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A etnografia ao serviço do currículo - Universidade da Madeira

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Foi o tal olhar etnográfico, conquista<strong>do</strong> a partir de muito diálogo com os encarrega<strong>do</strong>sde educação (as mães principalmente), forja<strong>do</strong> na análise <strong>do</strong>s incidentes críticosocorri<strong>do</strong>s na Escola, que levou aqueles professores a se interessarem mais pela chama<strong>da</strong>“cultura popular” <strong>da</strong>queles alunos. Não estávamos, de facto, a li<strong>da</strong>r com minoriasculturalmente mais estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>do</strong> ponto de vista etnográfico, como as minorias étnicas,raciais ou religiosas. Estávamos a li<strong>da</strong>r com a<strong>do</strong>lescentes de famílias bastantenumerosas, com carências habitacionais e problemas sociais graves, a quem a culturaescolar pouco ou na<strong>da</strong> dizia.Como estabelecer então a relação entre essa cultura popular e a pe<strong>da</strong>gogia na sala deaula? Segun<strong>do</strong> H. Giroux e R. Simon, “a cultura popular é organiza<strong>da</strong> em torno <strong>do</strong>prazer e <strong>da</strong> diversão, enquanto a pe<strong>da</strong>gogia é defini<strong>da</strong> principalmente em termosinstrumentais. A cultura popular situa-se no terreno <strong>do</strong> quotidiano, <strong>ao</strong> passo que ape<strong>da</strong>gogia geralmente legitima e transmite a linguagem, os códigos e os valores <strong>da</strong>cultura <strong>do</strong>minante. A cultura popular é apropria<strong>da</strong> pelos alunos e aju<strong>da</strong> a vali<strong>da</strong>r suasvozes e experiências, enquanto a pe<strong>da</strong>gogia vali<strong>da</strong> as vozes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> adulto, bemcomo o mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s professores e administra<strong>do</strong>res <strong>da</strong>s escolas.” (p. 96). Ao tentaremexplicitar um pouco melhor, dizem estes autores que “ela (cultura popular) é vista comoo banal e o insignificante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> quotidiana, e, geralmente é uma forma de gostopopular considera<strong>da</strong> indigna de legitimação académica ou alto prestígio social.” (p. 97).Foi com esse olhar etnográfico que os professores <strong>do</strong> Projecto passaram a deixar deencarar a cultura popular <strong>do</strong>s seus alunos como um terreno marginal e perigoso e aescola passou a ser outra. Clarifiquemos: se o 2º ciclo visa, como sabemos, “habilitar osalunos a assimilar e interpretar crítica e criativamente a informação”, etc., etc. por quenão procurar atingir esse objectivo com a exploração de um artigo de um jornaldesportivo, <strong>do</strong> próprio dia, por exemplo? Sem fazer aqui publici<strong>da</strong>de, julgo que não émuito difícil pensar-se num ou <strong>do</strong>is <strong>do</strong>s mais li<strong>do</strong>s, que não fosse mera fotocópia, masexemplar autêntico a ser distribuí<strong>do</strong> para ca<strong>da</strong> aluno… Não conseguiríamos nós queestes alunos aprendessem, <strong>da</strong> mesma forma, a pensar, a raciocinar, a argumentar, acontra-argumentar e a se expressar correctamente?Foi esse olhar etnográfico que descobriu que grande parte <strong>da</strong> população <strong>do</strong> meio deorigem desses alunos enchia o chama<strong>do</strong> “peão” <strong>do</strong> Estádio <strong>do</strong>s Barreiros, para assistir<strong>ao</strong>s desafios de futebol em que o Marítimo participava. A possibili<strong>da</strong>de de os mesmosassistirem gratuitamente <strong>ao</strong>s grandes jogos <strong>da</strong> 1ª Liga, <strong>da</strong><strong>da</strong> a abertura <strong>do</strong> clube <strong>ao</strong>Projecto, aproximou-os muito mais <strong>do</strong>s professores que os acompanhavam nessasdeslocações. Envergan<strong>do</strong> calças de ganga e sapatilhas, contrariamente <strong>ao</strong> dia-a-dia <strong>da</strong>Escola, estes professores acabavam por se sentir mais próximos <strong>do</strong>s gostos,necessi<strong>da</strong>des e interesses que constituíam os universos simbólicos <strong>do</strong>s seus alunos.Porque, como diz P. Woods, “para os compreender, é necessário atravessar as suasfronteiras e observá-los <strong>do</strong> interior”. (1990. 67).Foi-se ain<strong>da</strong> mais longe: a sensibilização <strong>do</strong> clube, enquanto força viva <strong>da</strong> terra, para aco-responsabilização pe<strong>da</strong>gógica na formação <strong>da</strong>s pessoas, abriu a possibili<strong>da</strong>de dessesalunos participarem igualmente num treino com os seus í<strong>do</strong>los, profissionais <strong>do</strong> futebole respectivo treina<strong>do</strong>r, deles receben<strong>do</strong> directamente mensagens positivas relativamentea regras a serem respeita<strong>da</strong>s, “quer em situação de parceiros, quer em situação deadversários”, habitualmente trata<strong>da</strong>s no âmbito <strong>da</strong> disciplina de Educação Física.Muitas outras experiências meto<strong>do</strong>lógicas poderiam aqui ser descritas. Mas, no fun<strong>do</strong>, oque preten<strong>do</strong> salientar é que o olhar etnográfico permitiu chegar <strong>ao</strong> conhecimento <strong>do</strong>quotidiano <strong>da</strong>queles alunos, basea<strong>do</strong> no sensório, no afecto, no imediato e no concreto.8

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