13.07.2015 Views

Volume II 2_FINAL.PMD - Ministério do Meio Ambiente

Volume II 2_FINAL.PMD - Ministério do Meio Ambiente

Volume II 2_FINAL.PMD - Ministério do Meio Ambiente

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Os quilombolas e a Base delançamento de foguetesde Alcântara


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2República Federativa <strong>do</strong> BrasilPresidente - Luiz Inácio Lula da SilvaVice-Presidente - José Alencar Gomes da Silva<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> - MMAMinistra - Marina SilvaSecretário Executivo - Claudio LangoneTAL Ambiental - Fabrício Amilívia Barreto (coordena<strong>do</strong>r)Secretária de Coordenação da Amazônia - Muriel SaragoussiPrograma Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais <strong>do</strong> Basil - Nazaré Soares (coordena<strong>do</strong>ra)Secretário de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável - Gilney Amorim VianaDiretor de Agroextrativismo - Jorg Zimmermann<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDSMinistro - Patrus Ananias de Sousa<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> Desenvolvimento Agrário - MDAMinistro - Miguel Soldatelli RossettoSecretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIRMinistra - Matilde RibeiroEdições IbamaInstituto Brasileiro <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> e <strong>do</strong>s Recursos Naturais RenováveisCentro Nacional de Informação, Tecnologias Ambientais e EditoraçãoSCEN - Trecho 2 - Bloco BCep: 70818-900 - Brasília-DFTelefone: (61) 3316-1065Fax: (61) 3316-1189E-mail: editora@ibama.gov.brBrasília2006Impresso no BrasilPrinted in Brazil2


Os quilombolas e a Base delançamento de foguetesde Alcântaralau<strong>do</strong> antropológico<strong>Volume</strong> 2Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaBrasília, 2006


Grupo Executivo Interministerial para o Desenvolvimento Sustentável de AlcântaraCoordena<strong>do</strong>r: Adelmar de Miranda Torres (Casa Civil da Presidência da República)Carlos Eduar<strong>do</strong> Trindade Santos (SEPPIR)Isabella Fagundes Braga Ferreira (MMA)Milton Nascimento (MDS)Mozar Artur Dietrich (MDA)Paulo César Spyer Resende (MMA)Thelma Santos de Melo (MMA)Zorilda Gomes de Araújo (MDS)______________________________Coordenação Editorial: Projeto de Apoio ao Monitoramento e Análise (AMA) <strong>do</strong> Programa Pilotopara a Proteção das Florestas Tropicais <strong>do</strong> Brasil (vincula<strong>do</strong> à Secretaria deCoordenação da Amazônia <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>) e TAL AmbientalCoordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Projeto AMA – Onice Dall’OglioCoordena<strong>do</strong>ra Adjunta <strong>do</strong> TAL Ambiental – Fernanda Costa CorezolaCooperação Técnica Alemã – Petra Ascher (GTZ)Responsável por esta edição – Kelerson Semerene CostaEditoração: Edições IbamaProjeto Gráfico e Diagramação: Carlos José e Paulo LunaCapa: Denys MárcioNormalização Bibliográfica: Helionídia C. OliveiraFotos: Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeida (exceto naquelas em que outro autor estiver indica<strong>do</strong>)Digitalização das fotos e preparação <strong>do</strong> mapa: Design [Casa 8]Direitos reserva<strong>do</strong>s ao autorDistribuição dirigidaTiragem: 2.000 exemplaresCatalogação na FonteInstituto Brasileiro <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> e <strong>do</strong>s Recursos Naturais RenováveisA447qAlmeida, Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de.Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara:lau<strong>do</strong> antropológico / Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeida. – Brasília:MMA, 2006.2 v. : il.; 24cmBibliografiaISBN 85-7300-198-41. Grupo étnico. 2. Quilombo. 3. Antropologia. 4. Alcântara (cidade).I. <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>. <strong>II</strong>. Secretaria de Coordenação da Amazônia.<strong>II</strong>I. Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável. IV. Título.CDU 39 (812.1)Conceitos emiti<strong>do</strong>s e informações prestadas nesta publicação são de inteira responsabilidade <strong>do</strong> autor


Dona Maria Estelita Araújo, aos 110 anos


Tabelas, gráficos e quadrosdemonstrativosVOLUME 2Povoa<strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s às comunidades que se localizam na área desapropriada parainstalação da base de lançamento de foguetes .......................................................................... 19Povoa<strong>do</strong>s previstos para deslocamento: "Transferência e Assentamento <strong>II</strong>I" ................ 23Povoa<strong>do</strong>s previstos para assentamento das famílias deslocadas: "Transferência eAssentamento <strong>II</strong>I"............................................................................................................................... 23Povoa<strong>do</strong>s onde foram assinaladas ruínas de "casarões" e/ou moendas ........................... 38Povoa<strong>do</strong>s onde foram assinaladas ruínas de "engenhos" e "casas-grandes"ou "casarões" ............................................................................................................................. 40Alcântara , 1861 - Senhores de engenho de açúcar ................................................................ 41Quilombos em Alcântara (1701-1788) ................................................................................. 50Quilombos em Alcântara (1800-1886) ................................................................................. 57Registro de terras segun<strong>do</strong> declaração <strong>do</strong> possui<strong>do</strong>r - Alcântara(1854-1857) ......................................................................................................................................... 63Povoa<strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s às comunidades que se localizam fora da áreadesapropriada para instalação da base de lançamento de foguetes ..................................... 79Situação das agrovilas ...................................................................................................................... 82Agrovilas ............................................................................................................................................ 87


Siglas e AbreviaturasABAACONERUQAEBADCTANAPEMCCN-MACf.CLACNPACNRQCOBAECOLONECONAQCONTAGDEPEDDSG-MEEMFAFCPFETAEMAFUNASAGICLAG.N.GPSIBAMAIBGEIHGBIHGEBINCRAINFRAEROIPE<strong>II</strong>TERMAAssociação Brasileira de AntropologiaAssociação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas <strong>do</strong> MaranhãoAgência Espacial BrasileiraAto das Disposições Constitucionais TransitóriasArquivo NacionalArquivo Público <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> MaranhãoCentro de Cultura Negra <strong>do</strong> MaranhãoConformeCentro de Lançamento de AlcântaraComissão Nacional Provisória de Articulação das Comunidades NegrasRurais QuilombolasComissão Brasileira de Atividades EspaciaisCompanhia de Colonização <strong>do</strong> NordesteCoordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras RuraisQuilombolasConfederação Nacional <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res na AgriculturaDepartamento de Pesquisa e Desenvolvimento-MAerDiretoria <strong>do</strong> Serviço Geográfico - <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> ExércitoEsta<strong>do</strong> Maior das Forças ArmadasFundação Cultural PalmaresFederação <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res na Agricultura <strong>do</strong> MaranhãoFundação Nacional de SaúdeGrupo para Implantação <strong>do</strong> Centro de Lançamento de AlcântaraGrifo nossoGlobal Position System (Sistema de Posicionamento Global)Instituto Brasileiro <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> e <strong>do</strong>s Recursos NaturaisRenováveisInstituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaInstituto Histórico e Geográfico BrasileiroInstituto Histórico, Geográfico e Etnográfico <strong>do</strong> BrasilInstituto Nacional de Colonização e Reforma AgráriaEmpresa Brasileira de Infra-Estrutura AeroportuáriaInstituto de Pesquisas Econômico-sociais e InformáticaInstituto de Terras <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Maranhão


MAERMCTMEAFMECBMinCMIRADMMAMOMTRAMONAPEMOPEMAMPPPVNSMDHSUCAMSUDENESTTRTCTPTPoTSTSaTSiTSiaUFMAUFRJUnBUNESCOVLS<strong>Ministério</strong> da Aeronáutica<strong>Ministério</strong> de Ciência e Tecnologia<strong>Ministério</strong> Extraordinário de Assuntos FundiáriosMissão Espacial Completa Brasileira<strong>Ministério</strong> da Cultura<strong>Ministério</strong> da Reforma e <strong>do</strong> Desenvolvimento Agrário<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>Movimento das Mulheres Trabalha<strong>do</strong>ras RuraisMovimento Nacional <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>resMovimento <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>res <strong>do</strong> MaranhãoMestra<strong>do</strong> em Políticas PúblicasProjeto Vida de NegroSociedade Maranhense de Defesa <strong>do</strong>s Direitos HumanosSuperintendência de Campanha de Saúde Pública /Sup. Erradicação daMaláriaSuperintendência de Desenvolvimento <strong>do</strong> NordesteSindicato de Trabalha<strong>do</strong>res e Trabalha<strong>do</strong>ras RuraisTerra de CabocloTerra de PretoTerra da PobrezaTerra de SantoTerra de SantaTerra de SantíssimoTerra de SantíssimaUniversidade Federal <strong>do</strong> MaranhãoUniversidade Federal <strong>do</strong> Rio de JaneiroUniversidade de BrasíliaOrganização das Nações Unidas para Educação, Ciência e CulturaVeículo Lança<strong>do</strong>r de Satélite


Sumário geralVOLUME 1INTRODUÇÃO.................................................................................................. 19O OBJETO DA PERÍCIA E OS PROCEDIMENTOS DE OBTENÇÃODE INFORMAÇÕES ......................................................................................... 27Os arquivos como discurso de legitimação ................................................................ 35Os media<strong>do</strong>res e o discurso da mobilização .............................................................. 39PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO DAS COMUNIDADES REMANESCENTESDE QUILOMBOS ............................................................................................. 43Territorialidades específicas, estrutura agrária e situação atual<strong>do</strong>s conflitos .............................................................................................. 47Área decretada e territorialidades específicas .............................................................. 53Muralhas e Paredões: as ruínas das casas-grandes e <strong>do</strong>s engenhos comofator de identificação das comunidades remanescentes de quilombos ...... 59Os quilombos e a luta simbólica pelas ruínas ............................................................. 61O mapeamento das ruínas ............................................................................................... 63A fuga <strong>do</strong>s senhores de engenho e a recusa da tutela .............................................. 70As ruínas e o tempo livre ............................................................................................ 72A datação da fuga e das ruínas................................................................................... 74A datação das ruínas das fazendas das ordens religiosas ....................................... 76Companhia de Jesus ............................................................................................... 76Ordem <strong>do</strong>s Carmelitas Descalços ....................................................................... 78Ordem de Nossa Senhora das Mercês ............................................................... 78Irmandade <strong>do</strong> Santíssimo Sacramento ............................................................... 79Territorialidades específicas ......................................................................................... 80As diferenças culturais e as premissas étnicas ........................................................... 82O <strong>do</strong>mínio "original": as "terras de índio" como "terras de preto" ............. 87As "terras de preto" e as "terras de caboclo": a construção <strong>do</strong> território pelosfatores estigmatizantes.................................................................................................. 91


Da capitania de Cumã às sesmarias: a formação das fazendas ............................ 95A "modificação da fisionomia étnica" ........................................................................... 100Registros de cartas de datas e sesmarias e o fim <strong>do</strong> monopólio daCompanhia Geral <strong>do</strong> Comércio ........................................................................................ 103A derrocada da economia algo<strong>do</strong>eira............................................................................ 108Os quilombos em Alcântara ............................................................................................. 115Os quilombos e a governação pombalina .................................................................... 117A consolidação <strong>do</strong>s quilombos no decorrer <strong>do</strong> século XIX .................................. 123Os territórios de parentesco ............................................................................................. 141As <strong>do</strong>ações de terras ............................................................................................................. 141As terras da pobreza ............................................................................................................. 143As compras de terras ............................................................................................................. 144Os territórios de parentesco ............................................................................................... 149O território das comunidades remanescentes de quilombos ............................... 153A interseção <strong>do</strong>s planos de organização social .......................................................... 165A interdependência econômica e ecológica <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s........................................ 165As "circunscrições" religiosas ............................................................................................. 170Os cemitérios e as tensões sociais em face da interdição de uso, peloCLA, <strong>do</strong> antigo cemitério de Peru e Marudá .......................................................... 171A festas religiosas ............................................................................................................. 173As instâncias políticas de mediação. ................................................................................. 176NOTAS ................................................................................................................................................ 181REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................. 201ANEXO ............................................................................................................................................... 207"Terras das comunidades remanescentes de quilombos - territorialidade, uso <strong>do</strong>s recursosnaturais, sítios históricos e conflitos sociais" (mapa e memorial descritivo)


VOLUME 2RESPOSTAS AOS QUESITOSQuesito 1 ...................................................................................................................................... 17Quesito 2 ...................................................................................................................................... 25Quesito 3 ...................................................................................................................................... 73Quesito 4 ...................................................................................................................................... 81Quesito 5 ...................................................................................................................................... 87Quesito 6 ...................................................................................................................................... 89Quesito 7 ...................................................................................................................................... 93Quesito 8 ...................................................................................................................................... 95Quesito 9 ...................................................................................................................................... 97Quesito 10 ................................................................................................................................... 99Quesito 11 ....................................................................................................................................... 101NOTAS ................................................................................................................................................ 103REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................. 109ANEXOS ............................................................................................................................................... 115Fontes <strong>do</strong>cumentais e arquivísticas: transcrição de <strong>do</strong>cumentos que registram, diretaou indiretamente, quilombos em Alcântara (1702-1886)Certidão referente à terra da pobrezaRegistro fotográficoCalendário agrícola e extrativo


Carvão


Respostas aos quesitosOs presentes quesitos, embora já tenhamorienta<strong>do</strong> o trabalho de campo pericial e si<strong>do</strong> objeto derespostas, com a devida fundamentação, distribuídas nocurso da análise <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, serão aqui respondi<strong>do</strong>sdiretamente, um a um, em separa<strong>do</strong>, observan<strong>do</strong> aordem segun<strong>do</strong> a qual foram formula<strong>do</strong>s.


1.Quantas e quais são as comunidades existentesna área pretendida pelo Centro de Lançamentode Alcântara, incluin<strong>do</strong> a zona de segurança?Qual a população existente em cada uma delas?Consideran<strong>do</strong> que as informações oficiais <strong>do</strong> Censo Demográfico de 2000,<strong>do</strong> IBGE, apresentam da<strong>do</strong>s sobre a população rural e urbana <strong>do</strong> município de Alcântarareferentes tão-somente à sede municipal e ao distrito de São João de Cortes, sem qualquermenção a bairros rurais, subdistritos e povoa<strong>do</strong>s;consideran<strong>do</strong> que os cadastros de famílias produzi<strong>do</strong>s pelo <strong>Ministério</strong> daAeronáutica e pela Infraero-CLA, em novembro de 1998, referem-se apenas aos povoa<strong>do</strong>scom deslocamento compulsório previsto e àqueles outros em cujos <strong>do</strong>mínios as famíliasseriam assentadas;consideran<strong>do</strong> também que não foi possível, consoante as condições objetivasque nortearam o trabalho pericial (tempo, composição da equipe, extensão da área, quantidadede povoa<strong>do</strong>s), realizar um recenseamento com base em categorias antropológicas;decidimos por a<strong>do</strong>tar, com as devidas relativizações e respectivos cotejospara atenuar a margem de erro, os da<strong>do</strong>s cadastrais da Funasa, que consistem na maisampla base quantitativa disponível referida à área rural de Alcântara e concernem a verificaçõesbásicas feitas em junho e julho de 1995 e atualizadas em agosto de 2001.Os levantamentos censitários produzi<strong>do</strong>s no âmbito da Funasa objetivamatender a finalidades cadastrais <strong>do</strong>s denomina<strong>do</strong>s "distritos sanitários". O méto<strong>do</strong> quantitativoa<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> agrupa ou separa os povoa<strong>do</strong>s de acor<strong>do</strong> com a ação <strong>do</strong>s agentes de saúde, quevisitam periodicamente família por família e vistoriam edificação por edificação, apoian<strong>do</strong>seinclusive nos croquis <strong>do</strong>s funcionários da antiga Sucam, que percorriam to<strong>do</strong> o interior<strong>do</strong> município. A noção de povoa<strong>do</strong> compreende um grupo de moradias. A família, noplano de cada povoa<strong>do</strong>, é tomada como uma família nuclear, que usualmente inclui parentesafins. Pelos procedimentos de agrupamento, um povoa<strong>do</strong> nem sempre é nomea<strong>do</strong> pelospovoa<strong>do</strong>s maiores, o que por vezes dificulta a sua identificação cartográfica. Um exemplodessa forma de agregação refere-se a São João de Cortes, para o qual os da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> IBGEassinalam 2.509 habitantes, enquanto que os da Funasa contabilizam 520 habitantes. A variaçãoatém-se não apenas à data da coleta, mas sobretu<strong>do</strong> a critérios de distribuição da intervenção<strong>do</strong>s agentes de saúde, cuja ação focaliza também pequenos aglomera<strong>do</strong>s, destacan<strong>do</strong>-osdaqueles em torno <strong>do</strong>s quais gravitam. Os denomina<strong>do</strong>s "prédios", inclusos norecenseamento da Funasa, compreendem, por sua vez, o levantamento das edificações,ocupadas ou não, qualquer que fosse o material emprega<strong>do</strong> em sua construção e o fim aque se destinassem: residências, escolas, postos de saúde e ambulatórios, bem como aschamadas tribunas – locais de reunião e eventos comunitários – e casas de forno – onde as


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2famílias desmancham a mandioca para fabricar farinha – e demais locais de serviços eatividades diversas.Embora não haja uma correspondência exata entre os povoa<strong>do</strong>s, produto daagregação, e as comunidades, que os articulam segun<strong>do</strong> diferentes planos de organizaçãosocial, pode-se afirmar, guardadas as distinções, que se trata de situações passíveis deaproximação. Os povoa<strong>do</strong>s consistem em realidades empiricamente observáveis, enquantoque as comunidades teoricamente transcendem a um grupo de moradia, compreenden<strong>do</strong>relações sociais com a vizinhança, situação comum de interesses, identidade e formas de açãocomum que podem ser lidas como "relações comunitárias étnicas" (Weber, 1994:267). Nessesenti<strong>do</strong> é que os povoa<strong>do</strong>s acham-se referi<strong>do</strong>s a comunidades.O critério de fidedignidade das informações levantadas foi realiza<strong>do</strong> de maneiracomparativa. Os da<strong>do</strong>s quantitativos foram coteja<strong>do</strong>s com diferentes fontes de referênciapara efeito de verificação. Foram compara<strong>do</strong>s tanto com os resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s trabalhoscartográficos realiza<strong>do</strong>s no decorrer <strong>do</strong> trabalho de campo pericial e com as verificações inloco, quanto com os da<strong>do</strong>s censitários relativos aos povoa<strong>do</strong>s da "zona de segurança",cadastra<strong>do</strong>s pela Infraero em 1998 para fins de deslocamento, e àqueles povoa<strong>do</strong>s emcujos <strong>do</strong>mínios estava previsto o assentamento.Mediante esses esclarecimentos, pode-se asseverar que: a área pretendida peloCentro de Lançamento de Alcântara corresponde a 62.000 hectares, ou seja, mais da metadeda superfície <strong>do</strong> município de Alcântara, e nela existem 90 povoa<strong>do</strong>s, consoante os registrosda Funasa, com 8.398 habitantes. A seguir, apresentarei a relação deles com sua respectivapopulação.18


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaPovoa<strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s às comunidades que se localizam na área desapropriada parainstalação da base de lançamento de foguetesNome <strong>do</strong> Povoa<strong>do</strong> Nº de Prédios/2001 Habitantes/2001 Data <strong>do</strong> RG1 Águas Belas 27 19 25/07/952 Bacuriajuba (Bacurijuba) 7 19 25/07/953 Baracatatiua 37 101 25/07/954 Bebe<strong>do</strong>uro 3 8 25/07/955 Boa Vista <strong>II</strong>I 10 27 25/07/956 Bom Jardim 9 25 12/06/957 Bom Viver (Bom de Ver) 26 71 25/07/958 Brito I 35 96 25/07/959 Cajapari 6 16 25/07/9510 Cajatiua (Cajitiva/Cajutiua) 9 25 25/07/9511 Camirim 10 27 25/07/9512 Canavieira 19 52 25/07/9513 Canelatiua 65 178 25/07/9514 Capijuba 1 3 25/07/9515 Capim Açu 20 55 25/07/9516 Capoteiro 1 3 25/07/9517 Caratatiua 9 25 25/07/9518 Cavem <strong>II</strong> 3 8 25/07/9519 Corre Fresco 17 47 25/07/9520 Engenho I 14 38 25/07/9521 Esperança 13 36 25/07/9522 Flórida 2 5 25/07/9523 Ilha da Camboa (Camboa) 5 14 25/07/9524 Iririzal 25 68 25/07/9525 Itapuaua 63 172 25/07/9526 Itauaú 83 227 25/07/9527 Janã 22 60 25/07/9528 Ladeira <strong>II</strong> 26 71 25/07/9529 Lago 27 74 25/07/9530 Macajubal I 21 57 25/07/9531 Macajubal <strong>II</strong> 32 88 25/07/9532 Mãe Eugênia 11 30 25/07/9533 Mamona I 60 164 25/07/9534 Mamona <strong>II</strong> 13 36 25/07/9535 Mangueiral 35 96 25/07/9536 Marinheiro 2 5 25/07/9537 Marmorana 14 38 25/07/9519


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 220Nome <strong>do</strong> Povoa<strong>do</strong> Nº de Prédios/2001 Habitantes/2001 Data <strong>do</strong> RG38 Mato Grosso 6 16 25/07/9539 Murari 15 41 25/07/9540 Mutiti 11 30 25/07/9541 Nova Espera 22 60 25/07/9542 Nova Ponta Seca 21 57 25/07/9543 Novo Cajueiro 65 178 25/07/9544 Novo Maruda 111 304 25/07/9545 Novo Peital (Pepital) 50 137 25/07/9546 Novo Peru 130 356 25/07/9547 Novo Só Assim 30 82 25/07/9548 Oitiua 350 958 25/07/9549 Pacuri 25 68 25/07/9550 Palmeiras 7 19 25/07/9551 Pavão 18 49 25/07/9552 Peri-Açu 35 96 25/07/9553 Perizinho 39 107 25/07/9554 Peroba de Baixo 29 79 25/07/9555 Peroba de Cima ( * ) 68 186 25/07/9556 Piquia 1 3 25/07/9557 Ponta D'areia 124 340 25/07/9558 Porto da Cinza 3 8 25/07/9559 Porto <strong>do</strong> Boi I 56 153 25/07/9560 Praia de Baixo 9 25 25/07/9561 Prainha 82 225 25/07/9562 Primirim 1 3 25/07/9563 Quiriritiua 70 192 25/07/9564 Retiro 15 41 25/07/9565 Rio Grande I 85 233 25/07/9566 Rio Grande <strong>II</strong> 7 19 25/07/9567 Rio Verde 6 16 25/07/9568 Samucangaua 48 131 25/07/9569 Santa Helena 1 3 25/07/9570 Santa Maria 122 334 25/07/9571 Santa Rita <strong>II</strong> 7 19 25/07/9572 Santana <strong>do</strong>s Caboclos 55 151 25/07/9573 São Benedito I 22 60 25/07/9574 São Francisco <strong>II</strong> 4 11 25/07/9575 São João de Cortes 190 520 25/07/9576 São Lourenço (* *) 7 19 25/07/9577 São Paulo 2 5 25/07/95


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaNome <strong>do</strong> Povoa<strong>do</strong> Nº de Prédios/2001 Habitantes/2001 Data <strong>do</strong> RG78 São Raimun<strong>do</strong> <strong>II</strong>I 4 11 25/07/9579 Tacaua I 10 27 25/07/9580 Tapicuem (Itapecuem) 6 16 25/07/9581 Taturoca 1 3 25/07/9582 Terra Mole 50 137 25/07/9583 Terra Nova 17 47 25/07/9584 Trajano 34 93 25/07/9585 Trapucara 1 3 25/07/9586 Vai com Deus 4 11(***) 25/07/9587 Vila Maranhense 1 3 25/07/9588 Vila Nova I (Vila <strong>do</strong> <strong>Meio</strong>) 51 140 25/07/9589 Vila Nova <strong>II</strong> 45 123 25/07/9590 Vista Alegre 14 38 25/07/95TOTAL 2949 8398FONTE: <strong>Ministério</strong> da Saúde/ Fundação Nacional de Saúde/ Distrito de Pinheiro, Relação de Localidades/ Municípiode Alcântara, 13/08/2001.NOTAS:( * ) Num recenseamento elabora<strong>do</strong> em maio de 2002, os mora<strong>do</strong>res de Peroba de Cima registraram, eles próprios,em seu povoa<strong>do</strong>, 58 casas e 196 pessoas.(* *) Vários mora<strong>do</strong>res de São Lourenço, no decorrer de 2001, mudaram suas casas para Rio <strong>do</strong> Pau, que fica àsmargens da ro<strong>do</strong>via MA-106. A família de D. Luzia, composta de quatro membros, permanece, entretanto, no local <strong>do</strong>povoa<strong>do</strong>, conforme informação obtida em conversa com o Sr. Simão Reis Araújo, 62 anos, que mora perto da"marinha" em Samucangaua.(* * *) Em virtude de mortes ocorridas em 2001 e da mudança <strong>do</strong>miciliar de três pessoas, atualmente residem nopovoa<strong>do</strong> Vai com Deus apenas seis pessoas.(****) Procedemos a uma tentativa de recenseamento nas chamadas terras da pobreza, a partir de Canelatiua. Registramosinformações demográficas sobre os seguintes povoa<strong>do</strong>s: Canelatiua, Bom Viver, Retiro, Uru-Mirim e Vila <strong>do</strong> <strong>Meio</strong>.Os itens relativos a edificações e número de habitantes não apresentaram grandes variações em relação ao cadastro daFunasa. Os povoa<strong>do</strong>s de Uru-Mirim e Vila <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> no cadastro da Funasa aparecem agrega<strong>do</strong>s com Canelatiua. Aliás,quanto a Uru-Mirim, foram detectadas somente duas casas fechadas e com sinais de aban<strong>do</strong>no. De acor<strong>do</strong> cominformações levantadas localmente, tem-se o seguinte:"Moravam lá duas famílias. Uma senhora com um neto e um casal de velhos. Quan<strong>do</strong> foi em janeiro de 2001 a senhoraque morava com o neto morreu no poço, toman<strong>do</strong> banho. Era de tardinha. E lá era tão difícil de auxílio que elesresolveram mudar para mais perto da estrada. Foram para Vila <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> e o neto para São Luís com o pai." (D.S.M. 13/04/2002 - ENT.3.1 ).21


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Visan<strong>do</strong> complementar o quadro apresenta<strong>do</strong>, passarei a algumas informaçõesadicionais.Uma vez que o Censo Demográfico de 2000 <strong>do</strong> IBGE registra 21.291habitantes no município de Alcântara, sen<strong>do</strong> 5.665 na zona urbana e 15.626 na área rural,tem-se que o total de habitantes nos povoa<strong>do</strong>s localiza<strong>do</strong>s na área pretendida pelo Centrode Lançamento de Alcântara perfaz cerca de 56% da população rural <strong>do</strong> município.Consideran<strong>do</strong> as diferenças de tamanho e composição <strong>do</strong>s 90 povoa<strong>do</strong>sarrola<strong>do</strong>s, constata-se uma razoável dispersão geográfica. Assim, em termos de grupo demoradia, os povoa<strong>do</strong>s variam de três habitantes – como no caso de Cajituba, Capoteiro,Piquiá, Primirim, Santa Helena, Taturoca, Vila Maranhense e Trapucara (Trapucaia) – a 958,caso <strong>do</strong> povoa<strong>do</strong> de Oitiua. Ademais, as oito inclusões com povoa<strong>do</strong>s que registram trêshabitantes assinalam apenas um "prédio" cada uma.Outra constatação é que a grande variação nas denominações <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s,segun<strong>do</strong> as diferentes fontes de referência (IBGE, Funasa, Infraero-CLA, ME-DSG), indicaaglomera<strong>do</strong>s passíveis de subdivisões e com áreas delimitadas segun<strong>do</strong> múltiplas intersecções,ou seja, está-se diante de povoa<strong>do</strong>s cujos <strong>do</strong>mínios se interpenetram mutuamente. Aheterogeneidade de designações assinala, portanto, um fator específico na distribuição espacial<strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s pela área rural <strong>do</strong> município de Alcântara que, além de requerer umacompatibilização das diferentes fontes de referência, requer verificações localizadas.Cotejan<strong>do</strong>, de outra parte, os da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> quadro apresenta<strong>do</strong> com as basescartográficas trabalhadas durante o trabalho pericial, como as cartas <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> Exército- Diretoria <strong>do</strong> Serviço Geográfico-DEC (1981) – folhas SA.23-Z-A-I, SA.23-Z-A-<strong>II</strong>, SA-23-Z-A-IV e SA-23-Z-A-V –, as cartas <strong>do</strong> Iterma (2001) e as da Sema-MA (1997), podeseacrescentar que:22a) há sete povoa<strong>do</strong>s da listagem da Funasa que não aparecem nos mapas,quais sejam: Boa Vista <strong>II</strong>I, Bom Jardim, Camirim, Capim-Açu, Caratatiua,Piquiá e Primirim;b) por outro la<strong>do</strong>, nos mapas referi<strong>do</strong>s aparecem 14 designações deaglomera<strong>do</strong>s, que foram provavelmente agrega<strong>do</strong>s aos povoa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> cadastroda Funasa e não são explicitamente menciona<strong>do</strong>s na listagem, a saber: SãoMiguel, Centro <strong>do</strong> Alegre, Flechal, Ponta <strong>do</strong> Aru, Carmina, Vila <strong>do</strong> <strong>Meio</strong>,Itapera, Galego, Folhau, Forquilha, Valério, Centro da Vovó, Acetiua e Cauaçu.O mapa elabora<strong>do</strong> para fins desta perícia, em escala de 1:100.000, indica asáreas principais de povoamento, a distribuição geográfica <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s em face <strong>do</strong>s recursosnaturais e a incidência das comunidades na área pretendida pelo Centro de Lançamento deAlcântara, coadunan<strong>do</strong>-se com os da<strong>do</strong>s cadastrais da Funasa, que permitem, ademais,assinalar a densidade demográfica na referida área.Outros da<strong>do</strong>s que também se coadunam com os da Funasa são aquelesproduzi<strong>do</strong>s pelo <strong>Ministério</strong> da Aeronáutica e pela Infraero, consoante o <strong>do</strong>cumento daInfraero-CLA, intitula<strong>do</strong> "Transferência e Assentamento <strong>II</strong>I – Relatório referente à preparaçãoda população alvo da área de transferência e assentamento <strong>II</strong>I – meta 1", data<strong>do</strong> denovembro de 1998. O deslocamento compulsório de famílias previa a revisão <strong>do</strong> cadastrodas famílias existentes na zona de segurança, configuran<strong>do</strong> em termos burocráticos a chamada


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidade "área de transferência <strong>II</strong>I". De igual mo<strong>do</strong>, previa o cadastro das famílias <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>sescolhi<strong>do</strong>s como "área de assentamento". O recadastramento foi feito em ambas as árease os resulta<strong>do</strong>s não são inteiramente discrepantes em relação àqueles da Funasa. Hádesignações referentes a cinco povoa<strong>do</strong>s que se encontram no cadastramento da Infraero-CLA, mas não constam da listagem da Funasa, tais como: Caicaua, Barbosa, Pacoval,Itapera e Corre Prata. Provavelmente, foram agrega<strong>do</strong>s e o próprio Relatório da Infraero-CLA sugere isso ao afirmar, à página 09, "que poderão juntar-se os povoa<strong>do</strong>s de Baracatatiua,Barbosa, São Francisco e Pacoval".Vejamos agora os da<strong>do</strong>s produzi<strong>do</strong>s pela Infraero-CLA e o respectivocotejo:Povoa<strong>do</strong>s previstos para deslocamento"Transferência e Assentamento <strong>II</strong>I"Povoa<strong>do</strong>s Nº de famílias Nº de habitantes1 Águas Belas 8 252 Baracatatiua 26 803 Barbosa 2 24 Brito 22 965 Caiuaua 2 36 Itapera 19 637 Mamuna (Mamona) 56 2158 Mamuninha 12 409 Pacoval 2 210 São Francisco 2 7TOTAL 151 533FONTE: MAer - Infraero-CLA; novembro de 1998.Povoa<strong>do</strong>s previstos para assentamento das famílias deslocadas"Transferência e Assentamento <strong>II</strong>I"Povoa<strong>do</strong>s* Nº de famílias Nº de habitantes1 Cajitiua 3 102 Esperança 9 353 Itapuaua 44 1534 Murari 14 585 Perizinho 33 118TOTAL 103 374FONTE: MAer - Infraero-CLA; novembro de 1998.Nota:(*) As variações no número de habitantes por povoa<strong>do</strong>, cotejan<strong>do</strong>-se os da<strong>do</strong>s da Funasa, de agosto de 2001, comaqueles da revisão <strong>do</strong> cadastramento executada pela Infraero-CLA, em novembro de 1998, são da seguinte ordem:a) há quatro povoa<strong>do</strong>s que, na listagem da Funasa, apresentam um número de habitantes maior <strong>do</strong> que aqueleassinala<strong>do</strong> pela Infraero-CLA. Trata-se de Esperança, São Francisco, Itapera e Baracatatiua com as diferenças numéricasrespectivas: 01 (hum) , 04 (quatro), 19 (dezenove) e 21 (vinte-e-um) habitantes;b) há um povoa<strong>do</strong>, Brito, cujo total de habitantes arrola<strong>do</strong> por ambas as fontes aqui cotejadas é exatamente o mesmo;c) há quatro povoa<strong>do</strong>s que na listagem da Funasa apresentam um número de habitantes menor <strong>do</strong> que aqueleassinala<strong>do</strong> no levantamento da Infraero-CLA, quais sejam: Mamuna, com menos 51 habitantes; Águas Belas, commenos seis; Murari com menos 17 e Cajitiua, com menos 15 habitantes.23


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Os procedimentos usuais de agregação, que seriam discutíveis num censocom categorias antropológicas que privilegiaria as formas nativas de agrupamento, consistemem práticas recorrentes nos cadastramentos com finalidade político-administrativa e é emvirtude disso que se impuseram as relativizações efetuadas.24


2.As comunidades residentes na área pretendidapelo Poder Público Federal, para fins deinstalação <strong>do</strong> Centro de Lançamento deAlcântara, ora em processo de desapropriação,são remanescentes de quilombos? Quais osfundamentos que embasam a conclusão <strong>do</strong>perito?Sim. Há fatores históricos, identitários e de conflito étnico que fundamentamessa assertiva. Uma análise crítica da formação histórica de Alcântara e <strong>do</strong>s atuaisantagonismos sociais mediante a implantação da base de lançamento de foguetes possibilitaa compreensão <strong>do</strong> processo de emergência dessas comunidades remanescentes dequilombos, desfazen<strong>do</strong> a auto-evidência das interpretações oficiosas de senso comumque só focalizam Alcântara <strong>do</strong> prisma da decadência de uma aristocracia agrária <strong>do</strong>stempos coloniais.Destacamos este procedimento analítico a partir das próprias experiências decoleta de da<strong>do</strong>s durante o trabalho de campo pericial, que foi realiza<strong>do</strong> numa situação deantagonismos latentes em que as narrativas <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, quaisquer que fossem, refletiamde mo<strong>do</strong> explícito a agudez desses conflitos. Os mora<strong>do</strong>res da área pretendida pelo CLAvivem a ameaça constante de perderem bens essenciais. Consideram que suas característicasculturais mais antigas e contrastantes mostram-se abaladas pela instalação <strong>do</strong> CLA, que vemlimitan<strong>do</strong> drasticamente a sua sobrevivência física, sobretu<strong>do</strong> ao desapropriar extensa área, aodeslocar compulsoriamente povoa<strong>do</strong>s centenários, afetan<strong>do</strong> a reprodução das famílias, e aoameaçar deslocar outros. Ressentem-se de uma total indefinição quanto ao futuro. Demonstramisso ao sublinhar que os responsáveis pela implantação <strong>do</strong> CLA, nesses 22 anos, desde adecretação da área, jamais lhes apresentaram publicamente um cronograma de execução dasatividades previstas referente a deslocamentos de famílias, para que possam ter conhecimentodas operações de que são objeto. Em certa medida, externam uma percepção crítica quantoà maneira de serem trata<strong>do</strong>s como se não existissem enquanto sujeitos ou como se fossem"coisa", associan<strong>do</strong> a ação <strong>do</strong> CLA, nesse contexto, a uma espécie de volta a um passa<strong>do</strong>remoto que intitulam "tempo da escravidão", "cativeiro" ou "antes <strong>do</strong>s brancos irem embora".Interdições à pesca e à coleta e ao livre acesso às praias e a caminhos e trilhas centenários,agora controla<strong>do</strong>s pela base militar, reforçam esse sentimento. Acontecimentos dessa ordem,que serão analisa<strong>do</strong>s adiante, levam os entrevista<strong>do</strong>s a ativar a memória de maneira seletiva,além de provocar impactos sobre sua percepção de si mesmos em face <strong>do</strong>s direitos coletivosinstituí<strong>do</strong>s juridicamente para assegurar a persistência de diferenças culturais e étnicas.Em virtude disso é que se pode destacar previamente que o conflito social emAlcântara institui uma forma de presencialidade <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, levan<strong>do</strong> os procedimentos detrabalho de campo relativos ao lau<strong>do</strong> pericial a discutirem fatos de uma memória oculta ehistoricamente reprimida. Esse tipo de memória é provocada por uma situação limite que,ao colocar em jogo a sobrevivência <strong>do</strong> grupo, acaba tornan<strong>do</strong> transparentes acontecimentos,


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2representações e elementos identitários que tradicionalmente eram manti<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> umainvisibilidade social. O conflito social cria condições de possibilidade para que venha à tona oideal de autonomia e de trabalho livre, por conta própria. Constata-se uma mobilizaçãoconstante de resistência <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s a formas de imobilização da força de trabalho, adeslocamentos compulsórios e a outras medidas repressoras que reatualizam cotidianamentepráticas de um regime escravista. Nesse contexto é que representam como submissão e que évivida como rebaixamento moral a situação <strong>do</strong>s que foram desloca<strong>do</strong>s para as agrovilas eque foram desprovi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s meios de se manterem por conta própria. Em contrapartida,ganham visibilidade antigas práticas clandestinas, ocultas, que permitem mapear Alcântarapelos traços contrastantes, em face de um sistema escravista que, ainda na vigência daadministração colonial não conseguiu manter imobilizada de maneira plena a força de trabalho.Multiplicam-se marcas evidentes dessa resistência, dispersas em práticas clandestinas de plantarem terras proibidas pelo CLA e designações <strong>do</strong> cotidiano que reativam a memória coletiva.Designam, por exemplo, como mocambo 1 , consoante a toponímia local, um lago localiza<strong>do</strong>próximo ao povoa<strong>do</strong> de Peru, ou um outeiro em Castelo, ou um grupo de casas no antigoJarucaia ou, ainda, os denomina<strong>do</strong>s palheiros, edificações cobertas e revestidas nas lateraissomente com folhas de pin<strong>do</strong>va, como foi possível observar em Rio <strong>do</strong> Pau. Podem serressaltadas também as referências constantes a locais de refúgio, em trechos de capoeiras maisdensas, onde há menções a velhas trilhas de escravos, como em Esperanças e Itapuaua. E asmenções a lugares onde pernoitavam escondi<strong>do</strong>s ou onde diziam haver ossadas de ga<strong>do</strong>rouba<strong>do</strong>, pedaços de tiras de couro esgarçadas ou ainda onde diziam haver restos de ostrasacumula<strong>do</strong>s, que seriam vestígios <strong>do</strong> comer às escondidas, como em Brito, Itapera e Itapuaua.Embora não tenha havi<strong>do</strong> menções explícitas a terrenos de cultivo nesses lugares, sempreenfatizam que havia muita farinha e que nas farinhadas se comia à vontade. Há ainda umpovoa<strong>do</strong> cujo nome encerra esse senti<strong>do</strong> simbólico: "Fora cativeiro". Utilizam o termocativeiro para designar o regime de trabalho força<strong>do</strong> em qualquer tempo, seja no perío<strong>do</strong>colonial, seja hoje. To<strong>do</strong>s esses lugares livres, que expressam uma vida autônoma e por contaprópria, seja no processo de produção, seja na esfera <strong>do</strong> consumo, fora <strong>do</strong> alcance da açãocoercitiva de outrem, são também conheci<strong>do</strong>s localmente como toca, que é um sinônimo deesconderijo 2 .São frequentes também casos referi<strong>do</strong>s à fuga ou pegação, que é comonomeiam as formas de recrutamento obrigatório para prestar serviços guerreiros ou militares.Narram casos das andanças na beira-campo de Santo Antonio e Almas <strong>do</strong> "bandi<strong>do</strong> quefugin<strong>do</strong> da prisão, buscava vingança e matava feitores", lembra<strong>do</strong> pelos mais velhos como"negro Tito". Relatam situações passadas em que to<strong>do</strong>s os homens <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>spermaneciam escondi<strong>do</strong>s nas matas ou em que a<strong>do</strong>lescentes ficavam escondi<strong>do</strong>s sob assaias das mães para não serem leva<strong>do</strong>s. Para onde seriam leva<strong>do</strong>s, nunca se sabe ao certo,mas os entrevista<strong>do</strong>s sempre fazem menção a guerras e as especificações circunscrevem-se,no mais das vezes, à mencionada "guerra paraguaia". Esses depoimentos foram coleta<strong>do</strong>sem São Raimun<strong>do</strong> <strong>II</strong>, Canelatiua, São João de Cortes e Baixa Grande. Enquanto narrativas,para além da questão da fidedignidade <strong>do</strong>s fatos, podem ser lidas como míticas ou comorelatos simbólicos da recriação constante da sua condição de "libertos". Elas privilegiam,nesse senti<strong>do</strong>, atos de resistência a medidas de constrangimento, as quais sempre parecem26


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidapretender reinstaurar o que classificam de "tempo da escravidão". Tais atos são vivi<strong>do</strong>scomo elementares para revigorar a coesão entre os grupos familiares e manter os planosorganizativos que estruturam socialmente os povoa<strong>do</strong>s.Transcenden<strong>do</strong> a um mero, léxico tem-se um repertório de ações que negamdisposições impositivas, capazes de cercear seus movimentos ou ainda de subordiná-lospela força bruta. Essas ações, embora à margem <strong>do</strong> ordenamento jurídico colonial, nãosão vividas necessariamente como transgressões. Ao contrário, são narradas como legítimase tanto mais pelos media<strong>do</strong>res <strong>do</strong> grupo – líderes sindicais, representantes de povoa<strong>do</strong>s,mandatários municipais, militantes <strong>do</strong> Movimento Negro – cujos depoimentos dereinterpretação dessa ordem de fatos são relevantes 3 . Além disso, aquelas práticas deresistência resultam por convergir para uma categoria construída simultaneamente: tantoa partir de um critério político-organizativo, que contesta a subordinação com a afirmaçãode uma identidade étnica, quanto de uma autonomia no processo produtivo e na esferade consumo. A combinação de ambas corresponde à noção ressemantizada de quilombo 4 .O significa<strong>do</strong> de quilombo compreende um processo de trabalho autônomo,que por atos delibera<strong>do</strong>s recusa a submissão forçada a terceiros, e as respectivas práticasde livre comercialização de sua produção agrícola e extrativa. Compreende formas decooperação simples e práticas de reciprocidade positivas entre as unidades familiares quese agrupam sob uma mesma identidade e em face <strong>do</strong>s mesmos antagonistas. Tem-se aquiuma afirmação, simultaneamente étnica e econômica, de produzir para circuitos demerca<strong>do</strong> e de reverter <strong>do</strong>mínios fundiários reconheci<strong>do</strong>s pela legislação colonial, emvirtude de os grandes proprietários terem perdi<strong>do</strong> o seu poder de coerção, como nocaso de Alcântara, e busca<strong>do</strong> acor<strong>do</strong>s verbais prometen<strong>do</strong> alforria e terras, ante aincapacidade de saldarem suas dívidas com comerciantes e de proverem os recursospara a escravatura se alimentar e produzir. Nesse senti<strong>do</strong>, vale repetir: não importa tantose o quilombo acha-se localiza<strong>do</strong> distante ou próximo das casas-grandes ou os demaisaspectos formais da definição <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> colonial, mais valen<strong>do</strong> o grau de autonomiaque os membros das comunidades remanescentes de quilombos historicamente adquirirame a territorialidade específica que socialmente construíram em sucessivos atos de resistência,que resultaram na garantia da persistência de suas fronteiras.A transição <strong>do</strong> léxico de rotina e de ações de resistência atomizadas eindividuais para uma identidade que expressa uma existência coletiva não é simples e sóse mostra factível, no caso analisa<strong>do</strong>, mediante uma mobilização étnica, entenden<strong>do</strong>-se ogrupo étnico como tipo organizacional (Barth, 2000:11), isto é, o grupo passa a ser vistocomo uma forma de organização social. Enquanto há grupos que não se mobilizamem torno de seu pertencimento étnico que sugere auto-evidente, há outros que,diante da invisibilidade social prevalecente, como no caso de Alcântara, têm queconstruí-lo. A vicissitude dessa construção implica em se fazer conheci<strong>do</strong> em face <strong>do</strong>soutros de uma maneira distinta, através de atos que expressem uma existência coletiva.As formas de organização e as estratégias de mobilização continuada contra circunstanciaisantagonistas significam instrumentos que tornam factível essa passagem. Detectá-las edescrevê-las torna-se uma condição essencial na identificação das comunidadesremanescentes de quilombos, bem como re-interpretar os fatos históricos subjacentes àemergência dessa identidade étnica.27


