sublinha que a mesma atende àorientação objeto <strong>da</strong>s súmulas 292 e 528 do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, assimementa<strong>da</strong>s:Enunciado nº 292: “Interposto o recurso extraordinário por mais de um dos fun<strong>da</strong>mentosindicados no art. 101, III, <strong>da</strong> Constituição, a admissão apenas por um deles não prejudica o seuconhecimento por qualquer dos outros.”Enunciado nº 528: “Se a decisão contiver partes autônomas, a admissão parcial, pelo presidentedo tribunal a quo, de recurso extraordinário que, sobre qualquer delas se manifestar, não limitaráa apreciação de to<strong>da</strong>s pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, independentemente de interposição deagravo de instrumento.”No mais, verifica-se que o impetrante deixou de juntar procuração, o queensejaria, a rigor, a suspensão do processo para a regularização <strong>da</strong> representaçãoprocessual, conforme julgados abaixo transcritos. Entretanto, pelos argumentosacima, tal medi<strong>da</strong> resta inócua.“PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PETIÇÃO INICIAL. AUSÊNCIADE PROCURAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS. ART-13 DO CPC. PAGAMENTO DAS CUSTASINICIAIS. PRAZO. ART-257 DO CPC-73.1. A ausência de procuração com a inicial não enseja a extinção do processo, mas a sua suspensãoe a intimação <strong>da</strong> parte para regularizar a representação processual, nos termos do art-13 do CPC-73.2. (...)” (AMS nº 93.04.11348-2, Relatora Desa. Marga Inge Barth Tessler, Terceira Turma doTRF4, em 11.12.1997)“MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. PROCURAÇÃO. RE-GULARIZAÇÃO NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA.1. (...)2. Nas instâncias ordinárias a ausência de procuração do advogado é vício sanável, cabendoao magistrado abrir prazo para que a parte regularize a representação. Precedentes.3. (...)” (RMS nº 8163/MT, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turmado STJ, DJ 24.08.1998, p. 68).“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EFEITO SUSPENSIVO. AGRAVODE INSTRUMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. ADVOGADO DA IMPETRANTE. VÍCIO SANÁVEL.ART. 13 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRECEDENTES.Tendo em vista princípios como o <strong>da</strong> economia processual, a jurisprudência desta Corte, naexegese do artigo 13 do Código de Processo Civil, consolidou entendimento no sentido de queo magistrado deve assegurar prazo razoável para que a parte possa suprir eventual omissão oudeficiência relativa à incapaci<strong>da</strong>de postulatória.Recurso ordinário provido.” (RMS nº 6274/AM, Relator Ministro Castro Filho, Terceira Turmado STJ, DJ 23.09.2002, p. 349)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 321


Ante o exposto, voto por indeferir a inicial, extinguindo a presente açãoman<strong>da</strong>mental, sem resolução de mérito, com fun<strong>da</strong>mento nos arts. 267,inciso I, e 295, inciso III, do CPC, c/c os arts. 1º e 10 <strong>da</strong> Lei 12.016/2009 e37, § 1º, inciso II, do Regimento Interno desta Corte, com a determinaçãode baixa e arquivamento dos autos e devi<strong>da</strong>s cautelas legais.AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0003389-58.2011.404.0000/RSRelatora: A Exma. Sra. Juíza <strong>Federal</strong> Vânia Hack de Almei<strong>da</strong>Agravante: Cooperativa Vitivinícola Aliança Lt<strong>da</strong>.Advogados: Drs. Juliana Sarmento Cardoso e outrosAgrava<strong>da</strong>: Centrais Elétricas Brasileiras S/A – EletrobrásAdvogados: Drs. Maria Ester Antunes Klin e outrosDrs. Sérgio Eduardo Rodrigues <strong>da</strong> Silva Martinez e outrosAgrava<strong>da</strong>: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> NacionalEMENTAFase de Execução. Agravo de Instrumento. Tributário. Empréstimocompulsório sobre energia elétrica. Não apresentação <strong>da</strong>s faturas.Comprovação dos valores recolhidos. Ônus <strong>da</strong> prova.1. Na fase de execução, todos os documentos devem ser apresentados.Há necessi<strong>da</strong>de de se chegar a um valor certo. As partes devem convergirna produção <strong>da</strong> prova necessária. Entretanto, assim como na fase de conhecimento,não basta que a (agora) exequente requeira inaudita alteraparte a junta<strong>da</strong> força<strong>da</strong> dos documentos.2. A empresa-executante deve demonstrar que houve resistência préviae extra-autos <strong>da</strong> Eletrobrás, antes de requerer a ordem judicial.3. Não se está a negar jurisdição com esse entendimento. Pelo contrá-322R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


io, está-se preservando a segurança <strong>da</strong> jurisdição, a intervenção mínimado judiciário e a ampla defesa. E, mesmo que admiti<strong>da</strong> uma distribuiçãodinâmica do ônus <strong>da</strong> prova, não vejo no caso concreto elementossuficientes para inverter o ônus <strong>da</strong> produção <strong>da</strong> prova documental dorecolhimento do tributo.4. Assim, é <strong>da</strong> parte exequente o ônus probatório de juntar to<strong>da</strong> aprova documental (cópia de faturas de energia elétrica em que conste orecolhimento do empréstimo compulsório) ou justificar essa impossibili<strong>da</strong>demediante negativa prévia <strong>da</strong> empresa concessionária responsávelpelo fornecimento de energia elétrica no seu domicílio.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 2ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento ao agravo, nos termos do relatório,votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.Porto Alegre, 10 de maio de 2011.Juíza <strong>Federal</strong> Vânia Hack de Almei<strong>da</strong>, Relatora.RELATÓRIOA Exma. Sra. Juíza <strong>Federal</strong> Vânia Hack de Almei<strong>da</strong>: CooperativaVitivinícola Aliança Lt<strong>da</strong>., autora na ação de rito ordinário (fase de execução)que move contra as Centrais Elétricas Brasileiras S/A – Eletrobráse a União, interpôs o presente agravo contra decisão do juiz singularque não obrigou a Eletrobrás a informar e carrear ao processo as provasreferentes ao Cice apontado pela empresa.O despacho teve o seguinte conteúdo:“Indefiro o pedido <strong>da</strong> fl. 691, haja vista que é ônus <strong>da</strong> parte deman<strong>da</strong>nte providenciar ajunta<strong>da</strong> <strong>da</strong> documentação necessária à liqui<strong>da</strong>ção do julgado, no caso, solicitando-a diretamenteà fonte pagadora de seus rendimentos, não havendo necessi<strong>da</strong>de de intervenção dojuízo para tal fim, ressalvando-se a hipótese de injustifica<strong>da</strong> resistência na via administrativa,o que deverá ser comprovado documentalmente. Uma vez que pendem de julgamento osrecursos especiais interpostos pelas partes, bem como o agravo de instrumento interpostode decisão que inadmitiu o recurso extraordinário, esclareça a parte-autora se pretende aexecução provisória do julgado ou aguar<strong>da</strong> o trânsito em julgado. Prazo de 10 (dez) dias.Ressalto, desde já, que os incidentes, dependentes ou conexos, bem como as execuções eR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 323


cumprimentos de sentenças, de ações que tramitam em meio físico, devem ser ajuizadosno sistema de processamento eletrônico/e-Proc, regulado pela Lei nº 11.419/06 e pelaResolução nº 17, de 26 de março de 2010, <strong>da</strong> Presidência do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong><strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>. Assim, deverá a deman<strong>da</strong>nte, quando <strong>da</strong> proposição eletrônica <strong>da</strong> execução,digitalizar e anexar ao processo eletrônico cópia <strong>da</strong> decisão transita<strong>da</strong> em julgado nestaação originária, <strong>da</strong> procuração, bem como de quaisquer outros documentos necessáriosà execução do julgado. Intime-se. Na<strong>da</strong> sendo requerido, aguarde-se o julgamento dosrecursos excepcionais interpostos.”Não houve pedido de efeito suspensivo ativo (antecipação de tutela).Após as contrarrazões, voltaram os autos para julgamento.É o relatório.VOTOA Exma. Sra. Juíza <strong>Federal</strong> Vânia Hack de Almei<strong>da</strong>: Ausente o direitoinvocado pela agravante.O processo de conhecimento visa à afirmação do direito debatido, cujaprova, se decorrer de documento, limita-se a demonstrar a existência dodireito ou a infirmar a pretensão do autor. Os documentos necessáriosnesta fase judicial, portanto, não precisam esgotar a comprovação doquantum debeatur.Tratando-se de empréstimo compulsório, a jurisprudência vem afastandoa necessi<strong>da</strong>de de apresentação de to<strong>da</strong>s as guias comprobatóriascom a inicial do feito cognitivo, sendo perfeitamente viável que issoocorra na fase de liqui<strong>da</strong>ção de sentença. A propósito:“TRIBUTÁRIO E PROCESSO CIVIL. FINSOCIAL. DESNECESSIDADE DA APRE-SENTAÇÃO DAS GUIAS DE RECOLHIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. 1.No processo de conhecimento é dispensável a apresentação <strong>da</strong>s guias de recolhimento deFinsocial, uma vez que o interesse <strong>da</strong>s pessoas jurídicas é de que seja declara<strong>da</strong> a inconstitucionali<strong>da</strong>dedo referido tributo e que seja declarado o direito de repetição de indébito.2. A compensação propriamente dita efetivar-se-á em fase de execução de sentença, comas devi<strong>da</strong>s comprovações do pagamento do tributo. (...)” (AC 96.04.35842-1/RS, PrimeiraTurma, Relator Juiz Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva, unânime, DJU 10.03.1999)“TRIBUTÁRIO. INSS E INCRA. LEGITIMIDADE PASSIVA – LITISCONSÓRCIONECESSÁRIO. PRESCRIÇÃO. CONTRIBUIÇÃO AO FUNRURAL. LEGALIDADE.EXTINÇÃO PELA LEI Nº 7.787/89. IMPOSTO DESTINADO AO INCRA. NÃO RE-CEPÇÃO. RESTITUIÇÃO. OPORTUNIDADE DE JUNTADA DE DOCUMENTOS. 1 a4: Omissis. 5. O processo de conhecimento objetiva, precipuamente, a afirmação do direitodebatido, cuja prova, se decorrer de documento, limita-se a demonstrar a existência do324R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


direito, ou a infirmar a pretensão do autor. Os documentos necessários nesta fase judicialnão precisam, portanto, esgotar a comprovação do quantum debeatur. Assim, na<strong>da</strong> impedea junta<strong>da</strong> de documentos comprobatórios de pagamentos de tributos na fase de liqui<strong>da</strong>ção/execução <strong>da</strong> sentença. Observa-se, com tal possibili<strong>da</strong>de, os princípios <strong>da</strong> efetivi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>economia processual.” (TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, AC 200370000825107/PR, Segun<strong>da</strong> Turma, Rel.Des. Dirceu de Almei<strong>da</strong> Soares, publ. no DJU de 18.01.2006, p. 608)To<strong>da</strong>via, há precedentes desta Turma afirmando que é insuficiente asimples indicação do Cice. Eis a ementa do julgado, cujo voto-condutorfoi de minha lavra:“TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA.NÃO APRESENTAÇÃO DAS FATURAS. COMPROVAÇÃO DOS VALORES RECO-LHIDOS. ÔNUS DA PROVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DOMÉRITO. 1. A parte-autora não se desincumbiu do ônus probatório (prova documentaljunta<strong>da</strong> in limine), tampouco comprovou haver tentado obter tais informações junto à empresaconcessionária responsável pelo fornecimento de energia elétrica no seu domicílio,ou que esta tenha criado dificul<strong>da</strong>des além do razoável. 2. Processo extinto sem análise demérito. Precedentes deste <strong>Regional</strong>. 3. Sentença manti<strong>da</strong>.” (TRF4, AC 2007.71.15.001738-7,Segun<strong>da</strong> Turma, Relatora Vânia Hack de Almei<strong>da</strong>, D.E. 13.01.2010)Já na fase de execução, todos os documentos devem ser apresentados.Há necessi<strong>da</strong>de de se chegar a um valor certo. As partes devem convergirna produção <strong>da</strong> prova necessária. Entretanto, assim como na fasede conhecimento, não basta que a (agora) exequente requeira inauditaaltera parte a junta<strong>da</strong> força<strong>da</strong> dos documentos.A empresa-executante deve demonstrar que houve resistência préviae fora dos autos, antes de requerer a ordem judicial.Veja-se, não se está a negar jurisdição com esse entendimento. Pelocontrário, está-se preservando a segurança <strong>da</strong> jurisdição, a intervençãomínima do Judiciário e a ampla defesa.E, mesmo que admiti<strong>da</strong> uma distribuição dinâmica do ônus <strong>da</strong> prova,não vejo no caso concreto elementos suficientes para inverter o ônus <strong>da</strong>produção <strong>da</strong> prova documental do recolhimento do tributo.Para o professor Luiz Guilherme Marinoni, a modificação do ônus <strong>da</strong>prova só deve ocorrer quando “ao autor é impossível, ou muito difícil,provar o fato constitutivo, mas ao réu é viável, ou muito mais fácil, provara sua inexistência” (Formação <strong>da</strong> convicção e inversão do ônus <strong>da</strong> provasegundo as peculiari<strong>da</strong>des de caso concreto. Disponível em: . Acesso em: 26.01.07).R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 325


Na espécie dos autos, ressalto que tinha a parte-autora boa possibili<strong>da</strong>dematerial <strong>da</strong> produção dos aludidos documentos. Com efeito, ela poderiater diligenciado junto à Eletrobrás. Outrossim, deve ser prestigia<strong>da</strong>a presunção de ser a exequente uma empresa organiza<strong>da</strong> e contabilmenteestrutura<strong>da</strong> para manter registro necessário e até de estimativa econômicapara futuro ressarcimento de tal tributo.Por fim, ressalto que a jurisprudência deste <strong>Tribunal</strong> está tomando umalinha mais rígi<strong>da</strong> quanto ao ônus <strong>da</strong> prova, em se tratando de empréstimocompulsório. Nesse sentido, mutatis mutandi:“PROCESSUAL CIVIL. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉ-TRICA. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. EXIBIÇÃO DE DOCUMEN-TOS PELA ELETROBRÁS. 1. A Eletrobrás não está obriga<strong>da</strong> a apresentar os extratosinformativos dos recolhimentos feitos pelas apelantes, visto que o ônus <strong>da</strong> prova dos fatosconstitutivos do direito pertence às autoras. Somente fosse prova<strong>da</strong> a impossibili<strong>da</strong>de deobter esses documentos, em razão <strong>da</strong> negativa <strong>da</strong> empresa, caberia a aplicação do art. 355do CPC. 2. Não se destinando a instruir o feito, a junta<strong>da</strong> de todos os comprovantes depagamento do empréstimo compulsório não é útil nem necessária na fase de conhecimento,devendo ser requeri<strong>da</strong> na fase de liqui<strong>da</strong>ção de sentença. 3. Versando sobre matériaexclusivamente de direito, basta que as autoras comprovem ser consumidoras de energiaelétrica no período reclamado, porquanto o empréstimo compulsório era cobrado <strong>da</strong>sempresas industriais, nos termos do DL nº 1.512/76. Desincumbiram-se desse ônus as empresasFundição Hércules, Cerâmica Heinig e Engenho de Arroz São Roque, mas a autoraCerealista Jonk não apresentou qualquer documento que possa evidenciar o pagamentodo compulsório.” (TRF4, AC 2004.72.05.004039-0, Primeira Turma, Relator WellingtonMendes de Almei<strong>da</strong>, DJ 20.07.2005)“TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIOSOBRE ENERGIA ELÉTRICA. NÃO APRESENTAÇÃO DAS FATURAS. COMPRO-VAÇÃO DOS VALORES RECOLHIDOS. 1. A Eletrobrás não é responsável pela emissão<strong>da</strong>s faturas de energia elétrica, mas a concessionária local, que repassa, anualmente, os<strong>da</strong>dos relativos às contribuições do empréstimo compulsório recebi<strong>da</strong>s dos consumidores,no ano anterior, acompanha<strong>da</strong> dos respectivos nomes e endereços. 2. A parte-autora nãodesimcumbiu-se do ônus probatório, tampouco comprovou haver tentado obter tais informaçõesjunto à empresa concessionária responsável pelo fornecimento de energia elétricano seu domicílio, ou que esta tenha criado dificul<strong>da</strong>des além do razoável. 3. Agravo improvido.”(TRF4, AG 2005.04.01.017912-2, Segun<strong>da</strong> Turma, Relator Dirceu de Almei<strong>da</strong>Soares, DJ 17.08.2005)Dessarte, correta a decisão agrava<strong>da</strong>.Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo.326R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0010735-94.2010.404.0000/PRRelator: O Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Jorge Antonio MauriqueRelatora p/ acórdão: A Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Silvia GoraiebAgravante: Wandscheer Construções Lt<strong>da</strong>.Advogados: Dr. Auracyr Azevedo de Moura CordeiroDra. Thaila Andressa NakadomariAgravante: Auracyr Azevedo de Moura CordeiroAdvogado: Dr. Auracyr Azevedo de Moura CordeiroAgrava<strong>da</strong>: Caixa Econômica <strong>Federal</strong> – CEFAdvogados: Drs. Marcos Luciano Gomes e outrosEMENTAAgravo de Instrumento. Cumprimento de sentença. Depósito judicial.Pressuposto processual. Ausência de interrupção <strong>da</strong> mora. Atualização.Possibili<strong>da</strong>de. Prevalência dos critérios definidos no título executivo.. O depósito judicial prévio à oposição de embargos à execução ouà impugnação ao cumprimento de sentença é mero pressuposto processualde admissibili<strong>da</strong>de e não tem, por si só, o condão de interrompera mora. Hipótese em que sobre os respectivos valores depositados emconta judicial incidem correção monetária e juros determinados no títuloexecutivo judicial.. Somente o efetivo pagamento, assim definido como a real disponibili<strong>da</strong>deeconômica do crédito pelo exequente, cessa a aplicação doscritérios determinados no título executivo, ain<strong>da</strong> que exista penhora norosto dos autos para satisfazer futura compensação de crédito.. O depósito judicial efetuado como condição prévia à impugnação éatualizado exclusivamente pela remuneração básica <strong>da</strong> poupança, segundoas definições conti<strong>da</strong>s no art. 11, § 1º, <strong>da</strong> Lei nº 9.289/96 e no art. 7º,caput, <strong>da</strong> Lei nº 8.660/93, cabendo ao executado a sua complementaçãoaté o efetivo pagamento.. Quando fixados em percentual sobre a condenação e não cessandoa mora com o depósito judicial, os honorários advocatícios devem serrecalculados na mesma medi<strong>da</strong> e proporção que o principal, sob penade representar afronta ao título executivo judicial.. Prequestionamento estabelecido pelas razões de decidir.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 327


. Agravo de instrumento provido.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia <strong>4ª</strong> Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por maioria, vencido o Relator, <strong>da</strong>r provimento ao agravo de instrumento,nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendoparte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 30 de março de 2011.Desa. <strong>Federal</strong> Silvia Goraieb, Relatora para o acórdão.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Jorge Antonio Maurique: Trata-se de agravode instrumento interposto contra decisão (fl. 356) que, em sede de fase decumprimento de sentença lança<strong>da</strong> em ação ordinária movi<strong>da</strong> contra a CEF(em que é busca<strong>da</strong> indenização por quebra de contrato em financiamentode empreendimento imobiliário), determinou fossem transferidos todosos valores penhorados nos autos em favor de ação movi<strong>da</strong> pela Emgeacontra os agravantes (penhora no rosto dos autos), o abatimento dosrendimentos dos valores depositados e ain<strong>da</strong> acolheu os cálculos elaboradospela Contadoria Judicial com juros de 1% apenas após a perícia.Em prol de sua pretensão, alega o agravante: impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>transferência <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de dos valores, como determinado, pois partedeles se referem à verba honorária, diversa e autônoma em relação àagravante, pertencendo ao advogado e não podendo sofrer penhora;impossibili<strong>da</strong>de do abatimento dos valores decorrentes <strong>da</strong> remuneração<strong>da</strong> conta em que foi realizado o depósito, pois esses rendimentos pertenceriamao agravante, uma vez que são frutos do depósito efetuado pelaagrava<strong>da</strong>; os cálculos <strong>da</strong> contadoria estariam incorretos, haja vista quefizeram incidir os juros no percentual de 1% apenas após a realização <strong>da</strong>perícia, quando deveria ter sido considera<strong>da</strong> a vigência do novel CódigoCivil (janeiro/2003).Inicialmente deferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo, foital decisão reconsidera<strong>da</strong> (fl. 416). Regularmente processado o recurso,com resposta <strong>da</strong> parte agrava<strong>da</strong>, vieram os autos para julgamento.328R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


VOTOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Jorge Antonio Maurique: Em sede de cogniçãosumária, tive oportuni<strong>da</strong>de de manifestar o seguinte entendimento,quando <strong>da</strong> análise do pedido de atribuição de efeito suspensivo:“Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão (fl. 356) que, em sedede fase de cumprimento de sentença lança<strong>da</strong> em ação ordinária movi<strong>da</strong> contra a CEF (emque é busca<strong>da</strong> indenização por quebra de contrato em financiamento de empreendimentoimobiliário), determinou fossem transferidos todos os valores penhorados nos autos emfavor de ação movi<strong>da</strong> pela Emgea contra os agravantes (penhora no rosto dos autos), oabatimento dos rendimentos dos valores depositados e ain<strong>da</strong> acolheu os cálculos elaboradospela Contadoria Judicial com juros de 1% apenas após a perícia.Deferi<strong>da</strong> a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, requer a CEF seja reconsidera<strong>da</strong>tal decisão (fls. 402-14).É o relatório. Decido.Em Juízo de retratação, tenho como relevantes os argumentos apresentados pela CEFem seu requerimento <strong>da</strong>s fls. 102-14.Com efeito, ao contrário do veiculado pela agravante em suas razões, não se li<strong>da</strong> naespécie com depósito aos moldes do art. 629 do CC, mas com depósito judicial, com regramentopróprio, com correção monetária mas sem outro tipo de remuneração. Quantoaos honorários, não há prejuízo ao patrono, uma vez que já teria sacado os valores depositadospela CEF e, diante do novo cálculo, o Juízo Substituto já teria encaminhado ao JuízoTitular o pedido de devolução do valor correspondente. O restante <strong>da</strong> decisão do Juízo aquo é mérito <strong>da</strong> execução/cumprimento de sentença e deve ser solvido em tais autos, nãocabendo a revisão em sede de cognição sumária, não havendo, outrossim, risco de <strong>da</strong>noirreparável em sua manutenção.Assim sendo, reconsidero a decisão <strong>da</strong> fl. 399 e, ante a ausência de verossimilhança <strong>da</strong>salegações <strong>da</strong> parte agravante, bem como de risco de <strong>da</strong>no irreparável, indefiro o pedido deatribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento.”Mesmo com análise mais deti<strong>da</strong> do fato-objeto trazido a julgamento,não vejo motivo para alterar tal entendimento.Com efeito, ao contrário do veiculado pela agravante em suas razões,não li<strong>da</strong>mos no presente caso com depósito aos moldes do art. 629 doCódigo Civil, mas com depósito judicial, com regramento próprio, comcorreção monetária, mas sem outro tipo de remuneração. Não há que sefalar, portanto, em abatimento dos rendimentos de tal conta.No que tange aos honorários, não há prejuízo ao patrono, restando semobjeto o pedido, uma vez que já teria sacado os valores depositados pelaCEF e, diante do novo cálculo, o Juízo Substituto já teria encaminhadoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 329


ao Juízo Titular o pedido de devolução do valor correspondente.O restante <strong>da</strong> decisão do Juízo a quo é mérito <strong>da</strong> execução/cumprimentode sentença. Assim, cabe o entendimento de que, em sede deexecução/cumprimento de sentença, a conta de liqui<strong>da</strong>ção deve ser elabora<strong>da</strong>em escorreita consonância com a condenação imposta no decisumexequendo, não violando o princípio <strong>da</strong> busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de real a decisãoque adota, como fun<strong>da</strong>mento, parecer <strong>da</strong> contadoria do Juízo. Manti<strong>da</strong>a decisão inquina<strong>da</strong>, portanto, uma vez que os cálculos <strong>da</strong> Contadoriaforam feitos em conformi<strong>da</strong>de com os critérios <strong>da</strong> decisão <strong>da</strong>s fls. 308-9,irrecorri<strong>da</strong> e preclusa.Os próprios fun<strong>da</strong>mentos dessa decisão, bem como a análise <strong>da</strong> legislaçãopertinente à espécie, já são suficientes para o prequestionamento<strong>da</strong> matéria junto às Instâncias Superiores, evitando-se a necessi<strong>da</strong>de deoposição de embargos de declaração tão somente para esse fim, o queniti<strong>da</strong>mente evidenciaria a finali<strong>da</strong>de procrastinatória do recurso, passívelde cominação de multa, nos moldes do contido no parágrafo único doart. 538 do Código de Processo Civil.Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento,nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação.É o voto.VOTO-VISTAA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Silvia Goraieb: Pedi vista dos autospara aprofun<strong>da</strong>r o exame sobre a matéria objeto <strong>da</strong> lide. Os elementosanalisados me levam a pedir permissão para divergir do entendimentoregistrado pelo e. Relator.Merece acolhi<strong>da</strong> a pretensão <strong>da</strong> agravante.A questão de fundo orbita em torno <strong>da</strong> incidência ou não dos jurosdeterminados no título judicial a contar do depósito.O depósito do valor executado pelo devedor é mero pressupostoprocessual de admissibili<strong>da</strong>de dos embargos ou <strong>da</strong> impugnação, emparticular porque a modificação <strong>da</strong> Lei Processual Civil no tocante àexecução buscou emprestar maior celeri<strong>da</strong>de na satisfação do crédito e,sob essa ótica, nenhuma valia teria no caso de haver o depósito judicialsem possibili<strong>da</strong>de de levantamento.Muito embora a executa<strong>da</strong> tenha efetuado o depósito do principal em330R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


agosto/2008, como afirma e comprova, não houve liberação ao titular dorespectivo montante, motivo pelo qual não cessa a incidência dos jurosmoratórios, tendo em conta que a obrigação não foi adimpli<strong>da</strong>.Quando o título judicial refere a incidência de juros, assim o fazcertamente considerando que a compensação pela mora ocorra até a<strong>da</strong>ta do efetivo pagamento, o que não se confunde, à evidência, com odepósito judicial.Ante o não levantamento <strong>da</strong> importância deposita<strong>da</strong>, persiste a morapor parte do devedor, que por ela deverá responder até que haja o efetivopagamento. Somente no caso de saque – parcial ou total – interrompe--se a mora incidente sobre o montante respectivo, mas prevalece sobreeventual parcela controverti<strong>da</strong>. Assim, o pagamento deve ser entendidocomo o momento <strong>da</strong> disponibili<strong>da</strong>de do crédito em favor de seu beneficiário,circunstância essa não verifica<strong>da</strong> com o simples depósito judicialcomo pressuposto processual.Vale registrar, nesse passo, ao contrário do defendido pela agrava<strong>da</strong>na petição <strong>da</strong>s fls. 373-93, que o depósito não foi feito com a finali<strong>da</strong>dede pagamento, mas sim como requisito para impugnar a pretensão <strong>da</strong>exequente. Tanto é que, até hoje, a Caixa persiste na discussão <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>sem o efetivo pagamento. Não se discute que a impugnação é direito dodevedor e os abusos, se existirem, devem ser tratados pelo juízo com ascominações processuais. Mas tal direito de recorrer não traz a satisfaçãodo crédito do exequente. Ao contrário, justamente em razão <strong>da</strong> ausênciade pagamento efetivo, o depósito judicial não possui aptidão para purgara mora.O fato de o valor encontrar-se bloqueado pelo Juízo não modifica talcontexto, seja em razão de ausência de caução idônea – como registradona decisão <strong>da</strong> fl. 196 destes autos –, seja em virtude de penhora realiza<strong>da</strong>no rosto dos autos. O motivo não é relevante, mas sim a inexistência depagamento.Tampouco merece prosperar a alegação de que os depósitos judiciaisregem-se por normas internas do <strong>Tribunal</strong>. Ora, a afirmação é por demaisequivoca<strong>da</strong>. A matéria encontra regência na Lei nº 9.289/96. Confira-seo que prescreve o seu art. 11, § 1º, verbis:“Art. 11. Os depósitos de pedras e metais preciosos e de quantias em dinheiro e aamortização ou liqui<strong>da</strong>ção de dívi<strong>da</strong> ativa serão recolhidos, sob responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> parte,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 331


diretamente na Caixa Econômica <strong>Federal</strong>, ou, na sua inexistência no local, em outro bancooficial, os quais manterão guias próprias para tal finali<strong>da</strong>de.§ 1º Os depósitos efetuados em dinheiro observarão as mesmas regras <strong>da</strong>s cadernetasde poupança, no que se refere à remuneração básica e ao prazo.” (Grifei)Por sua vez, a Lei nº 8.660/93 dá o conceito de remuneração básica,nos seguintes termos:“Art. 7º Os depósitos de poupança têm como remuneração básica a Taxa Referencial– TR relativa à respectiva <strong>da</strong>ta de aniversário.§ 1º O disposto neste artigo aplica-se ao crédito de rendimento realizado a partir do mêsde maio de 1993.” (Grifo nosso)Em nenhum momento as normas impõem ao agente financeiro depositárioo dever de fazer incidir juros moratórios na forma determina<strong>da</strong>pelo título executivo, e de outra forma não poderia ser, em se tratandode pessoa estranha à lide. A lei sequer prevê a incidência dos mesmosjuros constitucionais atribuídos à poupança, limitando-se ao cômputo <strong>da</strong>remuneração básica pela taxa referencial. A situação especial dos presentesautos, sendo depositária e ré a mesma pessoa jurídica, nenhumainfluência tem para o julgamento <strong>da</strong> causa.Insta recor<strong>da</strong>r que o título judicial assegura a incidência de jurosmoratórios, sendo 0,5% ao mês até o novo Código Civil e, após, 1%,cujo equivalente em espécie não se encontra contemplado no depósitojudicial, cabendo ao devedor a sua complementação.Nesse sentido, aliás, é farta a jurisprudência deste <strong>Tribunal</strong>. Confira-se:“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CÁLCULO DE ATUALI-ZAÇÃO. CÔMPUTO DE JUROS MORATÓRIOS. CRITÉRIOS.. O depósito judicial prévio à oposição de embargos à execução é pressuposto processualde sua admissibili<strong>da</strong>de e não tem, por si só, o condão de interromper a incidência decorreção monetária e juros determinados no título executivo judicial.. Incidem juros moratórios em todo o período no qual o credor vier a ficar privado <strong>da</strong>satisfação integral do crédito a que faz jus.. Prequestionamento quanto à legislação invoca<strong>da</strong> estabelecido pelas razões de decidir.. Agravo de instrumento provido.” (TRF4, Agravo de Instrumento nº 0018795-56.2010.404.0000, <strong>4ª</strong> Turma, Desa. <strong>Federal</strong> Silvia Maria Gonçalves Goraieb)“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA.JUROS DE MORA. GARANTIA. O depósito judicial realizado com o intuito de garantiro Juízo para fins de oferecimento de embargos à execução não tem o condão de elidir amora. Se o titulo judicial em execução determina expressamente que os juros de mora e a332R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


correção monetária nele fixa<strong>da</strong> devem ser integrais até a <strong>da</strong>ta do pagamento do efetivo <strong>da</strong>dívi<strong>da</strong>, o depósito judicial realizado como pressuposto processual realizado para discussãode excesso de execução não tem, por si só, a capaci<strong>da</strong>de de sustar os efeitos <strong>da</strong> decisão.”(TRF4, Agravo de Instrumento nº 0022923-22.2010.404.0000, 3ª Turma, Des. <strong>Federal</strong>Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva, por unanimi<strong>da</strong>de, D.E. 09.12.2010)“PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. APADECO. ATUA-LIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. DATA DO EFETIVO PAGAMENTO.1. As duas Turmas que integram a 2ª Seção deste <strong>Tribunal</strong> têm o entendimento de que odepósito judicial realizado com o intuito de garantir o Juízo para fins de oferecimento deembargos à execução não tem o condão de elidir a mora. Se o titulo judicial em execuçãodetermina expressamente que os juros de mora e a correção monetária nele fixa<strong>da</strong> devemser integrais até a <strong>da</strong>ta do pagamento do efetivo <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>, o depósito judicial realizadocomo pressuposto processual realizado para discussão de excesso de execução não tem,por si só, a capaci<strong>da</strong>de de sustar os efeitos <strong>da</strong> decisão. 2. O depósito efetuado para finsinterposição de embargos de execução, por não se tratar de pagamento, não purga a moranos termos do disposto no artigo 401 do Código Civil Brasileiro de 2002.” (TRF4, Agravode Instrumento nº 2009.04.00.041940-3, <strong>4ª</strong> Turma, Juíza <strong>Federal</strong> Vivian Josete PantaleãoCaminha, por unanimi<strong>da</strong>de, D.E. 23.02.2010)Para melhor esclarecer o caso, é importante ter presente que o títuloexequendo não ve<strong>da</strong> a incidência de juros moratórios após a realização<strong>da</strong> perícia. Ao contrário, o voto proferido pelo e. Relator, Desembargador<strong>Federal</strong> Edgard Lippmann Jr., deixa claro, ipsis litteris: “Melhor sorteassiste à construtora quanto à sua irresignação quanto ao percentual dejuros, que quer majorado a 1% após a vigência do novo código civil, poisa jurisprudência unívoca do STJ é no sentido do seu pleito...”.Para não passar in albis, acrescento que tais parâmetros também seaplicam ao fator de atualização monetária. Até que haja o efetivo pagamento,a dívi<strong>da</strong> deve ser corrigi<strong>da</strong> pelo indexador definido no títuloexecutivo, neste caso uma composição de índices que se encerra como INPC. Se assim não fosse, o devedor, ain<strong>da</strong> que não tenha satisfeitointegralmente o débito, ver-se-ia favorecido com a incidência somente<strong>da</strong> remuneração pela TR, em flagrante violação à determinação do títulojudicial.Ademais, não é crível, como extraído <strong>da</strong> informação <strong>da</strong> Contadoria <strong>da</strong>fl. 395, que o exequente, sem que nenhum saque tenha realizado duranteos vários anos de tramitação do feito, passe de credor a devedor, comoafirma o setor técnico, in verbis:“Verificou-se, assim, que, em ago/2008, o depósito efetuado pela CEF superou o valorR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 333


devido ao exequente em R$ 798.862,39. Tal importância foi atualiza<strong>da</strong> com base na TR(índice que remunera as contas de depósitos judiciais) até a presente <strong>da</strong>ta. Resultou, assim,em R$ 811.920,40.” (Destaques no original)Mesmo critério se aplica à complementação dos honorários advocatícios.Da leitura do dispositivo <strong>da</strong> sentença proferi<strong>da</strong> na ação ordinária nº95.101.0826-0, percebe-se claramente que os honorários foram arbitradosem “15% (quinze por cento) do valor <strong>da</strong> condenação”, ou seja, incidentesobre todo o principal devido ao autor.Desse modo, não se mostra razoável que, mesmo se já sacados pelospatronos do autor em determinado estágio <strong>da</strong> execução, os honoráriospermaneçam inalterados enquanto o saldo <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção de sentençaapresenta um comportamento crescente. Significa dizer que, aumentandoo valor devido pela Caixa em decorrência <strong>da</strong> complementação origináriados critérios acima esclarecidos, os honorários de igual modo deverãoreceber o proporcional incremento, até porque o representante ain<strong>da</strong>permanece atuando nos autos, em especial em virtude <strong>da</strong> impugnação.Para finalizar, é importante sinalar que igualmente não se sustenta aafirmação <strong>da</strong> agrava<strong>da</strong> no sentido de que os valores já foram repassadosa outro juízo a fim de compensar dívi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> construtora perante ela.Ora, a compensação a que se refere a agrava<strong>da</strong> é mero encontro decontas, mas acabou por tornar indisponíveis os valores depositados emjuízo. Assim, como já dito, as questões processuais procedimentais emna<strong>da</strong> contribuem para o cálculo do remanescente, pois são estranhos aesta execução e desbor<strong>da</strong>m dos limites <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>.Por to<strong>da</strong>s essas razões, pedindo novamente licença ao e. Relator, deveser provido o recurso para que seja realizado novo cálculo de remanescente,na forma <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação.PrequestionamentoO prequestionamento quanto à legislação invoca<strong>da</strong> fica estabelecido pelasrazões de decidir, o que dispensa considerações a respeito, uma vez que deixode aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamentojurisdicional diverso do que até aqui foi declinado, considerando-se aquitranscritos todos os artigos <strong>da</strong> Constituição e/ou de lei referidos pelas partes.Em face do exposto, dou provimento ao agravo de instrumento.É como voto.334R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0032018-76.2010.404.0000/PRRelator: O Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Jorge Antonio MauriqueAgravante: União <strong>Federal</strong>Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> UniãoAgravados: Jeanne Mathilde Esquier Dalcanale – Espólio – e outrosLuiz Alberto DalcanaleAdvogados: Drs. Silvio Martins Vianna e outrosDr. Artur Pereira Alves JuniorAgrava<strong>da</strong>: Zorah Maria Athayde DalcanaleAdvogados: Dr. Silvio Martins ViannaDr. Artur Pereira Alves JuniorAgravados: Roger DalcanaleCecilia Marques DalcanaleIvete Therezinha DalcanalePaulo Konder BornhausenCatharina Labourdette Dalcanale – SucessãoAdvogados: Drs. Silvio Martins Vianna e outrosDr. Artur Pereira Alves JuniorAgravado: Cezar Ribas RuasAdvogados: Drs. Artur Pereira Alves Junior e outrosAgravados: Simão Leite RuasNorma Denise Ribas RuasAdvogados: Drs. Jaceguay Feuerschuette de Laurindo Ribas e outrosAgrava<strong>da</strong>: Ana Carolina DalcanaleAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Ana Carolina DalcanaleEMENTAAgravo de Instrumento. Decisão que fixou parâmetros a serem adotadosnos futuros cálculos do montante <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>. Planilha elabora<strong>da</strong>pelo contador judicial. Resumo de cálculos mais complexos. Valor inicialdo débito sub judice.O cálculo a ser utilizado para apuração do valor total devido na açãonão pode tomar por base planilha elabora<strong>da</strong> pelo contador judicial resumindocálculos mais complexos. Deve, sim, conter a indicação dosíndices utilizados e a base de cálculo <strong>da</strong> incidência dos juros de moraR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 335


computados e discriminar os beneficiários <strong>da</strong>s quantias apura<strong>da</strong>s, entreoutros elementos técnicos que devem compor a análise matemática,devendo, ain<strong>da</strong>, do resultado ser <strong>da</strong><strong>da</strong> vista às partes para manifestação.Importa sobremaneira à solução <strong>da</strong> questão estar o valor inicial dodébito sub judice até o julgamento final <strong>da</strong> ACP nº 2005.70.000.18228-0 (em que a União e o MPF buscam ver declara<strong>da</strong> a inexistência/nuli<strong>da</strong>de/ineficácia <strong>da</strong> decisão judicial transita<strong>da</strong> em julgado na açãonº 00.00.60174-8, o erro material quanto à adoção de laudo pericialequivocado relativo aos valores devidos, a necessi<strong>da</strong>de de retificação/refazimento <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção e, ao final, no insucesso quanto aos pedidos,a relativização dos efeitos e do alcance <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>, para que sejafixa<strong>da</strong> indenização segundo o valor real dos pinheiros adultos ao tempodo laudo pericial – fevereiro de 1985).Parcial provimento ao agravo de instrumento, exclusivamente para quenão seja adotado o cálculo objeto do recurso como definitivo à apuraçãodo valor devido na execução <strong>da</strong> sentença.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia <strong>4ª</strong> Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, pormaioria, <strong>da</strong>r parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos dorelatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 11 de maio de 2011.Juiz <strong>Federal</strong> Jorge Antonio Maurique, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Jorge Antonio Maurique: Trata-se de agravode instrumento interposto pela União, contra decisão proferi<strong>da</strong> em açãode execução autua<strong>da</strong> sob nº 00.00.60174-8, que, <strong>da</strong>ndo cumprimento àdeterminação conti<strong>da</strong> no julgamento do Agravo Regimental em Suspensãode Liminar nº 172, fixou parâmetros a serem adotados nos futuroscálculos <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> e determinou a liberação de valores depositados emJuízo aos exequentes, apresentando planilha de cálculo elabora<strong>da</strong> peloContador Judicial acerca <strong>da</strong> apuração e atualização do remanescente.Irresigna-se a agravante quanto à negativa de exclusão <strong>da</strong> correção336R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


monetária integral para o mês de fevereiro de 1985 e à dos juros que haviamsido aplicados no período constitucional de formação e pagamentodos precatórios já quitados na ação de execução.Na ausência de pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso,foi o mesmo regularmente processado, vindo os autos a julgamento.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Jorge Antonio Maurique: Quando <strong>da</strong> interposiçãodo presente recurso, a ação de execução de sentença (nº 601748)encontrava-se suspensa, aguar<strong>da</strong>ndo consulta encaminha<strong>da</strong> ao e. STF,acerca <strong>da</strong> decisão de lá emana<strong>da</strong> no julgamento do AgReg. em SL nº 172.Ao que me parece, o MM. Juízo a quo, a fim de <strong>da</strong>r cumprimentoimediato à decisão do Pretório Excelso, acima referi<strong>da</strong>, proferiu a decisãoagrava<strong>da</strong> abor<strong>da</strong>ndo os dois aspectos apreciados pelo Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong>: a) a liberação do montante individualizado a ser levantadomediante alvará, do total depositado em Juízo, relativo ao pagamentodo 3º precatório expedido na execução, e b) os parâmetros à busca dototal ain<strong>da</strong> devido na lide.Quanto ao primeiro aspecto não há insurgência <strong>da</strong> agravante.No entanto, no que concerne ao segundo tópico, irresigna-se a União,preliminarmente, quanto à nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> decisão; e, no mérito, no querespeita à correção monetária integral para o mês de fevereiro de 1985e à incidência de juros de mora sobre os valores já adimplidos, correspondentesao período constitucional de formação e pagamento dosprecatórios antes expedidos e quitados.Após muito compulsar estes autos e consultar diversas outras manifestaçõesjudiciais acerca <strong>da</strong> controvérsia aqui trata<strong>da</strong>, constatei que oMM. Juízo a quo proferiu decisão publica<strong>da</strong> no D.E. de 04.03.2011, cujoexcerto que importa a este recurso transcrevo a seguir:“Com efeito, em resposta ao ofício <strong>da</strong> fl. 4294, recebi o expediente <strong>da</strong>s fls. 4403-4404(Ofício nº 512/GP), em que o Exmo. Ministro Cezar Peluso manifesta-se nos seguintestermos (vide fl. 4404):‘A realização <strong>da</strong> perícia judicial é, portanto, facul<strong>da</strong>de conferi<strong>da</strong> ao juízo de primeirograu, com a finali<strong>da</strong>de de subsidiar, caso enten<strong>da</strong> necessária a sua realização, a apuraçãodos valores devidos aos embargados, a título de parte incontroversa, devendo este saldo, seR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 337


existir, não ser superior a 50% (cinquenta por cento) do valor do precatório antes suspenso,no valor de R$ 300.734.178,37 (trezentos milhões, setecentos e trinta e quatro mil, cento esetenta e oito reais e trinta e sete centavos) – valor avaliado em outubro de 2002.’Pois bem, resta clara a orientação no sentido de que a realização <strong>da</strong> perícia é facul<strong>da</strong>deconferi<strong>da</strong> a este juízo, exclusivamente para o caso de apuração dos valores incontroversos.Assim, há que se ponderar que tais valores já restaram estabelecidos pela decisão <strong>da</strong>sfls. 3846-3850, tendo sido devi<strong>da</strong>mente atualizados com o auxílio <strong>da</strong> Contadoria Judicial,não havendo necessi<strong>da</strong>de de novos cálculos para apuração do montante tido como incontroversonestes autos.Não obstante ambas as partes tenham apresentado suas insurgências quanto aos critériosadotados para o cálculo, através de agravos de instrumento que ora aguar<strong>da</strong>m julgamentopelo e. TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, nesta quadra processual, não se verifica a necessi<strong>da</strong>de de cálculossubsidiários por meio de perícia.” (Execução de Sentença nº 601748) (grifei)Diante de tal fato, concluo que, no concernente à apuração do valorain<strong>da</strong> devido nos autos <strong>da</strong> execução em comento, assiste parcial razãoà agravante.Isso porque o cálculo capaz de estabelecer, por derradeiro, o valortotal devido na ação não pode tomar por base a planilha elabora<strong>da</strong> pelacontadoria judicial (anexa<strong>da</strong> às fls. 656-7 deste AI), aparentemente umresumo de cálculos mais complexos, sem indicação dos índices utilizados,sem comentário acerca <strong>da</strong> base de cálculo à incidência dos jurosde mora computados, sem discriminação dos beneficiários <strong>da</strong>s quantiasapura<strong>da</strong>s, sem abertura de prazo para manifestação <strong>da</strong>s partes e, o quereputo de maior importância, desconsiderando que o valor inicial dodébito encontra-se sub judice, até o julgamento final <strong>da</strong> Ação CivilPública nº 2005.70.000.18228-0 (em que a União e o MPF buscam verdeclara<strong>da</strong> a inexistência/nuli<strong>da</strong>de/ineficácia <strong>da</strong> decisão judicial transita<strong>da</strong>em julgado nos autos <strong>da</strong> ação de conhecimento sob nº 00.00.60174-8, oreconhecimento de erro material na referi<strong>da</strong> decisão quanto à adoção delaudo equivocado relativamente aos valores apontados, e, via de consequência,a necessi<strong>da</strong>de de retificação ou de refazimento <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção e,ao final, no insucesso quanto aos pedidos, a relativização dos efeitos edo alcance <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong> existente nos autos de nº 00.00.60174-8, paraque seja fixa<strong>da</strong> indenização segundo o valor real dos pinheiros adultosao tempo do laudo pericial – fevereiro de 1985).Assim, considerando que na referi<strong>da</strong> ACP foi proferi<strong>da</strong> sentença deprocedência “dos pedidos de relativização <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>, com base338R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


nos precedentes do e. STJ, reconhecendo o erro material na r. decisãotransita<strong>da</strong> no que concerne à adoção do laudo imprestável, suprimindo-se,para corrigi-lo, a parte liqui<strong>da</strong>tória conti<strong>da</strong> na decisão, manti<strong>da</strong> a sentença,nos demais aspectos não impugnados na inicial, para fins de retificaçãoou de refazimento <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção, conforme a situação e os parâmetrosver<strong>da</strong>deiramente existentes ao tempo do laudo original (fevereiro de1985), para que seja fixa<strong>da</strong> nova indenização segundo o valor real dospinheiros adultos ao tempo do laudo pericial (fevereiro de 1985)”, bemcomo considerando que a mesma sentença determinou que “o valor <strong>da</strong>real indenização e do excesso será apurado mediante perícia judicial, aser realiza<strong>da</strong> após o trânsito em julgado <strong>da</strong> presente decisão”, tenho queé de ser acolhi<strong>da</strong> parcialmente a tese trazi<strong>da</strong> pela agravante, tão só paradeterminar que não se tome o cálculo em comento como definitivo paraapurar o valor incontroverso devido na execução <strong>da</strong> sentença.Por derradeiro, transcrevo trecho do voto complementar proferidopelo Relator do agravo de instrumento interposto contra a decisão queantecipou efeitos <strong>da</strong> tutela na já cita<strong>da</strong> ACP e do decidido pelo ColendoSTF relativamente ao Agravo Regimental interposto na Suspensão deLiminar nº 172:“Com efeito, me parece prudente que, em situação como a versa<strong>da</strong> nestes autos, sejaaplicado o princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de, a fim de se salvaguar<strong>da</strong>rem as garantias processuais.De um lado a garantia constitucional <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>, decorrência <strong>da</strong> segurançajurídica que devem desfrutar as decisões judiciais, e de outro, o erário em decorrência <strong>da</strong>plausibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> alegação de possível erro material nos cálculos, conforme detalha<strong>da</strong>menteexaminado no multicitado voto-vista.Dessa forma, conjugados os fun<strong>da</strong>mentos já expostos no voto apresentado quando doinício do julgamento deste recurso com aqueles aduzidos pelo ilustre Juiz <strong>Federal</strong> MárcioRocha, bem como aqueles constantes <strong>da</strong>s notas taquigráficas anexa<strong>da</strong>s às fls. 546-7. Assim,retifico a parte dispositiva do voto, o que faço para, também, <strong>da</strong>r parcial provimento ao recurso,para o fim de autorizar os Agravantes a efetuarem o levantamento de 50% (cinquentapor cento) dos valores globais dos precatórios suspensos, permanecendo o restante atreladoao resultado <strong>da</strong> ação civil pública em an<strong>da</strong>mento.” (TRF4, AI Nº 2005.04.01.033302-0, <strong>4ª</strong>T, Rel. EDGARD A. LIPPMANN JUNIOR, D.E. 15.05.07, unânime)“Agravo Regimental em Suspensão de Liminar. Decisão agrava<strong>da</strong> que constatou àépoca grave lesão à ordem e à economia públicas, diante <strong>da</strong> temeri<strong>da</strong>de de levantamentode vultosa quantia dos cofres públicos e <strong>da</strong> plausibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> tese de esse valor ser indevido.Pedido de reforma e de restauração dos efeitos <strong>da</strong> decisão do TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, nosautos de agravo de instrumento em ação civil pública, que permitiu o levantamento deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 339


