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o discurso de joão pinheiro da silva - UFMG

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traria repercussões no pensamento econômico <strong>de</strong> João Pinheiro, criando oureforçando suas convicções.O retorno ao cenário estadual se dá no Congresso Agrícola, Comercial eIndustrial <strong>de</strong> 1903, do qual foi o presi<strong>de</strong>nte a pedido e por <strong>de</strong>signação do Presi<strong>de</strong>ntedo Estado <strong>de</strong> Minas, Francisco Salles. Logo após, candi<strong>da</strong>ta-se (1905) ao SenadoFe<strong>de</strong>ral (vaga extemporânea <strong>de</strong>vido ao falecimento do Senador Carlos Vaz <strong>de</strong>Mello). Já como Senador <strong>da</strong> República, tem seu nome indicado, pelo PartidoRepublicano Mineiro – PRM – à Presidência do Estado, eleito toma posse para operíodo 1906-1910, no entanto, não termina seu man<strong>da</strong>to, vindo a falecer em 25 <strong>de</strong>outubro <strong>de</strong> 1908.2. FORMAÇÃOApós a morte <strong>de</strong> seu pai, João Pinheiro ingressou no seminário, mas largouem segui<strong>da</strong> para estu<strong>da</strong>r na Escola <strong>de</strong> Minas <strong>de</strong> Ouro Preto. Não chegou acompletar seu curso, mas o freqüentou por dois anos (abandonou o curso antes <strong>da</strong>matrícula no terceiro), tendo <strong>de</strong>sistido por convicção ou receio do <strong>de</strong>semprego 9 ,<strong>de</strong>vido às poucas perspectivas para os egressos <strong>da</strong> escola. Com a aju<strong>da</strong> do irmão e<strong>da</strong> mãe, mudou-se para São Paulo para estu<strong>da</strong>r Direito na Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito doLargo <strong>de</strong> São Francisco.Apesar <strong>de</strong> ser advogado formado e atuante em seus anos profissionaisiniciais, João Pinheiro sofreu gran<strong>de</strong> influência <strong>de</strong> sua passagem pela Escola <strong>de</strong>Minas <strong>de</strong> Ouro Preto. No entanto sua formação estaria marca<strong>da</strong> pelo positivismo 10 ,idéia então “muito em voga, no Brasil e no mundo, sobretudo entre os jovensestu<strong>da</strong>ntes dos cursos superiores” 11 e por uma racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> técnica. Muitas são asreferências à necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> aumento <strong>da</strong> ampliação <strong>da</strong> base material comosustentáculo <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>; <strong>da</strong> necessária organização e racionalização <strong>da</strong> produçãoe, principalmente, aumento <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Esta sendo baixa, seria a causa maior<strong>da</strong> pobreza <strong>de</strong> Minas e do Brasil.Chega mesmo a criticar (apesar <strong>de</strong> ser um <strong>de</strong>les 12 ) o bacharelismo no Brasil.Alega que as esperanças <strong>da</strong>s famílias em formar seus filhos com educação eprofissão liberal (como advocacia) acabam por prejudicar o país e os próprios filhos,pois não contribuem para aumentar a riqueza material do Brasil. Assim, como ariqueza não aumenta, os próprios bacharéis serão colocados em situação difícil, <strong>de</strong>proletários intelectuais. Basicamente a questão é, não havendo expansão <strong>da</strong> base9 “(...)incerteza do futuro <strong>de</strong> tal Eschola, e o exemplo <strong>de</strong> estarem todos os ahi formados, com poucaexcepção, <strong>de</strong>sempregados (...)”