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Desse mo<strong>do</strong>, consoante estu<strong>do</strong>s anteriormente realiza<strong>do</strong>s, pode-se asseverar,para efeito de introdução, que o conhecimento da estrutura social de Alcântara aponta paraparticularidades históricas de sua formação agrária e para especificidades de natureza étnica,que a distinguem de outras regiões da Amazônia e <strong>do</strong> Nordeste.O intenso movimento de concessão de terras em Alcântara com grandesestabelecimentos agrícolas, apoia<strong>do</strong>s no trabalho escravo e na monocultura de algodão,beneficia<strong>do</strong>s por vantagens financeiras e mercantis propiciadas pela Companhia Geral<strong>do</strong> Grão-Pará e Maranhão, a partir de 1755, e articula<strong>do</strong> com o confisco das terras deordens religiosas e com a expulsão <strong>do</strong>s jesuítas, teve duração efêmera. Embora as medidaspombalinas tivessem dinamiza<strong>do</strong> o processo produtivo e coloca<strong>do</strong> os produtos <strong>do</strong>Maranhão e, notadamente, de Alcântara – que era considerada, em 1760, a vila maispróspera da região –, no merca<strong>do</strong> internacional, seus resulta<strong>do</strong>s não foram dura<strong>do</strong>uros.Diferentemente da costa nordestina em que as grandes plantações de açúcar mantiveramse,durante o perío<strong>do</strong> colonial, como o centro <strong>do</strong>minante mais estável da economiabrasileira (Velho, 1976:115), em Alcântara ocorreu um abrupto declínio <strong>do</strong>sestabelecimentos agrícolas dedica<strong>do</strong>s ao cultivo <strong>do</strong> algodão a partir da extinção daCompanhia Geral em 1778 e <strong>do</strong> fim de seu monopólio comercial. A alta <strong>do</strong>s preços noúltimo quartel <strong>do</strong> século XV<strong>II</strong>I, propiciada pela expansão da indústria têxtil britânica epela independência das colônias inglesas que vieram a formar os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, mesmoten<strong>do</strong> gera<strong>do</strong> divisas e caracteriza<strong>do</strong> um perío<strong>do</strong> de "prosperidade no Maranhão"(Furta<strong>do</strong>, 1975:90), não foi suficiente para assegurar um desenvolvimento constantedaqueles empreendimentos agrícolas. Enquanto no Nordeste os estabelecimentosaçucareiros incorporaram tecnologia e se transformaram em plantations 5 , não obstante atendência secular a uma decadência gradativa – em virtude, sobretu<strong>do</strong>, da competição,na segunda metade <strong>do</strong> século XV<strong>II</strong>, das plantações das Antilhas –, em Alcântara osestabelecimentos agrícolas não lograram estabilidade nem desenvolveram uma parteindustrial para beneficiamento <strong>do</strong> algodão e desagregaram-se vertiginosamente. Apósos efeitos da guerra de independência, os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s organizaram sua economia deplantations no sul, passan<strong>do</strong> a produzir algodão em maior quantidade, com fibra dequalidade superior, e a controlar o merca<strong>do</strong> mundial <strong>do</strong> produto no início <strong>do</strong> séculoXIX. A queda de preço <strong>do</strong> algodão, resultante dessa reorganização <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, chegouao fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> poço em 1819 e acentuou o endividamento <strong>do</strong>s fazendeiros junto às casascomerciais portuguesas e inglesas de São Luís 6 , apressan<strong>do</strong> o aban<strong>do</strong>no das fazendas emAlcântara.As limitações ecológicas, de solos frágeis e arenosos, e o uso predatório <strong>do</strong>srecursos naturais com queimada das matas para plantio de algodão e cana-de-açúcar,durante mais de quarenta anos consecutivos, numa área não superior a 120 mil hectares –observa<strong>do</strong>s, em janeiro de 1820, pelo coronel engenheiro Pereira <strong>do</strong> Lago, quan<strong>do</strong> desua passagem pela estrada <strong>do</strong> Pirau-açu (Periaçu), que alcançava o Grão-Pará, passan<strong>do</strong>pelas fazendas entre a cidade de Alcântara e o porto de São João de Cortes (Pereira <strong>do</strong>Lago, 1872:388) –, também teriam contribuí<strong>do</strong> para o célere declínio da economiaalgo<strong>do</strong>eira. A expansão das fazendas de algodão teria se defronta<strong>do</strong> com limitesinsuperáveis, ocasionan<strong>do</strong> uma derrocada em Alcântara profundamente devasta<strong>do</strong>ra edistinta daquela <strong>do</strong> Vale <strong>do</strong> Itapecuru, que, tanto no perío<strong>do</strong> da Guerra de Secessão28


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidanorte-americana quanto no final <strong>do</strong> século XIX, conheceu, inclusive, uma reativação <strong>do</strong>plantio de algodão consolida<strong>do</strong> até a década de 1950-60 pelas indústrias têxteis de Codó,Caxias e Coroatá.Em conformidade com a formulação teórica de Wolf e Mintz, pode-seasseverar que em Alcântara não teriam ocorri<strong>do</strong> plantations, mas tão-somente fazendas.Ademais, ocorreu uma absoluta desagregação dessas fazendas, que, pelas exigências régiasde confirmação, não eram propriamente propriedades privadas, senão concessões desesmarias. Num tempo historicamente curto, elas simplesmente deixaram de existir. Nãohouve qualquer transição para trabalho assalaria<strong>do</strong>, nem tampouco ocorreu umdesmembramento <strong>do</strong>s grandes estabelecimentos com a formação de um campesinatoparcelar individualiza<strong>do</strong> em pequenas glebas, que posteriormente fossem reconhecidascomo propriedade privada.O processo de desagregação dessas fazendas de algodão levou inicialmente aoadvento de uma pequena agricultura subordinada, correspondente a uma situação incipiente eintermediária entre escravo e camponês ou ainda a um "protocampesinato escravo", caso seconsidere a interpretação de Mintz, relativa às plantations de sociedades caribenhas (Haiti, Cuba,Santa Lucia, São Vicente) 7 , como fenômeno aproximável. A desorganização da produçãoalgo<strong>do</strong>eira em Alcântara foi, entretanto, de tal ordem e tão completo foi o aban<strong>do</strong>no dasfazendas pelos senhores – venden<strong>do</strong> telhas, baldrames de casas-grandes destruídas,desmontan<strong>do</strong> meios de trabalho e demais benfeitorias –, que tão logo resultou só em ruínas,como se poderá constatar adiante. Semelhante desmonte viabilizou o surgimento de umacamada de pequenos produtores agrícolas com autonomia no processo produtivo,desenvolven<strong>do</strong> práticas de uso comum de recursos naturais bastante exauri<strong>do</strong>s e relativamentelivres da <strong>do</strong>minação senhorial. A autoridade senhorial nessas fazendas tornou-se mais simbólica,tal como já sucedera com o senhorio eclesiástico nas terras da Companhia de Jesus, desde1760, e das demais ordens, a partir de 1821, manifestan<strong>do</strong>-se, seja através de prepostos e dastentativas jurídico-formais de validar as cartas de datas e de sesmarias, entre 1777 e 1816, oude reconfirmá-las entre 1854 e 1857, consoante as exigências da Lei de Terras n 0 . 601, de 18de setembro de 1850; seja através de termos de <strong>do</strong>ação aos escravos ou <strong>do</strong> simples aban<strong>do</strong>nodas fazendas.Escravos, cuja aquisição havia si<strong>do</strong> facilitada pela Companhia Geral deComércio, índios desaldea<strong>do</strong>s e que se mantinham livres nas antigas fazendas das ordensreligiosas, ex-escravos e alforria<strong>do</strong>s e também escravos fugi<strong>do</strong>s compunham essa camadade pequenos produtores agrícolas em formação. O elemento mais contrastante nesseprocesso de completa derrocada é a debilidade econômica <strong>do</strong>s sesmeiros em manter, demaneira plena, uma produção que não fosse para exportação e sua incapacidade deacionar mecanismos de repressão da força de trabalho capazes de inibir os des<strong>do</strong>bramentosdaquela autonomia. Quer dizer, não há registros de tentativas de reorganização da produçãoe nem há tampouco informações de que tenham consegui<strong>do</strong> mobilizar efetivos militaressuficientes para reverter tal quadro. Sublinhe-se que esses acontecimentos coincidem comum perío<strong>do</strong> histórico atribula<strong>do</strong> que se inicia com conflitos políticos em Portugal, quelevaram a família real a deslocar-se para a colônia, culminan<strong>do</strong> com as lutas pelaindependência em 1822 e 1823. Coincidem, de igual mo<strong>do</strong>, com o colapso <strong>do</strong>mercantilismo e <strong>do</strong> monopólio das grandes companhias de comércio, mediante a29


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2prevalência <strong>do</strong>s princípios liberais que inspiraram a decisão real de abertura <strong>do</strong>s portos,em 1808, e de trata<strong>do</strong>s de comércio e amizade com a Inglaterra, em 1810.A partir <strong>do</strong> início <strong>do</strong> século XIX, os registros administrativos sobrequilombos na região de Alcântara, cujas primeiras ocorrências datam desde o início <strong>do</strong>século XV<strong>II</strong>I, aumentam significativamente. As articulações entre os quilombolas e osescravos das fazendas arruinadas tornam-se mais orgânicas e consolidadas, tornan<strong>do</strong>-sequase impossível distinguí-los com exatidão. Tal como os escravos, os quilombos tambémpassam a ser designa<strong>do</strong>s pelas fazendas nas quais se manifestam, tornan<strong>do</strong> indubitávelque sua localização geográfica não se encontrava fora <strong>do</strong>s limites físicos das fazendas.Em decorrência, as campanhas armadas contra os quilombos são parcialmente reeditadase se voltam também para essas fazendas em desagregação, conforme noticia o coronelPereira <strong>do</strong> Lago, em 1820, ao mencionar o "quilombo <strong>do</strong>s pretos de Viveiros" e aquele"da Fazenda das Mercês" (Pereira <strong>do</strong> Lago, 2001:28). Os registros constatam que osquilombos mantêm uma produção regular e contatos sistemáticos com comerciantes,concorren<strong>do</strong> para o abastecimento de farinha e arroz das fazendas de ga<strong>do</strong> da beiracampo,<strong>do</strong>s núcleos urbanos regionais e da capital São Luís. Transcenden<strong>do</strong> àquela situaçãode "protocampesinato escravo", constata-se que, tanto dentro quanto fora <strong>do</strong>s <strong>do</strong>míniosfísicos das fazendas de algodão e de cana-de-açúcar, esses produtores autônomos foramse consolidan<strong>do</strong> enquanto um campesinato, trabalhan<strong>do</strong> a terra com suas unidadesfamiliares e venden<strong>do</strong> livremente sua produção agrícola nos circuitos de merca<strong>do</strong> relativosaos gêneros básicos, coletan<strong>do</strong> especiarias da floresta, extrain<strong>do</strong> amên<strong>do</strong>as de côco babaçue dedican<strong>do</strong>-se à pesca marítima e nos rios e igarapés. O instituto das Cartas Régias nãoresistiu, em Alcântara, a essa trajetória ascendente de povoa<strong>do</strong>s que, para além de umasimples figura jurídica de apossamento, consolidaram direitos étnicos através da emergênciadas territorialidades específicas, intituladas pelos entrevista<strong>do</strong>s como: terras de preto,terras de caboclo e terras de santo. Essa dinâmica de estabilização e de autonomiaresultou por fortalecer uma identidade própria, articulan<strong>do</strong> atividades agrícolas e extrativas,e por favorecer uma delimitação bastante sólida das territorialidades específicas de acor<strong>do</strong>com a forma de desintegração de cada uma das fazendas, seja de algodão ou de canade-açúcar,seja de sesmeiros ou de ordens religiosas. São essas delimitações que vigemhoje, passa<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is séculos. Isso, não obstante acentua<strong>do</strong>s conflitos, em virtude, sobretu<strong>do</strong>,das medidas repressivas a<strong>do</strong>tadas pelo governo provincial a partir de 1835, quan<strong>do</strong>detém o governo da província um membro da "aristocracia alcantarense" (Viveiros, 1975:109)referi<strong>do</strong> às fazendas, da beira-campo, no Tubarão, Antônio Pedro da Costa Ferreira, Barãode Pindaré. Através da Lei nº 5, de 23 de abril de 1835, instituiu um corpo de polícia ruralvolta<strong>do</strong> para a vigilância <strong>do</strong> campo "onde se açoitavam os escravos que fugiam <strong>do</strong> <strong>do</strong>míniode seus senhores, e os malfeitores que depredavam os ga<strong>do</strong>s" (Leal, 1873:254, 255). Porintermédio da Lei nº 21, de 17 de junho de 1836, criou ademais o corpo de polícia da província.Os efeitos dessas medidas se fizeram sentir em Alcântara apenas episodicamente, em 1837-38,no caso <strong>do</strong>s quilombos de Itamatatiua, antiga fazenda da Ordem <strong>do</strong> Carmo. Com a guerrada Balaiada, entre 1839 e 1841, os efeitos militares foram concentra<strong>do</strong>s nos Vales <strong>do</strong> Itapecurue <strong>do</strong> Parnaíba e o aparato repressivo foi inteiramente redefini<strong>do</strong> na província <strong>do</strong> Maranhão.Após a guerra, objetivan<strong>do</strong> reinstaurar a disciplina <strong>do</strong> trabalho nas fazendas,novas medidas foram instituídas pela legislação provincial. Quan<strong>do</strong> da tentativa oficial, também30


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidamalograda, de implantação de engenhos de açúcar no Maranhão e principalmente em Alcântara– que começou em 1847, no governo de outro membro da "aristocracia alcantarense" (Viveiros,1975:109), o sena<strong>do</strong>r Joaquim Franco de Sá, genro <strong>do</strong> Barão de Pindaré –, foi promulgadauma lei específica para combater os quilombos: a Lei nº 236, de 20 de agosto de 1847. Asiniciativas subsequentes e episódicas, que sempre intentaram instituir o aforamento, só lograramêxito, imobilizan<strong>do</strong> a força de trabalho, por curtos perío<strong>do</strong>s de tempo sem conseguiremafetar profundamente a autonomia conquistada por escravos e ex-escravos nas terras dasantigas sesmarias. A um malogro econômico sucederam outros, tal como a falência <strong>do</strong>sengenhos de açúcar, resultan<strong>do</strong> numa nova campanha militar contra os quilombos. Foi encetadano início de 1878 pelo vice-presidente da província Carlos Fernan<strong>do</strong> Ribeiro, Barão de Grajaú,também da nobreza alcantarense, proprietário <strong>do</strong> maior engenho da província, o EngenhoGerijó, e genro <strong>do</strong> menciona<strong>do</strong> sena<strong>do</strong>r Franco de Sá. Embora estivesse debilitada a autoridadesenhorial, pelos repeti<strong>do</strong>s insucessos econômicos, foi empreendida uma ação militar amplaque levou à destruição <strong>do</strong> quilombo <strong>do</strong> Limoeiro, tornan<strong>do</strong>-o uma presa de guerra parainstalação das colônias agrícolas com famílias cearenses, que foram trazidas pelos vaporesimperiais para o Maranhão em virtude da grande seca que afetou o Nordeste em 1877. Àsruínas das fazendas de algodão acrescentavam-se, portanto, aquelas <strong>do</strong>s engenhos.Abriu-se um novo capítulo de aban<strong>do</strong>no das fazendas, de vendas deequipamentos e bens móveis, de <strong>do</strong>ações de terras a escravos e de instituição <strong>do</strong> aforamento.Os senhores de engenho remanescentes haviam se torna<strong>do</strong> absenteístas, residin<strong>do</strong> fora desuas terras e manten<strong>do</strong> com elas uma relação intermediada por prepostos, escolhi<strong>do</strong>s entre aspróprias famílias de escravos, principalmente entre os escravos <strong>do</strong>mésticos. Essa ausênciaacabou se tornan<strong>do</strong> permanente, como já ocorrera com os fazendeiros de algodão no início<strong>do</strong> século XIX, as benfeitorias se aluíram e não há registros de retornos efetivos ao controledas antigas fazendas, senão numa única situação 8 .Semelhante derrocada econômica, que desde 1850 já fazia de Alcântara umacidade em aban<strong>do</strong>no, propiciou condições para que se tornasse estável uma vasta redesocial, com mais de duas centenas de povoa<strong>do</strong>s, que foram sen<strong>do</strong> erigi<strong>do</strong>s sobre essasruínas das fazendas, numa extensão em torno de 150.000 hectares, abrangen<strong>do</strong>, duranteo perío<strong>do</strong> imperial, pelo menos três freguesias (São João de Cortes, Apóstolo São Matiase Santo Antonio e Almas) 9 e crian<strong>do</strong> um complexo sistema de trocas e de solidariedade,marca<strong>do</strong> por formas de ajuda mútua e reciprocidade positiva entre diferentes gruposfamiliares. Para definir esse sistema, os entrevista<strong>do</strong>s usualmente definem sua forma deutilização <strong>do</strong>s recursos naturais como em comum. A relação com o ecossistema,preservan<strong>do</strong> cocais, juçarais, manguezais e terras agriculturáveis, disciplinan<strong>do</strong> o uso deinstrumentos de pesca e manten<strong>do</strong> reservas de matas para extração de madeira (bacurijuba,paparaúba) para construções de casas, embarcações e benfeitorias, tornou-segradativamente mais equilibrada, além de atentamente acompanhada por determinadasfamílias e/ou pessoas, cuja autoridade para tanto é reconhecida no plano comunitário.A autonomia de decisão sobre o que produzir, como e onde, lançan<strong>do</strong>mão de que recursos naturais, aproxima tanto os denomina<strong>do</strong>s índios e pretos quantoos chama<strong>do</strong>s caboclos, fixan<strong>do</strong> um padrão cultural apoia<strong>do</strong> num repertório de práticascorrespondente ao que designam de roça. Essa designação polissêmica, mais que umareferência aos tratos culturais ou, num senti<strong>do</strong> restrito, ao plantio de mandioca e ainda31


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2uma divisão sexual e etária <strong>do</strong> trabalho, expressa uma certa maneira de viver e de ser;mais que um modelo de relação antrópica com recursos escassos, compreende umestilo de vida que vai desde a definição <strong>do</strong> lugar <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s, passan<strong>do</strong> pela escolha<strong>do</strong>s terrenos agriculturáveis, e <strong>do</strong>s locais de coleta, de caça e de pesca, até os rituais depassagem que asseguram a coesão social em festas religiosas (tambor de crioula,procissões e demais cerimônias), em bailes ("radiolas de reggae"), em funerais ebatiza<strong>do</strong>s. Essa designação expressa, ademais, uma representação particular <strong>do</strong> tempo,traduzida por intrinca<strong>do</strong>s calendários agrícolas e extrativos, e uma noção de espaçomuito peculiar orientan<strong>do</strong> o uso simultâneo, para cada unidade familiar, de diversasáreas de cultivo não necessariamente contíguas. A composição da unidade de trabalhopara realização desses menciona<strong>do</strong>s tratos culturais é absolutamente familiar e articuladapor fora das exigências intrínsecas <strong>do</strong> processo de produção. Ela é pré-definida noplano das relações de parentesco e de afinidade, refletin<strong>do</strong> a própria composição dafamília e suas interações mais diretas, consubstancian<strong>do</strong> a idéia <strong>do</strong> povoa<strong>do</strong> como"entidade afetiva" (Pra<strong>do</strong>, 1974:64). Pode-se asseverar que a chamada roça trata-se deuma referência essencial que sedimenta as relações intrafamiliares, e entre osdiferentes grupos familiares, além de assegurar um caráter sistêmico àinterligação entre os povoa<strong>do</strong>s. Ela consiste, além disso, num traço invariante e nosímbolo exponencial da conquista de autonomia e, em decorrência, da identidade quelhe corresponde. Não há unidade familiar que não se estruture a partir das atividadesessenciais a ela referidas, seja asseguran<strong>do</strong> o autoconsumo ou obten<strong>do</strong>, a partir dacolocação da produção no merca<strong>do</strong>, a receita imprescindível para atender às necessidadesbásicas. Os agentes sociais avaliam capacidades pessoais e se reconhecem uns aos outrosa partir dela. Nesse senti<strong>do</strong> é que se pode asseverar que a etnicidade entra também eminteração com uma certa maneira de produzir, de se relacionar com os recursos naturais,de agir segun<strong>do</strong> uma temporalidade própria, de delimitar grupos sociais interagin<strong>do</strong>com outros e estabelecen<strong>do</strong> os fundamentos de uma ação coletiva.Um <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s da persistência desses elementos de identidade étnicatem si<strong>do</strong> a certeza da viabilidade, já quase bi-centenária, dessa pequena agricultura autônoma,baseada num sistema de uso comum, numa área onde a grande exploração, além de falir,acarretou o rápi<strong>do</strong> esgotamento <strong>do</strong> solo e o uso predatório <strong>do</strong>s recursos. Essas instituiçõessociais peculiares, que compõem o sistema de uso comum <strong>do</strong>s recursos 10 , ligan<strong>do</strong> osgrupos aos circuitos de merca<strong>do</strong>s e rompen<strong>do</strong> com quaisquer noções de isolamento,mostram-se informais e de certo mo<strong>do</strong> invisíveis em termos jurídicos. A despeito dequalquer tipo de reconhecimento formal, consolidaram efetivamente diferentes <strong>do</strong>mínioscom seus respectivos planos organizativos de relações sociais, cada um deles agrupan<strong>do</strong>inúmeros povoa<strong>do</strong>s, designa<strong>do</strong>s localmente, consoante o contexto, como terras de santo,terras da santa, terras de santíssimo, terras de santíssima, terras santistas, terrasde caboclo e terras de preto, compreenden<strong>do</strong> as antigas terras de instituições pias ereligiosas, as antigas sesmarias e posses centenárias. Por constituírem territorialidadesespecíficas, suas fronteiras não correspondem exatamente à fixidez <strong>do</strong>s limites físicos dasfazendas, ou seja, não se esgotam necessariamente na correspondência ao perímetro deimóveis rurais. Observa-se uma interpenetração entre elas, com as denominadas terrasde preto se atualizan<strong>do</strong> e sobrepon<strong>do</strong>-se às terras de santo, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que as32


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidachamadas terras de caboclo se dispõem em face das terras de santíssimo. Enquantoterritorialidades específicas, cujos planos organizativos se interseccionam de maneiraarticulada, elas convergem para a estruturação de um território étnico, distinguin<strong>do</strong>-se danoção estrita de terra, considerada como recurso básico fisicamente delimita<strong>do</strong>. Assim,pode-se afirmar que as denominações a<strong>do</strong>tadas para nomear essas territorialidadesespecíficas, mais que meros termos ou expressões, consistem em categorias classificatóriasque apontam para as características intrínsecas e plurais da identidade étnica <strong>do</strong>s agentessociais em questão. Eles se autodenominam e são denomina<strong>do</strong>s por aqueles com os quaisinteragem, consoante a situação específica, como pretos e/ou caboclos. Não se observamdiferenças sensíveis entre as categorias reivindicadas por eles próprios e aquelas que lhessão atribuídas por outros. Na medida em que esses agentes sociais se investem de identidadesétnicas para categorizarem-se a si mesmos e às terras que historicamente ocupam,mobilizan<strong>do</strong>-se coletivamente para fins de interação e manutenção <strong>do</strong>s recursos necessáriospara sua reprodução, eles compõem grupos étnicos no senti<strong>do</strong> organizacional 11 , quetransitam entre diferentes modalidades de <strong>do</strong>mínio e de planos organizativos, construin<strong>do</strong>coletiva e socialmente o seu território.O que se observa de mais peculiar e aparentemente mais para<strong>do</strong>xal nesseprocesso de territorialização ora examina<strong>do</strong> é que a análise explicativa da afirmação dascaracterísticas das comunidades remanescentes de quilombo passa pelo seu contrário,através da arqueologia das fazendas de algodão e <strong>do</strong>s engenhos. Tomada a M. Foucault,essa modalidade de descrição arqueológica (Foucault, 1972:167) reinterpreta os méto<strong>do</strong>susuais de investigação científica, deslocan<strong>do</strong> a análise para o que ficou à margem dahistória político-administrativa, para o que foi considera<strong>do</strong> residual e para o que contrarioudisposições jurídico-formais. Para tanto, relativiza o peso das fontes <strong>do</strong>cumentais earquivísticas oficiais e recusa uma interpretação historicista que se desenvolva linearmente<strong>do</strong> passa<strong>do</strong> para o presente, explican<strong>do</strong>-o. Refuta, nesse senti<strong>do</strong>, a monotonia dahistoriografia oficiosa regional, que consagrou a opulência das casas-grandes e <strong>do</strong>s engenhosde Alcântara, perpetuan<strong>do</strong>-a, através da monumentalidade das ruínas, para além dascontingências de sua existência efetiva. Consoante essa descrição arqueológica, as ruínasdessas fazendas podem ser lidas sociologicamente como resulta<strong>do</strong> da contradição entrequilombo – enquanto processo de trabalho e de moradia absolutamente autônomo, livrede qualquer submissão e sustenta<strong>do</strong> fundamentalmente por unidades de trabalho familiar,que cultivam principalmente gêneros alimentícios – e a economia escravista de agriculturatropical, com grandes estabelecimentos apoia<strong>do</strong>s no trabalho escravo, no monopólio daterra e na monocultura. Nos seus des<strong>do</strong>bramentos, tal abordagem privilegia uma análisecrítica das representações, discursos e práticas produzidas por membros das comunidadesremanescentes de quilombo, bem como possibilita uma reinterpretação de seu campo derelações simbólicas. Está-se diante de uma aparente inversão, que focaliza empiricamente asruínas das fazendas como concorren<strong>do</strong> de maneira positiva para a coesão social dessasmencionadas comunidades, cuja trajetória histórica consiste justamente na negação daeconomia escravista, seu oposto simétrico. Diferentemente de outras regiões, a noção demonumento 12 aqui é inteiramente revista e não se atém ao que seriam as ruínas de possíveisedificações relativas aos próprios quilombos, porquanto são outras as ruínas que estão emjogo. Isso certamente consiste numa especificidade da situação de Alcântara, na qual a33


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2noção de monumento escapa das auto-evidências, que envolvem o patrimônio material, e,desdizen<strong>do</strong>-as de maneira radical, estabelece uma conexão algo invertida entre as ruínas<strong>do</strong>s estabelecimentos agrícolas e a consolidação das comunidades remanescentes dequilombo. A ênfase nessa conexão ultrapassa os procedimentos usuais de perícias que giramem torno de "provas materiais" e "evidências", direcionan<strong>do</strong> as observações para os aspectosrelacionais. Ultrapassa também a forma de colocação <strong>do</strong>s problemas pela abordagemhistoricista, para a qual pareceria um absur<strong>do</strong> considerar "ruínas de casas-grandes" comoelemento <strong>do</strong> processo de consolidação das comunidades remanescentes de quilombo, jáque uma suposta "alteração da seqüência <strong>do</strong>s fatos objetivos" conspurcaria o senti<strong>do</strong> históricomonumentaldas ruínas. Ora, na situação examinada, está-se diante de uma contradiçãomais aparente que real. Assim, a relação privilegiada nessa perícia, através da descriçãoarqueológica, recoloca os termos <strong>do</strong> problema e parte <strong>do</strong> tempo presente em que taiscomunidades fixam, inclusive, estratégias para preservar o que aparentemente seria o resíduo<strong>do</strong> patrimônio material edifica<strong>do</strong> originalmente por seus antagonistas históricos.Em outras palavras, pode-se asseverar que um <strong>do</strong>s componentes da gênese<strong>do</strong> processo social de construção da identidade quilombola em Alcântara estaria nas ruínasdas casas-grandes e <strong>do</strong>s engenhos. As ruínas das benfeitorias das fazendas, bem como asterras e o próprio nome das famílias <strong>do</strong>s antigos senhores – ou da "aristocracia rural",como define Lopes (1957:18), ou ainda da "aristocracia alcantarense" 13 , como classificariaViveiros (1975:109) –, permanecem hoje sob controle absoluto de descendentes de famíliasde escravos. Araújo, Araújo Cerveira, Sá, Ribeiro, Cerveira, Coelho, Viegas, Morais, Ferreira,Diniz, Serejo e Silva, antes de designarem a nobreza 14 e os sesmeiros, tal como consagra<strong>do</strong>sna <strong>do</strong>cumentação <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> colonial, designam hoje as famílias <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s dedescendentes de escravos que se consolidaram com a derrocada econômica e a desagregação<strong>do</strong>s diferentes estabelecimentos rurais (algodão, cana-de-açúcar, ga<strong>do</strong>). Nesses agrupamentos,se estruturaram relações de parentesco, de afinidade, de amizade e de vizinhança, em tornoda distribuição e <strong>do</strong> uso comum <strong>do</strong>s recursos, resultan<strong>do</strong> em vínculos solidários coextensivosà formação <strong>do</strong> povoa<strong>do</strong>, enquanto uma comunidade que transcende o grupo local dedescendência de três ou quatro gerações.De igual mo<strong>do</strong>, as antigas denominações das fazendas, registradas inclusivenas expedições e solicitações de confirmação de datas de sesmarias, nos registrosparoquiais, após a Lei de Terras n o 601, de 18 de setembro de 1850, e na <strong>do</strong>cumentaçãocartorial, correspondem, no momento atual, tão-somente àqueles povoa<strong>do</strong>s. Ascomunidades remanescentes de quilombo aí constituídas compreendem territórios deparentesco 15 , intrínsecamente articula<strong>do</strong>s, que foram erigi<strong>do</strong>s nessa dinâmica de múltiplasconquistas: das terras, <strong>do</strong>s nomes de família, das denominações das fazendas e <strong>do</strong>ssímbolos ruiniformes <strong>do</strong> que outrora estava sob o poder <strong>do</strong>s senhores de escravos, deplantações e de engenhos. Os pertencimentos familiares conquista<strong>do</strong>s e a construção derelações solidárias em terras de livre acesso funcionaram como fatores de consolidação<strong>do</strong> ideal de autonomia subjacente à identidade quilombola. As terras das antigas fazendas,suas denominações, os nomes de família <strong>do</strong>s antigos senhores de escravos e as ruínasconvergem, cada um a seu mo<strong>do</strong>, para o processo de territorialização étnica.A dicotomização entre a civilização e os selvagens ou entre os denomina<strong>do</strong>sbrancos e os chama<strong>do</strong>s negros 16 , consideran<strong>do</strong> indissociável a relação entre raça e cultura,34


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2temporalmente. Nas próprias narrativas <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, a referência mais recuadaconcerne ao tempo em que, segun<strong>do</strong> eles, "os brancos foram embora". A identidadequilombola se afirma nesse processo de negação <strong>do</strong> seu antagonista histórico e asruínas tornam-se auto-explicativas em face das fazendas que não mais existem nomunicípio de Alcântara.Os entrevista<strong>do</strong>s sublinham, em repeti<strong>do</strong>s depoimentos, que os "brancosforam embora" e descrevem essa partida sem qualquer eufemização <strong>do</strong>s efeitos deuma fuga. Com a deserção, entretanto, os antigos senhores perderam, de mo<strong>do</strong> efetivo,mas não simbolicamente, o monopólio da identidade regional, que foi cristaliza<strong>do</strong>pelos historia<strong>do</strong>res consagra<strong>do</strong>s e perdura nos seus compêndios. Certamente que essemonopólio dificulta o advento de outras identidades concorrentes, porque as mantémsob um tipo de invisibilidade social, característica de sociedades escravistas, e consistenum obstáculo ao pronto reconhecimento das comunidades remanescentes de quilombo.Os comenta<strong>do</strong>res regionais focalizam tão-somente as ruínas, não se deten<strong>do</strong> naquelesagentes sociais e seus grupos familiares que há pelo menos um século e meio constituírampovoa<strong>do</strong>s no seu entorno e que delas não podem mais ser dissocia<strong>do</strong>s. Reconhecen<strong>do</strong>,implicitamente, que a "aristocracia rural" se foi das fazendas, os comenta<strong>do</strong>res resultampor desumanizar as ruínas, como se pessoa alguma ali tivesse fica<strong>do</strong>. Redundante dizerque o fundamento dessa interpretação reproduz o princípio de que o escravo,considera<strong>do</strong> como "coisa", deve, como tal, estar sob o <strong>do</strong>mínio de alguém sem direitoa uma existência, em separa<strong>do</strong>. A invisibilidade, urdida nos fundamentos racistas dessainterpretação, nega a possibilidade de existência, seja <strong>do</strong> indivíduo, seja <strong>do</strong> grupo; comose aqueles que se autodefinem como pretos ainda não estivessem no uso de sua liberdadeplena, a despeito de ela já estar assegurada em termos jurídico-formais desde final <strong>do</strong>século XIX. Prepondera, sob to<strong>do</strong>s os aspectos, a ideologia da tutela. O fato de estaliberdade já estar reconhecida pelo Esta<strong>do</strong> e gerar direitos parece não ter si<strong>do</strong>incorpora<strong>do</strong> pela historiografia regional, que <strong>do</strong>bra a cerviz ao peso de uma tradiçãoaristocrática e de cunho escravista. Esse esquema interpretativo se insinua nos meandrosde uma luta simbólica de to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> constantemente repetida e de difícil superação.Entrementes, cabe considerar – e isso é o que se constata com o trabalho de campopericial – que as ruínas permanecem socialmente reapropriadas, e de maneira efetivapelas comunidades remanescentes de quilombo. Constituem um símbolo da ancianidade<strong>do</strong> seu ideal de autonomia, e passam a figurar, juntamente com outros elementosidentitários, alusivos às relações antrópicas, às transações comerciais e simbólicas comoutros grupos sociais e às mobilizações político-organizativas como meios de garantiada persistência das fronteiras étnicas, que consolidaram e fazem vigir as comunidadesremanescentes de quilombo em Alcântara.Em reforço dessa asserção, empreendi um acura<strong>do</strong> mapeamento dasevidentes ruínas distribuídas pelo município de Alcântara. Os resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> malogro daeconomia escravista de agricultura tropical evidenciam-se na paisagem rural de Alcântara,onde se agigantam ruínas velhas em demasia, escalavradas pela ação <strong>do</strong> tempo e não seencontra uma sede sequer das antigas fazendas de algodão, nem das casas de vivendaassobradadas <strong>do</strong>s estabelecimentos das ordens religiosas, nem tampouco qualquer casagranderestaurada que seja, <strong>do</strong>s engenhos de açúcar. Das antigas sedes de fazendas e das36


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidasoberbas casas de engenho, restam escombros, escavações ruiniformes e pedras lavradascom vegetação revestin<strong>do</strong> quase tu<strong>do</strong> onde outrora se assentavam os alicerces. Elas recebema designação local atribuída às casas aban<strong>do</strong>nadas e em destroços, acompanhada pelacategoria que designa os "senhores", qual seja: tapera de branco.Dos equipamentos das engrenagens <strong>do</strong>s engenhos restam fragmentos detachas de ferro fundi<strong>do</strong>, de moendas, de caldeiras, de rodas hidráulicas e de tanques paradepósito. Ferros torci<strong>do</strong>s, cilindros quebra<strong>do</strong>s, elos de correntes, bocas de caldeirasavariadas misturam-se a cacos de cerâmica e de louças dispersos pela superfície, junto amuros de pedra em desmoronamento. Entrelaça<strong>do</strong>s pela vegetação densa e pelos cipósrasteiros, jazem colunas de pedras das soleiras e pedregulhos <strong>do</strong>s alicerces. Esses vestígiosdas engrenagens <strong>do</strong>s engenhos e <strong>do</strong> casario assobrada<strong>do</strong> recebem a denominação genéricade "ferros". Tu<strong>do</strong> mal ajusta<strong>do</strong> ao avanço da natureza, aluin<strong>do</strong>-se.Para ilustrar de maneira precisa a dispersão desses escombros e suadistribuição pelo município de Alcântara, procedi, no decorrer <strong>do</strong> trabalho de campo,ao seu mapeamento. Quan<strong>do</strong> visitava os povoa<strong>do</strong>s, os mora<strong>do</strong>res sempre me instavama caminhar até os escombros ruiniformes, que são denomina<strong>do</strong>s genericamente demuralhas e paredões. Incentivavam-me também a percorrer as linhas delineadas pelaschamadas pedras de rumo, mostran<strong>do</strong>-me as letras gravadas na sua face superior, comose estivessem me apresentan<strong>do</strong> a territórios específicos de delimitação indiscutível. Defato, elas balizam extensões correspondentes às antigas fazendas e estão a pelo menosmais de século e meio controladas efetivamente por um ou mais povoa<strong>do</strong>s de descendentesde escravos. Em virtude disso é que a memória de sua localização exata é atributo, hoje,<strong>do</strong>s membros das comunidades remanescentes de quilombo, não obstante não teremnecessariamente em mãos a <strong>do</strong>cumentação cartorial que delineava confrontantes e lindeiros.Eles, e somente eles, são capazes de distinguir as pedras e recitá-las de cor, na seqüênciadevida, tecen<strong>do</strong> as relações com o mun<strong>do</strong> circundante. Consideran<strong>do</strong> os instrumentoscríticos de observação etnográfica, pode-se aduzir que esse tipo de conhecimento, antesque geográfico ou que uma memória da "terra <strong>do</strong> outro", expressa um senti<strong>do</strong> depertencimento, isto é, de narrar uma delimitação física que hoje é coextensiva à sua maneirade existir socialmente. Quanto a isso, a antropologia reflexiva permite asseverar que oslimites empíricos das comunidades podem ser isola<strong>do</strong>s em sua descrição, representan<strong>do</strong>traços distintivos da identidade e da regra de unidade <strong>do</strong> grupo ao definí-lo de fora paradentro, isto é, a partir de suas divisões (Bourdieu, 1989:113) e das relações nas fronteiras.Em decorrência da aplicação desse preceito teórico, a partir das visitas àsruínas, com as anotações respectivas, e com as informações obtidas em reuniões eassembléias ocorridas nos povoa<strong>do</strong>s, durante o trabalho de campo pericial, montei <strong>do</strong>isquadros demonstrativos. Um deles arrolan<strong>do</strong> os povoa<strong>do</strong>s onde as ruínas referem-seprincipalmente às fazendas de algodão e às fazendas que possuíam moendas, seja deferro, seja de madeira. Constata-se uma vasta rede de povoa<strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s a tais ruínas,abrangen<strong>do</strong> tanto o noroeste <strong>do</strong> município, com Itapuaua, Esperança e adjacências;passan<strong>do</strong> pelo nordeste, como Mato Grosso e suas pressões constantes sobre os povoa<strong>do</strong>sdas chamadas terras da pobreza – quais sejam, Canelatiua, Retiro, Bom Viver e Uru-Mirim; até alcançar Timbotuba (Timbotiua), mais no senti<strong>do</strong> centro-sul <strong>do</strong> município, nocoração da área privilegiada em fins da década de 1840-50 para a implantação de engenhos.37


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Povoa<strong>do</strong>sDenominações locaisdas ruínasPovoa<strong>do</strong>s onde foram assinaladas ruínasde "casarões" e/ou moendasEspecificaçõesQuem fala sobre asruínas e quan<strong>do</strong>CujupeEngenhoEsperançaFlóridaIririzalJanãLadeiraMato GrossoMurariTajuraráTimbotubaTimbu“paredões de pedra”“tapera de branco”“tapera de branco”“paredão”“apera de branco”“sítio velho”“tapera de branco”“casa <strong>do</strong> branco”“antigo comércio”“a casa acabou e foi feitauma casinha em cima datapera"“tapera de branco”“cemitério velho”“paredões”“tapera de branco”“sítio velho”“sítio velho”“casa de engenho” (4)“paredões”, “muralhas”poço, “sumi<strong>do</strong>uro”“peças de ferro”, “cilindrosde ferro das moendas”tanque, “sumi<strong>do</strong>uro”mangueiral.“enormes pedras delineam oque seria o alicerce” (1)“pedras de rumo”Alicerces, mangueiral, “restosde paredes de pedrasexistiam até alguns anos atrás”(2)sempre apontada como lugaronde morava Marcial MarquesRamalho, genro <strong>do</strong> grandeproprietário AntonioGuimarães. Entre Janã e RioGrande há pedra de rumo.Mangueiral (3)“cacos de pratos, pedaços decaldeirões de ferro, poço”Alicerce--Relato de mora<strong>do</strong>res de Arenhengaua,quan<strong>do</strong> da reunião em que foramdiscuti<strong>do</strong>s os trabalhos relativos àperícia.Relato de mora<strong>do</strong>res em reuniãorealizada em Peroba de Cima e emLadeira.Relato de mora<strong>do</strong>res de Itapuaua,quan<strong>do</strong> mencionaram os chama<strong>do</strong>s“caminhos de escravos” e as “tocas”.Relato de mora<strong>do</strong>res de Flórida queparticiparam de reunião em Peroba deCima no início <strong>do</strong>s trabalhos noâmbito da perícia.Relato de mora<strong>do</strong>res de Ladeira, queparticiparam de reunião em que foramdiscuti<strong>do</strong>s os trabalhos relativos àperícia.Relato de mora<strong>do</strong>res de Peroba deCima, Itapuaua, Ladeira e Vai comDeus.Relato <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res de Ladeira emreunião realizada em abril de 2002.Relato de mora<strong>do</strong>res de Mato Grosso ede Canelatiua em reunião realizada nodecorrer <strong>do</strong>s trabalhos de perícia, nopequeno próprio de Canelatiua.Relato de mora<strong>do</strong>res de Itapuaua e deSamucangaua em reuniões para discutiros trabalhos relativos à perícia.Relato de participantes deSamucangaua na segunda reunião emLadeira, em 08 e 09 de junho de 2002.Referência assinalada por mora<strong>do</strong>res deCastelo, quan<strong>do</strong> foram solicita<strong>do</strong>s pelostrabalhos de perícia a procederem a umareconstituição histórica da área.Relato <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res da Agrovila de"Só Assim" referin<strong>do</strong>-se aos locais ondeplantavam antes de seremcompulsoriamente desloca<strong>do</strong>s.As ruínas desmoronaramperto <strong>do</strong> lugar onde osmora<strong>do</strong>res de “Só Assim”faziam seus cultivos.38


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaNo segun<strong>do</strong> quadro, concentrei as ruínas <strong>do</strong>s engenhos e compulsei,para efeito de verificação da fidedignidade das informações coletadas, as edições de1858 a 1861 <strong>do</strong> Almanack Administrativo, Mercantil e Industrial edita<strong>do</strong> porBelarmino de Mattos, que apresenta uma relação de to<strong>do</strong>s os 13 engenhos que entãoainda existiam em Alcântara e seus respectivos proprietários. To<strong>do</strong>s esses engenhos– que foram incentiva<strong>do</strong>s pela política de soerguimento das plantações de cana-deaçúcar,no decorrer <strong>do</strong> governo provincial <strong>do</strong> alcantarense Joaquim Franco de Sá,em 1846-47 – localizam-se preferencialmente na freguesia <strong>do</strong> Apóstolo São Matias,não se constatan<strong>do</strong> um sequer na freguesia de São João de Cortes. Na freguesia deSanto Antonio e Almas, cuja área correspondente foi desmembrada definitivamentede Alcântara em 1935 e equivale ao atual município de Bequimão, há também cincooutros engenhos, que não foram arrola<strong>do</strong>s nos quadros demonstrativos, posto quese referem à situação das fazendas da beira-campo, que se encontram fora <strong>do</strong>município de Alcântara e que passaram por transformações sócio-econômicas nãoexatamente as mesmas. A proximidade <strong>do</strong>s campos naturais e de áreas de maiordensidade de cocais propiciou a eles um certo tipo de des<strong>do</strong>bramento para asatividades de pecuária extensiva, conjugadas com aforamento e extração da amên<strong>do</strong>a<strong>do</strong> babaçu (Almeida e Mourão, 1975:12).Notas ao quadro da página 38:(1) Para um aprofundamento, consulte-se: Linhares, L.F. <strong>do</strong> R. Terra de Preto, Terra de Santíssima: da desagregação<strong>do</strong>s engenhos à formação <strong>do</strong> campesinato e suas novas frentes de luta. Dissertação (Mestra<strong>do</strong>) - MPP-UFMA, São Luís,1999. p 40-42.(2) Para maiores informações, consulte-se: Catanhede, A. Ladeira, Iririzal e Samucangaua: relatório de identificação.Cadernos de Prática de Pesquisa. São Luís, MPP-UFMA, 1998. p. 15.(3) Para outros esclarecimentos, consulte-se: Carvalho, S. M. O povoa<strong>do</strong> Ladeira:uma situação de terra de preto. SãoLuís, UFMA-GERU, 1998. p. 14-46.(4) Expressão também registrada comumente no Jornal da Lavoura, que circulou em São Luís (MA) nos anos de 1875e 1876, para se referir aos estabelecimentos também chama<strong>do</strong>s “engenhos de açúcar”.39