50% dos valores de precatórios antes suspensos, decorrentes de condenação <strong>da</strong> União aopagamento de indenização de 200.000 pinheiros adultos. Processo principal que discute apossibili<strong>da</strong>de de relativização <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>. Surgimento de fato novo. Superveniênciade sentença em ação civil pública que mantém a condenação (coisa julga<strong>da</strong>) em todosseus termos, à exceção do quantum debeatur. Necessi<strong>da</strong>de de nova perícia. Novo contextofático-jurídico. Constatação <strong>da</strong> potenciali<strong>da</strong>de de ocorrência de <strong>da</strong>no inverso, em termosde economia pública e de segurança jurídica, caso não se pague qualquer valor devido aosagravantes. Reforma parcial <strong>da</strong> decisão agrava<strong>da</strong> para estabelecer uma fórmula judicialprovisória apta a proteger o Erário e a limitar o pagamento dos precatórios, em montanteque assegure aos agravantes os efeitos <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong> nos limites explicitados nos autosdo processo originário.” (STF, <strong>Tribunal</strong> Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, em 18.12.09 pormaioria, DJE nº 18, divulgado em 29.01.2010)Ante o exposto, voto por <strong>da</strong>r parcial provimento ao agravo de instrumento,exclusivamente para que não se adote o cálculo objeto desterecurso como definitivo à apuração do valor devido na execução <strong>da</strong>sentença.É como voto.340R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.72.01.004261-2/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan PaciornikApelante: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> NacionalApelado: Edinei AbelinoAdvogado: Dr. Luiz Carlos de Carvalho SilvaInteressados: Amambaí Ind. Com. e Transportes de Madeiras Lt<strong>da</strong>. eoutrosEMENTAProcessual Civil. Tributário. Art. 185 do CTN. Fraude à execução.Natureza jurídica. Presunção relativa. Objeto <strong>da</strong> prova. Embargos deterceiro. Boa-fé do adquirente. Ônus <strong>da</strong> prova. Veículos. Ausência derestrição no Detran.1. Para o reconhecimento de fraude à execução com base na presunçãofirma<strong>da</strong> pelo art. 185 do CTN, há dois marcos temporais. Antes <strong>da</strong> LCnº 118/2005, a ven<strong>da</strong> deveria ser posterior à citação no executivo fiscal;após a LC nº 118, ulterior à inscrição do crédito tributário em dívi<strong>da</strong> ativa.2. A fraude à execução possui a natureza de instituto processual, umavez que, além de afetar o interesse do credor, abala a efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>dejurisdicional, à medi<strong>da</strong> que frustra os meios executórios. Não seperquire o <strong>da</strong>no efetivo, o concerto entre as partes ou a insolvência dodevedor; a mera litispendência faz presumir a fraude à execução.3. O ato em fraude à execução é suscetível de declaração de ineficáciano bojo do processo executivo, permanecendo o bem alienado ou oneradode forma fraudulenta sujeito ao processo executivo, como se ain<strong>da</strong>pertencesse ao patrimônio do devedor, conquanto o negócio jurídicocontinue válido entre as partes.4. As normas atinentes à fraude contra a execução instituem presunçãorelativa, porquanto regem o objeto <strong>da</strong> prova (e não o ônus <strong>da</strong> prova), nãoimpondo uma norma de conduta às partes. Embora a doutrina qualifiquecomo absoluta a presunção de fraude quando a penhora está registra<strong>da</strong>,constata-se que o cerne <strong>da</strong> questão é meramente probatório. Na ver<strong>da</strong>de,o registro <strong>da</strong> penhora consiste justamente na prova <strong>da</strong> fraude de qualquertransação posterior, diante <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de erga omnes <strong>da</strong> constriçãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 341


judicial. A presunção que se afirma ser absoluta diz respeito ao fato – afraude –, e não ao teor de norma de direito material.5. De acordo com o art. 185 do CTN, a fraude está configura<strong>da</strong> tãosomente pelo ato do devedor alienar ou onerar bens ou ren<strong>da</strong>s após ainscrição do crédito tributário em dívi<strong>da</strong> ativa, sem reservar outros bensou ren<strong>da</strong>s suficientes ao total pagamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>, presumindo-se ointuito de lesar o interesse <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Pública e de frustrar os meiosexecutórios. Assim, não compete à exequente comprovar a inexistênciade outros bens penhoráveis, tomando-se como certa a incapaci<strong>da</strong>de depagamento pela falta de bens livres para nomear a penhora.7. A regra do art. 185 do CTN dispensa qualquer questionamento acercado conluio entre os que participaram do ato negocial com o propósitode frustrar o pagamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> (consilium fraudis), pois a alienaçãojá é suficiente para tornar presumi<strong>da</strong> a fraude. O fato de a norma nãoimpor tal investigação, to<strong>da</strong>via, não permite a ilação no sentido de que oânimo fraudulento é presumido de forma absoluta. Trata-se de presunçãorelativa, uma vez que a fraude decorre de um fato desconhecido, cujaocorrência é exteriormente manifesta<strong>da</strong> pela alienação ou oneração debens ou ren<strong>da</strong>s. O fato presuntivo, que deve ser provado pela Fazen<strong>da</strong>Pública, evidencia a fraude, mas o seu efetivo acontecimento é incerto,razão pela qual a prova em contrário é plenamente admissível.8. A questão atinente ao consilium fraudis pode ser aventa<strong>da</strong> pelaparte prejudica<strong>da</strong>, por meio <strong>da</strong> ação de embargos de terceiro. Cabe aoadquirente do bem demonstrar que agiu de boa-fé, porquanto não erapossível ou não era necessário saber <strong>da</strong> existência <strong>da</strong> execução ou <strong>da</strong>inscrição em dívi<strong>da</strong> ativa.9. A proprie<strong>da</strong>de de veículos se transfere pela simples tradição, e aformalização do negócio de compra e ven<strong>da</strong> requer a apresentação de documentofornecido pelo Detran, que indica a eventual existência de ônusou restrições pendentes sobre o veículo. Essa é a cautela de praxe que ohomem médio toma ao adquirir um veículo, não integrando o modo usualdos atos negociais a pesquisa quanto à existência de execuções fiscais oua apresentação de certidões negativas de débito. Isso significa que, nãoobstante haja penhora do bem móvel, se não constar qualquer restriçãono registro do veículo no Detran, torna-se patente a boa-fé do terceiro.10. No processo executivo, prevalece a presunção de fraude, cabendo342R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


ao juízo declarar a ineficácia do negócio jurídico, desde que sejam comprovadosos requisitos do art. 185 do CTN. A discussão sobre a boa-fé doadquirente deve ser trava<strong>da</strong> em embargos de terceiro, competindo o ônus<strong>da</strong> prova exclusivamente ao autor, já que se trata de fato constitutivo doseu pedido. Em suma, a presunção de fraude, por ser relativa, pode serobjeto de controvérsia em ação própria.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 1ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório,votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.Porto Alegre, 06 de abril de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan Paciornik, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan Paciornik: Trata-se de embargosde terceiro, com valor <strong>da</strong> causa de R$ 10.000,00, julgados procedentespelo MM. Juízo a quo (fls. 61-63), para desconstituir a penhora querecaiu sobre o veículo Fiat Uno, ano/modelo 1994, placas BOR 9589,Renavam 619832800. O Magistrado condenou a União ao pagamentodos honorários advocatícios, fixados em 10% do valor <strong>da</strong> causa.Apelou a Fazen<strong>da</strong> Nacional, postulando a reforma do decisum. Aduziuque o executado alienou bem de sua proprie<strong>da</strong>de durante o curso<strong>da</strong> execução fiscal, o que caracteriza fraude à execução, nos termos doart. 185 do CTN. Defendeu a manutenção <strong>da</strong> constrição sobre o bempenhorado (fls. 66-74).Presentes as contrarrazões (fls. 79-85), subiram os autos a este <strong>Tribunal</strong>.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan Paciornik: O art. 185 do CTN instituiuma garantia inerente aos créditos tributários, já que torna ineficazes,perante a Fazen<strong>da</strong> Pública, os atos do devedor que afetam a sua solvabi-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 343


li<strong>da</strong>de. Eis a re<strong>da</strong>ção do art. 185 do CTN, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela LeiComplementar nº 118 (cujos efeitos ocorreram a partir de 09.06.2005):“Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou ren<strong>da</strong>s, ou seucomeço, por sujeito passivo em débito para com a Fazen<strong>da</strong> Pública, por crédito tributárioregularmente inscrito como dívi<strong>da</strong> ativa.Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados,pelo devedor, bens ou ren<strong>da</strong>s suficientes ao total pagamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> inscrita.”Na re<strong>da</strong>ção anterior à LC nº 118/2005, a presunção de fraude operavaa partir <strong>da</strong> propositura <strong>da</strong> execução fiscal. Apesar de muitos defenderema interpretação literal <strong>da</strong> norma, pacificou-se a jurisprudência no sentidode que somente após a citação do devedor no processo executivo atuavaa presunção de alienação fraudulenta.A celeuma restou supera<strong>da</strong> após a edição <strong>da</strong> LC nº 118, bastandohaver a alienação de bens ou ren<strong>da</strong>s após a inscrição em dívi<strong>da</strong> ativa,para que se presuma a fraude.Verifica-se, então, a existência de dois marcos temporais para o reconhecimentode fraude à execução com base em presunção. Antes <strong>da</strong> LCnº 118/2005, a ven<strong>da</strong> deveria ser posterior à citação no executivo fiscal(de acordo com a jurisprudência dominante); após a LC nº 118, ulteriorà inscrição do crédito tributário em dívi<strong>da</strong> ativa.Esse entendimento é prestigiado pelo STJ, que proferiu o seguintejulgado, submetido ao regime dos recursos repetitivos, previsto no art.543-C do CPC:“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTRO-VÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO.FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE BEM POSTERIOR À CITAÇÃODO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO NO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO– DETRAN. INEFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA.ARTIGO 185 DO CTN, COM A REDAÇÃO DADA PELA LC Nº 118/2005. SÚMULA375/STJ. INAPLICABILIDADE.1. A lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derrogat lex generalis), porisso que a Súmula nº 375 do Egrégio STJ não se aplica às execuções fiscais.2. O artigo 185 do Código Tributário Nacional – CTN, assentando a presunção de fraudeà execução, na sua re<strong>da</strong>ção primitiva, dispunha que:‘Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou ren<strong>da</strong>s, ou seucomeço, por sujeito passivo em débito para com a Fazen<strong>da</strong> Pública por crédito tributárioregularmente inscrito como dívi<strong>da</strong> ativa em fase de execução.344R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservadospelo devedor bens ou ren<strong>da</strong>s suficientes ao total pagamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> em fase deexecução.’3. A Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, alterou o artigo 185 do CTN,que passou a ostentar o seguinte teor:‘Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou ren<strong>da</strong>s, ou seucomeço, por sujeito passivo em débito para com a Fazen<strong>da</strong> Pública, por crédito tributárioregularmente inscrito como dívi<strong>da</strong> ativa.Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados,pelo devedor, bens ou ren<strong>da</strong>s suficientes ao total pagamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> inscrita.’4. Consectariamente, a alienação efetiva<strong>da</strong> antes <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> LC nº 118/2005(09.06.2005) presumia-se em fraude à execução se o negócio jurídico sucedesse a citaçãováli<strong>da</strong> do devedor; posteriormente a 09.06.2005, consideram-se fraudulentas as alienaçõesefetua<strong>da</strong>s pelo devedor fiscal após a inscrição do crédito tributário na dívi<strong>da</strong> ativa.5. A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato deque, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segun<strong>da</strong>, interessepúblico, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des coletivas.6. É que, consoante a doutrina do tema, a fraude de execução, diversamente <strong>da</strong> fraudecontra credores, opera-se in re ipsa, vale dizer, tem caráter absoluto, objetivo, dispensandoo concilium fraudis (FUX, Luiz. O novo processo de execução: o cumprimento <strong>da</strong> sentençae a execução extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 95-96 / DINAMARCO, CândidoRangel. Execução civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 278-282 / MACHADO,Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 210-211 / AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.p. 472-473 / BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro:Forense, 1996. p. 604).7. A jurisprudência hodierna <strong>da</strong> Corte preconiza referido entendimento consoante secolhe abaixo:‘O acórdão embargado, considerando que não é possível aplicar a nova re<strong>da</strong>ção doart. 185 do CTN (LC 118/05) à hipótese em apreço (tempus regit actum), respaldou-se nainterpretação <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção original desse dispositivo legal adota<strong>da</strong> pela jurisprudência doSTJ’. (EDcl no AgRg no Ag 1.019.882/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, PrimeiraTurma, julgado em 06.10.2009, DJe 14.10.2009)‘Ressalva do ponto de vista do relator que tem a seguinte compreensão sobre o tema:[...] b) Na re<strong>da</strong>ção atual do art. 185 do CTN, exige-se apenas a inscrição em dívi<strong>da</strong> ativaprévia à alienação para caracterizar a presunção relativa de fraude à execução em que incorremo alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorri<strong>da</strong>s após 09.06.2005);’.(REsp 726.323/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segun<strong>da</strong> Turma, julgado em04.08.2009, DJe 17.08.2009)‘Ocorri<strong>da</strong> a alienação do bem antes <strong>da</strong> citação do devedor, incabível falar em fraude àexecução no regime anterior à nova re<strong>da</strong>ção do art. 185 do CTN pela LC 118/2005’. (AgRgno Ag 1.048.510/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segun<strong>da</strong> Turma, julgado em 19.08.2008,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 345


DJe 06.10.2008)‘A jurisprudência do STJ, interpretando o art. 185 do CTN, até o advento <strong>da</strong> LC 118/2005,pacificou-se, por entendimento <strong>da</strong> Primeira Seção (EREsp 40.224/SP), no sentido de sóser possível presumir-se em fraude à execução a alienação de bem de devedor já citado emexecução fiscal’. (REsp 810.489/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segun<strong>da</strong> Turma, julgadoem 23.06.2009, DJe 06.08.2009)8. A inaplicação do art. 185 do CTN implica violação <strong>da</strong> Cláusula de Reserva de Plenárioe enseja reclamação por infringência <strong>da</strong> Súmula Vinculante nº 10, verbis: ‘Viola acláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunalque, embora não declare expressamente a inconstitucionali<strong>da</strong>de de lei ou ato normativo dopoder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.’9. Conclusivamente: (a) a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simplesalienação ou oneração de bens ou ren<strong>da</strong>s, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantiainscrita em dívi<strong>da</strong> ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gere presunçãoabsoluta (jure et de jure) de fraude à execução (lei especial que se sobrepõe ao regime dodireito processual civil); (b) a alienação engendra<strong>da</strong> até 08.06.2005 exige que tenha havidoprévia citação no processo judicial para caracterizar a fraude de execução; se o ato translativofoi praticado a partir de 09.06.2005, <strong>da</strong>ta de início <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> Lei Complementarnº 118/2005, basta a efetivação <strong>da</strong> inscrição em dívi<strong>da</strong> ativa para a configuração <strong>da</strong> figura<strong>da</strong> fraude; (c) a fraude de execução prevista no artigo 185 do CTN encerra presunção jureet de jure, conquanto componente do elenco <strong>da</strong>s ‘garantias do crédito tributário’; (d) ainaplicação do artigo 185 do CTN, dispositivo que não condiciona a ocorrência de fraudea qualquer registro público, importa violação <strong>da</strong> Cláusula Reserva de Plenário e afronta àSúmula Vinculante nº 10 do STF.10. In casu, o negócio jurídico em tela aperfeiçoou-se em 27.10.2005, <strong>da</strong>ta posteriorà entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> LC 118/2005, sendo certo que a inscrição em dívi<strong>da</strong> ativa deu-seanteriormente à reven<strong>da</strong> do veículo ao recorrido, porquanto, consoante dessume-se dosautos, a citação foi efetua<strong>da</strong> em <strong>da</strong>ta anterior à alienação, restando inequívoca a prova dosautos quanto à ocorrência de fraude à execução fiscal.11. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e <strong>da</strong> Resolução STJ nº 08/2008.” (REsp 1141990/PR, Rel. Ministro Luiz Fux,Primeira Seção, julgado em 10.11.2010, DJe 19.11.2010)Não obstante o lapi<strong>da</strong>r pronunciamento do STJ, a questão atinenteao alcance e à natureza <strong>da</strong> presunção de fraude à execução reclamainvestigação sob diversos aspectos, a começar pelas diferenças entre afraude contra credores e a fraude à execução. Há de se ressaltar que oart. 185 do CTN conserva a essência do instituto <strong>da</strong> fraude à execução,acrescentando-lhe, porém, notas próprias.A fraude contra credores consiste em um defeito do negócio jurídico,caracterizado pelo resultado antijurídico <strong>da</strong> declaração de vontade. O seu346R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


econhecimento depende <strong>da</strong> prova do <strong>da</strong>no efetivo (eventus <strong>da</strong>mni), <strong>da</strong>insolvência do devedor e do concerto realizado entre as partes do negóciojurídico acerca do estado de insolvência (consilium fraudis).Já a fraude à execução possui a natureza de instituto processual,uma vez que, além de afetar o interesse do credor, abala a efetivi<strong>da</strong>de<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de jurisdicional, à medi<strong>da</strong> que frustra os meios executórios.No regime do CPC, resta configura<strong>da</strong> tão somente pela litispendência,operando-se a presunção do intuito frau<strong>da</strong>tório do ato de alienação ouoneração. Assim, não se perquire o <strong>da</strong>no efetivo, o concerto entre aspartes ou a insolvência do devedor; a mera litispendência faz presumir afraude à execução. Essa é a distinção fun<strong>da</strong>mental entre os dois institutos,assinala<strong>da</strong> por Araken de Assis:“Assim, a aquisição despi<strong>da</strong> de vício pressupõe a ausência de vontade (consilium fraudis),para excluir a ocorrência de fraude contra credores, e de litispendência, para tolher afraude à execução. Se, contudo, o ato recair sobre o patrimônio do obrigado na constânciade algum processo, observa<strong>da</strong> a necessária publici<strong>da</strong>de e a tipici<strong>da</strong>de, não há dúvi<strong>da</strong> queocorre fraude.(...)A ideia de frustração dos meios executórios substitui, à luz do art. 593, a de insolvência,que, na fraude contra credores, se afigura consequência jurídica do negócio suspeito. Éque, nesta espécie de fraude, impende verificar a existência do <strong>da</strong>no. No âmbito <strong>da</strong> fraudecontra a execução, ao invés, dispensável se revela a investigação do estado deficitário dopatrimônio, bastando a inexistência de bens penhoráveis. Daí a noção mais adequa<strong>da</strong> defrustração dos meios executórios.” (Manual <strong>da</strong> execução. 11. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2006/2007. p. 249) (grifei)O negócio jurídico realizado em fraude contra credores é anulável medianteação própria do prejudicado, enquanto o ato em fraude à execuçãoé suscetível de declaração de ineficácia no bojo do processo executivo.Em outras palavras, o negócio continua válido entre as partes, mas o bemalienado ou onerado de forma fraudulenta permanece sujeito ao processoexecutivo, como se ain<strong>da</strong> pertencesse ao patrimônio do devedor.A ideia corrente de que o regramento legal <strong>da</strong> fraude à execução instituiuma presunção absoluta, não admitindo prova em contrário, mostra-seequivoca<strong>da</strong>. Entendo que a expressão in re ipsa, emprega<strong>da</strong> para definira fraude à execução, significa apenas que a fraude é demonstra<strong>da</strong> pelopróprio ato de alienação, afastando-se qualquer cogitação a respeito dosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 347


equisitos próprios <strong>da</strong> fraude contra credores. Conquanto a noção básicade fraude – manobra engendra<strong>da</strong> com o objetivo de prejudicar credor –inspire os dois institutos, a semelhança se esgota aí. A natureza jurídicae os pressupostos legais são diversos, cabendo assinalar que a fraudecontra credores exige a prova desses requisitos, ao passo que a fraudecontra a execução firma-se com base em presunção.As presunções constituem técnicas normativas, que ora se relacionamcom a formulação de regras de direito material (presunção absoluta), oracondizem com questões probatórias (presunções relativas e simples). Arigor, a presunção absoluta consiste em uma norma de direito materialque faz remissão a outra norma. Leonardo Sperb de Paola, em obra fun<strong>da</strong>mentalsobre a matéria, eluci<strong>da</strong> o conceito dessa espécie de presunção:“Hodiernamente, a doutrina é unânime ao conferir caráter substancial às presunçõeslegais absolutas, isto é, ao considerá-las como ver<strong>da</strong>deiras regras de fundo, que, assimcomo as demais, dispõem sobre a conduta humana. Recusa-se-lhes caráter probatório. Aideia de presunção, na forma exposta no tópico anterior, repita-se, restringe-se às razões<strong>da</strong> edição <strong>da</strong> norma. (...)Encara<strong>da</strong>s sob o prisma normativo, as presunções absolutas são regras não autônomasremissivas e, mais raramente, restritivas. Em face de uma norma completa, cria-se outra,cuja hipótese vincula-se ao man<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> primeira. A norma remissiva não tem uma existênciajurídica independente, ou seja, ela só adquire sentido jurídico uma vez ‘incorpora<strong>da</strong>’à norma à qual fez remissão, ou melhor, aplica<strong>da</strong> em conjunto com ela. (...)Por todo o exposto, percebe-se como é errôneo afirmar-se que as presunções legaisabsolutas diferenciam-se <strong>da</strong>s relativas, porque aquelas, ao contrário destas, não admitemprova em contrário. Ora, as presunções legais absolutas na<strong>da</strong> têm a ver com matéria probatória.Trazem regras de Direito material. Não se busca, por intermédio delas, provar-se,através de um indício, a existência de um fato desconhecido, como se dá com as presunçõeslegais relativas.” (Presunções e ficções no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey,1997. p. 61-62) (grifei)Da<strong>da</strong>s essas premissas, depreende-se que as normas de regência <strong>da</strong>fraude à execução instituem presunção relativa, diante do seu evidentecaráter probatório. Elas não impõem uma conduta às partes, mas estabelecem“um critério de julgamento sobre a existência de determinados fatos. É nesse sentido – denão haver uma conduta prescrita às partes –, e somente nele, que se afirma que uma <strong>da</strong>sespecifici<strong>da</strong>des <strong>da</strong> presunção relativa está no fato dela ter como destinatário principal omagistrado.” (obra cita<strong>da</strong>, p. 69)348R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


O art. 593 do CTN, ao estabelecer que a fraude resta demonstra<strong>da</strong>pela ocorrência dos fatos descritos nos seus três incisos (pendência deação fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em direito real, ajuizamento de deman<strong>da</strong> contra o devedorcapaz de reduzi-lo à insolvência e demais casos expressos em lei), versasobre o objeto <strong>da</strong> prova (e não sobre o ônus <strong>da</strong> prova). Embora a doutrinaqualifique como absoluta a presunção de fraude quando a penhora estáregistra<strong>da</strong>, constata-se que o cerne <strong>da</strong> questão é meramente probatório.Na ver<strong>da</strong>de, o registro <strong>da</strong> penhora consiste justamente na prova <strong>da</strong> fraudede qualquer transação posterior, diante <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de erga omnes <strong>da</strong>constrição judicial. A presunção que se afirma ser absoluta diz respeitoao fato – a fraude –, e não ao teor de norma de direito material.Outrossim, a estrutura normativa <strong>da</strong>s regras que dispõem sobre apresunção relativa é distinta <strong>da</strong>quela anteriormente referi<strong>da</strong> acerca <strong>da</strong>presunção absoluta, segundo o escólio de Leonardo Sperb de Paola:“Conforme já foi assentado, as presunções legais absolutas enquadram-se como normassubstanciais. Em regra, como normas de remissão, compõem a estrutura de normas deconduta. Dá-se o mesmo com as presunções legais relativas? Não. Essas presunções nãoampliam nem restringem o âmbito de aplicação de um regime jurídico traçado em outranorma, não se caracterizando, portanto, nem como normas remissivas nem como normasrestritivas. A norma que institui uma presunção legal relativa fornece ao magistrado umcritério para verificar se ocorreu, ou não, o pressuposto de incidência de uma outra norma.Há, dessa forma, uma norma de estrutura hipotética (<strong>da</strong>do X, deve ser Y) e outra norma queestabelece, salvo prova em contrário, um índice, um signo, que permite aferir a existênciade X. Por conta de tal norma, e à falta de prova em contrário, o magistrado, demonstra<strong>da</strong> aexistência de Z (o signo), deverá considerar prova<strong>da</strong> a existência de X.Como se percebe, a presunção legal relativa não impõe nenhum dever para as parteslitigantes. Quem dela se beneficia tem o ônus de provar a existência de Z, também podendoprovar diretamente, sem recurso à presunção, a existência de X. À parte contrária, caracterizadoo pressuposto <strong>da</strong> presunção, cabe demonstrar, com outras provas, que, no casoconcreto, Z não leva a X.O próprio magistrado, nos limites de seus poderes instrutórios, poderá constatar que,mesmo caracterizado o pressuposto <strong>da</strong> presunção, há provas em contrário mais fortesque a infirmam no caso concreto. Em outras palavras, ele mesmo pode destruir a forçade convicção gera<strong>da</strong> pela presunção. Mas, quando tal não ocorrer nem a parte interessa<strong>da</strong>apresentar provas em sentido contrário ao apontado pela presunção, deverá ele, ao julgar acausa, admitir, por força <strong>da</strong> norma presuntiva, a existência do fato desconhecido que estádescrito na hipótese <strong>da</strong> norma substancial.” (obra cita<strong>da</strong>, p. 67-68)Postas, em breves palavras, as bases teóricas <strong>da</strong> presunção relativa,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 349


passo a comentar os preceitos do art. 185 do CTN e expor a casuísticasobre a matéria. De acordo com o dispositivo legal, a fraude está configura<strong>da</strong>tão somente pelo ato do devedor alienar ou onerar bens ouren<strong>da</strong>s após a inscrição do crédito tributário em dívi<strong>da</strong> ativa (caput),sem reservar outros bens ou ren<strong>da</strong>s suficientes ao total pagamento <strong>da</strong>dívi<strong>da</strong> (parágrafo único), presumindo-se o intuito de lesar o interesse <strong>da</strong>Fazen<strong>da</strong> Pública e de frustrar os meios executórios. Assim, não competeà exequente comprovar a inexistência de outros bens penhoráveis,tomando-se como certa a incapaci<strong>da</strong>de de pagamento pela falta de benslivres para nomear à penhora. Obviamente que, pretendendo o executadolivrar o bem alienado <strong>da</strong> declaração de ineficácia do negócio jurídico, oônus <strong>da</strong> prova lhe compete.A regra do art. 185 do CTN dispensa qualquer questionamento acercado conluio entre os que participaram do ato negocial com o propósitode frustrar o pagamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> (consilium fraudis), pois a alienaçãojá é suficiente para tornar presumi<strong>da</strong> a fraude. É absolutamente corretoafirmar que o consilium fraudis é irrelevante na fraude contra a execução,diferentemente do que pressupõe a fraude contra credores; to<strong>da</strong>via, o fatode a norma não impor tal investigação não permite a ilação no sentido deque o ânimo fraudulento é presumido de forma absoluta. Com a vênia<strong>da</strong>s opiniões em contrário, não resta dúvi<strong>da</strong> de que a presunção em telaé relativa, uma vez que a fraude decorre de um fato desconhecido, cujaocorrência é exteriormente manifesta<strong>da</strong> pela alienação ou oneração debens ou ren<strong>da</strong>s. O fato presuntivo, que deve ser provado pela Fazen<strong>da</strong>Pública, evidencia a fraude, mas o seu efetivo acontecimento é incerto,razão pela qual a prova em contrário é plenamente admissível. A doutrinade Araken de Assis converge para esse entendimento:“No entanto, a questão recebeu solução diversa por meio <strong>da</strong> nova re<strong>da</strong>ção do art. 185do CTN, deriva<strong>da</strong> <strong>da</strong> LC 118, de 09.02.2005, segundo o qual se presumirá fraudulenta aalienação ou a oneração de bens ou ren<strong>da</strong>s ‘por crédito regularmente inscrito como dívi<strong>da</strong>ativa’, ressalva feita à inexistência de insolvência (art. 185, parágrafo único, do CTN).Por conseguinte, neste caso particular, à diferença do regime geral, opera a presunção,obviamente relativa, desde a inscrição, prescindindo-se do ajuizamento <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> e, afortiori, <strong>da</strong> citação do devedor para o negócio dispositivo se revelar ineficaz perante aFazen<strong>da</strong> Pública.” (obra cita<strong>da</strong>, p. 259) (grifei)Nessa sen<strong>da</strong>, a questão atinente ao consilium fraudis pode ser aventa<strong>da</strong>350R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


pela parte prejudica<strong>da</strong>, por meio <strong>da</strong> ação de embargos de terceiro. Cabeao adquirente do bem demonstrar que agiu de boa-fé, porquanto nãoera possível ou não era necessário saber <strong>da</strong> existência <strong>da</strong> execução ou<strong>da</strong> inscrição em dívi<strong>da</strong> ativa. Note-se que há julgados afirmando, a par<strong>da</strong> presunção juris et de jure do art. 185 do CTN, a atenuação <strong>da</strong> regranos casos em que deve ser protegi<strong>da</strong> a boa-fé do terceiro. Ora, aceitarque o terceiro adquirente alegue a ausência de ajuste fraudulento entreas partes na<strong>da</strong> mais é do que admitir a prova em contrário <strong>da</strong> fraude àexecução. Há de se frisar, contudo, que a alegação de boa-fé somente éadmissível se não houver averbação ou registro <strong>da</strong> penhora; a partir domomento em que se dá a publici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> constrição judicial, é inegávelque o adquirente agiu de má-fé.Em se cui<strong>da</strong>ndo de bens imóveis, a escritura pública sinaliza que onegócio observou as formali<strong>da</strong>des legais, já que, desde a vigência <strong>da</strong>Lei nº 7.433/1985, as partes precisam apresentar as certidões fiscais, defeitos ajuizados e de ônus reais, prescindindo-se a transcrição do seuteor, embora o tabelião seja obrigado a manter, em cartório, o originalou a cópia <strong>da</strong>s referi<strong>da</strong>s certidões. To<strong>da</strong>via, se as partes declararam,por ocasião <strong>da</strong> lavratura <strong>da</strong> escritura, que dispensam a apresentação decertidões fiscais e de feitos ajuizados, o adquirente do imóvel deve provarque tomou as precauções necessárias para a realização do negócio,demonstrando a impossibili<strong>da</strong>de de ter conhecimento <strong>da</strong> pendência deexecução fiscal (antes <strong>da</strong> LC nº 118/2005) ou <strong>da</strong> inscrição em dívi<strong>da</strong>ativa (após a LC nº 118).Pode-se considerar de boa-fé, objetivamente, o comprador que adotouas mínimas cautelas para a segurança jurídica <strong>da</strong> sua aquisição. Quandoo negócio de compra e ven<strong>da</strong> ocorreu entre o devedor e o terceiro, aprova deve ser contundente, mormente se não houver escritura pública.A situação é peculiar, porém, na hipótese de sucessivas alienações doimóvel mediante compromissos de compra e ven<strong>da</strong>, em que se mostradesarrazoado exigir que o adquirente tenha conhecimento <strong>da</strong> pendênciade execução fiscal ou dívi<strong>da</strong> ativa em nome de quem não fez parte donegócio. O ato fraudulento deve ser realizado pelo próprio executado,jamais por terceiro relativamente ao processo, cuja boa-fé deve ser tutela<strong>da</strong>.Cabe acrescentar, ain<strong>da</strong>, que o registro do compromisso de comprae ven<strong>da</strong> de imóvel não é requisito para a ação de embargos de terceiro,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 351


consoante a Súmula nº 84 do STJ.Por sua vez, a alienação de veículos envolve circunstâncias jurídicase negociais diversas. A proprie<strong>da</strong>de se transfere pela simples tradição ea formalização do negócio de compra e ven<strong>da</strong> requer a apresentação dedocumento fornecido pelo Detran, que indica a eventual existência deônus ou restrições pendentes sobre o veículo. Essa é a cautela de praxeque o homem médio toma ao adquirir um veículo, não integrando o modousual dos atos negociais a pesquisa quanto à existência de execuçõesfiscais ou a apresentação de certidões negativas de débito. Isso significaque, não obstante haja penhora do bem móvel, se não constar qualquerrestrição no registro do veículo no Detran, torna-se patente a boa-fé doterceiro.Por fim, impende ressaltar que, no processo executivo, prevalece apresunção de fraude, cabendo ao juízo declarar a ineficácia do negóciojurídico, desde que sejam comprovados os requisitos do art. 185 do CTN.O disposto na Súmula 375 (“O reconhecimento <strong>da</strong> fraude à execuçãodepende do registro <strong>da</strong> penhora do bem alienado ou <strong>da</strong> prova de má-fé doterceiro adquirente”) deve ser interpretado cum grano salis, admitindo--se sua aplicação em embargos de terceiro, mas não no executivo fiscal.Como antes explicitado, à Fazen<strong>da</strong> Pública basta provar a alienação ouoneração do bem após a citação ou a inscrição em dívi<strong>da</strong> ativa para quese caraterize a fraude à execução. A discussão sobre a boa-fé do adquirentedeve ser trava<strong>da</strong> em embargos de terceiro, competindo o ônus <strong>da</strong>prova exclusivamente ao autor, já que se trata de fato constitutivo doseu pedido. Evidentemente que a embarga<strong>da</strong> pode afastar a boa-fé doterceiro, apresentando provas de fatos impeditivos, modificativos ouextintivos do direito do autor. Em suma, a presunção de fraude, por serrelativa, pode ser objeto de controvérsia em ação própria.Colho, na jurisprudência do STJ, precedentes corroborando a posiçãoexpendi<strong>da</strong> neste julgado:“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO FISCAL. FRAUDEÀ EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO POSTERIOR À CITAÇÃO DO EXECUTADO, MASANTERIOR AO REGISTRO DA PENHORA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃODO CONSILIUM FRAUDIS.1. A jurisprudência do STJ, interpretando o art. 185 do CTN, pacificou-se, por entendimento<strong>da</strong> Primeira Seção (EREsp 40.224/SP), no sentido de só ser possível presumir-se em352R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


fraude à execução a alienação de bem de devedor já citado em execução fiscal.2. Ficou superado o entendimento de que a alienação ou oneração patrimonial do devedor<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Pública após a distribuição <strong>da</strong> execução fiscal era o bastante para caracterizarfraude, em presunção jure et de jure.3. Afasta<strong>da</strong> a presunção, cabe ao credor comprovar que houve conluio entre alienantee adquirente para frau<strong>da</strong>r a ação de cobrança.4. No caso de alienação de bens imóveis, na forma <strong>da</strong> legislação processual civil (art.659, § 4º, do CPC, desde a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei 8.953/94), apenas a inscrição <strong>da</strong> penhora nocompetente cartório torna absoluta a assertiva de que a constrição é conheci<strong>da</strong> por terceirose invali<strong>da</strong> a alegação de boa-fé do adquirente <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de.5. Ausente o registro <strong>da</strong> penhora efetua<strong>da</strong> sobre o imóvel, não se pode supor que aspartes contratantes agiram em consilium fraudis. Para tanto, é necessária a demonstração,por parte do credor, de que o comprador tinha conhecimento <strong>da</strong> existência de execuçãofiscal contra o alienante ou agiu em conluio com o devedor-vendedor, sendo insuficiente oargumento de que a ven<strong>da</strong> foi realiza<strong>da</strong> após a citação do executado.6. Assim, em relação ao terceiro, somente se presume fraudulenta a alienação de bemimóvel realiza<strong>da</strong> posteriormente ao registro <strong>da</strong> penhora.7. Recurso especial provido.” (REsp 625843/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segun<strong>da</strong>Turma, julgado em 23.05.2006, DJ 28.06.2006, p. 238)“EXECUÇÃO. FRAUDE. CPC 593, II.Para que se tenha como presente a fraude de execução, necessário que já tenha ocorridoa citação.BEM PENHORADO. ALIENAÇÃO. REGISTRO DA PENHORA.Ain<strong>da</strong> que se admita ineficaz a alienação de bem penhorado, mesmo não registra<strong>da</strong> apenhora, o mesmo não sucede quando feita por terceiro, que não o executado. Necessi<strong>da</strong>dede amparar aquele que, não tendo adquirido o bem do devedor, agiu de boa-fé.” (REsp2653/MS, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 18.09.1990, DJ19.11.1990, p. 13258)“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATODE ADJUDICAÇÃO FEITA EM AUTOS DE EXECUÇÃO FISCAL PROPOSTA PELOFISCO CONTRA O PROPRIETÁRIO ANTERIOR. AQUISIÇÃO DO IMÓVEL PELOSAUTORES ANTES DO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO. ESCRITURA PÚBLICADE COMPRA E VENDA LAVRADA. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ DOS TERCEIROSADQUIRENTES. ACÓRDÃO QUE FIRMOU POSICIONAMENTO SOBRE MATERIALFÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 07/STJ. ART. 535 DO CPC. AU-SÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF.1. Ação de nuli<strong>da</strong>de de ato jurídico proposta por Guedes Martins de Oliveira e cônjugecontra a Fazen<strong>da</strong> Pública do Estado de Minas Gerais em que se pleiteia o afastamento <strong>da</strong>adjudicação de imóvel pertencente aos autores, mas sem o registro no cartório imobiliáriocompetente. Sentença julgou improcedentes os pedidos sob o fun<strong>da</strong>mento de que inexistevício apto a anular o ato, além de faltar a assinatura do vendedor varão na promessa decompra e ven<strong>da</strong>. Interposta apelação pelos autores, o TJMG deu-lhe provimento por entenderR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 353


que restou comprova<strong>da</strong> a aquisição do imóvel, inexistindo, somente, a prova do domínio eque, à época <strong>da</strong> compra, não havia sido ajuiza<strong>da</strong> a execução. Recurso especial <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>Pública alegando violação dos arts. 535 do CPC, 147 e 185 do CTN, 530 e 533 do CódigoCivil de 1916 e 171 e 1.245 do Código Civil vigente, em razão de a escritura de aditamentoser posterior ao ajuizamento <strong>da</strong> execução fiscal. Aduz, ain<strong>da</strong>, que o art. 185 do CTN tratade fraude à execução com presunção absoluta, sendo irrelevante a boa-fé do adquirente eque não há vício que justifique a anulação <strong>da</strong> adjudicação. Contrarrazões não apresenta<strong>da</strong>s.2. A mera indicação de violação do teor do art. 535 do CPC, desprovi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s razões paraque seja anulado o acórdão a quo, é insuficiente para emprestar seguimento ao recurso especial.Há necessi<strong>da</strong>de de que a parte fun<strong>da</strong>mente o seu pedido, discorrendo motiva<strong>da</strong>mentesobre a infringência ao preceito federal, apontando especificamente qual o vício existente(omissão, obscuri<strong>da</strong>de ou contradição) a macular o julgado proferido. Nesse aspecto, orecurso não merece ser conhecido.3. A conclusão adota<strong>da</strong> pelo <strong>Tribunal</strong> a quo de que não restou caracteriza<strong>da</strong> fraude àexecução, sendo váli<strong>da</strong> a transação efetua<strong>da</strong>, resultou do exame dos fatos e provas coligi<strong>da</strong>saos autos, e só com o seu reexame poderia-se alcançar acerto judicial diverso, finali<strong>da</strong>de aque não se destina o recurso especial, a teor <strong>da</strong> Súmula 07/STJ.4. Recurso especial a que se nega seguimento.” (REsp 737.496/MG, Rel. Ministro JoséDelgado, Primeira Turma, julgado em 21.06.2005, DJ 08.08.2005, p. 203)“PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. NÃOCONHECIMENTO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. FRAUDE À EXECUÇÃO.BEM ALIENADO APÓS A CITAÇÃO VÁLIDA E ANTES DO REGISTRO DA PENHO-RA. HIPÓTESES DE CARACTERIZAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO. OCORRÊN-CIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 185 DO CTN E LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005.1. A mera colagem de ementas não supre a demonstração do dissídio jurisprudencial.Nas razões de recurso especial, a alega<strong>da</strong> divergência deverá ser demonstra<strong>da</strong> nos moldesexigidos pelo artigo 255 e §§ do RI/STJ.2. Na re<strong>da</strong>ção anterior do art. 185 do CTN, exigia-se apenas a citação váli<strong>da</strong> em processode execução fiscal prévia à alienação para caracterizar a presunção relativa de fraudeà execução em que incorriam o alienante e o adquirente (regra aplicável às alienaçõesocorri<strong>da</strong>s até 08.06.2005).3. Na re<strong>da</strong>ção atual do art. 185 do CTN, exige-se apenas a inscrição em dívi<strong>da</strong> ativaprévia à alienação para caracterizar a presunção relativa de fraude à execução em que incorremo alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorri<strong>da</strong>s após 09.06.2005).4. A averbação no registro próprio <strong>da</strong> certidão de inscrição em dívi<strong>da</strong> ativa, ou <strong>da</strong> certidãocomprobatória do ajuizamento <strong>da</strong> execução, ou <strong>da</strong> penhora cria a presunção absoluta de quea alienação posterior se dá em fraude à execução em que incorrem o alienante e o adquirente.5. A presunção relativa de fraude à execução pode ser inverti<strong>da</strong> pelo adquirente se demonstrarque agiu com boa-fé na aquisição do bem, apresentando as certidões de tributosfederais e aquelas pertinentes ao local onde registrado o bem e onde tinha residência oalienante ao tempo <strong>da</strong> alienação, em analogia às certidões exigi<strong>da</strong>s pela Lei n. 7.433/85, edemonstrando que, mesmo de posse de tais certidões, não lhe era possível ter conhecimento354R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


<strong>da</strong> existência <strong>da</strong> execução fiscal (caso de alienação ocorri<strong>da</strong> até 08.06.2005), ou <strong>da</strong> inscriçãoem dívi<strong>da</strong> ativa (caso de alienação ocorri<strong>da</strong> após 09.06.2005).6. Inverti<strong>da</strong> a presunção relativa de fraude à execução, cabe ao credor demonstrar oconsilium fraudis, a culpa ou a má-fé.7. A incidência <strong>da</strong> norma de fraude à execução pode ser afasta<strong>da</strong> pelo devedor ou peloadquirente se demonstrado que foram reservados pelo devedor bens ou ren<strong>da</strong>s suficientesao total pagamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>, ou que a citação não foi váli<strong>da</strong> (para alienações ocorri<strong>da</strong>saté 08.06.2005), ou que a alienação se deu antes <strong>da</strong> citação (para alienações ocorri<strong>da</strong>s até08.06.2005), ou que a alienação se deu antes <strong>da</strong> inscrição em dívi<strong>da</strong> ativa (para alienaçõesposteriores a 09.06.2005).8. Hipótese em que a alienação se deu antes de 09.06.2005 e após a citação váli<strong>da</strong>,presumindo-se a ocorrência de fraude à execução.9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 751.481/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segun<strong>da</strong> Turma, julgado em 25.11.2008, DJe17.12.2008)“PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE TER-CEIRO. BOA-FÉ DO ADQUIRENTE. FRAUDE À EXECUÇÃO. NÃO CONFIGURA-ÇÃO. ARTS. 185 DO CTN E 593, II, DO CPC.1. Para se configurar a fraude à execução é necessário que a alienação do bem ocorraapós a citação váli<strong>da</strong> do devedor e o conluio entre devedor/alienante e adquirente do bem.2. A alienação em fraude à execução não pode ser oposta a terceiro de boa-fé.3. Presume-se de boa-fé o adquirente de veículo automotor objeto de sucessivas ven<strong>da</strong>sapós a inicia<strong>da</strong> pelo executado, sem que haja qualquer indicação <strong>da</strong> ocorrência de conluiofraudulento.4. Recurso especial provido.” (REsp 604118/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha,Segun<strong>da</strong> Turma, julgado em 13.02.2007, DJ 08.03.2007, p. 183)No caso vertente, a ven<strong>da</strong> do veículo penhorado ocorreu em05.10.2004. Disso resulta que a re<strong>da</strong>ção do art. 185 do CTN aplicávelao caso é a anterior à edição <strong>da</strong> LC nº118/2005, que presume a fraude àexecução quando a alienação ocorre após a citação do executado.O exame <strong>da</strong>s provas coligi<strong>da</strong>s nos autos infirma a presunção de fraude.O embargante firmou, em 05.10.2004, contrato de financiamento comABN – Amro, oferecendo como garantia o veículo penhorado (fls. 14-16).Por sua vez, o Certificado de Registro do Veículo, emitido em 21.03.2005,não apresenta nenhuma restrição além dessa alienação fiduciária (fl. 09).No momento <strong>da</strong> aquisição do bem e <strong>da</strong> transferência <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>denão existia qualquer restrição averba<strong>da</strong> junto ao Departamento de Trânsito(fl. 10). Dessarte, não obstante a alienação tenha ocorrido após a citaçãodo sócio executado, configura-se a boa-fé do terceiro adquirente, vistoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 355


que a compra e ven<strong>da</strong> dessa espécie de bem normalmente não comportaa investigação sobre a regulari<strong>da</strong>de fiscal do vendedor. Não se mostrarazoável exigir que o adquirente devesse saber que havia execuçãoproposta contra o vendedor, mormente porque parte dos recursos para aaquisição do bem foi obti<strong>da</strong> junto à instituição financeira, que pactuoucontrato com alienação em garantia, o que certamente dá ao negócio aaparência de segurança jurídica.Por sua vez, a prova testemunhal corrobora o argumento do embargantede desconhecimento <strong>da</strong> existência de ação de execução contraPaulo Sérgio Fernandes e <strong>da</strong> intenção do devedor de se desfazer deseu patrimônio de modo a frau<strong>da</strong>r a execução. O veículo automotor foiadquirido em uma revendedora de automóveis e os funcionários <strong>da</strong> empresaafirmaram que o embargante não conhecia o anterior proprietáriodo bem (fls. 57-60).Constatando que a boa-fé do embargante não foi elidi<strong>da</strong>, seja pelaefetivação <strong>da</strong> penhora quando o bem móvel já integrava o seu patrimônio,seja pela ausência de comprovação pela Fazen<strong>da</strong> de sua atuaçãoem conluio com o devedor com vistas à frustração <strong>da</strong> execução, é de sermanti<strong>da</strong> a sentença.Neste sentido, ain<strong>da</strong>, os julgados desta Corte:“EMBARGOS DE TERCEIRO. ALIENAÇÃO DE BEM PERTENCENTE AOEXECUTADO. FRAUDE À EXECUÇÃO. AUSÊNCIA. BOA-FÉ DO ADQUIRENTE.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.1 – Em se tratando de bem móvel, não é praxe os compradores pesquisarem junto a cartóriosde distribuição e protesto para verificar se contra o vendedor pesa alguma dívi<strong>da</strong> ou ação.2 – Não se configura fraude à execução se, à época <strong>da</strong> compra e ven<strong>da</strong>, inexistia restriçãono Detran sobre o veículo alienado. Mesmo com a citação do devedor, prévia à alienaçãodo bem, seria necessário que o credor provasse a ciência do adquirente acerca <strong>da</strong> execuçãofiscal proposta contra alienante para que configurasse a fraude.3 – O embargado que oferece resistência à pretensão do embargante de ser liberado <strong>da</strong>constrição o bem deve arcar com o pagamento dos honorários advocatícios, se sucumbentena deman<strong>da</strong>.” (TRF4, AC 2007.72.00.011271-0, Segun<strong>da</strong> Turma, Relatora Luciane AmaralCorrêa Münch, D.E. 18.03.2009)“EMBARGOS DE TERCEIRO. VEÍCULO AUTOMOTOR ALIENADO A TERCEIROAPÓS A CITAÇÃO DE EXECUTADO. INOCORRÊNCIA DE FRAUDE À EXECUÇÃO.1. O argumento de que a citação de executado, por conta do redirecionamento do feito,deu-se em <strong>da</strong>ta anterior ao registro <strong>da</strong> transferência do veículo automotor não tem a facul<strong>da</strong>de,por si só, de caracterizar a ocorrência de fraude à execução, à medi<strong>da</strong> que as peças356R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


carrea<strong>da</strong>s aos autos indicam que o embargante sequer conhecia pessoalmente o executado.2. Não é razoável exigir-se que o embargante, além de requerer certidão do automóvelalmejado junto ao Detran/RS, ain<strong>da</strong> tenha de recorrer às Justiças Estadual e <strong>Federal</strong>, como intuito de obter negativas do vendedor, de eventuais empresas <strong>da</strong>s quais o mesmo sejasócio, visando a precaver-se de supostos redirecionamentos de execução fiscal; bem comocertificar-se junto aos diversos cartórios imobiliários acerca <strong>da</strong> existência de pendênciassobre o bem a ser adquirido.” (TRF4, AC 2005.71.18.000638-3, Primeira Turma, RelatorJoel Ilan Paciornik, D.E. 15.04.2008)PrequestionamentoEm arremate, consigno que o enfrentamento <strong>da</strong>s questões suscita<strong>da</strong>sem grau recursal, assim como a análise <strong>da</strong> legislação aplicável, sãosuficientes para prequestionar junto às instâncias superiores os dispositivosque as fun<strong>da</strong>mentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivoslegais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que atéaqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessi<strong>da</strong>de de oposição deembargos de declaração tão somente para esse fim, o que evidenciariafinali<strong>da</strong>de procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa(artigo 538 do CPC).Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 357


DIREITO TRIBUTÁRIO


APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.70.08.001033-4/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto PamplonaApelante: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> NacionalApelados: Higiban Ind. Com. Imp. e Exp. de Metais Lt<strong>da</strong>. e outroAdvogado: Dr. Ricardo Alipio <strong>da</strong> CostaEMENTAAduaneiro e Tributário. Importação. Parametrização. Canais verde evermelho. Mercadorias. Conferência física. Contêineres. Troca de conteúdo.Erro do exportador. Pedido espontâneo de retificação. Boa-fé doImportador. Falha humana que não resulta na supressão de tributos. Art.112 Do CTN. Pena de perdimento. Art. 618, XII, do Decreto nº 4.543/02.Desproporcionali<strong>da</strong>de.1. As falhas humanas porventura existentes na operação de importaçãopodem ou não resultar na supressão de tributos, pelo que, nos termos doart. 112 do CTN, a lei que define infrações ou comina penali<strong>da</strong>de deveser interpreta<strong>da</strong> de maneira mais favorável ao acusado quanto à naturezaou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão de seusefeitos.2. Caso sui generis no qual, por erro justificado do exportador, osconteúdos de dois contêineres foram trocados, tendo a carga de um delessido parametriza<strong>da</strong> para o canal vermelho de conferência aduaneira; emface <strong>da</strong> troca, porém, os produtos a serem efetivamente conferidos pelaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 361


fiscalização já haviam sido desembaraçados automaticamente no canalverde, impossibilitando sua verificação física.3. Tendo em vista a boa-fé do importador, inequivocamente demonstra<strong>da</strong>nos autos e que em nenhum momento foi questiona<strong>da</strong> pelo fisco,resta afasta<strong>da</strong> a pena de perdimento prevista no art. 618, XII, do Decreto4.543/02, ante a desproporcionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> pena. Precedentesdesta Corte.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 2ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, negar provimento ao apelo e à remessa oficial considera<strong>da</strong>interposta, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficamfazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 26 de julho de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona: Trata-se deação ordinária buscando a liberação de mercadoria importa<strong>da</strong> <strong>da</strong> Chinapor duas empresas nacionais, Higiban Com. Imp. e Exp. de Materiaispara Construção Lt<strong>da</strong>. – EPP e Flex Ind. Com. Imp. e Exp. de MetaisSanitários Lt<strong>da</strong>. – EPP. Segundo relato <strong>da</strong> sentença, as autoras alegamque “as mercadorias conti<strong>da</strong>s no contêiner destinado à Higiban, queforam libera<strong>da</strong>s automaticamente pela autori<strong>da</strong>de aduaneira em virtude<strong>da</strong> parametrização para o canal verde de conferência, na reali<strong>da</strong>dedestinavam-se à Flex. Por sua vez, as mercadorias remeti<strong>da</strong>s para essaempresa, ain<strong>da</strong> reti<strong>da</strong>s na zona aduaneira primária para a verificaçãofísica, pois parametriza<strong>da</strong>s para o canal vermelho de conferência, nareali<strong>da</strong>de foram encomen<strong>da</strong><strong>da</strong>s pela Higiban. (...) O pedido principal éde declaração do direito <strong>da</strong>s autoras de ‘retificação do erro cometido peloexportador através <strong>da</strong> Carta de Correção apresenta<strong>da</strong>, a possibili<strong>da</strong>de detroca <strong>da</strong>s mercadorias confundi<strong>da</strong>s pelo exportador, a nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pena deperdimento almeja<strong>da</strong>, bem como a legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s operações comerciaistrava<strong>da</strong>s pelos autores’.”A antecipação de tutela foi concedi<strong>da</strong> em parte, e a sentença julgou362R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


parcialmente procedente a ação, para os fins de reconhecer o direito àretificação nos despachos aduaneiros e afastar a pena de perdimento“<strong>da</strong>s mercadorias importa<strong>da</strong>s por meio <strong>da</strong>s DIs n os 07/0683399-0 e07/0683376-1, pelas descrições incorretas nas DIs decorrentes <strong>da</strong> trocapelo exportador”. Reconheceu a sucumbência recíproca não equivalente,fixando os honorários advocatícios em R$ 15.000,00, devendo a Uniãoarcar com 2/3 do referido valor, pois restou venci<strong>da</strong> em maior parte.Apela a União, afirmando que “o conteúdo dos dois contêineres foiinvertido, e uma <strong>da</strong>s Autoras desembaraçou o contêiner que continhaas mercadorias <strong>da</strong> outra”, demonstrando ter prestado declaração falsaquanto à mercadoria importa<strong>da</strong>. Alega que “o primeiro contêiner, que foraretirado, encerrava justamente as mercadorias cuja DI foi parametriza<strong>da</strong>para o canal vermelho, e a devolução representava condição inicial indeclinável”,o que não foi providenciado pela autora. Logo, tendo a autorase omitido no tocante à obrigação de promover o necessário retorno <strong>da</strong>carga (indevi<strong>da</strong>mente libera<strong>da</strong>) ao Porto de Paranaguá, “a apresentação<strong>da</strong> ‘carta de correção’ não redun<strong>da</strong>va em nenhuma utili<strong>da</strong>de (...) vistoque não se tratava de incorreção na carga, mas sim de troca, situação emque a apreciação do suposto erro não prescindiria do exame <strong>da</strong>s duascargas, simultaneamente”. Sustenta que as consequências do erro doexportador eleito pela autora não devem ser tolera<strong>da</strong>s pela AdministraçãoAduaneira. Aduz que, por haver declarado mercadoria diversa <strong>da</strong> queestava no contêiner e não haver disponibilizado as mercadorias indevi<strong>da</strong>mentedesembaraça<strong>da</strong>s à Receita <strong>Federal</strong>, não pode ser reconhecidoem favor <strong>da</strong> autora o direito à retificação de documento algum. Alegaque a responsabili<strong>da</strong>de dos protagonistas do comércio exterior, perante ofisco, é objetiva, nos termos do art., 136 do CTN, bem como ser devi<strong>da</strong>a pena de perdimento <strong>da</strong> mercadoria, consoante previsão expressa doart. 105, XII, do Decreto nº 37/66. Insurge-se contra o reconhecimento<strong>da</strong> desproporcionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pena imposta, afirmando que o perdimentonão recairá sobre o patrimônio do importador, porquanto “está garantidojuridicamente à parte-autora o direito de regresso em face do fornecedorinternacional, que não cumpriu devi<strong>da</strong>mente as obrigações que lhecompetiam na forma de remessa <strong>da</strong> carga”. Caso manti<strong>da</strong> a sentençarecorri<strong>da</strong>, postula a inversão dos encargos sucumbenciais, atribuindo-seà autora o pagamento dos 2/3 do montante devido a título de custas eR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 363


honorários advocatícios.Contra-arrazoado o recurso, sobem os autos.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona: Preliminarmente,cabe destacar que, nos termos do disposto no § 2º do art. 475 do CPC, nãocaberá remessa oficial sempre que a condenação, ou o direito controvertido,for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos.Assim, tendo em vista que à deman<strong>da</strong> foi atribuído, na inicial, o valorde R$ 266.000,00 (compatível com o valor <strong>da</strong>s mercadorias apreendi<strong>da</strong>s),considero interposta a remessa oficial.Cinge-se a controvérsia à legitimi<strong>da</strong>de do ato de retenção, para fins deaplicação <strong>da</strong> pena de perdimento, <strong>da</strong>s mercadorias importa<strong>da</strong>s pela autora.Inicialmente, afasto a alegação <strong>da</strong> apelante no sentido de que a autorateria prestado declaração falsa quanto à mercadoria importa<strong>da</strong>, porquanto,segundo expressamente reconhecido pela própria recorrente, o erro incasu foi cometido pelo exportador.De fato, segundo a carta de correção com tradução juramenta<strong>da</strong> anexa<strong>da</strong>às fls. 86-90, o vendedor estrangeiro – China Ningbo Cixi Importaçãoe Exportação – informa que:“(...) enviamos dois containers para o Brasil no dia 3 de Abril, com conhecimentomarítimo número NNGB07040025 (Container número SUDU1937392, Selo numero1117213863CTNS) para a empresa denomina<strong>da</strong> FLEX Indústria & Comércio de Importaçãoe Exportação de Metais Sanitários Lt<strong>da</strong>., e conhecimento marítimo número NNGB07040027(container number SUDU1801127, selo número 11211291158CTNS), para a empresa HigibanComércio e Importação e Exportação de Materiais para Construção Lt<strong>da</strong>.No entanto, infelizmente houve um erro no sentido de que a mercadoria dos containersfoi troca<strong>da</strong>. Ou seja, os produtos para a Higiban estão em nome <strong>da</strong> Flex, e os produtospara a Flex estão em nome <strong>da</strong> Higiban. Por esse motivo, enviamos esta carta de correção eesperamos que possa ajudá-los a receber a mercadoria em seu porto marítimo.Atenciosamente,Assinado pelo representante de China Ningbo Cixi Imp. & Exp. Corp.Consta do instrumento original, em apenso, certificação de que o selo <strong>da</strong> empresa emissora<strong>da</strong> carta é original. Consta ain<strong>da</strong> no verso do instrumento original assinatura do Oficialresponsável pelo Departamento de Negócios Estrangeiros <strong>da</strong> Província de Zhejiang. Constaain<strong>da</strong> o reconhecimento desta assinatura por Fernando Mota de Almei<strong>da</strong>, Vice-Cônsul doBrasil em Xangai, no dia 13 de Junho de 2007.”364R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


