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cal is grandes cenas populares, componentes do panorama do Rio de Janeirodo sbculo XVIII. Tanto na literatura quanto na historia oficial, trata-se semprede elernentos que pertencern a mesma classe dominante, que frequenternentese autodenomina povo, confirmando o circuit0 fechado em que, noBrasil, circularn produtores, consumidores e protagonistas da Historia e daLiteratura.Observarn-se, no romance, quadros superpostos. Um, ligado ao sbculoXVIII, pintado por Macedo com a 6ptica do sbculo XIX e que se poderiachamar de pequeno - realista; outro, a ser delineado por nos, agora, em finsdo sbculo XX. Embora a inten~go expllcita do autor seja colocar o enredo areboque do documento historico, a trama urdida vai ocupando espaqo taldentro da obra que o interesse pela cr6nica passa a um piano secunddrio.Confira-se corn a seguinte passagem: "Enquanto n6io chegam os compradoresde lirn6es-de-cheiro que as meninas despacharam, matarei o tempo conversandosobre a entrudo" (Mm, p.85).Desta forrna, escrever uma cr6nica historica, que se revelou, a princlpio,como objetivo principal do livro, passa a ser elemento ornamental, conversapara "rnatar o tempo", mostrando que as inten~bes do historiador seriarnapenas urn v6u que encobre o romancista. Na verdade, os elementosobjetivos da crbnica historica percorrem a narrativa,surgindo aqui e ali, apenasarmando urn cendrio que complemente as informa~bes necessdrias 3cornpreens50 da intriga. Quando esta se resolve, o.livro termina em forma dedocurnentdrio, rnerarnente citando fatos e datas de forma resumida, nk rornanceada.E o pr6prio narrador diz: "Mais tarde me ernpenharei em escrevera hist6ria ou romance desses arnores". Logo, para Macedo, hist6riae romance se equivalern, e o dado real 6 apenas o piparote inicial queengendra todos os elementos fabulados. Mais uma vez, isto se sncontradescrito na obra, metalingiiisticamente: "(. . .) e os fatos, comentados e exagerados,tomaram proporqBes romanescas" (Mm, p. 210).0 entrecho obedece a uma marcago temporal que se vincula ao prop6sitode circunscrever, no espaco do romance, a cr6nica das festas popularese tradi@es f)urninenses do sbculo XVIII. Mais ainda, vai-se tecendo umatrarna onde o qalendhrio de comemora$es populares, regidas por festejossobretudo religiosos, vai sendo invadido por um elemento perturbador,ameaqador de estruturas: o desejo. Cabe a pergunta: tais festas organizariama forty desejante da coletividade ou viria o desejo desconcertar o instituido,provocando urn turbilhb anhrquico dificilmente controlavel?Por incrivel que pareqa, a ficqb de Macedo possibilita a discussb dessasquest6es. Entretanto, n5o de forrna evidente; caberd A critica a formaiizaHode quest6es diluidas ao longo da obra. Eis, alihs, sua possivel vitalidade:tratar de ternas que muitas vezes so o olhar de outra dpoca pode explicitare colocar em relevo. Ou melhor: que s6 o olhar de outra Bpoca constr6i.
A ja velha historia da recriagb da obra pela leitura critica; da sua reescritura~ elo leitor. 0 novo olhar do leitor vai, asslm, engendrando questSes que otexto jb trabalhava, de forma diluida, por sua propria formaliza~i50. Paradoxalmente:a leitura produziria indagaq6es num texto que jai as traria, na"o emlathcia, mas como elemento organizador da narrativa. No caso de As Mulheresde Mantilha, de que maneira a rnarca~a"~ temporal do entrecho ultrapassa as exigbncias convencionais da verossimilhan~a, apontando para umainvestiga~b sobre a relaqiio instituivb,vida coletiva e desejo, esse elementovital, desagregador e anArquico.0 romance de Macedo se inicia numa "daquelas noites excepcionais""de folgan~a e alegria" - "a de 5 de janeiro, a noite da vespera do dia dosReis ou das cantatas dos Reis, que alias se repetem animadas na noite seguinte"(cap. I). Cabe assinalar, de inicio, o privil6gio concedido B noite comomomento que se dissemina ao longo de toda a narrativa, remetendo a umaassocia~b, alias bem a gosto romdntico, noite/desejo/sexualidade. A narrativaabrese, entzo, com as festas populares da noite de Reis, que arrematamas do Natal. Tem inicio um ciclo de festejos religiosos que, partindo da foliade Reis, detem-se na origem do carnaval - o entrudo -, estendendo-se estedltimo do capitulo XIII, domingo, ao capitulo XXXVIII, noite de ter~a-feira,ate chegar B serra~b da velha, no vigesimo dia de quaresma, que corresponde,"em todo o mundo catolico", "B suspensa"~ de penitgncia, e como deferias dadas pela lgreja aos jejuns e aos austeros preceitos" religiosos (cap.XLV). 0 romance ainda se fecha no dia 19 de marqo, festa ja entgo decunho civico, que coincide, no entanto, com o dia de SZo Jose, e em que acidade acorda "ao ribombo das salvas de artitharia das fortalezas embandeiradas"(cap. LI I I ).Embora aparentemente Macedo apenas recubra, assim, os momentosem que a vida social fluminense do seculo XVlll estaria melhor caracterizada,cabe ressaltar de que forma o entrecho se apressa entre as festas, paradistender-se nesses periodos de exce~b, em que acontecem as peripbciasprincipais. 0 entrudo, alihs, atravessa quase metade da narrativa (25 dos 49capitulos), revelando, de forma niio muito evidente numa primeira leitura,que 60 esses momentos de "ferias" em que a lgreja suspende as rigorosasnormas de penithncia que v b atrair o olhar curioso do autor. Como se a vida,que o romance deseja flagrar, acontecesse, em sua efervescencia, apenasnesses intervalos. Com efeito a sexualidade urde suas peripkcias nos intervalosda austeridade. Como sempre, o dembnio saltimbanco, mascarado, faz dassuas nos momentos em que a ordem - a lgreja e o Estado - suspende temporariamentesuas interdi~8es. provando, por outro lado, que n b ha vida- mesmo a mais austera e familiar - sem desejo, e que este brota, qua1 ervadaninha, aqui e ali, pelo meio, nas festas, pelas frestas da ordem e das manti-Ihas.
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