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Povoa<strong>do</strong>sPovoa<strong>do</strong>s onde foram assinaladas ruínasde "engenhos" e "casas-grandes" ou "casarões"Denominações locaisdas ruínasEspecificações e esta<strong>do</strong>atualQuem fala sobre a ancianidade<strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s (1)Belém(Bethlen)Cajiba(Cajuhyba)CamarajóCasteloItapirangaJacaréJerijó (Jirijó)Marmorana(Tapera)MutitiSão MaurícioSanta Rita"paredões de pedra""paredão velho""paredão""já teve paredões, masforam destruí<strong>do</strong>s.""paredão""grande muralha"Traquaí "muralha"(Novo Belém)"muralha", "tapera debranco"e "sítio velho""tapera de branco""paredão de pedra"e"tapera de branco""paredão""paredão""engenho" e "casa grande""casa de engenho""ruína de engenho grandecom um pé de piquizeiro""alicerces de sobra<strong>do</strong>", "poçode pedra""desmoronaram as paredesgrossas e retiraram as pedras""perto da Norcasa estão asparedes grossas""já tiraram muita coisa,escavan<strong>do</strong> e procuran<strong>do</strong>tesouros enterra<strong>do</strong>s, mas temuma parte da muralha empé", "ferros""engenho""engenho", "alicerces", peçasde ferro, Mangueiral(2)"na construção da estradatiraram quase tu<strong>do</strong>","ferros"(3)"derrubaram paredão paravender as pedras"Derrubaram para vender aspedras em BequimãoRelatos memorialísticos <strong>do</strong>s quehoje vivem na Agrovila Cajueiro,referin<strong>do</strong>-se às marcas ruiniformesda área onde viviam plantan<strong>do</strong> epescan<strong>do</strong>.Referência <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res de Cajiba,quan<strong>do</strong> descrevem traços distintivos<strong>do</strong> povoa<strong>do</strong>.Relatos memorialísticos <strong>do</strong>s quehoje vivem na agrovila de NovoPeru, referin<strong>do</strong>-se à área ondeviviam antes <strong>do</strong> deslocamentocompulsório.Referência <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res deCastelo ao relatar as evidências desua antiga ocupação.Referência <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res de BaixaGrande, Mutiti e Itapiranga àpredação das ruínas por estranhosao povoa<strong>do</strong>.Referência <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res de Jacaré,também mencionadas por diretores<strong>do</strong> STR de Alcântara.Referência <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res deBaixa Grande, Santo Inácio,Pavão, Jarucaia e Conceiçãoenfatizan<strong>do</strong> a violação das ruínaspor pessoas alheias aos povoa<strong>do</strong>sna busca de jóias e potes de ourosupostamente enterra<strong>do</strong>s.Referência <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res de SãoRaimun<strong>do</strong> I e Marmorana.Referência <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res de BaixaGrande, Itapiranga, Ladeira eMutiti, que também narraramestórias de "potes de ouro", "baúde jóias" e outros "tesouros" aíenterra<strong>do</strong>s.Referência <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res de SãoMaurício, São Raimun<strong>do</strong>,Arenhengaua.Referência <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res de SantaRita.Informação de mora<strong>do</strong>res deOitiua.40


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaAlcântara, 1861Senhores de engenhos de açúcarNome <strong>do</strong> proprietárioDenominação <strong>do</strong> engenhoDr. Alexandre José de ViveirosSão Maurício e Santa RitaComenda<strong>do</strong>r José Maria Correia de SouzaPiahuitáTenente José Mariano de MelloPery-mirimComenda<strong>do</strong>r Manoel João Ribeiro(Cajuhiba)Cap. Raymun<strong>do</strong> Marianno de Araújo Cerveira e sua mãe (Tapera)Coronel Severo Antonio d'Araújo Cerveira FilhoCastelloDr. Carlos Fernan<strong>do</strong> RibeiroGerijóCapitão Euzébio Antonio MarquesSanta FilomenaDr. João Franco de Sá e Major Thomaz Ferreira Guterrez (arrendatários de Bethlem)J. Baptista Gomes de Oliveira (Cajual) (Cajual)Tenente-Cel. Manoel Gonçalves de Sá(Mutiti)D. Rosa Estella Ribeiro JacaréFonte: Almanack Administrativo, Mercantil e Industrial. Ed. B. de Mattos. 1861As informações utilizadas para a montagem desses quadros demonstrativosforam também plotadas na base cartográfica 20 produzida para fins deste lau<strong>do</strong>,permitin<strong>do</strong> uma visão mais completa de sua distribuição geográfica e <strong>do</strong>s contornosde sua posição em termos topográficos. A localização sempre próxima a rios e igarapésampara as referências constantes de que a cada engenho correspondia um porto econtribui para reforçar o argumento de que as comunidades remanescentes de quilombo,que passaram a desfrutar dessa posição geográfica, viabilizaram-se economicamentenesses <strong>do</strong>is séculos com intensas transações comerciais, abastecen<strong>do</strong> com farinha, arroz,carvão, peixes, frutas (murici, babaçu, bacuri...) e óleos vegetais a capital São Luís.Raimun<strong>do</strong> Gaioso, em fins <strong>do</strong> século XV<strong>II</strong>I e início <strong>do</strong> XIX, já ressalta a produção defarinha em Alcântara em face <strong>do</strong>s demais produtos: "a sua produção consiste emarroz, algodão e muita farinha" (Gaioso,1970:162). O coronel engenheiro Pereira <strong>do</strong>Lago, visitan<strong>do</strong> Alcântara, em 1819, chama a atenção para o fato de São João deCortes produzir exclusivamente farinha (Pereira <strong>do</strong> Lago, 1872:388).Não foram incluidas nesses quadros as ruínas menores, dispersas e fragmentadas,complementares àquelas das sedes das velhas fazendas, mas que jazem isoladas e que se referema uma "boca de poço em pedra", no caso de Marudá; a um "cemitério <strong>do</strong>s brancos que foiaban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>", no caso de área próxima a Ladeira; a um poço de pedra de borda arre<strong>do</strong>ndada,Notas ao quadro da página 40:(1) Excertos das entrevistas realizadas durante a consecução da perícia serão acrescenta<strong>do</strong>s às observações diretas notranscorrer da análise, completan<strong>do</strong> com maior rigor as menções ora apresentadas.(2) O mangueiral, também chama<strong>do</strong> de "mangal", designa um conjunto de mangueiras centenárias que caracterizavama sede <strong>do</strong> engenho Mutiti. O mesmo termo aparece nas entrevistas com os mora<strong>do</strong>res de Ladeira realizadas porAniceto Cantanhede (Cantanhede, 1998:12).(3) Os "ferros" concernem a fragmentos e vestígios de objetos e instrumentos utiliza<strong>do</strong>s na transformação da cana-deaçúcar:tachas esféricas de ferro fundi<strong>do</strong>, tachas de ferro estanha<strong>do</strong>, rodas hidráulicas, caldeiras, cilindros etc.41


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2no caso de Frade; e aos currais de bois, que são laterais aos caminhos de boiada que, in<strong>do</strong>para a beira-campo em Santo Antonio e Almas, passavam perto de Pavão, Baixa Grande eItaperaí. Pereira <strong>do</strong> Lago, em 1819, menciona as estradas reais, que cortavam Alcântara, eViveiros recupera posteriormente os caminhos da boiada e aqueles <strong>do</strong>s correios, indican<strong>do</strong>que havia uma malha de ramais que eram extensões das fazendas, ligan<strong>do</strong>-as às áreas depastagens e aos principais portos.No mapa elabora<strong>do</strong> para fins desta perícia, para facilitar a leitura e oentendimento da posição geográfica, procedi à classificação das ruinarias com três referênciaselementares: ruínas de casas-grandes sem registros de engenhos ou moendas, ruínas deengenhos de açúcar e ruínas de moendas conjugadas com casas-grandes. Realizei uma distinçãoentre grandes plantações de algodão e de açúcar e, quanto a estas, entre os engenhos e asmoendas. A leitura <strong>do</strong> mapa, conjugada com os quadros acima apresenta<strong>do</strong>s, propicia apercepção das áreas onde se concentram os engenhos e, de forma coextensiva, os povoa<strong>do</strong>sque se consolidaram a partir de sua desagregação.Tal desagregação foi caracterizada pela fuga <strong>do</strong>s senhores e pelo sentimentode recusa da tutela por parte <strong>do</strong>s ex-escravos.42"Até porque além das famílias serem mesmo negras, a grande maioriatem descendência até <strong>do</strong>s escravos, como foi uma avó que morreu comcento e treze anos. E as terras ficaram aí, os brancos foram embora."(G.C. 19/04/2002 - ENT.16 - referência a São Maurício). (g.n.)"Justamente nós temos ali os engenhos, já existem ali só os paredõesgrandes. Eu trabalho e passo por lá este paredão chama de Timbu. Estána beira <strong>do</strong> rio, está lá. Tem <strong>do</strong>is paredões me<strong>do</strong>nhos lá. To<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is.Este paredão foi até encancela<strong>do</strong> pelo pessoal, que tinha gente quequeria esbandalhar, tirar pedra." (I.O. 16/4/2002 - ENT.12). (g.n.)Na representação <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s, não se percebe qualquernostalgia de proteção <strong>do</strong>s antigos senhores de escravos que aban<strong>do</strong>naram a região e quesão referi<strong>do</strong>s por eles como os brancos. O sentimento de autonomia, que construíramno decorrer <strong>do</strong>s últimos <strong>do</strong>is séculos e meio, dissocia radicalmente "cativeiro" e "proteção",ao contrário <strong>do</strong> que sempre imaginaram os legisla<strong>do</strong>res <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> imperial partidáriosde uma abolição gradual da escravatura (Viotti da Costa, 1998) como forma iludida deproteger os libertos 21 . Pelas entrevistas, é possível perceber que recusam a "tutela benéfica"<strong>do</strong>s antigos senhores e que alguns, inclusive, traçam historicamente a trajetória familiarsem referência exponencial à escravidão. Não se vêem como órfãos de senhores que seforam, mas como sujeitos da ação que os tornou livres, sem qualquer manifestação devontade de que necessariamente estivessem presentes os senhores.O aquilombamento das ruínas significa, nesse senti<strong>do</strong>, uma ruptura radicalcom a ideologia da tutela, ressaltan<strong>do</strong> a condição de libertos, entregues a si mesmos,viven<strong>do</strong> e trabalhan<strong>do</strong> por conta própria. Autônomos em termos das festas religiosasou sem a presença de clérigos, cujas ordens foram expulsas desde 1759-60. Autônomosnas decisões de como, onde e o que cultivar sem a pretendida "capacidadeadministrativa" de senhores e feitores. Autônomos na esfera da circulação,


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidatransportan<strong>do</strong> diretamente em barcos à vela, que denominam bianas, sua produçãopara o merca<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r da capital, sem a intermediação de companhias decomércio que já não mais existiam desde 1778. Aliás, o trabalho por conta próprianão consistia numa prática desconhecida daqueles escravos que mantinham terrenosde cultivo para o sustento de suas famílias. Mediante tal maneira de agir e de severem a si mesmos sob uma aura de autonomia, colocam-se, portanto, para além dequalquer tutela, seja <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, seja de senhores de engenhos.Mesmo nas situações concernentes à <strong>do</strong>ação de terras a escravos e ex-escravos,como foi possível observar noutra parte desta perícia, em que as narrativas míticas recuperamaparentemente o mito <strong>do</strong> "bom senhor", o ideal de autonomia e não-submissão é sempreenfatiza<strong>do</strong>. Relativizam as <strong>do</strong>ações que a historiografia regional acriticamente considera umato de benevolência <strong>do</strong> senhor bon<strong>do</strong>so e indulgente. Com base nesse princípio, eles vãoreescreven<strong>do</strong>, com suas narrativas memorialísticas, a ruinaria e o aban<strong>do</strong>no das fazendas dealgodão e <strong>do</strong>s engenhos. Deixam entrever uma ação senhorial descontínua, contingente,além de devasta<strong>do</strong>ra e predatória, quase impossível de transmitir qualquer sensação deamparo, de reprodução simples ou de atividade produtiva permanente. São muitodifundidas também, e vão reaparecer na análise das <strong>do</strong>ações de terras a ex-escravos, asmenções ao endividamento <strong>do</strong>s senhores como uma das causas <strong>do</strong> aban<strong>do</strong>no das fazendas 22 .Ao reiterarem que os antigos senhores "não puderam levar" os paredões e asmuralhas, os entrevista<strong>do</strong>s deixam transparecer episódios que a historiografia regional, noseu fascínio não-disfarça<strong>do</strong> pelas "ruínas que atestam a extinta opulência" (Raposo, 1944:258),acabou por desprezar. Em verdade, de certo mo<strong>do</strong>, as ruínas teriam si<strong>do</strong> produzidas poratos delibera<strong>do</strong>s resultantes <strong>do</strong>s endividamentos contraí<strong>do</strong>s pelos senhores e da baixa <strong>do</strong>preço <strong>do</strong> algodão e depois <strong>do</strong> açúcar no merca<strong>do</strong> mundial. Elas evidenciam o malogro deuma economia escravista baseada em grandes estabelecimentos agrícolas, dedica<strong>do</strong>s àmonocultura, nessa região <strong>do</strong>s trópicos. Os depoimentos alusivos a como os "brancosforam embora" fazem referências ao destelhamento das casas-grandes e à sua demolição,com as vigas <strong>do</strong> barroteamento <strong>do</strong>s soalhos e <strong>do</strong>s baldrames e demais peças de madeirade lei sen<strong>do</strong> levadas pelos senhores, quan<strong>do</strong> de sua retirada de Alcântara. O mesmo destinoteriam ti<strong>do</strong> oratórios, imagens de santos, como no caso de São João Batista 23 , livros quecompunham pequenas bibliotecas <strong>do</strong>s membros das ordens religiosas e o mobiliário colonial<strong>do</strong> casario assobrada<strong>do</strong> das fazendas. As narrativas indicam, também, que partes dasengrenagens <strong>do</strong>s engenhos, como as caldeiras e demais utensílios complementares (rodashidráulicas, tachas de ferro estanha<strong>do</strong> e rodas de ferro inglesas) foram desmontadas evendidas para o Ceará e outros esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Nordeste.Os entrevista<strong>do</strong>s, entretanto, alertam notadamente para o que não pôde sermaterialmente leva<strong>do</strong> nessa dramática retirada, cuja descrição tem conotações aproximáveis<strong>do</strong> saque e da pilhagem. Nos depoimentos coleta<strong>do</strong>s, tu<strong>do</strong> se assemelha a despojos de umaação espolia<strong>do</strong>ra que objetivava não deixar nada para trás, senão pedra sobre pedra 24 .Mencionam os bens imóveis em desmoronamento, tais como: as paredes de pedra –exceden<strong>do</strong> a um metro de largura, que se erguem sobranceiras nos outeiros e nas pequenaselevações não alcançáveis pelos terrenos alagadiços, designadas localmente como muralhas eparedões –, os poços de pedra lavrada, os tanques e os alicerces.43


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Assinalam ainda elementos paisagísticos das sedes, que tornam os lugaresonde se erguiam mais facilmente distinguíveis. A pretensão de nobreza desses lugares étraduzida por plantas ornamentais da família das palmas, de estipe ereto, colunar, quechegam a atingir 40 metros, e que simbolizavam o poder senhorial na Colônia e duranteo Império. Um exemplo seria a denominada "palmeira imperial" encontrada junto àsruínas <strong>do</strong> Engenho Gerijó:"...ainda existe uma palmeira imperial que era a planta lá <strong>do</strong> senhor.Acho que ela tem uns vinte ou mais de vinte metros de altura. Aindaexiste lá no Gerijó." (V. 18/04/2002 - ENT.14)Outro desses elementos característicos da paisagem que envolve as sedes dasfazendas são os mangueirais, conheci<strong>do</strong>s localmente também como mangais, que podemser encontra<strong>do</strong>s junto a quase to<strong>do</strong>s os chama<strong>do</strong>s sítios velhos e taperas de branco <strong>do</strong>município de Alcântara (Cantanhede, 1998:12-13).Referem-se ainda os entrevista<strong>do</strong>s às chamadas pedras de rumo ou marcosde pedra de cantaria, com inscrições e/ou letras na sua face superior, delimitan<strong>do</strong> osconfrontantes das datas de sesmarias a serem confirmadas ou já concedidas pelo poderreal a nobres, fidalgos, cavaleiros de ordens e "homens de posse" 25 . As terrascorrespondentes a cada imóvel rural eram delimitadas com esses marcos ou pedras derumo, que definiam ângulos, limites tríplices e pertencimentos. Elas foram igualmentereapropriadas e hoje balizam as delimitações <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s, poden<strong>do</strong> incluir um ou váriosdeles consoante a particularidade da desagregação da referida fazenda e da formação <strong>do</strong>slaços comunitários. Importa frisar que as pedras de rumo originalmente delimitavam terrase que, nessa dinâmica de reapropriação pelas comunidades remanescentes de quilombo,passam também a servir de referências para a construção social <strong>do</strong> território. Nesse senti<strong>do</strong>é que foi afirma<strong>do</strong> anteriormente que o processo de territorialização abrange múltiplasterritorialidades específicas que foram se constituin<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> temporalidade próprias ediferentes, mas convergin<strong>do</strong>, através de intensas conexões, para um território étnico.Os detalhes dessas descrições e a habilidade em discernir os diversos tiposde formas ruiniformes evidenciam a força da transmissão dessa versão nativa que, numdebate ideal, se contrapõe à história oficial, recolocan<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> efetivo das ruínas. Aocoonestarem esse tipo de saber histórico, as comunidades de cada povoa<strong>do</strong> deslegitimam,de maneira implícita, os antigos senhores como detentores <strong>do</strong> monopólio da identidaderegional e asseveram que têm manti<strong>do</strong> ininterruptamente sob seu controle absoluto, durantequase <strong>do</strong>is séculos, vastas extensões de terras que somente por algumas décadas tiveramsua exploração organizada pelos denomina<strong>do</strong>s brancos. Nessa ordem é que a versão<strong>do</strong>s descendentes <strong>do</strong>s ex-escravos, circunstancian<strong>do</strong> de maneira pormenorizada a "fuga"<strong>do</strong>s senhores, para<strong>do</strong>xalmente nos autoriza a falar em aquilombamento das ruínas dascasas-grandes e <strong>do</strong>s engenhos.As ruínas também evocam uma outra característica da identidade quilombolaemergente: a noção de tempo livre.44"Este era o paredão. Casa-grande, sim senhor. Casa-grande <strong>do</strong> feitor,o preto apanhava aí, não tinha direito quase nem de comer. Quan<strong>do</strong>a sineta batia, cada um com sua colher ia caçar o que comer, se perder


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidaessa hora, só de noite, batia a sineta...Belmiro, Francisco, Antonio,Pedro cada um com sua cuínha, pegava aí, não tinha tempo defazer nada, só mesmo da carroça buscar madeira, mandioca aquineste centro..." (U.A.S.-19/04/2002-ENT.18)Mostran<strong>do</strong>-me as ruínas, o entrevista<strong>do</strong> sublinha a impossibilidade <strong>do</strong> tempolivre no regime escravista, numa percepção de que a severidade da disciplina rotineira e aintensidade das tarefas o impediam de fazer alguma coisa para si mesmo e para os seus.Essa representação <strong>do</strong> tempo é resulta<strong>do</strong> de uma longa experiência de aprendizagem emadministrar, através de longas jornadas de trabalho, a produção de bens essenciais e adistribuição social <strong>do</strong> que for necessário à sobrevivência.A categoria tempo livre (Elias et Dunning, 1994:129) é essencial para se compreendero processo de trabalho nas comunidades remanescentes de quilombo, bem como suas representaçõessobre vida social. Além de ser interpretada de maneira positiva, a categoria tempo livre, realçan<strong>do</strong>uma posição de liberdade e independência, representa um traço distintivo em face da subordinaçãoescravista de épocas pretéritas. O equilíbrio entre o trabalho por conta própria e as atividades delazer, numa ruptura com a noção de "coisa" imposta ao escravo, resulta por reforçar a sua condiçãode sujeito e suas formas de existência coletiva. Como sugere Elias, uma das determinações <strong>do</strong>tempo seria a que faz dele um "símbolo social, cujo desenvolvimento acompanha o da vidacoletiva" (Elias,1998:31). À desintegração progressiva da autoridade <strong>do</strong>s senhores de escravos e deseus prepostos, corresponde a emergência de uma representação <strong>do</strong> trabalho, pelos membros dasfamílias de ex-escravos, desvinculada de qualquer forma de subordinação. Os indivíduos governamsea si mesmos, resistin<strong>do</strong> aos que insistem em subordiná-los. Sua liberdade repousa em suapossibilidade de controlar de maneiras diversas o acesso aos meios de produção, os seus meios detrabalho e o tempo equilibra<strong>do</strong> entre o trabalho para si e as formas de entretenimento. A identidadequilombola é construída sobre esse equilíbrio, redefinin<strong>do</strong> a geografia da <strong>do</strong>minação. Assim, ocampo de futebol localiza<strong>do</strong> em meio às ruínas evidencia um uso social determina<strong>do</strong>. Reagrupa aspessoas de uma forma distinta daquela das atividades produtivas. Todavia, reforça os laços desolidariedade e de coesão social da comunidade por igual. Percebe-se uma apropriação coletiva <strong>do</strong>espaço adjacente às ruínas, antigo lugar de trabalho compulsório, para o exercício dessa atividadede entretenimento <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s. Aqui também se constata a aludida inversãocomo uma característica <strong>do</strong> processo de territorialização étnica.Mas não se deve confundir essa noção de tempo com sequências temporaisintegradas num fluxo contínuo. Há outros fatores que entram em consideração. Não sãosomente a idade de uma ruína, a idade de um povoa<strong>do</strong> ou a duração de certos processossociais, como esse da territorialização das comunidades remanescentes de quilombos,mas também a conquista <strong>do</strong> tempo livre e a disponibilidade para consolidar os elementosidentitários que autorizam a identificação étnica e justificam os direitos deriva<strong>do</strong>s.Os critérios político-organizativos e de mobilização, coextensivos à identidadeétnica e às reivindicações de titulação definitiva das terras das comunidades remanescentesde quilombo, reconhecida pelo Art. 68 <strong>do</strong> ADCT da Constituição de outubro de 1988,atualizam-se também nesses <strong>do</strong>mínios de trabalho e lazer, consubstancian<strong>do</strong> a plenitude dacondição de sujeito conquistada pelos quilombolas.Em suma, pode-se afirmar que uma datação das ruínas dispersas pelomunicípio de Alcântara poderia ser estimada entre quase um século e meio, consideran<strong>do</strong> o45


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2malogro <strong>do</strong>s engenhos, e <strong>do</strong>is séculos e meio, toman<strong>do</strong> como referência a expulsão <strong>do</strong>sjesuítas. As datas antecedem à abolição formal da escravatura em até 129 anos, e assinalamuma característica econômica intrínseca a regiões periféricas, que mesmo com grandesplantações não lograram transformarem-se em complexos agrário-industriais, como nocaso da costa nordestina, em que se constituíram as usinas de açúcar. Em Alcântara, aocontrário, com a desagregação das fazendas, prevalece um sistema econômico de pequenosprodutores que incorporam a terra ao processo produtivo mediante o trabalho familiar ecuja trajetória, em termos históricos, remonta ao princípio de autonomia e às premissasétnicas <strong>do</strong>s quilombos. Esses marcos temporais, ora fixa<strong>do</strong>s, datam concomitantemente adesagregação das fazendas e a ancianidade das comunidades remanescentes de quilombo,que se acham imbricadas nesta arqueologia das grandes plantações.O marco divisório de Alcântara, de 1755, que deixara as terras a noroestepara os índios e as demais para as grandes plantações, perdeu assim a sua razão de ser,perpassada de norte a sul pelas pequenas unidades de trabalho familiar que, estruturan<strong>do</strong>sua vida social em povoa<strong>do</strong>s, foram impon<strong>do</strong> gradativamente um processo produtivoautônomo com relações diretas com os diferentes circuitos de merca<strong>do</strong> através de dezenase dezenas de pequenos portos por onde era escoada a produção de farinha, pesca<strong>do</strong>,carvão, arroz e produtos extrativos para a capital da província. As categorias instituídaspelos coloniza<strong>do</strong>res, quais sejam: índios, pretos e caboclos, porta<strong>do</strong>ras de atribuiçõesestigmatizantes, foram sen<strong>do</strong> redefinidas por aqueles que, tornan<strong>do</strong>-as afirmativas, passarama se autodefinir por elas, definin<strong>do</strong> de igual mo<strong>do</strong> as terras que efetivamente controlavam.Os povoa<strong>do</strong>s que aí foram erigi<strong>do</strong>s se organizaram em torno <strong>do</strong> uso comum <strong>do</strong>s recursosnaturais e <strong>do</strong>s menciona<strong>do</strong>s portos, os quais facultaram condições de possibilidade para alivre comercialização <strong>do</strong>s produtos agrícolas e extrativos desde a segunda metade <strong>do</strong> séculoXIX e, com determinadas variações, até o momento atual.Para bem fundamentar to<strong>do</strong> esse processo, recorri a fontes <strong>do</strong>cumentais earquivísticas sobre a dimensão da ação <strong>do</strong>s quilombos em Alcântara, no decorrer <strong>do</strong>sséculos XV<strong>II</strong>I e XIX, os responsáveis maiores pela autonomia aventada.As ações <strong>do</strong>s quilombolas em Alcântara se intensificam a partir da primeiradécada <strong>do</strong> século XIX. Em razão inversa à desagregação das grandes plantações de algodãoe de cana-de-açúcar, os quilombos expandiram seu processo produtivo e ampliaram suasrelações em diferentes circuitos <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> de produtos alimentares, marcan<strong>do</strong> presençanos pequenos portos e nas vias de acesso às vilas de toda a região, sobretu<strong>do</strong> Alcântara,Guimarães, Turiaçu e Viana. Há copiosa <strong>do</strong>cumentação administrativa colonial a respeito,bem como interpretações de historia<strong>do</strong>res <strong>do</strong> século XIX que compulsaram fontes <strong>do</strong>cumentaishoje inexistentes. O historia<strong>do</strong>r César Marques, em 1878, sublinha quanto a essa região que:46"desde 1811 principiaram a formar-se de novo alguns quilombos. (...)Organiza<strong>do</strong>s ahi esses quilombos, estenderam seus <strong>do</strong>mínios às comarcasde Alcântara e Viana, pon<strong>do</strong> assim em risco a propriedade e segurançaindividual <strong>do</strong>s seus habitantes tornan<strong>do</strong> inacessíveis terrenos, aliásfertilíssimos e apropria<strong>do</strong>s a várias espécies de cultura." (Marques, 1878:14).A fragilidade circunstancial <strong>do</strong>s instrumentos de coerção, em virtude daderrocada econômica <strong>do</strong>s fazendeiros e de sua gradual retirada de Alcântara, favoreceu


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidatal expansão. A desorganização das grandes plantações, sem que houvesse um produtocomercial para substituí-las, acarretou uma relativa liberação da força de trabalho. Osmecanismos de controle nas mãos de prepostos evidenciavam que a autoridade absoluta<strong>do</strong>s fazendeiros principiava a atenuar-se. Os designa<strong>do</strong>s pelos senhores para exercerematos como seus feitores, administra<strong>do</strong>res e semelhantes, que, em Alcântara, recebem adesignação de encarrega<strong>do</strong>s da terra, eram recruta<strong>do</strong>s entre os próprios escravos maispróximos das casas-grandes, que realizavam serviços <strong>do</strong>mésticos e de criadagem maisafetos à vida privada da família <strong>do</strong>s senhores 26 .Transcenden<strong>do</strong> a incursões guerreiras, comumente ressaltadas pelos historia<strong>do</strong>resregionais como características <strong>do</strong>s quilombolas, tem-se que os quilombos em Alcântara foram,em verdade, consolidan<strong>do</strong> um sistema produtivo relativamente autônomo e estabelecen<strong>do</strong>vínculos estreitos não só com os pequenos produtores livres e índios das áreas das antigasreduções, mas também com os escravos e com a camada incipiente de foreiros das fazendasconfiscadas das ordens religiosas, e com os escravos que, com a retração <strong>do</strong> plantio dealgodão, se voltaram para o cultivo de arroz e mandioca, para a pesca e para as atividadesextrativas, sob a direção <strong>do</strong>s prepostos <strong>do</strong>s fazendeiros.De outra parte, com a revogação <strong>do</strong> Directório 27 em 1798, os índios nasantigas terras das ordens religiosas tornaram-se livres da autoridade de diretores e solda<strong>do</strong>s,instituída no regime pombalino, que os faziam pagar, além <strong>do</strong> dízimo, o chama<strong>do</strong> “sexto”e também passaram a produzir para si e a comercializarem seus produtos diretamente. Nasfazendas de algodão, a queda vertiginosa <strong>do</strong>s preços no merca<strong>do</strong>, desorganizan<strong>do</strong> as grandesplantações, levou a que os escravos fossem reorienta<strong>do</strong>s para os cultivos de gêneros deprimeira necessidade, que nos perío<strong>do</strong>s de alta <strong>do</strong> algodão eram adquiri<strong>do</strong>s pelos fazendeirosnas áreas periféricas às fazendas, mais próximas de São João de Cortes, controladas pelosíndios, para abastecer a escravaria. Essa reorientação tanto resolvia o problema demanutenção da força de trabalho – consideran<strong>do</strong> que aos senhores competia dar a seusescravos o necessário à vida para se alimentarem e vestirem – quanto assegurava aos senhoresreceitas substanciais através da comercialização, nas praças de merca<strong>do</strong> de São Luís, <strong>do</strong>sgêneros alimentícios que lhes eram envia<strong>do</strong>s pelos prepostos. Embora nenhuma lei garantisseaos escravos o pecúlio e vigisse o princípio de que o escravo nada podia adquirir para si,sen<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o produto de seu trabalho obrigatoriamente destina<strong>do</strong> ao senhor, constata-seque, nesta situação examinada, foi faculta<strong>do</strong> aos escravos tempo de trabalharem para si epara seu próprio sustento. Esse embrião de autonomia produtiva foi se consolidan<strong>do</strong> nasdécadas seguintes, erigin<strong>do</strong> as chamadas terras de preto e convergin<strong>do</strong> para uma situaçãode aquilombamento, ou seja, uma autonomia absoluta em face <strong>do</strong>s senhores. Tal situaçãode aquilombamento abarca também os próprios índios que, com o afastamento <strong>do</strong>sdiretores, em 1798, construíram sua própria autoridade, independentemente de tutelas,sobre as chamadas terras de santo 28 e terras de caboclos e estabeleceram relações sociaiscomunitárias e associativas com escravos fugi<strong>do</strong>s das fazendas, refugia<strong>do</strong>s em seus <strong>do</strong>mínios,e com os povoa<strong>do</strong>s que foram sen<strong>do</strong> forma<strong>do</strong>s com a derrocada das fazendas de algodão.Semelhante ação social baseia-se numa necessária aproximação de interesses e de autodefesade áreas de algum mo<strong>do</strong> delimitáveis, num momento em que os fazendeiros, seus antagonistashistóricos, achavam-se circunstancialmente por demais debilita<strong>do</strong>s economicamente para reprimirduramente essa forma de autonomia.47


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2O sentimento de índios e escravos de pertencerem afetiva e economicamente aterritorialidades que controlavam efetivamente, viviam como suas e às quais emprestavam suaspróprias autoatribuições, num momento em que não lhes era permiti<strong>do</strong> por lei ter quaisquerpropriedades e pecúlios, evidencia uma afirmação étnica. Ao afirmarem implicitamente direitospessoais e de grupos não reconheci<strong>do</strong>s legalmente como habilita<strong>do</strong>s à posse e/ou propriedade,marcam uma diferença diante <strong>do</strong> ordenamento jurídico colonial e descrevem uma trajetóriaque colide com ele ao se erigirem como sujeitos. Recorde-se que os próprios fazendeiros,enquanto sesmeiros, usufruiam de uma concessão régia e não eram proprietários das terrasestrito senso e, após a extinção <strong>do</strong> instituto das sesmarias, em 1823, ficaram como "posseiros"até, pelo menos, a Lei de 1850 29 .Está-se diante, portanto, de diferentes vertentes de construção de territorialidades,as chamadas terras de santo, terras de caboclos e terras de preto, em que comunidadesaparentemente separadas em termos étnicos convergem, por intermédio de uma relaçãoassociativa abrangente, para um mesmo processo de territorialização étnica. Tal quadro históricopermite compreender por que, em Alcântara, a memória das comunidades remanescentes dequilombo não se atém a feitos militares ou a episódios de heroísmo ou ainda a figuras míticas,mais se concentran<strong>do</strong> na afirmação de uma forma de existir e produzir, com base num sistemade uso comum <strong>do</strong>s recursos naturais e numa reciprocidade positiva entre as famílias de diferentespovoa<strong>do</strong>s. Em termos de uma datação, pode-se afirmar que semelhante sistema, nas terras dasfazendas das antigas ordens religiosas, já tem mais de <strong>do</strong>is séculos e, nas demais situações sociaisespecíficas de Alcântara, tem quase <strong>do</strong>is séculos.Caso se queira estabelecer uma relação entre os quilombos e a governaçãopombalina, tem-se que a autonomia produtiva foi sen<strong>do</strong> conquistada concomitantemente coma consolidação <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s quilombos ou mocambos. Sobre isso, cabe assinalar que osregistros relativos à incidência de quilombos em Alcântara, levanta<strong>do</strong>s a partir da consulta a<strong>do</strong>cumentos burocráticos das administrações <strong>do</strong>s perío<strong>do</strong>s colonial e imperial, deixam entreverque, mesmo antes da governação pombalina, as ações <strong>do</strong>s quilombolas já eram registradas,embora com menor recorrência <strong>do</strong> que no decorrer século XIX. O termo "mocambo" éaciona<strong>do</strong> nessa <strong>do</strong>cumentação em sinonímia com quilombo, como se poderá destacar nosexcertos transcritos nos quadros adiante apresenta<strong>do</strong>s.No perío<strong>do</strong> colonial, ou mais exatamente entre 1701 e 1751, as fontes<strong>do</strong>cumentais e arquivísticas compulsadas compreendem basicamente a correspondênciaentre a Casa Real, na metrópole, e a alta hierarquia <strong>do</strong> corpo administrativo da colônia, istoé, <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Grão-Pará e Maranhão, separa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil desde 1621.Na interpretação de Viveiros:48"Pelo que investigamos, no Maranhão, o mais antigo mucambo data <strong>do</strong>ano de 1702. Localizou-se nos sertões <strong>do</strong> Turiaçu, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> destruí<strong>do</strong>pelo Governa<strong>do</strong>r Fernão Carrilho, que lá aprisionou centro e vinte escravos,cobran<strong>do</strong> por seus senhores por peça a quantia de oito mil réis, no que foicensura<strong>do</strong> pela Coroa. No decorrer <strong>do</strong>s anos, foram surgin<strong>do</strong> mucambosem vários lugares maranhenses: Viana, Pinheiro, Alcântara, Guimarães,Maracassumé, <strong>do</strong>nde não raro saíam os africanos para a pilhagem dasfazendas." (Viveiros, 1954:88)


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaA Companhia de Comércio <strong>do</strong> Maranhão (1682-84) introduzira umaquantidade de escravos africanos muitíssimo inferior ao previsto, qual seja: 500 escravospor ano, durante vinte anos. Não durou mais que <strong>do</strong>is anos e assim mesmo com resulta<strong>do</strong>sincompletos (Salles, 1970:30). Assim, não é difícil entender por que a composição <strong>do</strong>squilombos, consoante os registros da administração colonial, assinala uma destacadaparticipação de índios. Os próprios termos designativos denotam tal idéia, ao designaremo quilombo como: "aldeia de escravos fugi<strong>do</strong>s". Do mesmo mo<strong>do</strong>, a caracterização daação é assim registrada: "gentios <strong>do</strong> corço" (sic). A noção de corso denota ataques esporádicose irregulares, porém rápi<strong>do</strong>s e sucessivos, feitos de forma isolada ou em grandes grupos,sem objetivo de ocupação permanente, apenas fustigan<strong>do</strong> ou visan<strong>do</strong> o roubo deinstrumentos de trabalho em ferro e o roubo de ga<strong>do</strong> para tração e alimento. São essasincursões guerreiras que afetam Alcântara ainda no perío<strong>do</strong> em que os colonos se opunhamaos empreendimentos econômicos das ordens religiosas. O termo gentios parece prevalecernos quilombos e os chama<strong>do</strong>s pretos e caboclos só vão ser menciona<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong>, porrazões estratégicas de povoamento, os administra<strong>do</strong>res coloniais passam a favorecer ocasamento com índios, proibin<strong>do</strong> que os filhos recebessem a denominação de caboclos e,depois, passam a privilegiar os próprios índios, libertan<strong>do</strong>-os da escravidão, em 1755, emanten<strong>do</strong> formalmente nessa condição principalmente os chama<strong>do</strong>s pretos.A seguir, apresentarei um quadro resumi<strong>do</strong> com as informações coletadasnos registros burocrático-administrativos no decorrer <strong>do</strong> século XV<strong>II</strong>I:49


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaA própria área correspondente a Alcântara surge, inicialmente, como dentro <strong>do</strong>raio de ação <strong>do</strong>s quilombolas que tem seu principal núcleo no Turiaçu. O <strong>do</strong>cumento que aconsagra, e que é reconheci<strong>do</strong> pelos principais historia<strong>do</strong>res maranhenses como um marco nahistória <strong>do</strong>s quilombos no Maranhão, é uma carta <strong>do</strong> rei de Portugal ao governa<strong>do</strong>r geral <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Maranhão, Fernão Carrilho, datada de 20 de março de 1702, em resposta àcorrespondência de 06 de maio de 1701, dan<strong>do</strong> notícias de que: "no certam <strong>do</strong> Rio Turiacúque estavão humas Aldeias de escravos que se tinhão levanta<strong>do</strong> a muitos anos e fugi<strong>do</strong> a seussenhores."(sic).Esse <strong>do</strong>cumento foi li<strong>do</strong> e cita<strong>do</strong> por César Marques, em 1872, e tambémpor Viveiros, em 1954, tornan<strong>do</strong>-se uma referência obrigatória da historiografia regional.Assinala que os corsos ocorreram simultaneamente em Turiacú, Viana e outras áreas,tal como ocorreria 165 anos depois, quan<strong>do</strong> os quilombolas de São Benedito <strong>do</strong> Céuse deslocaram no senti<strong>do</strong> de Viana, destruin<strong>do</strong> fazendas. A menção a Alcântara éinteiramente complementar.O outro <strong>do</strong>cumento detecta<strong>do</strong> é também uma carta, só que <strong>do</strong> capitão geral<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Grão-Pará Francisco Xavier de Men<strong>do</strong>nça Furta<strong>do</strong> ao rei de Portugal, datadade 16 de novembro de 1752. Nela, o referi<strong>do</strong> capitão geral, que era irmão <strong>do</strong> Marquês dePombal, tenta estabelecer uma aplicação diferenciada de pena para "índios" e "pretos"captura<strong>do</strong>s num mesmo quilombo, afirman<strong>do</strong> que os primeiros não deviam ser marca<strong>do</strong>scomo os outros. Como justificativa da pretendida distinção, trata os "pretos" comoatomiza<strong>do</strong>s, enquanto os "índios" são representa<strong>do</strong>s como povo, agregan<strong>do</strong> um limite,qual seja, que é "impossível castigar um povo inteiro". Quatro anos antes da "Lei dasLiberdades <strong>do</strong>s Indios", já fala em libertação <strong>do</strong>s índios. A repressão seletiva no perío<strong>do</strong>pombalino se volta principalmente contra os chama<strong>do</strong>s pretos e os caboclos.O uso <strong>do</strong> termo cativeiro na <strong>do</strong>cumentação, referi<strong>do</strong> à condição de escravo,ainda hoje é de uso corrente na região, denominan<strong>do</strong> situações vividas como de opressãoe subordinação 30 .A <strong>do</strong>cumentação pombalina é mais voltada para medidas produtivas, alusivasà formação das fazendas, ao tráfico de escravos e à comercialização de gêneros agrícolas eextrativos. Não foi encontra<strong>do</strong> nessa <strong>do</strong>cumentação um registro sequer de levantes ouincursões <strong>do</strong>s quilombolas nas fazendas, embora as matas <strong>do</strong> Turiaçu sempre estejam nasentrelinhas da captura de escravos e de supostos perigos e os portos de Cururupu e Turiaçusejam sempre cita<strong>do</strong>s nas rotas de contraban<strong>do</strong> e <strong>do</strong> comércio ilegal de escravos. O movimentode escravos por esses portos não passava pelas estatísticas alfandegárias e de controle oficialNotas ao quadro da pág. 50:(1) O jurista Perdigão Malheiro, em 1864, menciona o quilombo <strong>do</strong> Turiaçu como ten<strong>do</strong> dura<strong>do</strong> cerca de 40 anos(Malheiro, 1976:36). A. César Marques, em 1872, registra como esse quilombo se expandiu para Alcântara e Viana. (Marques,1878:5-69). J. Viveiros cita esse <strong>do</strong>cumento de 1702, que foi reproduzi<strong>do</strong> pelos Anais da Biblioteca Nacional em 1948,volume 66, páginas 212-213, como referente ao quilombo mais antigo <strong>do</strong> Maranhão (Viveiros, 1954:88), mencionan<strong>do</strong>como, em Alcântara, Viana, Pinheiro e Guimarães, as fazendas eram alcançadas pelos quilombolas saí<strong>do</strong>s de Maracassumé,Turiaçu.(2) Cf. M. Carneiro de Men<strong>do</strong>nça. A Amazônia na era Pombalina correspondência inédita <strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r e Capitão- General <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Grão-Pará e Maranhão Francisco Xavier de Men<strong>do</strong>nça Furta<strong>do</strong> (1751-1759). Rio deJaneiro, IHGB, 1º Tomo, 1963, p.303-304.51