Trata-se, portanto, de documento idôneo – cuja idonei<strong>da</strong>de, ademais,em nenhum momento foi questiona<strong>da</strong> pela União.Logo, houve efetiva irregulari<strong>da</strong>de no embarque <strong>da</strong>s mercadorias noexterior, fazendo com que aquelas destina<strong>da</strong>s à Higiban (elenca<strong>da</strong>s naDI nº 07/0683376-1) viessem no contêiner acompanhado <strong>da</strong> documentaçãoque representava a negociação do exportador com a Flex (DI nº07/0683399-0), e vice-versa.Ocorre que a carga adquiri<strong>da</strong> pela Flex – que, na reali<strong>da</strong>de, em facedo erro do exportador, encontrava-se ampara<strong>da</strong> pela DI, pela fatura epelo conhecimento de embarque <strong>da</strong>s mercadorias destina<strong>da</strong>s à Higiban– foi parametriza<strong>da</strong> para o canal vermelho de conferência aduaneira,com exigência de verificação física como condição indispensável ao seudesembaraço aduaneiro (fls. 65-77).To<strong>da</strong>via, em razão de os produtos efetivamente importados pela Flexterem sido carregados no contêiner destinado à Higiban – cuja documentaçãofoi imediatamente libera<strong>da</strong> pelo canal verde de conferênciaaduaneira –, a aduana não teve acesso físico à carga parametriza<strong>da</strong> parao canal vermelho, haja vista seu pronto desembaraço e retira<strong>da</strong> peloimportador de direito, Higiban.Ante tal irregulari<strong>da</strong>de, a autori<strong>da</strong>de fiscal reteve as mercadorias <strong>da</strong>Higiban, que se encontravam no contêiner formalmente (via documental)destinado à Flex. O fun<strong>da</strong>mento para tanto, constante no Termo deRetenção de fl. 99, é que as mercadorias relativas à DI nº 07/0683399-0,“durante procedimento de conferência física, não conferem com o declarado”.Consta ain<strong>da</strong>, no mencionado termo, que “Os 1158 volumespermanecerão retidos até que sejam toma<strong>da</strong>s as providências cabíveis,observando o disposto no art. 618, inciso XII, do Decreto nº 4.543/02”(pena de perdimento de mercadoria chega<strong>da</strong> ao país com falsa declaraçãode conteúdo).No concernente, cabe salientar, conforme bem observado na decisãoliminar, que,“antes mesmo <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des alfandegárias iniciarem a conferência física <strong>da</strong>s mercadoriasobjeto <strong>da</strong> DI nº 07/0683399-0, parametriza<strong>da</strong>s ao canal vermelho, a autora Higiban – Com.Imp. e Exp. de Materiais para Construção Lt<strong>da</strong>. informou à Receita <strong>Federal</strong> os equívocoscometidos pelo exportador, demonstrando, com isso, aparente boa-fé.”Com efeito, ambas as DIs (07/0683399-0 e 07/0683376-1) foramR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 365


egistra<strong>da</strong>s em 28.05.2007 (fls. 53 e 65).Após o desembaraço automático <strong>da</strong> DI nº 07/0683376-1, o contêinerliberado foi transportado até a sede <strong>da</strong> Higiban, onde constatou-se queas mercadorias correspondiam, na ver<strong>da</strong>de, àquelas adquiri<strong>da</strong>s, junto aoexportador, pela Flex (DI nº 07/0683399-0).Ciente <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> troca, a autora encaminhou à Delegacia <strong>da</strong> Receita<strong>Federal</strong> em Paranaguá, em 04.06.2007 (fl. 84), termo de fiel depositário<strong>da</strong>s mercadorias pertencentes à Flex (parametriza<strong>da</strong>s para o canal vermelho),juntamente com solicitação de liberação <strong>da</strong>s mercadorias que lhepertenciam (as quais, embora estivessem acondiciona<strong>da</strong>s no contêinerdestinado à Flex, se tratavam, na reali<strong>da</strong>de dos fatos, <strong>da</strong> carga que foraautomaticamente desembaraça<strong>da</strong>, descrita na DI nº 07/0683376-1).Na referi<strong>da</strong> solicitação de liberação, o equívoco do exportador foisuficientemente esclarecido pela autora, em versão verossímil e coerente(fls. 92-95).Gize-se que tais informações foram presta<strong>da</strong>s, de forma espontâneapela autora, em 04.06.2007, sendo que somente em 29.06.2007 foi lavradoo termo de retenção (fl. 99).Verifica-se, dessarte, que o importador ingressou com pedido espontâneode retificação do erro cometido pelo exportador, após o desembaraçoautomático <strong>da</strong>s mercadorias e recolhimento dos tributos devidosna operação.O pedido de retificação realizado antes de qualquer iniciativa <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>defiscal tem os mesmos efeitos de uma carta de correção (art. 44do Decreto 4.543/02) – a qual, ademais, foi efetivamente providencia<strong>da</strong>junto ao exportador em 08.06.2007 (fl. 87), mais de vinte dias antes <strong>da</strong>verificação física realiza<strong>da</strong> pelo fisco.No concernente, ain<strong>da</strong>, além de inexistir qualquer outro vício capazde macular a operação de importação, cabe relevar que as falhashumanas, porventura existentes nos complexos processos do comérciointernacional, podem ou não resultar na supressão de tributos. Outrossim,nos termos do art. 112 do CTN, a lei que define infrações ou cominapenali<strong>da</strong>de deve ser interpreta<strong>da</strong> de maneira mais favorável ao acusadoquanto à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à naturezaou extensão de seus efeitos, verbis:366R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


“Art. 112 A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penali<strong>da</strong>des, interpreta-se<strong>da</strong> maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvi<strong>da</strong> quanto:I – à capitulação legal do fato;II – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dosseus efeitos;III – à autoria, imputabili<strong>da</strong>de, ou punibili<strong>da</strong>de;IV – à natureza <strong>da</strong> penali<strong>da</strong>de aplicável, ou à sua graduação.”Assim, e levando em conta a severi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pena de perdimento de to<strong>da</strong>a carga adquiri<strong>da</strong> pelo importador (consistente de produtos lícitos queguar<strong>da</strong>m relação com seu objeto social – válvulas, torneiras, registros degaveta, etc.), a incidência <strong>da</strong> penali<strong>da</strong>de deverá ocorrer nas hipóteses emque as empresas buscam intencionalmente furtar-se à atuação do fisco,bem como quando o equívoco produz consequências fiscais, o que nãoé o caso dos autos – no qual não ficou demonstra<strong>da</strong> a atuação dolosa docontribuinte, nem houve consequência fiscal no tocante ao recolhimentode tributos.Dito isso, mostra-se irreparável o entendimento de ser desproporcionala aplicação <strong>da</strong> pena de perdimento, quando o equívoco do exportador,plenamente justificado pela importadora, não revela a intenção destaúltima de prejudicar a atuação <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des fazendárias.O <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> registra precedentes afastandoa pena de perdimento em situações semelhantes, veja-se:“IMPORTAÇÃO. PERDIMENTO. DOCUMENTAÇÃO. CORREÇÃO X FALSIFICA-ÇÃO OU ADULTERAÇÃO. INOCORRÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. A clara correçãode documento relativo à importação, de modo a fazê-lo conforme a operação efetivamenterealiza<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> que inobservado o procedimento adequado, não configura falsificação ouadulteração em seu sentido legal. Não sendo vislumbra<strong>da</strong> manobra no sentido de afastar aexigência de tributo que seria devido ou de ensejar o ingresso irregular de mercadoria, não seconfigura <strong>da</strong>no ao erário. Ausente a hipótese prevista no art. 105, VI, do DL 37/66 c/c o art.23, IV, e parágrafo único, do DL 1.455/76, descabi<strong>da</strong> a aplicação <strong>da</strong> pena de perdimento.”(TRF4, AC 19980401014288-8, Primeira Turma, julgado em 25.04.2002, DJ 05.06.2002,Relator Leandro Paulsen)“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ERRO NO PREENCHIMENTO DEMANIFESTO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. INTENÇÃO DE LESARO FISCO NÃO CONFIGURADA. 1. A aplicação do art. 618 do Decreto nº 4.543/02 pressupõea existência de <strong>da</strong>no ao erário público. 2. A equivoca<strong>da</strong> incorreção no preenchimentodo manifesto não pode resultar na aplicação de pena tão gravosa ao contribuinte, como é acaracterística <strong>da</strong> pena de perdimento de mercadoria. 3. Apelação e remessa oficial impro-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 367


vi<strong>da</strong>s.” (TRF4, AMS 2004.70.02.008155-4-PR, Primeira Turma, julgamento 28.02.2007,DJ 20.03.2007, Relator Joel Ilan Paciornik)“MANDADO DE SEGURANÇA. ERRO NO PREENCHIMENTO DO MANIFESTO.APREENSÃO DAS MERCADORIAS IMPORTADAS. PENA DE PERDIMENTO. 1.Afigura-se excessiva a pena de perdimento aplica<strong>da</strong> pelo Fisco sob o fun<strong>da</strong>mento de queparte <strong>da</strong>s mercadorias estavam desacompanha<strong>da</strong>s de qualquer documentação, haja vista tero importador comprovado que o equívoco deu-se por erro no preenchimento do manifesto,documento em que constou, inicialmente, mercadorias a menor em relação às efetivamenteimporta<strong>da</strong>s, situação que, retifica<strong>da</strong>, não causou qualquer <strong>da</strong>no ao erário público. 2. A plausibili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> tese <strong>da</strong> importadora encontra guari<strong>da</strong> não só nos elementos probatórios, comotambém na correção dos demais atos que compõem o processo de importação.” (TRF4, REO2001.72.08.002753-1, Primeira Turma, julgamento 04.08.2004, DJ 01.09.2004, RelatoraMaria Lúcia Luz Leiria)“PENA DE PERDIMENTO DE VEÍCULO. RASURA NO PREENCHIMENTO DOCONHECIMENTO DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERNACIONAL. – Em quepese tenha havido alteração manual <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta constante no Conhecimento de TransporteInternacional por Rodovia – CTR, à vista <strong>da</strong> carta de correção apresenta<strong>da</strong> à fiscalizaçãoe dos demais elementos probatórios carreados aos autos afigura-se plausível a alegação <strong>da</strong>apelante de que na ver<strong>da</strong>de houve equívoco no preenchimento, não havendo intenção deludibriar o fisco, razão pela qual a pena de perdimento do veículo mostra-se sanção pordemais gravosa e desproporcional, considerando-se, sobretudo, que <strong>da</strong> situação nenhumprejuízo adveio ao erário público.” (TRF4, AC 200004010313813/RS, Primeira Turma,julgamento 14.04.2004, DJ 12.05.2004, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria)“MANDADO DE SEGURANÇA. LIBERAÇÃO DE MERCADORIA. UNIDADEDE CARGA INDICADA ERRONEAMENTE. CORREÇÃO VOLUNTÁRIA DO CON-TRIBUINTE. BOA-FÉ. (...) 4. Mero rigor formal não pode penalizar demasia<strong>da</strong>mente ocontribuinte, cuja boa-fé é patente.” (TRF4, AG 20060400313879/SC, Segun<strong>da</strong> Turma,julgamento 05.12.2006, D.E 19.12.2006, Relator Dirceu de Almei<strong>da</strong> Soares)“DESEMBARAÇO ADUANEIRO. CARTA DE CORREÇÃO. PRAZO DO ART. 49,PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO Nº 91.030/85. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº25/86 DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. – A apresentação de carta de correçãodo conhecimento de carga após 30 dias <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> do navio transportador (IN/SRF nº25/86) configura mera irregulari<strong>da</strong>de formal, se o documento foi emitido antes <strong>da</strong> chega<strong>da</strong>do navio ao porto, nos termos do art. 49, parágrafo único, do Regulamento Aduaneiro, ese não impede ou dificulta a fiscalização aduaneira. Nessas circunstâncias, não é razoávela retenção <strong>da</strong> mercadoria e, menos ain<strong>da</strong>, a aplicação de pena de perdimento, inexistentequalquer indício de fraude ou intenção de frau<strong>da</strong>r a fiscalização aduaneira por parte doimportador, devendo prosseguir o desembaraço dos bens até os trâmites finais. – Remessaoficial desprovi<strong>da</strong>.” (TRF4, REO 200272010033959/SC, Segun<strong>da</strong> Turma, julgamento27.05.2003, DJ 09.09.2004, Relator João Surreaux Chagas).Observo, por fim, que, no aspecto referente à necessi<strong>da</strong>de de verifica-368R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


ção física <strong>da</strong> mercadoria que se encontra na sede <strong>da</strong> Higiban, a decisãofoi favorável à apelante, inexistindo recurso <strong>da</strong> parte-autora.No mais, os bem-lançados fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> sentença de lavra do MM.Juiz <strong>Federal</strong> Substituto Carlos Felipe Komorowski, os quais me permitoadotar, somados aos já expostos, como razões de decidir (fls. 295-299v.):“O extrato do SISCOMEX à fl. 63 comprova a parametrização para o canal verde deconferência aduaneira e o desembaraço, em 28.05.2007, <strong>da</strong> mercadoria importa<strong>da</strong> pelaHigiban por meio <strong>da</strong> DI n° 07/0683376-1.Já a as mercadorias <strong>da</strong> DI n° 07/0683399-0, registra<strong>da</strong> pela Flex, deveriam ser submeti<strong>da</strong>sà verificação física, pois seleciona<strong>da</strong>s para o canal vermelho em junho/2007 (fl. 77).A carta do exportador chinês de 13.06.2007 (fl. 90) afirma que as mercadorias foramtroca<strong>da</strong>s.Em 04.06.2007, as empresas apresentaram requerimento à Aduana <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>do Brasil informando o ocorrido (fls. 92-94), ou seja, antes mesmo <strong>da</strong> verificação pelaautori<strong>da</strong>de aduaneira <strong>da</strong>s mercadorias no contêiner <strong>da</strong> Flex.Não obstante, em 29.06.2007, foi lavrado o termo de retenção <strong>da</strong>s mercadorias, porquenão correspondiam à descrição na DI (fl. 99).O relato dos fatos evidencia a boa-fé <strong>da</strong>s autoras, não se identificando a intenção defrau<strong>da</strong>rem o controle do comércio exterior.Apesar <strong>da</strong>s afirmativas na inicial, houve prejuízo a esse controle, pois o conteúdo nocontêiner desembaraçado à Higiban não correspondia à descrição na DI, que foi importantepara a seleção do canal de conferência verde. Uma vez que esse contêiner foi aberto pelaempresa, não se pode afirmar qual era o seu real conteúdo, assim ficou totalmente prejudica<strong>da</strong>a verificação física do contêiner <strong>da</strong> Flex, afinal as mercadorias que nele deveriamestar já haviam sido retira<strong>da</strong>s do porto pela Higiban.(...)E é prevista a pena de perdimento na situação discuti<strong>da</strong>:‘Art.105 – Aplica-se a pena de per<strong>da</strong> <strong>da</strong> mercadoria:(...)XII – estrangeira, chega<strong>da</strong> ao país com falsa declaração de conteúdo;’Em situações especiais, contudo, é possível levar em conta a ausência de intenção deludibriar as autori<strong>da</strong>des envolvi<strong>da</strong>s no comércio exterior se o erro for escusável e extremamenteonerosa a penali<strong>da</strong>de.No presente caso configuraram-se essas hipóteses, pois os sócios <strong>da</strong>s empresas sãoligados por laços de parentesco, <strong>da</strong>ndo a entender que promovem negociações conjuntascom os exportadores. Como realizaram importações concomitantes, é crível a versão de errodo exportador, inclusive reconheci<strong>da</strong> por ele por escrito, ao acondicionar as mercadoriasnos contêineres e trocar os nomes dos importadores-destinatários.A penali<strong>da</strong>de é o perdimento <strong>da</strong>s mercadorias, a mais grave prevista na legislação.Assim, pode-se aplicar o princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de, conforme a lição de CelsoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 369


Antônio Bandeira de Mello, afastando-se a pena de perdimento:‘Este princípio enuncia a ideia – (...) – de que as competências administrativas só podemser vali<strong>da</strong>mente exerci<strong>da</strong>s na extensão e na intensi<strong>da</strong>de proporcionais ao que seja realmentedeman<strong>da</strong>do para cumprimento <strong>da</strong> finali<strong>da</strong>de de interesse público a que estão atrela<strong>da</strong>s. (...)Sobremodo quando a Administração restringe situação jurídica dos administrados alémdo que caberia, por imprimir às medi<strong>da</strong>s toma<strong>da</strong>s uma intensi<strong>da</strong>de ou extensão supérfluas,prescinden<strong>da</strong>s, ressalta a ilegali<strong>da</strong>de de sua conduta. É que ninguém deve estar obrigadoa suportar constrições em sua liber<strong>da</strong>de ou proprie<strong>da</strong>de que não sejam indispensáveis àsatisfação do interesse público.Logo, o plus, o excesso acaso existente, não milita em benefício de ninguém. (...) Ora, jáse viu que inadequação à finali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei é inadequação à própria lei. Donde, atos desproporcionaissão ilegais e, por isso, fulmináveis pelo Poder Judiciário, que, sendo provocado,deverá invalidá-los quando impossível anular unicamente a demasia, o excesso detectado.’(Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 17. ed., 2004, p. 141)Na aplicação <strong>da</strong>s penali<strong>da</strong>des é preciso sopesar as circunstâncias do caso concreto, a fimde permitir a adequação <strong>da</strong> norma aos fatos e, como exposto acima, o fato em referêncianão revela gravi<strong>da</strong>de suficiente para a pena capital. A legislação não prevê a graduação <strong>da</strong>pena conforme a culpabili<strong>da</strong>de do agente ou a gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> infração, mas seria desejávelque contemplasse tais temperamentos, a fim de evitar injustiças, por ofensa ao princípioconstitucional <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de.”Mantenho o reconhecimento <strong>da</strong> sucumbência recíproca não equivalentee o dever <strong>da</strong> União de arcar com 2/3 <strong>da</strong>s custas processuais e honoráriosadvocatícios, nos termos <strong>da</strong> sentença, sob pena de reformatio in pejus.Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo e à remessa oficialconsidera<strong>da</strong> interposta.370R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIONº 5014246-64.2010.404.7000/PRRelatora: A Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Luciane Amaral Corrêa MünchApelante: Receita <strong>Federal</strong> do BrasilApelado: Jackson Reis de SouzaAdvogado: Dr. Leonardo Adolfo Bonatto CordouroMPF: Ministério Público <strong>Federal</strong>Interessa<strong>da</strong>: União – Fazen<strong>da</strong> NacionalEMENTATributário. Imuni<strong>da</strong>de. Impostos. Importação de equipamento. Leitorde livro digital, denominado Kindle. CF/88. Art. 150, VI, alínea d.O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em que pese ter entendimento restritivoquanto à concessão <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de tributária no tocante a “livros, jornais,periódicos e o papel destinado à sua impressão”, vem autorizando aextensão desse benefício tributário aos “materiais que se mostrem assimiláveisao papel, abrangendo, em consequência, para esse efeito, osfilmes e papéis fotográficos” (RE 495385 AgR, Relator Min. Eros Grau,Segun<strong>da</strong> Turma, julgado em 29.09.2009).Portanto, considerando que o equipamento em questão, leitor de livrosdigitais, denominado “Kindle”, tem a função específica de, com vênia<strong>da</strong> redundância, permitir a leitura dos livros digitais, esse equipamentoequipara-se a “materiais assimiláveis” ao papel, para o fim <strong>da</strong> concessão<strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de tributária (CF/88, 150, VI, d), a teor <strong>da</strong> jurisprudência doSTF.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 2ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nostermos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.Porto Alegre, 05 de julho de 2011.Desa. <strong>Federal</strong> Luciane Amaral Corrêa Münch, Relatora.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 371


RELATÓRIOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Luciane Amaral Corrêa Münch: Trata--se de apelação de sentença que concedeu man<strong>da</strong>do de segurança, parareconhecer “a extensão <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de do art. 150, VI, d, <strong>da</strong> Constituiçãosobre os livros digitais ‘Kindle’ e afastar a incidência de impostos naimportação dos mesmos pelo impetrante, conforme espelho de pedidojuntado (evento 6)”. Destacou o juízo “que a imuni<strong>da</strong>de somente se refereao livro ou leitor digital, não abrangendo o estojo também contidona compra”.Inconforma<strong>da</strong>, a União sustenta em sua apelação, em síntese, que odispositivo eletrônico de leitura de livros digitais não se enquadra noconceito constitucional de livro, sendo incabível a concessão do benefíciofiscal <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de tributária. Aduz que no conceito de livro nãose levam em conta os meios com os quais as ideias são disponibiliza<strong>da</strong>spara leitura. Refere que os e-books são dispositivos eletrônicos, e nãolivros no conceito constitucional.Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.O Ministério Público <strong>Federal</strong> opinou pelo desprovimento <strong>da</strong> apelação.Causa sujeita à remessa oficial.É o relatório.VOTOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Luciane Amaral Corrêa Münch:Controverte-se acerca <strong>da</strong> extensão <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de do art. 150, VI, d, <strong>da</strong>Constituição sobre os livros digitais ‘Kindle’.A parte impetrante referiu na inicial que “pretende importar, dosEstados Unidos, o aparelho denominado comercialmente de ‘Kindle’,produzido pela empresa norte-americana Amazon.com”, buscando coma presente deman<strong>da</strong> desobrigar-se do “pagamento de quaisquer tributosaduaneiros, em razão <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de tributária”.A imuni<strong>da</strong>de tributária está assim estabeleci<strong>da</strong> na Constituição <strong>Federal</strong>:“CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias assegura<strong>da</strong>s ao contribuinte, é ve<strong>da</strong>doà União, aos Estados, ao Distrito <strong>Federal</strong> e aos Municípios:I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;372R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente,proibi<strong>da</strong> qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por elesexerci<strong>da</strong>, independentemente <strong>da</strong> denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;III – cobrar tributos:a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> lei que os houverinstituído ou aumentado;b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publica<strong>da</strong> a lei que os instituiu ouaumentou;c) antes de decorridos noventa dias <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta em que haja sido publica<strong>da</strong> a lei que osinstituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emen<strong>da</strong> Constitucionalnº 42, de 19.12.2003)IV – utilizar tributo com efeito de confisco;V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduaisou intermunicipais, ressalva<strong>da</strong> a cobrança de pedágio pela utilização de viasconserva<strong>da</strong>s pelo Poder Público;VI – instituir impostos sobre:a) patrimônio, ren<strong>da</strong> ou serviços, uns dos outros;b) templos de qualquer culto;c) patrimônio, ren<strong>da</strong> ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fun<strong>da</strong>ções, <strong>da</strong>senti<strong>da</strong>des sindicais dos trabalhadores, <strong>da</strong>s instituições de educação e de assistência social,sem fins lucrativos, atendidos os requisitos <strong>da</strong> lei;d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.”O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em que pese ter entendimento restritivoquanto à concessão <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de tributária no tocante a “livros, jornais,periódicos e o papel destinado à sua impressão”, vem autorizando aextensão desse benefício tributário aos “materiais que se mostrem assimiláveisao papel, abrangendo, em consequência, para esse efeito, osfilmes e papéis fotográficos” (RE 495385 AgR, Relator Min. Eros Grau,Segun<strong>da</strong> Turma, julgado em 29.09.2009, DJe-200 Divulg 22.10.2009Public 23.10.2009).Nesse sentido reproduzo precedentes do STF:“TRIBUTÁRIO. ISS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI, D, DA CF. SER-VIÇOS DE DISTRIBUIÇÃO, TRANSPORTE OU ENTREGA DE LIVROS, JORNAIS,PERIÓDICOS E DO PAPEL DESTINADO À SUA IMPRESSÃO. ABRANGÊNCIA.IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. AGRAVO IMPROVIDO.I – A imuni<strong>da</strong>de tributária prevista no art. 150, VI, d, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> não abrangeos serviços prestados por empresas que fazem a distribuição, o transporte ou a entrega delivros, jornais, periódicos e do papel destinado à sua impressão. Precedentes.II – O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> possui entendimento no sentido de que a imuni<strong>da</strong>deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 373


em discussão deve ser interpreta<strong>da</strong> restritivamente.III – Agravo regimental improvido.” (RE 530121 AgR, Relator(a): Min. RicardoLewandowski, Primeira Turma, julgado em 09.11.2010, DJe-058 Divulg 28.03.2011 Public29.03.2011 Ement Vol-02491-02 PP-00279)“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADETRIBUTÁRIA. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS– ICMS. CREDITAMENTO. INSUMOS UTILIZADOS NA CONFECÇÃO DE JORNAIS,LIVROS E PERIÓDICOS. AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.1. Em se tratando de insumos destinados à impressão de livros, jornais e periódicos, aimuni<strong>da</strong>de tributária abrange, exclusivamente, materiais assimiláveis ao papel.2. Impossibili<strong>da</strong>de do reexame de provas: incidência <strong>da</strong> Súmula 279 do Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong>.” (RE 372645 AgR, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em20.10.2009, DJe-213 Divulg 12.11.2009 Public 13.11.2009 Ement Vol-02382- 03 PP-00461LEXSTF v. 31, n. 372, 2009, p. 187-191)“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE.IMPOSTOS. LIVROS, JORNAIS E PERIÓDICOS. ART. 150, VI, D, DA CONSTITUI-ÇÃO DO BRASIL. INSUMOS.O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> fixou entendimento no sentido de que a garantia constitucional<strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de tributária inserta no art. 150, VI, d, <strong>da</strong> Constituição do Brasilestende-se, exclusivamente – tratando-se de insumos destinados à impressão de livros,jornais e periódicos – a materiais que se mostrem assimiláveis ao papel, abrangendo, emconsequência, para esse efeito, os filmes e papéis fotográficos.Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 495385 AgR, Relator(a):Min. Eros Grau, Segun<strong>da</strong> Turma, julgado em 29.09.2009, DJe-200 Divulg 22.10.2009Public 23.10.2009 Ement Vol-02379- 07 PP-01514 RT v. 99, n. 891, 2010, p. 226-229)“Imuni<strong>da</strong>de tributária (CF, art. 150, VI, d): filmes destinados à produção de capas delivros.É <strong>da</strong> jurisprudência do Supremo <strong>Tribunal</strong> que a imuni<strong>da</strong>de prevista no art. 150, VI, d, <strong>da</strong>Constituição alcança o produto de que se cui<strong>da</strong> na espécie (Filme Bopp). Precedentes.” (AI597746 AgR, Relator(a): Min. Sepúlve<strong>da</strong> Pertence, Primeira Turma, julgado em 14.11.2006,DJ 07-12-2006 PP-00045 Ement Vol-02259-07 PP-01298 RTJ Vol-00201-01 PP-00395 RTv. 96, n. 859, 2007, p. 177-178 RDDT n. 138, 2007, p. 152-154)“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INSUMOS DESTINADOS À IMPRESSÃO DELIVROS, JORNAIS E PERIÓDICOS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. LIMITAÇÃO CONS-TITUCIONAL AO PODER DE TRIBUTAR QUE TAMBÉM SE ESTENDE A MATERIAISASSIMILÁVEIS AO PAPEL. RECURSO DO ESTADO DE SÃO PAULO IMPROVIDO.PROVIMENTO DO RECURSO DEDUZIDO PELA EMPRESA JORNALÍSTICA.– O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, ao interpretar, restritivamente, o alcance <strong>da</strong> cláusulainscrita no art. 150, VI, d, <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República, firmou entendimento no sentido deque a garantia constitucional <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de tributária, tratando-se de insumos destinadosà impressão de livros, jornais e periódicos, estende-se, apenas, a materiais que se mostremassimiláveis ao papel, abrangendo, em consequência, para esse efeito, os filmes e papéis374R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


fotográficos. Precedentes.– Posição do Relator sobre o tema: o Relator, Ministro CELSO DE MELLO, emborareconhecendo a possibili<strong>da</strong>de de interpretação extensiva do postulado <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de tributária(CF, art. 150, VI, d), ajusta o seu entendimento (pessoal e vencido) à orientação prevalecenteno Plenário <strong>da</strong> Corte (RE 203.859/SP), em respeito ao princípio <strong>da</strong> colegiali<strong>da</strong>de.– Considerações em torno <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de tributária, nota<strong>da</strong>mente <strong>da</strong>quela estabeleci<strong>da</strong>em favor de livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão. Significado eteleologia <strong>da</strong> cláusula fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no art. 150, VI, d, <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República: proteçãodo exercício <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de de expressão intelectual e do direito de informação.” (RE 327414AgR, Relator(a): Min. Celso de Mello, Segun<strong>da</strong> Turma, julgado em 07.03.2006, DJe-027Divulg 11.02.2010 Public 12.02.2010 Ement Vol-02389- 03 PP-00635)Portanto, considerando que o leitor de livros digitais em questão, denominadoKindle, tem a função específica de, com vênia <strong>da</strong> redundância, permitira leitura dos livros digitais, reconheço que esse equipamento equipara-se a“materiais assimiláveis” ao papel, para o fim <strong>da</strong> concessão <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>detributária (CF/88, 150, VI, d), a teor <strong>da</strong> jurisprudência do STF.Nesse sentido é o parecer do representante do Ministério Público <strong>Federal</strong>,o qual esclarece:“Inútil é o livro digital sem o aplicativo leitor, como seria inútil o livro sem suas páginasde papel em que impressas as palavras para leitura. A impressão e a consequente leitura delivros rogam pelo aplicativo adquirido pelo impetrante. O leitor é exclusivo para a leiturade livro digital. Com ele, o texto digitalizado encontra sua forma de leitura.De fato, não poderia o legislador ordinário limitar a definição de livro apenas para o livrodigital de uso exclusivo por pessoas com deficiência visual:‘Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003, que institui a Política Nacional do Livro(...)CAPÍTULO IIDO LIVROArt. 2º Considera-se livro, para efeitos desta Lei, a publicação de textos escritos em fichasou folhas, não periódica, grampea<strong>da</strong>, cola<strong>da</strong> ou costura<strong>da</strong>, em volume cartonado, encadernadoou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento.Parágrafo único. São equiparados a livro:I – fascículos, publicações de qualquer natureza que representem parte de livro;II – materiais avulsos relacionados com o livro, impressos em papel ou em material similar;III – roteiros de leitura para controle e estudo de literatura ou de obras didáticas;IV – álbuns para colorir, pintar, recortar ou armar;V – atlas geográficos, históricos, anatômicos, mapas e cartogramas;VI – textos derivados de livro ou originais, produzidos por editores, mediante contrato deedição celebrado com o autor, com a utilização de qualquer suporte;VII – livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas com deficiênciavisual;R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 375


VIII – livros impressos no Sistema Braille.Art. 3º É livro brasileiro o publicado por editora sedia<strong>da</strong> no Brasil, em qualquer idioma,bem como o impresso ou fixado em qualquer suporte no exterior por editor sediado no Brasil.Art. 4º É permiti<strong>da</strong> a entra<strong>da</strong> no País de livros em língua estrangeira ou portuguesa, imunesde impostos nos termos do art. 150, inciso VI, alínea d, <strong>da</strong> Constituição, e, nos termos do regulamento,de tarifas alfandegárias prévias, sem prejuízo dos controles aduaneiros e de suas taxas.’O livro digital é livro alcançado pela imuni<strong>da</strong>de constitucional, que também encerra seuleitor/aplicativo digital.”Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e à remessa oficial.376R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011


ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE


ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADENº 0035351-13.2009.404.7100/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson DarósRelatora p/ acórdão: A Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz LeiriaInteressado: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> NacionalInteressado: Vinicio SonciniAdvogado: Dr. Ricardo Barbosa AlfonsinSuscitante: <strong>4ª</strong> Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>EMENTAArguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de. Artigo 8º <strong>da</strong> Lei nº 11.775/08.Princípio <strong>da</strong> isonomia não violado.As medi<strong>da</strong>s adota<strong>da</strong>s pelo artigo 8º <strong>da</strong> Lei nº 11.775/08 para estimulara liqui<strong>da</strong>ção ou a renegociação de dívi<strong>da</strong>s originárias de operações decrédito rural são plenamente justifica<strong>da</strong>s e não maculam o princípio <strong>da</strong>isonomia.Incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>de rejeitado.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia Corte Especial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, por maioria, rejeitar a arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de doartigo 8º <strong>da</strong> Lei nº 11.775/2008, nos termos do relatório, votos e notasR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 379


taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 30 de junho de 2011.Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora para o acórdão.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós: Trata-se de incidente dearguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de suscitado por unanimi<strong>da</strong>de pela <strong>4ª</strong>Turma desta Corte por ocasião do exame do recurso de apelação interpostonos autos.O incidente foi suscitado quanto ao artigo 8º <strong>da</strong> Lei nº 11.775/2008.A deman<strong>da</strong> em exame versa sobre possibili<strong>da</strong>de de renegociação dedívi<strong>da</strong> relativa a crédito rural, de acordo com os critérios estabelecidosno art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 11.775/2008, afasta<strong>da</strong>s as restrições impostas peloart. 8º do mesmo diploma legal.A Turma fun<strong>da</strong>mentou a suscitação do incidente em virtude <strong>da</strong> violaçãoà regra inscrita no artigo 5º, caput, e artigo 150, II, <strong>da</strong> CF/88. Ofendeos princípios <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> isonomia a diferenciação efetua<strong>da</strong> entreos débitos inscritos em dívi<strong>da</strong> ativa ou não, privilegiando-se os últimoscom melhores condições de renegociação. Tanto um quanto outro estãona mesma situação substancial, a de devedores do Fisco.O representante do Ministério Público <strong>Federal</strong> opinou pelo desprovimentodo recurso e do reexame necessário (fls.102 e 103).É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós: A presente arguição deinconstitucionali<strong>da</strong>de parte <strong>da</strong> premissa <strong>da</strong> existência de incompatibili<strong>da</strong>devertical entre o enunciado do artigo 5º, caput, e artigo 150, II, <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong> e o disposto no artigo 8º <strong>da</strong> Lei nº 11.775/2008.Os dispositivos mencionados são dotados <strong>da</strong>s seguintes re<strong>da</strong>ções,verbis:“Constituição <strong>Federal</strong> – Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquernatureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili<strong>da</strong>dedo direito à vi<strong>da</strong>, à liber<strong>da</strong>de, à igual<strong>da</strong>de, à segurança e à proprie<strong>da</strong>de, nos termos seguintes:(...)Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias assegura<strong>da</strong>s ao contribuinte, é ve<strong>da</strong>do à380R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


União, aos Estados, ao Distrito <strong>Federal</strong> e aos Municípios:(...)II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente,proibi<strong>da</strong> qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por elesexerci<strong>da</strong>, independentemente <strong>da</strong> denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”“Lei nº 11.775/2008Art. 1º Fica autoriza<strong>da</strong> a adoção <strong>da</strong>s seguintes medi<strong>da</strong>s de estímulo à liqui<strong>da</strong>ção ouregularização de dívi<strong>da</strong>s originárias de operações de crédito rural, renegocia<strong>da</strong>s com baseno § 3º do art. 5º <strong>da</strong> Lei nº 9.138, de 29 de novembro de 1995, e repactua<strong>da</strong>s nos termos <strong>da</strong>Lei nº 10.437, de 25 de abril de 2002, ou do art. 4º <strong>da</strong> Lei nº 11.322, de 13 de julho de 2006:‘I – para a liqui<strong>da</strong>ção em 2008, 2009 ou 2010 de operações adimpli<strong>da</strong>s, concessão dedescontos conforme quadro constante do Anexo I desta Lei, observado que:a) para efeito de enquadramento nas faixas de desconto para liqui<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> operaçãoaté 30 de dezembro de 2008, deverá ser considerado o saldo devedor em 31 de março de2008, apurado sem a correção pela variação do preço mínimo, de que tratam os §§ 3º e 5ºdo art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 10.437, de 25 de abril de 2002, e os incisos III, V e VI do caput do art.4º <strong>da</strong> Lei nº 11.322, de 13 de julho de 2006;b) para efeito de enquadramento nas faixas de desconto para liqui<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> operação em2009 ou 2010, deverá ser considerado o saldo devedor em 1º de janeiro de 2009 ou em 1º dejaneiro de 2010, respectivamente, apurado sem a correção pela variação do preço mínimoa que se refere a alínea a deste inciso;c) os descontos e bônus de adimplemento devem ser aplicados na seguinte ordem:1. bônus de adimplemento contratual sobre o saldo devedor;2. desconto percentual adicional sobre o valor apurado nos termos do item 1 desta alínea;3. desconto de valor fixo sobre o valor apurado nos termos do item 2 desta alínea;II – para a renegociação de operações adimpli<strong>da</strong>s:a) permissão ao mutuário, mediante formalização de aditivo contratual, <strong>da</strong> repactuaçãopara que sejam suprimi<strong>da</strong>s, a partir <strong>da</strong> formalização <strong>da</strong> renegociação, a correção pelavariação do preço mínimo e a opção pela entrega do produto em pagamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>, deque tratam o inciso IV do § 5º do art. 5º <strong>da</strong> Lei nº 9.138, de 29 de novembro de 1995, os §§3º e 5º do art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 10.437, de 25 de abril de 2002, e os incisos III, V e VI do caputdo art. 4º <strong>da</strong> Lei nº 11.322, de 13 de julho de 2006;b) manutenção dos prazos contratuais de amortização ou seu reescalonamento até ovencimento final em 31 de outubro de 2025;III – para a liqui<strong>da</strong>ção, até 2009, de operações inadimpli<strong>da</strong>s: (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Leinº 12.058, de 2009)a) dispensa <strong>da</strong> correção pela variação do preço mínimo, de que tratam os §§ 3º e 5º doart. 1º <strong>da</strong> Lei nº 10.437, de 25 de abril de 2002, e os incisos III, V e VI do caput do art. 4º<strong>da</strong> Lei nº 11.322, de 13 de julho de 2006, referente às parcelas venci<strong>da</strong>s; b) ajuste do saldodevedor vencido, retirando-se os encargos por inadimplemento e corrigindo-se o saldo deca<strong>da</strong> parcela pelos encargos de normali<strong>da</strong>de até a <strong>da</strong>ta do respectivo vencimento contratual,e aplicação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, divulgado pela Fun<strong>da</strong>çãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 381


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, mais 6% (seis por cento) ao ano prorata die, calculados a partir <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta de vencimento contratual de ca<strong>da</strong> parcela, até a <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção;c) apuração do saldo devedor vincendo sem a correção pela variação do preço mínimo,de que tratam os §§ 3º e 5º do art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 10.437, de 25 de abril de 2002, e os incisosIII, V e VI do caput do art. 4º <strong>da</strong> Lei nº 11.322, de 13 de julho de 2006;d) aplicação ao saldo devedor total apurado dos descontos previstos no quadro constantedo Anexo I desta Lei, observando-se a ordem de que trata a alínea c do inciso I docaput deste artigo e considerando-se a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção para efeito de enquadramentonas faixas de desconto;IV – para a renegociação de operações inadimpli<strong>da</strong>s:a) a exigência do pagamento integral <strong>da</strong> parcela com vencimento em 2009, com incidênciado bônus contratual se paga até a <strong>da</strong>ta de seu vencimento, ou, em caso de pagamentoain<strong>da</strong> em 2009, após o vencimento, com ajuste nos termos <strong>da</strong>s alíneas a e b do inciso III docaput deste artigo; (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.058, de 2009)b) exigência de amortização mínima de 2% (dois por cento) do saldo devedor vencido,ajustado nos termos <strong>da</strong>s alíneas a e b do inciso III do caput deste artigo, e distribuiçãoentre as parcelas vincen<strong>da</strong>s do valor remanescente, mantendo-se os prazos contratuais dereembolso ou reescalonando-os até o vencimento final em 31 de outubro de 2025;c) aplicação do disposto na alínea a do inciso II do caput deste artigo para as operaçõesrenegocia<strong>da</strong>s nas condições de que trata este inciso;d) aplicação <strong>da</strong>s mesmas condições e descontos estabelecidos nas alíneas b e c do incisoI do caput deste artigo, no caso de liqui<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> operação em 2009 ou 2010.§ 1º Somente fará jus às medi<strong>da</strong>s de que tratam os incisos I a IV do caput deste artigoa operação que tiver sido adquiri<strong>da</strong> e desonera<strong>da</strong> do risco pela União, na forma do art. 2º<strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisória nº 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, ou esteja lastrea<strong>da</strong> em recursose com risco dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte – FNO, do Nordeste– FNE ou do Centro-Oeste – FCO, de acordo com o art. 13 <strong>da</strong> mesma Medi<strong>da</strong> Provisória,ou do Fundo de Defesa <strong>da</strong> Economia Cafeeira – Funcafé.§ 2º Nas operações repactua<strong>da</strong>s segundo as condições estabeleci<strong>da</strong>s pelo art. 4º <strong>da</strong> Leinº 11.322, de 13 de julho de 2006, os descontos previstos para liqui<strong>da</strong>ção antecipa<strong>da</strong> até2009 devem ser substituídos pelos descontos de que trata o inciso I do caput deste artigo.(Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.058, de 2009)§ 3º Para a liqui<strong>da</strong>ção de operações em que os valores financiados foram aplicados emativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s na área de atuação <strong>da</strong> Superintendência do Desenvolvimento doNordeste – Sudene, exceto em Municípios localizados em área de cerrado, a serem definidospelos Ministros de Estado <strong>da</strong> Integração Nacional, <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> e <strong>da</strong> Agricultura, Pecuáriae Abastecimento, o correspondente desconto percentual previsto no quadro constante doAnexo I desta Lei será acrescido de 10 (dez) pontos percentuais.§ 4º Os custos decorrentes do ajuste do saldo devedor vencido, dos descontos e dos bônusconcedidos nos termos deste artigo serão imputados ao Tesouro Nacional, quando as operaçõestiverem risco <strong>da</strong> União, aos Fundos Constitucionais de Financiamento, nas operações382R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


lastrea<strong>da</strong>s em seus recursos, e ao Funcafé, no caso de operações com seus recursos e risco.§ 5º Para as operações renegocia<strong>da</strong>s nos termos deste artigo, admite-se, até o ano de2010, a amortização antecipa<strong>da</strong> de parcelas com aplicação dos respectivos descontos paraliqui<strong>da</strong>ção estabelecidos no inciso I do caput deste artigo, exceto o desconto de valor fixo,que será definido na forma do § 6º deste artigo, desde que a operação se encontre adimpli<strong>da</strong>na <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> antecipação <strong>da</strong>s prestações e que estas sejam amortiza<strong>da</strong>s na ordem inversa <strong>da</strong>prevista no cronograma de reembolso.§ 6º Para definição do desconto de valor fixo nas amortizações antecipa<strong>da</strong>s de ca<strong>da</strong>parcela de que trata o § 5º deste artigo, deve-se considerar o valor do desconto fixo paraas respectivas faixas de saldo estabelecido no inciso I do caput deste artigo, sendo que:I – para pagamento de parcelas em 2008, o valor do desconto fixo deve ser divididopor 17 (dezessete) e multiplicado pelo número de parcelas anuais amortiza<strong>da</strong>s nesse ano;II – para pagamento de parcelas em 2009, o valor do desconto fixo deve ser divididopor 16 (dezesseis) e multiplicado pelo número de parcelas anuais amortiza<strong>da</strong>s nesse ano;III – para pagamento de parcelas em 2010, o valor do desconto fixo deve ser divididopor 15 (quinze) e multiplicado pelo número de parcelas anuais amortiza<strong>da</strong>s nesse ano.(...)Art. 8º É autoriza<strong>da</strong> a adoção <strong>da</strong>s seguintes medi<strong>da</strong>s de estímulo à liqui<strong>da</strong>ção ou àrenegociação de dívi<strong>da</strong>s originárias de operações de crédito rural inscritas na DAU ou quevenham a ser incluí<strong>da</strong>s até 31 de outubro de 2010: (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.249, de 2010)I – concessão de descontos, conforme quadro constante do Anexo IX desta Lei, para aliqui<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> até 30 de junho de 2011, devendo incidir o desconto percentual sobrea soma dos saldos devedores por mutuário na <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> renegociação, observado o dispostono § 10 deste artigo, e, em segui<strong>da</strong>, ser aplicado o respectivo desconto de valor fixo porfaixa de saldo devedor; (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.380, 2011)II – permissão <strong>da</strong> renegociação do total dos saldos devedores <strong>da</strong>s operações até 30 dejunho de 2011, mantendo-as na DAU, observa<strong>da</strong>s as seguintes condições: (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong>pela Lei nº 12.380, 2011)a) prazo de reembolso: 10 (dez) anos, com amortizações em parcelas semestrais ouanuais, de acordo com o fluxo de receitas do mutuário;b) (VETADO);c) concessão de desconto percentual sobre as parcelas <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> pagas até a <strong>da</strong>ta dovencimento renegociado, conforme quadro constante do Anexo X desta Lei, aplicando-se,em segui<strong>da</strong>, uma fração do respectivo desconto de valor fixo por faixa de saldo devedor;d) a fração do desconto de valor fixo a que se refere a alínea c deste inciso será aquelaresultante <strong>da</strong> divisão do respectivo desconto de valor fixo previsto no quadro constante doAnexo X desta Lei pelo número de parcelas renegocia<strong>da</strong>s conforme a alínea a deste inciso;e) o total dos saldos devedores será considerado na <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> renegociação, para efeitode enquadramento nas faixas de desconto;f) pagamento <strong>da</strong> primeira parcela no ato <strong>da</strong> negociação.§ 1º Fica a União, por intermédio <strong>da</strong> Procuradoria-Geral <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Nacional, autoriza<strong>da</strong>a contratar, com dispensa de licitação, instituições financeiras integrantes <strong>da</strong> AdministraçãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 383


Pública <strong>Federal</strong>, para adotar as providências necessárias no sentido de facilitar o processode liqui<strong>da</strong>ção ou renegociação de dívi<strong>da</strong>s rurais inscritas em Dívi<strong>da</strong> Ativa <strong>da</strong> União – DAU,nos termos desta Lei.§ 2º Para a liqui<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s operações de que trata este artigo, os mutuários que financiaramativi<strong>da</strong>des na área de atuação <strong>da</strong> Sudene, exceto em Municípios localizados em área decerrado, a serem definidos pelos Ministros de Estado <strong>da</strong> Integração Nacional, <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>e <strong>da</strong> Agricultura, Pecuária e Abastecimento, farão jus a desconto adicional de 10 (dez)pontos percentuais, a ser somado aos descontos percentuais previstos no quadro constantedo Anexo IX desta Lei.§ 3º Ficam suspensos até 30 de junho de 2011 as execuções fiscais e os respectivosprazos processuais, cujo objeto seja a cobrança de crédito rural de que trata este artigo.(Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.380, 2011)§ 4º A adesão à renegociação de que trata este artigo importa em autorização à Procuradoria-Geral<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Nacional - PGFN para promover a suspensão <strong>da</strong>s ações e execuçõesjudiciais para cobrança <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> até o efetivo cumprimento do ajuste, devendo prosseguirem caso de descumprimento.§ 5º O prazo de prescrição <strong>da</strong>s dívi<strong>da</strong>s de crédito rural de que trata este artigo ficasuspenso a partir <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta de publicação desta Lei até 30 de junho de 2011. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong>pela Lei nº 12.380, 2011)§ 6º O descumprimento do parcelamento resultará na per<strong>da</strong> dos benefícios, retornandoo valor do débito à situação anterior, deduzido o valor integral referente às parcelas pagas.§ 7º As dívi<strong>da</strong>s oriun<strong>da</strong>s de operações de crédito rural ao amparo do Programa deCooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados – Prodecer – Fase II,inscritas na Dívi<strong>da</strong> Ativa <strong>da</strong> União até 31 de outubro de 2010, que forem liqui<strong>da</strong><strong>da</strong>s ourenegocia<strong>da</strong>s até 30 de junho de 2011, farão jus a um desconto adicional de 10 (dez) pontospercentuais, a ser somado aos descontos percentuais previstos nos quadros constantes dosAnexos IX e X desta Lei. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.380, 2011)§ 8º As condições estabeleci<strong>da</strong>s neste artigo serão estendi<strong>da</strong>s às dívi<strong>da</strong>s originárias deoperações do Prodecer – Fase II, do Programa de Financiamento de Equipamentos de Irrigação– PROFIR e do Programa Nacional de Valorização e Utilização de Várzeas Irrigáveis– Provárzeas, contrata<strong>da</strong>s com o extinto Banco Nacional de Crédito Cooperativo, cujos ativosforam transferidos para o Tesouro Nacional. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.058, de 2009)§ 9º Para as operações do Prodecer – Fase II de que tratam os §§ 7º e 8º deste artigo, emediante solicitação do mutuário, fica o Ministério <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> autorizado a definir descontosadicionais a serem aplicados para liqui<strong>da</strong>ção ou renegociação dessas operações, com base narevisão de garantias efetua<strong>da</strong> conjuntamente pelos Ministérios <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> e <strong>da</strong> Agricultura,Pecuária e Abastecimento, <strong>da</strong> seguinte forma: (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.058, de 2009)I – no caso de liqui<strong>da</strong>ção, mediante avaliação do valor atual <strong>da</strong>s garantias e dos bensfinanciados; (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)II – no caso de renegociação, com base no valor <strong>da</strong> receita líqui<strong>da</strong> média por hectarepara as ativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s na área do Programa, apura<strong>da</strong> pela Companhia Nacionalde Abastecimento – Conab. (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)384R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