. Carta <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1883, en<strong>de</strong>reça<strong>da</strong> ao tio Luís AntônioPinto. APM doc. nº 21, 1883, 10 <strong>de</strong> fevereiro, p. 2, caixa 2.10 Os trabalhos sobre João Pinheiro relacionados com política ou à questão religiosa aprofun<strong>da</strong>m aquestão do positivismo, para uma apresentação sobre este aspecto, ver LINS, Ivan Monteiro <strong>de</strong>Barros. João <strong>pinheiro</strong>, sua formação filosófica e seus i<strong>de</strong>ais humanos, sociais e políticos. BeloHorizonte: S.ed., 1966.11 “Idéias cientificistas que, na época, estavam muito liga<strong>da</strong>s às simpatias pelo regime republicano,consi<strong>de</strong>rado mais ‘evoluído e progressista’, além <strong>de</strong> mais americano”. GOMES, Ângela <strong>de</strong> Castro.Memória, política e tradição familiar: os Pinheiro <strong>da</strong>s Minas Gerais. In: ______ (org). Minas e osfun<strong>da</strong>mentos do Brasil Mo<strong>de</strong>rno. Belo Horizonte: <strong>UFMG</strong>, 2005, p. 83.12 E veta lei que restringia o mercado para advogados formados... alegando cerceamento <strong>da</strong>liber<strong>da</strong><strong>de</strong> profissional e captura do Estado por uma classe profissional. Razões do Veto a proposição<strong>de</strong> Lei N. 40, <strong>de</strong> 31/07/107). BARBOSA, Francisco <strong>de</strong> Assis (org). Idéias Políticas <strong>de</strong> João Pinheiro:cronologias. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa <strong>de</strong> Rui Barbosa (MEC), 1980, p.311. Contra o “bacharelismo’,chega a criticar até mesmo engenheiros, alguns dos quais, para ele, sem o <strong>de</strong>vido espírito prático e<strong>de</strong> iniciativa. RACHE, Pedro. Homens <strong>de</strong> Minas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olynpio, 1947, apresentamdiversos exemplos e “causos” à respeito.3


material e <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a ren<strong>da</strong> a ser dividi<strong>da</strong>/apropria<strong>da</strong> será necessariamentemenor; resulta disto o empreguismo e a <strong>de</strong>pendência do Estado. 133. ABANDONO DA POLÍTICAO abandono <strong>da</strong> política no âmbito estadual já apresentara alguns prenúnciosou antece<strong>de</strong>ntes. João Pinheiro já renunciara, em 1889, a uma candi<strong>da</strong>tura a<strong>de</strong>putado provincial (Carta ao 8º. Distrito) 14 , ao Governo do Estado e a reeleiçãocomo Deputado Fe<strong>de</strong>ral. Isto <strong>de</strong>monstrara certa dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> ou falta <strong>de</strong> disposiçãoem cumprir <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s obrigações cobra<strong>da</strong>s pelo jogo político tradicional.Quando João Pinheiro renunciou ao primeiro man<strong>da</strong>to ao Governo do Estado,em 23/07/1890, divulgou sua explicação para o episódio, que se encontra naExposição <strong>de</strong> Motivos ao <strong>de</strong>ixar o Governo do Estado, <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1890 15 . Avisão, então predominante, do ocorrido relacionava-se ao fato do Governo Provisório<strong>da</strong> República, cujo Ministro <strong>da</strong> Instrução Pública, General Benjamin Constant, ternomeado o Sr. Gorceix para diretor-Efetivo <strong>da</strong> Escola <strong>de</strong> Minas <strong>de</strong> Ouro Preto,quando João Pinheiro pretendia indicar outro nome, ou ter a <strong>de</strong>cisão sobre asnomeações. Ele minimiza o fato em si, mas <strong>de</strong>staca que:Em resumo, o inci<strong>de</strong>nte que <strong>de</strong>terminou o meu pedido <strong>de</strong>exoneração, é em si insignificantíssimo; mas envolvia para mim, umprincipio <strong>da</strong> mais alta significação, qual é o <strong>da</strong> autonomia absolutados governadores, na<strong>da</strong> se <strong>de</strong>vendo fazer no Estado, sem audienciados mesmos. 16Grave também era a repercussão que o fato provocará:Entretanto, chamado ao Rio e ja pelo que aqui verifiquei, o tal grupoaproveitando do inci<strong>de</strong>nte avançava na intriga e por fim, o queestava em questão era a política que eu fazia. Percebendo isto,insisti terminantemente no meu pedido <strong>de</strong> exoneração (Grifosnossos). 