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2(Salles, 1971:41). A concentração de interesses <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> dinástico, através da CompanhiaGeral de Comércio, no transporte e na comercialização de escravos, resolvia um problemaatinente aos empreendimentos agrícolas desde fins <strong>do</strong> século XV<strong>II</strong>, isto é, aumentava aoferta de escravos e facultava créditos que fortaleciam a capacidade produtiva e osinstrumentos repressores ao alcance <strong>do</strong>s fazendeiros. A expansão das fazendas e ocrescimento da vigilância e <strong>do</strong>s atos coercitivos podem ter inibi<strong>do</strong> as incursões quilombolas.Uma terceira forma de registro de quilombos que foi detectada na<strong>do</strong>cumentação data <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> de 1785 a 1793. Trata-se de referências explícitas a"mocambos", "enseada de preto fugi<strong>do</strong>s", "lagos <strong>do</strong>s mocambos" e "ações de CapitãoMato" que aparecem explicitamente nas cartas de datas e sesmarias, que asseguram asconcessões <strong>do</strong> poder real passadas aos sesmeiros: Ignácio de Araújo Cerveira, em1785; capitão Manoel Ferreira <strong>do</strong>s santos, em 1787; José Alberto da Silva Leitão, em1788, e João de Carvalho Santos, em 1793. No caso da concessão passada ao capitãoJosé de Araújo Cerveira, em 1787, a referência é implícita. Nessa <strong>do</strong>cumentação colonial,a ocorrência de quilombos antecede, de maneira flagrante, ao próprio registro desesmarias. Embora apareçam nos registros oficiais como meros topônimos de acidentesnaturais (lago, enseada, rio), a menção à ação repressora de capitão <strong>do</strong> mato e militaresdesnaturaliza-os, porquanto evidencia conflito, <strong>do</strong>tan<strong>do</strong> de vida o que se supõe extintoou não mais existente. Os registros dizem respeito ao chama<strong>do</strong> "Lago <strong>do</strong> Mocambo"e à "enseada <strong>do</strong>s negros fugi<strong>do</strong>s", que corresponderiam a quilombos cujas áreas foramentregues por concessão régia a sesmeiros que dispunham de escravos e recursos ediziam que as terras eram "devolutas" e que, nelas, ocupação não havia.Cotejamos essas fontes <strong>do</strong>cumentais com aquelas da história oral, atravésde duas entrevistas realizadas nas periferias de Alcântara e obtivemos informações quelocalizam as áreas tanto ao sul <strong>do</strong> município quanto próximas ao povoa<strong>do</strong> de Peru – quese situa na chamada "área de segurança da base" e foi desloca<strong>do</strong> compulsoriamente peloCentro de Lançamento de Alcântara, em 1987, para a agrovila que hoje responde pelamesma designação de Peru. O depoimento de Dona G., nascida em Marudá e atualmenteresidin<strong>do</strong> em Alcântara, adianta que:52"G. - Tem a Lagoa <strong>do</strong> Mocambo que é da terra <strong>do</strong> Peru. A Lagoa <strong>do</strong>Mocambo era <strong>do</strong> Sítio <strong>do</strong> Peru. O Peru era junto com a nossa terra. Anossa terra faz divisão com o Peru. Era um lugar chama<strong>do</strong> Boca da Lagoa.Boca da Lagoa era a junção da nossa terra com o Peru.P. - E a Sra. Tem alguma informação sobre esse Lago <strong>do</strong> Mocambo?G. - Tem o mocambo... que morava o povo <strong>do</strong> Peru mesmo. Um senhorque morreu. O nome dele era João Francisco. Eu não sei o sobrenome,né? Mas João Pota<strong>do</strong> era o apeli<strong>do</strong>. Era o <strong>do</strong>no desta terra. (...)É, mas quan<strong>do</strong> nós chegamos naquele Jabaquara era uma terra que tinhatapera para to<strong>do</strong> la<strong>do</strong>, era preto mesmo. Já tinha mora<strong>do</strong> gente. Tinhatapera de casa pra to<strong>do</strong> la<strong>do</strong>. É... Tinha tapera para to<strong>do</strong> la<strong>do</strong>. Tinha atéum lugar que tinha uma tapera...No tempo que meu pai contava, que notempo da guerra, no tempo da guerra, que o pessoal se escondiam modea pegação, que os solda<strong>do</strong>s que eles pegava o pessoal pra levar pra guerra."(G. 22.04.2002 - ENT. 35)


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaConstatamos, também, uma superposição entre os chama<strong>do</strong>s mocambos eos locais de refúgio nos perío<strong>do</strong>s de recrutamento obrigatório que compreendem as guerrasda Independência, as lutas chamadas "separatistas", <strong>do</strong> início <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> reina<strong>do</strong>, a Guerra<strong>do</strong> Paraguai e a citada I Guerra Mundial. Mesmo que essa referência histórica à I Guerrapossa carecer de exatidão, tem-se uma analogia entre quilombo e "esconderijo", emcircunstâncias vividas como de não-acatamento de disposições legais. Senão, vejamos aentrevista de M., representante de povoa<strong>do</strong>:"Existem algumas taperas no Peru, essas taperas era o lugar onde eles seescondiam na época da guerra, na primeira guerra mundial. Tinha comolugar chama<strong>do</strong> Mucambo. Vocês chegaram lá no Mucambo, no Peru, vocêencontra as taperas onde eles habitavam na época da guerra que eles seescondiam. O Mucambo, São Benedito, Tapera <strong>do</strong> Padre, Monte Alegre ePeru de Cima. Esse lugar você pode chegar lá que você ainda encontraalguma coisa <strong>do</strong>s pessoal mais antigo, esses escravos que vinham antes.Então, era tapera, uma como em Alcântara tem aqui hoje tem váriasmuralhas, só que lá não tem muralha: eles só corriam para lá nas épocas deguerra.... Lá era o esconderijo deles." (M. P. 19/04/2002 - ENT. 11.3)A noção de quilombo como valhacouto abrange, no texto das entrevistasrealizadas, um repertório de termos que designam resistência a atos coercitivos pela fuga erefúgio e contém simultaneamente referências ao apresamento de índios para o trabalhoescravo nas fazendas, ao alistamento compulsório para prestação de serviços militares e àfuga de escravos das fazendas. Nesse senti<strong>do</strong>, torna-se indissociável de termos como pegaçãoe toca, que foram detecta<strong>do</strong>s em praticamente todas as entrevistas realizadas e em todas assituações sociais registradas, tais como as chamadas terras de santo, as terras de preto, asterras de caboclo e demais territorialidades específicas.As próprias histórias <strong>do</strong>s antepassa<strong>do</strong>s são narradas consoante esses marcos,como frisa o Sr. J. N., 69 anos, que vive em São João de Cortes:"Bem aqui nós tamos aqui dentro de uma toca. Isso aqui era umaaldeia, os meus avós, os meus bisavós foram pega<strong>do</strong>s a cachorropra poder <strong>do</strong>mesticar. Era índia a minha bisavó e no tempo daguerra <strong>do</strong> Paraguai houve aquele povo que tava pegan<strong>do</strong> aquele povopor dentro <strong>do</strong> mato para exército, pra entrar pra guerra aí pra fora.Morreu tanta gente nesse navio sem ter necessidade e quan<strong>do</strong> osfilhos dela, com os netos dela, um <strong>do</strong>s netos se meteram de baixoda saia dela, que a saia dela era lá no pé. Se meteram embaixo da saiada velha que era pra não ir pra guerra. E sem ser eu, outras pessoasdaqui podem também dizer a mesma coisa que eu estou lhe citan<strong>do</strong>,porque aqui nós tu<strong>do</strong> somo uma parenteza toda. O povo se olha étu<strong>do</strong> jeito de índio. E a parte indígena e a cidade dessa comunidadefoi a<strong>do</strong>ada pelos índios." (J.N. 20/04/2002 - ENT.22) (g.n.)No mesmo senti<strong>do</strong>, tem-se o depoimento <strong>do</strong> Sr. E. A, 60 anos, que exerceatividade de pesca em Brito:53


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 254"Aqui a toca pra ali desse mato, desse mato grosso pra lá, que eu tô tefalan<strong>do</strong>, a gente encontra parte aí de mato, tem um lugar chama<strong>do</strong>Tabaquinha (Tabatinga), cansei de achar assim casca de sernambi e ossodentro daquele mato. Eles fugiam ali. Meu pai ele ainda contava quefugiu, passou seis dias <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong> no mato com me<strong>do</strong>...Acontece na vida<strong>do</strong> ser humano, rapaz, eles tinham me<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> diziam a pegação aíto<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> corria para se esconder no mato. Tinha criança que entravano mato e saía de lá era pai de família, assim tem muito povoa<strong>do</strong> aí só depreto, que fugia aí de Alcântara, ganhava a mata aí atrás. Então aconteciaisto no município de Alcântara." (E.A. 20/04/2002 - ENT. 21.3)"Eles vinham apanhá o sernambi de noite para levar para comer coma família no mato, que quan<strong>do</strong> eles fugiram <strong>do</strong>s brancos, que brancoera perverso, outro não era tão perverso assim como se dizia e porisso que eles fugiam e iam fazer moradias, hoje tem muito povoa<strong>do</strong>,no município de Alcântara, porque eles fugiram e os outros iam fazersuas casas no mato, quan<strong>do</strong> acabou a escravatura, que foram libertosos escravos, aí esse povoa<strong>do</strong> aí, cada um... ficaram independentes, alide Canelatiua, antes <strong>do</strong> governo chegar com a base...". (E.A. 20/04/2002 - ENT.21.3) (g.n.)Não importa em que tempo, se no passa<strong>do</strong> ou no presente, as representaçõesde me<strong>do</strong> e fuga se mesclam na prática <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, reatualizan<strong>do</strong> permanentementeuma forma de resistência aos antagonistas, sejam eles os denomina<strong>do</strong>s brancos ou o Esta<strong>do</strong>.Essas características são em tu<strong>do</strong> defini<strong>do</strong>ras de quilombo. "A fuga é inerente à escravidão"(Perdigão Malheiro: 1976:34), como já dizia Perdigão Malheiro em 1864, e se é recorrente,assim se manten<strong>do</strong> na memória <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, é porque tanto é maior o rigor e aperversidade <strong>do</strong>s atos coercitivos que sobre eles se abatem. O me<strong>do</strong>, por sua vez, mesmoconjuga<strong>do</strong> com fuga, denota pressentimento de perigo e uma visão aterra<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> alcance<strong>do</strong>s instrumentos de repressão da força de trabalho, que marcaram a sociedade escravista ecolonial.No decorrer <strong>do</strong> século XIX, os quilombos se consolidam nas terras deAlcântara. Pode-se constatar uma expansão <strong>do</strong>s quilombos em Alcântara, entre 1811 e1837, sem que contra eles tenha si<strong>do</strong> empregada um força repressora significativa. Aslutas políticas que marcaram a Independência e a a<strong>do</strong>ção de dispositivos constitucionais,que inclusive extinguiram as sesmarias, se estenderam até fins da década 1820-30. EmAlcântara, os fazendeiros, com a derrocada da economia algo<strong>do</strong>eira e com sua retiradadas fazendas, exerceram pre<strong>do</strong>minantemente o monopólio sobre determina<strong>do</strong>s cargos efunções de representação política. Valen<strong>do</strong>-se da posição preponderante de Alcântara sobrea região da Baixada Ocidental, centralizaram interesses e estabeleceram articulaçõesprivilegiadas com o poder provincial, através das Juntas Governativas 31 , e com a Corte.Em 11 e 16 de agosto de 1823, consignaram atos de juramento de fidelidade e apoio àIndependência e ao impera<strong>do</strong>r Pedro I, em cerimônia realizada na Câmara da vila deAlcântara. Representantes de Guimarães, São Bento, Santo Antonio e Almas e Pinheiro sefizeram presentes. As famílias Franco de Sá, Viveiros, Ribeiro, Araújo, Costa Ferreira, AraújoCerveira e Gomes de Castro ocupam cargos proeminentes (presidente da Câmara,


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidaverea<strong>do</strong>res, comandante de destacamentos militares, tenente-coronel, capitão, alferes eprocura<strong>do</strong>r), juntamente com outras famílias que haviam si<strong>do</strong> aquinhoadas com concessõesde sesmarias no século XV<strong>II</strong>I. Os próprios sesmeiros, menciona<strong>do</strong>s anteriormente,aparecem como signatários <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos, bem como os futuros barões sagra<strong>do</strong>s peloimpera<strong>do</strong>r, a saber: Severo Antonio de Araújo Cerveira, Romual<strong>do</strong> Antonio Franco de Sá,Francisco Mariano de Viveiros, Antonio Pedro Ribeiro, José Ascenso da Costa Ferreira,Antonio Pedro da Costa Ferreira, Jerônimo José de Viveiros etc., além de religiosos carmelitase padres seculares 32 . O principal teatro de operações das forças militares encontrava-se naesfera política. Em Alcântara, as fazendas em aban<strong>do</strong>no, administradas por prepostos,evidenciavam uma certa deserção <strong>do</strong>s fazendeiros. Até 1837, não foram encontra<strong>do</strong>s<strong>do</strong>cumentos indican<strong>do</strong> a mobilização de tropas de linha para combater os quilombos emexpansão, nem a crescente autonomia produtiva <strong>do</strong>s escravos sob a direção <strong>do</strong>s prepostos.Isso provavelmente explica por que, em Alcântara, e particularmente nas duas freguesias deSão Matias e São João de Cortes, não foram registradas "fugas em massa" de escravos talcomo ocorri<strong>do</strong> em outros pontos da região, como Guimarães 33 e Viana. Os escravos, emAlcântara, permaneceram com suas famílias nas fazendas de algodão cultivan<strong>do</strong> e garantin<strong>do</strong>sua autonomia a partir <strong>do</strong> processo produtivo.Entre 1835 e 1886, detectei registros oficiais de quilombos em to<strong>do</strong>s os tiposde estabelecimentos agrícolas de Alcântara, quaisquer que fossem: antigas fazendas de ordensreligiosas (Itamatatiua e povoa<strong>do</strong>s próximos, Mercês), fazendas de algodão (Esperança),engenhos de cana-de-açúcar (Gerijó, Mutiti, Itapiranga, São Maurício e povoa<strong>do</strong>s próximos)e fazendas de ga<strong>do</strong> (Tubarão). Detectei registros de história oral de quilombos nessas mesmasunidades de produção e ainda em Flórida, Forquilha, Ladeira, Peroba de Cima, Itapuaua,Samucangaua, Iririzal, Peru, Brito e Itapera. Detectei também registros de quilombos emtodas as territorialidades específicas: nas antigas terras de índio <strong>do</strong>adas para o santo (SãoJoão de Cortes), nas chamadas terras da santa (Itamatatiua e povoa<strong>do</strong>s próximos), nasdenominadas terras de santíssimo (centralizadas em torno de Santana <strong>do</strong>s Caboclos eSamucangaua), nas designadas terras de caboclo (Peroba de Cima e povoa<strong>do</strong>s próximos) enas chamadas terras de preto. Estas últimas são mais numerosas e abrangem quase to<strong>do</strong>s ospovoa<strong>do</strong>s da antiga freguesia de São Matias e quase toda a de São João de Cortes, consideran<strong>do</strong>a interpenetração entre os planos organizativos de tais territorialidades (Geertz, 1967:257).Detectei a referência a quilombos em todas as situações caracterizadas por <strong>do</strong>ação defazendeiros, como nas denominadas terras da pobreza (Canelatiua e povoa<strong>do</strong>s próximos)que foram <strong>do</strong>adas explicitamente e por disposição registrada em cartório, incluin<strong>do</strong>-se tambémas <strong>do</strong>ações informais, como seria o caso de Vai com Deus; situações caracterizadas porherança, como seria o caso de Santo Inácio e São Raimun<strong>do</strong>; situações caracterizadas poraquisição, como seria o caso de Baixa Grande, entre outras.Detectei, finalmente, a menção explícita a quilombos em <strong>do</strong>cumentos alusivosa todas as quatro freguesias correspondentes a Alcântara no século XIX, quais sejam: SãoMatias, São João de Cortes, Santo Antonio e Almas e São Bento.As principais fontes <strong>do</strong>cumentais e arquivísticas levantadas entre 1837 e1886 concernem a carta de fazendeiro e ofícios de juiz de paz dirigi<strong>do</strong>s a autoridadesprovinciais, <strong>do</strong>cumentos de chefes e subdelega<strong>do</strong>s de polícia, além de procuração passadaem cartório e denúncias de fuga de escravos e de incursões guerreiras de quilombolas.55


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Completam tais referências interpretações <strong>do</strong>cumentadas de historia<strong>do</strong>res regionais,como César Marques, em 1872, e dispositivos da legislação provincial que focalizam arepressão aos quilombos.O primeiro desses dispositivos data de 1835 e trata-se da Lei nº 5, de 23de abril, em que o presidente da província, Antonio Pedro da Costa Ferreira, natural deAlcântara e já menciona<strong>do</strong> anteriormente, busca reorganizar o aparato policial daprovíncia. Para tanto, institui um Corpo de Polícia Rural, sob as ordens diretas <strong>do</strong> juizde paz em cada município, com destacamentos consoante à necessidade <strong>do</strong>s distritostal como informa<strong>do</strong> pelas câmaras municipais. A criação dessa força militar, recrutadanos próprios municípios conforme o Art. 13, volta-se basicamente contra os quilombose estabelece premiações, além <strong>do</strong> sol<strong>do</strong>, para solda<strong>do</strong>s e respectivos comandantes queaprisionarem escravos fugi<strong>do</strong>s em cada distrito. Consoante o Art. 4º:"Quan<strong>do</strong> no ataque de um quilombo concorrerem <strong>do</strong>us ou mais solda<strong>do</strong>s,se repartirá por to<strong>do</strong>s eles com igualdade as somas das gratificações, quese houverem de pagar pelos escravos aprehendi<strong>do</strong>s." (sic)A reestruturação <strong>do</strong> aparato militar e as denúncias que começam a serencaminhadas aos juizes de paz a partir daí evidenciam um certo grau de consolidação<strong>do</strong>s quilombos na província <strong>do</strong> Maranhão e notadamente em Alcântara. Aqui, aocontrário das demais regiões <strong>do</strong> Maranhão, as tropas de linha imperiais, preocupadasem enfrentar as tropas <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s Balaios, não tiveram qualquer participação maior.A partir <strong>do</strong> Vale <strong>do</strong> Itapecuru, quase toda a província estava imersa na guerra daBalaiada, entre 1839 e 1841. Foram captura<strong>do</strong>s por Caxias cerca de 3.000 quilombolas<strong>do</strong>s 11.000 balaios feitos prisioneiros. Os quilombos de Alcântara ficaram relativamenteà margem desses entreveros, porquanto não constituíam ameaça direta ao poder político.De igual mo<strong>do</strong>, as escaramuças em Alcântara são esparsas, não se registram grandescombates nas proporções <strong>do</strong>s que, em 1855, marcaram a campanha militar no Turiaçu,ou tal os de 1866, que levaram ao aprisionamento de uma centena de quilombolas deSão Benedito <strong>do</strong> Céu, quan<strong>do</strong> saíam das matas <strong>do</strong> Turiaçu em direção a Viana. Adespeito disso, tem-se uma regularidade de ocorrências que deixam entrever umaresistência constante e uma expansão sobre as áreas em que a cultura <strong>do</strong> algodão foidesaparecen<strong>do</strong>. A dispersão <strong>do</strong>s quilombos por toda Alcântara bem traduz essemovimento ascendente que vai tornan<strong>do</strong> cada vez mais indistinta a produção delesdaquela que os escravos mantêm para si nas fazendas ainda controladas parcial eprecariamente pelos feitores e encarrega<strong>do</strong>s. As ruínas das antigas fazendas, apagan<strong>do</strong>as diferenças entre <strong>do</strong>mínios formais e ocupações efetivas, constituem um cenáriocomum para essas modalidades de acamponesamento que convergem para um mesmoprocesso de territorialização. O quadro a seguir arrola os registros levanta<strong>do</strong>s no decorrer<strong>do</strong>s trabalhos de perícia, que evidenciam como os quilombos foram focaliza<strong>do</strong>s pela<strong>do</strong>cumentação administrativa no perío<strong>do</strong> imperial:56


NOTA:(1) Não lancei no quadro a referência de Jerônimo de Viveiros, publicada no artigo "O Mocambo de Pinheiro" na coluna Quadros da Vida Pinheirense, <strong>do</strong> periódico Cidade dePinheiro de 12 de Junho de 1955, a um escravo fugi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Engenho Castelo que o historia<strong>do</strong>r conheceu e entrevistou.A seguir, transcrevo a informação: "O mucambo de Pinheiro foi famoso, famoso não pela ferocidade <strong>do</strong>s seus atos, mas pela sua organisação. Chamou-se São Sebastião e entreos seus zumbis teve um negro inteligente - Pai Mané, que lhe imprimia moldes cooperativistas. Lá a produção agrícola era da coletividade. To<strong>do</strong>s trabalhavam nela, mas ninguémusofruia maior quinhão. Por esta maneira, a subsistência era garantida igualmente a velhos e moços. Não se dava o mesmo na pilhagem, que pertencia a quem a fizesse. Neste casoconsideravam a exploração aurífera que faziam nas terras da Fazenda São José, de propriedade <strong>do</strong> Comenda<strong>do</strong>r José Maria Correia de Souza, de Alcântara. Era negócio privativo<strong>do</strong>s maiorais <strong>do</strong> mucambo. Ninguém sabe porque nêle tomou parte ainda moço o calhambola Silvério, escravo de uma das netas <strong>do</strong> <strong>do</strong>no de São José. A verdade é que Silvério,anos depois de ter fugi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Engenho Castelo, apareceu no Pindaré e man<strong>do</strong>u oferecer à sua senhora garrafa e meia de oiro em pó pela sua carta de liberdade. Ameaça<strong>do</strong> de prisão,tornou a desaparecer, sem realizar o negócio. Após o 13 de maio, aban<strong>do</strong>nou o mucambo São Sebastião, vin<strong>do</strong> residir na vila, dizem que com alguns haveres, que os filhosdesbarataram. Conhecemo-lo, há uns trinta anos, quan<strong>do</strong> veio a São Luis comprar um rife e visitou-nos à rua de Santo Antonio. Estava velho e paralítico <strong>do</strong>s membros inferiores,o que certamente o impossibilitava de minerar. Não parecia ter dinheiro. O seu aspecto era de um homem amigo da verdade. Foi dêle que colhemos estes da<strong>do</strong>s."


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaEm 1837, mediante a denúncia <strong>do</strong> fazendeiro de Alcântara Raymun<strong>do</strong> daConceição Lemos ao vice-presidente da província, Joaquim Franco de Sá, também fazendeiroem Alcântara, não é difícil constatar, pela recusa explícita <strong>do</strong>s solda<strong>do</strong>s em procurarem osescravos fugi<strong>do</strong>s, a fragilidade <strong>do</strong> aparato repressivo. Os solda<strong>do</strong>s alegavam que não iriamparticipar da captura <strong>do</strong>s escravos fugi<strong>do</strong>s devi<strong>do</strong> ao fato de "terem trabalha<strong>do</strong> um anointeiro sem terem si<strong>do</strong> (serem) pagos". Pela quantidade e dispersão <strong>do</strong>s quilombos, podeseverificar que as gratificações previstas em lei não pareciam suficientes para animar atropa, obrigan<strong>do</strong> os fazendeiros a empreender a busca com milícia privada formada porseus próprios "escravos de confiança". O senti<strong>do</strong> de quilombo, nesse <strong>do</strong>cumento, é toma<strong>do</strong>como sinônimo de unidades de moradia <strong>do</strong>s escravos fugi<strong>do</strong>s, reproduzin<strong>do</strong> a noçãodifundida pela legislação colonial 34 e pelos relatos militares. O denunciante se refere a fatosocorri<strong>do</strong>s no distrito de Carvalho, onde já não se plantava mais algodão em 1819, conformeatesta o coronel Pereira <strong>do</strong> Lago, descreven<strong>do</strong> tal distrito:"Todas estas terras pouco já servem para algodão, mas só paramandioca. Onde chamam Carvalho é um istmo de ½ légua entre o fimde <strong>do</strong>is rios, ao norte pelo <strong>do</strong> Carvalho, ao sul pelo Tucupai, de sorte queas cargas que vem <strong>do</strong> Pericumã descem por este rio, entram no <strong>do</strong> Carvalho,descarregam atravessan<strong>do</strong> ½ légua e tornam a embarcar no Tucupai parachegarem a Alcântara." (Pereira <strong>do</strong> Lago, 2001:34) (g.n.)Na Fazenda de Tammata-tira (Itamatatiua), que pertencia à Ordem <strong>do</strong>sCarmelitas antes <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> pombalino e que ainda estava arrolada entre os bens <strong>do</strong> Convento<strong>do</strong> Carmo, local das principais ocorrências, tem-se que os quilombolas ameaçam tomar ocontrole <strong>do</strong> encarrega<strong>do</strong> das terras. Na outra fazenda de Felipe Joaquim Viegas, no Tubarão,tem-se que a incidência <strong>do</strong>s quilombos, bem próxima à sua moradia, precede o registro dasterras que teria ocorri<strong>do</strong> em 28 de maio de 1855, conforme o livro <strong>do</strong>s registros paroquiaisnº 01, folha 10. Os outros povoa<strong>do</strong>s cita<strong>do</strong>s são Rio Grande e Mucajuba, onde o denuncianteregistrou roubo de ga<strong>do</strong> e ameaças de morte a vaqueiro.Nesse mesmo março de 1837, o juiz de paz reitera a denúncia <strong>do</strong>s quilombosno 5º distrito em novo <strong>do</strong>cumento ao vice-presidente da província e reafirma o envio <strong>do</strong>sarmamentos necessários para a sua dispersão.No perío<strong>do</strong> da Balaiada, não se registram movimentos de tropas em Alcântaracombaten<strong>do</strong> os quilombos. No ano de 1844, após o término da guerra e dentro da política<strong>do</strong> governo provincial de reintroduzir o "hábito e a disciplina de trabalho nas fazendas", osguardas campestres instituí<strong>do</strong>s pela Lei Provincial nº 44 já se achavam estabeleci<strong>do</strong>s nasubdelegacia de Alcântara para punir a vadiagem nos campos. Então, já havia um projeto dereinstalar em Alcântara engenhos de açúcar e comercializar a produção. A insuficiência <strong>do</strong>sguardas campestres diante da amplitude da ação quilombola leva o governo provincial a aprovarnovos instrumentos repressivos. Em 1846-47, ocupan<strong>do</strong> a presidência da província o alcantarenseJoaquim Franco de Sá – filho <strong>do</strong> sesmeiro Romual<strong>do</strong> Franco de Sá e genro de Antonio Pedroda Costa Ferreira, que também governara a província em 1834-35 e que instituíra a polícia rural– define como política de governo a implantação de engenhos de açúcar na província. Antes,porém, através da Lei nº 236, de 20 de agosto de 1847, intenta reorganizar os dispositivos de61


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2repressão aos escravos fugi<strong>do</strong>s. Para debelar os quilombos, através da autoridade <strong>do</strong> juiz de paz,disciplina a ação <strong>do</strong>s capitães <strong>do</strong> mato instituin<strong>do</strong> uma força repressiva com pelo menos <strong>do</strong>iscapitães por distrito, sen<strong>do</strong> que cada um deles não poderia dispor de mais de cinco solda<strong>do</strong>s.Nota-se um misto de força regular e milícia privada anima<strong>do</strong> por uma classificação <strong>do</strong>squilombolas aprisiona<strong>do</strong>s em três diferentes situações, às quais correspondem gratificações distintas:62"Art. 5 - Os Capitães <strong>do</strong> Mato perceberão vinte mil reis por cada escravoque for acha<strong>do</strong> em quilombo; dez mil reis pelo que andar a corso, e <strong>do</strong>ismil reis pelo que for acha<strong>do</strong> nas cidades, Vilas ou povoações e até umalégua de distância das mesmas."Tais gratificações são bem mais elevadas <strong>do</strong> que aquelas instituídas pela Lei nº 5,de 23 de abril de 1835. Excedem-nas em 100% nos <strong>do</strong>is primeiros casos aventa<strong>do</strong>s, casosejam trata<strong>do</strong>s em separa<strong>do</strong> os sol<strong>do</strong>s. Além disso, o Art. 9º previa que os capitães <strong>do</strong> matodeveriam receber as gratificações anunciadas e prometidas pelos senhores, enquanto o Art. 10dispunha que os quilombos tornavam-se presa de guerra, ou seja, to<strong>do</strong>s os objetos encontra<strong>do</strong>snos quilombos seriam distribuí<strong>do</strong>s entre os capitães <strong>do</strong> mato e seus solda<strong>do</strong>s. Em outraspalavras, havia uma escassez de força de trabalho para os empreendimentos açucareiros e otráfico de escravos, começan<strong>do</strong> a enfrentar obstáculos legais, já não assegurava mais umaoferta regular, o que aumentava consideravelmente o preço <strong>do</strong>s escravos, tornan<strong>do</strong> a capturade escravos fugi<strong>do</strong>s um negócio alta rentabilidade. Consoante os entrevista<strong>do</strong>s de Itapuaua,seus avós narravam casos em que fazendeiros chegavam a roubar escravos uns <strong>do</strong>s outros:"Disse que tinha o preto vigia, que eles tinham me<strong>do</strong> <strong>do</strong> preto, esseque vigiava... se fizesse alguma pegação, ele saía de noite ia dizerpro branco. Puxava, dizem que ele puxava uma corda assim aí vinha obranco.(...)– O caça<strong>do</strong>r caçava quem?– Eles roubavam um <strong>do</strong> outro. Os brancos eles roubavam preto um <strong>do</strong>outro.Eram três irmãos, da família Araújo, na Esperança, no Mutiti eabaixo." (A.C.A.ou A.T. 21/04/2002 - ENT.23.1) (g.n)Em virtude da aludida escassez, os fazendeiros, que pretendiam estabelecerengenhos com maquinarias inglesas e norte-americanas, passavam a ter interesses maisimediatos no resulta<strong>do</strong> da ação das milícias. Os quilombos são vistos, nesse momento,como depósitos de mão-de-obra. A referida lei preconiza, inclusive, a montagem de umcadastro de escravos fugi<strong>do</strong>s atualizada a cada ano.Nesse contexto, a legislação provincial maranhense procede a uma revisãono conceito de quilombo, estreitan<strong>do</strong>-o severamente e adequan<strong>do</strong>-o às novasnecessidades produtivas. Afasta-se da quantidade mínima de escravos fugi<strong>do</strong>s, requeridanos dispositivos coloniais, que correspondia a cinco, reduzin<strong>do</strong>-a drasticamente para<strong>do</strong>is. Os mecanismos repressivos aumentam e o quilombo passa a ser defini<strong>do</strong> pelo"escravo aquilomba<strong>do</strong>", restringin<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> de reunião tão recorrente na<strong>do</strong>cumentação administrativa colonial.


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeida"Art. 12 - Reputar-se-á escravo aquilomba<strong>do</strong>, logo que esteja ao interiordas matas, vizinho ou distante de qualquer estabelecimento, em reuniãode <strong>do</strong>is ou mais com casa ou rancho."Ao aprovar essa lei, a Assembléia Legislativa Provincial se coloca nos debatesque precedem a Lei de Terras de 1850 e que se desenrolam desde 1839 com participaçãodestacada <strong>do</strong>s parlamentares alcantarenses. Entre os fazendeiros, havia grupos com interessesdiferencia<strong>do</strong>s: os sesmeiros que tinham suas posses confirmadas, os que não possuíamconfirmação e os que se mantinham na condição de simples apossamento (Shiraishi, 1998:28).Como as listagens correspondentes aos registros de terras em Alcântara, expedi<strong>do</strong>s entre1777 e 1816, arrolam menos de 25 nomes, pode-se imaginar que a última situaçãocompreendia um número mais eleva<strong>do</strong> de fazendeiros, que não se atinham às extensõesusualmente concedidas e às exigências legais <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> imperial, e é nesse senti<strong>do</strong> quepoderia ser lida a manifestação <strong>do</strong> sena<strong>do</strong>r Franco de Sá nos debates parlamentares entre1841 e 1843, sobre o tamanho das propriedades, autodefinin<strong>do</strong>-se como representante da"classe <strong>do</strong>s posseiros" (Carvalho, 1981:39).Com a Lei de Terras de 1850 e com a organização por freguesia <strong>do</strong>s registrosdas terras, foram instituí<strong>do</strong>s os "registros paroquiais" ou "registros <strong>do</strong> vigário"(Shiraishi,1998:26), que consistiam em autodeclarações. Nesse contexto, aumentasignificativamente o total de registros. Em três freguesias de Alcântara – São Matias, SãoJoão de Cortes e Santo Antonio e Almas – foram registra<strong>do</strong>s, entre 1854 e 1857, 345imóveis rurais, isto é, 135 registros na primeira, 25 na segunda e 185 na outra.Apresentarei, a seguir, um gráfico correlacionan<strong>do</strong> tais registros:Registro de terras segun<strong>do</strong> declaração <strong>do</strong> possui<strong>do</strong>rAlcântara: 1854 - 185763


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2As informações sobre o tamanho das áreas foram freqüentemente omitidas:apenas 49 na primeira, 14 na segunda e 68 na terceira freguesia. A maioria <strong>do</strong>s que forneceramtal informação situa-se abaixo de 200 hectares, e no caso de Santo Antonio e Almas, a metadeestaria abaixo <strong>do</strong>s 100 hectares e apenas seis acima de 1.000 hectares. Em São João de Cortes,apenas quatro acima de 1.000 hectares, e em São Matias, sete somente. Em suma, os quepretendiam maiores extensões não declararam o tamanho de suas áreas, cingin<strong>do</strong>-se tãosomente a referências vagas. Antonio Onofre Ribeiro, irmão mais velho <strong>do</strong> Barão de Grajaúe que, inclusive, o havia cria<strong>do</strong> (Viveiros, 1975:113), limita-se a declarar o seguinte no Livro 02, folha 12, em 02 de maio de 1856: "várias posses". Da mesma maneira procede o Comenda<strong>do</strong>rJosé Maria Correia de Souza, em cujas terras da Fazenda S. José o historia<strong>do</strong>r Viveiros assinalapresença de escravos fugi<strong>do</strong>s e mocambo (Viveiros, 1955). Nas denominações de pelo menosduas fazendas, o termo "preto" aparece como sufixo; "Ponta <strong>do</strong> Preto", registrada em 5 demaio de 1856, por Jerônimo José Mirubins, e "Cabeça de Preto", registrada em maio de1856 por Carlos Felipe Coelho. No registro de Aruhu (Uruhu), na freguesia de S. João deCortes, em 25 de maio de 1856, aparecem como proprietários: "Ignácio Antonio Dias ediversos pobres". Essa área constitui hoje uma das territorialidades específicas assinaladasresponden<strong>do</strong> pela designação de Terra da Pobreza. As fazendas Engenho Castelo e Tapera,de onde fugiam os escravos para o mocambo localiza<strong>do</strong> na Esperança, próximo a Itapuaua,foram registradas, em 30 de abril de 1855, por Severo Antonio de Araújo Cerveira Filho.Obtive essa informação entrevistan<strong>do</strong> A.C.A., de 78 anos, que indicou o local <strong>do</strong> "Mucambo"também trata<strong>do</strong> por toca (A.C.A. 21/04/2002 - ENT.23.1). Dessas fazendas fugiram tambémescravos que foram para o quilombo de São Sebastião, em Pinheiro, conforme entrevistarealizada por Viveiros com um <strong>do</strong>s quilombolas remanescentes, transcrita pelo periódicoCidade de Pinheiro de 12 de junho de 1955. Este quilombola chama<strong>do</strong> Silvério, que foraescravo de uma das netas <strong>do</strong> Comenda<strong>do</strong>r José Maria C. de Souza, narrou para Viveiroscomo se dava o processo de trabalho no quilombo. O historia<strong>do</strong>r registrou que se dava em"moldes cooperativistas".O Convento de Nossa Senhora <strong>do</strong> Carmo registrou as chamadas Terras deSanta Tereza, onde se localizavam inúmeros quilombos em torno de Itamatatiua, tal comoregistra<strong>do</strong> em 1837 pela polícia rural, como Fazenda Tamatatiua (livro 01, fl. 56, data<strong>do</strong> de1857). A Irmandade <strong>do</strong> Santíssimo Sacramento registrou, em 30 de junho de 1856, noLivro 02, folha 19, uma terra sem denominação e sem a extensão em hectares, quecorresponderia às áreas designadas terras de preto, onde se localizam os antigos quilombosque abrangiam Ladeira, Samucangaua, Iririzal. Ora, à época deste registro, Bellarmino Mattos,a partir de verificações in loco, relata o seguinte sobre Itamatatiua: "Os religiosos têm alimuitos escravos, alguns oficiais de pedreiro, carapinas, oleiros, bastante porção de terras delavrar com matas, de muitas madeiras de lei, e nas mesmas terras têm grande número deforeiros, e algumas pessoas recebem grátis o asylo." (Mattos, 1861:34). A relação da Ordem<strong>do</strong> Carmo com os escravos considera<strong>do</strong>s insubmissos já foi examinada no capítulo sobreas ruínas intitula<strong>do</strong> "Muralhas e Paredões".* Em outras palavras, tais terras eram um recursoaberto com uma pluralidade de posses. As informações <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s sobre as chamadas* Ver o <strong>Volume</strong> 1. (n.e)64


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidaterras de santíssima indicam que para ali se dirigiram os escravos fugi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s engenhosGerijó e Mutiti. As terras <strong>do</strong>s mercedários não aparecem nos registros paroquiais, mas aFazenda das Mercês desde 1819 aparece como de incidência de quilombos, como bem odemonstra a <strong>do</strong>cumentação transcrita no quadro demonstrativo já exibi<strong>do</strong>. B. de Mattosafirma que as terras de Sant'Ana, vizinhas a Itamatatiua, <strong>do</strong>s religiosos mercedários tambémtinham foreiros (Mattos, 1861:34). Ou seja, para além da escravidão, já estava vigin<strong>do</strong>nessas terras a figura <strong>do</strong> aforamento e da posse, com <strong>do</strong>cumentação vária assinalan<strong>do</strong> isso.A família Ribeiro – ou seja, Maria Francisca, Rita Quitéria, Carlos Pedro eoutros – registrou, no decorrer de 1857, sem mencionar o número de hectares, a áreadenominada Jarucaia, que corresponderia ao quilombo <strong>do</strong> mesmo nome assinala<strong>do</strong> pelastropas de linha desde os anos 1834-38. Outras áreas correspondentes às terras de preto,que compreendem os povoa<strong>do</strong>s de São Mauricio, Santa Rita, Arenhengaua, São Raimun<strong>do</strong><strong>II</strong> e Santa Bárbara, foram igualmente registradas. Constata-se ainda que algumas das chamadasterras de caboclo, como Cujupe e Bacuriajuba, foram registradas por clérigos, a saber, oPadre José Aureliano da Costa Leite e o Padre José Ribeiro Martins. A perspectiva deorganização de um merca<strong>do</strong> de terras parece ter leva<strong>do</strong> os que fizeram os registros aprocederem de mo<strong>do</strong> formal sem que efetivamente tivessem qualquer benfeitoria nasrespectivas áreas ou sem que de fato as controlassem. A precariedade das informaçõesautodeclaradas talvez possa reforçar isso, contribuin<strong>do</strong> para evidenciar que os quilombosprecederam os registros de propriedade, já que as sesmarias eram consideradas posses pelodireito agrário <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> imperial. Ocorre, entretanto, que a propriedade da terra era précondiçãopara se ter direitos políticos, como sublinha Faoro, destacan<strong>do</strong> a eleição de 1886em que os eleitores habilita<strong>do</strong>s representavam apenas 0,89% da população brasileira. Acena política e a magistratura eram <strong>do</strong>minadas pelos interesses agrários.Não se pode dizer, contu<strong>do</strong>, que não havia atividade econômica nos 13engenhos da freguesia de São Matias e nos cinco de Santo Antonio e Almas, que usufruíramde incentivos <strong>do</strong> governo Franco de Sá, em 1846-47, e mantiveram a produção até os anos1860-70. O Barão de São Bento aparece registran<strong>do</strong> o Mutiti, em 04 de outubro de 1855,enquanto que Manuel Gomes de Sá havia registra<strong>do</strong> outra parte dele em 14 de fevereiro <strong>do</strong>mesmo ano. Essa tentativa de soerguimento <strong>do</strong>s engenhos teve vida efêmera, não obstanteterem si<strong>do</strong> importa<strong>do</strong>s equipamentos e erguidas edificações grandiosas, como ainda deixamentrever as ruínas <strong>do</strong> Gerijó. Tanto o Gerijó quanto o Mutiti, não obstante terem se torna<strong>do</strong>objeto de transações de compra e venda, tiveram quilombos e se constituem hoje em terrasde preto. A contradição entre os registros formais e o reconhecimento de fato dessasterritorialidades específicas mencionadas permite constatar que não havia resistência atravésde posses individuais, nem de povoa<strong>do</strong>s de per si, senão de vários povoa<strong>do</strong>s que seinterpenetravam, através de relações sociais comunitárias, constituin<strong>do</strong> as chamadas terrasde santo, terras de santíssimo, terras de preto, terras de caboclo. Diferem, sob esteaspecto, da chamada terra da pobreza, que foi instituída em cartório num ato de <strong>do</strong>ação<strong>do</strong> proprietário, cuja certidão constitui um <strong>do</strong>s anexos desta perícia. Diferem tambémdaquelas situações que, embora designadas como terra de preto, foram objeto de <strong>do</strong>açãoou de sucessão, formal ou informal, <strong>do</strong> grande proprietário, tais como: Santo Inácio,Vaicom Deus, São Raimun<strong>do</strong> I e parte de Itapuaua. Diferem ainda daquelas situações designadascomo terra de preto que foram objeto de aquisição por alforria<strong>do</strong>s, como Mutiti, Baixa65


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Grande e parte de Itapuaua. Estes últimos se valeram <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> de terras para legitimarantigos quilombos, ou seja, compraram o título formal de terras em que já cultivavamcentenariamente. Em virtude disso é que se torna temerário asseverar que, quan<strong>do</strong> da chamada"Abolição da escravatura", em 1888, já se encontra um quadro relativamente defini<strong>do</strong> noque tange à estrutura agrária. A relação <strong>do</strong>s registros paroquiais transmite, assim, a ilusão deordenação fundiária e de titulação definitiva, resultan<strong>do</strong> numa aparente destruição <strong>do</strong>squilombos. Não é por acaso, portanto, que os mapas hoje elabora<strong>do</strong>s pelo Centro deLançamento de Alcântara tratam to<strong>do</strong>s os povoa<strong>do</strong>s e territorialidades específicas como"fazendas", como se de fato o fossem ou assim o tivessem si<strong>do</strong>. A realidade darepresentação cartográfica en<strong>do</strong>ssa a precariedade <strong>do</strong>s registros autodeclara<strong>do</strong>s, deficientesde informações elementares, tentan<strong>do</strong> transformar em realidade as ficções sobre fazendasque já não mais existiam efetivamente em 1850.Em suma, pode-se pontuar que, objetivan<strong>do</strong> a estruturação formal de ummerca<strong>do</strong> de terras, com prevalência de aquisições de terras públicas em detrimento dequaisquer <strong>do</strong>ações ou concessões que porventura favoreçam as pequenas posses, tem-seum estímulo à formalização das terras de fazendeiros, mesmo que não as estivessemocupan<strong>do</strong> efetivamente. O ato de formalização mostra-se co-extensivo a uma açãorepressiva contra pequenos ocupantes entre 1848 e 1853 em to<strong>do</strong> o Maranhão,anteceden<strong>do</strong> ao início <strong>do</strong>s "registros paroquiais", que data de 1854. A estratégia deformalização jurídica articula-se com aquela da implantação <strong>do</strong>s engenhos de açúcar.Após as ações repressivas autorizadas por Franco de Sá, enquanto presidente da província,tem-se ações contra quilombos da freguesia de São Bento, que então pertencia a Alcântara.Os juizes de paz de Vila Nova de Pinheiro e de São Bento, em 16 de julho de 1850,solicitam reforços ao presidente da província, Honório P. de Azeve<strong>do</strong> Coutinho, nosseguintes termos:66"Que se nos faz muito preciso, se nos der auxilio a fim de destruímoscertos quilombos que temos em nossos distritos, tanto assim que chegama impedirem as estradas para o trânsito <strong>do</strong>s viajantes, estes malva<strong>do</strong>s sãoaquilomba<strong>do</strong>s para as margens <strong>do</strong> rio <strong>do</strong> Turi, e frequentão to<strong>do</strong> estecontinente..." (g.n.)Em 1853, sucedem as campanhas de destruição de quilombos autorizadaspor Eduar<strong>do</strong> Olímpio Macha<strong>do</strong>, também presidente da província. Elas priorizam a regiãode Turiaçu (Marques, 1878:11) e suas ramificações por Viana, Guimarães e Santa Helena,alcançan<strong>do</strong> áreas de beira-campo, em Pinheiro, com as quais interagiam economicamenteos quilombolas de Alcântara.Segun<strong>do</strong> os relatos de César Marques, após essa perseguição, que foicomandada pelo capitão Guilherme Leopol<strong>do</strong> de Freitas, e após, também, pode-se agregar,terem cessa<strong>do</strong> os registros de terras, os quilombos voltaram às suas formas de ocupaçãoefetiva e estável, assim descritas pelo próprio C. Marques:"...viviam eles estabeleci<strong>do</strong>s em povoações mais ou menos regularesentreten<strong>do</strong> relações com regatões ou com a gente <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s, ou