§ 10. Às dívi<strong>da</strong>s originárias de crédito rural inscritas na DAU ou que vierem a ser inscritasa partir <strong>da</strong> publicação desta Lei não será acresci<strong>da</strong> a taxa de 20% (vinte por cento) a títulodo encargo legal previsto no Decreto-Lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, devendo osvalores já imputados ser deduzidos dos respectivos saldos devedores.§ 11. A renegociação de que trata este artigo será regulamenta<strong>da</strong> por ato do Procurador--Geral <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Nacional.’”No que diz respeito à alega<strong>da</strong> incompatibili<strong>da</strong>de entre o enunciado noartigo 150, II, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> e o disposto no artigo 8º <strong>da</strong> Leinº 11.775/2008, esclareço que, no caso, deve ser afasta<strong>da</strong> a aplicação doart. 150 <strong>da</strong> Constituição, já que não se trata de tributo.Resta claro, contudo, analisando os dispositivos acima, a inconstitucionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> distinção prevista no art. 8º <strong>da</strong> Lei nº 11.775/2008, porafronta ao princípio <strong>da</strong> isonomia.A inscrição ou não de dívi<strong>da</strong> em Débito Ativo <strong>da</strong> União é situaçãoque decorre tão somente de ato de escolha <strong>da</strong> Administração Pública,não dependendo de qualquer ato do devedor. Assim, a ambas as dívi<strong>da</strong>s– as inscritas em Débito Ativo <strong>da</strong> União e as não inscritas – deve serdispensado o mesmo tratamento, devendo-se afastar a incidência do art.8º <strong>da</strong> Lei nº 11.775/2008.Ofende os princípios <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e isonomia a diferenciação efetua<strong>da</strong>entre os débitos inscritos em dívi<strong>da</strong> ativa ou não, privilegiando-seos últimos com melhores condições de renegociação. Tanto um quantooutro estão na mesma situação substancial, a de devedores do Fisco. Estabelecerdistinção à simples inscrição em dívi<strong>da</strong> ativa, ato administrativosobre o qual o devedor não tem qualquer ingerência, significa atribuir àenti<strong>da</strong>de fazendária o momento a partir do qual o devedor possa ou nãogozar <strong>da</strong>s prerrogativas estabeleci<strong>da</strong>s no texto legal para a renegociaçãode seus débitos.Dessa forma, está sendo feri<strong>da</strong> a premissa constitucional de que “todossão iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, consagra<strong>da</strong>pelo caput do art. 5º <strong>da</strong> Carta Magna, pois observamos as condições maisbenéficas de negociação do artigo 1º em relação ao artigo 8º do mesmodiploma para dívi<strong>da</strong>s idênticas.No caso dos artigos 1º e 8º <strong>da</strong> Lei nº 11.775/2008, temos devedores emsituação idêntica, pois correspondem a um grupo de produtores rurais queaderiram ao mesmo programa de alongamento de débitos, que possuíamR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 385


junto à mesma instituição financeira, nos moldes previstos pela Lei nº9.138/95 e Resolução do CMN/Bacen, e que não puderam cumprir, deuma forma ou outra, as obrigações assumi<strong>da</strong>s.Assim, não há razoabili<strong>da</strong>de na discriminação <strong>da</strong>queles que tiveramos débitos inscritos em dívi<strong>da</strong> ativa, sendo também inadequa<strong>da</strong> e desproporcionala diferenciação jurídica dos casos, estampa<strong>da</strong> na onerosi<strong>da</strong>de<strong>da</strong> renegociação nos termos do art. 8º.Configura<strong>da</strong> a afronta aos princípios constitucionais <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e<strong>da</strong> isonomia, deve ser afasta<strong>da</strong> a regra do artigo 8º e determina<strong>da</strong> a extensãodos benefícios do art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 11.775/2008, ao contrato queestá inscrito em DAU.Ante o exposto, voto por declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de do artigo8º <strong>da</strong> Lei nº 11.775/2008.É o voto.VOTO divergenteA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria (Relatora paraacórdão) – notas taquigráficas: Sra. Presidente:Vou cumprimentar o eminente Des. Darós que foi, antes de ser Presidente,um tributarista de escol, em que pese aqui não se tratar de problematributário específico; cumprimento também ambos os Procuradores pelosbem-lançados fun<strong>da</strong>mentos nas suas sustentações orais.A declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de que vou rejeitar foi feita peloeminente Relator com fun<strong>da</strong>mento no caput do art. 5º <strong>da</strong> nossa Constituição<strong>Federal</strong>, ou seja, por mácula ao princípio <strong>da</strong> isonomia. As leis,quando nascem, nascem presumivelmente constitucionais, portanto, oexame <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de, principalmente em controle difuso, deveser feito com muita cautela. Eu estava quase convenci<strong>da</strong> disso, mas fuiexaminar o conteúdo do que seja o princípio <strong>da</strong> isonomia. Entendo queo que se exige para o atendimento do princípio <strong>da</strong> isonomia é a existênciade um elo de correlação lógica entre a característica diferencialutiliza<strong>da</strong> e a distinção de tratamento em função dela conferi<strong>da</strong>, ou seja,se aquele discrímen é proibido pela Constituição, não pode ser utilizado,se efetivamente as situações têm de ter um tratamento idêntico, se seestá usando de poder arbitrário ou <strong>da</strong>quele poder discriminatório que olegislador tem.386R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


Celso Antônio Bandeira de Mello diz que, no que tange ao reconhecimento<strong>da</strong>s distinções que não podem ser procedi<strong>da</strong>s sem afronta aopreceito econômico, há que se analisá-las sob três aspectos, que são osseguintes: o primeiro, concernente ao elemento relacionado como fatorde desigualação; o segundo, atinente ao nexo lógico, abstrato, existenteentre o fator erigido como critério distintivo e a dispari<strong>da</strong>de estabeleci<strong>da</strong>no tratamento jurídico diversificado; e, por fim, a consonância dessa conexãológica com os interesses salvaguar<strong>da</strong>dos pelo sistema constitucional.Não vejo, de forma nenhuma, que esse discrímen, ou seja, essa distinçãoentre os grupos de mutuários tratados pelos incisos I, III e IV, de umlado, e pelo art. 8º, de outro, feita pela Lei nº 11.775/08, tenha alcançadoessa capaci<strong>da</strong>de de macular o princípio <strong>da</strong> isonomia. Acho, aliás, queela se mostra plenamente justifica<strong>da</strong>, essa diferença dispensa<strong>da</strong>, essediscrímen levado em conta pelo legislador, e a disciplina distinta previstapelo próprio legislador tem uma correlação lógica. Naquele tempo, quemestivesse sob tal situação recebia tal benefício; aqueles outros que deixarampassar o tempo e não se inscreveram, se tornaram inadimplentes, nãoteriam tal benefício. Até lembro, não sei se posso fazer essa correlação, aversão do Supremo que diz que nenhum de nós tem direito a um regimejurídico antecipado, ou seja, que fique imóvel no tempo, tanto é que nãocontribuíamos para a Previdência Social e passamos a contribuir. Então,no meu entendimento, a diferença de tratamento feita pelos artigos 1º e8º, em função desses fun<strong>da</strong>mentos doutrinários de Celso Antônio e do queentendo por princípio isonômico, não configura discriminação arbitrária.Ela não está despi<strong>da</strong> de razoabili<strong>da</strong>de e tem uma justificativa racional.Naquele tempo, era aquele benefício que se queria deferir.Então, peço redobra<strong>da</strong> vênia ao eminente procurador – já decidi estetipo de processo em que S. Exa. era procurador, na última sessão emque eu estive presente votei contra o meu eminente Presidente –, entãoPresidente o Des. Lenz –, pela suspensão de um processo que o Presidentetrazia em função desse incidente, por entender que não se podiajulgar enquanto a Corte Especial não tivesse exercido o seu direito dereserva de Plenário.Com essa síntese, e trazendo também como fun<strong>da</strong>mento, vi anotadoaqui pelo Des. <strong>Federal</strong> Néfi Cordeiro um precedente nesse mesmo sentido,peço desculpas de trazê-lo também, incorporá-lo ao meu voto, e tambémR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 387


um precedente que acho que é do Des. <strong>Federal</strong> Otávio Pamplona, emum incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>de do encargo legal, é o julgamentodo processo de nº 20047008001295/PR, é sim do Des. <strong>Federal</strong> OtávioPamplona, está anotado como vejo nos memoriais. Com tais fun<strong>da</strong>mentoseu não vejo a inconstitucionali<strong>da</strong>de no tratamento efetuado, porqueesse discrímen era efetivamente possível, era constitucional, estavadentro dos atributos do Poder Legislativo, é que estou, pedindo vêniaao eminente Relator pelo seu bem-lançado voto, rejeitando o incidentede inconstitucionali<strong>da</strong>de.É como voto, Sra. Presidente.Peço taquigráficas.ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADENº 1995.71.00.003491-0/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan PaciornikInteressa<strong>da</strong>: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> NacionalInteressado: Banco do Estado do Rio Grande do Sul S/AAdvogados: Drs. Claudio Monroe Massetti e outrosSuscitante: 1ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>EMENTAArguição de Inconstitucionali<strong>da</strong>de. Tributário. Pasep. Enti<strong>da</strong>decontrola<strong>da</strong>, direta ou indiretamente, pelo poder público. Inconstitucionali<strong>da</strong>deformal do art. 14, inciso VI, do DL nº 2.052/1983.1. O art. 14 do Decreto-Lei nº 2.052/1983 alterou o rol de contribuintesdo Pasep, incluindo, no inciso VI, quaisquer outras enti<strong>da</strong>des controla<strong>da</strong>s,direta ou indiretamente, pelo Poder Público.388R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


2. Entre a Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 08/1977 e a Constituição de1988, as contribuições ao PIS e ao Pasep foram destituí<strong>da</strong>s de naturezatributária, consoante a jurisprudência consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> do STF.3. O art. 55 <strong>da</strong> Constituição de 1969 previa reserva qualifica<strong>da</strong> àsmatérias que poderiam ser regula<strong>da</strong>s por meio de decreto-lei (finançaspúblicas, inclusive normas tributárias). À medi<strong>da</strong> que a contribuição aoPasep não constituía tributo nem receita pública, há inconstitucionali<strong>da</strong>deformal na sua regulamentação mediante decreto-lei.4. Declara-se a inconstitucionali<strong>da</strong>de formal do inciso VI do artigo14 do Decreto-Lei nº 2052/1983.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia Corte Especial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de, acolher o incidente, declarando a inconstitucionali<strong>da</strong>dedo inciso VI do artigo 14 do Decreto-Lei nº 2052/1983, nostermos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan Paciornik, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan Paciornik: A Primeira Turma destaCorte, no julgamento <strong>da</strong> Apelação Cível nº 1995.71.00.003491-0/RS,considerou inconstitucional o inciso VI do art. 14 do Decreto-Lei nº2.052/1983, por afronta ao art. 55 <strong>da</strong> Constituição de 1969 (fls. 263-272).Considerando que a Turma não possui competência para afastar aaplicação de dispositivo de lei por ofensa à Constituição <strong>Federal</strong>, foisuscitado este incidente de arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de perante aCorte Especial.O Ministério Público <strong>Federal</strong> opina pelo provimento do incidente(fls. 275-276).É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan Paciornik: A Lei ComplementarR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 389


nº 08/1970 instituiu o Programa de Formação do Patrimônio do ServidorPúblico – Pasep, elencando como contribuintes a União, os Estados, osMunicípios, o Distrito <strong>Federal</strong> e os Territórios, assim como as suas autarquias,empresas públicas, socie<strong>da</strong>des de economia mista e fun<strong>da</strong>ções.O art. 14 do Decreto-Lei nº 2.052/1983 alterou o rol de contribuintesdo Pasep, incluindo, no inciso VI, quaisquer outras enti<strong>da</strong>des controla<strong>da</strong>s,direta ou indiretamente, pelo Poder Público.Não há dúvi<strong>da</strong> de que a Divergs, cria<strong>da</strong> para administrar a dívi<strong>da</strong>mobiliária do Estado do Rio Grande do Sul, enquadra-se na hipótese doinciso VI, porquanto era controla<strong>da</strong> por esse Estado. Convém mencionarque a empresa foi liqui<strong>da</strong><strong>da</strong> em fevereiro de 1991, sendo transferi<strong>da</strong> aadministração do Fundo de Liquidez <strong>da</strong> Dívi<strong>da</strong> Mobiliária do Estadopara o Banrisul – Banco do Estado do Rio Grande do Sul S/A.O disposto no inciso VI do art. 14 do DL nº 2.052/1983, porém, nãopode ser aplicado, por ressentir-se de inconstitucionali<strong>da</strong>de formal. Apresente controvérsia é muito semelhante à discussão que resultou noreconhecimento <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de dos Decretos-Leis n os 2.445 e2.449/1988. Entre a Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 08/1977 e a Constituiçãode 1988, as contribuições ao PIS e ao Pasep foram destituí<strong>da</strong>s de naturezatributária, consoante a jurisprudência consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> do STF. O art.55 <strong>da</strong> Constituição de 1969 previa reserva qualifica<strong>da</strong> às matérias quepoderiam ser regula<strong>da</strong>s por meio de decreto-lei (segurança nacional, finançaspúblicas, inclusive normas tributárias e criação de cargos públicose fixação de vencimentos). À medi<strong>da</strong> que a contribuição ao Pasep nãoconstituía tributo nem receita pública, há inconstitucionali<strong>da</strong>de formalna sua regulamentação mediante decreto-lei.A questão está sub judice no STF, em recurso extraordinário interpostocontra acórdão desta Corte que reconheceu o enquadramento de outraempresa como contribuinte do Pasep. O julgamento do RE nº 379.154/RS iniciou-se em 21.09.2005, sob relatoria do Ministro Carlos Velloso,que conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário, para declarara inconstitucionali<strong>da</strong>de do inciso VI do art. 14 do DL nº 2.052/1983.Acompanharam o Relator os Ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa eCarlos Britto. No entanto, o julgamento foi interrompido em razão depedido de vista do Ministro Gilmar Mendes e até hoje não foi retomado.Veja-se o teor <strong>da</strong> notícia publica<strong>da</strong> no Informativo nº 402 do STF:390R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


“O <strong>Tribunal</strong> iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute, em face <strong>da</strong>Constituição pretérita (CF/67, com a EC 1/69, art. 55, II), a constitucionali<strong>da</strong>de do art. 14,VI, do Decreto-Lei 2.052/83, que incluiu, como contribuintes do Pasep, ‘quaisquer outrasenti<strong>da</strong>des controla<strong>da</strong>s, direta ou indiretamente, pelo Poder Público’. Trata-se, na espécie,de recurso interposto por companhia de seguros contra acórdão do TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> quedecidira pelo enquadramento <strong>da</strong> recorrente como contribuinte do Pasep, por ser ela controla<strong>da</strong>pelo Poder Público. O Min. Carlos Velloso, relator, conheceu e deu provimentoao recurso para declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de do art. 14, VI, do referido Decreto-Lei.Embora ressalvando seu entendimento pessoal a respeito do tema, o relator aplicou aocaso, mutatis mutandis, a orientação fixa<strong>da</strong> pelo Supremo no julgamento do RE 148754/RJ(DJU de 04.03.94) no sentido de que o PIS – <strong>da</strong> mesma forma o Pasep –, por ter perdidoa natureza tributária a partir <strong>da</strong> EC 8/77 e por não se inserir no âmbito <strong>da</strong>s finanças públicas,não poderia ser alterado por decreto-lei. Após os votos dos Ministros Eros Grau,Joaquim Barbosa e Carlos Britto, acompanhando o voto do relator, pediu vista dos autoso Min. Gilmar Mendes.” (RE 379154/RS, rel. Min. Carlos Velloso, 21.09.2005) (grifei)Não obstante os votos colhidos até este momento no STF constituamforte indicativo de que será reconheci<strong>da</strong> a inconstitucionali<strong>da</strong>de do incisoVI do art. 14 do DL nº 2.052/1983, é necessário, nesta Corte, submeter aquestão à Corte Especial, sob pena de ofensa ao art. 97 <strong>da</strong> Constituição.Calha sublinhar que não é mais possível aguar<strong>da</strong>r a decisão do STF,já que a apelação neste processo foi distribuí<strong>da</strong> em 14.02.2006, enquadrando-seentre os julgamentos prioritários, segundo a Meta 2 de 2010,estabeleci<strong>da</strong> pelo Conselho Nacional de Justiça.Ante o exposto, voto no sentido de acolher o incidente, declarandoa inconstitucionali<strong>da</strong>de do inciso VI do artigo 14 do Decreto-Lei nº2052/1983.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 391


ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADENº 2002.71.04.002979-8/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum VazInteressado: Ministério Público <strong>Federal</strong>Interessado: Carlos Alberto RomeroAdvogado: Ralfe Oliveira RomeroSuscitante: 8ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>EMENTAArguição de Inconstitucionali<strong>da</strong>de. Direito Penal. Art. 168-A, § 1º, II, doCP. Distinção em relação aos demais casos de apropriação indébita previdenciária.Súmula nº 65. Não incidência. Prisão civil por dívi<strong>da</strong>. Natureza.Inconstitucionali<strong>da</strong>de. Art. 5º, LXVII, <strong>da</strong> CF. Pacto de São José <strong>da</strong> CostaRica. Malferimento reconhecido.1. O art. 168-A, § 1º, II, do CP incrimina o não recolhimento de parcelasdevi<strong>da</strong>s pela empresa, a título de obrigação própria, de forma que não seconfunde com os demais delitos de apropriação indébita previdenciária (capute incisos I e III do § 1º do artigo 168-A), que tutelam também interesse deterceiros, agredido pela conduta do agente que, valendo-se de sua posiçãode arreca<strong>da</strong>dor/responsável tributário, toma para si numerário que não lhepertence.2. Análise dos julgados que serviram de precedentes para a formulação<strong>da</strong> Súmula nº 65 deste <strong>Tribunal</strong> revela que todos versavam sobre condutasenquadra<strong>da</strong>s no art. 95, alínea d, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91 (cujas disposições, posteriormente,restaram transpostas para o art. 168-A, § 1º, inc. I, do CódigoPenal), afastando a tese de que se trataria de prisão por dívi<strong>da</strong> sob o escorreitoargumento de que a norma não incriminava a mera existência de débitoprevidenciário, mas, sim, a inobservância <strong>da</strong> obrigação legal de recolher ascontribuições já desconta<strong>da</strong>s <strong>da</strong> folha de pagamento dos funcionários.3. A pretexto de restringir a tutela penal decorrente do simples inadimplemento,o legislador pátrio, no art. 168-A, § 1º, inc. II, do CP, criou doiselementos normativos irrelevantes (“ter integrado despesas contábeis” ou“ter integrado custos relativos à ven<strong>da</strong> de produtos ou à prestação de serviços”),pois retratam comportamentos que devem ser de regra observadospelo cumpridor <strong>da</strong> lei e pertinentes à praxe comercial.392R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


4. Na hipótese em questão, o preceito não pressupõe qualquer espécie defraude (o que, em tese, conduziria a uma desclassificação para o artigo 337-A do Código Penal), incriminando, na reali<strong>da</strong>de, o simples inadimplemento<strong>da</strong> obrigação principal tributária própria.5. Não há como acolher a tese de que o Poder Constituinte vedou a “prisãocivil por dívi<strong>da</strong>”, mas não a prisão de natureza penal decorrente apenas (frise--se) <strong>da</strong> existência de dívi<strong>da</strong> civil, pois, nesse caso, haveria uma teratológicadicotomia, na qual a Constituição <strong>Federal</strong> ve<strong>da</strong> o menos gravoso (prisãosujeita à disciplina <strong>da</strong> regras de processo civil), mas autoriza, sem quaisquerrestrições, a sujeição do devedor à sanção penal (enquanto resposta estatal amais gravosa de to<strong>da</strong>s), tão só em virtude <strong>da</strong> inadimplência, sem que tenhao agente perpetrado qualquer espécie de artifício fraudulento. Essa interpretação,ademais, faria tábula rasa <strong>da</strong> proteção constitucional, porquantoo legislador ordinário poderia com facili<strong>da</strong>de burlar tal barreira atribuindoà norma punitiva a natureza criminal para que não se cogitasse de qualquerinconstitucionali<strong>da</strong>de.6. Portanto, o dispositivo criminal sub examen reflete violação à garantiaprevista no artigo 5º, LXVII, <strong>da</strong> Constituição, preceptivo que ve<strong>da</strong> o encarceramentodecorrente de dívi<strong>da</strong> civil, impedindo, como corolário, que olegislador pátrio erija o simples inadimplemento <strong>da</strong> contribuição patronal(obrigação tributária própria) à condição de ilícito penal.7. Da mesma forma, vulnera o disposto no artigo 7º, item 7, <strong>da</strong> ConvençãoAmericana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José <strong>da</strong> Costa Rica),norma supranacional incorpora<strong>da</strong> ao nosso sistema jurídico e cuja inobservânciapelo legislador pátrio acarreta a reprovabili<strong>da</strong>de internacional perantecompromisso expressamente assumido junto a outras nações soberanas.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia Corte Especial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, por maioria, declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de do artigo 168-A,§ 1º, inc. III, do Código Penal, nos termos do relatório, votos e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz, Relator.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 393


RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz: Trata-se de arguiçãode inconstitucionali<strong>da</strong>de do art. 168-A, § 1º, inciso II, do Código Penal,que assim estabelece:“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhi<strong>da</strong>s doscontribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:(...)II – recolher contribuições devi<strong>da</strong>s à previdência social que tenham integrado despesascontábeis ou custos relativos à ven<strong>da</strong> de produtos ou à prestação de serviços;” (grifei)Segundo o voto divergente de minha lavra, proferido nos autos <strong>da</strong>correspondente apelação criminal e que deu ensejo à presente arguição,o dispositivo retrotranscrito vulnera os arts. 5º, inciso LXVII, <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong> e 7º, alínea 7ª, do anexo do Decreto nº 678/92, queintroduziu a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto deSão José <strong>da</strong> Costa Rica) no ordenamento jurídico pátrio.Em face <strong>da</strong> divergência e tratando-se de matéria constitucional, entendeupor bem a Oitava Turma deste So<strong>da</strong>lício submeter a questão àCorte Especial do <strong>Tribunal</strong>, em cumprimento à Súmula Vinculante 10do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> e ao disposto no artigo 150 do RITRF4.O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em seu parecer, opinou pelo desprovimentodo incidente.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz:1) Os fun<strong>da</strong>mentos do voto divergenteNo voto divergente que ensejou a presente arguição, pronunciei-mesobre o art. 168-A, § 1º, inc. II, do CP nos seguintes termos:“A meu ver, contudo, o preceito em questão penaliza simples ilícito civil, vulnerando,assim, o disposto nos artigos 5º, inciso LXVII, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> e 7º, alínea 7ª, doanexo do Decreto nº 678/92, que introduziu a Convenção Americana sobre Direitos Humanos(Pacto de São José <strong>da</strong> Costa Rica) no ordenamento jurídico pátrio.394R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


De início, vale frisar que o dispositivo em comento não se confunde com os demaisdelitos de apropriação indébita previdenciária (caput e incisos I e III do § 1º do artigo168-A), que tutelam o patrimônio de terceiros (de segurado empregado ou individual, oudo próprio INSS no caso do inciso III), agredido pela conduta do agente que, valendo-sede sua posição de arreca<strong>da</strong>dor/pagador, toma para si algo que não lhe pertence. Comrelação as essas infrações, há, inclusive, súmula <strong>da</strong> Corte, que se encontra assim redigi<strong>da</strong>:‘Súmula 65 – A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuiçõesprevidenciárias não constitui prisão por dívi<strong>da</strong>.’Em se tratando do ilícito previsto no inciso II, a questão é diversa. Nesse caso, asanção incrimina o não recolhimento de parcelas devi<strong>da</strong>s pela própria empresa, a títulode obrigação própria. Confere, assim, tratamento penal a simples ilícito civil tributário.Além do ato de ‘deixar de recolher contribuições devi<strong>da</strong>s à previdência social’, o preceitotraz consigo dois elementos normativos: ‘ter integrado despesas contábeis’ ou ‘ter integradocustos relativos à ven<strong>da</strong> de produtos ou à prestação de serviços’. Nesse ponto, destaco oseguinte trecho <strong>da</strong> sentença combati<strong>da</strong>, que assim pontuou:‘Ressalto que o fato de as contribuições inadimpli<strong>da</strong>s terem ‘integrado despesas contábeisou custos relativos à ven<strong>da</strong> de produtos ou à prestação de serviços’ em na<strong>da</strong> alteraa conclusão acima.Vejamos. A primeira circunstância que aparentemente restringiria a incidência <strong>da</strong> leipenal – integrar despesas contábeis – é absolutamente irrelevante, porque a própria leidetermina que a despesa tributária incorri<strong>da</strong> seja registra<strong>da</strong> nos demonstrativos contábeis,independentemente de sua realização.Explico. Há dois conceitos básicos de contabili<strong>da</strong>de, para a realização <strong>da</strong>s anotações noslivros contábeis e fiscais: o de regime de competência e o de regime de caixa. Entende-sepor regime de competência a contabilização de receitas, custos e despesas em determinadoperíodo, ‘independentemente de sua realização em moe<strong>da</strong>’ (http://www.sebraesp.com.br). Jápor regime de caixa tem-se ‘o reconhecimento <strong>da</strong>s receitas, custos e despesas, pela entra<strong>da</strong>e saí<strong>da</strong> efetiva <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>’ (http://www.sebraesp.com.br).O regime de competência, ‘universalmente adotado, aceito e recomen<strong>da</strong>do pela Teoria<strong>da</strong> Contabili<strong>da</strong>de e pelo Imposto de Ren<strong>da</strong>’, portanto, é aquele que ‘evidencia o resultado <strong>da</strong>empresa (lucro ou prejuízo)’ contabilizando a receita e a despesa no momento em que foramgera<strong>da</strong>s ou incorri<strong>da</strong>s, independentemente do efetivo pagamento ou recebimento do valor(cfme. José Carlos Marion, Contabili<strong>da</strong>de Básica, 7. ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 78-79).No caso presente, a legislação <strong>da</strong> época de parte dos fatos – Decreto nº 3048, de 06 demaio de 1999 – estabelece, em seu artigo 225, § 13, que ‘os lançamentos de que trata oinciso II do caput, devi<strong>da</strong>mente escriturados nos livros Diário e Razão, serão exigidos pelafiscalização após noventa dias contados <strong>da</strong> ocorrência dos fatos geradores <strong>da</strong>s contribuições’,indicando, já no primeiro inciso, que se deve, obrigatoriamente, ‘atender ao princípiocontábil do regime de competência’.A referência ao inciso II <strong>da</strong> cabeça do artigo indica a obrigação <strong>da</strong> empresa de ‘lançarmensalmente em títulos próprios de sua contabili<strong>da</strong>de, de forma discrimina<strong>da</strong>, os fatosgeradores de to<strong>da</strong>s as contribuições, o montante <strong>da</strong>s quantias desconta<strong>da</strong>s, as contribuiçõesR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 395


<strong>da</strong> empresa e os totais recolhidos’.Igualmente a legislação que disciplina a apuração do lucro real <strong>da</strong>s pessoas jurídicasdispõe expressamente: ‘os tributos e contribuições são dedutíveis, na determinação dolucro real, segundo o regime de competência’ (art. 41 <strong>da</strong> Lei nº 8.981/95). Tais normas sãorepeti<strong>da</strong>s no Regulamento do Imposto de Ren<strong>da</strong> (art. 344 do Decreto nº 3.000/99), no qual,diga-se de passagem, constam inúmeras disposições relativas à observância do regime decompetência para o lançamento de despesas contábeis.’Ou seja, conclui-se que o fato de o débito relativo à contribuição previdenciária ter sidolançado como despesa contábil <strong>da</strong> empresa decorre do simples atendimento de determinaçãolegal, que impõe a estrita escrituração dos débitos de qualquer origem, contabilmenteorçados mediante a observância de regime de competência. Assim, a pretexto de restringira tutela penal decorrente do simples inadimplemento tributário, o legislador pátrio crioudois elementos normativos irrelevantes (‘ter integrado despesas contábeis’ ou ‘ter integradocustos relativos à ven<strong>da</strong> de produtos ou à prestação de serviços’), tratando-se decomportamentos que devem ser de regra observados pelo cumpridor <strong>da</strong> lei e pertinentes àpraxe comercial (no caso do repasse dos custos). Vale frisar que, na hipótese em questão,o preceito não pressupõe qualquer espécie de fraude (o que, em tese, conduziria a umadesclassificação para o artigo 337-A do Código Penal). Incrimina, na reali<strong>da</strong>de, o simplesinadimplemento <strong>da</strong> obrigação principal tributária própria (de regra, contribuição incidentesobre a folha de salários).(...)À luz do exposto, tenho que o tipo penal em tela reflete violação à garantia previstano artigo 5º, LXVII, <strong>da</strong> Constituição, uma vez que tal dispositivo ve<strong>da</strong> o encarceramentodecorrente de dívi<strong>da</strong>s civis, o que impede, como consequência, que o legislador pátrio erijao simples inadimplemento <strong>da</strong> contribuição patronal (obrigação tributária própria) à condiçãode ilícito penal. Da mesma forma, vulnera o disposto no artigo 7º, item 7, <strong>da</strong> ConvençãoAmericana sobre Direitos Humanos, que determina que ‘ninguém deve ser detido pordívi<strong>da</strong>’.” (fls. 891/894)Complementando a ratio decidendi retrotranscrita, passo a tecer algumasconsiderações a respeito tanto <strong>da</strong> norma constitucional que servede paradigma para a presente arguição como do dispositivo questionado.2) O art. 5º, inciso LXVII, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>O preceito constitucional que serve de paradigma à presente quaestioassim dispõe:“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo--se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili<strong>da</strong>de do direito à vi<strong>da</strong>,à liber<strong>da</strong>de, à igual<strong>da</strong>de, à segurança e à proprie<strong>da</strong>de, nos termos seguintes:‘(...)LXVII – não haverá prisão civil por dívi<strong>da</strong>, salvo a do responsável pelo inadimplemento396R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;’”Essa proibição estabeleci<strong>da</strong> pelo poder constituinte tem por objetivomanter afastado de nosso ordenamento o odioso instituto originário <strong>da</strong>manus iniectio do direito romano – espécie de obrigação acessória de umdébito por meio <strong>da</strong> qual o devedor plebeu inadimplente era submetido aocárcere privado imposto pelo credor patrício. Conforme é consabido, aprisão civil por dívi<strong>da</strong> era prevista pelas Ordenações Filipinas que, peloDecreto nº 20/1823, foram acolhi<strong>da</strong>s em nosso sistema até o adventodo Código Civil de 1916, quando então essa hipótese foi suprimi<strong>da</strong>.Entretanto, no âmbito constitucional, apenas a partir <strong>da</strong> Carta de 1934restou expressamente elimina<strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong>de de o legislador ordinárioestabelecer qualquer caso de privação do status libertatis de alguém emvirtude tão só <strong>da</strong> inadimplência. Tal disposição, em que pese ausente notexto de 1937, foi repeti<strong>da</strong> em 1946 e 1967, tornando-se cláusula pétreacom o advento <strong>da</strong> Constituição de 1988.E foi justo durante a vigência <strong>da</strong> atual ordem constitucional que sobreveioo Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, recepcionando aConvenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José <strong>da</strong>Costa Rica –, cujo art. 7º, alínea 7ª, assim dispõe: “Ninguém deve serdetido por dívi<strong>da</strong>s. Este princípio não limita os man<strong>da</strong>dos de autori<strong>da</strong>dejudiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento deobrigação alimentar”.Assim, hodiernamente, a ve<strong>da</strong>ção à prisão civil encontra suporte legislativotanto no plano constitucional, por meio do art. 5º, inc. LXVII,<strong>da</strong> CF, quanto na legislação ordinária, pelo anexo do Decreto retrocitado– cuja posterior inobservância pelo poder legiferante, é necessário nãoolvi<strong>da</strong>r, resulta na reprovabili<strong>da</strong>de internacional diante do descumprimentode um compromisso formalmente assumido perante outras nações.A respeito dessa dupla proibição, por ocasião do julgamento doRecurso Extraordinário nº 466.343-1/SP (STF, Pleno, Rel. Min. CezarPeluso, acórdão publ. no DJE em 05.06.2009), o Exmo. Ministro Celsode Mello assim ressaltou a situação diante <strong>da</strong> qual se encontra o PoderJudiciário, nesse caso:“O juiz, no plano de nossa organização institucional, representa o órgão estatal incumbidode concretizar as liber<strong>da</strong>des públicas proclama<strong>da</strong>s pela declaração constitucionalde direitos e reconheci<strong>da</strong>s pelos atos e convenções internacionais fun<strong>da</strong>dos no direitoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 397


<strong>da</strong>s gentes. Assiste, desse modo, ao Magistrado, o dever de atuar como instrumento <strong>da</strong>Constituição – e garante de sua supremacia – na defesa incondicional e na garantia real<strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> pessoa humana, conferindo, ain<strong>da</strong>, efetivi<strong>da</strong>de aos direitosfun<strong>da</strong>dos em tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Essa é a missão socialmentemais importante e politicamente mais sensível que se impõe aos magistrados, em geral, ea esta Suprema Corte, em particular.É dever dos órgãos do Poder Público – e nota<strong>da</strong>mente dos juízes e tribunais – respeitare promover a efetivação dos direitos garantidos pelas Constituições dos Estados nacionaise assegurados pelas declarações internacionais, em ordem a permitir a prática de umconstitucionalismo democrático aberto ao processo de crescente internacionalização dosdireitos básicos <strong>da</strong> pessoa humana.O respeito e a observância <strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des públicas impõe-se ao Estado como obrigaçãoindeclinável, que se justifica pela necessária submissão do Poder Público aos direitosfun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> pessoa humana.” (grifei)Logo, os operadores do Direito encarregados de prestar a tutela jurisdicionalnão podem deixar de considerar, além <strong>da</strong> necessária obediênciaao próprio texto expresso na Constituição <strong>Federal</strong>, também a posição denosso ordenamento jurídico em relação às liber<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mentais cujaestrita observância foi objeto de pacto expresso perante outros Estadossoberanos.Retornando propriamente à norma questiona<strong>da</strong> na presente arguição,em seu parecer argumenta a ilustre Procuradora <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Repúblicaque o art. 168-A, inc. III, do Código Penal não traz prisão por dívi<strong>da</strong> comosanção, mas, sim, comina reprimen<strong>da</strong> de índole eminentemente penal.Acrescenta, também, que “<strong>da</strong> Carta Política não se pode extrair o entendimentode que a existência de dívi<strong>da</strong>s fiscais, objeto de sonegação, trazum salvo-conduto à prisão de natureza criminal” (fl. 902).Ora, se fosse ve<strong>da</strong><strong>da</strong> a “prisão civil por dívi<strong>da</strong>,” mas não a prisão denatureza penal decorrente apenas (frise-se) <strong>da</strong> existência de dívi<strong>da</strong> civil,estaríamos diante de uma teratológica dicotomia, na qual a Constituição<strong>Federal</strong> ve<strong>da</strong> o menos gravoso (prisão disciplina<strong>da</strong> pelas normas e princípiosdo processo civil) mas autoriza, sem quaisquer restrições, a sujeição dodevedor às mais pesa<strong>da</strong>s consequências impostas pelo Estado, tão só pelofato de estar inadimplente. Essa interpretação, a to<strong>da</strong> evidência, faria tabularasa <strong>da</strong> proteção constitucional, porquanto o legislador ordinário poderiacom facili<strong>da</strong>de burlar a barreira estabeleci<strong>da</strong> pelo Poder Constituinte, namedi<strong>da</strong> em que bastaria atribuir natureza de sanção criminal à norma para398R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


que não se cogitasse de qualquer ofensa à cláusula pétrea em análise.Sobre o tema, é oportuno colacionar o artigo do ilustre Juiz <strong>Federal</strong>Eduardo Gomes Philippsen publicado na edição nº 33 <strong>da</strong> “Revista de Doutrina”deste <strong>Tribunal</strong> (sob o título “Apropriação indébita previdenciária: ainconstitucionali<strong>da</strong>de do crime estabelecido no art. 168-A, parágrafo 1º,inciso II, do Código Penal”), verbis:“Poderia se arguir, então, que a proibição constitucional somente restringiria a prisão civilpor dívi<strong>da</strong>, não impedindo que a pura e simples inadimplência fosse alça<strong>da</strong> à condição decrime. Essa argumentação decorreria de uma interpretação literal <strong>da</strong> garantia constitucional.Não é essa a melhor interpretação, pois tornaria letra morta a proibição de prisão pordívi<strong>da</strong>; bastaria ao legislador, então, no intuito de burlar a Constituição, erigir como crimeo simples fato de inadimplir a dívi<strong>da</strong>, para após alegar que a prisão, aí, não seria civil, mascriminal... Na ver<strong>da</strong>de, a essência <strong>da</strong> garantia em questão parece ser a de que ‘não haveráprisão por dívi<strong>da</strong> civil’: o qualificativo civil deve se referir à natureza <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>.” (grifei)Na ver<strong>da</strong>de, o que caracteriza como sendo “civil” a prisão não é o qualificativoque a legislação infraconstitucional atribui a essa medi<strong>da</strong> privativade liber<strong>da</strong>de (com os seus consectários na seara do processo civil oupenal), mas, sim, a natureza civil <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>. E a dívi<strong>da</strong> é assim considera<strong>da</strong>quando o fato punível é tão só a existência do débito, desacompanhado dequalquer outra conduta que se revista de antijuridici<strong>da</strong>de capaz de justificara persecução penal do Estado. Dito de outra forma, a inadimplência temnatureza não só de ilícito civil, mas também de ilícito criminal, quando aprática tipifica<strong>da</strong> envolve algum outro ato que se revista de alta reprovabili<strong>da</strong>de,tal como, verbi gratia, o uso de fraude, ardil ou outra espécie deartifício com o qual o devedor tenta furtar-se à obrigação pecuniária. Esseé o melhor e exato entendimento constitucional <strong>da</strong> expressão “prisão civilpor dívi<strong>da</strong>”: to<strong>da</strong> forma de privação <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de do ci<strong>da</strong>dão que decorratão só <strong>da</strong> mera existência de um débito.3) O art. 168-A, § 1º, inc. II, do CP e suas especifici<strong>da</strong>desPor seu turno, o dispositivo cuja constitucionali<strong>da</strong>de ora se examinaassim dispõe:“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhi<strong>da</strong>s doscontribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 399


(...)II – recolher contribuições devi<strong>da</strong>s à previdência social que tenham integrado despesascontábeis ou custos relativos à ven<strong>da</strong> de produtos ou à prestação de serviços;”Consoante já salientei no voto divergente supracitado, mostra-se essencialpara o deslinde <strong>da</strong> matéria deixar claro que em na<strong>da</strong> a norma emcomento se assemelha aos incisos I e II do mesmo artigo. Tal ressalvafaz-se mister a fim de afastar a tese de que esta Corte já teria pacificadoseu posicionamento a respeito, com a edição <strong>da</strong> Súmula 65.De fato, se analisarmos os julgados que serviram de precedentespara a edição do referido enunciado sumular (processosn os 2000.04.01.089096-8, 1998.04.01.024713-3, 97.04.73462-0,96.04.51747-3 e 1998.04.01.074479-7), constataremos que todos diziamrespeito a condutas enquadra<strong>da</strong>s no art. 95, alínea d, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91,cujo teor era o seguinte:“Art. 95. Constitui crime:(...)d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devi<strong>da</strong> àSeguri<strong>da</strong>de Social e arreca<strong>da</strong><strong>da</strong> dos segurados ou do público;”Conforme é cediço, esse dispositivo foi revogado pela Lei nº9.983/2000, que transpôs a norma incriminadora para o art. 168-A, § 1º,inc. I, do Código Penal, com essa re<strong>da</strong>ção:“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhi<strong>da</strong>s doscontribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destina<strong>da</strong> à previdênciasocial que tenha sido desconta<strong>da</strong> de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arreca<strong>da</strong><strong>da</strong>do público;”Em ambos os casos (antigo art. 95, alínea d, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91 e atualart. 168-A, § 1º, inc. I, do Código Penal), trata-se do mesmo fato delitivo,no qual o agente, encarregado pela legislação de descontar, do pagamentoefetuado ao contribuinte, a exação por esse devi<strong>da</strong> à seguri<strong>da</strong>de social,deixa de, ato contínuo, repassar tal valor aos cofres públicos. Não é poroutro motivo que o nomen iuris do ilícito é “apropriação indébita previdenciária”,porquanto há ver<strong>da</strong>deira inversão na posse, na medi<strong>da</strong> em queo empresário incorpora no patrimônio <strong>da</strong> pessoa jurídica a quantia debita<strong>da</strong>400R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


<strong>da</strong> sua folha de salários.Aliás, nos precedentes que serviram de apoio à edição <strong>da</strong> Súmula nº65, o fun<strong>da</strong>mento para esta Corte afastar a tese de inconstitucionali<strong>da</strong>deconsistiu justamente no fato de que o tipo penal não incriminava a meraexistência de dívi<strong>da</strong> previdenciária, mas, sim, a obrigação legal de recolheras contribuições já desconta<strong>da</strong>s dos salários dos empregados. Comoexemplo, cito a ratio decidendi proferi<strong>da</strong> pelo Exmo. Des. Vilson Darós,por ocasião do julgamento <strong>da</strong> Apelação Criminal nº 1998.04.01.074479-7:“O art. 95, d, <strong>da</strong> Lei 8.212/91 é constitucional, pois a prisão não decorre de dívi<strong>da</strong> previdenciária,mas do inadimplemento de uma obrigação legal – recolhimento <strong>da</strong>s contribuiçõesdesconta<strong>da</strong>s dos salários dos empregados no prazo <strong>da</strong> lei (art. 30, I, <strong>da</strong> Lei 8.212/91).Não há, dessarte, ofensa ‘à Constituição <strong>Federal</strong> ou ao Pacto de São José <strong>da</strong> Costa Rica,que tratam de situação diversa, ou seja, proíbem prisão por dívi<strong>da</strong>’ (AC 96.04.51.747-3/SC, rel. Juiz Vladimir de Freitas, DJ 11.09.98, p. 421), e, tampouco, derrogação <strong>da</strong> Lei8.212/91.” (grifei)Assim, no caso do inciso I do art. 168-A do Código Penal, não háfalar em ofensa ao inciso LXVII do art. 5º <strong>da</strong> CF, porquanto a condutaincrimina<strong>da</strong> não é a existência de um débito para com a seguri<strong>da</strong>de social,mas a inobservância do dever legal de, após efetuar o desconto nafolha de pagamento, recolher os valores aos cofres públicos. O mesmoocorre na hipótese do inciso III, em que o contribuinte deixa de “pagarbenefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores játiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social”.Caso diverso é o <strong>da</strong> norma que a presente arguição submete ao examede inconstitucionali<strong>da</strong>de. Nessa hipótese, o agente furtou-se ao recolhimento<strong>da</strong>s exações devi<strong>da</strong>s por ele próprio, na posição de contribuinte,à seguri<strong>da</strong>de social, e que integravam “despesas contábeis ou custosrelativos à ven<strong>da</strong> de produtos ou à prestação de serviços”. Trata-se, ato<strong>da</strong> evidência, de incriminação pelo tão só fato de haver um débitopendente para com o Erário, sem que o polo passivo <strong>da</strong> relação tributáriatenha praticado qualquer outra ilegali<strong>da</strong>de, tal como o uso de falsi<strong>da</strong>deou artifício fraudulento. Assim, estamos claramente diante de restriçãodo status libertatis apenas por haver uma dívi<strong>da</strong> impaga.No que pertine à última parte do tipo penal, poder-se-ia argumentarque o fato de a contribuição ter integrado despesas contábeis ou custosvinculados à comercialização de produtos ou serviços descaracterizariaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 401


a natureza <strong>da</strong> conduta tipifica<strong>da</strong> como sendo puro e simples inadimplemento,por restringir a hipótese somente àqueles casos em que um dessesqualificativos demonstraria um particular grau de reprovabili<strong>da</strong>de naconduta. Entretanto, essa tese mostra-se falaciosa, consoante salientadono voto divergente retrotranscrito, pois, “a pretexto de restringir a tutelapenal decorrente do simples inadimplemento tributário, o legislador pátriocriou dois elementos normativos irrelevantes (‘ter integrado despesascontábeis’ ou ‘ter integrado custos relativos à ven<strong>da</strong> de produtos ou àprestação de serviços’), tratando-se de comportamentos que devem ser deregra observados pelo cumpridor <strong>da</strong> lei e pertinentes à praxe comercial(no caso do repasse dos custos)” (fl. 892, verso).Não é outra a lição de Andréas Eisele sobre o tema, verbis:“O dispositivo do art. 168-A, § 1º, II, do CP tipifica a conduta de inadimplência decontribuições ‘que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à ven<strong>da</strong> deprodutos ou à prestação de serviços’.Porém, essa descrição típica não foi elabora<strong>da</strong> conforme o princípio <strong>da</strong> taxativi<strong>da</strong>de,pois seu âmbito de abrangência inclui todos os custos de produção ou despesas contábeis<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de empresarial, uma vez que todos estes levam em consideração os reflexoseconômicos <strong>da</strong> carga tributária.Dessa forma, a hipótese típica consiste em ‘deixar de recolher contribuição social’(qualquer uma, exceto a devi<strong>da</strong> pelo empregador doméstico – art. 24 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91).Ocorre que uma contextualização sistemática <strong>da</strong> norma veicula<strong>da</strong> por esse tipo com aveicula<strong>da</strong> no caput do dispositivo permite a conclusão de que essa acepção ampla do âmbitonormativo instala uma contradição teleológica com o conteúdo estrito descrito no caput dodispositivo, já que acarreta sua inutili<strong>da</strong>de, decorrente de sua redundância.” (Crimes contraa Ordem Tributária, 2. ed., Dialética, 2002, p. 216-217 – grifei)A to<strong>da</strong> evidência, “a Constituição <strong>Federal</strong>”, como salientado por RicardoPerlingeiro Mendes <strong>da</strong> Silva, “ao ve<strong>da</strong>r a prisão por dívi<strong>da</strong>, deseja queinexista sanção de prisão pela falta de pagamento de dívi<strong>da</strong>, oriun<strong>da</strong> denegócio jurídico ou dever legal” (Apropriação indébita tributária? Disponívelem: . Acesso em: 16 dez. 2010). “Emúltima análise”, prossegue o aludido magistrado federal, “deseja a CartaMagna que a norma infraconstitucional não contenha instrumentos decoação, com limitação ao direito de liber<strong>da</strong>de, para o pagamento dedívi<strong>da</strong>s. Porém, de na<strong>da</strong> adiantaria tal proibição, se fosse permitido aolegislador penal aplicar a pena de prisão em situação fática idêntica,402R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


de modo que a menciona<strong>da</strong> ve<strong>da</strong>ção deve valer tanto para a prisãocivil quanto para a penal”. Não assiste razão ao parquet, pois, ao tentardesvincular, na hipótese, a prisão de índole civil <strong>da</strong> sancionatória denatureza criminal. O que a Carta <strong>da</strong> República ve<strong>da</strong>, a to<strong>da</strong> evidência, éa prisão decorrente de mero inadimplemento de dívi<strong>da</strong>s.Em última análise, não há qualquer restrição efetiva na segun<strong>da</strong> partedo dispositivo em comento e que seja apta a afastar a conclusão de quea conduta incrimina<strong>da</strong> corresponde, simplesmente, à existência de umadívi<strong>da</strong> de valor não adimpli<strong>da</strong> pelo contribuinte em momento oportuno.Assim, o que se depreende do exposto acima é que, embora o art. 168-A, inc. III, do Código Penal seja considerado uma forma de “apropriaçãoindébita previdenciária”, não existe, na ver<strong>da</strong>de, qualquer semelhançaentre essa espécie de conduta e aquelas em que o agente se apropriairregularmente de valor com o qual possui apenas a relação de responsáveltributário indireto – ou seja, de mero “repassador de tributo” –,descontando-o do salário de seu empregado para, em segui<strong>da</strong>, recolhê-loaos cofres públicos. Tem-se, claramente, a possibili<strong>da</strong>de de prisão decorrente<strong>da</strong> simples existência de uma dívi<strong>da</strong>, sem ao menos se acrescentar,ao elemento objetivo do tipo, alguma prática que caracterize fraude,falsi<strong>da</strong>de ou outra espécie de artifício pelo qual o agente teria iludidoo Fisco quanto ao pagamento <strong>da</strong> exação ou à existência do débito. Pelaleitura do dispositivo em análise, basta apenas o inadimplemento paraque o contribuinte seja incriminado.Ademais, os princípios <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>dereclamam que a produção normativa por parte do Poder Legislativoobedeça não apenas ao devido processo legal em sua acepção formal(ou seja, que resulte do trâmite legislativo previsto na Constituição), mastambém material, de forma que o produto interpretativo do texto sejadotado de conteúdo sensato. Examinando o tipo penal em alusão, to<strong>da</strong>via,visualiza-se manifesta ofensa a tais parâmetros, porquanto niti<strong>da</strong>menteabarca somente o empresário que possui regularmente escritura<strong>da</strong> a suacontabili<strong>da</strong>de, não se sujeitando às suas penas aquele que, no exercício<strong>da</strong> mercancia, pratica uma série de fraudes destina<strong>da</strong>s a acobertar osregistros de suas operações comerciais. A propósito, veja-se o vaticíniode Luiz Flávio Gomes acerca <strong>da</strong> norma incriminadora (Crimes Previdenciários.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 38):R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 403


“Vários são os requisitos normativos do tipo: ‘contribuições devi<strong>da</strong>s à ´previdênciasocial’ (v. Lei 8.212/91, art. 11), que tenham ‘integrado despesas contábeis ou custos’ (refere--se à contabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> empresa ou ao sistema de registros de <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> empresa); relativos à‘ven<strong>da</strong> de produtos ou prestação de serviços’. Se o contribuinte não mantém contabili<strong>da</strong>deregular ou registros de suas operações, não poderá cometer o delito em questão.”Não é concebível que alguém que mantém devi<strong>da</strong>mente escritura<strong>da</strong>sas suas negociações e simplesmente não procede ao recolhimento <strong>da</strong>scontribuições devi<strong>da</strong>s à previdência social venha a receber tratamentojurídico mais gravoso do que o dispensado àqueles que perpetram umasérie de ardis com a finali<strong>da</strong>de de encenar uma situação regular, mascarandoa sua inadimplência.Ante o exposto, voto por declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de do art.168-A, § 1º, inc. II, do Código Penal.VOTO DIVERGENTEO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Néfi Cordeiro: Do bem-lançado voto doeminente Relator, respeitosamente divirjo.O tipo penal de apropriação indébita previdenciária traz como condutaadicional à sonegação a gravosa condição de ter o agente posse legal donumerário provindo de terceiros – empregados, segurados ou públicoem geral. Daí a admissibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> figura penal, que extrapola simplesinadimplemento fiscal para tornar-se pela apropriação tão gravosa condutaque socialmente a ela se impôs o caráter de crime.No detalhamento trazido pelo inciso II do § 1º do art. 168 do CP(“deixar de [...] recolher contribuições devi<strong>da</strong>s à previdência socialque tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à ven<strong>da</strong>de produtos ou à prestação de serviços”), essa situação foi lembra<strong>da</strong> nahipótese em que as despesas ou custos integram o preço final do produtoou serviço vendido, assim apropriando-se o empresário com o pagamentodos bens/serviços <strong>da</strong>queles valores de contribuições incidentes nas etapasde custo absorvi<strong>da</strong>s.Desse modo, prevendo o art. 168, § 1º, II, do CP hipótese de apropriaçãode contribuições inseri<strong>da</strong>s no pagamento de bens ou serviços,tenho como constitucional a incriminação <strong>da</strong> conduta.Não me parece que a hipótese de mero registro contábil <strong>da</strong>s despesas,produtos ou serviços esteja compreendi<strong>da</strong> como inseri<strong>da</strong> no art. 168, §404R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


