Fênix – Revista de História e Estu<strong>do</strong>s CulturaisMaio/ Junho/ Julho/ Agosto de 2010 Vol. 7 Ano VII nº 2ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br12lugar, a proteção eter<strong>na</strong> <strong>da</strong>s famílias <strong>da</strong>s alu<strong>na</strong>s, em uma espécie de escambo que amoe<strong>da</strong> parece ape<strong>na</strong>s complementar.SAINDO DA SOMBRA ─ A IMPRENSA FEMININA DA SEGUNDA METADEDO SÉCULO XIXO século XIX foi palco de grandes transformações sociais, políticas e culturais<strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira, e são inúmeros os estu<strong>do</strong>s sobre o papel <strong>da</strong> <strong>imprensa</strong> comopartícipe ativa nessas mu<strong>da</strong>nças. Fala-se <strong>na</strong> <strong>imprensa</strong> <strong>da</strong> Independência a partir de 1820,quan<strong>do</strong> se dá a passagem de um espaço público marca<strong>do</strong> pelas formas de comunicaçãotípicas <strong>do</strong>s Antigos Regimes, <strong>da</strong>s gazetas, pregões, exibição de cartazes <strong>na</strong>s ruas,leituras coletivas, para um espaço público onde se consoli<strong>da</strong>vam debates por meio <strong>da</strong><strong>imprensa</strong>.A partir de 1840, começa a prevalecer o conceito de opinião públicaidentifica<strong>da</strong> à vontade <strong>da</strong> maioria 21 .A conexão entre jor<strong>na</strong>lismo e literatura se acentua. Buscava-se uma identi<strong>da</strong>de<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, descola<strong>da</strong> <strong>da</strong> portuguesa: era o perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> Romantismo. A influência <strong>do</strong>sescritores cresceu por meio <strong>do</strong>s folhetins, e os jor<strong>na</strong>is e revistas estavam ca<strong>da</strong> vez maispresentes <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas letra<strong>da</strong>s. Temia-se o fim <strong>do</strong> livro. Muitas vezes, apublicação de uma obra sob a forma de livro dependia de seu sucesso como folhetim.Diversas obras de relevância <strong>na</strong> literatura brasileira foram escritas para folhetins: OGuarani, A viuvinha, de José de Alencar, Memórias de um sargento de milícias deJoaquim Manuel de Mace<strong>do</strong>. Macha<strong>do</strong> de Assis teve Quincas Borba, A mão e a luva eIaiá Garcia publica<strong>do</strong>s em folhetim, ten<strong>do</strong>, ao longo de sua carreira, colabora<strong>do</strong>simultaneamente em diversos jor<strong>na</strong>is, inclusive o Jor<strong>na</strong>l <strong>da</strong>s Famílias, de largo públicofeminino 22 .A partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1870, as ideias republica<strong>na</strong>s conquistavam a <strong>imprensa</strong> e ofluxo <strong>do</strong>s acontecimentos propicia o surgimento de inúmeros jor<strong>na</strong>is. A <strong>imprensa</strong> eraprincipalmente abolicionista e republica<strong>na</strong> e o que se fazia era combater a pretensasacrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s instituições: <strong>da</strong> escravidão, <strong>da</strong> mo<strong>na</strong>rquia, <strong>do</strong> latifúndio 23 .212223MOREL, Marco; BARROS, Maria<strong>na</strong> Monteiro de. Palavra, imagem e poder – o surgimento <strong>da</strong><strong>imprensa</strong> no Brasil <strong>do</strong> século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.Ibid.SODRÉ, Nelson Werneck. História <strong>da</strong> <strong>imprensa</strong> no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.