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidaentão viven<strong>do</strong> isola<strong>do</strong>s em ranchos situa<strong>do</strong>s nas clareiras <strong>do</strong>s bosques,evitan<strong>do</strong> cautelosamente to<strong>do</strong> o contato com a gente de fora, e cuidan<strong>do</strong>exclusivamente da agricultura." (Marques, 1878:6)A descrição sugere relações sociais comunitárias consolidadas e uma práticade tratos agrícolas como atividade principal <strong>do</strong>s quilombos, combinada com acomercialização da produção.O presidente da província, Lafayette Rodrigues Pereira, autorizou diligênciaem Alcântara contra o quilombo de Jurucaia (Jarucaia), a partir de denúncia <strong>do</strong> assassinatode Antonio Fernandes Paes "atribuí<strong>do</strong> aos quilombolas", consoante o texto <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento<strong>do</strong> chefe de polícia, de 11 de maio de 1866, que assim dispõe:"Em resposta ao seu ofício de 9 <strong>do</strong> corrente em que V.Sa. da parte <strong>do</strong>assassinato de Antonio Fernandes Paes, atribuí<strong>do</strong> aos quilombolasde Jurucaia, tenho a dizer-lhe que nesta data expeço ordem aoEncarrega<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s Armazéns de artigos bélicos para que remeta aoDelega<strong>do</strong> de Polícia <strong>do</strong> termo de Alcântara sessenta armas e <strong>do</strong>ismil cartuxos para a diligência que tem de fazer o mesmo Delega<strong>do</strong>com o fim de bater os referi<strong>do</strong>s quilombolas e descobrir o assassino..."(g.n.)Em 1867, ocorreram as campanhas militares mais intensas contra os quilombos,ordenadas pelo presidente da província Franklin de Menezes Dória. Além <strong>do</strong> combate aoquilombo São Benedito <strong>do</strong> Céu, várias ações foram empreendidas em to<strong>do</strong> o Maranhão,chegan<strong>do</strong> ao Pericumã:"Não descui<strong>do</strong>u-se a Presidência de dar outras ordens, de prevenir certosacontecimentos, de traçar, para assim dizer, o plano <strong>do</strong> cerco, <strong>do</strong> ataque eda destruição <strong>do</strong>s quilombos.Tu<strong>do</strong> isto vemos e analysamos, por termos à nossa disposição, paramaior facilidade de nossos estu<strong>do</strong>s históricos, o arquivo da secretaria degoverno desde a presidência <strong>do</strong> conselheiro Antonio Manuel de CamposMello, pelas razões já mencionadas não as publicamos.Receian<strong>do</strong> que os calhambolas persegui<strong>do</strong>s fossem em suas correriasatacar, ou pelo menos asylar-se em S. Bento, S. Vicente Ferrer, Paraná, SantaHelena, Villa Nova de Pinheiro e Pericumã, para alli dirigiu suas vistas, e foiisto de proveito porque além de por os habitantes d'estas localidades emmovimento afim de receberem a agressão, deu ordem para aumentar osdestacamentos, e ser-lhes forneci<strong>do</strong> armamento com a competente muniçãoe correame." (Marques, 1878:16) (sic)Menezes Dória, perceben<strong>do</strong> que a ação de suas tropas não era bem recebidanos povoa<strong>do</strong>s e vilas porquanto elas praticavam também o alistamento compulsório paraserviços de guerra, mais conheci<strong>do</strong> localmente como pegação, foi impeli<strong>do</strong> a suspenderesse recrutamento em Viana, Guimarães, Santa Helena, Turiaçu, Cururupu, São Bento e S.Vicente Ferrer (Marques, 1878:17). Constata-se, nesse senti<strong>do</strong>, que nas regiões próximas a Alcântara67


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2as ações de combate aos quilombos foram realizadas concomitantemente com aquelas derecrutamento obrigatório, confirman<strong>do</strong> a relação estabelecida nas narrativas <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>sque tratam segun<strong>do</strong> uma inseparabilidade a noção de quilombo daquelas de pegação e toca.As tropas de linha, quan<strong>do</strong> empreendiam ação contra os quilombos, eram abastecidas comsuprimentos e víveres muitas vezes saquea<strong>do</strong>s de comerciantes e segmentos mais remedia<strong>do</strong>s<strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s. Casos de entregas forçadas de produtos agrícolas e confisco de colheitascontribuem para a descrição da rapina promovida pelas tropas de linha. Isso, por um la<strong>do</strong>,indispunha os habitantes desses povoa<strong>do</strong>s com as tropas, que eram mais temidas <strong>do</strong> que osquilombolas, e, por outro, os aproximava solidariamente <strong>do</strong>s quilombos não apenas nos circuitosde troca de produtos. Marques menciona como "presos e processa<strong>do</strong>s os indivíduos coniventescom os calhambolas" (Marques, 1878:19), que mantinham relações comerciais com eles, queinclusive os avisavam da chegada das tropas. Esse fato reforça a interpretação de que havia umrepertório vasto de relações sociais comunitárias interligan<strong>do</strong> os povoa<strong>do</strong>s erigi<strong>do</strong>s sobre asruínas das fazendas e os quilombos. As fugas funcionavam também como uma forma deinterlocução entre escravos de diferentes freguesias e termos. Localizei, nesse senti<strong>do</strong>, procuraçõespassadas por fazendeiros como Jerônimo José de Viveiros, em 03 de dezembro de 1868, a seubastante procura<strong>do</strong>r para recuperar junto à justiça de Viana um escravo fugi<strong>do</strong> e seus descendentes.Da mesma maneira, haviam relações entre os escravos <strong>do</strong>s engenhos, como Castelo e Gerijó, eos quilombos de Pinheiro (São Sebastião) e de Alcântara mesmo, como o de Jarucaia. Asfronteiras de separação entre eles mostravam-se tênues mediante o absoluto aban<strong>do</strong>no dasfazendas após o malogro <strong>do</strong>s engenhos de açúcar reinstala<strong>do</strong>s a partir de 1847.Em contrapartida, os objetivos econômicos da ação bélica de MenezesDória aparecem em seus próprios pronunciamentos transcritos por César Marques:68"que era de interesse da ordem pública, para a lavoura, para a civilizaçãoem summa, obrigar os calhambolas a voltarem à obediência e aoshábitos da vida regular, perseguin<strong>do</strong>-os nos seus próprios asylos,perdi<strong>do</strong>s no interior das florestas." (apud Marques, 1878:17) (g.n.)Por contraste com essa visão imobiliza<strong>do</strong>ra da força de trabalho que caracterizaa sociedade colonial, tem-se o reconhecimento implícito pelo próprio historia<strong>do</strong>r C. Marques– que é membro <strong>do</strong> Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e um <strong>do</strong>s biógrafos deFranklin de M. Dória, Barão de Loreto e ministro da Guerra em 1882 – <strong>do</strong> sistema produtivoprevalecente nos quilombos:"Era poderoso e difícil de ser bati<strong>do</strong> (O quilombo de São Benedito <strong>do</strong>Céu) pela sua posição nas matas <strong>do</strong> Tury-Assu, pelas comodidades desuas habitações, pelos vigias, cautelas e espécie de fortificações, e pelassuas roças em tu<strong>do</strong> variadas e em tu<strong>do</strong> abundantes.Para este esta<strong>do</strong> de tranqüilidade e de trabalho muito concorreu o nãoserem persegui<strong>do</strong>s desde 1858." (Marques, 1878:17) (g.n)Os quilombos considera<strong>do</strong>s como lugar de roças, e assim reconheci<strong>do</strong>spelos narra<strong>do</strong>res oficiais das façanhas bélicas <strong>do</strong>s que buscavam destruí-los, explicitamum conflito entre diferentes sistemas produtivos. De um la<strong>do</strong>, a produção de gêneros


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidaalimentícios baseada no trabalho familiar e em formas de cooperação simples, com asfamílias pratican<strong>do</strong> uma reciprocidade positiva, manten<strong>do</strong> uma relação de usocontinua<strong>do</strong> e de preservação <strong>do</strong>s recursos naturais, e referidas às praças de merca<strong>do</strong>locais; e, de outro la<strong>do</strong>, os grandes estabelecimentos agrícolas monocultores com usomassivo de trabalho escravo, volta<strong>do</strong>s para o merca<strong>do</strong> metropolitano. Ora, emAlcântara, esse já era o quadro de contradições desde finais <strong>do</strong> século XV<strong>II</strong>I e início <strong>do</strong>século XIX que pendeu para o processo produtivo autônomo <strong>do</strong>s quilombos com aderrocada absoluta das grandes plantações de algodão, que jamais foram recompostas,nem sequer numa tentativa de políticas governamentais dirigidas setorialmente, comoteria si<strong>do</strong> o caso <strong>do</strong>s engenhos de açúcar em Alcântara, a partir de 1847-48.Os quilombos são apresenta<strong>do</strong>s, todavia, também como lugar sórdi<strong>do</strong> onde,pela "indisciplina", que pode ser lida como recusa ao trabalho escravo, se aglutinavam osque transgrediam as leis:"Para estes antros, para estes abrigos, to<strong>do</strong>s os dias acolhiam-se, segun<strong>do</strong>participações oficiais que temos à vista ‘os pretos, seduzi<strong>do</strong>s e desvaira<strong>do</strong>spor falsas idéias de emancipação, insidiosamente incutidas em seus animospor miseráveis traficantes, que entreten<strong>do</strong> com eles sórdi<strong>do</strong> commercio,costumam fornecer-lhes armamento e munições’ e além disto a elles seagregam desertores e outros criminosos d'esta província e da <strong>do</strong> Pará, acujo território pertenceu o Tury-Assu até 1852..." (Marques, 1878:18)As atividades de comércio eram intensas e esses quilombos persistiram emantiveram suas delimitações territoriais e sua identidade em virtude desse tipo de relaçãomantida permanentemente nas fronteiras de seus <strong>do</strong>mínios, que quebrava qualquer idéia deisolamento e insularidade.Assim, não obstante as campanhas militares <strong>do</strong> Barão de Loreto, em 1871, emMensagem à Assembléia Legislativa, o presidente da província, José Augusto Olímpio Gomes,informava sobre a fuga de escravos das fazendas <strong>do</strong> Turiaçu, Santa Helena e S. Bento para sereunirem aos quilombos ali existentes. Em 1876, o major Honorato Candi<strong>do</strong> Ferreira Caldas,<strong>do</strong> 5 o batalhão de Infantaria, realiza ação contra quilombos em Viana e São Bento. Para lá sedirigin<strong>do</strong>, realiza "uma ligeira digressão" em quilombo próximo à cidade de Alcântara, ouseja, o quilombo é pretexto para uma manobra diversionista. O relatório <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> majorfoi transcrito pelo Diário <strong>do</strong> Maranhão de, <strong>do</strong>mingo, 11 de janeiro de 1877:"... na qualidade de major fiscal, com destino à cidade de Alcântara, ondeo mesmo exmo. Sr. Sena<strong>do</strong>r (Frederico de Almeida e Albuquerque), deacor<strong>do</strong> com o dr. Chefe de polícia, entendeu conveniente que eu fizesseuma ligeira digressão com o fim, se não bater um pequeno mocamboque lhe constava existir a pouca distância daquela cidade, de distrairpor um la<strong>do</strong> as vistas indiscretas que porventura pudessem malograro bom êxito de minha empresa". (g.n.)Não se percebe qualquer menção explícita a Alcântara como objetivo dequalquer campanha militar específica. Mesmo a ação de 1878, ordenada por Carlos Fernan<strong>do</strong>69


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Ribeiro, alcantarense, presidente da província e proprietário <strong>do</strong> Engenho Gerijó, é dirigidacontra o quilombo <strong>do</strong> Limoeiro, no Turiaçu (Almeida, 1983:184). Em conformidade cominformações coletadas por Shiraishi, um quilombo teria se forma<strong>do</strong> em áreas <strong>do</strong> Gerijó:70"Segun<strong>do</strong> a escrivã substituta, Maria Benita, a área denominada Ladeirapode ser aquela que está na área denominada Gerijó Velho e Gerijó Novo.Ela defende a tese de que os negros fugiram da área denominadaBacuriajuba, lega<strong>do</strong> <strong>do</strong> Padre José Ribeiro Martins, e formaram umquilombo de nome ladeira na área de Gerijó velho e Gerijó Novo."(Shiraishi, 1998b:17)As atenções oficiais parecem sempre temer um perigo que emana das matas <strong>do</strong>Turiaçu, perden<strong>do</strong> de vista a consolidação de um sistema produtivo contrário ao escravismonaqueles <strong>do</strong>mínios que formalmente imaginavam como ainda das antigas fazendas. Osmandatários povinciais, que eram reconheci<strong>do</strong>s formalmente como grandes proprietários deterras em Alcântara, acreditavam nos seus próprios mitos, ou seja, na ilusão de que controlavamefetivamente suas fazendas aban<strong>do</strong>nadas. Em Alcântara, entretanto, a consolidação <strong>do</strong>squilombos ganhara um novo impulso com a desagregação <strong>do</strong>s empreendimentos açucareirosnos anos 1860-80, que levaram inclusive à extinção <strong>do</strong> maior deles, o Engenho Gerijó. Consoanteas narrativas, a este tempo, em 1861, a população da freguesia de São Matias, onde se localizavaa sede municipal, era constituída de mais de 56% de escravos e de um percentual acentua<strong>do</strong>de alforria<strong>do</strong>s (Mattos, 1861), e a própria cidade de Alcântara já se encontrava em esta<strong>do</strong> deaban<strong>do</strong>no, consoante o mesmo Bellarmino de Mattos em seu Almanak Administrativo,Mercantil e Industrial de 1861: "Hoje está meio aban<strong>do</strong>nada, com as casas desertas e asruas nuas de viandantes." (Mattos, 1861:24)Os demais <strong>do</strong>cumentos levanta<strong>do</strong>s até 1886 referem-se a procuraçõespara resgate individual de escravos ou às dificuldades de deslocar tropas para combaterquilombos, com as autoridades da burocracia imperial transferin<strong>do</strong> responsabilidadesde captura para os próprios fazendeiros de Santo Antonio e Almas e São Bento. Oaparato repressivo oficial encontrava-se nos seus estertores e o controle efetivo daprodução agrícola em Alcântara, já bem antes da abolição formal da escravatura, estavanas mãos das comunidades de quilombo erigidas sobre as ruínas das fazendas.Os antagonismos em pauta ganharam novos contornos no século XX,notadamente a partir de 1980, com a instalação <strong>do</strong> CLA, aumentan<strong>do</strong> o grau decontrastividade étnica. Pelo critério de mobilização contra os efeitos das medidas decorrentesda mencionada instalação, os elementos de identidade étnica passaram a falar mais forte,sobretu<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> Art. 68 <strong>do</strong> ADCT e das informações que os agentes sociais passama ter desse instrumento jurídico de reconhecimento de direitos coletivos. A consciênciaquilombola emergiu no decorrer desse conflito, quan<strong>do</strong> a categoria trabalha<strong>do</strong>res ruraisdava mostras de esgotamento e a velocidade das pressões sobre sua cultura e maneira deviver aumentaram intensamente com os deslocamentos compulsórios. A vida social,sobretu<strong>do</strong> nos povoa<strong>do</strong>s da zona de segurança ou área mais diretamente afetada, passou aorganizar-se explicitamente no senti<strong>do</strong> de exigir observância não apenas <strong>do</strong> cumprimento<strong>do</strong>s dispositivos da legislação agrária, que foram subverti<strong>do</strong>s no desrespeito à fração mínimade parcelamento, mas principalmente <strong>do</strong>s direitos étnicos.


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaAté 1988-89, a mobilização não privilegiava a identidade étnica, tampouco seautodefiniam como quilombolas e nem podiam fazê-lo sob o risco de, na sua relação comos poderes constituí<strong>do</strong>s, definirem-se à margem <strong>do</strong>s dispositivos legais. Autodefiniam-secomo trabalha<strong>do</strong>res rurais e assim eram trata<strong>do</strong>s nas suas manifestações diante <strong>do</strong>s aparatosde Esta<strong>do</strong> e mantinham-se firmes na condição legítima de herdeiros de <strong>do</strong>ações, aquisiçõese direitos de sucessão de seus antepassa<strong>do</strong>s ou, simplesmente, na condição também legítimade posseiros e ocupantes. Sua posição legal atinha-se ao componente fundiário. Ainda queassim se definissem, vale asseverar que jamais deixaram de existir as identidadescorrespondentes às territorialidades específicas, que os singularizavam em face de poderespolíticos e <strong>do</strong>s demais grupos sociais com os quais secularmente vêm interagin<strong>do</strong>, seja nosmerca<strong>do</strong>s rurais, seja na prestação de serviços. Delas é que também emerge a condição decomunidades remanescentes de quilombos segun<strong>do</strong> a qual ora se apresentam.Em suma, pode-se concluir que o conjunto dessas informações assinala queAlcântara usufrui de uma situação singular, posto que vastas extensões territoriais ficarampraticamente <strong>do</strong>is séculos sem uma presença efetiva de "senhores" e grandes proprietáriose sem maiores pressões sobre a terra, que não fossem tentativas pontuais de aforamento.Com os atos desapropriatórios para instalação <strong>do</strong> CLA e medidas decorrentes, as tensõesafloraram da mesma maneira que se assistiu ao advento de uma identidade étnica mantidasob invisibilidade social com suas respectivas territorialidades, usufruídas segun<strong>do</strong> formasde uso comum, cognominadas terras de preto, terras de caboclo, terras de santo eterras da pobreza, até então reconhecidas apenas no plano local, mas não necessariamenteregistradas. Ao considerar que a noção de etnicidade abrange também uma interaçãocom uma certa maneira de produzir e de se relacionar com a natureza, identificamosessas territorialidades verifican<strong>do</strong> que agrupam uma vasta rede de povoa<strong>do</strong>s e convergempara um território étnico determina<strong>do</strong>, cujos contornos foram objeto de trabalho dedelimitação, consistin<strong>do</strong> num <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s finais da perícia.71


3.Há relação de interdependência dascomunidades entre si e com o ecossistema?Como pode ser diagnosticada esta forma derelação?Sim. Há relação de interdependência das comunidades entre si e com oecossistema. Elas não têm existência isolada e percebem-se múltiplos níveis de organizaçãoentrelaçan<strong>do</strong> os povoa<strong>do</strong>s. Abrangem tanto fatores econômicos quanto religiosos epolíticos. As relações são quase-institucionais e remetem para uma situação de rede depovoa<strong>do</strong>s, implican<strong>do</strong> numa divisão de trabalho, de serviços e de produtos interpovoa<strong>do</strong>s.Tem-se consolida<strong>do</strong> um sistema de trocas equilibradas entre povoa<strong>do</strong>s mais próximosao mar e a igarapés maiores, que se dedicam principalmente à pesca e complementamcom agricultura, e povoa<strong>do</strong>s considera<strong>do</strong>s "mais centrais", distantes da beira e <strong>do</strong> porto,que se voltam principalmente para a agricultura. Em termos de hábitos alimentares, opeixe e a farinha, produtos dessa troca, constituem uma dieta básica comum aos mora<strong>do</strong>res<strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s, qualquer que seja sua localização geográfica. A reciprocidade positiva,como troca equilibrada de bens, compreende também os serviços, evidencian<strong>do</strong> relaçõessistêmicas entre as comunidades.A partir dessas premissas, quan<strong>do</strong> sublinhamos que os povoa<strong>do</strong>s dascomunidades remanescentes de quilombo em Alcântara apresentam grande variação, mastêm seus fundamentos num conjunto de componentes essenciais que disciplinam o sistemade relações sociais, estamos tentan<strong>do</strong> responder a indagações no senti<strong>do</strong> de qual tipo de"unidade territorial" estaria em jogo. Para tanto, recorremos aos estu<strong>do</strong>s de C. Geertz, numcomplexo de pequenas vilas na In<strong>do</strong>nésia (Bali), que indicam que a mais apropriadaformulação sistemática para essa modalidade de estrutura, que apresenta múltiplos povoa<strong>do</strong>sem rede, seria conceituá-la em termos de interseção de planos de organização socialteoricamente separáveis (Geertz,1967: 259-263). Com base nesse instrumento de investigação,foi possível verificar que cada família tem seu povoa<strong>do</strong> de pertencimento, tem suacomunidade de referência, enterra seus mortos no cemitério de determina<strong>do</strong> povoa<strong>do</strong>,acata regras de cooperação simples e de uso comum <strong>do</strong>s recursos, entende como bempriva<strong>do</strong> apenas o produto de seu trabalho, representa os recursos naturais como nãopassíveis de apropriação individual em caráter permanente e não se vê num povoa<strong>do</strong>isola<strong>do</strong>, viven<strong>do</strong> e pratican<strong>do</strong> através de elementos identitários e de intercâmbio vário oalargamento <strong>do</strong> território pelas fronteiras interpovoa<strong>do</strong>s que não se fecham jamais nosenti<strong>do</strong> absoluto. Em termos político-organizacionais, agrupam-se em delegacias sindicaiscentralizadas em determina<strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s e participam de festas religiosas de santospadroeiros igualmente centralizadas. É através da situação social designada pelos mora<strong>do</strong>res<strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s como comunidade que os povoa<strong>do</strong>s observa<strong>do</strong>s se estruturam, pois,


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2segun<strong>do</strong> esses diferentes planos de organização social. Entrelaça<strong>do</strong>s por uma unidadesociológica, tais planos foram leva<strong>do</strong>s em conta para se compreender também a lógicade distribuição de bens e serviços, assim como de uso <strong>do</strong>s recursos naturais entre osdiferentes povoa<strong>do</strong>s. As relações prevalecentes são quase-institucionais e remetem parauma rede de povoa<strong>do</strong>s, implican<strong>do</strong> numa divisão de trabalho e serviços e num intercâmbiocontinua<strong>do</strong> entre os povoa<strong>do</strong>s. Por intermédio delas é que se consolida um sistema detrocas de produtos agrícolas por pesca<strong>do</strong> e de instrumentos de pesca por instrumentosutiliza<strong>do</strong>s para espremer a massa da mandioca, os chama<strong>do</strong>s tipitis. Na própriaorganização social intrínseca aos povoa<strong>do</strong>s, verifica-se uma certa inseparabilidade entre acondição de pesca<strong>do</strong>r e aquela de lavrar e roçar. De toda maneira, a unidade familiar étambém a unidade de trabalho, seja na pesca, seja na agricultura, ou seja no extrativismo,fazen<strong>do</strong> uso de tecnologias elementares e de instrumentos artesanais, bem como de práticasde cooperação simples definidas por critérios de parentesco, afinidade e vizinhança.A reciprocidade positiva, como troca equilibrada de bens, serviços e solidariedadepolítica interpovoa<strong>do</strong>s, consiste num sistema singular, que conjuga<strong>do</strong> com a afirmação deuma identidade traduzida por uma multiplicidade de designações correlatas, que os entrevista<strong>do</strong>sacionam para nomear as terras de preto, terras de santo, terras da santa, terras desantíssima, terras de santíssimo, terras santistas, terras de caboclo, terras da pobreza eoutras denominações variantes, configura um território étnico. Mais que considerar essasexpressões denominativamente, importa aprofundar o senti<strong>do</strong> específico que adquirem navida social e na construção da própria identidade <strong>do</strong>s agentes sociais que lhes são referi<strong>do</strong>s. Aschamadas terras de santo se sobrepõem, se interpenetram e se fundem com as terras decaboclos e com as terras de preto, mas as chamadas terras de caboclo não se justapõemnecessariamente às terras de preto e vice-versa 1 . Como verificamos anteriormente, as diferençase as similitudes, que aproximam e distanciam os significa<strong>do</strong>s e a vigência dessas expressões,funcionam como um princípio operativo, que disciplina as relações sociais comunitárias quefundamentam esse território étnico. A idéia de remanescente de quilombos passa, aqui, poresses diferentes planos de organização social que, entrelaça<strong>do</strong>s, delineiam uma territorialidadeprópria, cuja persistência no tempo pressupõe mobilização de cada conjunto de famíliasvizinhas, de cada grupo de parentes e de cada comunidade solidariamente estruturada,mediante ameaças de destruição de sua forma de viver e de agir livremente.Mesmo que em cada um <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s sejam acata<strong>do</strong>s os limites tradicionais,verificamos uma interpenetração de <strong>do</strong>mínios, em contextos de escassez extremada, em queum supre suas necessidades com os recursos de outros e vice-versa. Há um consentimentomútuo para tanto. Os limites físicos não significam recursos naturais fecha<strong>do</strong>s, como ocorreno caso da noção de propriedade privada de imóveis rurais, e remetem para umainterpenetração bastante complexa sobre a qual se estrutura a noção de territorialidade. Osmarcos delimita<strong>do</strong>res das terras de cada povoa<strong>do</strong> podem ser livremente transpassa<strong>do</strong>s pelosmembros de outros povoa<strong>do</strong>s, embora o uso efetivo e continua<strong>do</strong> de recursos naturais,dentro desses limites, esteja condiciona<strong>do</strong> ao assentimento daqueles que ali têm morada ecultivo habituais, e se autodefinem e são vistos como pertencen<strong>do</strong> à comunidade que administrasua reprodução física e social a partir daqueles recursos. A condição de pertencimento a estepovoa<strong>do</strong> ou àquele outro confere autoridade incontestável na administração e uso <strong>do</strong>s recursosnaturais respectivos. O trabalho científico de verificar a articulação entre essas regras de74


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidapertencimento associadas ao direito de uso, através de uma consulta aos diretamente interessa<strong>do</strong>s,foi o mais amplo possível, buscan<strong>do</strong> se chegar a um contorno abrangente e inclusivo, capazde abarcar o conjunto de povoa<strong>do</strong>s e não apenas delimitar alguns entre eles, à molde de umproblemático arquipélago com pseu<strong>do</strong>-ilhas.Esse procedimento não é, portanto, de simples execução como possa parecerà primeira vista. Antes, aponta para um mosaico complexíssimo de planos cruza<strong>do</strong>s esobrepostos, além de interações de toda ordem, seja no plano religioso, no plano sindicalou naquele da interdependência ecológica entre os povoa<strong>do</strong>s. O princípio das múltiplasconexões entre mais de uma centena de povoa<strong>do</strong>s, numa quase península, que se mantevepor quase <strong>do</strong>is séculos à margem <strong>do</strong> foco de ação das políticas de Esta<strong>do</strong>, é que viabiliza ascondições materiais de existência desses povoa<strong>do</strong>s e em virtude <strong>do</strong> qual eles constituemuma comunidade dinâmica ou um to<strong>do</strong> organiza<strong>do</strong>. Tais conexões constituem o fundamentoda autonomia de que usufruem e da não-subordinação a terceiros em termos das decisõessobre onde construir sua habitação, onde plantar ou pescar ou quan<strong>do</strong> e a quem vender aprodução. O intercâmbio constante entre os povoa<strong>do</strong>s inscreve-se, pois, entre as necessidadesessenciais dessa comunidade dinâmica, que abarca uma diversidade de mo<strong>do</strong>s de vida emgrupo, transcenden<strong>do</strong> àquela idéia de comunidade definida por critérios de isolamentodemográfico e geográfico. Mesmo que as territorialidades referidas e os respectivos povoa<strong>do</strong>svariem quanto ao tamanho, à composição, à atividade econômica principal e aos laços comdiferentes circuitos de merca<strong>do</strong>, destaque-se que seus mora<strong>do</strong>res participam de um mesmopadrão de relação em face <strong>do</strong>s recursos naturais e de acontecimentos da vida religiosa epolítica. Variam, por exemplo, os santos padroeiros e as festas religiosas de povoa<strong>do</strong> parapovoa<strong>do</strong>. Porém, cada festejo congrega participantes de povoa<strong>do</strong>s distintos, que contribuempara a consecução das seqüências rituais e <strong>do</strong>s fun<strong>do</strong>s cerimoniais necessários. Para umacompreensão mais acurada, atente-se para o caso de Itapuaua: seus mora<strong>do</strong>res, em termosde referência política, falam em "região da Peroba"; enquanto recinto cemiterial, enterramseus mortos em Santana <strong>do</strong>s Caboclos, cujo campo santo centraliza também outrospovoa<strong>do</strong>s, tais como Perizinho, Peroba de Cima, Forquilha, Flórida, Esperança e Perobade Baixo; em termos de construção de embarcações para pesca, os mora<strong>do</strong>res mencionamSão João de Cortes; para a aquisição de tipiti, instrumento artesanal de palha utiliza<strong>do</strong> paraespremer a massa da mandioca, mencionam São Raimun<strong>do</strong>. Itapuaua, por sua vez, possuidelegacia sindical, congregan<strong>do</strong> interesses associativos, reivindicatórios e <strong>do</strong>s aposenta<strong>do</strong>s,além de servir como porto para quase uma dezena de povoa<strong>do</strong>s, ou seja, ponto deacesso à circulação de bens ou de acesso a praças de merca<strong>do</strong>. Seus mora<strong>do</strong>res, que têmna família Araújo preponderância, em termos de parentesco, vinculam-se àqueles depovoa<strong>do</strong>s próximos, compon<strong>do</strong> o que classificam como "uma ruma de parentes só"(J.A. 21/04/2002 - ENT. 23). Apresentam-se como descendentes de índios e de escravos,numa denominada terra de preto composta através de atos de aquisição e ocupação,assinalada como vizinha das chamadas terras de santíssimo. Segun<strong>do</strong> as narrativas, umaparte <strong>do</strong> povoa<strong>do</strong> foi adquirida pelas famílias <strong>do</strong>s antigos escravos, que prestavam serviços<strong>do</strong>mésticos na casa-grande <strong>do</strong>s sesmeiros; a outra parte foi fruto de <strong>do</strong>ação informal daherdeira <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s brancos, que lá nunca residiu. Em suas terras e nas circunvizinhas,há vários lugares assinala<strong>do</strong>s como tocas e referências a mocambos, que expressam umaforma de ocupação quilombola efetiva, cuja alegada <strong>do</strong>ação, feita oralmente, só teria servi<strong>do</strong>75


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2para referendar. Ademais, mantêm laços econômicos e afetivos regulares com aquelas famíliasque, com a migração, se deslocaram para bairros da Camboa e da Liberdade, na capitalSão Luís, também designada pelos entrevista<strong>do</strong>s como "a cidade".As sucessivas intervenções na estrutura fundiária num breve perío<strong>do</strong> detempo, desde 1980, faz com que os fatores étnicos, elidi<strong>do</strong>s historicamente nasintervenções governamentais, comecem a ser ressalta<strong>do</strong>s na imediaticidade das tensõese <strong>do</strong>s conflitos em face da ação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. A memória de uma situação comum,ligada a territorialidades bem delimitadas e a certas tradições e mo<strong>do</strong>s de vidasimboliza<strong>do</strong>s pela alusão freqüente às chamadas roças, surge reatualizada nos atosafirmativos de elementos identitários que persistem por longo tempo na consciênciacoletiva. A etnicidade se expressa também pelo conjunto de estratégias voltadas para amanutenção <strong>do</strong> território, incluin<strong>do</strong>-se a defesa <strong>do</strong> estoque de recursos naturaisimprescindíveis para a reprodução física e social das comunidades remanescentes dequilombos. Expressa-se, ainda, pela recusa explícita <strong>do</strong>s deslocamentos compulsórios,que prenunciam uma desestruturação das comunidades remanescentes de quilombos edesse sistema de uso comum secularmente engendra<strong>do</strong>, porquanto referi<strong>do</strong>s a recursosescassos que, uma vez afeta<strong>do</strong>s, inviabilizam a mencionada reprodução.Do que já foi sublinha<strong>do</strong>, cabe reiterar que a característica fundamental <strong>do</strong>spequenos produtores agrícolas, que habitam e cultivam na área declarada de utilidadepública para a implantação <strong>do</strong> Centro de Lançamento de Alcântara e no seu entorno, éque incorporam a terra ao processo produtivo mediante o trabalho familiar. Aespecificidade dessa condição reside no fato de que, além da propriedade ou possefamiliar, registram-se formas de apropriação comum da terra e <strong>do</strong>s recursos hídricos eflorestais. A terra é representada como um recurso aberto, acessível em princípio a todasas unidades familiares, mas como um bem limita<strong>do</strong>, cujo uso é controla<strong>do</strong> no planoorganizativo <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s. O trabalho, por sua vez, é visto como necessariamente livre,sem estar sujeito a qualquer instrumento de coerção. O acesso aos recursos é disciplina<strong>do</strong>por princípios de cunho preservacionista que, reconhecen<strong>do</strong> a fragilidade <strong>do</strong> ecossistemae a relativa escassez <strong>do</strong>s recursos, orientam o trabalho familiar nas etapas <strong>do</strong>s ciclosagrícolas e extrativos. Constata-se em to<strong>do</strong>s os povoa<strong>do</strong>s visita<strong>do</strong>s a prevalência de regrasde rotatividade na utilização das terras agriculturáveis. Os terrenos de cultivo são utiliza<strong>do</strong>scom no mínimo três anos de intervalo e sua reutilização, num novo ciclo agrícola, podenão ser pela mesma unidade familiar. Essas terras agriculturáveis, bem como os igarapés,os manguezais, os babaçuais, os juçarais, as pastagens naturais e as frutas silvestres, queladeiam o cordão arenoso das praias, são vistos por eles como bens não sujeitos àapropriação individual em caráter permanente e a sua ocupação e coleta obedecem a umconjunto de regras, consoante um patrimônio cultural determina<strong>do</strong> que prevê formaspeculiares de utilização. Assim, desbastam os cocais, evitan<strong>do</strong> destruí-los, ao procederemà queima <strong>do</strong>s restos vegetais nos terrenos prepara<strong>do</strong>s para plantio, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> queevitam colocar esses plantios junto às margens <strong>do</strong>s igarapés e <strong>do</strong>s demais cursos d'água.Utilizam parcimoniosamente as reservas de mato <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s, inibin<strong>do</strong> o desperdícioe permitin<strong>do</strong> a retirada de madeira para construção de embarcações e de casas e aretirada de palha para cobrí-las, bem como de mastros para festas religiosas e de variadaservas e plantas arbustivas com propriedades medicinais e para uso cerimonial ou em76


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidarituais de cura. Através da cooperação simples entre as unidades familiares, limpamregularmente as trilhas e caminhos que ligam os povoa<strong>do</strong>s uns aos outros, limpam oschama<strong>do</strong>s sítios ou centros de povoa<strong>do</strong>s, assim como os poços e aguadas próximos.Conforme já foi assinala<strong>do</strong>, essas formas de uso combinam a apropriação privada como usufruto comum <strong>do</strong>s recursos naturais. As benfeitorias produtos <strong>do</strong> trabalho familiar,como as edificações para moradia, os pomares e os diferentes cultivos, agrupa<strong>do</strong>s sob adesignação de roça, são apropria<strong>do</strong>s e pertencem às unidades familiares que osproduziram. As transações mercantis envolvem apenas os produtos <strong>do</strong> trabalho agrícola,<strong>do</strong> extrativismo, da caça, da pesca, da criação de ga<strong>do</strong> para abate e das peças de artesanatofeitas com palha (cofos, abanos, piaçabas, meaçabas, cestos, tipitis), madeira (paraesteio das casas), barro (utensílios de cerâmica) e fios de algodão (redes), além <strong>do</strong> carvãoproduzi<strong>do</strong> com os restos vegetais <strong>do</strong>s terrenos de plantio. Os estoques de terras,correspondentes aos povoa<strong>do</strong>s, são manti<strong>do</strong>s indivisos e de uso comum, basea<strong>do</strong>s noconsenso sobre os limites e direitos <strong>do</strong> conjunto de famílias e de cada uma delasindividualmente.Tais características têm seus fundamentos mais nas inter-relações que vão serenovan<strong>do</strong> <strong>do</strong> que propriamente na formação histórica das territorialidades específicas,que compreendem as chamadas terras de preto, as terras de caboclo, as terras de santoe demais variações anteriormente citadas. Não obstante as diferentes trajetórias, segun<strong>do</strong> asquais se constituíram, destaca-se o uso comum como uma invariante que vai passan<strong>do</strong> portransformações consoante as relações que os agentes sociais referi<strong>do</strong>s a tais territorialidadesvão estabelecen<strong>do</strong> entre si e com o Esta<strong>do</strong>. Semelhantes trajetórias, cujos primórdios sãomúltiplos e temporalmente distintos, podem ser descritas a partir da desagregação <strong>do</strong>sempreendimentos das ordens religiosas, entre 1758 e 1821; das fazendas de algodão, entre1778 e 1819; <strong>do</strong>s engenhos de açúcar, entre 1870-1882, e <strong>do</strong>s conflitos sociais dela deriva<strong>do</strong>s.Todas elas foram convergin<strong>do</strong>, pelo conflito constante com os chama<strong>do</strong>s brancos e pelasinterligações estreitas que foram se estabelecen<strong>do</strong> entre os povoa<strong>do</strong>s tributários de cadauma delas, para um mesmo território étnico. Tal convergência se deu de mo<strong>do</strong> desigual evário. Todavia, diluiu, em certa medida, a força contrastante <strong>do</strong>s traços distintivos de unsem relação aos outros. Enquanto as chamadas terras de santo possuem uma periodicidadebem circunscrita, as denominadas terras de preto se dispersam por vários perío<strong>do</strong>s,forman<strong>do</strong>-se antes e durante a desagregação sucessiva <strong>do</strong>s empreendimentos das ordensreligiosas, das fazendas de algodão e <strong>do</strong>s engenhos de açúcar.Essas territorialidades convergentes não se agregam por adição nem constituemum território pela soma das extensões geográficas que porventura lhes correspondam. Elas seinterpenetram em diferentes planos da vida social – religioso, econômico, político-organizativo– e os recursos naturais que lhes são referentes podem pertencer simultaneamente a mais de umadelas. As territorialidades recebem a denominação e são conhecidas pela auto-atribuição <strong>do</strong>sagentes sociais que lhes são diretamente referi<strong>do</strong>s, no que concerne, por exemplo, às categoriaspretos e caboclos. As representações que os agentes sociais se dão a si mesmos expressamconcomitantemente seu pertencimento a um grupo e a uma territorialidade específica. A expressãoterra de preto refere-se, ao mesmo tempo, a uma forma de produzir, a um espaço social epolítico e a uma identidade étnica. As situações sociais, objeto desta perícia, oferecem umadiversidade suficientemente grande de territorialidades específicas em que a identidade étnica77


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2se encontra adequadamente circunscrita. Nesse senti<strong>do</strong>, elas transcendem ao recurso básico,a terra, e não se configuram necessariamente enquanto "territorialidades vizinhas", uma vezque se distinguem e se entrelaçam simultaneamente, não se constituin<strong>do</strong> cada uma delasnum to<strong>do</strong> auto-suficiente. Os planos sociais interpenetrantes consistem numa condiçãoessencial de sua persistência. Em virtude disso, essas territorialidades não podem ser reduzidasà maneira usual e individualizante de pensarmos um imóvel rural e seus confrontantes, ouseja, não se restringem a um problema agrário. Por outro la<strong>do</strong>, o território étnico para oqual confluem pode ser estritamente delimita<strong>do</strong> e há uma representação espacial através daqual os agentes sociais marcam suas fronteiras físicas. A construção social <strong>do</strong> territórioétnico pressupõe inter-relações entre os povoa<strong>do</strong>s concernentes a essas territorialidadesespecíficas, descreven<strong>do</strong> uma dinâmica de relações sociais que recusa, desde o ponto deorigem, o isolamento ou a insularidade como forma de manter a persistência das fronteiras.Esses embates, conflitos e ameaças de eterno retorno marcam as tensões <strong>do</strong>processo de territorialização em curso. A autonomia de decisão sobre o que produzir, como,onde e quan<strong>do</strong>, lançan<strong>do</strong> mão de que recursos naturais, aproxima pretos e caboclos, fixaum estilo de vida que tem na denominada roça sua viga mestra e chega a absorver os prepostos<strong>do</strong>s proprietários absenteístas. Produzir e reproduzir esse sistema, manten<strong>do</strong> uma vidasocial há pelo menos dez gerações nas terras das ordens religiosas, ou sete nas antigasfazendas de algodão, ou cinco gerações nos antigos engenhos de açúcar, semsubordinação a terceiros, significa a consolidação, em datas diferentes, daquelasdiversas territorialidades mencionadas e, por extensão, <strong>do</strong> território das comunidadesremanescentes de quilombo. Como resultante de mobilizações sucessivas, cada uma desuas partes foi se constituin<strong>do</strong> e abrigan<strong>do</strong> a outra, como no caso das terras de índiostornadas terras de santo, segun<strong>do</strong> <strong>do</strong>ações míticas, que, por sua vez, acolhiam escravosfugi<strong>do</strong>s, servin<strong>do</strong>-lhes de degrau na construção de um patamar de autonomia e de trabalholivre designa<strong>do</strong> como terras de preto.O processo de territorialização revela uma dinâmica intrincada, sobencadeamento, que estabelece uma totalidade socialmente instituída, congregan<strong>do</strong> umadiversidade de situações devidamente articuladas e uma multiplicidade de formas derepresentação. Em virtude disso é que se pode falar em diferenciações culturais e numacomposição heterogênea <strong>do</strong> território de remanescentes de quilombo sem negar o carátersistêmico da interligação entre os povoa<strong>do</strong>s.Durante o trabalho de campo pericial, inventariamos, segun<strong>do</strong> critérioselabora<strong>do</strong>s a partir da representação <strong>do</strong>s próprios informantes, os povoa<strong>do</strong>s que compõema área identificada, pertencente e sob controle efetivo das comunidades remanescentes dequilombo. Nesse sistema de relações, ela ultrapassa os limites da área pretendida pelo CLAe ganha o senti<strong>do</strong> sul <strong>do</strong> município. Cabe reiterar que os trabalhos de campo não incluíramItamatatiua, ao sul <strong>do</strong> município de Alcântara, onde o Iterma realiza, desde 1997, atividadespara reconhecimento da área enquanto comunidades remanescentes de quilombos, nem ailha <strong>do</strong> Cajual, onde se localiza Santana <strong>do</strong>s Pretos. Caso fossem incluí<strong>do</strong>s, o número depovoa<strong>do</strong>s em pauta aumentaria de pelo menos um terço. Na delimitação <strong>do</strong> territórioétnico resultante desse sistema de relações, detivemo-nos na área desapropriada por interessesocial para reforma agrária, pelo MDA-Incra, em Ibituba e em São Raimun<strong>do</strong> <strong>II</strong>, onde o78


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaIterma também realizou ações fundiárias. A inclusão de São Raimun<strong>do</strong> se atém à própriainteração econômica e política que mantém com os demais povoa<strong>do</strong>s arrola<strong>do</strong>s e àrepresentação espacial manifesta pelos entrevista<strong>do</strong>s.Nesse senti<strong>do</strong> é que, responden<strong>do</strong> à segunda indagação deste quesito,podemos afirmar que a forma de relação entre as comunidades pode ser diagnosticadaem termos de convergência para um território étnico. Correspondente a tanto,levantamos 139 povoa<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> 90 localiza<strong>do</strong>s na área desapropriada para instalação<strong>do</strong> CLA, conforme já foi sublinha<strong>do</strong> na resposta ao primeiro quesito, e 49 deles situa<strong>do</strong>sfora <strong>do</strong>s limites desta área mencionada. A seguir, passarei à apresentação deles:Povoa<strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s às comunidades remanescentes de quilombos que selocalizam fora da área desapropriada para instalação da BaseNome <strong>do</strong> Povoa<strong>do</strong> Nº de Prédios/2001 Habitantes/2001 Data <strong>do</strong> RG1 Apicum Grande 8 22 25/07/952 Arenhengaua 100 274 25/07/953 Bacanga 8 22 25/07/954 Baixa Grande I 8 22 25/07/955 Baixa Grande <strong>II</strong> 17 47 25/07/956 Barreiros X 38 25/07/957 Belém 32 88 25/07/958 Boa Vista I 16 44 25/07/959 Boa Vista <strong>II</strong> 2 5 25/07/9510 Boca <strong>do</strong> Rio 7 19 25/07/9511 Caicaua I 3 8 25/07/9512 Caicaua <strong>II</strong> 11 30 25/07/9513 Cajiba 25 68 25/07/9514 Cajueiro <strong>II</strong> 29 79 25/07/9515 Castelo 68 186 25/07/9516 Conceição 57 156 25/07/9517 Coqueiro 11 30 25/07/9518 Cujupe I 77 211 25/07/9519 Cujupe <strong>II</strong> 74 213 25/07/9520 Curuça I 12 33 25/07/9521 Guanda I 9 25 25/07/9522 Guanda <strong>II</strong> 9 25 25/07/9523 Iguaiba 26 71 25/07/9524 Itaperaí 24 66 25/07/9525 Itapiranga 16 44 25/07/9526 Jacaré I 5 14 25/07/9579