1º, II, do CP, mas isso é do exame casuístico a ser eventualmente ao fimenfrentado pela Turma.O que não me parece adequado é o reconhecimento de inconstitucionali<strong>da</strong>dede prisão por simples inadimplemento fiscal quando não é essaa figura penal tipifica<strong>da</strong> e discuti<strong>da</strong> neste incidente.Ao fim, reforço ser há déca<strong>da</strong>s considera<strong>da</strong> constitucional a figura<strong>da</strong> apropriação indébita previdenciária (Súmula 65/TRF4: “A penadecorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciáriasnão constitui prisão por dívi<strong>da</strong>”), conti<strong>da</strong> no art. 168, § 1º,II, do CP, mas já antes disposta na Lei nº 8212/91, onde seu art. 95, alíneae, previa: “deixar de recolher contribuições devi<strong>da</strong>s à Seguri<strong>da</strong>de Socialque tenham integrado custos ou despesas contábeis relativos a produtosou serviços vendidos”).Em precedentes:“PENAL E CONSTITUCIONAL. ART. 168-A, § 1º, II, DO CÓDIGO PENAL. MATE-RIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PENAS EXACERBADAS. PROVIMENTOPARCIAL. I – Comete o crime previsto no art. 168-A, § 1º, II, do Código Penal aquele quedeixa de recolher contribuições <strong>da</strong> parte patronal devi<strong>da</strong>s à Seguri<strong>da</strong>de Social, as quais tenhamintegrado os custos ou despesas contábeis relativos aos produtos e serviços prestadospela empresa representa<strong>da</strong> pelo acusado (...)” (TRF1, ACR 200232000045010, Relator Juiz<strong>Federal</strong> Cesar Jatahy Fonseca (conv.), Terceira Turma, por maioria, e-DJF1, Data:12.03.2010,Página: 213)“(...) 7. Não há dúvi<strong>da</strong>s de que, com relação à sonegação do imposto de ren<strong>da</strong>, a condutaencontra-se tipifica<strong>da</strong> no artigo 1°, inciso III, <strong>da</strong> Lei n° 8.137/90, contudo, não restou comprova<strong>da</strong>nos autos a segun<strong>da</strong> conduta imputa<strong>da</strong> ao réu na denúncia, qual seja, a de ‘deixaremde recolher, na época própria, entre junho de 1992 e junho de 1994, contribuições devi<strong>da</strong>s àSeguri<strong>da</strong>de Social que tenham integrado custos relativos a serviços vendidos’, anteriormentetipifica<strong>da</strong> no artigo 95, alínea e, <strong>da</strong> Lei n° 8.212/91, e atualmente no artigo 168-A, § 1º, incisoII, do Código Penal. 8. Para que ocorra o crime do 168-A, § 1º, inciso II, do Código Penal,é necessário que as contribuições não recolhi<strong>da</strong>s tenham integrado despesas contábeis oucustos relativos à ven<strong>da</strong> de produtos ou à prestação de serviços, e não é o que ocorreu nocaso dos autos, em que o réu sonegou o recolhimento <strong>da</strong> contribuição previdenciária, medianteo emprego de nota calça<strong>da</strong>. Portanto, a conduta do réu, com relação à contribuiçãoprevidenciária, também enquadra-se no artigo 1°, inciso III, <strong>da</strong> Lei n° 8.137/90, que fala emsupressão ou redução de tributo ou contribuição social, mediante falsificação ou alteração denota fiscal.” (TRF3, ACR 199961810036031, Relator Juíza Vesna Kolmar, Primeira Turma,DJF3, DATA: 02.06.2008)Também pela rejeição <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de manifestou-se o Minis-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 405


tério Público <strong>Federal</strong>, por parecer lançado pela Procuradora <strong>Regional</strong> <strong>da</strong>República Maria Emília Corrêa <strong>da</strong> Costa (fls. 901-903):“Respeitante à alega<strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prisão por dívi<strong>da</strong>, algumas considerações.A prisão por dívi<strong>da</strong>, pena de natureza civil e processual, em na<strong>da</strong> se confunde com a penaestabeleci<strong>da</strong> para o crime contra a Previdência Social previsto no art. 168-A do Código Penal,que se traduz em pena privativa de liber<strong>da</strong>de – reclusão – de caráter penal. A prisão por dívi<strong>da</strong>visa essencialmente ao ressarcimento, sendo uma penali<strong>da</strong>de estabeleci<strong>da</strong> para compelir àreparação do <strong>da</strong>no, enquanto a prisão penal objetiva a prevenção e a repressão. Tanto é assimque uma não exclui a aplicação <strong>da</strong> outra, consoante o princípio <strong>da</strong> independência <strong>da</strong>s esferaspenal, civil e administrativa.Portanto, o crime em voga não traz a prisão civil por dívi<strong>da</strong> como sanção, mas sim a prisãopenal, sendo que <strong>da</strong> Carta Política não se pode extrair o entendimento de que a existência dedívi<strong>da</strong>s fiscais, objeto de sonegação, traz salvo-conduto à prisão de natureza criminal.Afora não se tratar de prisão civil, a conduta imputa<strong>da</strong> aos pacientes também não configurauma dívi<strong>da</strong> propriamente dita. Na ver<strong>da</strong>de, são quantias que deveriam ser repassa<strong>da</strong>s por quemas arrecadou e assim não fez. É produto do crime a que alude o art. 91, alínea b, do CódigoPenal. Conclui-se, portanto, que a obrigação imposta ao empresário de arreca<strong>da</strong>r e repassarcontribuições previdenciárias de seus empregados está longe de configurar uma obrigaçãomeramente pecuniária, não havendo qualquer inconstitucionali<strong>da</strong>de no dispositivo legal quepune penalmente o descumprimento dessa obrigação.Nesse diapasão, é a jurisprudência <strong>da</strong> Corte Suprema:‘EMENTA: HABEAS CORPUS, APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA.CONDUTA PREVISTA COMO CRIME. INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE.VALORES NÃO RECOLHIDOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILI-DADE AO CASO CONCRETO. ORDEM DENEGADA.1. A norma penal incriminadora <strong>da</strong> omissão no recolhimento de contribuição previdenciária– art. 168-A do Código Penal – é perfeitamente váli<strong>da</strong>. Aquele que o pratica não é submetidoà prisão civil por dívi<strong>da</strong>, mas sim responde pela prática do delito em questão. Precedentes.2. Os pacientes deixaram de recolher contribuições previdenciárias em valores muitosuperiores àquele previsto no art. 4º <strong>da</strong> Portaria MPAS 4910/99, invoca<strong>da</strong> pelo impetrante.O mero fato de a denúncia contemplar apenas um dos débitos não possibilita a aplicação doart. 168-A, § 3º, II, do Código Penal, tendo em vista o valor restante dos débitos a executar,inclusive objeto de outra ação penal.3. Ordem denega<strong>da</strong>.’ (STF, HC 91704/PR, Rel. Joaquim Barbosa, DJU 20.06.2008).Portanto, demonstra<strong>da</strong> a tipici<strong>da</strong>de do delito previsto no art. 168-A do Código Penal que sepretende trancar.Sobre o tema, a ampla maioria <strong>da</strong> doutrina e <strong>da</strong> jurisprudência pátrias afirmam que odispositivo não ofende a Constituição <strong>Federal</strong> ou o Pacto de São José <strong>da</strong> Costa Rica, ‘poisa prisão não decorre <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> previdenciária, mas do inadimplemento de uma obrigaçãolegal – recolhimento de contribuições desconta<strong>da</strong>s dos salários dos empregados no prazo <strong>da</strong>lei (art. 30, I, <strong>da</strong> Lei 8.212/91)’.406R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


A questão já foi, inclusive, sumula<strong>da</strong> por essa Corte <strong>Regional</strong>: ‘A pena decorrente docrime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias não constitui prisão pordívi<strong>da</strong>’ (Súmula nº 65).Por tais razões, não merecem acolhi<strong>da</strong> os argumentos, devendo ser mantido o normal trâmite<strong>da</strong> Ação Penal na qual foi réu pela prática do crime de apropriação indébita previdenciária.”Ante o exposto, voto por julgar improcedente o incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>dedo art. 168-A, § 1º, inc. II, do Código Penal.É o voto.VOTO DIVERGENTEO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle: Peço vêniapara divergir do bem elaborado voto do E. Relator, por três motivos.Primeiramente, por entender ser prerrogativa do legislador, segundoum juízo político, a escolha <strong>da</strong>s condutas que devam receber sançãopenal, tendo em vista o gravame que causam à socie<strong>da</strong>de:“Até MERKEL mostrar que há uni<strong>da</strong>de do ilícito como violação culposa <strong>da</strong> lei, acreditou--se existir diferença substancial entre o ilícito civil e o penal. Esse autor provou, porém, quea sanção penal tem apenas caráter subsidiário: é meio mais enérgico que intervém quandooutro meio é insuficiente. De jus constituto, é que se distingue, por esse critério formal,a natureza do ilícito. Seria arbitrário e errôneo, diz ABEL DE ANDRADE, determinar apriori os fatos que se devem considerar ilícito penal ou ilícito civil. Ao Estado é que cumprediversificá-los, por meio <strong>da</strong> lei, adotando diretrizes consentâneas à tradição, aos costumes eàs condições particulares dos lugares e dos povos. Uma vez que – como explica NÉLSONHUNGRIA – a ação antijurídica não seja de molde a provocar a intranquili<strong>da</strong>de públicaou suscitar o alarme coletivo, o legislador contenta-se com o aplicar a mera sanção civil,recorrendo à pena quando a conservação <strong>da</strong> ordem jurídica não se possa obter com outrosmeios de reação, isto é, os meios próprios do direito civil.” (FREDERICO MARQUES,José. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1954. v. 1. p. 8-9 – grifos nossos)Obviamente que compete ao Poder Judiciário verificar se a vontadelegislativa é consentânea aos princípios constitucionais e, justamente,por entendê-la, no caso concreto, contrária à proibição de prisão civilpor dívi<strong>da</strong> (CR, art. 5º, LXVII) é que o E. Relator detectou a jaça deinconstitucionali<strong>da</strong>de.Entretanto – e aqui reside o segundo argumento –, não consigovislumbrar na conduta descrita no art. 168-A, § 1º, II, do CP meroinadimplemento de dívi<strong>da</strong> fiscal, mas, ao revés, intenção de frau<strong>da</strong>r e,consequentemente, enfraquecer um sistema público do qual dependemR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 407


milhares de ci<strong>da</strong>dãos hipossuficientes, com o inconfundível escopo delocupletamento pecuniário. Daí decorre, <strong>da</strong>ta venia, a gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>conduta que está a merecer o colorido do direito sancionatório penal.Conforme bem lembrado por José Paulo Baltazar Junior, “o próprio STFjá afirmou que o tipo penal em questão ‘tutela a subsistência financeira<strong>da</strong> previdência social’ (HC76.978-1-RS, 2ª T., DJ 19.02.99)” (Crimesfederais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 21).Por fim, examina<strong>da</strong> a conduta por seu resultado, pouco importa aoscofres <strong>da</strong> Previdência se a sonegação de recursos de custeio adveio <strong>da</strong>falta de repasse de contribuições recolhi<strong>da</strong>s de contribuintes (caput) ou<strong>da</strong> falta de recolhimento de contribuições que tenham integrado despesascontábeis ou custos relativos à ven<strong>da</strong> de produtos ou prestações deserviços (§ 1º, II) para que o prejuízo se concretize.Ante o exposto, voto por desacolher a arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de.VOTO DIVERGENTEO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Celso Kipper: Também divirjo do eminenteRelator.De modo geral, a doutrina sobre o tema não considera que o referidotipo penal malfira o disposto no art. 5º, LXVII, <strong>da</strong> CF/88, tampoucoao disposto no art. 7º, item 7, <strong>da</strong> Convenção Americana sobre direitosHumanos, que determina que “ninguém deve ser detido por dívi<strong>da</strong>”.Segundo Luiz Regis Prado (Curso de Direito Penal Brasileiro. v. 2.São Paulo: RT, 2004. p. 512),“A conduta incriminadora não se refere ao fato de o agente deixar de recolher contribuiçõesdeduzi<strong>da</strong>s de pagamentos efetuados a outras pessoas, mas sim aquelas que foramaglutina<strong>da</strong>s tanto às despesas contabiliza<strong>da</strong>s como embuti<strong>da</strong>s em custos atinentes à ven<strong>da</strong>de produtos ou à prestação de serviços.Assim, se no preço final do produto ou do serviço prestado foi embutido o valor <strong>da</strong>contribuição social devi<strong>da</strong>, mas que não foi recolhi<strong>da</strong> ao órgão previdenciário, caracteriza--se o delito em exame.”Ain<strong>da</strong>, para Damásio de Jesus (Código Penal Anotado. São Paulo:Saraiva, 2010. p. 660), “Atuando o contribuinte como consumidor final,não se justifica que a pessoa que não saiu onera<strong>da</strong> <strong>da</strong> relação econômicadeixe de recolher a contribuição”.408R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


Por fim, o magistério de Luiz Flávio Gomes, citado por Paulo Dariva(O Delito de Apropriação Indébita Previdenciária: Crime de OmissãoMaterial? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 51-54), paraquem“já não se trata, agora, de deixar de recolher aquilo que se descontou de outras pessoas,senão de deixar de recolher o que ‘tenha integrado despesas contábeis ou custos relativosà ven<strong>da</strong> de produtos ou à prestação de serviços.’ A ratio legis é a seguinte: no preço finaldo produto ou do serviço já está embutido (ou poderia estar) o valor <strong>da</strong>s contribuiçõesdevi<strong>da</strong>s. Sendo assim, se são contabiliza<strong>da</strong>s e depois não são repassa<strong>da</strong>s para o INSS, háa apropriação desse ‘custo’.”Vê-se, pois, que o tipo penal em questão não incrimina a simples faltade pagamento de contribuições previdenciárias devi<strong>da</strong>s pelo agente, mas onão pagamento de contribuições que integraram o custo <strong>da</strong>s mercadoriasvendi<strong>da</strong>s e/ou dos serviços prestados. Em outras palavras: o consumidorfinal, ao pagar o produto adquirido e/ou o serviço contratado, alcançouao agente valor devido à Previdência Social. O não recolhimento dessevalor (que, repita-se, compôs o preço pago pelo consumidor final) é aconduta reveladora <strong>da</strong> apropriação indébita previdenciária, sanciona<strong>da</strong>pelo tipo penal ora em análise.Nesse contexto, não vislumbro a alega<strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de do art.168-A, § 1º, II, do Código Penal Brasileiro.Ante o exposto, com a vênia do eminente Relator, voto por desacolhera arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de.VOTO-VISTAO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós: Pedi vista para melhor apreciação<strong>da</strong> questão em debate e tenho por acompanhar o voto lançadopelo eminente Relator.Cui<strong>da</strong>-se de arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de do inciso II do § 1º doart. 168-A do Código Penal que, supostamente, violaria o inciso LXVIIdo art. 5º <strong>da</strong> CF/88 e o art. 7º, alínea 7ª, do Anexo ao Decreto nº 678/92,que internalizou o Pacto de São José <strong>da</strong> Costa Rica.Os dispositivos citados assim prescrevem:Código Penal:“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhi<strong>da</strong>s dosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 409


contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:(...)II – recolher contribuições devi<strong>da</strong>s à previdência social que tenham integrado despesascontábeis ou custos relativos à ven<strong>da</strong> de produtos ou à prestação de serviços;” (grifei)Constituição:“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo--se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili<strong>da</strong>de do direito à vi<strong>da</strong>,à liber<strong>da</strong>de, à igual<strong>da</strong>de, à segurança e à proprie<strong>da</strong>de, nos termos seguintes:(...)LXVII – não haverá prisão civil por dívi<strong>da</strong>, salvo a do responsável pelo inadimplementovoluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;(...)”Anexo ao Decreto nº 678/92:“Ninguém deve ser detido por dívi<strong>da</strong>. Este princípio não limita os man<strong>da</strong>dos de autori<strong>da</strong>dejudiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”Pois bem, o voto divergente de lavra do eminente Des. <strong>Federal</strong> PauloAfonso Brum Vaz que oportunizou este incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>de,quando <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> apelação, individualizou com extrema precisãoo dispositivo que prevê o tipo penal no inciso II do § 1º do art. 168-Ado Código Penal. Veja-se:“De início, vale frisar que o dispositivo em comento não se confunde com os demaisdelitos de apropriação indébita previdenciária (caput e incisos I e III do § 1º do artigo168-A), que tutela o patrimônio de terceiros (de segurado empregado ou individual, ou dopróprio INSS no caso do inciso III), agredido pela conduta do agente que, valendo-se desua posição de arreca<strong>da</strong>dor/pagador, toma para si algo que não lhe pertence. Com relaçãoas essas infrações, há, inclusive, súmula <strong>da</strong> Corte, que se encontra assim redigi<strong>da</strong>:‘Súmula 65 – A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuiçõesprevidenciárias não constitui prisão por dívi<strong>da</strong>.’Em se tratando do ilícito previsto no inciso II, a questão é diversa. Nesse caso, a sançãoincrimina o não recolhimento de parcelas devi<strong>da</strong>s pela própria empresa, a título de obrigaçãoprópria. Confere, assim, tratamento penal a simples ilícito civil tributário.”Realmente, o dispositivo em análise termina por criminalizar o nãopagamento de débito <strong>da</strong> própria empresa, indo de encontro à ve<strong>da</strong>ção410R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


constitucional acima referi<strong>da</strong>.A tese que defende a constitucionali<strong>da</strong>de do tipo, escora<strong>da</strong> no fatode que o valor <strong>da</strong> contribuição é repassa<strong>da</strong> ao consumidor final (ditocontribuinte de fato pela doutrina tributária) e a empresa seria meracontribuinte de direito, ao meu entender, não deve prevalecer. Entendoque o legislador, ao editar a norma penal em comento, adentrou emseara estranha às Ciências Jurídicas e acabou por criar dispositivo detormentosa aplicação prática. Explico.Em tese, to<strong>da</strong> empresa, seja prestadora de serviço, seja manufatureira,repassa os custos ao consumidor. Soma-se a isso, ain<strong>da</strong>, o lucro que éinerente à ativi<strong>da</strong>de comercial.Contudo, essa composição do preço final de ca<strong>da</strong> produto obedece aleis outras que são estranhas ao Direito, leis de cujo estudo se ocupamas Ciências Econômicas. Assim, por exemplo, como é cediço, além docusto, o preço de um produto pode variar conforme a oferta e a procuraem determinado período, bem como a ocorrência de eventos em que àempresa interessa vendê-lo abaixo do custo para quebrar a concorrênciaou supervalorizá-lo quando se coloca com exclusivi<strong>da</strong>de no mercado.Por essa razão, não comungo com a tese que considera crime deapropriação indébita o não recolhimento do tributo, presumindo que oseu custo integrou o preço final do produto pago pelo consumidor final.Ora, no momento em que o consumidor adquire o produto, paga o preço.Há nesse negócio jurídico uma transmissão (proprie<strong>da</strong>de do produto)ou uma disponibilização de um serviço, ao tempo em que, em regra, aomenos juridicamente, a totali<strong>da</strong>de do numerário pago transfere-se parao caixa <strong>da</strong> empresa. Não é proibido aventar-se que parcela do preço vaipara o Estado, a título de tributo, outra para os fornecedores de insumos,etc. Contudo, trata-se de fato irrelevante para o mundo jurídico, pois aempresa, quando paga um fornecedor, em regra, não está repassandodinheiro de terceiro (consumidor final), e sim valores seus, frutos <strong>da</strong>ven<strong>da</strong> de seus produtos ou serviços. Essa lógica aplica-se ao pagamentodos tributos.Na sessão em que pedi vista dos autos (17.12.2010), o eminente Des.<strong>Federal</strong> Otávio Pamplona proferiu voto oral, analisando a questão comprecisão cirúrgica ao trazer, além de outras considerações, o exemplodo IPTU. Imagine-se uma empresa com sede em determinado prédio naR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 411


zona urbana. Inevitavelmente será contribuinte de IPTU e provavelmenteesse custo comporá a planilha de cálculo de seu produto final. Contudo,o administrador ou diretor dessa mesma empresa, mesmo repassando ocusto do imposto municipal ao consumidor, caso não recolha o tributo,poderá ser preso por isso? Se a resposta é não, o mesmo raciocínio deveser aplicado quando <strong>da</strong> análise do inciso II do § 1º do art. 168-A doCódigo Penal.E mais, utilizando ain<strong>da</strong> os argumentos esposados pelo Des. Pamplona,o legislador, ou ao menos quem defende a tese de que há a apropriaçãoindébita, busca <strong>da</strong>r legitimi<strong>da</strong>de ao tipo penal em comento com base nadiferenciação, cunha<strong>da</strong> pela doutrina tributária, entre o contribuinte dedireito e o contribuinte de fato. Isso porque, em algumas situações, oCódigo Tributário impõe consequências jurídicas a essa distinção, sobretudona repetição do indébito, exigindo a prova do não repasse – art.166 do CTN.Contudo, assevero que tal diferenciação e restrição à repetição doindébito, além de ser de constitucionali<strong>da</strong>de duvidosa no âmbito tributário,com mais razão não poderia alicerçar a criminalização de um fatoque a própria Constituição <strong>Federal</strong> põe expressamente fora do alcance<strong>da</strong> capitulação penal.Em resumo, embora sob o ponto de vista econômico possa se concebero repasse do tributo ao consumidor, juridicamente não é dessa forma queo ordenamento jurídico pátrio disciplina a questão.Por fim, trago apontamento do doutrinador Luiz Flávio Gomes, emCrimes Previdenciários, Revista dos Tribunais, 2001, fls. 38-9, que evidenciaa inconstitucionali<strong>da</strong>de e a dificul<strong>da</strong>de de aplicação do tipo penalprevisto no inciso II do § 1º do art. 168-A do Código Penal:“Vários são os requisitos normativos do tipo: ‘contribuições devi<strong>da</strong>s à previdência social’(v. Lei 8.212/91, art. 11); que tenham ‘integrado despesas contábeis ou custos’ (refere-seà contabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> empresa ou ao sistema de registros de <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> empresa); relativos à‘ven<strong>da</strong> de produtos ou à prestação de serviços’. Se o contribuinte não mantém contabili<strong>da</strong>deregular ou registros <strong>da</strong>s suas operações, não poderá cometer o delito em questão. Pode configuraro delito de sonegação de contribuição previdenciária, previsto no art. 337-A do CP.Se os valores apropriados estão todos escriturados, convém com muita cautela examinara questão do dolo do agente. De outro lado, caberia aqui uma eventual discussão sobre aconstitucionali<strong>da</strong>de do diploma legal, porque, no fundo, o que está criminalizado é umaespécie de prisão por dívi<strong>da</strong> (confessa<strong>da</strong> e escritura<strong>da</strong>); se o fisco conta todos os <strong>da</strong>dos aptos412R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


para a cobrança <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>, seria proporcional o uso do castigo penal?Ademais: quem não mantém nenhuma escrituração poderá cometer o delito de sonegaçãode contribuição previdenciária (art. 337-A). E, nesse caso, extingue-se a punibili<strong>da</strong>de seo agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias e valores epresta as informações devi<strong>da</strong>s à previdência social (§ 1º do art. 337-A). Ora, quem escrituroutudo corretamente e apenas não recolhe o que é devido está na mesma ou até mesmo emmelhor situação que aquele que não escriturou e só depois confessou. Teria o inciso II, oraem discussão, contemplado um fato típico que se identifica com uma causa de extinção <strong>da</strong>punibili<strong>da</strong>de?”Com isso, tenho que se trata de tipo penal que criminaliza mera dívi<strong>da</strong>,própria <strong>da</strong> empresa, indo de encontro à ve<strong>da</strong>ção constitucional.Ante o exposto, voto por declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de do incisoII do §1º do artigo 168-A do Código Penal.É o voto.ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NAAC Nº 2008.70.16.000444-6/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Álvaro Eduardo JunqueiraApelante: Associação Nacional de Defesa dos Agricultores Pecuaristase Produtores <strong>da</strong> Terra – An<strong>da</strong>terraAdvogados: Drs. Felisberto Odilon Cordova e outroDr. Jeferson <strong>da</strong> RochaApelante: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> NacionalApelados: Os mesmosEMENTATributário. Ação ordinária. Funrural. Empregador rural pessoafísica. Art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91. Leis 8.540/92 e 9.528/97 declara<strong>da</strong>sR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 413


inconstitucionais pelo STF. EC nº 20/98. Lei nº 10.256/2001. Inconstitucionali<strong>da</strong>deparcial.1. O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, no RE nº 363.852/MG, representativo <strong>da</strong>controvérsia <strong>da</strong> repercussão geral, declarou a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s Leisn os 8.540/92 e 9.528/97, que deram nova re<strong>da</strong>ção aos arts. 12, V e VII, 25,I e II, e 30, IV, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, até que legislação nova, arrima<strong>da</strong> na ECnº 20/98, institua a contribuição, desobrigando a retenção e o recolhimento<strong>da</strong> contribuição social ou o recolhimento por sub-rogação sobre a “receitabruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural” de empregadores,pessoas naturais.2. Reconheci<strong>da</strong> pelo STF a existência de repercussão geral <strong>da</strong> matériarelativa à contribuição social do empregador rural pessoa física incidentesobre comercialização <strong>da</strong> produção rural, no julgamento do RE nº 596177/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, em 17.09.2009.3. Uma vez rejeitado o pedido de modulação cronológica dos efeitos doRE nº 363.852/MG, inverossímil solução jurídica diversa no RE nº 596177/RS, pendente de julgamento e tratando de matéria símil, tornando despicien<strong>da</strong>qualquer manifestação <strong>da</strong> Corte Especial deste <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> a respeito<strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de do artigo 1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92, a genetizar novelre<strong>da</strong>ção aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, <strong>da</strong>Lei nº 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção imprimi<strong>da</strong> pela Lei nº 9.528/97.4. Receita e faturamento não são sinônimos, segundo o STF no julgamentodos REs n os 346084, 358273, 357950 e 390840, em 09.11.2005.5. Evidencia<strong>da</strong> a necessi<strong>da</strong>de de lei complementar à instituição <strong>da</strong> novafonte de custeio em <strong>da</strong>ta pretérita à Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98.6. A EC nº 20/98 acrescentou o vocábulo “receita” no art. 195, inciso I, b,<strong>da</strong> CF/88, e, a partir <strong>da</strong> previsão constitucional <strong>da</strong> fonte de custeio, a exaçãopode ser instituí<strong>da</strong> por lei ordinária, conforme RREEs 146733 e 138284.7. O STF não fez menção à Lei nº 10.256/2001, porque se tratava derecurso em Man<strong>da</strong>do de Segurança ajuizado em 1999, mas declarou inconstitucionalo art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> por essa lei, emrazão <strong>da</strong> deficitária alteração por ela promovi<strong>da</strong>.8. Afasta<strong>da</strong> a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s Leis n os 8.540/92 e 9.528/97, a Lei nº10.256/2001, na parte que modificou o caput do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91,não tem arrimo na EC nº 20/98, pois termina em dois pontos e não estipulou obinômio base de cálculo/fato gerador, nem definiu alíquota. Nasceu capenga,414R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


natimorta, pois somente à lei cabe eleger estes elementos dimensionantes dotributo, conforme arts. 9º, I, do CTN, 150, I, e 195, caput, ambos <strong>da</strong> CF/88.9. A declaração do STF, enquadra<strong>da</strong> em regras exegéticas, foi com reduçãode texto, embora não expressa, haja vista a presunção de legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei,em conciliação com os arts. 194, I, e 195, caput, <strong>da</strong> CF/88, <strong>da</strong><strong>da</strong> a universali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> cobertura, o atendimento e a obrigatorie<strong>da</strong>de do financiamento<strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social por to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de, induzindo à imprescindibili<strong>da</strong>dedo custeio também pelo segurado especial.10. Declara<strong>da</strong> inconstitucional a Lei nº 10.256/2001, com redução detexto, para abstrair do caput do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91 as expressões “contribuiçãodo empregador rural pessoa física, em substituição à contribuiçãode que tratam os incisos I e II do art. 22”, e “na alínea a do inciso V”, ficamanti<strong>da</strong> a contribuição do segurado especial, na forma prevista nos incisosI e II do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91.11. Exigível a contribuição do empregador rural pessoa física sobre a folhade salários, com base no art. 22 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, equiparado a empresapelo parágrafo único do art. 15 <strong>da</strong> mesma lei, porque revogado o seu § 5ºpelo art. 6º <strong>da</strong> Lei nº 10.256/2001, que ve<strong>da</strong>va a exigibili<strong>da</strong>de.12. Tem direito o empregador rural pessoa física à restituição ou compensação<strong>da</strong> diferença <strong>da</strong> contribuição recolhi<strong>da</strong> com base na comercialização<strong>da</strong> produção rural e a incidente sobre a folha de salários.13. Acolhido parcialmente o incidente de arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>dedo art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 10.256/2001, com redução de texto, na parte quemodifica o caput do artigo 25 <strong>da</strong> Lei nº 8212/91, por afronta à princípiosinsculpidos na Constituição <strong>Federal</strong>.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia Corte Especial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, por maioria, acolher parcialmente o incidente de arguição deinconstitucionali<strong>da</strong>de, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficasque ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 30 de junho de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Álvaro Eduardo Junqueira, Relator.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 415


RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Álvaro Eduardo Junqueira: Trata-se deincidente de arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de do art. 1º <strong>da</strong> Lei nº10.256/2001, na parte em que modifica o art. 25, caput, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91.A Primeira Turma deste <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong>, na sessão de 05 de novembrode 2010, por maioria, venci<strong>da</strong> a relatora, Desa. <strong>Federal</strong> Mariade Fátima Freitas Labarrère, decidiu suscitar o incidente de arguiçãode inconstitucionali<strong>da</strong>de do art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 10.256/2001, na parte quemodifica o caput do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, por afronta aos arts. 9º,inciso I, e 97, incisos III e IV, do CTN e aos arts. 150, inciso I, e 195,caput e inciso I, b, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, a fim de manter a exigibili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> contribuição previdenciária na re<strong>da</strong>ção original do art. 25 <strong>da</strong>Lei de Custeio.O Ministério Público <strong>Federal</strong> opinou pelo provimento do incidentede inconstitucionali<strong>da</strong>de.É o sucinto relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Álvaro Eduardo Junqueira: A AssociaçãoNacional de Defesa dos Agricultores Pecuaristas e Produtores <strong>da</strong> Terra– An<strong>da</strong>terra busca, desde a inicial, a declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>dedo art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelas Leis n os 8.540/92,9.528/97 e 10.256/2001, por se tratar de nova fonte de custeio, em desobediênciaao quorum qualificado <strong>da</strong> lei complementar.Como visto, o Plenário do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, no julgamentodo Recurso Extraordinário nº 363.852/MG, declarou, por unanimi<strong>da</strong>de, ainconstitucionali<strong>da</strong>de do artigo 1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92, que originou novare<strong>da</strong>ção aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, incisoIV, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, com a estampa atualiza<strong>da</strong> pela Lei nº 9.528/97,até que legislação nova, arrima<strong>da</strong> na Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98,venha a instituir a contribuição, desobrigando os recorrentes <strong>da</strong> retenção erecolhimento <strong>da</strong> contribuição social ou do recolhimento por sub-rogaçãosobre a “receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural”de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate.O RE nº 363.852/MG foi assim ementado:416R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRESSUPOSTO ESPECÍFICO. VIOLÊNCIA ÀCONSTITUIÇÃO. ANÁLISE. CONCLUSÃO. Porque o Supremo, na análise <strong>da</strong> violência àConstituição, adota entendimento quanto à matéria de fundo do extraordinário, a conclusãoa que chega deságua, conforme sempre sustentou a melhor doutrina – José Carlos BarbosaMoreira –, em provimento ou desprovimento do recurso, sendo impróprias as nomenclaturasconhecimento e não conhecimento. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. COMERCIALIZAÇÃODE BOVINOS. PRODUTORES RURAIS PESSOAS NATURAIS. SUB-ROGAÇÃO. LEINº 8.212/91. ARTIGO 195, INCISO I, DA CARTA FEDERAL. PERÍODO ANTERIORÀ EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98. UNICIDADE DE INCIDÊNCIA. EXCE-ÇÕES. COFINS E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. PRECEDENTE. INEXISTÊNCIA DELEI COMPLEMENTAR. Ante o texto constitucional, não subsiste a obrigação tributáriasub-roga<strong>da</strong> do adquirente, presente a ven<strong>da</strong> de bovinos por produtores rurais, pessoasnaturais, prevista nos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, <strong>da</strong> Leinº 8.212/91, com as re<strong>da</strong>ções decorrentes <strong>da</strong>s Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação deleis no tempo – considerações.Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de e nos termos do voto do Relator, conheceu edeu provimento ao recurso extraordinário para desobrigar os recorrentes <strong>da</strong> retenção e dorecolhimento <strong>da</strong> contribuição social ou do seu recolhimento por sub-rogação sobre a ‘receitabruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural’ de empregadores, pessoasnaturais, fornecedores de bovinos para abate, declarando a inconstitucionali<strong>da</strong>de do artigo1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92, que deu nova re<strong>da</strong>ção aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos Ie II, e 30, inciso IV, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção atualiza<strong>da</strong> até a Lei nº 9.528/97,até que legislação nova, arrima<strong>da</strong> na Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98, venha a instituir acontribuição, tudo na forma do pedido inicial, invertidos os ônus <strong>da</strong> sucumbência. Em segui<strong>da</strong>,o Relator apresentou petição <strong>da</strong> União no sentido de modular os efeitos <strong>da</strong> decisão,que foi rejeita<strong>da</strong> por maioria, venci<strong>da</strong> a Senhora Ministra Ellen Gracie. Votou o Presidente,Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, licenciado, o Senhor Ministro Celso de Mello e, nestejulgamento, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa, com voto proferido na assenta<strong>da</strong> anterior.Plenário, 03.02.2010.” (RE 363852/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, <strong>Tribunal</strong> Pleno, j. em03.02.2010, unânime, DJe-071 de 23.04.2010)Dessa decisão a União interpôs embargos de declaração, os quais foramrejeitados por unanimi<strong>da</strong>de pelo Pleno do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em17.03.2011, conforme pesquisa no sítio <strong>da</strong>quele areópago superior.Citando como fonte o Valor Econômico – 21.03.2011 – Legislação &Tributos, o clipping desta Corte, de mesma <strong>da</strong>ta, veicula a notícia de que aProcuradoria-Geral <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Nacional opôs os embargos declaratóriospara obter declaração de que a Lei nº 10.256, de 2001, posterior às normasanalisa<strong>da</strong>s pelos ministros, teria regularizado a situação, buscando impediros juízes federais de considerarem, também, inconstitucionais as normasposteriores à edição <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20. Alega o ProcuradorR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 417


<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Nacional que, nesse compasso, o contribuinte teria direitoapenas aos recolhimentos efetuados entre 1992 e 2001 e “Agora, coma rejeição dos embargos, vamos esperar que o Supremo volte a analisaro tema por meio de um outro recurso”, acrescentando que, mesmo sema possibili<strong>da</strong>de de recolhimento sobre o resultado <strong>da</strong> comercialização,voltaria a valer a folha de salários como base de cálculo. Acrescentou oProcurador: “Milhares de contribuintes ajuizaram ações e, infelizmente,entendimentos equivocados têm levado à proliferação de decisões queextrapolam em muito o que foi julgado pelo Supremo”.Na notícia veicula<strong>da</strong> no clipping assegura, no entanto, o Ministro MarcoAurélio, ao analisar os embargos, que a decisão proferi<strong>da</strong> no ano passado éclara e não precisa ser altera<strong>da</strong>. Para ele, o acórdão “é bastante eluci<strong>da</strong>dor<strong>da</strong>s premissas que respal<strong>da</strong>ram a concessão <strong>da</strong> segurança, não se podendocogitar de qualquer dos vícios que levam ao provimento dos embargosdeclaratórios”. O voto do Relator foi seguido pelos demais ministros.Também esclarece o sentido <strong>da</strong> decisão do Supremo. Os produtoresrurais e empresas que adquirem a produção agrícola – principalmenteos frigoríficos –, responsáveis por reter e repassar o tributo ao InstitutoNacional do Seguro Social (INSS), iniciaram uma corri<strong>da</strong> à Justiça e umadisputa pelos bilhões de reais que foram recolhidos indevi<strong>da</strong>mente. Paraeles, o azitume adotado pelos Ministros, no caso envolvendo o FrigoríficoMataboi, decretou o fim <strong>da</strong> contribuição, somente instituível novamentepor outra lei. Tramita, inclusive, uma ação direta de inconstitucionali<strong>da</strong>de(ADIn) ajuiza<strong>da</strong> pela Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo).Trata-se <strong>da</strong> ADIn nº 4395, ajuiza<strong>da</strong> em 19.03.2010, em face do art. 1º<strong>da</strong> Lei 8.540/92, que deu nova re<strong>da</strong>ção aos artigos 12, incisos V e VII, 25,incisos I e II, e 30, inciso IV, <strong>da</strong> Lei 8.212/91, com re<strong>da</strong>ção atualiza<strong>da</strong> até aLei 11.718/2008, a qual aguar<strong>da</strong> apreciação do pedido de medi<strong>da</strong> liminar.Não obstante, cabe esclarecer que o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>reconheceu a existência de repercussão geral <strong>da</strong> matéria relativa àcontribuição social do empregador rural pessoa física incidente sobre acomercialização <strong>da</strong> produção rural, no bojo do Recurso Extraordinárionº 596177/RS, de Relatoria do Excelentíssimo Ministro RicardoLewandowski, em 17.09.2009, DJe de 08.10.2009, a saber:“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PRE-VIDENCIÁRIA. EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA. INCIDÊNCIA SOBRE A418R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO. ART. 25 DA LEI 8.212/91, NA REDAÇÃODADA A PARTIR DA LEI 8.540/92. RE 363.852/MG, REL. MIN. MARCO AURÉLIO,QUE TRATA DA MESMA MATÉRIA E CUJO JULGAMENTO JÁ FOI INICIADO PELOPLENÁRIO. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.Decisão: O <strong>Tribunal</strong> reconheceu a existência de repercussão geral <strong>da</strong> questão constitucionalsuscita<strong>da</strong>. Não se manifestaram os Ministros Cármen Lúcia, Cezar Peluso, JoaquimBarbosa e Menezes Direito. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI.”Nessa esteira, a excelentíssima Ministra Cármen Lúcia decidiu monocraticamenteo RE nº 425330/MG, em 09.04.2010, e o RE nº 613433/RS,em 20.05.2010, a saber:“DECISÃORECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO.CONTRIBUIÇÃO AO FUNRURAL INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃODA PRODUÇÃO RURAL: INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTE. RECURSOEXTRAORDINÁRIO PROVIDO.Relatório(...)4. Por decisão <strong>da</strong>s fls. 235-236, determinou-se a devolução dos autos à origem para quefosse observado o art. 543-B do Código de Processo Civil em decorrência do reconhecimentode repercussão geral do tema no Recurso Extraordinário 596.177.(...)6. Inicialmente, cumpre ressaltar que a decisão que determinou o retorno dos autosà origem foi publica<strong>da</strong> em 04.02.2010 (fl. 237), nos termos do art. 543-B do Código deProcesso Civil (fls. 235-236).O tema objeto do recurso extraordinário foi julgado na sessão plenária do Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> de 03.02.2010, no Recurso Extraordinário 363.852.Assim, por estarem os autos no Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> e por já ter sido julgado otema constitucional contido no recurso extraordinário interposto, torno sem efeito a decisão<strong>da</strong>s fls. 235-236 e passo à análise <strong>da</strong>s razões do recurso extraordinário.(...)Dessa orientação jurisprudencial divergiu o acórdão recorrido.8. Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1º-A, do Códigode Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento Interno do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>) paraafastar a contribuição ao Funrural incidente sobre a comercialização <strong>da</strong> produção rural deempregadores pessoas naturais.(...)” (RE 425330/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática de 09.04.2010,DJe de 29.04.2010)“DECISÃORECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. 1.CONTRIBUIÇÃO AO FUNRURAL INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 419


DA PRODUÇÃO RURAL: INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTE. 2. COM-PENSAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA. MATÉRIAS INFRACONSTITUCIONAIS.RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO.Relatório(...)2. Os Recorrentes alegam que o <strong>Tribunal</strong> a quo teria contrariado os arts. 146, 150, inc.I, 154 e 195, inc. I, §§ 4º e 8º, <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República.(...)Requerem o provimento do recurso extraordinário, para reformar o acórdão recorridoe declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de dos arts. 25, inc. I e II, <strong>da</strong> Lei 8.212/91, 3º e 6º <strong>da</strong> Lei9.528/97, ‘com as modificações <strong>da</strong><strong>da</strong>s pelas Leis 10.256/2001, 8.540/1992, 8.861/1994 e9.528/1997’ (fl. 195).(...)4. No julgamento do Recurso Extraordinário 363.852, Relator o Ministro Marco Aurélio,o Plenário do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> deu provimento ao recurso para desobrigar osrecorrentes <strong>da</strong> retenção e do recolhimento <strong>da</strong> contribuição social ou do seu recolhimentopor sub-rogação sobre ‘a receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural’de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate.Naquela assenta<strong>da</strong>, foi declara<strong>da</strong> a inconstitucionali<strong>da</strong>de do art. 1º <strong>da</strong> Lei 8.540/92, quealterou os artigos 12, V e VII, 25, I e II, e 30, IV, <strong>da</strong> Lei 8.212/91, assim como as alteraçõesfeitas até a Lei 9.528/97, até que nova legislação, com base na Emen<strong>da</strong> Constitucional 20/98,venha a instituir a contribuição.(...)Dessa orientação jurisprudencial divergiu o acórdão recorrido.(...)6. Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1º-A,do Código de Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento Interno do Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong>) para afastar a contribuição ao Funrural incidente sobre a comercialização <strong>da</strong> produçãorural de empregadores pessoas naturais, nos termos <strong>da</strong> jurisprudência deste Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.(...).” (grifei) (RE 613433/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática de20.05.2010, DJe de 07.06.2010)Posteriormente, em 18.06.2010, o Excelentíssimo Ministro RicardoLewandowski deferiu o pedido liminar para <strong>da</strong>r efeito suspensivo, atéjulgamento final, ao Recurso Extraordinário nº 596177/RS, pendente dedecisão até os dias atuais.De to<strong>da</strong> forma, uma vez rejeitado o pedido de modulação cronológicados efeitos do RE nº 363.852/MG, inverossímil outra solução jurídica aopedido formulado, pendente de julgamento e tratando de matéria símil,esposado no RE nº 596177.420R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


Portanto, despicien<strong>da</strong> qualquer manifestação <strong>da</strong> Corte Especial deste<strong>Tribunal</strong> a respeito <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de do artigo 1º <strong>da</strong> Lei nº8.540/92, a genetizar novel re<strong>da</strong>ção aos artigos 12, incisos V e VII, 25,incisos I e II, e 30, inciso IV, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção imprimi<strong>da</strong>pela Lei nº 9.528/97.Sob outro enfoque, a tese <strong>da</strong> sinonímia entre os conceitos receita efaturamento foi categoricamente rechaça<strong>da</strong> pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>por ocasião do julgamento do alargamento <strong>da</strong> base de cálculo doPIS e <strong>da</strong> Cofins pela Lei nº 9.718/98, no julgamento dos REs nº 346084,358273, 357950 e 390840, sessão de 09.11.2005, Relator para o acórdãoo excelentíssimo Ministro Marco Aurélio.Nessa esteira, recentes julgados <strong>da</strong> Ministra Cármen Lúcia, em decisãomonocrática nos REs nº 596958/RS e nº 597027/RS, a saber:“DECISÃORECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. 1. CON-TRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL.PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA. ART. 25, INC. I E II, DA CONSTITUIÇÃO DAREPÚBLICA: INCONSTITUCIONALIDADE. 2. COMPENSAÇÃO E CORREÇÃO MO-NETÁRIA. MATÉRIAS INFRACONSTITUCIONAIS. RECURSO EXTRAORDINÁRIOPARCIALMENTE PROVIDO.Relatório1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, <strong>da</strong> Constituição<strong>da</strong> República contra o seguinte julgado do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>:‘TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃODA PRODUÇÃO RURAL. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA EMPREGADOR.EXIGIBILIDADE. FATO GERADOR. BASE DE CÁLCULO. COFINS. BIS IN IDEM.INEXISTÊNCIA.1. A Constituição de 1988 e a legislação posterior mantiveram a contribuição incidentesobre a comercialização <strong>da</strong> produção rural, prevendo tratamento distinto entre o produtorrural que trabalha em regime de economia familiar, o produtor rural pessoa física empregadore o produtor rural pessoa jurídica.2. Para o produtor rural pessoa física empregador, a contribuição sobre a comercialização<strong>da</strong> produção rural é indevi<strong>da</strong> apenas de 25 de julho de 1991 (extinção do Prorural) até22 de março de 1993 (prazo nonagesimal <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92, que recriou a contribuição),quando então era exigível a contribuição sobre a folha de salários.3. O fato gerador <strong>da</strong> contribuição debati<strong>da</strong> é a comercialização <strong>da</strong> produção rural eocorre com a ven<strong>da</strong> ou a consignação <strong>da</strong> produção rural; a base de cálculo é a receita brutaproveniente <strong>da</strong> comercialização de tal produção, elementos <strong>da</strong> hipótese de incidência previstosnas Leis nº 8.212/91 e nº 8.870/94.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 421


4. A base de cálculo – receita bruta – é equivalente, para efeitos fiscais, a faturamento,segundo precedentes do e. STF, e representa<strong>da</strong> pela ven<strong>da</strong> ou consignação de mercadorias,no caso, produtos rurais.5. Ausência de bis in idem, pois o produtor rural pessoa física empregador, porque nãoatende aos requisitos do art. 1.º <strong>da</strong> LC 70/91 (ser equiparado a pessoa jurídica pela legislaçãodo Imposto de Ren<strong>da</strong>), não é contribuinte <strong>da</strong> Cofins, inexistindo suposta indevi<strong>da</strong>cumulação de contribuições’ (fl. 1.063)(...)Aprecia<strong>da</strong> a matéria trazi<strong>da</strong> na espécie, DECIDO.3. Razão jurídica assiste aos Recorrentes.4. No julgamento do Recurso Extraordinário 363.852, Relator o Ministro Marco Aurélio,este Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> apreciou tese idêntica à que se contém neste processo edeclarou a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> contribuição social sobre a receita bruta proveniente <strong>da</strong>comercialização de produção rural, prevista no art. 25, inc. I e II, <strong>da</strong> Constituição:‘O <strong>Tribunal</strong> deu provimento a recurso extraordinário para desobrigar os recorrentes <strong>da</strong>retenção e do recolhimento <strong>da</strong> contribuição social ou do seu recolhimento por sub-rogaçãosobre a ‘receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural’ de empregadores,pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate, declarando a inconstitucionali<strong>da</strong>dedo art. 1º <strong>da</strong> Lei 8.540/92, que deu nova re<strong>da</strong>ção aos artigos 12, V e VII, 25, I e II, e 30,IV, <strong>da</strong> Lei 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção atualiza<strong>da</strong> até a Lei 9.528/97, até que legislação nova,arrima<strong>da</strong> na Emen<strong>da</strong> Constitucional 20/98, venha a instituir a contribuição. Na espécie, osrecorrentes, empresas adquirentes de bovinos de produtores rurais, impugnavam acórdãodo TRF <strong>da</strong> 1ª <strong>Região</strong> que, com base na referi<strong>da</strong> legislação, reputara váli<strong>da</strong> a incidência <strong>da</strong>cita<strong>da</strong> contribuição. Sustentavam ofensa aos artigos 146, III; 154, I; e 195, I, e §§ 4º e 8º, <strong>da</strong>CF – v. Informativos 409 e 450. Entendeu-se ter havido bitributação, ofensa ao princípio<strong>da</strong> isonomia e criação de nova fonte de custeio sem lei complementar. Considerando asexceções à unici<strong>da</strong>de de incidência de contribuição previstas nos artigos 239 e 240 <strong>da</strong>sDisposições Constitucionais Gerais, concluiu-se que se estaria exigindo do empregadorrural, pessoa natural, a contribuição social sobre a folha de salários, como também, tendoem conta o faturamento, <strong>da</strong> Cofins, e sobre o valor comercializado de produtos rurais (Lei8.212/91, art. 25), quando o produtor rural, sem empregados, que exerça ativi<strong>da</strong>des emregime de economia familiar, só contribui, por força do disposto no art. 195, § 8º, <strong>da</strong> CF,sobre o resultado <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção. Além disso, reputou-se que a incidência<strong>da</strong> contribuição sobre a receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização pelo empregadorrural, pessoa natural, constituiria nova fonte de custeio cria<strong>da</strong> sem observância do art. 195,§ 4º, <strong>da</strong> CF, uma vez que referi<strong>da</strong> base de cálculo difere do conceito de faturamento e dode receita. O relator, nesta assenta<strong>da</strong>, apresentou petição <strong>da</strong> União no sentido de modularos efeitos <strong>da</strong> decisão, que foi rejeita<strong>da</strong> por maioria, ficando venci<strong>da</strong>, no ponto, a Min. EllenGracie’ (DJe 23.04.2010).Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido.(...)6. Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1º-A,422R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


do Código de Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento Interno do Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong>) para afastar a contribuição ao Funrural incidente sobre a comercialização <strong>da</strong> produçãorural de empregadores pessoas naturais, nos termos <strong>da</strong> jurisprudência do Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.(...)” (grifos nossos) (RE 596958/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 16.11.2010, DJede 29.11.2010)“DECISÃORECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CON-TRIBUIÇÃO À SEGURIDADE SOCIAL. BASE DE CÁLCULO NÃO PREVISTA NOART. 195 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: NECESSIDADE DE LEI COMPLE-MENTAR. JULGADO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DOSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.Relatório1. Recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, inc. III, alínea b, <strong>da</strong> Constituição<strong>da</strong> República, contra o seguinte julgado do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>:‘TRIBUTÁRIO. ART. 25, INCISOS I E II E § 1º, DA LEI Nº 8.870/94. CONTRIBUI-ÇÃO À SEGURIDADE SOCIAL SOBRE A PRODUÇÃO RURAL. CONTRIBUINTEPESSOA JURÍDICA. INCONSTITUCIONALIDADE.(...)2. A Egrégia Corte Especial deste <strong>Tribunal</strong>, no julgamento do incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>dena AMS nº 1999.71.00.021280-5/RS (Relator Des. Álvaro Eduardo Junqueira,pub. no DE em 06.12.2006), reconheceu a inconstitucionali<strong>da</strong>de do artigo 25, caput, incisosI e II e § 1º, <strong>da</strong> Lei nº 8.870/94.’Tem-se no voto condutor do julgado recorrido:‘A base econômica <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> exação, segundo o dispositivo supratranscrito, consistena receita bruta resultante <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural. A ratio juris de tal artigoconsiste no fato de que as empresas destina<strong>da</strong>s a tal ativi<strong>da</strong>de contam com reduzido quadrode empregados, de forma que a contribuição incidente sobre a folha de salários traria poucoretorno ao financiamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.Entretanto, ao elaborar tal diploma normativo infraconstitucional, o legislador pátrioolvidou que o produtor rural pessoa jurídica se equipara à empresa, enquanto sua receitabruta resultante <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural se equipara ao faturamento. Emoutras palavras, o produtor rural pessoa jurídica já se encontra onerado com uma contribuiçãosocial incidente sobre o faturamento, qual seja, a COFINS, prevista no art. 195, inc.I, alínea b, <strong>da</strong> CF.Ocorre que a COFINS esgotou a possibili<strong>da</strong>de constitucional de instituição de contribuiçãoincidente sobre o faturamento. Com efeito, cumpre lembrar que o art. 195 <strong>da</strong> Constituição<strong>Federal</strong> elenca, conforme é cediço, as espécies de contribuições para a seguri<strong>da</strong>desocial, tendo em vista as bases imponíveis (...).Ora, o art. 195, § 4º, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, ao determinar a observância do art. 154,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 423