Fênix – Revista de História e Estu<strong>do</strong>s CulturaisMaio/ Junho/ Julho/ Agosto de 2010 Vol. 7 Ano VII nº 2ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br13Talvez por esta razão, a fecun<strong>da</strong> <strong>imprensa</strong> <strong>do</strong> fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> século XIX sejafrequentemente aponta<strong>da</strong> como partícipe ativa <strong>na</strong> construção de uma nova identi<strong>da</strong>de<strong>femini<strong>na</strong></strong>, até então construí<strong>da</strong> com referência ao <strong>do</strong>mínio familiar e <strong>do</strong>méstico e <strong>na</strong>visão <strong>da</strong> materni<strong>da</strong>de enquanto uma função biológica 24 . No fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> século XIX,acompanhan<strong>do</strong> as tendências européias, surge no Brasil a <strong>imprensa</strong> <strong>femini<strong>na</strong></strong>,i<strong>na</strong>uguran<strong>do</strong> um novo espaço de expressão para a palavra <strong>femini<strong>na</strong></strong>.Era forte a vinculação entre os periódicos femininos e a literatura. Váriosjor<strong>na</strong>is e revistas foram publica<strong>do</strong>s por associações literárias <strong>femini<strong>na</strong></strong>s, abrin<strong>do</strong>-seentão para as mulheres um espaço no mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> literatura, antes ocupa<strong>do</strong> quase queexclusivamente por homens 25 . Além <strong>da</strong> literatura, a mo<strong>da</strong> também tinha papelsignificativo <strong>na</strong> <strong>imprensa</strong> <strong>femini<strong>na</strong></strong>. As colecio<strong>na</strong><strong>do</strong>ras ansiavam pelas publicações quetraziam, além <strong>do</strong> noticiário cultural, a continuação <strong>do</strong>s romances li<strong>do</strong>s em série e aúltima mo<strong>da</strong> de Paris.Delineava-se a identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mulher urba<strong>na</strong>, burguesa, instruí<strong>da</strong>, que passava aexpressar o desejo de atuar mais decidi<strong>da</strong>mente no seu meio. Os jor<strong>na</strong>is projetavam umamulher percebi<strong>da</strong> à luz <strong>do</strong>s discursos que construíam a sua subjetivi<strong>da</strong>de <strong>na</strong> ordem <strong>do</strong>priva<strong>do</strong>. Muitos periódicos tinham a forma de diários, memórias e escritos íntimos,gêneros discursivos femininos comuns <strong>na</strong> época que, juntamente com os figurinos,receitas culinárias, moldes de trabalhos manuais, contos, folhetins, tentavam normatizara conduta <strong>femini<strong>na</strong></strong> em seu novo papel de esposa-mãe-<strong>do</strong><strong>na</strong> de casa. A nova identi<strong>da</strong>de<strong>femini<strong>na</strong></strong> calca<strong>da</strong> <strong>na</strong> valorização <strong>da</strong> materni<strong>da</strong>de, <strong>do</strong> cui<strong>da</strong><strong>do</strong> com o mari<strong>do</strong> e os filhos,era construí<strong>da</strong> a partir <strong>do</strong> discurso de médicos, higienistas, moralistas, pe<strong>da</strong>gogos 26 . Ofragmento de uma matéria <strong>do</strong> jor<strong>na</strong>l A Família, de 1889, é ilustrativo:Da alegria <strong>da</strong> mesa depende a alegria <strong>do</strong> lar; <strong>da</strong> economia de to<strong>do</strong>s osinstantes depende o bom-humor <strong>da</strong>s festas de família; <strong>da</strong> elegância eprimoroso asseio <strong>da</strong> mulher depende a ternura inesgotável <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>;242526Cf. BICALHO, M. Fer<strong>na</strong>n<strong>da</strong> Baptista. O bello sexo: <strong>imprensa</strong> e identi<strong>da</strong>de <strong>femini<strong>na</strong></strong> no Rio de Janeiroem fins <strong>do</strong> século XIX e início <strong>do</strong> século XX. In: COSTA, Alberti<strong>na</strong> de O.; BRUSCHINI, Cristi<strong>na</strong>(orgs.). Rebeldia e submissão – estu<strong>do</strong>s sobre condição <strong>femini<strong>na</strong></strong>. São Paulo: Vértice, 1989;SOIHET, Rachel. Condição <strong>femini<strong>na</strong></strong> e formas de violência ─ mulheres pobres e ordem urba<strong>na</strong>. Riode Janeiro: Forense Universitária, 1989; FERREIRA, Lucia M. A. A escrita de si <strong>na</strong> <strong>imprensa</strong> –exemplos <strong>da</strong> fala <strong>femini<strong>na</strong></strong> <strong>na</strong> <strong>imprensa</strong> <strong>do</strong> século XIX. In: MARIANI, Bethânia (Org.). A escrita e osescritos: reflexões em análise <strong>do</strong> discurso e psicanálise. São Carlos: Claraluz, 2006.BUITONI, Dulcília Schroeder. Imprensa <strong>femini<strong>na</strong></strong>. São Paulo: Ática, 1990.Cf. TADDEI; TURACK; FERREIRA. Imagens <strong>da</strong> mulher <strong>na</strong> literatura e <strong>na</strong> <strong>imprensa</strong> no Brasiloitocentista. Caderno Espaço Feminino. Uberlândia, v. 18, n. 2, p. 311-24, 2007.