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Nome <strong>do</strong> Povoa<strong>do</strong> Nº de Prédios/2001 Habitantes/2001 Data <strong>do</strong> RG27 Jarucaia 11 30 25/07/9528 Jor<strong>do</strong>a 11 30 21/01/9929 Manival 122 334 25/07/9530 Pacatiua (Paquativa) 32 88 25/07/9531 Porto de Baixo 23 63 25/07/9532 Porto de Caboclo 5 14 25/07/9533 Raposa 4 11 25/07/9534 Rasga<strong>do</strong> 12 33 25/07/9535 Salina 4 11 25/07/9536 Santa Bárbara 26 71 25/07/9537 Santa Rita I 18 49 25/07/9538 Santo Inácio 55 151 25/07/9539 São Benedito <strong>II</strong> 6 16 25/07/9540 São Benedito <strong>II</strong>I 5 14 25/07/9541 São Francisco I 3 8 25/07/9542 São Maurício 26 71 25/07/9543 São Raimun<strong>do</strong> <strong>II</strong> 56 153 25/07/9544 Tapuio 3 8 25/07/9545 Tatuoca 9 25 25/07/9546 Timbotuba 35 96 25/07/9547 Tiquaras <strong>II</strong> 11 30 25/07/9548 Traquai 8 22 25/07/9549 Vila Itaperaí 137 375 25/07/95TOTAL 1276 3543FONTE: <strong>Ministério</strong> da Saúde / Fundação Nacional da Saúde / Distrito: PinheiroRelação de Localidades / Município: Alcântara 13/08/2001.Para além desses 49, verificamos ainda, a partir <strong>do</strong>s materiais cartográficose de referências <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, 13 designações de outros povoa<strong>do</strong>s, igualmente forada área desapropriada e que não aparecem no cadastro da Funasa. Adicionan<strong>do</strong>-os,teremos 152 povoa<strong>do</strong>s distribuí<strong>do</strong>s numa vasta área que é mantida pela rede de relaçõessociais, agora reafirmada pelo advento da consciência quilombola. Em outras palavras,de acor<strong>do</strong> com o procedimento antropológico a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, os limites que são leva<strong>do</strong>s emconsideração não são a mera soma de listas de povoa<strong>do</strong>s produzidas por instituiçõesoficiais, mas somente aqueles que os agentes sociais em pauta, eles mesmos, consideramsignificantes. Em termos geográficos, esse seria o correspondente territorial dascomunidades remanescentes de quilombo. Esses povoa<strong>do</strong>s totalizam 12.941 habitantes,ou seja, 83% da população rural <strong>do</strong> município, e compreendem uma área aproximada de85.537,3601 hectares, cujo memorial descritivo integra este lau<strong>do</strong> pericial.80


4.Quais os impactos diretos e indiretosdecorrentes da implantação <strong>do</strong> CLA em relaçãoà organização social e cultural dascomunidades em tela?Quanto aos impactos sobre as famílias atingidas pelo deslocamentocompulsório, pelo assentamento em agrovilas e pelas medidas decorrentes, pode-se afirmar,primeiramente, que as instituições militares responsáveis diretas pela implantação <strong>do</strong> centrode lançamento de foguetes chamaram a si a responsabilidade exclusiva pelas medidas dereassentamento das famílias afetadas, recusan<strong>do</strong> a ação <strong>do</strong>s órgãos fundiários competentes.Ao desprezarem as vicissitudes <strong>do</strong> processo centenário de territorialização, consideraramestar lidan<strong>do</strong> com um campesinato parcelar e suas glebas individualizadas. Induzidas aoerro, as medidas oficiais subseqüentes foram a<strong>do</strong>tadas nesse senti<strong>do</strong>. Em 18 de abril de1986, o Decreto nº 72.571, da Presidência da República, reduziu o módulo rural de Alcântarade 35 para 15 hectares apenas na área relativa à base, permanecen<strong>do</strong> o restante <strong>do</strong> municípiocom a fração mínima de parcelamento já instituída. Em 1987, foram compulsoriamentedeslocadas, de 23 povoa<strong>do</strong>s 1 centenários, 312 famílias, e agrupadas em sete agrovilas,agravan<strong>do</strong> a crise com indenizações não pagas após dez anos, direitos de posse desrespeita<strong>do</strong>se criação de agrovilas com lotes para cultivo de dimensão inferior aos critérios técnicosdefini<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s módulos rurais para a região. Quase onze anos depois <strong>do</strong> primeiro decreto,em 08 de agosto de 1991, um novo decreto da Presidência da República ampliou a área dabase, passan<strong>do</strong>-a para 62.000 hectares.A área decretada, reforçada pelos deslocamentos compulsórios e pela divisãode lotes das agrovilas, instaura uma certa dissociação, que se manifesta através da colisãoentre as medidas que tornam a terra individualizada e transferível versus o sistema de usocomum <strong>do</strong>s recursos com seus princípios de indivisibilidade das terras e da manutenção delimites fixos e intransferíveis. A separação imposta pelos deslocamentos menospreza apersistência histórica das fronteiras que mantêm as territorialidades, refletin<strong>do</strong> sobre a posiçãode cada um <strong>do</strong>s diferentes agentes sociais na organização social das denominadas terras depreto, das terras de santo e suas variações, das terras de caboclo e das terras da pobreza.A área decretada, ao separar o que sustenta a unidade <strong>do</strong>s diferentes elementos identitários eao contrapor-se à lógica <strong>do</strong> processo produtivo, quebra a organização social das comunidadese suas hierarquias enquanto territórios de parentesco, terminan<strong>do</strong> por instituir outros critériosde autoridade local e por colidir com os princípios forma<strong>do</strong>res <strong>do</strong> território das comunidadesremanescentes de quilombo.Viver nas agrovilas, no contexto de assegurar os meios demanutenção <strong>do</strong> grupo familiar com casa e terras para plantio, torna-se sinônimo de"humilhação", porquanto têm que pedir autorização ao CLA para construir novas casas equem define o local da construção é a autoridade administrativa.Um <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s mais visíveis é que nas agrovilas implantadas pelo CLA jánão parece ser possível, em virtude dessas normas burocráticas e da limitação <strong>do</strong>s recursos


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2disponíveis às famílias deslocadas, a manutenção de regra de residência duolocal ou norma,segun<strong>do</strong> a qual noivo e noiva devem permanecer em seus locais originais, manten<strong>do</strong> aíresidências. Os lotes oficialmente destina<strong>do</strong>s às famílias, com apenas 15 ou 16 hectares, malpermitem a reprodução simples. Tem-se o enfraquecimento <strong>do</strong>s grupos familiares quepermanecem nas agrovilas, que passam a gravitar principalmente em torno <strong>do</strong>s aposenta<strong>do</strong>s.Os filhos e filhas, em idade adulta, contraem matrimônios em outros povoa<strong>do</strong>s onde passama residir. Um <strong>do</strong>s exemplos seria a relação entre as famílias de pesca<strong>do</strong>res de Brito e aquelasdas agrovilas como Só Assim e Peru, onde passaram a vender o pesca<strong>do</strong> 2 . As relações nosistema de parentesco aqui só podem ser devidamente entendidas se relacionadas às condiçõesde acesso aos recursos naturais e às estratégias de sobrevivência a<strong>do</strong>tadas pelos grupos emface da situação de escassez resultante <strong>do</strong> Plano de Reassentamento <strong>do</strong> CLA.Para propiciar uma idéia mais completa acerca da desorganização das redesde relações sociais características <strong>do</strong>s antigos povoa<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>s problemas hoje enfrenta<strong>do</strong>spelos mora<strong>do</strong>res das agrovilas, sintetizei num quadro demonstrativo os principais problemase dificuldades indica<strong>do</strong>s pelos mora<strong>do</strong>res.Situação das agrovilasQuadro resumoDenominação1 Peru2 PepitalResumo <strong>do</strong>s problemas aponta <strong>do</strong>s pelos mora<strong>do</strong>res- Pesca marítima prejudicada pela longa distância <strong>do</strong> mar;- Exigência de crachás para permitir acesso à praia;- No perío<strong>do</strong> de lançamento de foguetes: o CLA avisa na última hora, interditatotalmente a pesca e mantém a interdição por um tempo muito longo (45 a 60 dias),não há reparo ou qualquer indenização pelos dias para<strong>do</strong>s;- Terreno das glebas (lotes) acha-se esgota<strong>do</strong>, baixa produção de mandioca obriga-osa comprar farinha para o consumo cotidiano;- Cocais são insuficientes para a quantidade de famílias assentadas;- Pesca no igarapé prejudicada (mariscos apanha<strong>do</strong>s antes <strong>do</strong> tempo, afetan<strong>do</strong>reprodução) pela grande pressão <strong>do</strong>s assenta<strong>do</strong>s e demais famílias sobre o rio de SãoJoão (Periaçu);- Controle excessivo da Aeronáutica, dificultan<strong>do</strong> a construção de casa para os filhos;- Mais de 33 famílias viven<strong>do</strong> na agrovila e sem casas para morar;- Ameaças constantes de remover as casas que teriam si<strong>do</strong> construídas na agrovila semautorização da Aeronáutica;- A caça tornou-se inviável devi<strong>do</strong> ao desmatamento;- Não têm <strong>do</strong>cumentação das casas e temem pelo futuro.- O esta<strong>do</strong> precário das casas de alvenaria;- Glebas esgotadas e com baixa produção;- Falta de <strong>do</strong>cumentos de propriedade da casa e <strong>do</strong> lote ("gleba");- Dificuldade de transporte no inverno;- A pesca está praticamente inviabilizada;- Não há babaçuais perto da agrovila;- No posto médico não há remédios;- Obrigatoriedade de comunicar à Aeronáutica antes de consertar as casas;- Nada pode ser feito nas agrovilas sem prévia autorização da Base;- Ameaças da Base de derrubar casas feitas sem autorização.82


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaDenominação3 Cajueiro4 Ponta Seca5 Só Assim6 Marudá7 EsperaResumo <strong>do</strong>s problemas aponta<strong>do</strong>s pelos mora<strong>do</strong>res- Áreas de plantio ("glebas") muito reduzidas;- Baixa fertilidade <strong>do</strong> solo, baixa produção, fome;- Falta de <strong>do</strong>cumentação da casa e da gleba;- Falta de vazante para plantios curtos;- Pesca praticamente impedida.- Localização longe <strong>do</strong> mar;- Pesca tornou-se atividade esporádica e acessória;- A qualidade <strong>do</strong> solo das glebas não é boa;- Baixa produção de mandioca;- Não tem <strong>do</strong>cumentação da casa e da gleba;- A construção de casa para os filhos deve ter autorização <strong>do</strong> CLA e, se autorizada; o lugarserá aquele determina<strong>do</strong> pelo CLA;- Precariedade das casas;- Acesso à praia só com crachá renova<strong>do</strong> a cada três meses;- Dificuldades no abastecimento de água;- Caminhos de acesso à agrovila são precários.- Não têm consegui<strong>do</strong> manter os filhos na comunidade devi<strong>do</strong> à proibição de fazer novascasas;- Falta de <strong>do</strong>cumentação das casas e da gleba;- Derrubada de casas construídas sem autorização <strong>do</strong> CLA;- Mudanças freqüentes no coman<strong>do</strong> da Base dificultam o cumprimento <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>sfeitos (cada comandante executa a assistência às agrovilas de maneira diferente);- O esta<strong>do</strong> precário das casas de alvenaria;- Dificuldades no abastecimento de água;- Não há escola na agrovila, as crianças têm que ir para Pepital.- Indenização insuficiente e não paga no deslocamento;- Localização longe <strong>do</strong> mar;- Impedimento de livre acesso à praia;- Pesca inviabilizada;- Falta de <strong>do</strong>cumentação comprobatória de propriedade da casa e da gleba;- Baixa fertilidade da terra;- Impedimento de acesso ao antigo cemitério;- Intervenção excessiva da Aeronáutica (construção de novas casas, autorização para consertodas casas);- Migração intensa para São Luís (capital).- Localização longe <strong>do</strong> mar;- Grande distância até locais de pesca;- Tempo de proibição de acesso à praia muito longo;- Migração <strong>do</strong>s filhos para a cidade;- Falta de cemitério;- Esgotamento das terras nas glebas;- Baixa produção;- Esgotamento <strong>do</strong>s igarapés mais próximos.Fontes: SMDH, NAJUP, MC-FCP, junho de 2001 e Trabalho de Campo Pericial, junho de 2002.83


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Essas medidas provocaram, ademais, a desestruturação de diferentes planosde organização social adstritos ao conjunto de povoa<strong>do</strong>s. A rede de inter-relações detroca de produtos e serviços entre os povoa<strong>do</strong>s foi seriamente comprometida com oaumento da pressão demográfica sobre as áreas agriculturáveis e sobre os recursoshidrícos e florestais. Agrava isso o fato de que, na representação das famílias entrevistadas,prevalece uma insegurança quanto ao futuro na área desapropriada. A profunda sensaçãode insegurança e incerteza sobre o futuro das comunidades e sobre si próprios atingeto<strong>do</strong>s os assenta<strong>do</strong>s, os ameaça<strong>do</strong>s de deslocamento e os demais mora<strong>do</strong>res da áreadesapropriada para instalação <strong>do</strong> CLA. Não é demais reafirmar que um grupo socialsem perspectivas de futuro pode ser leva<strong>do</strong> tragicamente ao caos.Consideran<strong>do</strong>-se o conjunto da área de 62.000 hectares, pretendida pelo CLA,pode-se afirmar que, além da desestruturação social, os impactos se fizeram sentir na economiade to<strong>do</strong> o município de Alcântara com o declínio abrupto da produção de farinha, com orápi<strong>do</strong> esgotamento <strong>do</strong>s solos nos lotes delimita<strong>do</strong>s para as famílias deslocadas para as agrovilas,com a escassez de recursos nas áreas próximas àquelas em que ocorreram os assentamentos ecom a intensa migração para a sede municipal e para a capital São Luís. Cotejan<strong>do</strong>-se osda<strong>do</strong>s estatísticos <strong>do</strong>s Censos Agropecuários de 1985 e de 1996, constata-se que, nesses onzeanos, a lavoura temporária no município de Alcântara sofreu uma redução de 45% da áreadestinada ao cultivo de seus <strong>do</strong>is principais produtos, o arroz e a mandioca. Consoante oestu<strong>do</strong>* elabora<strong>do</strong> para este lau<strong>do</strong> pericial pelo economista Wilson de Barros Bello Filho:"Este fato revela-se particularmente relevante quan<strong>do</strong> se constata,toman<strong>do</strong> por referência o valor da produção registra<strong>do</strong> no CensoAgropecuário de 1996, que estes <strong>do</strong>is produtos são responsáveispor cerca de 80% da lavoura temporária <strong>do</strong> Município, o quecorresponde a mais de 40% de toda a lavoura alcantarense (lavouratemporária mais lavoura permanente)" (Barros Bello, 2002:01).No caso da mandioca, o Censo de 1996 registra uma produção de apenas4.907 toneladas, contra 8.139 toneladas em 1985, o que corresponde a uma queda de 40%na produção. Ainda com Barros Bello:"A redução e estagnação da produção de mandioca em Alcântara revelam-separticularmente preocupantes quan<strong>do</strong>, além da significância <strong>do</strong> produto na lavoura<strong>do</strong> Município, se considera também que, segun<strong>do</strong> a Contagem da População de1996, 74% <strong>do</strong>s seus habitantes (14.050 pessoas) vivem na zona rural" (BarrosBello, 2000:01).Em 1997, sem que fosse realizada qualquer avaliação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s de seu"Plano de Reassentamento" e a despeito de a base não ter sequer licenciamento ambiental,foram anuncia<strong>do</strong>s pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária, Infraero 3 ,* Os estu<strong>do</strong>s de Wilson de Barros Bello Filho e de Patrícia Portela Nunes, cita<strong>do</strong>s neste quesito, não foram incluí<strong>do</strong>sna presente edição (n.e)84


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidanovos deslocamentos de famílias 4 . Nesse mesmo ano, foi aprova<strong>do</strong> pela CâmaraMunicipal e sanciona<strong>do</strong> pelo prefeito o "Plano de Preservação da Cidade de Alcântara",através da Lei nº 224, de 10 de outubro de 1997, definin<strong>do</strong> usos e ocupações <strong>do</strong> perímetrourbano. A delimitação de zonas de "preservação rigorosa" defronta-se com a expansãoda ocupação provocada pelo crescimento da migração <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s para a sede <strong>do</strong>município, geran<strong>do</strong> tensões entre os ocupantes e o Iphan, como demonstra a antropólogaPatrícia Portela Nunes em estu<strong>do</strong> de impacto sobre a cidade de Alcântara, produzi<strong>do</strong>especialmente para integrar este lau<strong>do</strong> pericial e disposto em anexo. Está-se diante de uminchaço da cidade de Alcântara, que já apresenta áreas favelizadas.Em síntese, pode-se afirmar que as transformações sócio-econômicasprovocadas pela implantação <strong>do</strong> CLA ameaçam gravemente a reprodução física e socialdas comunidades remanescentes de quilombo.85


Agrovila Cajueiro


5.Quais os reassentamentos já realiza<strong>do</strong>s e arealizar pelo Poder Público (CLA)?Quanto aos reassentamentos já realiza<strong>do</strong>s pelo CLA, constata-se que em 1986e 1987 foram deslocadas compulsoriamente 312 famílias de 31 povoa<strong>do</strong>s (SMDH, 2001)para a formação de sete agrovilas. A seguir, apresentarei a relação delas:AgrovilasDenominaçãodas agrovilas1 Peru (Novo Peru)2 Pepital3 Cajueiro4 Ponta Seca5 Só Assim6 Marudá7 EsperaNº de famílias123465917--13Povoa<strong>do</strong>s desloca<strong>do</strong>s eagrupa<strong>do</strong>s para sua formaçãoPeru, Titica, Santa Cruz, Camarajó, Sozinho e Cauim.PepitalCajueiroPonta Seca, Laje, CuruçáCaicá, Paraíso, Norcasa e Boa VistaMarudá, Santo Antonio, Ponta Alta, Curuçá,Jeripaúba, Ladeira, Caninana , Jabaquara, Fé em Deus,Pirapema, São Raimun<strong>do</strong>, Águas Belas, Cone Prata,Itamarajó, Jardim e Santa Rosa.EsperaQuanto aos reassentamentos previstos ou a realizar na presente etapa,intitulada de "Transferência e Assentamento <strong>II</strong>I", registra-se, consoante <strong>do</strong>cumento daInfraero-CLA, de 1998, que serão atingi<strong>do</strong>s dez povoa<strong>do</strong>s (Águas Belas, Baracatatiua,Barbosa, Brito, Caiuana, Itapera, Mamuna, Mamuninha, Pacoval, São Francisco) dachamada "área de segurança" e 151 famílias.


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Povoa<strong>do</strong>s previstos para deslocamento"Transferência e Assentamento <strong>II</strong>I"Povoa<strong>do</strong>sNº de famíliasNº de habitantes1 Águas Belas2 Baracatatiua3 Barbosa4 Brito5 Caiuaua6 Itapera7 Mamuna (Mamona)8 Mamuninha9 Pacoval10 São FranciscoTOTALFONTE: MAer - Iinfraero-CLA; novembro de 1998.82622221956122215125802963632154027533Segun<strong>do</strong> previsto no menciona<strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento, esses povoa<strong>do</strong>s estariampara ser reassenta<strong>do</strong>s próximos a áreas de cultivo e de coleta de cinco povoa<strong>do</strong>s(Cajitiua, Esperança, Itapuaua, Murari, Perizinho) e 103 famílias. Essas famílias jámanifestaram sua recusa em face desta medida, porquanto consideram que osrecursos naturais disponíveis são escassos e não suportarão o incremento da novapressão demográfica.Povoa<strong>do</strong>s previstos para assentamento das famílias deslocadas"Transferência e Assentamento <strong>II</strong>I"Povoa<strong>do</strong>s* Nº de famílias Nº de habitantes1 Cajitiua 3 102 Esperança 9 353 Itapuaua 44 1534 Murari 14 585 Perizinho 33 118TOTAL 103 374FONTE: MAer - Iinfraero-CLA; novembro de 1998.Os deslocamentos desfiguram a rede de relações sociais entre os povoa<strong>do</strong>s,desequilibran<strong>do</strong> igualmente a relação com o ecossistema, cujo grau de fragilidade nãocomporta uma duplicação imediata da densidade demográfica e um outro conjuntode aglomera<strong>do</strong>s, artificialmente implanta<strong>do</strong>, fazen<strong>do</strong> uso rotineiro <strong>do</strong>s recursos jáescassos <strong>do</strong> rio Periaçu e adjacências.88


6.Quais os impactos sobre a organizaçãosistêmica e sobre o tipo das relações antrópicasdecorrentes <strong>do</strong>s reassentamentos dascomunidades?Conforme foi acentua<strong>do</strong>, os reassentamentos comprimiram os povoa<strong>do</strong>s,ao localizarem as agrovilas em <strong>do</strong>mínios usufruí<strong>do</strong>s por outros povoa<strong>do</strong>s. Os locaisde plantio de Rio Grande, como já foi cita<strong>do</strong>, deram lugar à agrovila de Marudá. Apressão sobre os recursos hidrícos e florestais aumentou subitamente e os mora<strong>do</strong>resviram destruídas suas estratégias centenárias de conservação e uso <strong>do</strong>s recursos naturais,sem que qualquer alternativa lhes tenha si<strong>do</strong> apresentada.Essas técnicas de remoção e de deslocamento compulsório quebrampaulatinamente os pilares que sustentam sistemicamente a rede de povoa<strong>do</strong>s. Disseminama insegurança, porquanto tornam mais escassos recursos que já eram, em certa medida,insuficientes. Essa insegurança das famílias que vivem na área desapropriada reflete numcerto declínio da autoridade <strong>do</strong>s mais antigos, quais sejam os encarrega<strong>do</strong>s de terra vincula<strong>do</strong>sa antigos aforamentos, os encarrega<strong>do</strong>s de zelar pelos bens das santas e santos e os chama<strong>do</strong>sherdeiros que disciplinavam o uso de madeiras de lei, de reservas de mata e <strong>do</strong>s recursoshidrícos. A difusão da idéia de que "as terras agora são da base" tanto leva à resistência, emalguns povoa<strong>do</strong>s, quanto induz a uma atitude predatória por parte de comerciantes demadeira, em outros povoa<strong>do</strong>s. Estes se apressam em divulgar que os bens naturais serãodestruí<strong>do</strong>s pela Base de qualquer jeito, ceden<strong>do</strong> lugar a obras de infra-estrutura, e que,portanto, deve-se aproveitar o quanto antes para retirar as madeiras de lei, anteceden<strong>do</strong> achegada de tratores para construção de pistas e rampas de lançamento. "Aproveitar rápi<strong>do</strong>e a to<strong>do</strong> custo" tem si<strong>do</strong> um lema para os comerciantes de madeira convencerem osmora<strong>do</strong>res. Devi<strong>do</strong> a isso, alguns antigos encarrega<strong>do</strong>s sentem-se desautoriza<strong>do</strong>s etestemunham uma devastação sem precedentes, como vem acontecen<strong>do</strong> em Pavão e SãoRaimun<strong>do</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, pode-se verificar que as ações <strong>do</strong> CLA ou as medidas a<strong>do</strong>tadaspela "Base", que é o termo corrente utiliza<strong>do</strong> pelos entrevista<strong>do</strong>s, levam a uma ideologia<strong>do</strong> desespero, que afeta o respeito tradicional pela manutenção de algumas reservas demato e de ervas medicinais, além de afetar a observância <strong>do</strong> princípio de não roçar na beirade rios e igarapés e a própria limpeza de trilhas e caminhos que interligam povoa<strong>do</strong>s e estesàs áreas de plantio e pesca. Os que migraram para a cidade e têm retorna<strong>do</strong> sazonalmentenegam-se também a respeitar tais disposições centenárias e contribuem, assim, para acentuara fragilidade <strong>do</strong> ecossistema, plantan<strong>do</strong> em qualquer lugar, coletan<strong>do</strong> frutos não totalmenteamadureci<strong>do</strong>s, cortan<strong>do</strong> cachos de palmeiras antes <strong>do</strong> tempo. Há, portanto, inúmeras tensõessociais que perpassam as comunidades, refletin<strong>do</strong> a agudeza <strong>do</strong>s impactos sobre suaestruturação.


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Não constitui, pois, um para<strong>do</strong>xo o tom nostálgico de certos depoimentosque sublinham a preservação de madeiras de lei e de uso <strong>do</strong>s igarapés, quan<strong>do</strong> osencarrega<strong>do</strong>s da terra iam medir com cordas os terrenos e conceder as licenças de plantio.Esse tom foi constata<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> os entrevista<strong>do</strong>s mencionaram a perda de autoridade <strong>do</strong>sresponsáveis pela preservação <strong>do</strong>s recursos estratégicos aos povoa<strong>do</strong>s, após adesapropriação de 1980 e os deslocamentos compulsórios realiza<strong>do</strong>s pelo CLA em 1987.Os primeiros impactos dessas medidas atingiram tantos os chama<strong>do</strong>s encarrega<strong>do</strong>s daterra e encarrega<strong>do</strong>s da santa quanto os chama<strong>do</strong>s herdeiros, bem como povoa<strong>do</strong>sfora da área <strong>do</strong> decreto de 1980, deixan<strong>do</strong> que as terras fossem dispostas como recursosaparentemente abertos ou, em outras palavras, como diriam mora<strong>do</strong>res de Pavão e SãoRaimun<strong>do</strong> <strong>II</strong>, como "terra de ninguém". No momento <strong>do</strong> trabalho de campo pericial, osmora<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s estavam se organizan<strong>do</strong> para impedir que continuassem a retiradailegal de madeira e as demais ações predatórias. O advento da consciência quilombolafacultou, nesse senti<strong>do</strong>, uma certa recuperação de seus princípios identitários, devolven<strong>do</strong>lhesuma esperança de reverter um quadro que lhes era apresenta<strong>do</strong> como irreversível.90"Eles tiram é o pacazeiro, é to<strong>do</strong> pau. Essa aí é a madeira mais procurada,o pacará. Ela é mais resistente. Tiram também a neguba, essas madeiraspara poder fazer as casas. Em Pinheiro e Bequimão tão compran<strong>do</strong> asmadeiras."(B.P.A. 19/04/2002 - ENT. 17)Essa percepção <strong>do</strong> problema já enuncia uma possibilidade de superá-lo. Asações de preservação <strong>do</strong>s recursos naturais ganham nova força, nesse processo demobilização étnica, e estão se disseminan<strong>do</strong> para os diferentes grupos de atingi<strong>do</strong>s pelasmedidas de implantação <strong>do</strong> CLA. As relações antrópicas assumem nova dimensão paradiferentes grupos de agentes sociais, que passam a ver na resistência uma perspectiva deafirmação étnica e de respeito à fragilidade <strong>do</strong> ecossistema, quais sejam:a) os que se deslocaram para a cidade de Alcântara e aí mantêm seus terrenosdiminutos de plantio no perímetro urbano, provocan<strong>do</strong> umainterpenetração entre os casarões em ruínas e os roça<strong>do</strong>s e fruteiras;b) os que permanecem nas agrovilas e, mediante o esgotamento das suasglebas, como em Só Assim e Marudá, passam a plantar em áreasinterditadas pelo CLA como forma de manter o rodízio das terrascultivadas, deixan<strong>do</strong> em pousio seus lotes;c) os que se encontram nas áreas de segurança da Base e são aponta<strong>do</strong>scomo os próximos a serem desloca<strong>do</strong>s, como Brito e Itapera, voltarama reparar suas casas, a ampliar seus roça<strong>do</strong>s e a conservar os demaisrecursos naturais na esperança de que não serão compulsoriamenteremovi<strong>do</strong>s;d) os que estão fora da área de segurança e já receberam ou recebemcotidianamente a pressão <strong>do</strong>s que foram assenta<strong>do</strong>s em agrovilas, como


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaRio Grande, que "perdeu seu centro" para a construção da Agrovila deMarudá, encontram-se empenha<strong>do</strong>s em fazer vigir os princípios depreservação de mariscos nas cabeceiras <strong>do</strong> rio de São João;e) os que estão fora da área de segurança e estavam na contingência de terque acolher as famílias reassentadas em seus <strong>do</strong>mínios, cientes de que nãoé mais factível insistir nos deslocamentos compulsórios, estão re<strong>do</strong>bran<strong>do</strong>esforços para manter preserva<strong>do</strong>s os recursos naturais de referencia básicapara seus povoa<strong>do</strong>s;f) os que migraram para São Luís, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, quesão mais de 100 pessoas se considerarmos apenas São João de Cortes.A mobilização étnica em torno <strong>do</strong>s direitos assegura<strong>do</strong>s às comunidadesremanescentes de quilombos conduz a uma reapropriação de um patrimônio comum desaberes em face da natureza que orienta a vida comunitária, a produção e a distribuiçãosocial <strong>do</strong>s recursos necessários à reprodução. O desenvolvimento desse saber social tornaseum fator fundamental para a reprodução cultural dessas comunidades.91


Foto: Patrícia PortelaMora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> povoa<strong>do</strong> de Peroba de Baixo


7.Quais os reflexos das desapropriações e dasmedidas de remanejamento das comunidadessobre os direitos étnicos?As medidas concernentes à implantação <strong>do</strong> CLA sempre privilegiaram açõesfundiárias, como se tu<strong>do</strong> pudesse ser resolvi<strong>do</strong> nos <strong>do</strong>mínios <strong>do</strong> direito agrário. Entretanto,há vários indícios de percepção oficiosa de variáveis étnicas intrínsecas à questão. Na<strong>do</strong>cumentação <strong>do</strong>s órgãos fundiários, em outubro de 1985, os resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> trabalho decampo da equipe <strong>do</strong> Mirad-Incra falavam em "terras de pretos" e "terras de negros" naárea pretendida pelo CLA, e nas discussões em Brasília com representantes <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong>da Aeronáutica, em novembro <strong>do</strong> mesmo ano, os técnicos <strong>do</strong> Mirad indagavam se nãoseriam aquelas "ocupações especiais" que deveriam ser objeto de ações específicas. Haviauma evidência que não passara desapercebida <strong>do</strong>s técnicos, seja <strong>do</strong> Mirad ou <strong>do</strong> CLA(Gicla), e que reportava à prevalência de "negros" ou de um "campesinato negro" na áreadesapropriada. Provavelmente isso interferiu nos procedimentos operacionais de implantaçãoe talvez na própria seleção de quem deveria lidar mais diretamente com essas famíliasatingidas. Os próprios entrevista<strong>do</strong>s narraram que o "capelão era negro", assim como aassistente social e os técnicos <strong>do</strong> governo estadual encarrega<strong>do</strong>s de levantar a memória <strong>do</strong>artesanato e das chamadas "manifestações culturais", como festas de santo, toadas, o tamborde crioula de Cajueiro etc. As equipes percorreram to<strong>do</strong>s os povoa<strong>do</strong>s da chamada "zonade segurança", ou seja, cerca de 30.000 hectares, que tem ao norte o povoa<strong>do</strong> de Retiro e,ao sul, a localização de Ponta Seca. Foram privilegia<strong>do</strong>s aqueles que foram desloca<strong>do</strong>scompulsoriamente para a formação das agrovilas, localiza<strong>do</strong>s exatamente numa das maioresáreas de concentração de quilombos no século XV<strong>II</strong>I, abrangen<strong>do</strong> Belém e Peru de Cajueiro.Contribuíram, nas operações efetivas de deslocamento, solda<strong>do</strong>s que haviam si<strong>do</strong> recruta<strong>do</strong>snos próprios povoa<strong>do</strong>s, treina<strong>do</strong>s em São Paulo, e que constituíam, no dizer <strong>do</strong>sentrevista<strong>do</strong>s, uma "tropa nativa" ou, ainda, jocosamente, uma "cavalaria alada", porquantopercorriam os povoa<strong>do</strong>s monta<strong>do</strong>s a cavalo. Os funcionários militares, aliás, tratavam ospovoa<strong>do</strong>s como "comunidades".No plano jurídico-formal, se tratava a questão como agrária, enquanto queoperacionalmente registra-se um grau de percepção de que o problema se revestia de umadimensão étnica. Aparentemente, não há novidade numa ação de deslocamento que acionaos "iguais" como ponta de lança da operação que tem por finalidade última removerpopulação. A administração colonial inglesa valeu-se desse recurso na Índia e os francesesprocederam de igual mo<strong>do</strong> com as práticas de regroupement massif (Bourdieu et Sayad, Ledéracinement,1964) na Argélia. Quer dizer, existe uma lógica colonialista que operaterritorialmente com elementos de uma política étnica não explicitada e que lança mão de


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2eufemismos designan<strong>do</strong> suas ações como de "reassentamento involuntário" (involuntaryresettlement). Desse prisma colonialista, a noção de etnia se atém às origens ou à "herançaafricana" e/ou "indígena" e como tal é um problema <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. Não foi diferente emAlcântara: o problema percebi<strong>do</strong> foi trata<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> uma forma de invisibilidade social,menosprezan<strong>do</strong> qualquer alusão a fatores étnicos, qualquer especificidade cultural <strong>do</strong> presente.Esse quadro sofreu transformações com o advento das comunidadesremanescentes de quilombos, que conferiu visibilidade ao que vinha sen<strong>do</strong> socialmenteelidi<strong>do</strong>. As discussões travadas no âmbito <strong>do</strong> STTR de Alcântara em torno <strong>do</strong> Art.68 <strong>do</strong>ADCT, de outubro de 1988, e as mobilizações subseqüentes, legitimaram os "pleitosinvisíveis" e dissociaram os direitos étnicos <strong>do</strong> direito agrário, alertan<strong>do</strong> que os <strong>do</strong>míniosque ocupavam secularmente não poderiam ser trata<strong>do</strong>s simplesmente como terra, comose fora um simples imóvel rural, mas sim como território com todas as implicações étnicase identitárias correspondentes. Os antagonismos, que se revestiam de uma aparência deconflito agrário, passaram a explicitar publicamente uma identidade étnica, como sucedeuno âmbito <strong>do</strong> "Seminário Alcântara: A Base Espacial e os impasses sociais", de maio de1999, <strong>do</strong> qual participaram representantes de mais de uma centena e meia de povoa<strong>do</strong>s.Nos termos da antropologia reflexiva, trata-se de uma publicização ou circunstância emque um problema deixa de ser priva<strong>do</strong>, pontual, singular ou uma exceção para se tornarpúblico e objeto de tomadas de posição oficiais (Bourdieu, 1989:37). As ações ditas fundiáriase agrárias (desapropriação, deslocamento) têm que ser obrigatoriamente repensadas nesseprocesso social que faz <strong>do</strong> problema uma questão de cumprimento de direitos étnicos.94


8.O modus vivendi das comunidades podeprescindir <strong>do</strong> livre acesso aos recursos naturais,nomeadamente o litoral?Não. O fato de os recursos terem si<strong>do</strong> manti<strong>do</strong>s abertos por mais de séculotem assegura<strong>do</strong> a essas comunidades uma relação de equilíbrio com um ecossistemafrágil e uma ligação permanente com diferentes circuitos de merca<strong>do</strong> através <strong>do</strong> sistemade portos que liga os povoa<strong>do</strong>s à capital e a outras cidades e povoa<strong>do</strong>s, conforme já foiexamina<strong>do</strong> anteriormente. As regras de uso comum <strong>do</strong>s recursos, que combinam formasde apropriação privada com formas de apropriação pública e não podem ser reduzidasa formas coletivas, consistem numa estratégia de sobrevivência que tem resulta<strong>do</strong> emêxito há pelo menos <strong>do</strong>is séculos. Destruí-las, excluin<strong>do</strong> o reconhecimento de suas práticascentenárias, pode significar uma tragédia. Deslocar compulsoriamente, para o interior <strong>do</strong>continente, comunidades que se dedicam à pesca marítima e à coleta de frutos que ladeiamo cordão arenoso das praias, significa destruir seu modus vivendi, inviabilizan<strong>do</strong> suareprodução social. De igual mo<strong>do</strong> podem ser entendidas as medidas que resultam porsepará-las compulsoriamente <strong>do</strong>s recursos florestais que propiciam a extração da amên<strong>do</strong>ade babaçu, da juçara e da coleta de frutos (murici, bacuri, buriti). O sofrimento dessasexclusões caracteriza, hoje, a vida cotidiana <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res das agrovilas.


Porto


9.É possível estabelecer-se uma coexistênciaentre a dinâmica preexistente das comunidadese o projeto <strong>do</strong> Centro de Lançamento deAlcântara? Em caso afirmativo, quais asmedidas mitiga<strong>do</strong>ras e compensatórias quepoderiam ser a<strong>do</strong>tadas de forma a minimizaros impactos?Examinan<strong>do</strong>-se historicamente as relações entre as autoridades responsáveispela implantação <strong>do</strong> CLA e as famílias atingidas, constata-se uma ruptura de termos deconvívio formalmente firma<strong>do</strong>s. Em 1983, as comunidades se mobilizaram e apresentaramàs autoridades <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> da Aeronáutica um abaixo-assina<strong>do</strong> conten<strong>do</strong> as principaisreivindicações das famílias, tais como terras boas e suficientes, lugares de pesca e indenizaçãojusta, entre outras. Em decorrência, foi assina<strong>do</strong> um Acor<strong>do</strong> devidamente registra<strong>do</strong> emcartório, no qual os militares se comprometeram a respeitar e atender às reivindicaçõesapresentadas. Com os planos de reassentamento apoia<strong>do</strong>s numa concepção de campesinatoparcelar e tecnicamente critica<strong>do</strong>s em outubro de 1985 pela equipe <strong>do</strong> Incra-Mirad, querealizou verificação in loco na área pretendida pelo CLA, o pacto começou a ser rompi<strong>do</strong>.Ocorreram mobilizações de resistência ao plano de reassentamento e às decisõesgovernamentais que reduziram drasticamente a fração mínima de parcelamento, somentena área pretendida pelo CLA, para 15 hectares. Os procedimentos operacionais dedeslocamento compulsório e de formação das agrovilas, excluin<strong>do</strong> os mora<strong>do</strong>res da faixalitorânea e <strong>do</strong> acesso a recursos florestais, tornaram evidente o não cumprimento <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong>.As famílias compulsoriamente afastadas <strong>do</strong> cordão arenoso das praias e <strong>do</strong> acesso a recursosflorestais sentiram-se excluídas <strong>do</strong> acesso a bens essenciais à sua existência e inibidas ouinterditadas no exercício de suas atividades centenárias. Reduziram as atividades agrícolasno lote com terras insuficientes para os grupos familiares; diminuíram, pela grande distância,as atividades de pesca e também reduziram, por ter se torna<strong>do</strong> quase impraticável, a extraçãoda amên<strong>do</strong>a <strong>do</strong> babaçu, a coleta da juçara e <strong>do</strong>s frutos como murici, bacuri e buritis. Assituações de tensão resultantes das medidas que instalaram as agrovilas excluíram as famíliasde qualquer perspectiva de futuro e disseminaram, pois, uma desconfiança generalizada naação <strong>do</strong> CLA.Rever os procedimentos de inspiração colonialista, que menosprezaram asdiferenças étnicas e culturais, reconhecer a relevância <strong>do</strong> território étnico para as famíliasatingidas, reparar os danos provoca<strong>do</strong>s pelos impactos e estabelecer formas de interlocuçãoe diálogo permanentes situam-se entre os passos imprescindíveis para restaurar aconfiabilidade mútua.Os conceitos antropológicos relativos à "nova etnicidade", construí<strong>do</strong>s através<strong>do</strong>s Proceedings of the American Ethnological Society, de 1973, e reconfirma<strong>do</strong>s em1982, atualmente estabelecem uma distinção entre a identidade acatada pelos agentes sociaise aquela que outros lhes querem impor autoritariamente. Recorren<strong>do</strong> a esses conceitos é


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2que podemos estabelecer a diferença entre a identidade étnica reivindicada pelos mora<strong>do</strong>resda área pretendida pelo CLA e a que lhes é atribuída pelas autoridades <strong>do</strong> CLA. Oconhecimento antropológico recusa, hoje, as formas de classificação externas que pretendemditar quais os elementos identitários que as pessoas devem ter ou supostamente teriam. Aantropologia <strong>do</strong> conflito contrapõe-se, assim, a quaisquer medidas segregacionistas,involuntárias ou não, <strong>do</strong>s que praticam direta ou indiretamente a chamada ethnic cleansing emnome de fatores objetivos.As mobilizações étnicas em Alcântara estão delimitan<strong>do</strong> um grupo que persisteem marcar suas diferenças. Para uma compreensão antropológica desse fenômeno, podemser aciona<strong>do</strong>s os instrumentos analíticos elabora<strong>do</strong>s por F. Barth, que asseveram o seguinte:na medida em que os agentes sociais recorrem a identidades étnicas para categorizarem-sea si mesmos e a outros com fins de interação, formariam grupos étnicos no senti<strong>do</strong> daorganização.Pode-se afirmar, portanto, que qualquer coexistência implica no reconhecimentoda existência <strong>do</strong> outro consoante seu mo<strong>do</strong> de fazer e viver. As formas de solidariedadecomunitária que asseguram a mobilização contra novos deslocamentos tem que ser levadasem conta. Os condicionantes não podem ser elidi<strong>do</strong>s ou ocultos numa aplicação simplistada lógica da "razão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>".A partir desse preceito, a discussão <strong>do</strong>s impactos ganha uma outra moldura,requeren<strong>do</strong> o reconhecimento <strong>do</strong>s direitos étnicos e de seu correspondente territorial eabrin<strong>do</strong> a discussão para as medidas operacionais relativas a esse novo patamar de respeitomútuo. Certamente que, nesse contexto de operacionalização ou das medidas mitiga<strong>do</strong>ras,terão que ser examinadas acuradamente: a revisão das iniciativas que indicam novosdeslocamentos compulsórios, a revisão <strong>do</strong>s critérios que definiram a extensão de uma áreadessa amplitude para uma base de lançamento de foguetes e o cumprimento das exigênciaspara o licenciamento ambiental <strong>do</strong> projeto <strong>do</strong> CLA, entre outras.98


10.É possível o deslocamento de outras famíliaspara outras áreas cogitadas pelo PoderPúblico?Não. Segun<strong>do</strong> argumentos já apresenta<strong>do</strong>s, não existe um estoque de recursosque autorize deslocamentos e os próprios mora<strong>do</strong>res das áreas cogitadas recusam essapossibilidade. Além disso, o malogro da experiência de agrovilas não autoriza experiênciassimilares. Afinal, a inviabilidade ecológica de lotes diminutos dispostos em areias quartzosas,coloca limitações à sobrevivência física que são por demais conhecidas de to<strong>do</strong>s aquelesque vivem no município. Configura-se uma resistência a qualquer iniciativa de deslocamento.Acrescento, para efeito de complementação, que os que moram nas agrovilas são vistospelos demais como numa posição hierarquicamente "inferior", porquanto não podemcompetir em termos de produção com aqueles que se mantiveram nos povoa<strong>do</strong>s. Asagrovilas ficaram em desvantagem mesmo concentran<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os serviços e vantagenspropiciadas por inúmeros projetos oficiais (eletrificação, crédito e custeio, casas de alvenaria,caixas d'água, arruamento e planejamento urbano) porque não têm porto, nem têmproximidade <strong>do</strong>s recursos hídricos mais abundantes, vivem sob o signo da escassez e,sobretu<strong>do</strong>, não conseguem reproduzir a unidade de trabalho familiar, posto que há umadesagregação <strong>do</strong>s núcleos familiares. As glebas são diminutas e insuficientes para umaprodução permanente e registra-se uma migração crescente não apenas de jovens, mas degrupos familiares.