I, proíbe que seja instituí<strong>da</strong> mais de uma contribuição sobre o mesmo fato gerador’ (fls.476-477 v., grifos nossos).2. A Recorrente alega:(...)3. Razão jurídica não assiste à Recorrente.4. Este Supremo <strong>Tribunal</strong> assentou que a receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização<strong>da</strong> produção rural não se confunde com as bases de cálculo previstas no art. 195, inc. I,<strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República, razão pela qual somente por lei complementar se poderiavali<strong>da</strong>mente exigir de produtores rurais pessoas jurídicas Contribuição à Seguri<strong>da</strong>de Socialincidente sobre aquela base.Nesse sentido:‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTRIBUIÇÃO DEVIDA ÀSEGURIDADE SOCIAL POR EMPREGADOR, PESSOA JURÍDICA, QUE SE DEDICA ÀPRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL (§ 2º DO ART. 25 DA LEI Nº 8.870, DE 15.04.94, QUEALTEROU O ART. 22 DA LEI Nº 8.212, DE 24.07.91): CRIAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃOQUANTO À PARTE AGRÍCOLA DA EMPRESA, TENDO POR BASE DE CÁLCULOO VALOR ESTIMADO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA PRÓPRIA, CONSIDERADO OSEU PREÇO DE MERCADO. DUPLA INCONSTITUCIONALIDADE (CF, ART. 195, IE SEU § 4º). PRELIMINAR: PERTINÊNCIA TEMÁTICA.1. Preliminar: ação direta conheci<strong>da</strong> em parte, quanto ao § 2º do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.870/94;não conheci<strong>da</strong> quanto ao caput do mesmo artigo, por falta de pertinência temática entre osobjetivos <strong>da</strong> requerente e a matéria impugna<strong>da</strong>.2. Mérito. O art. 195, I, <strong>da</strong> Constituição prevê a cobrança de contribuição social dosempregadores, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; dessa forma,quando o § 2º do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.870/94 cria contribuição social sobre o valor estimado<strong>da</strong> produção agrícola própria, considerado o seu preço de mercado, é ele inconstitucionalporque usa uma base de cálculo não prevista na Lei Maior.3. O § 4º do art. 195 <strong>da</strong> Constituição prevê que a lei complementar pode instituir outrasfontes de receita para a seguri<strong>da</strong>de social; dessa forma, quando a Lei nº 8.870/94 serve--se de outras fontes, criando contribuição nova, além <strong>da</strong>s expressamente previstas, é elainconstitucional, porque é lei ordinária, insuscetível de veicular tal matéria.4. Ação direta julga<strong>da</strong> procedente, por maioria, para declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de do§ 2º <strong>da</strong> Lei nº 8.870/94.’ (ADI 1.103, Re<strong>da</strong>tor para o acórdão o Ministro Maurício Correa,<strong>Tribunal</strong> Pleno, DJ 25.4.1997, grifos nossos)‘CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. COMERCIALIZAÇÃO DE BOVINOS. PRODUTORESRURAIS PESSOAS NATURAIS. SUB-ROGAÇÃO. LEI Nº 8.212/91. ARTIGO 195, INCI-SO I, DA CARTA FEDERAL. PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONALNº 20/98. UNICIDADE DE INCIDÊNCIA. EXCEÇÕES. COFINS E CONTRIBUIÇÃOSOCIAL. PRECEDENTE. INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Ante o textoconstitucional, não subsiste a obrigação tributária sub-roga<strong>da</strong> do adquirente, presente aven<strong>da</strong> de bovinos por produtores rurais, pessoas naturais, prevista nos artigos 12, incisos Ve VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, com as re<strong>da</strong>ções decorrentes <strong>da</strong>s424R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação de leis no tempo – considerações.’ (RE 363.852,Rel. Min. Marco Aurélio, <strong>Tribunal</strong> Pleno, DJe 23.04.2010)‘PIS E COFINS. LEI Nº 9.718/98. ENQUADRAMENTO NO INCISO I DO ARTIGO195 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO PRIMITIVA. Enquadrado o tributono inciso I do artigo 195 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, é dispensável a disciplina mediante leicomplementar. RECEITA BRUTA E FATURAMENTO – A sinonímia dos vocábulos – AçãoDeclaratória nº 1, Pleno, relator Ministro Moreira Alves – conduz à exclusão de aportesfinanceiros estranhos à ativi<strong>da</strong>de desenvolvi<strong>da</strong> – Recurso Extraordinário nº 357.950-9/RS,Pleno, de minha relatoria.’ (RE 527.602, Re<strong>da</strong>tor para o acórdão o Ministro Marco Aurélio,<strong>Tribunal</strong> Pleno, DJe 13.11.2009)‘CONSTITUCIONAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE DOART. 15, LEI 9.424/96. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. CONTRIBUIÇÕES PARA O FUNDODE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DEVALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO. DECISÕES JUDICIAIS CONTROVERTIDAS.ALEGAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. FORMAL:LEI COMPLEMENTAR. DESNECESSIDADE. NATUREZA DA CONTRIBUIÇÃOSOCIAL. § 5º, DO ART. 212 DA CF QUE REMETE SÓ À LEI (...). INCONSTITUCIO-NALIDADE MATERIAL: BASE DE CÁLCULO. VEDAÇÃO DO ART. 154, I, DA CFQUE NÃO ATINGE ESTA CONTRIBUIÇÃO, SOMENTE IMPOSTOS. NÃO SE TRATADE OUTRA FONTE PARA A SEGURIDADE SOCIAL.’ (ADC 3, Rel. Min. Nelson Jobim,<strong>Tribunal</strong> Pleno, DJ 09.05.2003)‘CONFORME JÁ ASSENTOU O STF (RREE 146733 E 138284), AS CONTRI-BUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL PODEM SER INSTITUÍDAS POR LEIORDINÁRIA, QUANDO COMPREENDIDAS NAS HIPÓTESES DO ART. 195, I, CF,SÓ SE EXIGINDO LEI COMPLEMENTAR, QUANDO SE CUIDA DE CRIAR NOVASFONTES DE FINANCIAMENTO DO SISTEMA (CF, ART. 195, PAR. 4º).’ (RE 150.755,Re<strong>da</strong>tor para o acórdão o Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence, <strong>Tribunal</strong> Pleno, DJ 20.08.1993)‘As contribuições do art. 195, I, II, III, <strong>da</strong> Constituição não exigem, para a sua instituição,lei complementar. Apenas a contribuição do § 4º do mesmo art. 195 é que exige, paraa sua instituição, lei complementar, <strong>da</strong>do que essa instituição deverá observar a técnica <strong>da</strong>competência residual <strong>da</strong> União (CF, art. 195, § 4º; CF, art. 154, I).’ (RE 138.284, Rel. Min.Carlos Velloso, <strong>Tribunal</strong> Pleno, DJ 28.08.1992)Dessa orientação jurisprudencial não divergiu o julgado recorrido.5. Pelo exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 557, caput, do Códigode Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>).(...)” (RE 597027/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 02.12.2010, DJe-024 de 04.02.2011)Nessa toa<strong>da</strong>, ficou evidente a necessi<strong>da</strong>de de lei complementar comquórum qualificado à instituição <strong>da</strong> nova fonte de custeio em <strong>da</strong>ta pretéritaà Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98.Contudo, a Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98 modificou o art. 195,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 425


inciso I, b, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> para acrescentar o vocábulo “receita”,passando a constar nessa alínea “a receita ou o faturamento”, ampliando,assim, a base econômica para permitir a instituição de contribuições àSeguri<strong>da</strong>de Social sobre “receita ou faturamento”. Ficou patente, então,que receita e faturamento são conceitos distintos.Em decorrência, passou-se a entender que seria desnecessária a instituição<strong>da</strong> exação em comento por lei complementar, em razão <strong>da</strong> previsãoconstitucional <strong>da</strong> fonte de custeio (art. 195, I e § 8º), somente exigível ainstituição de contribuição para a Seguri<strong>da</strong>de Social por meio de tal instrumentonormativo para o nascimento de novas fontes de financiamento<strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, consoante o disposto no artigo 195, § 4º, orientaçãoembuti<strong>da</strong> no RE nº 150755-PE, DJ 20.08.93. Portanto, a instituição decontribuição incidente sobre a “receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização<strong>da</strong> produção rural” não estaria condiciona<strong>da</strong> à observância <strong>da</strong>técnica <strong>da</strong> competência legislativa residual <strong>da</strong> União (art. 154, I).Assim, em face do permissivo constitucional, passou a ser admiti<strong>da</strong> aedição de lei ordinária para dispor sobre a contribuição incidente sobrea receita, conforme já assentou o STF nos REs 146733 e 138284.Contudo, é de observar, o ajuste feito pelo constituinte derivado nãoé extensível ao tema concreto, assistindo razão ao eminente MinistroMarco Aurélio (STF) quando diz, calcado nos ensinamentos de Hugo deBrito Machado, em seu voto lançado no RE nº 363852/MG:“(...)Assentou o Plenário que o § 2º do artigo 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.870/94 fulminado ensejara fonte decusteio sem observância do § 4º do artigo 195 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, ou seja, sem a vin<strong>da</strong>à balha de lei complementar. O enfoque serve, sob o ângulo <strong>da</strong> exigência desta última, notocante à disposição do artigo 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91. É que, mediante lei ordinária, versou--se a incidência <strong>da</strong> contribuição sobre a proveniente <strong>da</strong> comercialização pelo empregadorrural, pessoa natural. Ora, como salientado no artigo de Hugo de Brito Machado e Hugode Brito Machado Segundo, houvesse confusão, houvesse sinonímia entre o faturamentoe o resultado <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção, não haveria razão para a norma do § 8º doartigo 195 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> relativa ao produtor que não conta com empregados eexerça ativi<strong>da</strong>des em regime de economia familiar. Já estava ele alcançado pela previsãoimediatamente anterior – do inciso I do art. 195 <strong>da</strong> Constituição. Também sob esse prisma,procede a irresignação, entendendo-se que comercialização <strong>da</strong> produção é algo diverso defaturamento e este não se confunde com receita, tanto assim que a Emen<strong>da</strong> Constitucionalnº 20/98 inseriu, ao lado do vocábulo ‘faturamento’, no inciso I do artigo 195, o vocábulo‘receita’. Então, não há como deixar de assentar que a nova fonte deveria estar estabeleci<strong>da</strong>426R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


em lei complementar. O mesmo enfoque serve a rechaçar a óptica <strong>da</strong>queles que vislumbram,no artigo 25, incisos I e II, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, a majoração <strong>da</strong> alíquota alusiva à cita<strong>da</strong>contribuição que está prevista na Lei Complementar nº 70/91.(...)”A discussão aqui trava<strong>da</strong>, a respeito do alcance <strong>da</strong> decisão do egrégioSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> no RE nº 363.852/MG, surge em decorrência<strong>da</strong> ausência de menção expressa <strong>da</strong>s modificações introduzi<strong>da</strong>s pela Leinº 10.256/2001 no art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91.E não fez menção, porque se trata de Recurso Extraordinário oposto aacórdão do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> de Brasília – 1ª <strong>Região</strong> –, prolatadona Apelação em Man<strong>da</strong>do de Segurança nº 1999.01.00.111378-2/MG.Esse recurso foi autuado no STF e distribuído inicialmente ao ExcelentíssimoMin. Maurício Corrêa, em 26.11.2002, tendo por recorrente oFrigorífico Mataboi S/A e recorri<strong>da</strong> a União. Como visto, a Associaçãoautora ajuizou a ação em 1999 e não poderia projetar ou alegar inconstitucionali<strong>da</strong>dede lei edita<strong>da</strong> dois anos após. Justifica-se, pois, a ausênciade pronunciamento do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> a respeito <strong>da</strong> Lei nº10.256/2001, porque a inicial do man<strong>da</strong>mus postulava a inconstitucionali<strong>da</strong>dedo art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> por legislaçãoulterior e vigente até a <strong>da</strong>ta do ajuizamento.To<strong>da</strong>via, vislumbrando a deficitária re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei nº 10.256/2001 e alimitação temporal do pedido inicial, a excelsa Corte, com o costumeiroacerto, no julgamento do RE nº 363.852/MG, declarou a inconstitucionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> modificação do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91 pelas Leis nº8.540/92 e 9.528/97, até que lei nova arrima<strong>da</strong> na Emen<strong>da</strong> Constitucionalnº 20/98 institua a contribuição ou modifique vali<strong>da</strong>mente o referidodispositivo legal.Apesar de já ter me pronunciado no sentido de que a Lei nº 10.256, de10.07.2001, que deu nova re<strong>da</strong>ção ao art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, estavaarrima<strong>da</strong> na Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98 e não continha nenhumvício de inconstitucionali<strong>da</strong>de – a exemplo <strong>da</strong> posição vergasta<strong>da</strong> naAMS nº 2008.71.03.001569-0/RS –, revejo meu posicionamento sobre amatéria em face <strong>da</strong> rejeição pelo Plenário do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,capitaneado pelo voto do excelentíssimo Ministro Marco Aurélio, Relatordo RE nº 363.852/MG, do pedido <strong>da</strong> União de modular os efeitostemporais <strong>da</strong> decisão a ser exara<strong>da</strong> nesse julgado, por maioria, venci<strong>da</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 427


a Ministra Ellen Grace.Reproduzo, por pertinente, o debate mantido entre o Relator do REnº 363.852/MG, Ministro Marco Aurélio, com o Ministro Sepúlve<strong>da</strong>Pertence, às fls. 15-16 de seu voto, a respeito do alcance de sua decisão,a saber:“(...)O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – O que está previsto noart. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, nesses dispositivos a que aludi:Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuiçãode que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente,na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destina<strong>da</strong> à Seguri<strong>da</strong>deSocial, é de:I – 2% <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produção;(...)O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Não há dúvi<strong>da</strong> de que VossaExcelência está declarando a norma inconstitucional.O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Sim.(...).”Ocorre que a composição literal do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, declara<strong>da</strong>inconstitucional pelo excelentíssimo Ministro Marco Aurélio, éaquela <strong>da</strong><strong>da</strong> justamente pela Lei nº 10.256/2001, que operou metamorfoseprofun<strong>da</strong> somente no caput e na<strong>da</strong> referiu a respeito dos incisos I e IIdesse dispositivo legal, acrescentados pelas Leis n os 8.540/92 e 9.528/97.Também cabe registrar que o Ministro Cesar Peluso fez expressa mençãoa essa lei na nota de ro<strong>da</strong>pé nº 2 de seu voto, à fl. 736.Portanto, penso eu, salvo melhor juízo, a decisão final do julgamentodo RE nº 363.852/MG considerou, implícita e desengana<strong>da</strong>mente,a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 10.256/2001 ao art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91,sinalizando a antinomia com princípios constitucionais explícitos – isonomiae o repúdio à bitributação – apesar de não fazer a ela expressamenção, pelos motivos acima sublinhados, até porque, no cogitado apeloextremo, a ruptura constitucional declara<strong>da</strong> foi radical. A lei natimorta foiexpulsa do ordenamento jurídico na integrali<strong>da</strong>de, inclusive pelo desuso<strong>da</strong> técnica de redução de texto.Vejo o desfecho do voto externado pelo Ministro Relator:“Ante esses aspectos, conheço e provejo o recurso interposto para desobrigar os recorrentes<strong>da</strong> retenção e do recolhimento <strong>da</strong> contribuição social ou do seu recolhimento por428R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


sub-rogação sobre a ‘receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural’ deempregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate, declarando a inconstitucionali<strong>da</strong>dedo artigo 1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92, que deu nova re<strong>da</strong>ção aos artigos 12, incisosV e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, com re<strong>da</strong>ção atualiza<strong>da</strong> atéLei nº 9.528/97, até que legislação nova, arrima<strong>da</strong> na Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98,venha a instituir a contribuição, tudo na forma do pedido inicial, invertidos os ônus <strong>da</strong>sucumbência (folha 600).”Realço em especial a ofensa expressamente declara<strong>da</strong> ao art. 25, I e II,<strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, na berlin<strong>da</strong>, no caso concreto, extirpados do mundojurídico, pois genetizados em desacerto com a Carta Política.De conseguinte, fosse desiderato do exegeta constitucional últimolimitar o espectro <strong>da</strong> ofensa à Constituição, usaria <strong>da</strong> técnica prefala<strong>da</strong>,declarando parcial a violação <strong>da</strong> espinha dorsal do ordenamento jurídicoe abstrairia do texto legal a parcela literal macula<strong>da</strong>, aparando o excessocometido pelo legislador ordinário, inclusive no tocante ao art. 12, V,<strong>da</strong> Lei nº 8.212/91.Vejamos a evolução legislativa, para melhor esclarecimento.A Lei de Custeio <strong>da</strong> Previdência Social regulamentou o art. 195, §8º, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, por meio do art. 25, cuja re<strong>da</strong>ção originaltem o seguinte teor:“Art. 25. Contribui com 3% <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> suaprodução o segurado especial referido no inciso VII do art. 12.”Anoto, de substancial, neste limiar legiferante, a sujeição passiva sedirecionava única e exclusivamente ao segurado especial definido noinciso VII do art. 12 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, por força do art. 195, § 8º, <strong>da</strong>CF/88, ou seja, o produtor individual, em regime de economia familiar,sem empregados.A Lei nº 8.540/92 modificou a re<strong>da</strong>ção original do caput desse dispositivolegal para também eleger como contribuinte dessa exação osegurado obrigatório, contribuinte individual, com empregado, elencadona alínea a do inciso V do art. 12 e acrescentou-lhe os incisos I e II. Emcompensação, ante a previsão de maior arreca<strong>da</strong>ção pela inclusão de maisum contribuinte reduziu a alíquota de 3% para 2%. O art. 25 <strong>da</strong> Lei nº8.212/91 passou, então, a ostentar o seguinte teor:“Art. 25. A contribuição <strong>da</strong> pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente,na alínea a do inc. V e no inc. VII do art. 12 desta Lei, destina<strong>da</strong> à Seguri<strong>da</strong>de Social, é de:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 429


I – 2% <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produção;II – um décimo por cento <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produçãopara financiamento de complementação <strong>da</strong>s prestações por acidente de trabalho.”Novamente o art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91 foi alterado pela Lei nº9.528/97, para esclarecer que a pessoa física contribuinte antes referi<strong>da</strong>era o produtor rural pessoa física, nas seguintes letras:“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física e do segurado especial referidos,respectivamente, na alínea a do inc. V e no inc. VII do art. 12 desta Lei, destina<strong>da</strong>à Seguri<strong>da</strong>de Social, é de:I – 2% <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produção;II – 0,1% <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produção para financiamento<strong>da</strong>s prestações por acidente de trabalho.” (grifei)O caput do dispositivo legal em comento também foi alterado pelaLei nº 10.256, de 09 de julho de 2001, apenas para esclarecer que acontribuição sobre a produção rural substituía a contribuição sobre afolha de salários, prevista no art. 22, I e II, <strong>da</strong> Lei de Custeio, posto queas duas últimas alterações legislativas não esclareciam que se tratava desubstituição, e não de cumulação, e assim ficou redigido:“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuiçãode que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos,respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destina<strong>da</strong> àSeguri<strong>da</strong>de Social, é de:I – 2% <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produção;II – 0,1% <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produção para financiamento<strong>da</strong>s prestações por acidente de trabalho.” (grifei)Uma vez afasta<strong>da</strong>, em relação ao empregador rural pessoa física, porinconstitucionali<strong>da</strong>de, a modificação <strong>da</strong><strong>da</strong> pelas Leis 8.540/92 e 9.528/97ao art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, a re<strong>da</strong>ção original desse dispositivo legalpassa a contar apenas com a re<strong>da</strong>ção eleita pela Lei nº 10.256/2001, quemodifica apenas o caput, uma vez que os incisos I e II foram acrescentadospela Lei nº 8.540/92 e devem ser riscados em razão <strong>da</strong> declaraçãode inconstitucionali<strong>da</strong>de, após Resolução do Senado <strong>Federal</strong>.A se manter a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 10.256/2001 ao art. 25 <strong>da</strong> Leinº 8.212/91, diferentemente <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção original, não fica defini<strong>da</strong> a basede cálculo (receita bruta), o fato gerador (comercialização <strong>da</strong> produçãorural) e a alíquota (2%, originalmente estipula<strong>da</strong> em 3%). Ou seja, não430R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


dimensiona ou mensura o tributo a ser recolhido, limitando-se a indicara sujeição passiva e o caráter substitutivo.É fácil perceber, assim, que o art. 25 <strong>da</strong> Lei de Custeio passa a contarapenas com o caput, que termina em dois pontos e necessita de insofismávelcomplementação para estipular, vali<strong>da</strong>mente, a contribuiçãoguerrea<strong>da</strong>, que constituem conditio sine qua non à eficácia de incidência<strong>da</strong> exceção, porquanto elementos dimensionantes, alíquota, fato geradordo tributo e base econômica (signo de riqueza), trinômio básico à incidênciaváli<strong>da</strong>, pena inviabili<strong>da</strong>de do recolhimento diante <strong>da</strong> ignorânciado quantum a ser pago, ficando com a seguinte re<strong>da</strong>ção trunca<strong>da</strong>:“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuiçãode que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos,respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destina<strong>da</strong> àSeguri<strong>da</strong>de Social, é de: (...)”Nesse caso, a arreca<strong>da</strong>ção tributária <strong>da</strong> União será duplamente atingi<strong>da</strong>,pois não terá nem mesmo base legal para continuar exigindo acontribuição previdenciária dos segurados especiais pessoas naturaisque exercem suas ativi<strong>da</strong>des individualmente ou em regime de economiafamiliar, apontados no inciso VII do art. 12 <strong>da</strong> Lei de Custeio.Debaixo de ângulo diverso, o produtor rural pessoa física, identificadocomo contribuinte individual no art. 12, V, a, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, quandoempregador, é equiparado a empresa pelo parágrafo único do art. 15<strong>da</strong> mesma lei, e sua contribuição teria por base a folha de salários, naforma prevista no art. 22, I e II, <strong>da</strong> Lei de Custeio, e eventual subsistência<strong>da</strong> norma afeta<strong>da</strong> pela mácula geraria a possibili<strong>da</strong>de de incidênciadupla sobre a mesma base econômica, ignorando por completo zonade incompetência do Estado a incidir sobre os Membros <strong>da</strong> Federação,as denomina<strong>da</strong>s limitações ao poder tributante, a saber, bitributação eisonomia tributária.Confira-se, a propósito, parte do voto do excelentíssimo MinistroMarco Aurélio, no RE nº 363.852/MG, esclarecendo que o produtorrural pessoa física empregador é equiparado a empresa e, nessa condição,está sujeito, ao alvedrio <strong>da</strong> União, ao recolhimento <strong>da</strong> Cofins e acontribuição sobre a folha de salários, migra<strong>da</strong> inconstitucionalmente àprodução rural, encerrando injusta, repiso, bitributação sobre a mesmabase de cálculo – a comercialização <strong>da</strong> produção rural –, também fere oR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 431


princípio <strong>da</strong> isonomia:“A regra, <strong>da</strong><strong>da</strong> a previsão <strong>da</strong> alínea b do inciso I do referido artigo 195, é a incidência<strong>da</strong> contribuição social sobre o faturamento, para financiar a seguri<strong>da</strong>de social instituí<strong>da</strong> pelaLei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, a obrigar não só as pessoas jurídicas,como também aquelas a ela equipara<strong>da</strong>s pela legislação do imposto sobre a ren<strong>da</strong> – artigo1º <strong>da</strong> cita<strong>da</strong> lei complementar. Já aqui surge duplici<strong>da</strong>de contrária à Carta <strong>da</strong> República,no que, conforme o artigo 25, incisos I e II, <strong>da</strong> Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, oprodutor rural passou a estar compelido a duplo recolhimento, com a mesma destinação,ou seja, o financiamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social – recolhe, a partir do disposto no artigo 195,inciso I, alínea b, a Cofins e a contribuição prevista no referido artigo 25. Vale frisar que,no artigo 195, tem-se contempla<strong>da</strong> situação única em que o produtor rural contribui paraa seguri<strong>da</strong>de social mediante a aplicação de alíquota sobre o resultado de comercialização<strong>da</strong> produção, ante o disposto no § 8º do citado artigo 195 – a revelar que, em se tratandode produtor, parceiro, meeiro e arren<strong>da</strong>tários rurais e pescador artesanal, bem como dosrespectivos cônjuges que exerçam ativi<strong>da</strong>des em regime de economia familiar, sem empregadospermanentes, dá-se a contribuição para a seguri<strong>da</strong>de social por meio de aplicaçãode alíquota sobre o resultado <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção. A razão do preceito é única:não se ter, quanto aos nele referidos, a base para a contribuição estabeleci<strong>da</strong> na alínea a doinciso I do artigo 195 <strong>da</strong> Carta, isto é, a folha de salários. Daí a cláusula conti<strong>da</strong> no § 8º emanálise ‘(...) sem empregados permanentes (...)’.Forçoso é concluir que, no caso de produtor rural, embora pessoa natural, que tenhaempregados, incide a previsão relativa ao recolhimento sobre o valor <strong>da</strong> folha de salários.É de ressaltar que a Lei nº 8.212/91 define empresa como a firma individual ou socie<strong>da</strong>deque assume o risco de ativi<strong>da</strong>de econômica urbana ou rural, com fins lucrativos, ou não,bem como os órgãos e enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> administração pública direta, indireta e fun<strong>da</strong>cional –inciso I do artigo 15. Então, o produtor rural, pessoa natural, fica compelido a satisfazer,de um lado, a contribuição sobre a folha de salários e, de outro, a Cofins, não havendolugar para ter-se novo ônus, relativamente ao financiamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social, issoa partir de valor alusivo à ven<strong>da</strong> de bovinos. Cumpre ter presente, até mesmo, a regra doinciso II do artigo 150 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, no que ve<strong>da</strong> instituir tratamento desigualentre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. De acordo com o artigo 195,§ 8º, do Diploma Maior, se o produtor não possui empregados, fica compelido, inexistentea base de incidência <strong>da</strong> contribuição – a folha de salários – a recolher percentual sobre oresultado <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção. Se, ao contrário, conta com empregados, estaráobrigado não só ao recolhimento sobre a folha de salários, como também, levando em contao faturamento, <strong>da</strong> Contribuição Social para Financiamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social – COFINSe <strong>da</strong> prevista – toma<strong>da</strong> a mesma base de incidência, o valor comercializado – no artigo 25<strong>da</strong> Lei nº 8.212/91. Assim, não fosse suficiente a duplici<strong>da</strong>de, considerado o faturamento,tem-se, ain<strong>da</strong>, a quebra <strong>da</strong> isonomia.” (grifo nosso)Nesse percorrer, a declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de proclama<strong>da</strong>432R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


no RE nº 363.852/MG, salvo melhor juízo, aparentemente foi integral,incluindo os incisos I e II do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, inseridos pelaLei nº 8.540/92, com a re<strong>da</strong>ção atualiza<strong>da</strong> pela Lei nº 9.528/97. Nãoocorreu a declaração parcial com supressão de texto – empregador ruralpessoa física –, levando a crer que o guardião constitucional afastou detodo, do mundo jurídico, o dispositivo legal, caput e incisos, na re<strong>da</strong>ção<strong>da</strong><strong>da</strong> por essas duas leis.Com efeito, a Lei nº 10.256/2001 não elegeu ou estipulou o binômiobase de cálculo/fato gerador, nem definiu alíquota. Nasceu capenga,natimorta, pois somente à lei váli<strong>da</strong> perante a Constituição, rígi<strong>da</strong> que éa Carta de 1988, cabe eleger esses elementos dimensionantes do tributo,no caso lei ordinária, conforme art. 9º, I, e 97, III e IV, ambos do CTN,art. 150, I, e 195, caput e inciso I, b, ambos <strong>da</strong> Carta Política.E não há como ressuscitar ou <strong>da</strong>r sobrevi<strong>da</strong> a dispositivo infraconstitucionaldeclarado inválido, porque contraria a ordem natural <strong>da</strong> hierarquiaconstitucional (ordem natural <strong>da</strong>s coisas no mundo jurídico), contrariandoa rigidez <strong>da</strong> Carta Magna, pena de transmutação por ato legislativo inferior.E, por ocasião do édito nº 10.256/2001, as Leis 8.540/92 e 9.528/97eram inconstitucionais frente aos filiados <strong>da</strong> Associação autora.As alterações introduzi<strong>da</strong>s em <strong>da</strong>ta posterior à vigência <strong>da</strong> Lei nº10.256/2001 no inciso VII do art. 12 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91 não serão menciona<strong>da</strong>sporque desimportam ao deslinde <strong>da</strong> controvérsia judicial postanestes autos, motivo pelo qual deixo de formular juízo de valor a respeito<strong>da</strong>s alterações promovi<strong>da</strong>s pelo art. 9º <strong>da</strong> Lei nº 11.718/2008 no art. 12,incisos V e VII, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91.Cabe esclarecer que o § 8º do art. 195 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> encontrarazão de existir justamente porque o produtor rural pessoa física, semempregados permanentes, em regime de economia familiar, não elaborafolha de salários, mas há a necessi<strong>da</strong>de de incluí-lo como contribuintepara o custeio <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, cuja re<strong>da</strong>ção é a seguinte:“§ 8º – O produtor, o parceiro, o meeiro e o arren<strong>da</strong>tário rurais, o garimpeiro e o pescadorartesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas ativi<strong>da</strong>des em regimede economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguri<strong>da</strong>de socialmediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção efarão jus aos benefícios nos termos <strong>da</strong> lei.”A Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98 alterou a re<strong>da</strong>ção do § 8º do art. 195R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 433


<strong>da</strong> Constituição, tão somente para excluir a expressão “garimpeiro”, naesteira <strong>da</strong> Lei nº 8.398/92, mantendo, no mais, a mesma re<strong>da</strong>ção, a saber:“§ 8º – O produtor, o parceiro, o meeiro e o arren<strong>da</strong>tário rurais e o pescador artesanal,bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas ativi<strong>da</strong>des em regime de economiafamiliar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguri<strong>da</strong>de social mediante aaplicação de uma alíquota sobre o resultado <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção e farão jusaos benefícios nos termos <strong>da</strong> lei.”Derradeiramente, de curial importância, cabe lembrar que o art. 1º<strong>da</strong> Lei nº 10.256/2001 introduziu na Lei de Custeio o art. 22A, que determinoua substituição <strong>da</strong> contribuição social sobre a folha de salários<strong>da</strong> agroindústria pela comercialização <strong>da</strong> produção rural, cujo incidentede inconstitucionali<strong>da</strong>de foi rejeitado, por maioria, na ARGINC nº2006.70.11.000309-7, de minha relatoria, Relatora para o acórdão a eminenteDesa. <strong>Federal</strong> Marga Inge Barth Tessler; o art. 22B, que substituiu,nos mesmos moldes, a contribuição devi<strong>da</strong> pelo consórcio simplificadode produtores rurais; o art. 25A, que equiparou o consórcio simplificadode produtores rurais a empregador rural pessoa física; modificou oart. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.870/94, também para operar idêntica substituição nacontribuição social devi<strong>da</strong> pelo empregador rural pessoa jurídica, cujainconstitucionali<strong>da</strong>de foi declara<strong>da</strong> pela Corte Especial desta Casa, pormaioria, na ARGINC nº 1999.71.00.021280-5/RS, de minha relatoria.De outras ban<strong>da</strong>s, é mister trazer à tona o norte <strong>da</strong> sujeição passiva<strong>da</strong> relação jurígeno-tributária engloba<strong>da</strong> nos precedentes <strong>da</strong> CorteConstitucional, porquanto, denoto <strong>da</strong> própria conclusão do voto doMinistro Marco Aurélio, em cotejo com o acórdão prolatado no RE nº363852/MG, a decisão é direciona<strong>da</strong> expressamente aos empregadorespessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate. Porém, repriso, adeclaração proclama<strong>da</strong> na via difusa, indireta, foi sem redução de texto,pairando dúvi<strong>da</strong> sobre a perenização <strong>da</strong> contribuição com referência aosegurado especial.Segundo Ives Gandra Martins e Gilmar Ferreira Mendes – ControleConcentrado de Constitucionali<strong>da</strong>de, 3. ed., p. 452 e ss:“A doutrina e a jurisprudência brasileiras admitem plenamente a teoria <strong>da</strong> divisibili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> lei, de modo que, tal como assente, o <strong>Tribunal</strong> somente deve proferir a nuli<strong>da</strong>de<strong>da</strong>quelas normas vicia<strong>da</strong>s, não devendo estender o juízo de censura às outras partes <strong>da</strong> lei,salvo se elas não puderem subsistir de forma autônoma. Faz-se mister, portanto, verificar434R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


se estão presentes as condições objetivas de divisibili<strong>da</strong>de. Para isso, impõe-se aferir ograu de dependência entre os dispositivos, isto é, examinar se as disposições estão em relaçãode vinculação que impediria a sua divisibili<strong>da</strong>de. Não se afigura suficiente, to<strong>da</strong>via,a existência dessas condições objetivas de divisibili<strong>da</strong>de. Impõe-se verificar, igualmente,se a norma que há de subsistir após a declaração de nuli<strong>da</strong>de parcial corresponderia à vontadedo legislador. Portanto, devem ser investiga<strong>da</strong>s não só a existência de uma relaçãode dependência (unilateral ou recíproca), mas também a possibili<strong>da</strong>de de intervenção noâmbito <strong>da</strong> vontade do legislador.No exame sobre a vontade do legislador assume peculiar relevo a dimensão e o significado<strong>da</strong> intervenção que resultará <strong>da</strong> declaração de nuli<strong>da</strong>de. Se a declaração de nuli<strong>da</strong>detiver como consequência a criação de uma nova lei que não correspon<strong>da</strong> às concepçõesque inspiraram o legislador, afigura-se inevitável a declaração de nuli<strong>da</strong>de de to<strong>da</strong> a lei.”E mais adiante:“Já em 1949 identificara Lucio Bittencourt os casos de inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aplicaçãoa determinado grupo de pessoas ou situações como hipótese de nuli<strong>da</strong>de parcial.Nesse sentido ensinava o emérito constitucionalista:‘Ain<strong>da</strong> no que tange à constitucionali<strong>da</strong>de parcial, vale considerar a situação paralelaem que uma lei pode ser váli<strong>da</strong> em relação a certo número de casos ou pessoas e inváli<strong>da</strong>em relação a outros. É a hipótese, verbi gratia, de certos diplomas redigidos em linguagemampla e que se consideram inaplicáveis a fatos pretéritos, embora perfeitamente válidos emrelação às situações futuras. Da mesma forma, a lei que estabelece, entre nós, sem qualquerdistinção, a obrigatorie<strong>da</strong>de do pagamento de imposto de ren<strong>da</strong>, incluindo na incidênciadeste os proventos de qualquer natureza, seria inconstitucional no que tange à remuneraçãodos jornalistas e professores’.”Adentro a esse aspecto para extrair do cotejo entre o teor do votoe do acórdão do Ministro Marco Aurélio e <strong>da</strong> doutrina precita<strong>da</strong> a intransponíveldúvi<strong>da</strong> gera<strong>da</strong> por zona nebulosa de índole interpretativa.Será que o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> implicitamente teria declarado ainconstitucionali<strong>da</strong>de com redução de texto para extirpar, do caput doart. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, a figura do produtor rural pessoa física – empregadorou não? Inclusive, trago este <strong>da</strong>do para debate neste Plenário.Enquadrado em regras exegéticas, creio que a declaração foi comredução de texto, embora não expressa, haja vista a presunção de legitimi<strong>da</strong>de<strong>da</strong> lei e em conciliação com o artigo 194, inciso I, e 195, caput,<strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, pois não há que se olvi<strong>da</strong>r <strong>da</strong> universali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> cobertura e do atendimento e <strong>da</strong> obrigatorie<strong>da</strong>de do financiamento<strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social por todos os ci<strong>da</strong>dãos possuidores de signo deriqueza para prover os cofres específicos. Princípios genéricos e abs-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 435


tratos, pinçados a partir <strong>da</strong> simples leitura <strong>da</strong> Carta Política induzindoa imprescindibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social ser custea<strong>da</strong> também pelosegurado especial.Por esse prisma, tenho que a contribuição remanesce com relaçãoao segurado especial, tão somente nos termos inscritos na Lei nº10.256/2001, e a presente declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de é feitacom redução de texto para abstrair a seguinte parte do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº8.212/91 (empregador rural pessoa física em substituição de que tratamos incisos I e II do art. 22 e a <strong>da</strong> alínea a do inciso V), perenizado oseguinte texto:“Art. 25. A contribuição do segurado especial referido, respectivamente, no inciso VIIdo art. 12 desta lei, destina<strong>da</strong> à seguri<strong>da</strong>de social é de:I – 2% <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produção;II – 0,1% <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produção para o financiamentode complementação <strong>da</strong>s prestações por acidente de trabalho.”De bom alvitre consignar, nesta situação, não há bitributação comrelação ao segurado especial, subsistindo a violação à isonomia tributáriae à ve<strong>da</strong>ção à bitributação com relação à autora.Derradeiramente, esclareço, fico circunscrito ao tema narrado semdesbor<strong>da</strong>r dos limites objetivos traçados na arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de“sub ocullis”.Ante o exposto, voto por acolher parcialmente a arguição e declarara inconstitucionali<strong>da</strong>de parcial do artigo 1º <strong>da</strong> Lei nº 10.256/2001, comredução de texto, na parte que modifica o caput do artigo 25 <strong>da</strong> Lei nº8.212/91, por afronta à princípios insculpidos na Constituição <strong>Federal</strong>.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle: Conformebem salientado pelo E. Relator, é incontroverso que “o Plenário doSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (RE 363.852/MG) declarou, por unanimi<strong>da</strong>de,a inconstitucionali<strong>da</strong>de do art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92, que deu nova re<strong>da</strong>çãoaos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, <strong>da</strong>Lei nº 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção atualiza<strong>da</strong> pela Lei nº 9.528/97, até quelegislação nova, arrima<strong>da</strong> na Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98, venha ainstituir a contribuição, desobrigando os recorrentes <strong>da</strong> retenção e dorecolhimento <strong>da</strong> contribuição social ou do recolhimento por sub-rogação436R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


sobre a ‘receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural’de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate”.Tendo ocorrido a modificação do caput do art. 25 <strong>da</strong> Lei n° 8.212,por intermédio <strong>da</strong> Lei nº 10.256 – posterior, portanto, à Emen<strong>da</strong> nº 20/98–, poder-se-ia, em princípio, admitir a reintrodução de tal contribuiçãono ordenamento jurídico, sem qualquer jaça de inconstitucionali<strong>da</strong>de.Entretanto, para tanto, seria preciso admitir a possibili<strong>da</strong>de jurídica <strong>da</strong>constitucionali<strong>da</strong>de superveniente, a qual é igualmente rechaça<strong>da</strong> peloPretório Excelso. Nasci<strong>da</strong> inconstitucional a lei, não pode ela ressuscitar,por força de lei superveniente, no berço <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de:“CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE. REVOGAÇÃO. IN-CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. A lei ou éconstitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucionalquando fiel à Constituição; inconstitucional na medi<strong>da</strong> em que a desrespeita,dispondo sobre o que lhe era ve<strong>da</strong>do. O vício <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de é congênito à lei ehá de ser apurado em face <strong>da</strong> Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anteriornão pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legisladorpoderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevin<strong>da</strong> não torna inconstitucionaisleis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituiçãonão deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fun<strong>da</strong>mental, por sersuprema, não revogasse, ao ser promulga<strong>da</strong>, leis ordinárias. A lei maior valeria menos quea lei ordinária. 2. Reafirmação <strong>da</strong> antiga jurisprudência do STF, mais que cinquentenária.3. Ação direta de que se não conhece por impossibili<strong>da</strong>de jurídica do pedido.” (Rel. Min.Paulo Brossard, DJ 21.11.97)A este respeito, claríssimas as palavras de Fellipe Vasques:“Sendo assim, se a Lei 8.540 desafiava a Constituição vigente no momento de suapromulgação, essa lei é e sempre será inconstitucional. Efeito disso é que suas disposiçõessão nulas e devem ser considera<strong>da</strong>s como se nunca tivessem existido. Nesse sentido, é insustentávelo argumento de que, com a alteração promovi<strong>da</strong> pela Lei 10.256 na cabeça doartigo 25 <strong>da</strong> Lei 8.212, os incisos desse artigo devem ser considerados novos com re<strong>da</strong>çõescoincidentes, porque, uma vez que a re<strong>da</strong>ção foi <strong>da</strong><strong>da</strong> por uma lei inconstitucional, essare<strong>da</strong>ção não existe. Entender de modo diverso implica admitir a coincidência de coisasinexistentes. Releva destacar que a re<strong>da</strong>ção não existia antes <strong>da</strong> Lei 10.256 e continuou anão existir após o advento dessa lei, já que ela na<strong>da</strong> dispôs sobre os incisos. Portanto, porna<strong>da</strong> ter disposto acerca de base de cálculo e alíquota, a Lei 10.256 perdeu oportuni<strong>da</strong>dede impor uma contribuição a cargo do produtor rural pessoa física em consonância coma Constituição <strong>Federal</strong> de 1988.” (Mu<strong>da</strong>nça do Funrural não impôs nova contribuição, inConsultor Jurídico, 10.09.2010)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 437


Assim, cumprimentando o E. Relator pela excelência do voto lançado,acompanho-o integralmente.Ante o exposto, voto por acolher parcialmente a arguição e declarar ainconstitucionali<strong>da</strong>de parcial do art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 10.256/01, com reduçãode texto, na parte que modifica o caput do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91.VOTO-VISTAO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Rômulo Pizzolatti: Em sua re<strong>da</strong>ção original,o texto do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212, de 1991 (LCPS), estabelecia apenas acontribuição social devi<strong>da</strong> à Seguri<strong>da</strong>de Social pelo segurado especial,na alíquota de 3% sobre a comercialização <strong>da</strong> sua produção, tudo comfun<strong>da</strong>mento no § 8º do art. 195 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>:“O produtor, o parceiro, o meeiro e o arren<strong>da</strong>tário rurais (...), que exerçam suas ativi<strong>da</strong>desem regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para aseguri<strong>da</strong>de social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado <strong>da</strong> comercialização<strong>da</strong> produção e farão jus aos benefícios nos termos <strong>da</strong> lei.”A Lei nº 8.540, de 1992, por seu artigo 1º, alterou a re<strong>da</strong>ção do art.25 <strong>da</strong> LCPS para incluir novo sujeito passivo dessa contribuição, aolado do segurado especial, ou seja, o empregador rural pessoa física,tal como definido pela mesma lei, que modificou também o art. 12 <strong>da</strong>LCPS, passando esses dispositivos a ter a seguinte re<strong>da</strong>ção:“Art. 12 (...)V – (...)a) a pessoa física, proprietária ou não, que explora ativi<strong>da</strong>de agropecuária ou pesqueira,em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos e comauxílio de empregados, utilizados a qualquer título, ain<strong>da</strong> que de forma não contínua.”“Art. 25. A contribuição <strong>da</strong> pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente,na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta lei, destina<strong>da</strong> à Seguri<strong>da</strong>de Social, é de:I – dois por cento <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produção;II – um décimo por cento <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produçãopara financiamento de complementação <strong>da</strong>s prestações por acidente de trabalho.”No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 363.852-MG, interpostopor Frigorífico Mataboi S/A contra a União, o Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong> (STF), em controle difuso de constitucionali<strong>da</strong>de, reconheceu ainconstitucionali<strong>da</strong>de do “art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92, que deu nova re<strong>da</strong>çãoaos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, <strong>da</strong> Lei nº438R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção atualiza<strong>da</strong> até a Lei nº 9.528/97”, para efeito de“desobrigar o recorrente <strong>da</strong> retenção e do recolhimento <strong>da</strong> contribuição socialou do recolhimento por sub-rogação sobre a ‘receita bruta proveniente<strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural’ de empregadores, pessoas naturais,fornecedores de bovinos para abate” (julgamento iniciado em 17.11.2005,retomado em 30.11.2006 e concluído em 03.02.2010).O fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> obrigação instituí<strong>da</strong>pela Lei nº 8.540, de 1992, para o empregador rural pessoa físicafoi que mera lei ordinária, sob a vigência do texto constitucional anterior àEmen<strong>da</strong> Constitucional (EC) nº 20, de 1998, não o sujeitava a uma contribuiçãosocial à Seguri<strong>da</strong>de Social incidente sobre a receita, base imponível quesó veio a ser prevista no texto <strong>da</strong> Constituição com a EC nº 20, de 1998 (art.195, I, b), deman<strong>da</strong>ndo-se, antes disso, lei complementar. Por essa razão, doacórdão constou que ficava a parte recorrente desobriga<strong>da</strong> <strong>da</strong> contribuiçãosocial a que submeti<strong>da</strong> pelo art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540, de 1992, com a atualização<strong>da</strong> Lei nº 9.528, de 1997, “até que legislação nova, arrima<strong>da</strong> na Emen<strong>da</strong>Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição”.Ocorre que, depois de ajuiza<strong>da</strong> a deman<strong>da</strong> na qual interposto o RE nº363.852-MG, veio a União, por meio <strong>da</strong> Lei nº 10.256, de 2001, já sob avigência <strong>da</strong> EC nº 20, de 1998, a alterar novamente o art. 25 <strong>da</strong> LCPS, quepassou a ter a seguinte re<strong>da</strong>ção:“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuiçãode que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos,respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destina<strong>da</strong> àSeguri<strong>da</strong>de Social, é de:(...)”Como visto, a Lei nº 10.256, de 2001, não tocou no texto dos incisosI e II do artigo 25 <strong>da</strong> LCPS, na re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei 8.540, de 1992, atualiza<strong>da</strong>pela Lei nº 9.528, de 1997, razão pela qual ficou manti<strong>da</strong> a base decálculo e a alíquota <strong>da</strong> contribuição.Desse modo, tem-se que, a partir <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> Lei nº 10.256, de2001, o empregador rural pessoa física passou, por força do caput doart. 25 <strong>da</strong> mesma lei, e com base no art. 195, I, b, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>[“Art. 195. A seguri<strong>da</strong>de social será financia<strong>da</strong> (...), e <strong>da</strong>s seguintescontribuições sociais: I – do empregador, <strong>da</strong> empresa e <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de aela equipara<strong>da</strong> na forma <strong>da</strong> lei, incidentes sobre: a) a folha de salários eR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 439


demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, àpessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b)a receita e o faturamento; c) o lucro (...)”], a contribuir para a Seguri<strong>da</strong>deSocial pela receita bruta <strong>da</strong> comercialização de sua produção, tal comoo segurado especial, satisfeita, pois, a condição indica<strong>da</strong> no acórdão doRE nº 363.852-MG para sua exigência.Com a nova lei, o empregador rural pessoa física praticamente foiequiparado ao contribuinte rural posicionado em nível inferior na pirâmideeconômica, isto é, o produtor rural que trabalha individualmente oucom o auxílio <strong>da</strong> família, sem empregados (segurado especial). Amboscontribuem com a mesma alíquota sobre a comercialização <strong>da</strong> produçãorural, com a diferença de que o primeiro deve ain<strong>da</strong> contribuir, obrigatoriamente,na quali<strong>da</strong>de de “contribuinte individual”, no montante de20% sobre o salário de contribuição declarado, enquanto o segundo estádispensado de tal recolhimento, mas, em compensação, não receberábenefício previdenciário superior a um salário mínimo, a não ser quecontribua facultativamente, como contribuinte individual.Como se vê, a Lei nº 10.256, de 2001, antes favoreceu do que prejudicouo empregador rural pessoa física, visto que foi desobrigado <strong>da</strong>contribuição sobre a folha de salários e passou a contribuir, como osegurado especial, sobre a comercialização <strong>da</strong> produção rural.Não procede, a meu ver, a objeção à constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> contribuiçãodo empregador rural pessoa física, instituí<strong>da</strong> pela Lei nº 10.256,de 2001, a pretexto de que o STF declarou a inconstitucionali<strong>da</strong>de dosincisos I e II do art. 25 <strong>da</strong> Lei LCPS, na re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei nº 8.540, de1992, atualiza<strong>da</strong> pela Lei nº 9.528, de 1997, de modo que faltaria basede cálculo e alíquota à nova contribuição, por não constarem <strong>da</strong> novare<strong>da</strong>ção do caput do art. 25 <strong>da</strong> LCPS, <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 10.256, de 2001.É que a declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de no julgamento do RE363.852-MG:(a) não atingiu o texto mesmo dos incisos I e II do art. 25 <strong>da</strong> LCPS,com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei nº 8.540, de 1992, mas apenas a norma dirigi<strong>da</strong> aoempregador rural pessoa física antes <strong>da</strong> EC nº 20, de 1998, sem afetara norma dirigi<strong>da</strong> ao segurado especial, ou seja, houve somente declaraçãode inconstitucionali<strong>da</strong>de parcial <strong>da</strong> Lei nº 8.540, de 1992, maisexatamente de parte do caput do art. 25 <strong>da</strong> LCPS, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei440R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


nº 8.540, de 1992, de sorte que os referidos incisos não foram retiradosdo ordenamento jurídico; e(b) tratou-se de declaração no âmbito do controle difuso <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de,que não tem eficácia geral senão mediante resolução suspensiva<strong>da</strong> execução <strong>da</strong> lei pelo Senado <strong>Federal</strong> (Const. <strong>Federal</strong>, art. 52, X).A entender-se que o STF, no julgamento do RE nº 363.856-MG, declaroua inconstitucionali<strong>da</strong>de do próprio texto dos incisos I e II do art.25 <strong>da</strong> LCPS, com eficácia erga omnes, ter-se-ia a consequência ilógica deficar desobrigado de contribuição à Seguri<strong>da</strong>de Social o próprio seguradoespecial, o que nem sequer constituiu objeto do julgamento, limitado quefoi à obrigação do empregador rural pessoa física.Parece-me que o eminente relator deste incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>de(vejam-se as fls. 13 e 14 do seu voto), para entender diferentementedo que vem de ser exposto, foi induzido em equívoco pela menção indevi<strong>da</strong>do texto do art. 25 <strong>da</strong> LCPS, alterado pela Lei nº 10.256, de 2001,no debate travado entre o relator do RE nº 363.856-MG, Min. MarcoAurélio, e o Min. Sepúlve<strong>da</strong> Pertence (fl. 750 do RE nº 363.852-1-MG).Não há dúvi<strong>da</strong> de que foi equivoca<strong>da</strong> essa menção, porque, na fl. 6 do seuvoto (fl. 708 do RE nº 363.852-1-MG), o Min. Marco Aurélio transcrevefielmente a norma impugna<strong>da</strong>, ou seja, o art. 25 <strong>da</strong> LCPS, alterado pelaLei nº 8.540, de 1992.Em síntese, o que fez a Lei nº 10.256, de 2001, foi instituir contribuiçãosocial devi<strong>da</strong> pelo empregador rural pessoa física idêntica à contribuiçãodevi<strong>da</strong> pelo segurado especial, tal como se tivesse simplesmente dito: “Apartir de agora, o contribuinte empregador rural pessoa física é sujeitopassivo de contribuição social idêntica à atualmente devi<strong>da</strong> pelo seguradoespecial, conforme o art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212, de 1991”. Não o fez dessejeito, evidentemente, porque diferente é a técnica de re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s leis.É certo que o novo contribuinte (empregador rural pessoa física),desonerado embora <strong>da</strong> antiga contribuição sobre a folha de salários,tampouco quer pagar a nova contribuição, sobre a comercialização de suaprodução, e para tanto investe contra a Lei nº 10.256, de 2001, alegandoque é “trunca<strong>da</strong>”, “capenga”, “natimorta”, “cabeça-sem-corpo”, enfim,que não é lei clara quanto aos elementos <strong>da</strong> nova obrigação contributiva.Mas, como bem observou o jusfilósofo Luís Alberto Warat, “La clari<strong>da</strong>dlinguística es la consecuencia de la coincidencia valorativa”, o queR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 441


significa dizer que um texto de lei dificilmente parecerá claro aos olhosdo intérprete cuja opinião ele contraria.Ante o exposto, voto por rejeitar a arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de.VOTO-VISTAO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:Sr. Presidente:In casu, afiguram-se-me irrefutáveis as considerações desenvolvi<strong>da</strong>spelo eminente Des. <strong>Federal</strong> Rômulo Pizzolatti, às fls. 495-497, verbis:“Em sua re<strong>da</strong>ção original, o texto do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212, de 1991 (LCPS), estabeleciaapenas a contribuição social devi<strong>da</strong> à Seguri<strong>da</strong>de Social pelo segurado especial, naalíquota de 3% sobre a comercialização <strong>da</strong> sua produção, tudo com fun<strong>da</strong>mento no § 8ºdo art. 195 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>:‘O produtor, o parceiro, o meeiro e o arren<strong>da</strong>tários rurais (...), que exerçam suas ativi<strong>da</strong>desem regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para aseguri<strong>da</strong>de social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado <strong>da</strong> comercialização<strong>da</strong> produção e farão jus aos benefícios nos termos <strong>da</strong> lei.’A Lei nº 8.540, de 1992, por seu artigo 1º, alterou a re<strong>da</strong>ção do art. 25 <strong>da</strong> LCPS paraincluir instituir novo sujeito passivo dessa contribuição, ao lado do segurado especial, ouseja, o empregador rural pessoa física, tal como definido pela mesma lei, que modificoutambém o art. 12 <strong>da</strong> LCPS, passando esses dispositivos a ter a seguinte re<strong>da</strong>ção:‘Art. 12 (...)V – (...)a) a pessoa física, proprietária ou não, que explora ativi<strong>da</strong>de agropecuária ou pesqueira,em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos e comauxílio de empregados, utilizados a qualquer título, ain<strong>da</strong> que de forma não contínua.’‘Art. 25. A contribuição <strong>da</strong> pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente,na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta lei, destina<strong>da</strong> à Seguri<strong>da</strong>deSocial, é de:I – dois por cento <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produção;II – um décimo por cento <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produçãopara financiamento de complementação <strong>da</strong>s prestações por acidente de trabalho.’No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 363.852-MG, interposto por FrigoríficoMataboi S/A contra a União, o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (STF), em controle difusode constitucionali<strong>da</strong>de, reconheceu a inconstitucionali<strong>da</strong>de do ‘art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92,que deu nova re<strong>da</strong>ção aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, <strong>da</strong>Lei nº 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção atualiza<strong>da</strong> até a Lei nº 9.528/97’, para efeito de ‘desobrigaro recorrente <strong>da</strong> retenção e do recolhimento <strong>da</strong> contribuição social ou do recolhimento porsub-rogação sobre a ‘receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural’ deempregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate’ (julgamento iniciado442R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