Moradia, rua Santo Antonio


11.É possível estabelecer alguma identidade entrea natureza da relação das comunidades atingidaspelo CLA, entre si e com o ecossistema, com aforma da relação <strong>do</strong>s indígenas com as terraspor eles tradicionalmente habitadas? Como epor quê?Sim. Encontramo-nos diante de processos sociais que pela persistênciaétnica e pela territorialização podem tornar aproximáveis as situações aventadas. EmAlcântara, diferentemente de outras regiões da Amazônia e <strong>do</strong> Nordeste, tais relaçõesnão ocorreram paralelamente, antes convergin<strong>do</strong> para um mesmo território étnico.Nas territorialidades específicas verificadas em Alcântara e que são designadas pelosentrevista<strong>do</strong>s e conhecidas localmente como terras de índio, terras de santo, terrasde preto e suas variações, conforme já foi sublinha<strong>do</strong> anteriormente, tem-se distintosmovimentos de construção social da natureza. A natureza pode ser entendida comoproduto de um repertório de práticas centenárias de uso comum, encetadas em Alcântarapor unidades de trabalho familiar organizadas em povoa<strong>do</strong>s a partir da desagregaçãodas fazendas de algodão, <strong>do</strong>s engenhos e <strong>do</strong>s estabelecimentos das ordens religiosas.O pano de fun<strong>do</strong> desta interpretação reflete uma maneira de entender estetipo de sucessão de bens por várias gerações como uma transmissão de direitos e comoadstrito a um princípio de conservação ambiental. As práticas agrícolas e extrativas, manten<strong>do</strong>uma relação relativamente equilibrada com recursos escassos e com um ecossistema frágil,durante <strong>do</strong>is séculos consecutivos, reforçaram a necessidade de manter em reserva áreascom cobertura florestal permanente e de efetuar um rodízio das terras cultivadas, comintervalos de descanso, sempre superiores a três anos ou capoeiras de curta duração. Ainterdependência ecológica combinada com o uso comum, viabilizan<strong>do</strong> a reprodução degrupo, possibilita concomitantemente uma estratégia de articulação de interesses queampara ao mesmo tempo a identidade étnica e a garantia <strong>do</strong> território, traduzida por umarede de solidariedade entre famílias e comunidades e por uma autonomia em relação àsagências oficiais e de poder, que é justo o contrário da tutela. Os diferentes circuitos demerca<strong>do</strong> alcança<strong>do</strong>s pelos quilombolas em Alcântara contribuem para demonstrar queconstruíram sua identidade nas inter-relações e nos limites físicos de seu território. Tal estratégiapode ser entendida como um fator de etnicidade que facilita a organização <strong>do</strong> grupo,principalmente na esfera política e de defesa de reivindicações em face da ação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.Povos indígenas e comunidades remanescentes de quilombo podem seraproxima<strong>do</strong>s pelas relações antrópicas similares e por esse critério político-organizativoenquanto unidades de mobilização. A etnicidade, aqui, reflete uma nova realidade, comobem o demonstram as comunidades remanescentes de quilombo em Alcântara, numprocesso de afirmação identitária, em situação de conflito, que não difere essencialmente deoutras situações analisadas por etnólogos. Para fundamentar este prima<strong>do</strong>, pode-se recorrer


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2à análise de João Pacheco de Oliveira sobre os índios no Nordeste em Uma etnologia<strong>do</strong>s "índios mistura<strong>do</strong>s"? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais(Oliveira, 1998: 47-78).Nessa ordem é que os procedimentos de identificação étnica das comunidadesremanescentes de quilombo atingidas pelo CLA ancoram-se nos mesmos pressupostosteóricos que aqueles referi<strong>do</strong>s aos povos indígenas, permitin<strong>do</strong> as aproximações suscitadasna indagação.102


Notas2.1 O termo mocambo, nos dispositivos jurídicos da legislação colonial, era apresenta<strong>do</strong> como sinônimode quilombo. Ambos designavam concomitantemente habitações e locais de refúgio de escravosfugi<strong>do</strong>s. Para uma interpretação crítica <strong>do</strong> deslocamento desta noção jurídico-formal e de suaressemantização, consulte-se o texto "Quilombos: sematologia face a novasidentidades"(Almeida,1996:11-19).2 Carvalho Martins destaca esta situação no seu relatório preliminar de identificação de Itapuaua: "Achamada toca, cujo significa<strong>do</strong> pode ser assimila<strong>do</strong> à idéia de quilombo..." (Carvalho Martins,1998:10). De igual mo<strong>do</strong>, ela detectou também nos povoa<strong>do</strong>s a expressão tempo da escravidão.3 As disciplinas militantes valorizam estes atos, tornan<strong>do</strong>-os marcos históricos de lutas e mobilizações.O que os historia<strong>do</strong>res regionais classificam como pilhagem e saque de fazendas é vivi<strong>do</strong>, nestecontexto, como ato afirmativo, exalta<strong>do</strong> em processos de afirmação étnica.4 Este conceito resulta <strong>do</strong> pressuposto de que não faz senti<strong>do</strong> aplicar hoje a mesma definição de quilombo<strong>do</strong> Conselho Ultramarino, de 1740, às situações sociais ora classificadas como comunidades remanescentesde quilombos. Não se pode congelar a definição jurídica da legislação colonial, de finalidade nitidamenterepressiva, e transportá-la mecanicamente no tempo, para que preencha finalidade de reconhecimentooficial <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s quilombolas. A legislação colonial coloca os quilombos numa camisa de forçageográfica, como se fossem sempre isola<strong>do</strong>s, localiza<strong>do</strong>s em áreas remotas, longínquas, distantes <strong>do</strong>smerca<strong>do</strong>s e produzin<strong>do</strong> tão somente para subsistência. Considera ademais os quilombolas como"coisa" ou como "peças" passíveis de serem recolocadas no merca<strong>do</strong> de escravos pelos atos de captura.Os instrumentos jurídicos coloniais são de senti<strong>do</strong> eminentemente repressivo, desqualifican<strong>do</strong> osquilombolas e estigmatizan<strong>do</strong>-os de maneira absoluta. Em outras palavras: antes, o quilombo era paraser destruí<strong>do</strong> e nesta direção eram forja<strong>do</strong>s os instrumentos jurídicos; hoje, o quilombo é valoriza<strong>do</strong> eo propósito legal é que seja oficialmente reconheci<strong>do</strong>. Ao contrário das noções <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> colonial, nassituações sociais hoje classificadas como remanescentes de quilombos, tem-se uma afirmação econômicade produzir para diferentes circuitos de merca<strong>do</strong>, poden<strong>do</strong> o quilombo estar localiza<strong>do</strong> próximo anúcleos urbanos, alia<strong>do</strong> à emergência de uma identidade coletiva com base na autodefinição <strong>do</strong>s agentessociais em pauta, numa capacidade político-organizativa, em critérios ecológicos ou de conservação derecursos básicos por meio de modalidades de uso comum <strong>do</strong>s recursos naturais ou por outras formassimilares de manejo sobre as quais se manifestem favoráveis as comunidades. Há uma inversão <strong>do</strong>s elementosestigmatizantes, que passam a ser vivi<strong>do</strong>s como condição positiva. Para maiores detalhes sobre este conceitode quilombo, que relativiza a definição <strong>do</strong> código jurídico colonial chaman<strong>do</strong> a atenção para a necessidade desua releitura hoje, consulte-se Almeida,1996 ibid..5 O conceito de plantation aqui utiliza<strong>do</strong> se opõe àquele de fazenda, enquanto diferentes tipos deorganização social na agricultura. Tem como referência a distinção teórica de E. Wolf e S. Mintz, paraquem a fazenda seria uma "propiedad agrícola operada por un terrateniente que dirige y una fuerza detrabajo que le está supeditada, organizada para aprovisionar un merca<strong>do</strong> de pequeña escala pormedio de un capital pequeño, y <strong>do</strong>nde los factores de la producción se emplean no sólo paraacumulación de capital sino también para sustentar las aspiraciones del status del propietario. Yplantación será una propiedad agricola operada por propietários dirigentes (por lo general organiza<strong>do</strong>s


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2en sociedad mercantil) y una fuerza de trabajo que les está supeditada, organizada para aprovisionarun merca<strong>do</strong> de gran escala por medio de un capital abundante y <strong>do</strong>nde los factores de produción seemplean principalmente para fomentar la acumulación de capital sin ninguna relación con lasnecessidades de status de los dueños. "(Wolf e Mintz, 1975:493).6 Para Viveiros (1954:163), eles eram banqueiros, que concediam empréstimos, e controlavamexportações, importações e até o beneficiamento de produtos agrícolas, além de terras e escravos.7 Esta interpretação enfatiza o exercício de atividades autônomas de cultivo e comercialização de possíveisexcedentes por parte <strong>do</strong>s escravos, em tempo livre e em terras das fazendas que lhes eram concedidaspara tanto. Consulte-se Mintz, Sidney W.- "From plantations to peasantries in the Caribbean" inCaribbean Contours (ed. Mintz and S. Price). The John Hopkins Univ. Press 1985, p.127-153.Consulte-se também sobre a chamada "brecha camponesa" no sistema escravista e no Brasil osestu<strong>do</strong>s de Ciro F. S. Car<strong>do</strong>so in Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas Américas.São Paulo. Ed.Brasiliense, 1987, p.31-125.8 Esta situação referida concerne às aquisições de terras feitas, entre finais <strong>do</strong> século XIX e a primeirametade <strong>do</strong>s anos 1940-50, por Antonino da Silva Guimarães e seus descendentes, que serão examinadasposteriormente.9 A área correspondente a estas três freguesias <strong>do</strong> município de Alcântara, no decorrer <strong>do</strong> séculoXIX, correspondia a aproximadamente 195 mil hectares. Obtive este total soman<strong>do</strong> a áreacorrespondente ao atual município de Bequimão, antiga freguesia de Santo Antonio e Almas,831,5 Km2, com aquela <strong>do</strong> atual município de Alcântara, que engloba as outras duas freguesias, ouseja, 1.114 Km2. Excluin<strong>do</strong> as povoações e fazendas da beira-campo, que continuam apoiadasprincipalmente na pecuária extensiva nos campos naturais, e consideran<strong>do</strong> marcadamente a áreadas freguesias de São Matias e de São João de Cortes, obtive o total alusivo à extensão das fazendasde algodão.10 Esse sistema não deve ser confundi<strong>do</strong> com terras comunais, próprias <strong>do</strong> feudalismo, em que oshomens não são dissocia<strong>do</strong>s <strong>do</strong> recurso básico, sen<strong>do</strong> manti<strong>do</strong>s sob a autoridade senhorial, nemcom terras coletivas, que pressupõem uma intervenção externa de aparatos de poder, organizan<strong>do</strong> adistribuição <strong>do</strong>s recursos e <strong>do</strong>s produtos <strong>do</strong> trabalho. Em verdade, esse sistema de uso comumdistingue-se daquelas referências históricas concernentes a "sobrevivências feudais" e não significauma involução, que o senti<strong>do</strong> da expressão "decadência de Alcântara" pode denotar. Trata-se de umaresultante das crises econômicas, próprias <strong>do</strong> mercantilismo que orientou as políticas <strong>do</strong> governo dePombal, produzida a partir de tensões peculiares ao desenvolvimento capitalista. Constitui, poroutro la<strong>do</strong>, uma modalidade de apropriação da terra que se des<strong>do</strong>brou marginalmente ao sistemaeconômico <strong>do</strong>minante. Emergiu enquanto artifício da autodefesa de indígenas, escravos, alforria<strong>do</strong>se agrega<strong>do</strong>s, para assegurarem suas condições materiais de existência, em conjunturas de crise econômicae de desorganização de grandes estabelecimentos agrícolas. Resultou em uma forma aproximada decorporação territorial que se consoli<strong>do</strong>u rapidamente numa região ainda central no final <strong>do</strong> séculoXV<strong>II</strong>I, quan<strong>do</strong> Alcântara era visto como "Ouro Preto ao Norte "(Tristão de Athayde,1978), que foise tornan<strong>do</strong> periférica a partir de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XIX.11 Conforme a conceituação de Barth a respeito de grupos étnicos (Barth, 2000:31).12 As técnicas de identificação consideradas próprias à situação <strong>do</strong>s quilombos em Alcântara escapam dasautoevidências e <strong>do</strong>s procedimentos usuais de historia<strong>do</strong>res e arqueólogos em elencar provas através deelementos da cultura material. As escavações e a descoberta de inscrições guerreiras, de vestígios de murosde fortificações militares, de fragmentos de artefatos bélicos (lanças, pontas de ferro), de pedras quebalizam a praça central <strong>do</strong>s quilombos e o seu formato, corresponde a outras situações históricas, como as104


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidaque caracterizam, por exemplo, os trabalhos arqueológicos no caso de Nanny Town, na Jamaica.Agorsah observa que na caracterização <strong>do</strong>s quilombos na Jamaica pode ser traça<strong>do</strong> um amálgamaou uma mistura de povos <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> pré-hispânico, africanos e povos de outras origens. Da suareconstituição histórica das investigações arqueológicas, cabe citar o seguinte : "Archaeologicalresearch in Jamaica that deals with Maroon heritage is limited to very few reconnaissance, survey(Teulon,1967), and minor excavation expeditions (Bonner,1974). It was only recently that majorexcavations have been conducted by the Univesity of the West Indies Mona Archaeological ResearchProject (Agorsah, 1992b,1993 a,b). In 1967, a reconnaissance expedition led by Alan Teulon of theSurvey Department made the first attempt to locate and identify the ancient site of Nanny Townand to conduct an environmental study of the area. A ruined stone wall, a stone with engravedinscriptions as well surface artifacts such as fragments of bottles and crockery, and some botanicalspecimens were observed and some collected."(Agorsah,1994:164-165). (g.n.)13 Entre as "figuras alcantarenses", resenhadas biograficamente por J. Viveiros, tem-se, a saber: quatroBarões (Mearim, São Bento, Pindaré e Grajaú), <strong>do</strong>is cavaleiros professos na Ordem de Cristo, sen<strong>do</strong>um deles membro da nobreza com Carta de Brasão dada pela rainha Dona Maria I, um arcediago ecomenda<strong>do</strong>r, cinco sena<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Império, um oficial da Ordem da Rosa, agracia<strong>do</strong> pelo próprioimpera<strong>do</strong>r Pedro <strong>II</strong>, <strong>do</strong>is médicos, sen<strong>do</strong> que um deles "educou-se em Paris, em virtude de umacláusula <strong>do</strong> testamento de seu pai" e foi condecora<strong>do</strong> por Luiz Felipe, Rei de França, em 1838(Viveiros, 1975:111).14 Estes nomes de família abarcam 21 dentre as 24 "figuras ilustres" biografadas por Viveiros. Segun<strong>do</strong>o especialista em genealogia, suas raízes remontam à "fidalguia lusitana" (Viveiros,1975:95). O próprionome Viveiros, que só encontramos referi<strong>do</strong> a uma única família no povoa<strong>do</strong> de Itapera, viemos adetectá-lo denominan<strong>do</strong> os próprios quilombos no relatório publica<strong>do</strong> em Lisboa, em 1822, pelocoronel <strong>do</strong> Real Corpo de Engenheiros Antonio Bernardino Pereira <strong>do</strong> Lago: "...os quilombos denegros fugi<strong>do</strong>s eram tantos e tão grandes que, em um, no distrito de Alcântara, conheci<strong>do</strong> porquilombo <strong>do</strong>s pretos de Viveiros..."(Pereira <strong>do</strong> Lago, 2001:28).15 Esta expressão foi inspirada em Comerford (2001:66) e se refere aqui a um padrão de ocupação queconcentra residências e locais de trabalho <strong>do</strong>s que se consideram parentes, reconheci<strong>do</strong>s e valoriza<strong>do</strong>scomo tais sem que necessariamente existam laços de consangüinidade, incluin<strong>do</strong> amigos e vizinhos,cujas relações são disciplinadas por regras de uso comum <strong>do</strong>s recursos naturais, instituídas poreles próprios ou por seus antecessores e acatadas consensualmente.16 A denominação negro tratava-se de uma categoria abrangente que, nos <strong>do</strong>is primeiros séculos emeio de colonização, incluía os índios. Foi impositivamente reconceituada em 1759, pelo art.10 <strong>do</strong>Diretório Pombalino, que estabeleceu uma dissociação formal entre os chama<strong>do</strong>s "negros" e "índios".Neste mesmo <strong>do</strong>cumento ela é utilizada em sinonímia com preto. Entretanto, os estigmas a elareferi<strong>do</strong>s não são exatamente os mesmos concernentes à categoria preto, que inclusive foi a<strong>do</strong>tadaafirmativamente pelos ex-escravos e quilombolas como de autodefinição.17 O exemplo mais conheci<strong>do</strong> concerne à introdução pela Cia. Geral <strong>do</strong> Grão-Pará e Maranhão desementes de arroz da Carolina, então colônia britânica, para "substituir o arroz vermelhonativo"(Viveiros,1975:58).18 Em verdade, não há mais grandes imóveis rurais em Alcântara. Consoante as estatísticas cadastrais<strong>do</strong> Incra, correspondentes a 1999, não haveria latifúndios por dimensão ou por exploração nomunicípio.19 Janã, trata-se da antiga sede da fazenda de Marcial Ramalho Marques, que por duas vezes foi prefeitode Alcântara e vem a ser genro de Antonino da Silva Guimarães (Antonio Alexandre da Silva105


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Guimarães), uma das "figuras alcantarenses" listadas por Viveiros (1975:142), que detinha os títulos<strong>do</strong>s imóveis rurais de maior extensão da antiga freguesia de São Matias, no perío<strong>do</strong> logo após aAbolição de 1888. Antonino Guimarães, casa<strong>do</strong> com Leontina Ribeiro, sobrinha de Carlos Fernan<strong>do</strong>Ribeiro, Barão de Grajaú ( H.M. -21/04/2001- ENT.25), adquiriu o imóvel rural "Gerijó" de JoséRibeiro Sá Valle, mais conheci<strong>do</strong> como Bebê Sá Valle, e também comprou inúmeros sobra<strong>do</strong>s,inclusive os da família Viveiros <strong>do</strong> largo central da cidade de Alcântara. A cadeia <strong>do</strong>minial destesimóveis foi reconstituída por Joaquim Shiraishi no âmbito <strong>do</strong>s trabalhos de pré-identificação dascomunidades remanescentes de quilombo em Alcântara (Shiraishi,1998).20 Vide mapa elabora<strong>do</strong> para fins desta perícia intitula<strong>do</strong>: "Alcântara-Terras das ComunidadesRemanescentes de Quilombo: Territorialidade, uso <strong>do</strong>s recursos naturais, sítios históricos e conflitossociais". Junho, 2002.21 Os fundamentos desta interpretação jurídica, de acor<strong>do</strong> com Salmoral, tem sua inspiração no "CódigoCarolino, <strong>do</strong>nde se estabeleció la consideración ingenua o maléfica de que os esclavos no sólo erannecessariamente útiles, sino que además vivian mejor em América, como tales esclavos, que comohombres libres en Africa. El hecho de que huyeran o se rebelaran no obedecia, por tanto, a no podersoportar su condición esclava, sino a la perversión de algunos de sus amos, que les obligaban atrabajar excesivamente, no les subministraban lo necesario para su sustento, y les maltrataban concastigos crueles. Tal perversión justificaba muchas veces sus fugas y cimarronaje, y atentabacontra los principios de la Religión, de la Humanidad y el bien del Esta<strong>do</strong>."(Salmoral,1996:161) (g.n.)22 Sobre este endividamento podem ser consulta<strong>do</strong>s quase to<strong>do</strong>s os comenta<strong>do</strong>res regionais, de Garciade Abranches, em 1822 (cf. edição de 1922:116), até Viveiros, em 1954. Fazem uma defesa <strong>do</strong>ssenhores <strong>do</strong>s estabelecimentos agrícolas em face <strong>do</strong>s comerciantes de escravos e em face da CompanhiaGeral <strong>do</strong> Grão-Pará e Maranhão. Os autores Mota, Silva e Mantovani reuniram e classificaram 80testamentos <strong>do</strong> século XV<strong>II</strong>I. Uma das considerações da leitura que realizam é a seguinte: "ÀCompanhia de Comércio devia aparentemente to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>." (Mota et alli, 2001:27), ou seja, quaseto<strong>do</strong>s os inventários mencionam endividamentos junto à empresa colonial.23 Como narra R.P., com respeito à imagem original de S. J. Batista, que teria si<strong>do</strong> levada da capela de SãoJoão de Cortes, depois que os jesuítas foram expulsos e seu patrimônio confisca<strong>do</strong>.(R.P. 20/04/2002-ENT.22.1).24 Numa narrativa similar a estes depoimentos coleta<strong>do</strong>s na perícia, observa-se que alguns comenta<strong>do</strong>resregionais fazem o que seria uma crônica da pilhagem. Chegam a registrar os seguintes termos eexpressões: "evasão <strong>do</strong>s latifundiários", "êxo<strong>do</strong> <strong>do</strong>s proprietários" e "saque" feito pelos herdeiros(Lima,1998:90) ou então a produzir imagens literárias que pintam este quadro dramático, comoJosué Montello em seu romance A Noite sobre Alcântara (Montello,1978:249-251). A seguir, temseuma passagem de Lima a respeito:"... tu<strong>do</strong> concorren<strong>do</strong> para a evasão <strong>do</strong>s latifundiários, dedica<strong>do</strong>s a outros assuntos, e a omissão<strong>do</strong> poder político para conjurar a crise.Com o abatimento das fazendas e engenhos e o êxo<strong>do</strong> <strong>do</strong>s proprietários, ficaram as casas da cidadeentregues a antigos escravos, promovi<strong>do</strong>s a zela<strong>do</strong>res de confiança. Mas, sem recursos, pois os <strong>do</strong>nosacharam mais interessante investir em outros bens em São Luís ou Rio de Janeiro (...) além <strong>do</strong> que to<strong>do</strong>o acervo <strong>do</strong>s velhos sobra<strong>do</strong>s foi saquea<strong>do</strong> - é bem o termo - pela parentela <strong>do</strong>s herdeiros...Toda a cidadefoi saqueada, das pedras <strong>do</strong>s vetustos muros às alfaias das igrejas, imagens e grades de ferro, louças ecristais. Prédios desmoronaram, ruas inteiras deixaram de existir, os sobra<strong>do</strong>s se esvaziaram de tu<strong>do</strong> e deto<strong>do</strong>s."(Lima,1998:90,91) (g,n.).25 Uma das mais vívidas descrições da seqüência destas pedras de rumo, abarcan<strong>do</strong> 28 delas, à molde de ummemorial descritivo, foi coletada por Luiz Fernan<strong>do</strong> R. Linhares no trabalho de campo para sua dissertação106


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidade mestra<strong>do</strong> e para identificação das comunidades de Flórida e Forquilha como remanescentes de quilombo.Com mais de 70 anos, Sr. Binga, o entrevista<strong>do</strong> que narra as delimitações, mesmo residin<strong>do</strong> atualmenteem São Luís, representa o "<strong>do</strong>cumento vivo" da comunidade. Passo a transcrever, com a devida licença dequem a coletou, tal descrição:"A primeira pedra de rumo fica no Rio Duarte, que divide as terras de santíssima justamente com asterras que era <strong>do</strong>s brancos; a segunda fica na Flórida, atrás da casa de forno de Tomásia; terceira fica naPeroba, no quintal de Moisés; quarta fica na Ladeira (perto <strong>do</strong> Janã, depois <strong>do</strong> Vai-com-Deus, láIsídio ou Domingos Carne de Porco, ou Domingo Xan<strong>do</strong>ca sabe onde fica; quinta pedra fica noTajurará; sexta fica no Samucangaua, localizada no caminho chama<strong>do</strong> Corta Pescoço, perto <strong>do</strong> Quebraovo; de lá vai para o Porto <strong>do</strong> Rumo (perto <strong>do</strong> Deserto), onde fica a sétima pedra de rumo; de lá vempro lugar chama<strong>do</strong> Rio <strong>do</strong> Pamané, onde fica a oitava pedra de rumo; de lá vem fazer misco com aterra da Cachoeira (lá era de Firmino Ribeiro, agora ele tinha os filhos Arlipe Ribeiro, MundicoRibeiro, Mundico Periz, Miguel Ribeiro, Hermínia Ribeiro, Isídio Ribeiro, Ilário Ribeiro, DanielRibeiro, José Mintiba Ribeiro, esse era tio <strong>do</strong> Beja, José Ribeiro e Leonide Ribeiro; da Cachoeira vempara a Ladeira (9a. pedra); de lá vai pra Conceição (10a.); de lá pra Baixa Grande (11a.); de lá vem pracá Jerijó (12a.); de lá vai pra Santo Inácio (13a.); de lá vai prá Castelo (14a.); de lá vem pro Pavão (15a.);de lá para o Centro de Vovó (16a.); Porto <strong>do</strong>s Bois (17a.); Quiritiua (18a.); Trespucaia (19a.); Oitiua(20a.); Cajueiro perto de Oitiua (21a.); de lá vêm embora para o Bom Jardim (22a.); Janã (23a.); TerraMole (24a.); Vai-com-Deus (25a.); Engenho (26a.); Peroba de Baixo (27a.); Primirim, perto daPrainha (28a.)." (Linhares, 1999:66,67)26 A expressão encarrega<strong>do</strong>s da terra foi registrada no decorrer <strong>do</strong> trabalho de campo pericial, nãotanto para referir a feitores de escravos, mas para designar os que tinham a responsabilidade decobrança <strong>do</strong> aforamento, de medir os terrenos de cultivo, definin<strong>do</strong> os percentuais a serem recolhi<strong>do</strong>s,de estocar a produção arrecadada e de administrar as terras em virtude da ausência, seja <strong>do</strong>s fazendeiros,seja de membros das ordens religiosas. Em inúmeras situações, os que lideram a resistência aossenhores são oriun<strong>do</strong>s exatamente das famílias destes encarrega<strong>do</strong>s. O fato de exercerem uma açãomedia<strong>do</strong>ra os dispunha no centro <strong>do</strong>s antagonismos que marcavam as relações escravistas nasantigas fazendas de algodão e nos engenhos.27 Para maiores informações sobre esta revogação, leia-se "Apontamentos para a civilização <strong>do</strong>síndios bravos <strong>do</strong> Império <strong>do</strong> Brasil", elabora<strong>do</strong> por José Bonifácio de Andrada e Silva entre osanos de 1823 e 1829 (Andrada e Silva, 1993:89-149).28 Consoante entrevistas já citadas, os índios haviam <strong>do</strong>a<strong>do</strong> suas terras para os santos padroeiros.29 As discussões jurídicas sobre a condição de sesmeiros como posseiros marcaram as sessões <strong>do</strong>Sena<strong>do</strong> <strong>do</strong> Império entre 1841 e 1843. O indício que levantamos de que os fazendeiros de Alcântarase autorepresentavam enquanto posseiros atém-se à participação <strong>do</strong> sena<strong>do</strong>r Franco de Sá: "Numdebate acerca <strong>do</strong> tamanho máximo para a legitimação das posses, Franco de Sá, grande proprietárioe senhor de engenho em Alcântara no Maranhão afirmara que a Lei iria prejudicar a sua "classe deposseiros" (Carvalho,1981:39). Talvez esta assertiva confirme a hipótese de que as terras <strong>do</strong> Maranhãoseriam tomadas por posse de terras, que implicariam na ausência ou omissão de registros nos livros<strong>do</strong> perío<strong>do</strong>" (Shiraishi,1998:29).30 No decorrer <strong>do</strong> trabalho de campo, foi registra<strong>do</strong> um povoa<strong>do</strong> denomina<strong>do</strong> de "Fora Cativeiro" edevidamente localiza<strong>do</strong> na base cartográfica que acompanha esta perícia. Foram também registradasalusões à Base de Lançamento que a identificam com "cativeiro".31 No Arquivo Nacional, há abundantes registros das disputas políticas que cercaram as JuntasGovernativas na província <strong>do</strong> Maranhão.107


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 232 Cf. Arquivo Nacional - CFC. As Câmaras Municipais e a Independência. Rio de Janeiro, 1973, Vl. I,p. 21-27.33 No caso de Guimarães, a ocorrência mais conhecida refere-se às fazendas <strong>do</strong> Barão de Bagé, tal comoregistra<strong>do</strong> em O Progresso, n° 82, de 28 de abril de 1847, à pág. 3. Senão, vejamos:"Ten<strong>do</strong>-se evadi<strong>do</strong> das fazendas <strong>do</strong> Barão de Bagé <strong>do</strong> distrito de Guimarães duzentos escravos, oGoverno provincial expediu as convenientes ordens para que sejam captura<strong>do</strong>s."( g.n.)34 Nesta ordem, considerava-se juridicamente como quilombo ou mocambo "toda habitação de negrosfugi<strong>do</strong>s que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levanta<strong>do</strong>s nemse achem pilões neles" (Conselho Ultramarino, 1740 apud. Moura,1994:16). Perdigão Malheiromenciona, ademais, os seguintes dispositivos legais que instrumentalizam e asseguram a aplicaçãodeste dispositivo: Alvará de 3 de março de 1741 e Provisão de 6 de março <strong>do</strong> mesmo ano: "Erareputa<strong>do</strong> quilombo desde que se achavam reuni<strong>do</strong>s cinco escravos."(Perdigão Malheiro, 1976:50).3.1 Atente-se também para a distinção verificada por A. Cantanhede nos povoa<strong>do</strong>s de Ladeira, Iririzal eSamucangaua entre "família de preto" e "família de caboco" (Cantanhede,1998:06-09).4.1 A <strong>do</strong>cumentação <strong>do</strong> Maer fala em 21 povoa<strong>do</strong>s, mas não inclui <strong>do</strong>is outros que foram menciona<strong>do</strong>sem entrevistas no decorrer <strong>do</strong> trabalho de campo pericial. A SMH, em trabalho coordena<strong>do</strong> porL.F.Rosário Linhares(2001), arrola 31 povoa<strong>do</strong>s. Para maiores detalhes sobre os deslocamentoscompulsórios e as agrovilas, consulte-se Carvalho Martins (1994) e Fernandes (1998).2 Refiro-me mais diretamente a matrimônio entre jovens das agrovilas e <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s mais próximos aomar, onde os recursos naturais permanecem abertos e são vistos pelos mora<strong>do</strong>res das agrovilas comolugar de fartura e abundância. O matrimônio <strong>do</strong>s filhos combina<strong>do</strong> com a nova regra de residência, ouseja, "residir sempre fora das agrovilas", produz fatores adicionais de coesão entre os povoa<strong>do</strong>s, apoia<strong>do</strong>sno parentesco e na afinidade.3 A Infraero passa a atuar na implantação da base juntamente com o <strong>Ministério</strong> da Aeronáutica através<strong>do</strong> Departamento de Pesquisas e Desenvolvimento - Deped, com base em Termo de Convênio comvigência de 15 anos, firma<strong>do</strong> em 01 de novembro de 1996 (cf. Diário Oficial n.219. Brasília, 11 denovembro de 1996 Seção 3. pág.23888). Em 2001 a Infraero já se encontrava afastada de qualquerintervenção.4 Cf. "Relatório referente à preparação da população alvo da área de transferência e assentamento <strong>II</strong>I -Meta 1" Infraero/CLA. 05 de novembro de 1998. Este <strong>do</strong>cumento dá sequência às medidas dedeslocamentos compulsórios, distinguin<strong>do</strong> as chamadas "áreas de transferência" que perfazem 152famílias, daquelas de "assentamento" que afetam 103 famílias num total de 255 famílias atingidascorresponden<strong>do</strong> a 908 pessoas.108


Referências bibliográficasAGORSAH, E.K. Archaeology of Maroon Settlements in Jamaica. In: HERITAGE, M.Archaeological, ethnographic and historical perspectives. Jamaica: Canoe Press, 1994, p. 163-187.ALMEIDA, A.W.B. de. A ideologia da decadência - leitura antropológica a uma história daagricultura <strong>do</strong> Maranhão. São Luís: IPES, 1983._____. Terras de preto, terras de Santo, terras de índio - uso comum e conflito. Cadernos <strong>do</strong> NAEA,Belém, UFPA-NDEA, n. 10, p. 163-196, 1989._____. Quilombos: sematologia face a novas identidades. In: PROJETO Vida de Negro (Org.).Frechal: terra de Preto. Quilombo reconheci<strong>do</strong> como reserva extrativista. SMDH-PVN/CCN, p.11-19, 1996._____. Relatório de viagem de Alcântara. São Luís, junho de 2000.ALMEIDA, A.W.B. de et al. A economia <strong>do</strong>s pequenos produtores agrícolas e a implantação<strong>do</strong> Centro de Lançamento de Alcântara. Brasília: MIRAD, p. 21-10, 1985.ALMEIDA, A.W.B. de; MOURÃO, S.L. Questões agrárias no Maranhão contemporâneo. PesquisaAntropológica, Brasília, UnB, n. 9/10,1975.ANDRADA, e S.J.B. Projetos para o Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.AQUINO, T.V. de. Diário de campo. Pesquisa polidisciplinar Prelazia de Pinheiro. 1972. (Mimeo)ARRUDA, J.J. de A. A economia brasileira no fim da época colonial: a diversificação da produção, oganho de monopólio e a falsa euforia <strong>do</strong> Maranhão. Revista de História. São Paulo: Dept. de História– USP, p. 3-21, jul./dez. 1988.ATHAYDE, T. de. Ouro Preto ao Norte. Jornal <strong>do</strong> Brasil, 31 de agosto de 1978.BARATA, M. Formação histórica <strong>do</strong> Pará. Belém, UFPA, 1973.BARBOSA PACHECO, M.A. A questão ambiental como direito social. O caso <strong>do</strong> Relatório deImpacto Ambiental <strong>do</strong> Centro de Lançamento de Alcântara. Dissertação (Mestra<strong>do</strong>) – UniversidadeFederal <strong>do</strong> Maranhão. MPP-UFMA. 2000.


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2BARTH, F. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: LASK, T. (Org.). O guru, o inicia<strong>do</strong>r e outrasvariações antropológicas-Fredrik Barth. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria. p. 25-67, 2000.[Tradução de: De John C. Comerford]BELLO FILHO, N. B. Nota sobre a evolução recente da lavoura temporária no município deAlcântara. São Luís, agosto de 2002.BENNETT, J.W. (Ed.). The new ethnicity: perspectives from ethnology. Proceedings of The AmericanEthnological Society. General Editor: Robert F. Spencer, 1973. St. Paul. West Publishing Co. 1975.BOBBIO, N. et al. Dicionário de política. Brasília: Ed. UnB, 1995.BOURDIEU, P. A identidade e a representação. Elementos para uma reflexão crítica sobre a idéia deregião. In: O poder simbólico. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand, p. 107-161, 1989.BOURDIEU, P.; SAYAD, A. Le déracinement-la crise de l’agriculture traditionnelle enAlgérie. Paris: Les Éditions de Minuit, 1964.BOURDIEU, P.; WACQUANT, L.J.D. Réponses - pour une anthropologie réflexive. Paris: Ed.du SEUIL, 1992.CALMON, P. Franklin Dória. Barão de Loreto. Rio de Janeiro: Ed. Biblioteca <strong>do</strong> Exército, 1981.CÂMARA CASCUDO, L. da. Locuções tradicionais no Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1986.CANTANHEDE, A. Ladeira, Iririzal e Samucangaua: relatório de identificação. Cadernos de Práticade Pesquisa. São Luís, MPP-UFMA, 1998._____. São Raimun<strong>do</strong>. Relatório Antropológico. São Luís: SMDDH/PVN. 1997.CARDOSO, C.F. Escravo ou Camponês? O protocampesinato negro nas Américas. São Paulo:Ed. Brasiliense, p. 31-125, 1987.CARNEY, J.; MARIN, R.A. Aportes <strong>do</strong>s escravos na história <strong>do</strong> cultivo <strong>do</strong> arroz africano nasAméricas. Estu<strong>do</strong>s-sociedade e agricultura. Rio de Janeiro, CPDA, n. 12, p. 113-131, abr. 1999.CARREIRA, A. A companhia geral <strong>do</strong> Grão-Pará e Maranhão (O comércio monopolistaPortugal-África-Brasil na segunda metade <strong>do</strong> século XV<strong>II</strong>I). Rio de Janeiro: Companhia EditoraNacional, Instituto Nacional <strong>do</strong> Livro, 2 v. 1988.CARVALHO, J.M. de. Modernização Frustrada: a política de terras <strong>do</strong> Império.Revista Brasileira de História. São Paulo, p. 39-57, mar. 1981.CARVALHO MARTINS, C. O povoa<strong>do</strong> de Itapuaua: uma situação de terra de preto. Cadernos dePráticas de Pesquisa. São Luís, MPP-UFMA, 1998._____. Os trabalha<strong>do</strong>res rurais de cajueiro e o Centro de Lançamento de Alcântara. A açãooficial e a transformação compulsória de um campesinato de terra de uso comum emcampesinato particular. São Luís, 1994. Monografia (Graduação em Ciências Sociais) – UFMA.110


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaCHOAIRY, A.C.C. Alcântara vai para o espaço. A dinâmica da implantação <strong>do</strong> Centro deLançamento de Alcântara. São Luís: UFMA-PROIN-CS, 2000.COMERFORD, J.C. Como uma família: sociabilidade, reputações e territórios de parentesco naconstrução <strong>do</strong> sindicalismo rural na Zona da Mata de Minas Gerais. Rio de Janeiro, 2001. Tese(Doutora<strong>do</strong> em Antropologia Social) – PPGAS - Museu Nacional – UFRJ.CRUZ, E. Igrejas e sobra<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Maranhão (São Luís e Alcântara). Rio de Janeiro: Livros dePortugal, 1953.DARNTON, R. O Grande Massacre de Gatos. 2 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1996.DIAS, M.N. Fomento e mercantilismo: a Companhia Geral <strong>do</strong> Grão-Pará e Maranhão.Belém: UFPA, 2 v. 1970.ELIAS, N. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1998.ELIAS, N.; DUNNING, E. Le Spectre du Temps libre. In: Sport et civilization – la violencemaîtrisée. Paris: Fayard, p. 129-170, 1994.FALCON, F.J.C. A época pombalina – Política Econômica e Monarquia Ilustrada. São Paulo:Ed. Ática, 1982.FAORO, R. Os <strong>do</strong>nos <strong>do</strong> poder: formação <strong>do</strong> patronato político brasileiro. 13 ed. São Paulo: Globo,1988.FERNANDES, C.A. Caracterização Geral das Terras de preto no Município de Alcântara. Maranhão.Caderno de Práticas de Pesquisa. São Luís: MPP-UFMA, 1998.FOSTER, G. The diadic contract: a model for the social structure of a mexican peasant village. In:POTTER, J.M. et al. (Ed.). Peasant Society: a reader. [s.l.], p. 213-230, 1967.FOUCAULT, M. A arqueologia <strong>do</strong> saber. Rio de Janeiro: Vozes, 1972.FURTADO, C. Formação econômica <strong>do</strong> Brasil. 13 ed. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1975.FREYRE, G. Casa-grande & Senzala. 31 ed. Rio de Janeiro: Record, 1996.GALVÃO, L.C. O povoa<strong>do</strong> Baixa Grande: uma situação de terra de preto. Cadernos de Práticas dePesquisa. São Luís, MPP-UFMA, 1998.GALVÃO, E. Santos e visagens. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1955.GEERTZ, C. Form and variation in Balinese Village Structure. In: POTTER, J.M. et al. (Ed.). PeasantSociety: a reader. [s.l.], p. 255-278, 1967.GOVERNO DO ESTADO DO MARANHÃO. IPEI. Informações básicas sobre o Municípiode Alcântara. São Luís: Instituto de Pesquisas Econômico-sociais e Informática, 1972.111


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2GOULART, M. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção <strong>do</strong> tráfico. 3 ed. Rio deJaneiro: Ed. Alfa-Omega, 1975.HOBSBAWN, E.J. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Rio de Janeiro: Forense, 1983._____. Industry and empire. Penguim Books, 1969.LEFÈVRE, R.; COSTA FILHO, O. Maranhão, São Luís e Alcântara. São Paulo: Cia. Ed.Nacional, Edusp, 1971.LEITE, S. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: INL; Lisboa: Liv.Portugália, 1943.LIMA, C. de. Vida, paixão e morte da cidade de Alcântara-Maranhão. São Luis: Secma, 1998.LINHARES, L.F. <strong>do</strong> R. Terra de Preto, Terra de Santíssima: da desagregação <strong>do</strong>s engenhos àformação <strong>do</strong> campesinato e suas novas frentes de luta. Dissertação (Mestra<strong>do</strong>) – MPP-UFMA, SãoLuís, 1999.LISBOA, J.F. Obras de J. F. Lisboa. São Luís: Typ. B. de Mattos, v. I, 1864.LOPES, A. Alcântara - subsídios para a história da cidade. Rio de Janeiro: MEC/ PHAN, 1957.LOPES, R. O torrão maranhense. Rio de Janeiro: Typ. <strong>do</strong> Jornal <strong>do</strong> Comercio, 1916._____. Alcântara, uma cidade tradicional. São Luis: Fundação Cultural <strong>do</strong> Maranhão, 1977.MAIA, T.; CAMARGO, T.R. de. Velho Maranhão. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1981.MARQUES, C.A. Dicionário Histórico-geográfico da Província <strong>do</strong> Maranhão. Rio de Janeiro:Cia. Ed. Fon-Fon e Seleta, 1970.MEIRELLES, S. Alcântara na era espacial. São Luís, Cáritas, Escritório Regional SLZ, 1983.MELLO-LEITÃO, C. de. O Brasil visto pelos ingleses. São Paulo: Companhia EditoraNacional, 1937.MENDONÇA, J.N. Cenas da abolição-escravos e senhores no Parlamento e na Justiça. SãoPaulo: Ed. FP Abramo, 2001.MINTZ, S.W. From Plantations to peasantries in the Caribbean. In: Caribbean Contours. The JohnHopkins Univ. Press, p. 125-153, 1985.MONTELLO, J. A noite sobre Alcântara. Rio de Janeiro: Liv. J. Olympio Ed., 1978.MORAES, J. de. Pe. História da Companhia de Jesus na extincta Província <strong>do</strong> Maranhão ePará. Rio de Janeiro: Typ. <strong>do</strong> Commerciom de Brito & Braga, 1860.MOTA, A. da S. et al. Cripto Maranhense e seu lega<strong>do</strong>. São Paulo: Ed. Siciliano, 2001.112


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaMOURÃO SÁ, L. Sobre a classificação de entidades sobrenaturais. In: Pesquisa polidisciplinar –Prelazia de Pinheiro. Aspectos Antropológicos. São Luís: IPEI-CENPLA, v. 3, p. 13-24, 1974._____. O pão da Terra - propriedade comunal e campesinato livre na Baixada OcidentalMaranhense. Dissertação (Mestra<strong>do</strong>) – PPGAS - Museu Nacional – UFRJ. Rio de Janeiro, 1975.NUNES, P. P. Impactos da base de lançamento sobre a base de Alcântara. São Luís, setembrode 2002.O’ DWYER, E.C. Os quilombos e a prática profissional <strong>do</strong>s antropólogos. In: O’DWYER (Org.).Quilombos – identidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: FGU-ABA, p. 13-41, 2002.OLIVEIRA FILHO, J.P. de. Diário de Campo – Pesquisa polidisciplinar Prelazia de Pinheiro.1972. (Mimeo)_____. Uma etnologia <strong>do</strong>s “índios mistura<strong>do</strong>s”? Situação colonial, territorialização e fluxosculturais. Mana: estu<strong>do</strong>s de antropologia social. Rio de Janeiro: PPGAS-MN-UFRJ, n. 4/1, 1998.PALMEIRA, M.G.S. Latifundium et capitalisme au Brésil: lecture critique d’um débat. Thése de3e. cycle présentée à la Faculte des Lettres et Sciences Humaines de l’Université de Paris. 1971PAULA E SILVA, D. Francisco de. Apontamentos para a História Eclesiástica <strong>do</strong> Maranhão.Bahia, Typ. de S. Francisco, 1922.PAULA ANDRADE, M. Terra de índio identidade étnica e conflito em terra de uso comum. SãoLuís: MPP-UFMA, 1999.PEREIRA <strong>do</strong> LAGO, A.B. Estatística histórico-geográfica da Província <strong>do</strong> Maranhão. São Paulo:Ed. Siciliano, 2001. [1 ed. 1822]_____. Itinerário da Província <strong>do</strong> Maranhão. Rio de Janeiro. Revista <strong>do</strong> Instituto Histórico eGeográfico Brasileiro. Tomo 35. Parte I, p. 385-422, 1872.PRADO, R. de P.S. Rede de Solidariedade: um estu<strong>do</strong> sobre o parentesco e compadrio no interiormaranhense. In: Aspectos antropológicos – Pesquisa polidisciplinar Prelazia de Pinheiro..São Luís: IPEI, CENPLA, v. 3, p. 63-86, 1974.PRADO JUNIOR, C. Formação <strong>do</strong> Brasil Contemporâneo. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1963.PRATT, A. Frei. Notas históricas sobre as missões carmelitas no extremo Norte <strong>do</strong> Brasil(século XV<strong>II</strong>-XV<strong>II</strong>I). Recife, 1941.RAPOSO, I. Alcântara: uma das mais antigas cidades <strong>do</strong> Brasil. Cultura Política, Rio de Janeiro, v.4, n. 38, p. 248-252, 1944.RÖHRIG ASSUNÇÃO, M. Exportação, merca<strong>do</strong> interno e crises de subsistência numa provínciabrasileira: o caso <strong>do</strong> Maranhão, 1800-1860. Estu<strong>do</strong>s-Sociedade e Agricultura. Rio de Janeiro: CPDA-UFRRJ, n. 14, p. 32-71, 2000.113