em 17.11.2005, retomado em 30.11.2006 e concluído em 03.02.2010).O fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> obrigação instituí<strong>da</strong> pela Leinº 8.540, de 1992, para o empregador rural pessoa física foi que mera lei ordinária, sob avigência do texto constitucional anterior à Emen<strong>da</strong> Constitucional (EC) nº 20, de 1998, nãoo sujeitava a uma contribuição social à Seguri<strong>da</strong>de Social incidente sobre a receita, baseimponível que só veio a ser prevista no texto <strong>da</strong> Constituição com a EC nº 20, de 1998 (art.195, I, b), deman<strong>da</strong>ndo-se, antes disso, lei complementar. Por essa razão, do acórdão constouque ficava a parte recorrente desobriga<strong>da</strong> <strong>da</strong> contribuição social a que submeti<strong>da</strong> pelo art.1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540, de 1992, com a atualização <strong>da</strong> Lei nº 9.528, de 1997, ‘até que legislaçãonova, arrima<strong>da</strong> na Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição’.Ocorre que, depois de ajuiza<strong>da</strong> a deman<strong>da</strong> na qual interposto o RE nº 363.852-MG,veio a União, por meio <strong>da</strong> Lei nº 10.256, de 2001, já sob a vigência <strong>da</strong> EC nº 20, de 1998,a alterar novamente o art. 25 <strong>da</strong> LCPS, que passou a ter a seguinte re<strong>da</strong>ção:‘Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuiçãode que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos,respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destina<strong>da</strong> àSeguri<strong>da</strong>de Social, é de:(...)’Como visto, a Lei nº 10.256, de 2001, não tocou no texto dos incisos I e II do artigo 25<strong>da</strong> LCPS, na re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei 8.540, de 1992, atualiza<strong>da</strong> pela Lei nº 9.528, de 1997, razãopela qual ficou manti<strong>da</strong> a base de cálculo e a alíquota <strong>da</strong> contribuição.Desse modo, tem-se que, a partir <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> Lei nº 10.256, de 2001, o empregadorrural pessoa física passou, por força do caput do art. 25 <strong>da</strong> mesma lei, e com base noart. 195, I, b, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> [‘Art. 195. A seguri<strong>da</strong>de social será financia<strong>da</strong> (...),e <strong>da</strong>s seguintes contribuições sociais: I – do empregador, <strong>da</strong> empresa e <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de a elaequipara<strong>da</strong> na forma <strong>da</strong> lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentosdo trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço,mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita e o faturamento; c) o lucro (...)’], a contribuirpara a Seguri<strong>da</strong>de Social pela receita bruta <strong>da</strong> comercialização de sua produção, tal comoo segurado especial, satisfeita, pois, a condição indica<strong>da</strong> no acórdão do RE nº 363.852-MGpara sua exigência.Com a nova lei, o empregador rural pessoa física praticamente foi equiparado ao contribuinterural posicionado em nível inferior na pirâmide econômica, isto é, o produtorrural que trabalha individualmente ou com o auxílio <strong>da</strong> família, sem empregados (seguradoespecial). Ambos contribuem com a mesma alíquota sobre a comercialização <strong>da</strong> produçãorural, com a diferença de que o primeiro deve ain<strong>da</strong> contribuir, obrigatoriamente, na quali<strong>da</strong>dede ‘contribuinte individual’, no montante de 20% sobre o salário de contribuiçãodeclarado, enquanto o segundo está dispensado de tal recolhimento, mas, em compensação,não receberá benefício previdenciário superior a um salário mínimo, a não ser que contribuafacultativamente, como contribuinte individual.Como se vê, a Lei nº 10.256, de 2001, antes favoreceu do que prejudicou o empregadorrural pessoa física, visto que foi desobrigado <strong>da</strong> contribuição sobre a folha de salários eR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 443


passou a contribuir, como o segurado especial, sobre a comercialização <strong>da</strong> produção rural.Não procede, a meu ver, a objeção à constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> contribuição do empregadorrural pessoa física, instituí<strong>da</strong> pela Lei nº 10.256, de 2001, a pretexto de que o STF declaroua inconstitucionali<strong>da</strong>de dos incisos I e II do art. 25 <strong>da</strong> Lei LCPS, na re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei nº8.540, de 1992, atualiza<strong>da</strong> pela Lei nº 9.528, de 1997, de modo que faltaria base de cálculoe alíquota à nova contribuição, por não constarem <strong>da</strong> nova re<strong>da</strong>ção do caput do art. 25 <strong>da</strong>LCPS, <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 10.256, de 2001.É que a declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de no julgamento do RE 363.852-MG:(a) não atingiu o texto mesmo dos incisos I e II do art. 25 <strong>da</strong> LCPS, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Leinº 8.540, de 1992, mas apenas a norma dirigi<strong>da</strong> ao empregador rural pessoa física antes <strong>da</strong>EC nº 20, de 1998, sem afetar a norma dirigi<strong>da</strong> ao segurado especial, ou seja, houve somentedeclaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de parcial <strong>da</strong> Lei nº 8.540, de 1992, mais exatamente departe do caput do art. 25 <strong>da</strong> LCPS, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei nº 8.540, de 1992, de sorte queos referidos incisos não foram retirados do ordenamento jurídico; e(b) tratou-se de declaração no âmbito do controle difuso <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de, quenão tem eficácia geral senão mediante resolução suspensiva <strong>da</strong> execução <strong>da</strong> lei pelo Senado<strong>Federal</strong> (Const. <strong>Federal</strong>, art. 52, X).A entender-se que o STF, no julgamento do RE nº 363.856-MG, declarou a inconstitucionali<strong>da</strong>dedo próprio texto dos incisos I e II do art. 25 <strong>da</strong> LCPS, com eficácia erga omnes,ter-se-ia a consequência ilógica de ficar desobrigado de contribuição à Seguri<strong>da</strong>de Socialo próprio segurado especial, o que nem sequer constituiu objeto do julgamento, limitadoque foi à obrigação do empregador rural pessoa física.Parece-me que o eminente relator deste incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>de (vejam-seas fls. 13 e 14 do seu voto), para entender diferentemente do que vem de ser exposto, foiinduzido em equívoco pela menção indevi<strong>da</strong> do texto do art. 25 <strong>da</strong> LCPS, alterado pela Leinº 10.256, de 2001, no debate travado entre o relator do RE nº 363.856-MG, Min. MarcoAurélio, e o Min. Sepúlve<strong>da</strong> Pertence (fl. 750 do RE nº 363.852-1-MG). Não há dúvi<strong>da</strong> deque foi equivoca<strong>da</strong> essa menção, porque, na fl. 6 do seu voto (fl. 708 do RE nº 363.852-1-MG), o Min. Marco Aurélio transcreve fielmente a norma impugna<strong>da</strong>, ou seja, o art. 25 <strong>da</strong>LCPS, alterado pela Lei nº 8.540, de 1992.Em síntese, o que fez a Lei nº 10.256, de 2001, foi instituir contribuição social devi<strong>da</strong>pelo empregador rural pessoa física idêntica à contribuição devi<strong>da</strong> pelo segurado especial,tal como se tivesse simplesmente dito: ‘A partir de agora, o contribuinte empregador ruralpessoa física é sujeito passivo de contribuição social idêntica à atualmente devi<strong>da</strong> pelosegurado especial, conforme o art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212, de 1991’. Não o fez desse jeito,evidentemente, porque diferente é a técnica de re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s leis.É certo que o novo contribuinte (empregador rural pessoa física), desonerado embora<strong>da</strong> antiga contribuição sobre a folha de salários, tampouco quer pagar a nova contribuição,sobre a comercialização de sua produção, e para tanto investe contra a Lei nº 10.256, de2001, alegando que é ‘trunca<strong>da</strong>’, ‘capenga’, ‘natimorta’, ‘cabeça-sem-corpo’, enfim, quenão é lei clara quanto aos elementos <strong>da</strong> nova obrigação contributiva. Mas, como bem observouo jusfilósofo Luís Alberto Warat, ‘La clari<strong>da</strong>d linguística es la consecuencia de la444R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


coincidencia valorativa’, o que significa dizer que um texto de lei dificilmente pareceráclaro aos olhos do intérprete cuja opinião ele contraria.Ante o exposto, voto por rejeitar a arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de.”Com efeito, o <strong>Tribunal</strong> Pleno do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> reconheceua inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> contribuição previdenciária prevista no art.1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92, que deu nova re<strong>da</strong>ção aos arts. 12, V e VII, 25, Ie II, e 30, IV, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção atualiza<strong>da</strong> até a Lei nº9.528/97, pois constituiu nova fonte de custeio <strong>da</strong> Previdência Social,sem a observância <strong>da</strong> obrigatorie<strong>da</strong>de de lei complementar para tanto,até que nova legislação venha a instituir a contribuição. Assim, o julgadodo STF ressalvou expressamente a legislação posterior.A Emen<strong>da</strong> Constitucional n° 20/1998 veio a satisfazer a exigência, aoinserir no artigo 195, I, b, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> a expressão “receita”em conjunto com o faturamento.Após a edição <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98, sobreveio a Lein° 10.256/2001, que deu nova re<strong>da</strong>ção ao artigo 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91e alcançou vali<strong>da</strong>mente as diversas receitas <strong>da</strong> pessoa física, ao contrário<strong>da</strong>s antecessoras, Leis n os 8.540/92 e 9.528/97, surgi<strong>da</strong>s na re<strong>da</strong>çãooriginal do art. 195, I, <strong>da</strong> CF/88 e inconstitucionais por extrapolarem abase econômica vigente.Não cabe o argumento de que os incisos I e II foram declarados inconstitucionaise, portanto, inexiste a fixação de alíquota, o que tornariaa previsão do caput “letra morta”. Na hipótese, não houve declaração deinconstitucionali<strong>da</strong>de integral <strong>da</strong> norma, mas apenas em relação ao fatogerador específico e à ampliação do rol de sujeitos passivos (contribuiçãosobre a receita bruta <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural do empregadorrural pessoa física), permanecendo válidos e constitucionais os incisos Ie II do artigo 25 <strong>da</strong> norma legal ventila<strong>da</strong> quanto ao segurado especial.Assim, com a modificação do caput pela Lei n° 10.256/2001, aplicam-seos incisos I e II também ao empregador rural pessoa física.Nesse sentido, informa a jurisprudência do TRF3, verbis:“PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. PRODUTOR RURALPESSOA FÍSICA COM EMPREGADOS. INSCRIÇÃO NO CNPJ. OBRIGATORIEDA-DE, NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DA SUA CONDIÇÃO. CONTRIBUIÇÃO. ARTS.12, V e VII, 25, I e II, e 30, IV, <strong>da</strong> LEI 8.212/91. LEI N° 10.256/2001. EXIGIBILIDADE.CONSTITUCIONALIDADE. 1. A inscrição do produtor rural pessoa física no CNPJ é umaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 445


obrigação imposta pela Receita <strong>Federal</strong>. 2. A Secretaria <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> do Estado de São Paulobaixou Portaria para que não pairem dúvi<strong>da</strong>s para os seus servidores, explicitando categoricamenteque a inscrição de produtor rural e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em comum de produtor ruralno CNPJ não descaracteriza a sua condição de pessoa física. Supera<strong>da</strong> tal questão, passo aanalisar o pedido de suspensão <strong>da</strong> exigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> contribuição sobre a produção rural depessoa física, prevista nos artigos 25, I e II, <strong>da</strong> Lei n° 8.212/91, com a alteração legislativapela Lei n° 8.540/92, bem assim evitar a retenção imposta pelo art. 30 <strong>da</strong> Lei n° 8.212/91.3. Com a edição <strong>da</strong>s Leis n os 8.212/91 – PCPS – Plano de Custeio <strong>da</strong> Previdência Social e8.213/91 – PBPS – Plano de Benefícios <strong>da</strong> Previdência Social, a contribuição sobre a comercializaçãode produtos rurais teve incidência prevista apenas para os segurados especiais(produtor rural individual, sem empregados, ou que exerce a ativi<strong>da</strong>de rural em regime deeconomia familiar (Lei nº 8.212/91, art. 12, VII e CF/88, Art. 195, § 8º), à alíquota de 3%.O empregador rural pessoa física contribuía sobre a folha de salários, consoante a previsãodo art. 22. 4. O art. 1º <strong>da</strong> Lei 8.540/92 deu nova re<strong>da</strong>ção aos arts. 12, V e VII, 25, I e II,e 30, IV, <strong>da</strong> Lei 8.212/91, cui<strong>da</strong>ndo <strong>da</strong> tributação <strong>da</strong> pessoa física e do segurado especial.A contribuição do empregador rural, antes sobre a folha de salários, foi substituí<strong>da</strong> pelopercentual de 2% incidente sobre a receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> suaprodução rural para o pagamento dos benefícios gerais <strong>da</strong> Previdência Social, acrescido de0,1% para financiamento dos benefícios decorrentes de acidentes de trabalho. 5. Quanto aossegurados especiais, a Lei nº 8.540/92 reduziu a sua contribuição de 3% para 2% incidentesobre a receita bruta <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural e instituiu a contribuição de 0,1%para financiamento <strong>da</strong> complementação dos benefícios decorrentes de acidentes do trabalho,além de possibilitar a sua contribuição facultativa na forma dos segurados autônomos eequiparados de então. 6. O art. 30 impôs ao adquirente/consignatário/cooperativas o deverde proceder à retenção do tributo. 7. Os ministros do Pleno do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,ao apreciarem o RE 363.852, em 03.02.2010, decidiram que a alteração introduzi<strong>da</strong> peloart. 1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92 infringiu o § 4º do art. 195 <strong>da</strong> Constituição na re<strong>da</strong>ção anteriorà Emen<strong>da</strong> 20/98, pois constituiu nova fonte de custeio <strong>da</strong> Previdência Social, sem aobservância <strong>da</strong> obrigatorie<strong>da</strong>de de lei complementar para tanto. 8. A decisão do STF dizrespeito apenas às previsões legais conti<strong>da</strong>s nas Leis 8.540/92 e 9.528/97 e abor<strong>da</strong> somenteas obrigações sub-roga<strong>da</strong>s <strong>da</strong> empresa adquirinte, consignatária ou consumidora e <strong>da</strong>cooperativa adquirente <strong>da</strong> produção do empregador rural pessoa física (no caso específicoo ‘Frigorífico Mataboi S/A’). 9. O STF não tratou <strong>da</strong>s legislações posteriores relativas àmatéria, até porque o referido Recurso Extraordinário foi interposto na Ação Ordinárian° 1999.01.00.111.378-2, o que delimitou a análise <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> norma nocontrole difuso ali exarado. 10. O RE 363.852 não afetou a contribuição devi<strong>da</strong> pelo seguradoespecial quanto à redução de contribuição prevista pelos mesmos incisos I e II doartigo 25 <strong>da</strong> Lei n° 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei n° 8.540/92, como retro mencionado.Portanto, não houve declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de integral <strong>da</strong> norma, mas apenas emrelação ao fato gerador específico e à ampliação do rol de sujeitos passivos (contribuiçãosobre a receita bruta <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural do empregador rural pessoafísica), permanecendo válidos e constitucionais os incisos I e II do artigo 25 <strong>da</strong> norma446R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


legal ventila<strong>da</strong>. 11. A Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98 deu nova re<strong>da</strong>ção ao artigo 195<strong>da</strong> CF/88 e permitiu a cobrança também sobre a receita de contribuição do empregador,empresa ou enti<strong>da</strong>de a ela equipara<strong>da</strong>. 12. Em face do permissivo constitucional (EC nº20/98), a ‘receita’ passou a fazer parte do rol de fontes de custeio <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social. Aconsequência direta dessa alteração é que, a partir de então, foi admiti<strong>da</strong> a edição de leiordinária para dispor acerca <strong>da</strong> exação em debate nesta lide, afastando definitivamentea exigência de lei complementar como previsto no disposto do artigo 195, § 4º, com a observância<strong>da</strong> técnica <strong>da</strong> competência legislativa residual (art. 154, I). 13. Edita<strong>da</strong> após aEmen<strong>da</strong> Constitucional n° 20/98, a Lei nº 10.256/2001 deu nova re<strong>da</strong>ção ao artigo 25 <strong>da</strong>Lei nº 8.212/91 e alcançou vali<strong>da</strong>mente as diversas receitas <strong>da</strong> pessoa física, ao contrário<strong>da</strong>s antecessoras, Leis 8.540/92 e 9.528/97, surgi<strong>da</strong>s na re<strong>da</strong>ção original do art. 195, I,<strong>da</strong> CF/88 e inconstitucionais por extrapolarem a base econômica vigente. 14. Não cabe oargumento de que os incisos I e II foram declarados inconstitucionais e, portanto, inexistea fixação de alíquota, o que tornaria a previsão do caput ‘letra morta’. Na hipótese, nãohouve declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de integral <strong>da</strong> norma, mas apenas em relação aofato gerador específico e à ampliação do rol de sujeitos passivos (contribuição sobre areceita bruta <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural do empregador rural pessoa física),permanecendo válidos e constitucionais os incisos I e II do artigo 25 <strong>da</strong> norma legal ventila<strong>da</strong>quanto ao segurado especial. 15. Com a modificação do caput pela Lei n° 10.256/2001,aplicam-se os incisos I e II também ao empregador rural pessoa física. 16. O empregadorrural pessoa física não se enquadra como sujeito passivo <strong>da</strong> COFINS, por não ser equiparadoà pessoa jurídica pela legislação do imposto de ren<strong>da</strong> (Nota Cosit n° 243, de 04.10.2010),não se podendo falar, assim, em bis in idem, mas apenas a tributação de uma <strong>da</strong>s baseseconômicas previstas no art. 195, I, <strong>da</strong> CF, sem qualquer sobreposição. 17. A contribuiçãoprevidenciária do produtor rural pessoa física, nos moldes do artigo 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91,vem em substituição à contribuição incidente sobre a folha de salários, a cujo pagamentoestaria obrigado na condição de empregador, mas foi dispensado pela Lei n° 10.256/2001. 18.Nos termos do artigo 30, III, <strong>da</strong> Lei n° 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei n° 11.933/2009, cabeà empresa adquirinte, consumidora ou consignatária e à cooperativa a obrigação de recolhera contribuição de que trata o artigo 25 <strong>da</strong> Lei n° 8.212/91 até o dia 20 do mês subsequenteao <strong>da</strong> operação de ven<strong>da</strong> ou consignação <strong>da</strong> produção. 19. São devi<strong>da</strong>s as contribuiçõessociais incidentes sobre a receita bruta <strong>da</strong> comercialização de produtos pelo empregadorrural pessoa física, a partir <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> Lei nº 10.256/01. 20. Apelação a quese nega provimento.” (TRF3; AC 201060000056319 – AC – Apelação Cível – 1584084;Primeira Turma; Relator Juiz José Lunardelli; DJF3 CJ1 DATA:13.05.2011, Página: 119)“PROCESSUAL CIVIL, PREVIDENCIÁRIO E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INS-TRUMENTO. LEI N° 8.540/1992. PESSOA FÍSICA QUALIFICADA COMO EMPREGA-DORA RURAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE SOBRE A RECEITABRUTA ORIUNDA DA COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. INCONSTITU-CIONALIDADE DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RECURSOEXTRAORDINÁRIO N° 363852. EMENDA CONSTITUCIONAL N° 20/1998. AMPLIAÇÃODA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA. LEI N° 10.256/2001. INSTITUIÇÃO DE CONTRIBUI-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 447


ÇÃO IDÊNTICA. SUPERAÇÃO DOS VÍCIOS APONTADOS NA LEI N° 8.540/1992. I. Aspessoas físicas que se qualifiquem como empregadoras rurais estão sujeitas às contribuiçõessobre a folha de rendimentos do trabalho, a receita ou o faturamento e o lucro. A estruturade exploração do negócio – contratação de mão de obra alheia e obtenção de receitas, commetas de resultados positivos – justifica o enquadramento jurídico de empresa (artigo 195,I, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988). II. Os produtores rurais que exercem as ativi<strong>da</strong>desem regime de economia familiar – segurado especial – receberam tratamento distinto nocusteio <strong>da</strong> Previdência Social. A Constituição <strong>Federal</strong>, no artigo 195, § 8°, lhes atribuiu aobrigação de recolher contribuição previdenciária sobre os resultados <strong>da</strong> comercializaçãorural. III. A Lei n° 8.540/1992 deu o mesmo tratamento às pessoas físicas que se enquadrassemcomo empregadoras rurais. O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, no Recurso Extraordinárion° 363852, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, declarou a inconstitucionali<strong>da</strong>de doartigo 1° <strong>da</strong> Lei n° 8.450/1992, sob o fun<strong>da</strong>mento de que a incidência de contribuiçãosobre a comercialização agrícola não é compatível com a estrutura do negócio exploradopela pessoa física considera<strong>da</strong> empregadora rural e com o regime de custeio que lhe foiatribuído pela Constituição <strong>Federal</strong>. IV. Para que os empregadores rurais em geral passassema arreca<strong>da</strong>r contribuição sobre os resultados <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> de produtos agropecuários,era fun<strong>da</strong>mental que se ampliasse o rol de fatos geradores e de bases de cálculo previstospara o exercício <strong>da</strong> competência tributária. A Emen<strong>da</strong> Constitucional n° 20/1998 veio asatisfazer a exigência, ao inserir no artigo 195, I, b, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> a expressão‘receita’ em conjunto com o faturamento. V. Sobreveio a Lei n° 10.256/2001, que atribuiuà pessoa física qualifica<strong>da</strong> como empregadora rural a obrigação de recolher contribuiçãosobre a receita proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural. Assim, desde a <strong>da</strong>tade vigência do novo texto normativo, o Agravado está sujeito ao recolhimento de contribuiçãoincidente sobre os resultados <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> de produtos rurais. VI. Com a instituição<strong>da</strong> Súmula Vinculante (Lei n° 11.417/2006) e com as reformas do Código de ProcessoCivil – possibili<strong>da</strong>de de julgamento de recursos por decisão monocrática e de declaraçãode inexigibili<strong>da</strong>de de títulos executivos judiciais com base em jurisprudência do Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> –, o pronunciamento adotado no controle difuso de constitucionali<strong>da</strong>deacaba por ter abrangência semelhante à do concentrado. VII. Reforma<strong>da</strong> parcialmente adecisão recorri<strong>da</strong>. Manti<strong>da</strong> a exigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> contribuição incidente sobre a receita brutaoriun<strong>da</strong> <strong>da</strong> comercialização de produtos rurais desde a vigência <strong>da</strong> Lei n° 10.256/2001. VIII.Agravo de instrumento a que se dá parcial provimento.” (TRF3; AI 201003000217090 - AI– Agravo de Instrumento – 412682; Quinta Turma; Relator Juiz Antonio Cedenho; DJF3CJ1, Data: 06.05.2011, Página: 1115)“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO LEGAL. ARTI-GO 557, CAPUT E PARÁGRAFOS, DO CPC. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIAINCIDENTE SOBRE A RECEITA BRUTA PROVENIENTE DE COMERCIALIZAÇÃORURAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI Nº 8.540/92, QUE DEUNOVA REDAÇÃO AOS ARTS. 12, V E VII, 25, I E II, E 30, IV, DA LEI Nº 8.212/91.PRODUTOR RURAL EMPREGADOR. INEXIGIBILIDADE ATÉ O ADVENTO DA LEINº 10.256/2001. 1. No dia 03 de fevereiro de 2010, o <strong>Tribunal</strong> Pleno do Supremo <strong>Tribunal</strong>448R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


<strong>Federal</strong> reconheceu a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> contribuição previdenciária prevista no art.1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92, que deu nova re<strong>da</strong>ção aos arts. 12, V e VII, 25, I e II, e 30, IV, <strong>da</strong> Leinº 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção atualiza<strong>da</strong> até a Lei nº 9.528/97, até que nova legislação venhaa instituir a contribuição (STF, Pleno, RE-363852, Informativo STF nº 573). 2. Somenteo produtor rural que exerce ativi<strong>da</strong>de em regime de economia familiar deve estar sujeito àcontribuição prevista no art. 25 <strong>da</strong> Lei 8.212/91. Isto, to<strong>da</strong>via, apenas até a égide <strong>da</strong> Lei nº10.256, de 2001, que novamente modificou a re<strong>da</strong>ção do artigo 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/1991.3. A nova re<strong>da</strong>ção impõe contribuição semelhante àquela trata<strong>da</strong> no julgamento do STFacima transcrito, to<strong>da</strong>via em substituição <strong>da</strong>quela que normalmente incidiria sobre a suafolha de pagamento, superando o fun<strong>da</strong>mento pelo qual se controvertia acerca <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de.Aliás, o julgado <strong>da</strong>quela colen<strong>da</strong> Corte máxima ressalvou expressamentea legislação posterior. 4. Ao que tudo indica, o agravado explora a ativi<strong>da</strong>de agropecuáriaem geral e possui empregados. 5. Agravo a que se dá parcial provimento para restabelecera exigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> contribuição fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no artigo 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/1991 com a re<strong>da</strong>ção<strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 9.258/1997, em relação ao período posterior à vigência <strong>da</strong> Lei nº 10.256,de 2001, ante a ausência de qualquer inconstitucionali<strong>da</strong>de nesta exigência.” (TRF3; AI201003000233071 – AI – Agravo de Instrumento – 414118; Segun<strong>da</strong> Turma; Relator JuizAlessandro Diaferia; DJF3 CJ1, Data: 14.12.2010, Página: 65)Nesse sentido, ain<strong>da</strong>, exaustivo estudo doutrinário do Procurador <strong>da</strong>Fazen<strong>da</strong> Nacional, Dr. Fabrício Sarmanho de Albuquerque, publicadona Revista <strong>da</strong> Procuradoria-Geral <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Nacional, nº 1, verbis:“I – INTRODUÇÃOA questão aqui abor<strong>da</strong><strong>da</strong> é, sem dúvi<strong>da</strong>, de grande repercussão jurídica e econômicapara o direito brasileiro, em especial por trazer reflexos imediatos no equilíbrio do sistemaprevidenciário.A área rural durante muito tempo deixou de recolher contribuições sociais que eramrecolhi<strong>da</strong>s pelo setor urbano. Isso se deve a diversos motivos: política de incentivo do setor,dificul<strong>da</strong>de de fiscalização, informali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de e falta de consciência acerca <strong>da</strong>soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de do sistema e <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de manutenção do equilíbrio atuarial.Com a edição <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, todos os empregadores e empregados passaram acontribuir para a seguri<strong>da</strong>de social, inclusive aqueles que atuam na área rural.Diversos problemas práticos podem ser indicados em relação à contribuição previdenciáriarural. Primeiramente, a informali<strong>da</strong>de do setor acaba levando à inexistência de folhade salários. Em segundo lugar, as grandes distâncias a serem percorri<strong>da</strong>s para se fiscalizarum pequeno número de empregadores fin<strong>da</strong>m por dificultar a fiscalização tributária. Porfim, a operacionalização <strong>da</strong> cobrança gera uma burocracia difícil de ser domina<strong>da</strong> pelosetor rural, muitas vezes desenvolvi<strong>da</strong> por pessoas sem grande instrução formal ou acessoa serviços de apoio à empresa, como serviços contábeis ou de assessoramento tributário.To<strong>da</strong>s essas dificul<strong>da</strong>des levaram o Congresso Nacional a substituir a contribuição sobrea folha de salários pela contribuição em percentual bem inferior, incidente sobre a receitaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 449


uta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção. Essa contribuição é vulgarmente chama<strong>da</strong>de Funrural, em alusão ao tributo que anteriormente incidia sobre o setor.A Lei nº 8.540/92 trouxe diversos benefícios:i) simplificou a forma de cobrança;ii) viabilizou a fiscalização, pois ela passou a concentrar-se nos pontos de comercialização,como as empresas de beneficiamento;iii) reduziu a carga tributária, substituindo a contribuição de 20% sobre a folha de saláriospela contribuição de 2% sobre a receita bruta.Com a inovação <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92 e <strong>da</strong>s supervenientes Leis 9.528/97 e 10.256/2001,o art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, que cui<strong>da</strong> do custeio <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, passou a ter aseguinte re<strong>da</strong>ção:‘Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuiçãode que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos,respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destina<strong>da</strong> àSeguri<strong>da</strong>de Social, é de:I – 2% <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produção;II – 0,1% <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produção para financiamento<strong>da</strong>s prestações por acidente do trabalho.’No julgamento do Recurso Extraordinário nº 363.852/MG, mais conhecido como ‘CasoMataboi S/A’, foi discuti<strong>da</strong> a constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> nova sistemática de tributação dosempregadores rurais pessoas físicas. O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> entendeu por declarar ainconstitucionali<strong>da</strong>de dos dispositivos <strong>da</strong> Lei 8.540/92, nos seguintes termos.‘Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de e nos termos do voto do Relator, conheceue deu provimento ao recurso extraordinário para desobrigar os recorrentes <strong>da</strong> retenção edo recolhimento <strong>da</strong> contribuição social ou do seu recolhimento por sub-rogação sobre a‘receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural’ de empregadores, pessoasnaturais, fornecedores de bovinos para abate, declarando a inconstitucionali<strong>da</strong>de do artigo1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92, que deu nova re<strong>da</strong>ção aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos Ie II, e 30, inciso IV, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção atualiza<strong>da</strong> até a Lei nº 9.528/97,até que legislação nova, arrima<strong>da</strong> na Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98, venha a instituir acontribuição, tudo na forma do pedido inicial, invertidos os ônus <strong>da</strong> sucumbência. Em segui<strong>da</strong>,o Relator apresentou petição <strong>da</strong> União no sentido de modular os efeitos <strong>da</strong> decisão,que foi rejeita<strong>da</strong> por maioria, venci<strong>da</strong> a Senhora Ministra Ellen Gracie. Votou o Presidente,Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, licenciado, o Senhor Ministro Celso de Mello e, nestejulgamento, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa, com voto proferido na assenta<strong>da</strong> anterior.Plenário, 03.02.2010.’O acórdão recebeu a seguinte ementa:‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRESSUPOSTO ESPECÍFICO. VIOLÊNCIA ÀCONSTITUIÇÃO. ANÁLISE. CONCLUSÃO. Porque o Supremo, na análise <strong>da</strong> violência àConstituição, adota entendimento quanto à matéria de fundo do extraordinário, a conclusãoa que chega deságua, conforme sempre sustentou a melhor doutrina – José Carlos BarbosaMoreira –, em provimento ou desprovimento do recurso, sendo impróprias as nomenclaturas450R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


conhecimento e não conhecimento.CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. COMERCIALIZAÇÃO DE BOVINOS. PRODUTORESRURAIS PESSOAS NATURAIS. SUB-ROGAÇÃO. LEI Nº 8.212/91. ARTIGO 195, INCI-SO I, DA CARTA FEDERAL. PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONALNº 20/98. UNICIDADE DE INCIDÊNCIA. EXCEÇÕES. COFINS E CONTRIBUIÇÃOSOCIAL. PRECEDENTE. INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Ante o textoconstitucional, não subsiste a obrigação tributária sub-roga<strong>da</strong> do adquirente, presente aven<strong>da</strong> de bovinos por produtores rurais, pessoas naturais, prevista nos artigos 12, incisosV e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, com as re<strong>da</strong>ções decorrentes<strong>da</strong>s Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação de leis no tempo – considerações.’O acórdão supra não transitou em julgado, tendo em vista que foram opostos embargosde declaração pela União ain<strong>da</strong> não julgados até a <strong>da</strong>ta de elaboração deste estudo. Dequalquer forma, diversas inconsistências podem ser facilmente aponta<strong>da</strong>s no julgamento,talvez um dos mais recheados de inconsistências na história <strong>da</strong> Corte.Cui<strong>da</strong>remos neste estudo de apontar quais foram as falhas técnicas cometi<strong>da</strong>s pelaSuprema Corte ao julgar o caso em tela.II – PRIMEIRA CRÍTICA: FALSA PREMISSA DE DUPLA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIAO primeiro passo para se entender a tributação em estudo é saber diferenciar a contribuiçãoque se paga como segurado <strong>da</strong>quela que se paga como empregador. Também éimportante lembrar que pessoas físicas não são tributa<strong>da</strong>s pela Cofins.Uma <strong>da</strong>s premissas adota<strong>da</strong>s no acórdão recorrido diz respeito à suposta dupla incidênciatributária sobre o contribuinte empregador rural pessoa física. Alega-se que não seriapossível fazer incidir mais de um tributo sobre a mesma hipótese de incidência constanteno art. 195 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>. Verbis:‘Então, o produtor rural, pessoa natural, fica compelido a satisfazer, de um lado, acontribuição sobre a folha de salários e, de outro, a Cofins, não havendo lugar para ter-senovo ônus, relativamente ao financiamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social.’ (fl. 1889 do acórdão)O Sr. Ministro Cezar Peluso incorre no mesmo equívoco, pois entende que o produtorrural seria punido quando, aumentando a produção, passa a ter empregados, pois começa acontribuir, além <strong>da</strong> folha de salários, sobre a comercialização <strong>da</strong> produção.Não existe essa dupla incidência de contribuições sobre o art. 195, I, b, <strong>da</strong> Constituição<strong>Federal</strong> nem mesmo uma dupla cobrança de contribuições sobre o empregador rural. A uma,porque a contribuição sobre folha de salários dele não é recolhi<strong>da</strong>, já que foi substituí<strong>da</strong>pela contribuição sobre o resultado <strong>da</strong> comercialização (texto expresso do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº8.212/91). A duas, porque não incide Cofins sobre pessoas físicas, que não possuem receitanem faturamento.Se é certo que os empregadores rurais pagam duas contribuições, mais certo ain<strong>da</strong> é queessas contribuições possuem fun<strong>da</strong>mentos diversos. Uma é paga na condição de segurado(art. 12, V, a, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91) e outra é recolhi<strong>da</strong> na condição de empregador (art. 25<strong>da</strong> Lei nº 8.212/91).‘Art. 12. São segurados obrigatórios <strong>da</strong> Previdência Social as seguintes pessoas físicas:[...] V – como contribuinte individual: a) a pessoa física, proprietária ou não, que exploraR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 451


ativi<strong>da</strong>de agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em áreasuperior a 4 (quatro) módulos fiscais; ou, quando em área igual ou inferior a 4 (quatro)módulos fiscais ou ativi<strong>da</strong>de pesqueira, com auxílio de empregados ou por intermédio deprepostos; ou ain<strong>da</strong> nas hipóteses dos §§ 10 e 11 deste artigo;’A primeira, recolhi<strong>da</strong> na condição de segurado, visa ao custeio de seu benefício pessoalde aposentadoria e a segun<strong>da</strong>, recolhi<strong>da</strong> na condição de empregador, visa a fazer frente aosbenefícios de seus empregados.Outra premissa equivoca<strong>da</strong> lança<strong>da</strong> no acórdão, como dito anteriormente, diz respeito àsuposta incidência de Cofins sobre a mesma hipótese de incidência. Em ver<strong>da</strong>de, não há acobrança dessa contribuição sobre empregador rural, pessoa física. As pessoas naturais nãopossuem tributação sobre a receita bruta nem mesmo faturamento sob o aspecto contábil. Areceita bruta <strong>da</strong> produção rural é equipara<strong>da</strong> à ren<strong>da</strong> e, assim, apenas é contabiliza<strong>da</strong> paraefeito de imposto de ren<strong>da</strong>.As Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97 vieram à lume em medi<strong>da</strong>s de desoneração <strong>da</strong> produçãorural. As leis que foram declara<strong>da</strong>s inconstitucionais por esta Corte em ver<strong>da</strong>de reduziam ovalor efetivamente cobrado dos empregadores rurais pessoas naturais, posto que pelo regimeaté então vigente tais empregadores contribuíam sobre a sua folha de salários.III – SEGUNDA CRÍTICA: INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DAISONOMIAAponta o julgado para a existência de ofensa à isonomia, sob a alegação de que oempregador rural receberia tratamento diferenciado em relação ao empregador urbano.Na ver<strong>da</strong>de, se alguém poderia alegar ofensa à isonomia seria o empregador urbano,que paga um valor bem maior de contribuição. A norma visava trazer um tratamento desigualàqueles que sejam desiguais, tendo em vista as peculiari<strong>da</strong>des de alta informali<strong>da</strong>dedo setor rural.IV – TERCEIRA CRÍTICA: FALTA DE ESCLARECIMENTO DA RAZÃO DE DE-CIDIR DA CORTEO julgamento objeto deste estudo não demonstrou qual <strong>da</strong>s inúmeras teses levanta<strong>da</strong>sem Plenário consistiu na razão de decidir do colegiado. Ademais, a ementa entra em choquecom o extrato de ata.Seria importante que o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> demonstrasse o que foi consideradocausa de decidir e o que seria mero obter dictum, já que há diversos argumentos do Plenoque foram acolhidos por alguns Ministros, outros que simplesmente não foram analisadospelos demais Ministros e outros que foram refutados por determinados ministros, comono caso do Sr. Ministro Eros Grau, que refutou a suposta inconstitucionali<strong>da</strong>de por ofensaà isonomia.O acórdão surge a partir de um consenso do Plenário, o que sempre fez com que essaCorte reconhecesse que fun<strong>da</strong>mentos suscitados isola<strong>da</strong>mente conduzem à existência demero obter dictum, e não a uma causa de decidir. E no presente caso há até mesmo um novoelemento difícil de superar, que consiste no fato de as inconstitucionali<strong>da</strong>des aponta<strong>da</strong>sno pronunciamento do julgamento não coincidirem com a conclusão exara<strong>da</strong> na ementa.Por exemplo, se a causa de decidir foi a ausência <strong>da</strong> EC nº 20/98, que separou em incisos452R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


as hipóteses de incidência constantes do art. 195 e fez inserir a possibili<strong>da</strong>de de cobrançasobre receita bruta, uma lei ordinária posterior, inclusive a Lei nº 10.256/2001, poderiaregularizar a cobrança, como ressalta o voto do Sr. Ministro Relator (‘até que legislaçãonova, arrima<strong>da</strong> na Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição, tudona forma do pedido inicial, invertidos os ônus <strong>da</strong> sucumbência’).Se, porém, se entender que mesmo com a edição <strong>da</strong> EC nº 20/98 a cobrança de contribuiçãosobre a comercialização <strong>da</strong> produção seria feita por meio de técnica residual, somenteuma lei complementar poderia regularizar a cobrança. Essa é a tese do Sr. Ministro CezarPeluso, que entendemos ter restado venci<strong>da</strong>, posto que não acolhi<strong>da</strong> no pronunciamento doRelator nem dos demais ministros que se manifestaram expressamente.Por fim, se inconstitucionali<strong>da</strong>des materiais isola<strong>da</strong>mente suscita<strong>da</strong>s, como a ofensaao princípio <strong>da</strong> isonomia – que se assentaram em premissas falsas que somente não foramesclareci<strong>da</strong>s na tribuna porque não foram discuti<strong>da</strong>s na origem –, também foram determinantespara a decisão do Plenário, nenhuma nova medi<strong>da</strong> legislativa poderia ser adota<strong>da</strong>e se ressuscitaria, com a decisão <strong>da</strong> Suprema Corte, o quadro de sonegação generaliza<strong>da</strong>existente antes <strong>da</strong> substituição <strong>da</strong> folha de salários pelo resultado <strong>da</strong> comercialização.A supressão dessa omissão não apenas orientará os futuros passos do Congresso Nacionalna sua missão legislativa, como orientará as instâncias de origem, que vêm recebendo milharesde feitos nos quais se discute a contribuição em comento. Enfim, servirá de orientaçãopara esta, que certamente é a causa que promete gerar maior repercussão na área tributárianos últimos tempos, evitando a multiplicação de discussões acerca <strong>da</strong> matéria.V – QUARTA CRÍTICA: ACÓRDÃO QUE NÃO EXPLICITA O DIREITO APLICÁ-VEL À ESPÉCIESegundo o Enunciado 456 <strong>da</strong> Súmula do STF, ‘o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, conhecendodo recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie’. Esse entendimentoganha ain<strong>da</strong> mais força com o surgimento do rito <strong>da</strong> repercussão geral, que faz com que osfeitos representativos de uma matéria sirvam de paradigma para todo o Poder Judiciário,algo que se denomina objetivação do controle difuso.No julgamento do RE nº 566.621/RS, por exemplo, no qual se julgava a constitucionali<strong>da</strong>dedos arts. 3º e 4º <strong>da</strong> Lei Complementar nº 118/2005, a Sra. Ministra Relatora,Ellen Gracie, que se pronunciou pela inconstitucionali<strong>da</strong>de do dispositivo, aproveitou paradeterminar, caso fosse vencedora, qual seria a normatização aplicável. Essa é a ver<strong>da</strong>deiratarefa <strong>da</strong> Suprema Corte, a de solucionar as controvérsias constitucionais como um todo.Cabe lembrar o caráter objetivo do controle difuso em feitos representativos de umacontrovérsia jurídica, que vem destacando o papel do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> na realsolução dos litígios, com uma atuação sempre volta<strong>da</strong> a impedir a proliferação de processosrepetitivos nas instâncias de origem.O acórdão em estudo não agiu dessa forma. Não explicitou qual seria a norma aplicável aoempregador rural pessoa física após a declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92.Após o pronunciamento <strong>da</strong> Suprema Corte acerca <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de do ‘artigo1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92, que deu nova re<strong>da</strong>ção aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos Ie II, e 30, inciso IV, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, com a re<strong>da</strong>ção atualiza<strong>da</strong> até a Lei nº 9.528/97’,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 453


milhares de contribuintes ajuizaram as mais diversas ações e, infelizmente, entendimentosequivocados têm levado à proliferação de liminares que extrapolam muito o que fora julgadopelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.Os principais equívocos resultam <strong>da</strong> afirmação de que:1) os empregadores rurais pessoas físicas não têm obrigação de contribuir com aseguri<strong>da</strong>de social, como se possuíssem alguma isenção que os diferenciasse dos demaisempregadores;2) os sub-rogados (empresas que apenas retêm o tributo pago pelo empregador pararepassar ao órgão arreca<strong>da</strong>dor) têm direito de não repassar qualquer contribuição previdenciáriasobre pessoas físicas, e não somente em relação aos empregadores pessoas físicas,mantendo-se a obrigação em relação aos segurados especiais, como seria correto.3) os sub-rogados têm direito à repetição de indébito, sendo que sequer são contribuintesdo tributo.4) os contribuintes têm direito à repetição de indébito, e não a um recálculo segundoa base de cálculo correta após a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92, que é a folha desalários.5) é inconstitucional a contribuição sobre o total <strong>da</strong> produção até os dias atuais, semconsiderar que a inconstitucionali<strong>da</strong>de foi supri<strong>da</strong> pela edição <strong>da</strong> Lei nº 10.256/2001.Quanto ao equívoco nº 1, seria interessante que o <strong>Tribunal</strong> demonstrasse de formaexpressa que o que se declarou foi apenas a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> nova técnica decobrança, que incide sobre o total <strong>da</strong> contribuição. Sendo assim, os empregadores ruraispessoas naturais devem continuar a recolher sobre sua folha de salários. A correção dessaomissão levaria também à correção do equívoco nº 4.Essa discussão chegou a ser levanta<strong>da</strong> pelo Sr. Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence em seupronunciamento, mas não chegou a ser resolvi<strong>da</strong> quando do veredicto. Na discussão a SupremaCorte confundiu empregador pessoa física com segurado especial e com o sub-rogado,sendo que ao final não se explicitou que, afasta<strong>da</strong> a contribuição sobre a comercialização,voltaria a incidir o tributo sobre a folha de salários.Quanto ao equívoco nº 5, é importante lembrar que a previsão do acórdão (‘até que legislaçãonova, arrima<strong>da</strong> na Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição’)já foi cumpri<strong>da</strong>, tendo em vista a edição <strong>da</strong> Lei nº 10.256/01, que deu a atual re<strong>da</strong>ção doart. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/98. Vejamos, acerca do tema o recente posicionamento do <strong>Tribunal</strong><strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> na APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.70.03.004958-9/PR, quedeclarou a constitucionali<strong>da</strong>de dessa norma e, consequentemente, a constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>cobrança <strong>da</strong> contribuição rural após 2001:‘TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃODA PRODUÇÃO RURAL. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA EMPREGADOR.LEGITIMIDADE ATIVA. COMPENSAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚ-MULAS 512 DO STF E 105 DO STJ.1 – A jurisprudência é uníssona no sentido de reconhecer a legitimi<strong>da</strong>de ativa ad causam<strong>da</strong> empresa adquirente/consumidora/consignatária e <strong>da</strong> cooperativa para discutir a legali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> contribuição para o Funrural.454R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


2 – O substituto tributário carece de legitimi<strong>da</strong>de para compensar ou repetir o indébito,porquanto o ônus financeiro não é por ele suportado.3 – O STF, ao julgar o RE nº 363.852, declarou inconstitucionais as alterações trazi<strong>da</strong>spelo art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92, uma vez que instituíram nova fonte de custeio por meio delei ordinária, sem observância <strong>da</strong> obrigatorie<strong>da</strong>de de lei complementar para tanto.4 – Com o advento <strong>da</strong> EC nº 20/98, o art. 195, I, <strong>da</strong> CF/88 passou a ter nova re<strong>da</strong>ção,com o acréscimo do vocábulo ‘receita’.5 – Em face do novo permissivo constitucional, o art. 25 <strong>da</strong> Lei 8.212/91, na re<strong>da</strong>ção<strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei 10.256/01, ao prever a contribuição do empregador rural pessoa física comoincidente sobre a receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produção, não seencontra eivado de inconstitucionali<strong>da</strong>de.’Deveria a Suprema Corte deixar claro que as sub-roga<strong>da</strong>s não possuem direito a repetiçãode indébito, já que não recolhem o tributo, servindo apenas de instrumento parao seu repasse. Além disso, é importante consignar que nunca deixaram de ser obriga<strong>da</strong>s arepassar o valor recolhido de segurados especiais, em relação aos quais a cobrança sobreo total <strong>da</strong> produção não possui qualquer vício. Essa explicitação evitaria os equívocos n os2 e 3 de se perpetuarem.VI – QUINTA CRÍTICA: ERRO NA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONA-LIDADE DA CONTRIBUIÇÃO EM RELAÇÃO AO SEGURADO ESPECIAL E DADECLARAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE TOTAL DO ART. 25, I E II, DALEI 8.212/91Ao longo de todo o julgamento ficou explicitado que a instituição de contribuiçãosobre o total <strong>da</strong> produção somente seria constitucional em relação ao segurado especial,que atua em regime familiar, nos termos do art. 195, § 8º, <strong>da</strong> CF. Isso pode ser conferidonos seguintes trechos:‘Vale frisar que, no artigo 195, tem-se contempla<strong>da</strong> situação única em que o produtorrural contribui para a seguri<strong>da</strong>de social mediante a aplicação de alíquota sobre o resultadode comercialização de produção, ante o disposto no § 8º do citado artigo 195 – a revelar que,em se tratando de produtor, parceiro, meeiro e arren<strong>da</strong>tários rurais e pescador artesanal, bemcomo dos respectivos cônjuges que exerçam ativi<strong>da</strong>des em regime de economia familiar,sem empregados permanentes, dá-se a contribuição para a seguri<strong>da</strong>de social por meio deaplicação de alíquota sobre o resultado <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção. A razão do preceitoé única, não se ter, quanto aos neles referidos, a base para a contribuição estabeleci<strong>da</strong> naalínea a do inciso I do artigo 195 <strong>da</strong> Carta, isto é, a folha de salários. Daí a cláusula conti<strong>da</strong>no § 8º em análise ‘(...) em empregados permanentes (...).’ (Min. Marco Aurélio, fl. 1888)‘De acordo com o artigo 195, § 8º, do Diploma Maior, se o produtor não possui empregados,fica compelido, inexistente a base de incidência <strong>da</strong> contribuição – a folha desalários –, a recolher percentual sobre o resultado <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção.’ (Min.Marco Aurélio, fl. 1889)‘Ora, a contribuição sobre o resultado <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> produção rural do art.195, § 8º, existe precisamente porque seu destinatário – o produtor rural sem empregadospermanentes – não pode, é obvio, contribuir sobre folha de salários, faturamento ou recei-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 455


ta, já que não dispõe de empregados, nem é pessoa jurídica ou enti<strong>da</strong>de a ela equipara<strong>da</strong>.Logo, é imediata a conclusão de que o sujeito passivo objeto pela parte inicial do art. 25não se enquadra na exceção do art. 195, § 8º, reserva<strong>da</strong>, em caráter exclusivo, ao seguradoespecial, que recebe proteção constitucional em vista de sua vulnerabili<strong>da</strong>de socioeconômica.Não entrando na exceção do art. 195, § 8º, subsume-se o empregador rural pessoa físicaà regra geral do art. 195, I, que estabelece a contribuição social devi<strong>da</strong> pelo empregadorsobre diferentes bases de cálculo, nota<strong>da</strong>mente a folha de salários – dentre as quais não seencontra, está claro, o ‘resultado’ ou a ‘receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização de suaprodução’.” (Min. Cezar Peluso, fl. 1914-1915)Ocorre, porém, que o artigo 1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92, que deu nova re<strong>da</strong>ção aos artigos12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, com a re<strong>da</strong>çãoatualiza<strong>da</strong> até a Lei nº 9.528/97, foi declarado inconstitucional sem ressalvas, o que acabapor tornar nula a parte do dispositivo relativa aos segurados especiais, que também constado art. 25, I e II, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 8.540/92. Transcreve-se a re<strong>da</strong>ção dodispositivo tido como inconstitucional:‘Art. 25. A contribuição <strong>da</strong> pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente,na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta lei, destina<strong>da</strong> à Seguri<strong>da</strong>deSocial, é de:I – dois por cento <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produção;II – um décimo por cento <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> sua produçãopara financiamento de complementação <strong>da</strong>s prestações por acidente de trabalho.’Poder-se-ia argumentar que a declaração <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de, tal qual foi realiza<strong>da</strong>,levaria à repristinação <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção anterior, que já previa a contribuição do segurado especial,o que não geraria problemas. Ocorre, porém, que a re<strong>da</strong>ção anterior trazia uma contribuiçãomais eleva<strong>da</strong>, o que prejudicaria, de forma indevi<strong>da</strong>, esses contribuintes.A re<strong>da</strong>ção desse mesmo art. 25, <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 8.398/1992, que voltaria a vigorar se adeclaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de do artigo 1º <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92 for irrestrita, é a seguinte:‘Art. 25. Contribui com 3% (três por cento) <strong>da</strong> receita bruta proveniente <strong>da</strong> comercialização<strong>da</strong> sua produção o segurado especial referido no inciso VII do art. 12.’O Segurado especial, se não corrigido o entendimento <strong>da</strong> Suprema Corte, deixará, semqualquer motivo constitucionalmente extraído, de contribuir em dois por cento para voltara contribuir em 3%. Ou seja, terá um aumento de 50% na sua contribuição.Por isso, com base nos argumentos vencedores pelo Plenário, o correto seria declarar ainconstitucionali<strong>da</strong>de parcial do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, apenas na parte que diz respeitoaos empregadores rurais pessoas físicas, mantendo hígido o dispositivo em relação aossegurados especiais, que na<strong>da</strong> tem a ver com a inconstitucionali<strong>da</strong>de aponta<strong>da</strong>.O mesmo pode ser dito em relação ao artigo 30, IV, <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> lei, declarado inconstitucionale que recebeu <strong>da</strong> Lei nº 8.540/92 a seguinte re<strong>da</strong>ção:‘Art. 30. (...)IV – o adquirente, o consignatário ou a cooperativa ficam sub-rogados nas obrigações<strong>da</strong> pessoa física de que trata a alínea a do inciso V do art. 12 e do segurado especial pelocumprimento <strong>da</strong>s obrigações do art. 25 desta lei, exceto no caso do inciso X deste artigo,456R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


na forma estabeleci<strong>da</strong> em regulamento;’Ora, a sub-rogação em relação ao segurado especial não possui nenhuma inconstitucionali<strong>da</strong>de,motivo pelo qual seria interessante que esse dispositivo fosse mantido hígidoem relação aos segurados especiais, já que seria contraproducente obrigá-los a contribuirindividualmente, gerando ain<strong>da</strong> mais burocracia e gastos administrativos.E nesse ponto, <strong>da</strong> sub-rogação, ain<strong>da</strong> há uma agravante. Com a edição de lei posteriorà EC 20/98, que já foi inclusive considera<strong>da</strong> constitucional perante o <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong><strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, a contribuição sobre a produção dos empregadores rurais pessoasfísicas foi retoma<strong>da</strong>. Dessa forma, seria importante que fosse declara<strong>da</strong> a constitucionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> sub-rogação após a edição <strong>da</strong> lei nova a que se referiu o Relator em seu pronunciamentoconstante do acórdão.Como é possível perceber <strong>da</strong> leitura do acórdão, a sub-rogação em si não possui na<strong>da</strong>de inconstitucional. Ela recebeu uma declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de por arrastamento,já que o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> entendeu ser desnecessário manter a sub-rogação se otributo em si já não seria mais cobrado.Ocorre que esse dispositivo não é desnecessário como se imagina. Muito pelo contrário,continua tendo utili<strong>da</strong>de prática em relação aos tributos recolhidos pelos segurados especiaise dos empregadores rurais depois <strong>da</strong> edição <strong>da</strong> Lei nº 10.256/2001, que adequou a técnicade tributação à nova re<strong>da</strong>ção constitucional.Não havendo uma vírgula de argumento de inconstitucionali<strong>da</strong>de contra a fórmula <strong>da</strong>sub-rogação ao longo de todo o julgamento, não há razões para se declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>dedo art. 30, IV, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91.Melhor seria que a Corte Suprema ao menos declarasse apenas a inconstitucionali<strong>da</strong>deparcial, sem redução do texto, para excluir a incidência <strong>da</strong> norma em relação aos empregadoresrurais pessoas física, exclusivamente no período de regência <strong>da</strong>s Leis 8.540/92 e9.528/97.VII – CONCLUSÃOTendo em vista tratar-se de julgamento que ain<strong>da</strong> pode ser retocado pela SupremaCorte, ousamos apresentar algumas sugestões para que as incoerências apresenta<strong>da</strong>s sejamevita<strong>da</strong>s. Seria interessante, por exemplo, que o Plenário esclarecesse os seguintes pontos:1. Como haveria uma dupla incidência tributária sobre os empregadores rurais pessoasnaturais, bem como ofensa à isonomia tributária, se estes não recolhem sobre a folha desalários nem mesmo recolhem Cofins, sujeitando-se exclusivamente à tributação sobre acomercialização <strong>da</strong> produção?2. Quais seriam, de fato, as razões de decidir e qual seria o veredicto <strong>da</strong> Corte, o divulgadono acórdão ou aquele constante <strong>da</strong> ementa? A partir dessas razões, pode-se dizer que umalegislação ordinária idêntica, posterior à EC nº 20/98, seria constitucional? Mesmo após aedição <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> lei seria necessária a aplicação <strong>da</strong> técnica <strong>da</strong> tributação residual, que imporiauma lei complementar para a espécie?3. Se em todos os momentos foi afirmado que a contribuição dos segurados especiais é aúnica forma de cobrança sobre o resultado <strong>da</strong> comercialização constitucionalmente assegura<strong>da</strong>,porque foi declara<strong>da</strong> a inconstitucionali<strong>da</strong>de TOTAL do art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, que trataR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 457


tanto do segurado empregador quanto do segurado especial?4. Se a cobrança feita em relação aos segurados especiais é constitucional, nos termos doart. 195, § 8º, <strong>da</strong> CF, porque foi reconhecido o direito de a recorri<strong>da</strong> não permanecer na condiçãode sub-roga<strong>da</strong>, ao invés de ser reconhecido apenas a inconstitucionali<strong>da</strong>de quando sejasub-roga<strong>da</strong> em relação aos empregadores rurais pessoas naturais, permanecendo a obrigaçãoquando adquira bovinos de segurados especiais que atuam em regime de economia familiar?5. Sendo inconstitucional a legislação edita<strong>da</strong> antes <strong>da</strong> EC nº 20/98, seria constitucionala cobrança atualmente feita, com base na Lei nº 10.256/2001?Um acórdão tecnicamente correto deveria, no nosso humilde ponto de vista, esclarecer que:a. nos termos <strong>da</strong> Súmula 456/STF, durante o período de regência <strong>da</strong>s Leis 8.540/92 e9.528/97, ante a sua inconstitucionali<strong>da</strong>de e consequentemente nuli<strong>da</strong>de, ocorre a repristinaçãoconstitucional <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção original <strong>da</strong> Lei nº 8212/98, que remonta à tributação dessescontribuintes sobre sua folha de salários;b. o art. 25, incisos I e II, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 8.540/92, somente teve declara<strong>da</strong>sua inconstitucionali<strong>da</strong>de parcial, com redução do texto, no que tange às expressões ‘Acontribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratamos incisos I e II do art. 22, e’ e ‘respectivamente, na alínea a do inciso V e’, mantendo-se,assim, a contribuição relativa ao contribuinte especial;c. o art. 30, IV, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91 somente deixa de ser aplicado nos limites <strong>da</strong> declaraçãode inconstitucionali<strong>da</strong>de;d. a novel legislação ordinária, arrima<strong>da</strong> no art. 195 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> na re<strong>da</strong>ção<strong>da</strong><strong>da</strong> pela EC nº 20/98, ajusta a exação à interpretação constitucional <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Suprema Corte.O princípio do amplo acesso ao Poder Judiciário, inscrito no art. 5º, XXXV, <strong>da</strong> Constituiçãodo Brasil, não resta observado pelo simples fato de se emitir pronunciamento de mérito sobre asquestões apresenta<strong>da</strong>s. A emissão de decisões judiciais claras e fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s em premissas corretassob a ótica <strong>da</strong> lógica formal também é essencial para que se legitime a ativi<strong>da</strong>de jurisdicional.Por isso, esperamos que este estudo conce<strong>da</strong> subsídios à atuação de todos os operadoresdo Direito envolvidos com o tema. Caso seja manti<strong>da</strong> a decisão original, restará às instânciasordinárias resolverem os problemas práticos que certamente surgirão e que certamente voltarãoà Suprema Corte pela via extraordinária.”Ante o exposto, voto por rejeitar a arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de.É o meu voto.458R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011


SÚMULAS


SÚMULA Nº 1“É inconstitucional a exigência do empréstimo compulsório instituído pelo artigo10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986, na aquisição de veículos de passeio e utilitários.”(DJ 02.10.91, p. 24.184)SÚMULA Nº 2“Para o cálculo <strong>da</strong> aposentadoria por i<strong>da</strong>de ou por tempo de serviço, no regimeprecedente à Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, corrigem-se os salários de contribuição,anteriores aos doze últimos meses, pela variação nominal <strong>da</strong> ORTN/OTN.”(DJ 13.01.92, p. 241)SÚMULA Nº 3“Os juros de mora, impostos a partir <strong>da</strong> citação, incidem também sobre a soma <strong>da</strong>sprestações previdenciárias venci<strong>da</strong>s.” (DJ 24.02.92, p. 3.665)SÚMULA Nº 4“É constitucional a isenção prevista no art. 6° do Decreto-Lei n° 2.434, de 19.05.88.”(DJ 22.04.92, p. 989)SÚMULA Nº 5“A correção monetária incidente até a <strong>da</strong>ta do ajuizamento deve integrar o valor <strong>da</strong>causa na ação de repetição de indébito.” (DJ 01.05.92, p. 12.081)SÚMULA Nº 6“A autori<strong>da</strong>de administrativa não pode, com base na Instrução Normativa n° 54/81– SRF, exigir a comprovação do recolhimento do ICMS por ocasião do desembaraçoaduaneiro.” (DJ 20.05.92, p. 13.384)SÚMULA Nº 7“É inconstitucional o art. 8° <strong>da</strong> Lei n° 7.689 de 15 de dezembro de 1988.” (DJ20.05.92, p. 13.384)SÚMULA Nº 8“Subsiste no novo texto constitucional a opção do segurado para ajuizar açõescontra a Previdência Social no foro estadual do seu domicílio ou no do Juízo <strong>Federal</strong>.”(DJ 20.05.92, p. 13.385)SÚMULA Nº 9“Incide correção monetária sobre os valores pagos com atraso, na via administrativa,a título de vencimento, remuneração, provento, soldo, pensão ou benefício previdenciário,face à sua natureza alimentar.” (DJ 06.11.92, p. 35.897)SÚMULA Nº 10“A impenhorabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Lei n° 8.009/90 alcança o bem que, anteriormente ao seuadvento, tenha sido objeto de constrição judicial.” (DJ 20.05.93, p. 18.986)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 459-468, 2011 461


SÚMULA Nº 11“O desapropriante está desobrigado de garantir compensação pelo deságio que ostítulos <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> agrária venham a sofrer, se levados ao mercado antecipa<strong>da</strong>mente.”(DJ 20.05.93, p.18.986) (Rep. DJ 14.06.93, p. 22.907)SÚMULA Nº 12“Na execução fiscal, quando a ciência <strong>da</strong> penhora for pessoal, o prazo para aoposição dos embargos de devedor inicia no dia seguinte ao <strong>da</strong> intimação deste.” (DJ20.05.93, p. 18.986)SÚMULA Nº 13“É inconstitucional o empréstimo compulsório incidente sobre a compra de gasolinae álcool, instituído pelo artigo 10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986.” (DJ 20.05.93,p. 18.987)SÚMULA Nº 14 (*)“É constitucional o inciso I do artigo 3° <strong>da</strong> Lei 7.787, de 1989.” (DJ 20.05.93,p. 18.987) (DJ 31.08.94, p. 47.563 (*)CANCELADA)SÚMULA Nº 15“O reajuste dos benefícios de natureza previdenciária, na vigência do Decreto-Lein° 2.351, de 7 de agosto de 1987, vinculava-se ao salário mínimo de referência, e nãoao piso nacional de salários.” (DJ 14.10.93, p. 43.516)SÚMULA Nº 16“A apelação genérica, pela improcedência <strong>da</strong> ação, não devolve ao <strong>Tribunal</strong> o exame<strong>da</strong> fixação dos honorários advocatícios, se esta deixou de ser ataca<strong>da</strong> no recurso.” (DJ29.10.93, p. 46.086)SÚMULA Nº 17 (*)“No cálculo de liqui<strong>da</strong>ção de débito judicial, inclui-se o índice de 70,28%relativo à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 02.12.93, p. 52.558) (DJ19.06.95, p. 38.484 (*)REVISADA)SÚMULA Nº 18“O depósito judicial destinado a suspender a exigibili<strong>da</strong>de do crédito tributáriosomente poderá ser levantado, ou convertido em ren<strong>da</strong>, após o trânsito em julgado <strong>da</strong>sentença.” (DJ 02.12.93, p. 52.558)SÚMULA Nº 19“É legítima a restrição imposta pela Portaria DECEX n° 8, de 13.05.91, no querespeita à importação de bens usados, dentre os quais pneus e veículos.” (DJ 15.12.93,p. 55.316)SÚMULA Nº 20“O art. 8°, parágrafo 1°, <strong>da</strong> Lei 8.620/93 não isenta o INSS <strong>da</strong>s custas judiciais,quando deman<strong>da</strong>do na Justiça Estadual.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)462R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 459-468, 2011


SÚMULA Nº 21“É constitucional a Contribuição Social cria<strong>da</strong> pelo art. 1° <strong>da</strong> Lei Complementarn° 70, de 1991.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)SÚMULA Nº 22“É inconstitucional a cobrança <strong>da</strong> taxa ou do emolumento para licenciamento deimportação, de que trata o art. 10 <strong>da</strong> Lei 2.145/53, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei 7.690/88 e <strong>da</strong>Lei 8.387/91.” (DJ 05.05.94, p. 20.933)SÚMULA Nº 23“É legítima a cobrança do empréstimo compulsório incidente sobre o consumo deenergia elétrica, instituído pela Lei 4.156/62, inclusive na vigência <strong>da</strong> Constituição<strong>Federal</strong> de 1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.933)SÚMULA Nº 24“São autoaplicáveis os parágrafos 5° e 6° do art. 201 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)SÚMULA Nº 25“É cabível apelação <strong>da</strong> sentença que julga liqui<strong>da</strong>ção por cálculo, e agravo deinstrumento <strong>da</strong> decisão que, no curso <strong>da</strong> execução, aprecia atualização <strong>da</strong> conta.” (DJ05.05.94, p. 20.934)SÚMULA Nº 26“O valor dos benefícios previdenciários devidos no mês de junho de 1989 tempor base o salário mínimo de NCz$ 120,00 (art. 1° <strong>da</strong> Lei 7.789/89).” (DJ 05.05.94,p. 20.934)SÚMULA Nº 27“A prescrição não pode ser acolhi<strong>da</strong> no curso do processo de execução, salvo se supervenienteà sentença proferi<strong>da</strong> no processo de conhecimento.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)SÚMULA Nº 28“São inconstitucionais as alterações introduzi<strong>da</strong>s no Programa de Integração Social(PIS) pelos Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)SÚMULA Nº 29“Não cabe a exigência de estágio profissionalizante para efeito de matrícula emcurso superior.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)SÚMULA Nº 30“A conversão do regime jurídico trabalhista para o estatutário não autoriza ao servidoro saque dos depósitos do FGTS.” (DJ 09.06.94, p. 30.113)SÚMULA Nº 31“Na ação de repetição do indébito tributário, os juros de mora incidem a partir dotrânsito <strong>da</strong> sentença em julgado.” (DJ 29.05.95, p. 32.675)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 459-468, 2011 463


SÚMULA Nº 32 (*)“No cálculo de liqui<strong>da</strong>ção de débito judicial, inclui-se o índice de 42,72% relativoà correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 19.06.95, p. 38.484 (*)REVISÃO DASÚMULA 17)SÚMULA Nº 33“A devolução do empréstimo compulsório sobre combustíveis (art. 10 do Decreto--Lei n° 2.288/86) independe <strong>da</strong> apresentação <strong>da</strong>s notas fiscais.” (DJ 08.09.95, p.58.814)SÚMULA Nº 34“Os municípios são imunes ao pagamento de IOF sobre suas aplicações financeiras.”(DJ 22.12.95, p. 89.171)SÚMULA Nº 35“Inexiste direito adquirido a reajuste de vencimentos de servidores públicos federaiscom base na variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de1990.” (DJ 15.01.96, p. 744)SÚMULA Nº 36“Inexiste direito adquirido a reajuste de benefícios previdenciários com base navariação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ15.01.96, p. 744)SÚMULA Nº 37“Na liqui<strong>da</strong>ção de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices relativosao IPC de março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991.” (DJ 14.03.96, p. 15.388)SÚMULA Nº 38“São devidos os ônus sucumbenciais na ocorrência de per<strong>da</strong> do objeto por causasuperveniente ao ajuizamento <strong>da</strong> ação.” (DJ 15.07.96, p. 48.558)SÚMULA Nº 39“Aplica-se o índice de variação do salário <strong>da</strong> categoria profissional do mutuáriopara o cálculo do reajuste dos contratos de mútuo habitacional com cláusula PES,vinculados ao SFH.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)SÚMULA Nº 40“Por falta de previsão legal, é incabível a equivalência entre o salário de contribuiçãoe o salário de benefício para o cálculo <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal dos benefícios previdenciários.”(DJ 28.10.96, p. 81.959)SÚMULA Nº 41“É incabível o sequestro de valores ou bloqueio <strong>da</strong>s contas bancárias do INSS paragarantir a satisfação de débitos judiciais.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)464R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 459-468, 2011


SÚMULA Nº 42 (*)“A União e suas autarquias estão sujeitas ao adiantamento <strong>da</strong>s despesas do oficial dejustiça necessárias ao cumprimento de diligências por elas requeri<strong>da</strong>s.” (DJ 16.04.97,p. 24.642-43) (DJ 19.05.97, p. 34.755 (*)REVISÃO)SÚMULA Nº 43“As contribuições para o FGTS não têm natureza tributária, sujeitando-se ao prazoprescricional de trinta anos.” (DJ 14.01.98, p. 329)SÚMULA Nº 44“É inconstitucional a contribuição previdenciária sobre o pro labore dos administradores,autônomos e avulsos, prevista nas Leis n os 7.787/89 e 8.212/91.” (DJ14.01.98, p. 329)SÚMULA Nº 45“Descabe a concessão de liminar ou de antecipação de tutela para a compensaçãode tributos.” (DJ 14.01.98, p. 329)SÚMULA Nº 46“É incabível a extinção do processo de execução fiscal pela falta de localização dodevedor ou inexistência de bens penhoráveis (art. 40 <strong>da</strong> Lei n° 6.830/80).” (DJ 14.01.98,p. 330) (Rep. DJ 11.02.98, p. 725)SÚMULA Nº 47“Na correção monetária dos salários de contribuição integrantes do cálculo <strong>da</strong> ren<strong>da</strong>mensal inicial dos benefícios previdenciários, em relação ao período de março a agostode 1991, não se aplica o índice de 230,40%.” (DJ 07.04.98, p. 381)SÚMULA Nº 48“O abono previsto no artigo 9°, § 6°, letra b, <strong>da</strong> Lei n° 8178/91 está incluído noíndice de 147,06%, referente ao reajuste dos benefícios previdenciários em 1° de setembrode 1991.” (DJ 07.04.98, p. 381)SÚMULA Nº 49“O critério de cálculo <strong>da</strong> aposentadoria proporcional estabelecido no artigo 53 <strong>da</strong>Lei 8.213/91 não ofende o texto constitucional.” (DJ 07.04.98, p. 381)SÚMULA Nº 50“Não há direito adquirido à contribuição previdenciária sobre o teto máximo de 20salários mínimos após a entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> Lei n° 7.787/89.” (DJ 07.04.98, p. 381)SÚMULA Nº 51“Não se aplicam os critérios <strong>da</strong> Súmula n° 260 do extinto <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> deRecursos aos benefícios previdenciários concedidos após a Constituição <strong>Federal</strong> de1988.” (DJ 07.04.98, p. 381)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 459-468, 2011 465


SÚMULA Nº 52 (*)“São devidos juros de mora na atualização <strong>da</strong> conta objeto de precatório complementar.”(DJ 07.04.98, p. 382) (DJ 07.10.2003, p. 202 (*) CANCELADA)SÚMULA Nº 53“A sentença que, independentemente de pedido, determina a correção monetáriado débito judicial não é ultra ou extra petita.” (DJ 07.04.98, p. 382)SÚMULA Nº 54“Os valores recebidos a título de incentivo à demissão voluntária não se sujeitamà incidência do imposto de ren<strong>da</strong>.” (DJ 22.04.98, p. 386)SÚMULA Nº 55“É constitucional a exigência de depósito prévio <strong>da</strong> multa para a interposição derecurso administrativo, nas hipóteses previstas pelo art. 93 <strong>da</strong> Lei n° 8.212/91 – com are<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei n° 8.870/94 – e pelo art. 636, § 1°, <strong>da</strong> CLT.” (DJ 15.06.98, p. 584)SÚMULA Nº 56“Somente a Caixa Econômica <strong>Federal</strong> tem legitimi<strong>da</strong>de passiva nas ações que objetivama correção monetária <strong>da</strong>s contas vincula<strong>da</strong>s do FGTS.” (DJ 03.11.98, p. 298)SÚMULA Nº 57“As ações de cobrança de correção monetária <strong>da</strong>s contas vincula<strong>da</strong>s do FGTSsujeitam-se ao prazo prescricional de trinta anos.” (DJ 03.11.98, p. 298)SÚMULA Nº 58“A execução fiscal contra a Fazen<strong>da</strong> Pública rege-se pelo procedimento previstono art. 730 do Código de Processo Civil.” (DJ 18.11.98, p. 518)SÚMULA Nº 59“A UFIR, como índice de correção monetária de débitos e créditos tributários,passou a viger a partir de janeiro de 1992.” (DJ 18.11.98, p. 519)SÚMULA Nº 60“Da decisão que não recebe ou que rejeita a denúncia cabe recurso em sentidoestrito.” (DJ 29.04.99, p. 339)SÚMULA Nº 61 (*)“A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que sejapostulado o benefício assistencial previsto no art. 20 <strong>da</strong> Lei 8.742/93, não sendo casode delegação de jurisdição federal.” (DJ 27.05.99, p. 290) (DJ 07.07.2004, p. 240 (*)CANCELADA)SÚMULA Nº 62 (*)“Nas deman<strong>da</strong>s que julgam procedente o pedido de diferença de correção monetáriasobre depósitos do FGTS, não são devidos juros de mora relativamente às contas nãomovimenta<strong>da</strong>s.” (DJ 23.02.2000, p. 578) (DJ 08.10.2004, p. 586 (*) CANCELADA)466R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 459-468, 2011


SÚMULA Nº 63“Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> nas ações rescisóriasversando matéria constitucional.” (DJ 09.05.2000, p. 657)SÚMULA Nº 64“É dispensável o reconhecimento de firma nas procurações ad judicia, mesmopara o exercício em juízo dos poderes especiais previstos no art. 38 do CPC.” (DJ07.03.2001, p. 619)SÚMULA Nº 65“A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciáriasnão constitui prisão por dívi<strong>da</strong>.” (DJ 03.10.2002, p. 499)SÚMULA Nº 66“A anistia prevista no art. 11 <strong>da</strong> Lei nº 9.639/98 é aplicável aos agentes políticos,não aproveitando aos administradores de empresas priva<strong>da</strong>s.” (DJ 03.10.2002, p. 499)SÚMULA Nº 67“A prova <strong>da</strong> materiali<strong>da</strong>de nos crimes de omissão no recolhimento de contribuiçõesprevidenciárias pode ser feita pela autuação e notificação <strong>da</strong> fiscalização, sendodesnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p. 499)SÚMULA Nº 68“A prova de dificul<strong>da</strong>des financeiras, e consequente inexigibili<strong>da</strong>de de outra conduta,nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, podeser feita através de documentos, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ03.10.2002, p. 499)SÚMULA Nº 69“A nova re<strong>da</strong>ção do art. 168-A do Código Penal não importa em descriminalização<strong>da</strong> conduta prevista no art. 95, d, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91.” (DJ 03.10.2002, p. 499)SÚMULA Nº 70“São devidos honorários advocatícios em execução de título judicial, oriundo deação civil pública.” (DJ 06.10.2003, p. 459)SÚMULA Nº 71“Os juros moratórios são devidos pelo gestor do FGTS e incidem a partir <strong>da</strong> citaçãonas ações em que se reclamam diferenças de correção monetária, tenha havido ou nãolevantamento do saldo, parcial ou integralmente.” (DJ 08.10.2004, p. 586)SÚMULA Nº 72“É possível cumular aposentadoria urbana e pensão rural.” (DJ 02.02.2006, p. 524)SÚMULA Nº 73“Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de ativi<strong>da</strong>derural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupoparental.” (DJ 02.02.2006, p. 524)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 459-468, 2011 467


SÚMULA Nº 74“Extingue-se o direito à pensão previdenciária por morte do dependente que atinge21 anos, ain<strong>da</strong> que estu<strong>da</strong>nte de curso superior.” (DJ 02.02.2006, p. 524)SÚMULA Nº 75“Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano,a contar <strong>da</strong> citação.” (DJ 02.02.2006, p. 524)SÚMULA Nº 76“Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somentesobre as parcelas venci<strong>da</strong>s até a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> sentença de procedência ou do acórdão quereforme a sentença de improcedência.” (DJ 02.02.2006, p. 524)SÚMULA Nº 77“O cálculo <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partirde março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%).”(DJ 08.02.2006, p. 290)SÚMULA Nº 78“A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto <strong>da</strong> persecução penalconcernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 8.137/90.”(DJ 22.03.2006, p. 434)SÚMULA Nº 79“Cabível a denunciação <strong>da</strong> lide à Caixa Econômica <strong>Federal</strong> nas ações em que osex-procuradores do Banco Meridional buscam o pagamento de verba honorária relativamenteaos serviços prestados para a recuperação dos créditos cedidos no processode privatização <strong>da</strong> instituição.” (DE 26.05.2009)468R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 459-468, 2011


RESUMO


ResumoTrata-se de publicação oficial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, com periodici<strong>da</strong>de trimestral e distribuição nacional. A Revistacontém inteiros teores de acórdãos recentes selecionados pelos ExcelentíssimosDesembargadores, abor<strong>da</strong>ndo as matérias de sua competência.Traz, ain<strong>da</strong>, discursos oficiais, arguições de inconstitucionali<strong>da</strong>de e assúmulas edita<strong>da</strong>s pelo <strong>Tribunal</strong>, além de artigos doutrinários nacionaise internacionais de renomados juristas e, principalmente, <strong>da</strong> lavra dosDesembargadores Federais integrantes desta Corte.SummaryThis is about an official trimestrial publication of <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong><strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> (<strong>Federal</strong> <strong>Regional</strong> Court of Appeals of the 4 th Circuit)in Brazil, distributed nationally. The periodical contains the entireup-to-<strong>da</strong>te judgments selected by the federal judges, concerning to thematters of the federal competence. It also brings the official speeches,the arguings unconstitutionality and the law summarized cases editedby the Court, as well as the national and the international doctrinalarticles, written by renowned jurists and mainly those written by theJudges of this Court.ResumenEsta es una publicación oficial del <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> de la <strong>4ª</strong> Región,con periodici<strong>da</strong>d trimestral y distribución nacional. La Revista contienela íntegra de recientes decisiones, selecciona<strong>da</strong>s por Magistrados com-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 469-472, 2011 471


ponentes de esta Casa, abor<strong>da</strong>ndo materias de su competencia, tambiéndiscursos oficiales, cuestiones sobre control de constitucionali<strong>da</strong>d, súmulasedita<strong>da</strong>s por el propio <strong>Tribunal</strong>, artículos de doctrina nacional yinternacional escritos por renombrados jurisconsultos y, principalmente,aquellos proferidos por Jueces que pertenecen a esta Corte.SintesiSi tratta di pubblicazione ufficiale del <strong>Tribunal</strong>e <strong>Regional</strong>e <strong>Federal</strong>edella Quarta Regione, con periodicità trimestrale e distribuizione nazionale.La Rivista riproducce l’integra di sentenze recenti selezionate<strong>da</strong>i egregi Consiglieri della Corte d’Appello <strong>Federal</strong>e, relazionate allematerie della sua competenza. Riproducce, ancora, pronunciamentiufficiali, ricorsi di incostituzionalità, la giurisprudenza consoli<strong>da</strong>tapublicata <strong>da</strong>l <strong>Tribunal</strong>e e testi dottrinali scritti <strong>da</strong>i Consiglieri di questaCorte d’Appello e <strong>da</strong> rinomati giuristi nazionali ed internazionali.RésuméIl s’agit d’une publication officielle du <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong><strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> (<strong>Tribunal</strong> Régional Fédéral de la 4ème Région), dont lapériodicité est trimestrielle et la distribution nationale. Cette Revuepublie les textes complets des arrêts les plus récents, sélectionnés parles Juges Conseillers de la Cour d’Appel, concernant des matières deleur compétence. En plus ce périodique apporte aussi bien des discoursofficiels, des argumentations d’inconstitutionnalité, des arrêts édités parle <strong>Tribunal</strong>, des articles doctrinaires, y compris des textes redigés par lesJuges Conseillers de cette Cour de Justice et par des juristes nacionauxet internationaux renommés.472R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 469-472, 2011


ÍNDICE NUMÉRICO


DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL0000933-26.2008.404.7119/RS (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz......1632001.70.00.028452-5/PR (AC) Rel. Desa. <strong>Federal</strong> Marga Inge Barth Tessler.............................1852006.72.16.004049-5/SC (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva..........................1992007.71.00.012546-4/RS (EINF) Rel. Juiz <strong>Federal</strong> Guilherme Beltrami......................................2105001470-20.2010.404.7004/PR (APELREEX) Rel. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria...............................216DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL0001530-07.2011.404.0000/RS (HC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk Penteado.....................2250014044-37.2008.404.7100/RS (ACR) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz...............................2290035721-15.2010.404.0000/SC (RVCR) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Márcio Antônio Rocha.................................2422002.71.00.002628-2/RS (ACR) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose............................................2545008493-77.2010.404.0000/RS (HC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos Laus........................267DIREITO PREVIDENCIÁRIO0000343-48.2009.404.7205/SC (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto Silveira............................2790027542-06.2008.404.7100/RS (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Celso Kipper................................................2852009.70.99.000222-0/PR (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Rômulo Pizzolatti........................................304DIREITO PROCESSUAL CIVIL0000570-51.2011.404.0000/SC (AGVSEL) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós.................................................3110000978-42.2011.404.0000/RS (MS) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle................3180003389-58.2011.404.0000/RS (AG) Rel. Juíza <strong>Federal</strong> Vânia Hack de Almei<strong>da</strong>...............................3220010735-94.2010.404.0000/PR (AG) Rel. Desa. <strong>Federal</strong> Silvia Goraieb.............................................3270032018-76.2010.404.0000/PR (AG) Rel. Juiz <strong>Federal</strong> Jorge Antonio Maurique...............................3352007.72.01.004261-2/SC (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan Paciornik........................................341DIREITO TRIBUTÁRIO2007.70.08.001033-4/PR (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona...........................3615014246-64.2010.404.7000/PR (APELREEX) Rel. Desa. <strong>Federal</strong> Luciane Amaral Corrêa Münch.................371ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE0035351-13.2009.404.7100/RS (ARGINC) Rel. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria..............................3791995.71.00.003491-0/RS (ARGINC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan Paciornik.......................................3882002.71.04.002979-8/RS (ARGINC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz...............................3922008.70.16.000444-6/PR (ARGINC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Álvaro Eduardo Junqueira...........................413R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 473-476, 2011 475


ÍNDICE ANALÍTICO


AAÇÃO CIVIL PÚBLICADireito indisponível – Vide SUSLiminar – Vide PRAZO EM DOBROAÇÃO REGRESSIVAImprocedência. Seguradora, contra, União <strong>Federal</strong>, decorrência, acidente aeronáutico.Impossibili<strong>da</strong>de, reconhecimento, responsabili<strong>da</strong>de objetiva do Estado, hipótese,inexistência, nexo de causali<strong>da</strong>de, entre, ato administrativo, e, acidente aeronáutico.Não ocorrência, irregulari<strong>da</strong>de, prestação, serviço público. Verificação, conduta, piloto,e, condição, tempo, motivo, acidente.Indeferimento, realização, nova, perícia, decorrência, não, comprovação, falta,capaci<strong>da</strong>de técnica, perito...........................................................................................185ACIDENTE AERONÁUTICOSeguradora – Vide AÇÃO REGRESSIVAADMISSIBILIDADEParciali<strong>da</strong>de – Vide RECURSO ESPECIALAGRAVO REGIMENTALMinistério Público <strong>Federal</strong> – Vide PRAZO EM DOBROAPROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIAInconstitucionali<strong>da</strong>de, parte, artigo, Código Penal, previsão, empresário, nãorecolhimento, contribuição previdenciária, relação, despesa contábil, ou, custo,referência, ven<strong>da</strong>, produto, ou, prestação de serviço. Não caracterização, natureza penal.Verificação, ocorrência, inadimplemento, obrigação tributária, empresa.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 477-490, 2011 479


Violação, garantia constitucional, proibição, realização, prisão, por, dívi<strong>da</strong> civil.Observância, Pacto de São José <strong>da</strong> Costa Rica.Arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de, procedência.......................................................392ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTETerreno de marinha – Vide DANO AMBIENTALARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADECódigo Penal – Vide APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIALei ordinária – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIALRejeição – Vide CRÉDITO RURALBBOA-FÉAdquirente – Vide FRAUDE À EXECUÇÃOImportador – Vide PERDIMENTO DE BENSCCANCELAMENTO DE BENEFÍCIOLegali<strong>da</strong>de, decorrência, indício, fraude, concessão, benefício previdenciário.Verificação, segurado, não, implementação, tempo de serviço, para, obtenção,aposentadoria por tempo de contribuição.Procedimento administrativo, observância, contraditório, ampla defesa.Desnecessi<strong>da</strong>de, encerramento, procedimento administrativo, para, suspensão, benefícioprevidenciário. Descabimento, aplicação, efeito suspensivo, recurso administrativo,hipótese, interposição, decorrência, decisão monocrática. Inexistência, previsãolegal..............................................................................................................................285CÓDIGO PENALArguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de - Vide APROPRIAÇÃO INDÉBITAPREVIDENCIÁRIACONDENAÇÃO ANTERIORVide SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSOCONTRATAÇÃO DIRETAEmpresa – Vide FRUSTAR OU FRAUDAR O CARÁTER COMPETITIVO DELICITAÇÃO480R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 477-490, 2011


CONTRIBUIÇÃO SOCIALDestinação, Funrural. Inconstitucionali<strong>da</strong>de, incidência, sobre, receita bruta, com,origem, comercialização, produção rural, referência, empregador rural, pessoa física.Cabimento, exigibili<strong>da</strong>de, contribuição social, sobre, folha de salários, decorrência,equiparação, com, empresa. Observância, princípio <strong>da</strong> isonomia.Arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de, lei ordinária, procedência em parte....................413COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONALLegali<strong>da</strong>de, expedição, para, país estrangeiro, formulário, solicitação, assistênciajudiciária, matéria penal, objetivo, quebra de sigilo bancário, acusado, para,investigação, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, crime contra a ordem tributária.Informação, preenchimento, documento, não caracterização, constrangimento,acusado.........................................................................................................................267CORREÇÃO MONETÁRIAJuros de mora – Vide DEPÓSITO JUDICIALCRÉDITO RURALConstitucionali<strong>da</strong>de, previsão legal, possibili<strong>da</strong>de, renegociação, dívi<strong>da</strong>, com, diferença,referência, existência, ou, não, inscrição <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> ativa. Cabimento, concessão,privilégio, para, débito, sem, inscrição <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> ativa. Inexistência, violação, princípio<strong>da</strong> isonomia.Rejeição, arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de..............................................................379CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIROAtipici<strong>da</strong>de. Autor do crime, desvio de finali<strong>da</strong>de, financiamento, obtenção, pelo, BNDES.Inexistência, prejuízo, sistema financeiro nacional. Pequena quanti<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>no, apenas,instituição financeira. Desclassificação do crime, para, emprego irregular de verbaspúblicas. Extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de, decorrência, prescrição.........................................229DDANO AMBIENTALTerreno de marinha, e, área de preservação permanente. Suspensão, obra civil, em,loteamento. Necessi<strong>da</strong>de, apresentação, relatório de impacto ambiental, prazo, seismeses.Condenação, imobiliária, reparação de <strong>da</strong>nos, meio ambiente, em, observância,orientação, estudo de impacto ambiental, e, pagamento, valor, relevância, indenização,para, Fundo de Defesa de Direitos Difusos.Proibição, alienação, imóvel, decorrência, Serviço do Patrimônio <strong>da</strong> União,cancelamento, outorga, uso.Fun<strong>da</strong>ção, meio ambiente, estado, Santa Catarina, suspensão, licença de instalação, e,licença de operação, loteamento, após, citação, ação civil pública..........................199R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 477-490, 2011 481


DANO MATERIALIndenização – Vide DANO MORALDANO MORALDano material, indenização, pelo, prejuízo, vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong>, comerciante, entre, 1964, e,1971, ano, absolvição, Justiça Militar.Razoabili<strong>da</strong>de, valor, indenização. Perseguição política, durante, regime militar. Prisão,interrogatório, fechamento, e, posterior, prejuízo, estabelecimento comercial, pela,apreensão, metade, estoque, livro................................................................................210Indenização, por, violação, direito autoral. Descabimento, indenização, por, <strong>da</strong>nomaterial.Responsabili<strong>da</strong>de objetiva do Estado. União <strong>Federal</strong>, divulgação, fotografia, em, revista,com, atribuição, autoria, para, terceiro.Aplicação, súmula, STJ, para, fixação, correção monetária, juros de mora...........................163DECISÃO MONOCRÁTICAPresidência – Vide PRAZO EM DOBRODECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADECaráter formal – Vide PASEPDECRETO-LEIDeclaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de – Vide PASEPDEPÓSITO JUDICIALImpossibili<strong>da</strong>de, interrupção, mora. Até, pagamento, dívi<strong>da</strong>, incidência, correçãomonetária, e, juros, em, observância, título executivo judicial. Mesmo, critério, para,complementação, honorários advocatícios.Título executivo judicial, não, proibição, incidência, juros de mora, após, realização,perícia.Manutenção, mora, decorrência, impossibili<strong>da</strong>de, levantamento, depósito judicial.Executado, realização, depósito judicial, apenas, com, objetivo, impugnação, pretensão,exequente....................................................................................................................327DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIMEEmprego irregular de verbas públicas – Vide CRIME CONTRA O SISTEMAFINANCEIRODESCONSTITUIÇÃO DA PENHORAVeículo automotor – Vide FRAUDE À EXECUÇÃO482R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 477-490, 2011


DESPACHO ADUANEIRORetificação – Vide PERDIMENTO DE BENSDIMINUIÇÃO DA PENASequestro – Vide REVISÃO CRIMINALDIREITO INDISPONÍVELAção civil pública – Vide SUSDÍVIDA CIVILPrisão – Vide APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIADOSIMETRIA DA PENACausa especial de aumento de pena – Vide REVISÃO CRIMINALEMPREGADOR RURALPessoa física – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIALEMPREGO IRREGULAR DE VERBAS PÚBLICASDesclassificação do crime – Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIROEEMPRESAContratação direta – Vide FRUSTAR OU FRAUDAR O CARÁTER COMPETITIVODE LICITAÇÃOEMPRÉSTIMO COMPULSÓRIOEnergia elétrica – Vide ÔNUS DA PROVAERROExportador – Vide PERDIMENTO DE BENSESTABELECIMENTO COMERCIALPrejuízo – Vide DANO MORALEXECUÇÃO DE SENTENÇADescabimento, adoção, cálculo, elaboração, contador judicial, em, caráter definitivo,para, apuração, valor incontroverso, execução de sentença. Necessi<strong>da</strong>de, indicação,índice, utilização, base de cálculo, incidência, juros de mora, e, discriminação,beneficiário, quantia, apuração. Exigibili<strong>da</strong>de, abertura de prazo, para, manifestação,parte processual.Procedência, pedido, reconhecimento, erro material, decisão judicial, ação civilR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 477-490, 2011 483


pública, com, trânsito em julgado, decorrência, adoção, laudo pericial, com, erro,sobre, valor, dívi<strong>da</strong>, e, necessi<strong>da</strong>de, retificação, cálculo, liqui<strong>da</strong>ção, para, fixação,indenização, pelo, valor real, árvore adulta, em, fevereiro, ano, 1985, tempo, laudopericial...................................................................................................................335EXPORTADORErro – Vide PERDIMENTO DE BENSEXTORSÃO QUALIFICADADesclassificação – Vide REVISÃO CRIMINALFOLHA DE SALÁRIOSEmpregador rural – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIALFOTOGRAFIARevista – Vide DANO MORALFFRAUDE À EXECUÇÃONão caracterização. Manutenção, desconstituição <strong>da</strong> penhora, sobre, veículo automotor,sem, restrição, Detran. Boa-fé, adquirente, aquisição, automóvel, revendedor, sem,conhecimento, anterior, proprietário. Alienação, após, citação, sócio, executado.Inobservância, princípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de, exigência, adquirente, veículo automotor,pesquisa, sobre, regulari<strong>da</strong>de fiscal, alienante. Parte, valor, compra, origem, contrato,alienação fiduciária, aparência, segurança jurídica.Presunção relativa, fraude à execução, com, possibili<strong>da</strong>de, discussão, sobre, boa-fé,adquirente, em, embargos de terceiro.Fraude à execução, natureza jurídica, instituto, direito processual. Possibili<strong>da</strong>de,prejuízo, interesse, credor, e, efetivi<strong>da</strong>de, ativi<strong>da</strong>de, jurisdição, com, frustração,meio executório. Inexistência, questionamento, sobre, <strong>da</strong>no, e, consilium fraudis.Litispendência, indução, fraude à execução................................................................341FRUSTRAR OU FRAUDAR O CARÁTER COMPETITIVO DE LICITAÇÃOAtipici<strong>da</strong>de. Contratação direta, empresa, objetivo, compra, uniforme, para,empregado, Core (Conselho <strong>Regional</strong> de Representantes Comerciais). Enquadramento,possibili<strong>da</strong>de, dispensa, licitação, decorrência, valor mínimo, mercadoria. Simulação,licitação, <strong>da</strong>ta, posterior, objetivo, apenas, regularização, compra. Não, comprovação,vontade, obtenção, vantagem ilícita.Inexistência, cerceamento de defesa, pela, falta, intimação, advogado <strong>da</strong>tivo, <strong>da</strong>ta,audiência, juízo deprecado, hipótese, cientificação, expedição, carta precatória.Não ocorrência, nuli<strong>da</strong>de, perícia grafotécnica..........................................................254484R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 477-490, 2011


FUNDO DE DEFESA DE DIREITOS DIFUSOSIndenização – Vide DANO AMBIENTALHONORÁRIOS ADVOCATÍCIOSComplementação – Vide DEPÓSITO JUDICIALIMOBILIÁRIAReparação de <strong>da</strong>nos – Vide DANO AMBIENTALIMPORTADORBoa-fé – Vide PERDIMENTO DE BENSHIIMUNIDADE TRIBUTÁRIAProduto importado, para, leitura, livro, produto eletrônico.STF, autorização, extensão, benefício, para, equipamento, equiparação, papel.............371INAUDITA ALTERA PARTEExecução - Vide ÔNUS DA PROVAINDENIZAÇÃODano material – Vide DANO MORALFundo de Defesa de Direitos Difusos – Vide DANO AMBIENTALINSCRIÇÃO DA DÍVIDA ATIVADébito – Vide CRÉDITO RURALINTERPRETAÇÃO ANALÓGICAReincidência – Vide SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSOLAVAGEM DE DINHEIROQuebra de sigilo bancário – Vide COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONALLEI COMPLEMENTAR MUNICIPALDeclaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de – Vide PENSÃO POR MORTELR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 477-490, 2011 485


LEI ORDINÁRIAArguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIALLIVROProduto eletrônico – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIAMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALAgravo regimental – Vide PRAZO EM DOBROMORAVide DEPÓSITO JUDICIALMÔNUS DA PROVAEmpresa, exequente, apresentação, prova documental, sobre, recolhimento, empréstimocompulsório, ou, comprovação, impossibili<strong>da</strong>de, decorrência, recusa, anterior,concessionária, responsável, pelo, fornecimento, energia elétrica, domicílio.Descabimento, exequente, requerimento, junta<strong>da</strong>, documento, fase, execução, inauditaaltera parte. Não ocorrência, negativa, jurisdição. Observância, intervenção mínima,Poder Judiciário, e, ampla defesa................................................................................322PARCIALIDADEAdmissibili<strong>da</strong>de – Vide RECURSO ESPECIALPPASEPDeclaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de, caráter formal, inciso, artigo, decreto-lei, ano,1983. Definição, como, contribuinte, para, Pasep, enti<strong>da</strong>de, com, controle, forma direta,ou, forma indireta, pelo, Poder Público.Jurisprudência pacífica, STF, entendimento, contribuição, para, Pasep, nãocaracterização, como, tributo, período, entre, Emen<strong>da</strong> Constitucional, ano, 1977, e,Constituição <strong>Federal</strong>, 1988.Constituição anterior, ano, 1969, previsão, adequação, decreto-lei, para, matériatributária.......................................................................................................................388PENSÃO POR MORTECompanheira – Vide RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIORegime estatutário, descabimento. De cujus, contratação, pelo, regime celetista,sem, concurso público, com, posterior, enquadramento, regime estatutário, por, leicomplementar municipal. Caracterização, ato inexistente, decorrência, <strong>Tribunal</strong> de486R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 477-490, 2011


Justiça, declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de, lei complementar municipal.Descabimento, reajuste, pensão por morte, beneficiário, esposa, pelo, RGPS.................279PERDIMENTO DE BENSDescabimento, decorrência, erro, exportador, remessa, mercadoria, com, troca, empresaimportadora. Cabimento, retificação, despacho aduaneiro.Verificação, boa-fé, importador, realização, pedido espontâneo, retificação, após,desembaraço aduaneiro. Inexistência, <strong>da</strong>no ao Erário.Observância, desproporcionali<strong>da</strong>de, aplicação <strong>da</strong> pena.............................................361PERSEGUIÇÃO POLÍTICARegime militar – Vide DANO MORALPODER JUDICIÁRIOIntervenção – Vide SUSPRAZO EM DOBROImprovimento, agravo regimental, interposição, pelo, Ministério Público <strong>Federal</strong>, contra,decisão monocrática, presidência, TRF, negação, seguimento, agravo, decorrência,intempestivi<strong>da</strong>de.STF, entendimento, inaplicabili<strong>da</strong>de, prazo em dobro, previsão, Código de ProcessoCivil, para, Fazen<strong>da</strong> Pública, e, Ministério Público, interposição, agravo, contra, decisãomonocrática, presidência, <strong>Tribunal</strong>, hipótese, pedido, suspensão, tutela antecipa<strong>da</strong>.Deferimento, em, parte, pedido, suspensão, liminar, ação civil pública.....................311PRESTAÇÃO DE SERVIÇOHemodiálise – Vide SUSPRINCÍPIO DA ISONOMIAPaciente – Vide SUSVide CONTRIBUIÇÃO SOCIALVide CRÉDITO RURALPRINCÍPIO DA RAZOABILIDADEVide FRAUDE À EXECUÇÃOPRISÃODívi<strong>da</strong> civil – Vide APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIAPROCEDIMENTO ADMINISTRATIVOAmpla defesa – Vide CANCELAMENTO DE BENEFÍCIOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 477-490, 2011 487


PRODUTO ELETRÔNICOLivro – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIAQUEBRA DE SIGILO BANCÁRIOLavagem de dinheiro – Vide COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONALRECEITA BRUTAEmpregador rural – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIALRECURSO ADMINISTRATIVOEfeito suspensivo – Vide CANCELAMENTO DE BENEFÍCIOQRRECURSO ESPECIALAdmissibili<strong>da</strong>de, parciali<strong>da</strong>de. Não, impedimento, apreciação, integrali<strong>da</strong>de, conteúdo,pelo, STJ. Desnecessi<strong>da</strong>de, interposição, agravo inominado.Man<strong>da</strong>do de segurança, extinção do processo sem resolução de mérito, pela, inexistência,interesse de agir..........................................................................................................318REGIME ESTATUTÁRIOLei complementar municipal – Vide PENSÃO POR MORTEREGIME MILITARPerseguição política – Vide DANO MORALREINCIDÊNCIAInterpretação analógica – Vide SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSORENEGOCIAÇÃODívi<strong>da</strong> – Vide CRÉDITO RURALRESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADOAcidente aeronáutico – Vide AÇÃO REGRESSIVAVide DANO MORALRESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIOPensão por morte, descabimento. Impossibili<strong>da</strong>de, enquadramento, como, companheira,pessoa física, responsável, auxílio, segurado, idoso. Inviabili<strong>da</strong>de, alegação, existência,união estável, decorrência, verificação, apenas, ativi<strong>da</strong>de profissional, simultanei<strong>da</strong>de,convivência, outra, família..........................................................................................304488R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 477-490, 2011


REVISÃO CRIMINALDescabimento, relação, crime, sequestro, com, objetivo, diminuição <strong>da</strong> pena.Inexistência, interesse jurídico, réu, ajuizamento, decorrência, extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de,pela, prescrição.Inaplicabili<strong>da</strong>de, objetivo, desclassificação, crime, extorsão qualifica<strong>da</strong>, pelo, resultado,morte, para, participação, extorsão. Impossibili<strong>da</strong>de, nova, apreciação, prova. Sentençajudicial, e, recurso judicial, interposição, pela, defesa, discussão, e, apreciação, previsão,resultado, morte.Dosimetria <strong>da</strong> pena. Diminuição <strong>da</strong> pena, ex officio, pela, impossibili<strong>da</strong>de, aplicação,causa especial de aumento de pena, decorrência, pena-base, consideração, gravi<strong>da</strong>de,delito. Caracterização, bis in idem..............................................................................242SEQUESTRODiminuição <strong>da</strong> pena – Vide REVISÃO CRIMINALSSUSAdministração Pública, necessi<strong>da</strong>de, aumento, repasse, verba pública, superior,previsão, tabela, objetivo, pagamento, prestação de serviço, hemodiálise, para,totali<strong>da</strong>de, paciente, SUS. Observância, princípio <strong>da</strong> isonomia.Cabimento, intervenção, Poder Judiciário, hipótese, possibili<strong>da</strong>de, ocorrência, morte,diversi<strong>da</strong>de, paciente. Inconstitucionali<strong>da</strong>de, ilegali<strong>da</strong>de, comportamento, PoderPúblico, repasse, insuficiência, valor, para, pagamento, fatura, mês, prestador deserviço, hemodiálise.Responsabili<strong>da</strong>de solidária, União <strong>Federal</strong>, estado, município.Legitimi<strong>da</strong>de ativa, Ministério Público <strong>Federal</strong>, para, ajuizamento, ação civil pública,com, objeto, defesa, direito individual, direito indisponível.........................................216SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSODescabimento, manutenção, prazo indeterminado, como, impedimento, para, concessão,suspensão condicional do processo, hipótese, existência, condenação anterior, com,extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de. Aplicação, interpretação analógica, com, reincidência.Remessa, autos, para, Ministério Público <strong>Federal</strong>, apreciação, eventuali<strong>da</strong>de,preenchimento, requisito, para, oferecimento, suspensão condicional do processo.......225TERRENO DE MARINHAÁrea de preservação permanente – Vide DANO AMBIENTALTR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 477-490, 2011 489


ÍNDICE LEGISLATIVO


Código Civil de 1916Artigo 159 .................................................................................................................210Código CivilArtigo 186 .................................................................................................................210Código de Processo CivilArtigo 188 ..................................................................................................................311Artigo 267 ...................................................................................................................318Artigo 295 ..................................................................................................................318Código PenalArtigo 69 .....................................................................................................................242Artigo 71 ......................................................................................................................242Artigo 107 ..................................................................................................................229Artigo 109 ..................................................................................................................229Artigo 148 ....................................................................................................................242Artigo 157 ....................................................................................................................242Artigo 158 ....................................................................................................................242Artigo 168 ..................................................................................................................392Artigo 315 ..................................................................................................................229Código Tributário NacionalArtigo 112 ..................................................................................................................361Artigo 185 ....................................................................................................................341Constituição <strong>Federal</strong>/88Artigo 5º....................................................................................163/210/225/285/379/392Artigo 37 ...........................................................................................................163/185Artigo 150...........................................................................................................371/379Artigo 196 ................................................................................................................216Artigo 225 ..................................................................................................................199Decreto nº 678/92, AnexoArtigo 7º.....................................................................................................................392Decreto nº 3.048/99Artigo 174 ..................................................................................................................285Artigo 308 ..................................................................................................................285Decreto nº 4.543/2002Artigo 618 ..................................................................................................................361R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 491-496, 2011 493


Decreto nº 5.015/2004Artigo 18 ......................................................................................................................267Decreto-Lei nº 2.052/83Artigo 14 ......................................................................................................................388Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 1/69Artigo 55 ...................................................................................................................388Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 08/77 .............................................................................388Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20/98 .............................................................................413Fórum Nacional dos Juizados Especiais (Fonaje)Enunciado 16 .............................................................................................................225Lei nº 7.347/85 ............................................................................................................199Lei nº 7.492/86Artigo 21 ....................................................................................................................267Artigo 22 ....................................................................................................................267Lei nº 7.789/89 ............................................................................................................199Lei nº 8.137/90Artigo 1º....................................................................................................................267Lei nº 8.212/91Artigo 12 ....................................................................................................................413Artigo 15 ....................................................................................................................413Artigo 22 .....................................................................................................................413Artigo 25 ....................................................................................................................413Artigo 30 ....................................................................................................................413Artigo 69 ......................................................................................................................285Lei nº 8.213/91Artigo 126 ....................................................................................................................285Lei nº 8.540/92Artigo 1° .....................................................................................................................413494R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 491-496, 2011


Lei nº 8.660/93Artigo 7º.....................................................................................................................327Lei nº 8.666/93Artigo 24 ....................................................................................................................254Artigo 90 ....................................................................................................................254Lei nº 9.099/95Artigo 89 ...................................................................................................................225Lei nº 9.289/96Artigo 11 ...................................................................................................................327Lei nº 9.528/97 ..........................................................................................................413Lei nº 9.610/98Artigo 24 ....................................................................................................................163Artigo 108 .................................................................................................................163Lei nº 9.613/98Artigo 1º......................................................................................................................267Lei nº 9.784/99Artigo 2º.....................................................................................................................285Artigo 61 ...................................................................................................................285Artigo 69 ...................................................................................................................285Lei nº 10.256/2001 .....................................................................................................413Lei nº 10.559/2002Artigo 4º ....................................................................................................................210Lei nº 10.666/2003Artigo 11 .....................................................................................................................285Lei nº 11.775/2008Artigo 1° ....................................................................................................................379Artigo 8° ...................................................................................................................379Lei nº 12.016/2009Artigo 1º ....................................................................................................................318Artigo 10 ...................................................................................................................318R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 491-496, 2011 495


Lei Complementar nº118/2005 ..................................................................................341Regimento Interno do TRF4Artigo 37 ..................................................................................................................318Resolução 237/97 (Conama)Artigo 3º......................................................................................................................199Súmula do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Nº 292 ........................................................................................................................318Nº 528 ........................................................................................................................318496R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 491-496, 2011

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