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2SALMORAL, M.L. Los códigos negros de la América Española. Ed. UNESCO; Universidadede Alcalá, 1996.SHIRAISHI, J. Práticas de Pesquisa Judiciária para identificação das denominadas terras depreto nos cartórios <strong>do</strong> Maranhão. São Luís: MPP-UFMA, 1998. (Série Textos Para Discussão)_____. Inventário das leis, decretos e regulamentos de terras <strong>do</strong> Maranhão, 1850/1996.Belém: UFPA/NAEA/PLADES, 1998._____. Comunidades Negras em Alcântara – MA. Relatório de Pesquisa no 1º. Ofício daComarca de Alcântara. São Luís: GERUR/UFMA, 1998. (Mimeo)SODERO, F.P. Esboço histórico da formação <strong>do</strong> direito agrário no Brasil. Seminários, Rio de Janeiro,Instituto Jurídico Popular; FASE, n.13, 1990.SPIX, J.B. von; MARTIUS, K.F.P. von. Viagem pelo Brasil (1817-1820). 3. ed. São Paulo: Ed.Melhoramentos; IHGB/INL-MEC, v. 2, p. 244-263, 1976.TEIXEIRA SOARES. O Marquês de Pombal. Brasília: Ed. UnB, 1983. [1 ed. 1961]VELHO, O. Capitalismo autoritário e campesinato. São Paulo: Difel, 1976.VIOTTI da COSTA, E. Da senzala à colônia. São Paulo: Ed. UNESP, 1997.VIVEIROS, J. de. História <strong>do</strong> comércio <strong>do</strong> Maranhão (1612 – 1895). São Luís: A.C.M.A., 1954._____. Alcântara no seu passa<strong>do</strong> econômico, social e político. 2. ed. São Luís: Fundação Cultural<strong>do</strong> Maranhão, 1975._____. A prata de Alcântara. In: Quadros da vida Maranhense. São Luis: FCMA, p.19-22, 1978.VIVEIROS, J. de; PAIVA, A.D. Alcântara – MA. In: Enciclopédia <strong>do</strong>s Municípios Brasileiros.Rio de Janeiro, IBGE, 15 v., p. 19-34, 1959.WAGLEY, C. Amazon Town – a study of man in the tropics. New York: The Macmillan Company,1953.WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília: Ed. UnB, v. 2, 1999.WILLIAMS, E. Capitalismo e escravidão. Rio de Janeiro: Ed. Americana, 1975.WOLF, E.; MINTZ, S. Haciendas y plantaciones en Mesoamérica y Las Antilhas. Haciendas,latifundios y plantationes en América Latina. México: Siglo XXI, p. 493-530, 1975 .114


AnexosANEXO 1Fontes <strong>do</strong>cumentais e arquivísticas: transcrição de <strong>do</strong>cumentos que registram,direta ou indiretamente, quilombos em Alcântara (1702-1886)ANEXO 2Certidão referente à terra da pobrezaANEXO 3Registro fotográficoANEXO 4Calendário agrícola e extrativo


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaPara o Governa<strong>do</strong>r Geral <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><strong>do</strong> Maranhão.Sobre a prizão <strong>do</strong>s Escravos fugi<strong>do</strong>s.Fernão Carrilho, Eu El Rei vos invio muito saudar. Haven<strong>do</strong> visto a contaque me destes em Carta de seis de Maio <strong>do</strong> anno passa<strong>do</strong> em como pretendeis reedificare fazer passar o Engenho de assucar no citio de Moni, que os Gentios <strong>do</strong> Corço tinhãodestrui<strong>do</strong>, e que ten<strong>do</strong> noticia que no Certam <strong>do</strong> Rio Turiassu que estavão humasAldeas de Escravos que se tinhão levanta<strong>do</strong> a muitos annos e fugi<strong>do</strong> a seus Senhores,mandareis outo Solda<strong>do</strong>s com hum Alferes reforma<strong>do</strong> com os Indios da Aldêa <strong>do</strong>Maracú, de que resultará o aprezionarem-se cento e vinte escravos, cujas tomadiasforão de grande utilidade para se fardarem e soccorrerem os solda<strong>do</strong>s que naufragarãovin<strong>do</strong> de Pernambuco, porque se não achava naquella occaziam outro dinheiro daterra. Me apareceu extranhar-vos / como por esta o faço / mandares aprizionar estesEscravos que se achavão no Rio Turiasse, pois a noticia que fezestes desta expediçãoao Certão contra as ordens que neste particular vos havia deixa<strong>do</strong> o Governa<strong>do</strong>r eCapitão General e outro sim que obrastes muito contra a vossa obrigação, em alterardeso preço que se tinha taxa<strong>do</strong> de oito mil reis por cada escravos fugi<strong>do</strong>, e que nesteparticular as partes prejudicadas devem haver a maioria porquem direito fôr, comotambem o damno que se lhe occasionou, em se lhe não entregarem logo. Escripta emLisboa a vinte de Março de mil setecentos e <strong>do</strong>is. [sic]/ / Rey / /Livro Grosso <strong>do</strong> Maranhão. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 66 - 1ª parte.Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1948. p.212-213117


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Registro de Cartas de Data e Sesmaria passada aJoão de Carvalho SantosDom Fernan<strong>do</strong> Antonio de Noronha, <strong>do</strong> Conselho de Sua MagestadeFidellissima Tenente Coronel de Seos Exércitos, Governa<strong>do</strong>r e Capitão General dasCapitanias <strong>do</strong> Maranhão e Piauhy Ectª. Faço Saber a to<strong>do</strong>s os que esta Minha Carta deDatta e Sesmaria Virem que João de Carva / fl. 101v/ de Carvalho Santos mora<strong>do</strong>r eCaza<strong>do</strong> na Villa de Alcântara, Me reprezentou que elle não tem terras Suas próprias em quepossa lavrar com Seus Escravos, e porque tem noticia que para a parte <strong>do</strong>s Perizes daditaVilla, no Centro <strong>do</strong>s Mattos, nas partes, e Vizinhanças, onde foi o Mocambo <strong>do</strong>s =Negros fugi<strong>do</strong>s onde ultimamente deu o Capitão <strong>do</strong> Matto Lourenço Gonçalves, juntocom o Alferes Manoel Rodrigues de Oliveira, há terras devolutas; Me pedia lhe Concedecepor Datta e Sesmaria em Nome de S. Magestade na ditaa paragem, ou nas Suas Vizinhanças,onde as houver devolutas, tres legoas de terra de Compri<strong>do</strong>, e huma de largo, pegan<strong>do</strong> dastestadas <strong>do</strong> hereo [sic] que mostrar Data mais antiga a <strong>do</strong> Suplicante, que ao tempo dademarcação contestará, com a condição que faltan<strong>do</strong> no Comprimento Se lhe inteirar afalta na largura, e faltan<strong>do</strong> lhe na largura, Se lhe inteirar no Comprimento; de Sorte que nãofique o Suplicante prejudica<strong>do</strong> no seu pedi<strong>do</strong>, observan<strong>do</strong> as terras de Estillo: A queattenden<strong>do</strong>, e ao que Sobre esta matéria Responderão o Ouvi<strong>do</strong>r Juis das Sesmarias, Offciiaesda Câmara <strong>do</strong> Destricto, e resposta <strong>do</strong> Procura<strong>do</strong>r da Real Fazenda, a quem Se deu Vista,e se lhes não Ofereceo duvida alguma, e Ser em utilidade da mesma Real Fazenda, oCultivarem se as terras neste Esta<strong>do</strong>: Hey por bem Conceder lhe em Nome de Sua Magestadepor Datta, e Sesmaria, Somente duas legoas de terra de Compri<strong>do</strong>, e huma de largo, naforma, e parte que pede, com as Confrontaçoens que declara, e Condiçoens expressdas nasReaes Ordens; como tambem de Se não introduzir pelo Comprimento ou largura nasterras <strong>do</strong> hereo ou hereos [sic] que tiverem Datta mais antiga, nem entrar em qualquer lugarno pedi<strong>do</strong> delles; e com as de não fazer traspaço por meio algum em nenhum tempo. Apessoas alguma, Religião ou Commonidade Sem que primeiro de parte Ao Ouvi<strong>do</strong>r Juizdas Sesmarias para Se me fazer prezente, e ver se se deve ou não Consentir no tal traspaçosob pena de ficar nulla esta Datta, e se poder Conceder novamente a outrem, e nesta formaSe lhe passa Carta, para que o dito João de Carvalho Santos, haja, logre, e possuaas Sobreditasterras como couza Sua propria, para elle e Seos herdeiros, Ascendentes, e Descendentes,sem penção nem tributo algum mais que o Dizimo a Deos, <strong>do</strong>s frutos que nellas tiver elavrar /fl.102/ e lavrar, rezervan<strong>do</strong> os Paos Reaes que nellas houver para Embarcaçoens;com declaração que mandará Registrar esta Datta na Conta<strong>do</strong>ria da Junta da Real Fazenda,em Consequência <strong>do</strong> Alvará de 3 de Março de de 1770, com o Auto de posse das ditasterras, Requeren<strong>do</strong> depois a Confirmação a Susa Magestade, e Cultivará as ditas terras demaneira que dem frutos, e dará Caminhos públicos e particulares aonde forem necessariospara Pontes, Fontes, Portos, e Pedreiras; e haven<strong>do</strong> no Sitio pedi<strong>do</strong> Rio Navegável quenecessite de Canoa ou Barca para Se atravesar, ficará luvre de uma das margens que tocaras terras <strong>do</strong> Suplicante, meya legoa de terra para o uso público que demarcara ai tempo daposse por Rumo de Corda, e braças Craveiras, como he Estillo e S. Magestade Manda. Eoutro Sim não poderão Suceder nas ditas terras Religioens, nem pessoas Ecleziasticas pornenhum titulo que seja, e acontecen<strong>do</strong> possuilas será com o encargo de pagarem dellas Dizimos,118


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidacomo se fossem possuidas por Seculares, faltan<strong>do</strong> a qualquer destas Clauzulas se haverão asditas terras por devolutas, e Se darão a quem as denunciar, como a Mesma Senhora Ordena.Pelo que Man<strong>do</strong> ao Juis das Sesmarias, Ministros, e pessoas a que tocar, que na forma Referida,e Condiçoens expressadas, Cumprão e guardem, a qual lhe mandei passar por Mim assignada,e Sellada com o Sinete de minhas Armas, que se registrará aonde tocar, e se passou por duasvias. Dada na Cidade de S. Luis <strong>do</strong> Maranhão aos vinte e cinco dias <strong>do</strong> Mez de Abril <strong>do</strong> Anno<strong>do</strong> Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil Sete Centos e noventa e tres = JozeMaria Pereira de Castro a fiz = Eu Jozé Maria Pereira Secretario <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> por S. Mag.e a fizescrever = D. Fernan<strong>do</strong> Antonio de Noronha = Lugar <strong>do</strong> Sello = Carta de Datta e Sesmariaporq. V. Exª há por bem Conceder em Nome de S. Mag.e a João de Carvalho Santos duaslegoas de terra de Compri<strong>do</strong>, e huma de largo, nos Perizes da Vª de Santo Antonio deAlcântara, tu<strong>do</strong> como nesta Se declara = Pª V. Exª Ver =Registro de SesmariasLivro - 35, fl. 101-1021787/1794 - João de Carvalho Santos* * *Registro de huma Carta de Datta e Sesmariapassada a Jozé Alberto da Silva Leitão.Fernan<strong>do</strong> Pereira Leyte de Foyos. Comenda<strong>do</strong>r da ordem de Nosso SenhorJezus Christo, Do Conselho de S. Magestade F.ma Coronel de Cavalaria <strong>do</strong>s Seus Exercitoscom o Governo <strong>do</strong> Castello de S. Felipe da Barra de Setubal, Governa<strong>do</strong>r e CapitamGeneral <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Maranhão e etc. Faço saber aos que esta minha Carta de Datta eSesmaria virem que José Alberto da Silva Leitão Mora<strong>do</strong>r na Villa de Santo Antonio deAlcântara, me representou que elle se achava com bastante Escravatura, sem ter terraspróprias em que os aplicasse a lavoura, e porque nas testadas de huma sorte [ sic ] de terras<strong>do</strong> Capitão Manoel Ferreira <strong>do</strong>s Santos as havia devolutas: me pedia fosse servi<strong>do</strong> concederlhe em Nome de S. Magestade huma legoa de terra de compri<strong>do</strong> beira Campo <strong>do</strong> Pericumá,principian<strong>do</strong> das testadas <strong>do</strong> dito Capitam Manoel Ferreira <strong>do</strong>s Santos corren<strong>do</strong> para osLagos <strong>do</strong> Mocambo com seis legoas de fun<strong>do</strong>, inteiran<strong>do</strong> no comprimento o que saltasseno fun<strong>do</strong>, ouveste o que faltasse naquelle, com todas as pontas abas, Enseadas, e logra<strong>do</strong>urosque se achassem. A que attenden<strong>do</strong>, e ao que sobre esta materia responderão o Ouvi<strong>do</strong>rJuiz das Sesmarias, officiais da Camara <strong>do</strong> destricto que forão ouvi<strong>do</strong>s e resposta <strong>do</strong>Procura<strong>do</strong>r da Real Fazenda a quem se deu vista e se lhe não oferesseu dúvida alguma, e serem utilidade da mesma Real Fazenda o cultivarem se as terras neste Esta<strong>do</strong>: Hey por bemconceder lhe em Nome de S. Magestade por Datta, e Sesmaria a dita legoa de terra beiraCampo, com duas de fun<strong>do</strong>, na forma e parte que pede, com as confrontaçoens que119


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2declara, e condições expressadas nas Reaes ordés, e com as de não fazer traspaço por meyoalgú em nenhú tempo, a pessoa alguma, religião, ou comonide, sem que primeiro dé parteao Ouvi<strong>do</strong>r Juiz das Sesmarias, para se me fazer presente, e ver se se deve ou não consentirno tal traspaço, sob pena de ficar nulla esta Datta, e se poder conceder novamente a outrem,e nesta forma se lhe passa Carta, para que o dito José Alberto da Silva Leitão haja, logre epossua as sobreditas terras, como couza sua propria para elle, e seus herdeiros assendentes,e dessendentes, sem penção nem tributo algú mais que o dizimo a Deos <strong>do</strong>s frutos quenellas tiver, e lavrar, a qual concessão lhe faço não prejudican<strong>do</strong> a terceiro, nem a S. Magestadese nas ditas terras quiser mandar fundar alguma villa, reservan<strong>do</strong> os paus Reaes, que nellashouver para embarcaçoeus com declaração que mandarã confirmar esta Datta para S.Magestade dentro de tres annos primeiro seguintes [sic], e cultivarã as ditas terras de maneiraque dem frutos, e darã caminhos publicos, e particulares onde forem necessários, parapontes, fontes, pórtos e pedreiras, e haven<strong>do</strong> nas sobreditas terras estrada publica, que atravésse Rio Caudelloso que necessite de Barca para a sua passagem não só ficarã de ambasas margens <strong>do</strong> mesmo rio a terra que baste para o uso publico, mas tão bem de humadellas meia legoa de terra em quadra para a comodidade publica, e de quem arrendar a ditapassagem, e se demarcarã ao tempo da posse por rumo de corda e braças craveiras, comohe estillo, e S. Magestade manda: e outro sim, não poderão suceder nellas religious, que seja,e acontecen<strong>do</strong> possuillas suã com o incargo de pagarem dellas dizimos a Deos como sefossem possuidas por seculares; e faltan<strong>do</strong> a qualquer destas clauzulas se haverão as ditasterras por devolutas, e se darão a quem as denunciar, como S. Magestade ordena pello queman<strong>do</strong> ao Ouvi<strong>do</strong>r Juiz das Sesmarias, e mais Ministros a que tocar, que na forma referida,e com as condições expressadas, deixem ter e possuir as sobreditas terras ao dito JozéAlberto da Silva Leitão como couza sua propria para elle, e seus herdeiros assendentes edessendentes, cumprão e guardem esta minha Carta de Datta, e Sesmaria, tão inteiramentecomo nella se contem, a qual lhe mandei passar por mim asignada, e selada com o sinete deminhas armas, que se registrarã onde pertencem, e se passou por duas vias: dada na cidadede São Luiz <strong>do</strong> Maranhão aos vinte e seis dias <strong>do</strong> mez de fevereiro: Anno <strong>do</strong> Nascimentode Nosso Senhor Jezus Christo de mil setecentos outenta e outo: e eu Joaquim José MarquesOfficial da Secretaria deste Governa<strong>do</strong>r que interinamente sirvo de Secretario a fiz escrever"Fernan<strong>do</strong> Pereira Leyte de Foyos" lugar <strong>do</strong> sello "Carta de Datta, e Sesmaria por que V.Ex. há por bem conceder em Nome de S. Magestade a Jozé Alberto da Silva Leitão humalegoa de terra à beira campo <strong>do</strong> Pericomá com duas legoas depen<strong>do</strong> e com asconfrontaçõens, e condições nella declaradas" para a Vª. Exª ver. Fl. 6Registro de SesmariasLivro 02-1787/1794 - Jozé Alberto da Silva Leitão120Ilmo. e Exmo. Snr.* * *Estan<strong>do</strong> eu em Alcântara recebi participação <strong>do</strong> feitor desta fazenda em queme dizia haver prendi<strong>do</strong> <strong>do</strong>is negros fugi<strong>do</strong>s, que conduzião hum boi de carro, cujo <strong>do</strong>no


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidaappareceo, e delle foi entregue, e <strong>do</strong>is cavallos, que ainda existem na fazenda sem saber sea quem pertencem, apezar de estarem ferra<strong>do</strong>s; chego porem a fazenda e acho de menosos <strong>do</strong>is negros por terem fugi<strong>do</strong> <strong>do</strong> tronco, que arrombarão; participei tu<strong>do</strong> isto ao Juiz dePaz deste Districto <strong>do</strong> Carvalho pedin<strong>do</strong>-lhe providências, e fazen<strong>do</strong>-lhe saber <strong>do</strong>s attenta<strong>do</strong>sque elles tem obra<strong>do</strong>, e [?] alguns escravos, de minha confiança, para coadjuvarem a bateros matos, e a resposta que tive foi que ten<strong>do</strong> feito avisar o Comandante da Policia, e seossolda<strong>do</strong>s, estes responderão que não hião ao mato em procura de negros fugi<strong>do</strong>s porterem trabalha<strong>do</strong> hum anno inteiro sem serem pagos, cuja resposta moveo-me a mandaroito escravos da fazenda correr os matos vizinhos onde existião desconfiança, e nellesachou-se o seguinte: por detras de hum monte fronteiro a fazenda seis quilombos, poremqueima<strong>do</strong>s; defronte de Fellipe Joaquim Viegas, distante de sua morada duzentas braças oumais quatro quilombos ainda em pé, e sete buracos com coiro de ga<strong>do</strong> enterra<strong>do</strong>, e opanno para cima da terra; no Rio Grande, distante desta fazenda obra de meia legua,quatro quilombos cubertos de novo, e cinco coffos com mandioca d'água: Estes Exmo.Snr., bastante desafora<strong>do</strong>s; já forão a casa de huma mulher por nome Maria Quitéria, noTubarão, arrombarão-lhe a casa, tiran<strong>do</strong>-lhe uma escrava, e [?] em huma filha da dita mulherpara opor-se a sua ouzadia; forão a fazenda de ga<strong>do</strong> deste convento em Mucajuba, eameaçam com morte ao vaqueiro por ter reprehendi<strong>do</strong> seos desaforos em furtarem ga<strong>do</strong>para [?] forão a casa/os <strong>do</strong>is que fugirão <strong>do</strong> tronco/ de huma negra forra chamada AntoniaBaiana, e la prometterão vir a esta fazenda, e não deixaram seos cavallos; ao posto destafazenda foi hum escravo de D. Francisca Romana da Costa Leite, <strong>do</strong> número <strong>do</strong>s fugi<strong>do</strong>s,e la estava em observação, talvez para tirar o cavallo q' o feitor mandava esperar-me, enada fez por terem hi<strong>do</strong> <strong>do</strong>is escravos, hum grande, e hum pequeno; athe o mínimo quintalda casa de morada <strong>do</strong>s padres nesta fazenda foi acommeti<strong>do</strong>, depois da fugida <strong>do</strong>s <strong>do</strong>isque estavão no tronco, talvez por causa de hum cavallo que existe em huma estrebaria, masnada houve para ser defendida por cães de fila, de forma que quan<strong>do</strong> de acodio nada seachou de menos, e nem tão pouco se soube o que moveo hum allari<strong>do</strong> de cães. Eu desejavahir a respeitável presença de a V. Exª expor isto mesmo mas [?] na triste necessidade deestar nesta fazenda dan<strong>do</strong> alguma providencia a que seja [?] de algum insulto. São estesExmo. Senhor., os accontecimentos que me fazem hir perturbar o descanço de V. Exª,esperan<strong>do</strong> que a vista delles, e das sallutares determinações de V. Exª vivamos livres desemelhante flagelo que tanto nos tem persegui<strong>do</strong>. Deos guarde a Exª muitos annos. Fazendade Tammata - *Tira 3 de março de 1837.Ilmo. e Exmo. Senhor Doutor Joaquim Franco de SáVice-Presidente da Província <strong>do</strong> MaranhãoSr. Raymun<strong>do</strong> da Conceição Lemos* ItamatatiuaP.P./Ma. Ca; Lt nº 08, maço 01 - ano de 1837Arquivo Público <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Maranhão - APEM - ALA "B"121


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Ofício <strong>do</strong> Juiz de Paz de Alcântara ao Vice presidente da Província <strong>do</strong> Maranhão.Ilmo. Exmo. Senhor.Tenho li<strong>do</strong> a participação <strong>do</strong> prior <strong>do</strong>s Carmelitas d'esta cidade, que V. Exªme remeteo, e que reverte dentro d'este, tendente aos quilombos que pertubão atranquilidade publica no 5º Districto d'este termo: tenho de informar a V. Exª que aquellesquilombos são os mesmos para cuja dispersão já forão remetti<strong>do</strong>s trezentos cartuchosembala<strong>do</strong>s, vinte granadeiras, conforme a requesição <strong>do</strong> respectivo juiz de Paz.Deos Guarde a V. Exª Alcântara, 31 de março de 1837Ilmo. Exmo. Senhor Doutor Joaquim Franco de SáVice Prezidente da Província <strong>do</strong> MaranhãoAntonio Raimun<strong>do</strong> Franco de SáJuiz de Paz* * *Palácio <strong>do</strong> Governo <strong>do</strong> Maranhão11 de maio de 1866Ilmo. Senhor.Em resposta ao seu officio de 9 <strong>do</strong> comente, em que V. Sª. da parte <strong>do</strong>assassinato de Antonio Fernandes Paes, atribui<strong>do</strong> aos quilombolas de Jurucaia, tenho adizer-lhe que nesta data expeço ordem ao Encarrega<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Armazéns de artigos bélicospara que remeta ao Delega<strong>do</strong> de Polícia <strong>do</strong> Termo de Alcântara sessenta armas e <strong>do</strong>is milcartuxos embala<strong>do</strong>s para a diligência que tem de fazer o mesmo Delega<strong>do</strong> com o fim debater os referi<strong>do</strong>s quilombolas e descobrir o assassino fican<strong>do</strong> V. Sa. certo de que autorizoa despesa com come<strong>do</strong>rias e diárias, na conformidade de seu dito ofício.Deus Guarde V. Sa.Lafayette Rodrigues PereiraSenhor. Dr. Chefe de PolíciaP.P./Ma. Ca; Lt nº 08, maço 01 - ano de 1837Arquivo Público <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Maranhão - APEM - ALA "B"122* * *


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaSenhor – Para se poder pôr no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil marcas nos negros que seachassem aquilomba<strong>do</strong>s, foi V. Maj. servi<strong>do</strong>, expedir a lei de 3 de março de 1741.Representan<strong>do</strong> a V. Maj. os oficiais da Câmara desta cidade que aquela lei se devia tambémobservar neste Esta<strong>do</strong>, impon<strong>do</strong>-se as penas da dita lei estabelecidas aos escravos que seachassem em mocambos nestes distritos, foi V. Maj. servi<strong>do</strong> por resolução de 30 de maiode 1750, tomada em uma consulta <strong>do</strong> Conselho Ultramarino, ordenar que se executassetambém aqui a dita Lei, marcan<strong>do</strong>-se os escravos que se achassem nos mocambos; porém,que fôsse inteiramente a proibir e defender que os índios que fôssem apanha<strong>do</strong>s naquelesmocambos, não pudessem de sorte nenhuma ser marca<strong>do</strong>s como os pretos, comotu<strong>do</strong> consta de uma Provisão <strong>do</strong> Conselho Ultramarino, datada de 12 de maio de 1751.Esta pena que V. Maj. não foi servi<strong>do</strong> se impusesse aos índios que se achavamnaqueles Mocambos, e que ficaram indeniza<strong>do</strong>s dela pela mesma lei, a venho aqui acharpraticada como um excesso escandaloso e ímpio.É costume, na maior parte dêsses mora<strong>do</strong>res, que fugin<strong>do</strong> alguns dêstes índios,a quem êles chamam escravos, ou fazerem-lhes outro qualquer deito que a êles lhes pareça,mandarem-nos amarrar e com um ferro em brasa, ou com uma lanceta, abrirem-lhes comtiranía o nome <strong>do</strong> suposto senhor no peito, e como muitas vêzes as letras são grandes, épreciso escreverem-se duas regras, cujo tormento sofrem os miseráveis índios sem remédiohumano.Logo que vi o primeiro com êste tirano, infame e escandaloso letreiro nopeito, me fêz o horror e a impressão que devera; e queren<strong>do</strong> mandar proceder contra osuposto senhor que lho man<strong>do</strong>u pôr, achei que era morto. Entrei depois a ver tantos, einformaram-me que isto era uma coisa mui ordinária, a qual, sen<strong>do</strong> tão notória a nãoestranharam nunca, nem defenderam os governa<strong>do</strong>res ou ministros, sen<strong>do</strong>-lhes aliás presentee notório.Para que os povos se não persuadissem a que eu também dava consentimentopara se continuar êste escandaloso delito, entrei não só a estranhá-lo, mas a mandar vir àminha presença to<strong>do</strong>s aquêles índios que tem si<strong>do</strong> possível achar com os tais letreiros, esen<strong>do</strong> muitos dêles livres, se achavam em poder de seus supostos senhores, sem mais títulode escravidão que a violência com que nela eram deti<strong>do</strong>s, aos quais logo lhes mandeideclarar a liberdade.Aos outros que tinham escravidão titulada ou à parte, ou conforme o mo<strong>do</strong>da terra, legítima, mandei que se suspendesse na escravidão titulada, até pôr êste fato na realpresença de V. Maj.; por capacitar estas gentes que ainda que na verdade fôssem seusescravos aquêles índios, nunca podiam ter aquela iníqua liberdade, principalmente ten<strong>do</strong> leiexpressa que lho defenda.Não mandei ter com êles outro procedimento, porque se entrasse a devassarou a tomar outro qualquer conhecimento nesta matéria, seriam os culpa<strong>do</strong>s mui poucomenos que os mora<strong>do</strong>res, e como o dano é tão geral me pareceu, por ora, estranhá-lo eevitá-lo quanto na mesma possibilidade que se não continue, fazen<strong>do</strong> compreender a estagente o absur<strong>do</strong> que cometem.Êste costume teve princípio no indiscreto zêlo de um dêstes Cabos de Tropasque se mandavam ao sertão a resgatar ou cativar índios. Não queren<strong>do</strong> que se lhe trocassemos que pertenciam à Fazenda Real, os man<strong>do</strong>u marcar a to<strong>do</strong>s, e como êstes povos viram123


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2êste exemplo e são ignorantes em sumo gráu, entraram a imitá-lo, exceden<strong>do</strong> o quanto vaide uma marca a um nome inteiro.Como êste pernicioso costume se tinha difundi<strong>do</strong> na maior parte dêstesmora<strong>do</strong>res, e seja impossível castigar um povo inteiro, mas também não sen<strong>do</strong> justo que seconsinta que continuem a tiranizar os índios, me parecia que sen<strong>do</strong> V. Maj. servi<strong>do</strong>, mandasseaqui publicar uma lei em que defendesse que ninguém pudesse pôr semelhantes letreiros,nem ainda marcas, e que, quanto ao passa<strong>do</strong>, depois de lhes estranhar a tirania com que sehouveram, se servisse V. Maj. de lhes per<strong>do</strong>ar o crime e relevá-los da pena em que pelosditos crimes tinham incorri<strong>do</strong>; pon<strong>do</strong> em inteira liberdade os índios que se achassem comoos ditos letreiros, e ordenan<strong>do</strong> a tôda a pessoa que possuir algum <strong>do</strong>s ditos índios o venhamanifestar à Secretaria dêste Govêrno, em certo tempo que me pareceria o de quatromêses, e fin<strong>do</strong> êle, se se achar algum em cativeiro ou que não fôsse manifesta<strong>do</strong>, incorressea pessoa em cujo poder se achasse, nas penas que a V. Maj. parecerem justas em semelhantecaso. V. Maj. mandará o que fôr servi<strong>do</strong>. Pará, 16 de novembro de 1752.A Amazônia na Era Pombalina. Correspondência Inédita <strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r e Capitão-General <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Grão Pará e Maranhão Francisco Xavier de Men<strong>do</strong>nça Furta<strong>do</strong>(1751 - 1759). Org. Marcos Carneiro de Men<strong>do</strong>nça. Rio de Janeiro: Instituto Histórico eGeográfico Brasileiro, 1963, 1º Tomo, p. 304-306.* * *124"S e ç ã o I IDivisão e Esta<strong>do</strong> militar da ProvínciaToda a Província se divide em <strong>do</strong>ze distritos militares: Alcântara, Aldeias Altas(ou Caxias), Brejo, Guimarães, ilha de São Luís <strong>do</strong> Maranhão, Itapicurumirim, Iguará, Miarim,Pastos Bons, Tutóia e Viana. Cada um tem comandante geral militar responsávelimediatamente ao governa<strong>do</strong>r, e aquele o são os comandantes parciais <strong>do</strong>s distritos. Esteindispensável estabelecimento é geral por to<strong>do</strong> o Brasil, porém a sua criação na Província<strong>do</strong> Maranhão não consta; entretanto, há muitas ordens que se referem à sua existência,como o aviso de 21 de março de 1810, que manda remeter a relação <strong>do</strong>s comandantes, euma Provisão de 2 de agosto <strong>do</strong> mesmo ano, que determina "que nos distritos em quehouvessem coronéis de milícias, fossem estes os comandantes". Haven<strong>do</strong> dúvidas sobrequal era a sua autoridade, e daqui poden<strong>do</strong> resultar obstáculos ao serviço e grandes abusos,lhes foi da<strong>do</strong>, em 24 de janeiro de 1820, pelo general da Província, um regimento em quese lhes marcava a linha de suas atribuições, que consistem em policiar o distrito, evitarroubos de ga<strong>do</strong>, perseguir os negros fugi<strong>do</strong>s e fazer respeitar as autoridades civis. Comotu<strong>do</strong> que são fatos e esta<strong>do</strong> das cousas aqui pertence, não devemos omitir que, por falta deum bem combina<strong>do</strong> sistema de comandantes, até 1819 eram imensos os vadios e desertoresque, sem receio de quem os perseguisse, vagavam pelo interior da Província; os quilombos


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de Almeidade negros fugi<strong>do</strong>s eram tantos e tão grandes que, em um, no distrito de Alcântara, conheci<strong>do</strong>por quilombo <strong>do</strong>s pretos de Viveiros, existiam 14 fugi<strong>do</strong>s, ten<strong>do</strong> relações com outrosmuitos e até já entrincheira<strong>do</strong>s, que foi necessário ir tropa extingui-los; outro era na Fazendadas Mercês, composto de 17, além de muitos deles, espalha<strong>do</strong>s pelas matas, e que serviamde ponto de reunião aos que fugissem; males que são <strong>do</strong> maior estorvo à agricultura, naqual somente escravos se empregam. Multiplicavam-se impunemente os roubos de ga<strong>do</strong>,mas hoje tu<strong>do</strong> cedeu à vigilância, e a esta polícia militar". [sic]PEREIRA <strong>do</strong> LAGO, A.B. Estatística histórico-geográfica da Província <strong>do</strong> Maranhão.São Paulo: Ed. Siciliano, 2001, p. 27-28 [1 ed. 1822].* * *"( . . . )Desapparecen<strong>do</strong> esta aldêa, desde 1811 principiaram a formar-se denovo alguns quilombos, à imitação <strong>do</strong>s que existiram em éras mais remotas, e queobrigaram o governo da metrópole a expedir o alvará de 3 de Março de 1741, ondecom bastante horror ainda lemos estas disposições: "Como os negros fugi<strong>do</strong>s, que vivemem quilombos, e se chamam vulgarmente calhambolas, são aza<strong>do</strong>s a commetter muitoscrimes, logo que forem apprehendi<strong>do</strong>s nos quilombos, se lhes imprima a marca – F –com um ferro em brasa, que para isso haverá na camara. E, se na occasião de executarseesta pena fôr o escravo já acha<strong>do</strong> com a marca sobredita, se lhe cortará uma orelha,proceden<strong>do</strong>-se em tu<strong>do</strong> por simples manda<strong>do</strong> <strong>do</strong> juiz de fóra, ou <strong>do</strong> ordinario da terraou <strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong>r da comarca, sem processo algum, e só pela notoriedade <strong>do</strong> facto, logoque o escravo fôr trazi<strong>do</strong> <strong>do</strong> quilombo, e ainda antes de entrar para a cadêa."Continuemos.Organisa<strong>do</strong>s ahi esses quilombos, estenderam seus <strong>do</strong>minios àscomarcas de Alcântara e Vianna, pon<strong>do</strong> assim em risco a propriedade e segurançaindividual <strong>do</strong>s seus habitantes tornan<strong>do</strong> inaccessiveis terrenos, aliás fertilissimos e apropria<strong>do</strong>sá várias especies de cultura.Depois da perseguição e grande destruição que n'elles fez em 1853 o capitãoGuilherme Leopol<strong>do</strong> de Freitas por ordem <strong>do</strong> Dr. Eduar<strong>do</strong> Olympio Macha<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong>presidente d'esta província, viviam elles estabeleci<strong>do</strong>s em povoações mais ou menosregulares entreten<strong>do</strong> relações com os regatões ou com a gente <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>s, ouentão viven<strong>do</strong> isola<strong>do</strong>s em ranchos situa<strong>do</strong>s nas clareiras <strong>do</strong>s bosques, evitan<strong>do</strong>cautelosamente to<strong>do</strong> o contacto com a gente de fóra, e cuidan<strong>do</strong> exclusivamente<strong>do</strong>s trabalhos da agricultura.D'esta especie de paz e de ordem, quan<strong>do</strong> menos se esperava sahiram osquilombos em 8 de Julho d'esse anno, como participou o juiz de direito interino da comarcade Vianna.125


Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara - <strong>Volume</strong> 2Sentimos não apresentar este e outros <strong>do</strong>cumentos, porque não nos foipermitti<strong>do</strong> o copial-os, por serem factos recentes e ainda dependentes de decisões.Aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> os escravos fugi<strong>do</strong>s em numero de oitenta a cem o quilomboS. Benedicto <strong>do</strong> Céo, escondi<strong>do</strong> nos matos <strong>do</strong> Tury-assú, invadiram as fazendas SantaBarbara, S. Ignacio e Timbó, e a villa nova de Anadia, causan<strong>do</strong> com isto muito susto epavor, e pratican<strong>do</strong> a rapina e outros attenta<strong>do</strong>s, menos, porém, o assassinato.Chegaram estas noticias à capital já com vulto muito augmenta<strong>do</strong>, como bemse póde imaginar.Comtu<strong>do</strong> era necessario destruir a nuvem negra que ameaçava toldar os lin<strong>do</strong>shorizontes <strong>do</strong> céo maranhense.Era preciso destruir esta cruel e assusta<strong>do</strong>ra ameaça à tranquillidade publica,da qual podiam seguir-se funestissimos resulta<strong>do</strong>s.Nos dias 13 de Julho, depois de dez horas <strong>do</strong> recebimento d'estas noticias, oExm. Sr. Dr. Franklin Doria fez seguir em viagem extraordinaria um vapor da CompanhiaMaranhense de Navegação Fluvial. Levou vinte solda<strong>do</strong>s <strong>do</strong> corpo da policia para reforçaro destacamento de quarenta praças ahi existente.Deu autorisação para que alli fossem destacadas mais cem praças da guardanacional.Eleva<strong>do</strong> assim a cento e sessenta o numero de solda<strong>do</strong>s, estava crea<strong>do</strong> umbom contingente para fazer frente a esta horda de cannibaes.Não descui<strong>do</strong>u-se a presidencia de dar outras ordens, de prevenir certosacontecimentos, de traçar, para assim dizer, o plano <strong>do</strong> cerco, <strong>do</strong> ataque e da destruição<strong>do</strong>s quilombos". [sic]MARQUES, Cesar Augusto. Memória Histórica da Administração Provincial <strong>do</strong> Maranhãopelo Bacharel Franklin Américo de Menezes Doria (1867). In: Revista Trimensal <strong>do</strong>Instituto Histórico, Geográfico e Ethnográfico <strong>do</strong> Brasil. Tomo XLI. Parte Segunda.Rio de Janeiro: Typ. de Pinheiro & C., 1878, p. 5-69.126


Alfre<strong>do</strong> Wagner Berno de AlmeidaTerra da pobrezaCertidãoUsan<strong>do</strong> das atribuições que me são conferidas por Lei, certifico a requerimentoverbal de pessoa interessada que reven<strong>do</strong> o Arquivo de Cartório, <strong>do</strong> 1º Ofício ao meucargo foi encontra<strong>do</strong> um <strong>do</strong>cumento com o teor seguinte: Exmº. Sr. Dr. Juiz Municipal <strong>do</strong>Termo de Alcântara. José Manuel Azevê<strong>do</strong>, mora<strong>do</strong>r no logar Retiro, districto de São Joãode Cortes, termo desta cidade vem perante este juizo protestar contra a demarcação extrajudicial,que suas terras denominadas de – “Matto Grosso” – pretende mandar proceder ocidadão Virgilio Esterlino de Azevê<strong>do</strong> mora<strong>do</strong>r <strong>do</strong> mesmo districto o logar Canelatiua,pelos ponderosos motivos que passa a expor. Há tempos immemoriaes que o fina<strong>do</strong>Thiophilo José Barros, em uma das cláusulas de seu testamento legou à gente pobre de SãoJoão de Cortes um légua de terra quadrada, que desde então ficou denominada – “Terrada Pobreza” –, para nella se estabelecerem os pobres e suas famílias cultivarem-na, goza-lae tirarem d’ella os fructos para seu sustento e manutenção. Este trecho de terra é o em quese acham hoje situa<strong>do</strong>s os povoa<strong>do</strong>s – Retiro, Canelatiua, Araray, Uru, Uru Mirim, Rio deIgnacio e Santo Antonio, com 65 casas, habitadas por uma população pobre, a qual comsuas famílias se ocupa no serviço de pequena lavoura; sen<strong>do</strong> que alli se acham <strong>do</strong>micilia<strong>do</strong>s,vin<strong>do</strong> de seus antepassa<strong>do</strong>s, há mais de cem (100) annos. Místicas à terra da “Pobreza”jazem as denominadas de “Matto Grôsso” outrora de um Fernão Troça, já há muitofalleci<strong>do</strong> e hoje divididas em 5 quinhões, <strong>do</strong>s quais é Esterlino Azevê<strong>do</strong> possui<strong>do</strong>r de umpor compra feita a Dr. Urraca Pra<strong>do</strong>. Ora, como fica acima dito a “Terra da Pobreza” éeffectivamente habitada por gente pobre, secularmente, desde os seus maiores, sem que atéhá pouco tivessem si<strong>do</strong> perturba<strong>do</strong>s em sua posse. Desde, porém que Virgilio Esterlino deAzevê<strong>do</strong> se estabeleceu nas terras <strong>do</strong> “Matto Grosso”, que começou de fazer àquelles pacíficosvizinhos exigências dezarrazoadas e impertinentes as quaes lhe não assiste a menor partícula dedireito; e ultimamente tem ti<strong>do</strong> estulta verleidade de prohibir que o protestante roce na terraque occupa desde que nasceu sen<strong>do</strong> que já conta 52 annos de idade. E como não haja logra<strong>do</strong>a sua pretensão, tem contracta<strong>do</strong> um agrimensor para demarcar extra-judicialmente as terrasde “Matto Grosso”, como si todas estas lhe pertencessem. Como, porém o protestante tema certeza de que, com este insidioso procedimento, o protestante não visa se não esbulha-lo ea muitos mora<strong>do</strong>res da “Terra da Pobreza”, de sua posse mansa, pacífica e nunca contestada;e, outrossim, por que não concorda e sabe que nenhum mora<strong>do</strong>r acima referi<strong>do</strong> concordacom essa demarcação extrajudicial, vem perante V. Exª. contra ella protestar, e pelos prezuisosque d’ahi possam advir. E, assim protestan<strong>do</strong>, como protesta<strong>do</strong> fica, requer a V. Exª. queautoada, seja toma<strong>do</strong> por termo o presente protesto, para os effeitos legaes; intima<strong>do</strong> elle aoprotesta<strong>do</strong>. Nestes termos, pedin<strong>do</strong> que seja distribui<strong>do</strong> ao Escrivão Freire de Lemos G.R.M.Alcântara a 15 de Janeiro de 1915. José Manoel de Azevê<strong>do</strong>.Despacho: “Ao Escrivão Freire Lemos. A. Tome-se por termo, dan<strong>do</strong>-se ciencia a Virgilio Esterlino deAzevê<strong>do</strong>, Alcântara, 16 de Janeiro de 1915. Lustosa de Freitas”. Está conforme o original que me reportoe <strong>do</strong>u fé. Eu Maria Benedita Moraes Dias, Escrivã Substituta que datilografei e subscrevo.Alcântara, 16 de Outubro de 1979.127


Cynthia Martins no caminho de acesso a Brito


Exposição de fotosReunião em Ladeira


Foto: Patrícia PortelaMora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> povoa<strong>do</strong> de Peroba de CimaSr. Leonar<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Anjos ao la<strong>do</strong> de mora<strong>do</strong>res de Brito


Em diferentes situações, os quilombolas debatem o mapa da Terra <strong>do</strong>s Quilombos


Pedras de Rumo: acima, a que dista 100m das cabeceiras <strong>do</strong> igarapé Ticara; abaixo, a que separa SãoRaimun<strong>do</strong> de Timbotiua e Lajiba


Dona Cintia Sebastiana Serejo, <strong>do</strong> povoamento de Itapera, in<strong>do</strong> a Britorecarregar bateria


Sr. Samuel Araújo Morais, Presidente <strong>do</strong> STRSr. Domingos Ramos Ribeiro, <strong>do</strong> povoamento Canelatiua


Sr. Raimun<strong>do</strong> de Jesus PereiraSr. Manuel Alves de Oliveira (Manuelão), <strong>do</strong> povoa<strong>do</strong> Santa Maria


Carvão empilha<strong>do</strong> em cestos de palha aguardan<strong>do</strong>transporte para portoTecen<strong>do</strong> palha, em Santo Inácio


Girau com temperos e ervas medicinais. Povoa<strong>do</strong> de Peroba de BaixoSr. Manuel limpan<strong>do</strong> peixe pesca<strong>do</strong> de madrugada


Farinhada em São Raimun<strong>do</strong>


Casa de forno no povoa<strong>do</strong> de Jarucaia. Ao fun<strong>do</strong>, o Sr. Manuel AmaralSr. Inal<strong>do</strong> com feixe de maniva para plantio


Reunião com Sr. PedroSá Coelho e Alfre<strong>do</strong> WagnerSr. Pedro Sá com entrevista<strong>do</strong>res Aniceto Cantanhede e Patrícia Portela (acima)e Alfre<strong>do</strong> Wagner (abaixo)


Fotos das páginas 142 e 143: Aniceto Catanhede e Patrícia PortelaEquipe de trabalhoTrabalho de delimitação das “Terras de Quilombo” de Alncântara


Foto: Aniceto CatanhedeReunião em casa <strong>do</strong> Sr. Manoel Diniz

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!