17A política a que João Pinheiro se referia era a “política <strong>de</strong> conciliação”, “(...)conciliação <strong>de</strong> todos os interesses, fazendo o chamamento <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as forçascapazes <strong>de</strong> auxilio na consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Republica, sem exclusão, como sem odios”13 Que po<strong>de</strong> ser analisa<strong>da</strong> com base na teoria do rent seeking. Em Nali <strong>de</strong> Jesus <strong>de</strong> Souza,Desenvolvimento econômico, São Paulo, Atlas. 1997), há um resumo <strong>de</strong>sta teoria.14 Circular aos eleitores do 8º. Distrito, publicado em O Movimento <strong>de</strong> 05/10/1889. (BARBOSA,Francisco <strong>de</strong> Assis (org). Idéias Políticas <strong>de</strong> João Pinheiro: cronologias. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa <strong>de</strong> RuiBarbosa (MEC), 1980, p.95). Nesta circular pe<strong>de</strong> que seu nome fosse substituído, abandonando suacandi<strong>da</strong>tura a eleição provincial.15 Publicado em O Movimento, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1890. Ano II, Ed n. 84, p.2.16 O Movimento, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1890, Ano II, Ed n. 84, p.217 O Movimento, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1890, Ano II, Ed n. 84, p.2.Outro objetivo, também exposto no mesmo documento era a:“(...)discor<strong>da</strong>ncia com o projecto <strong>da</strong> constituição em ponto que reputo capital. Refiro-me á questãoreligiosa e a exclusão injustissima dos clérigos <strong>da</strong> nossa comunhão politica”. Embora fosse partidáriodo Estado Laico e <strong>da</strong> clara separação <strong>da</strong> igreja e do Estado. Este assunto tem relevância na análisedo pensamento <strong>de</strong> João Pinheiro, mas não em nossa discussão, <strong>de</strong> cunho mais econômico. Arenúncia ao governo permitiria que manifestasse suas opiniões <strong>de</strong> maneira mais livre.4


18 . Sua renúncia viria garantir a manutenção <strong>de</strong>sta visão, e a indicação <strong>de</strong> BiasFortes para sucedê-lo, sua execução.Após esta renúncia, elege-se Deputado Fe<strong>de</strong>ral Constituinte, e faz parte <strong>da</strong>comissão sistematizadora <strong>da</strong> Carta Republicana; Comissão dos 21. Promulga<strong>da</strong> aConstituição em 1891, seu interesse pela política começa a diminuir. A isto tambémse alia seu posicionamento político frente aos conflitos do momento, provocadospela renúncia do Marechal Deodoro <strong>da</strong> Fonseca (23/11/1891) e ascensão doMarechal Floriano Peixoto, sem convocar novas eleições. Os mesmos episódioslevaram a renuncia do Governador Cesário Alvim. 19A <strong>de</strong>silusão com a política tradicional avança. A política <strong>de</strong> conciliação volta aser questiona<strong>da</strong>. Embora aparentemente tentando, não <strong>da</strong>va para conciliar todos osinteresses, isto acabou culminando com renúncia a candi<strong>da</strong>tura a reeleição aDeputado Fe<strong>de</strong>ral, conforme expôs em Carta a Gama Cerqueira, <strong>de</strong> 06 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>1894 20 .Ao passo em que se <strong>de</strong>siludia com a política, crescia o interesse pelaativi<strong>da</strong><strong>de</strong> empresarial, que levaria a fun<strong>da</strong>ção (ain<strong>da</strong> como Deputado) <strong>da</strong> CerâmicaCaeté, em 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1893. 21 Os estudos para a criação <strong>da</strong> cerâmica já haviamcomeçado em pelo menos 1891 22 , quando João Pinheiro man<strong>da</strong>rá analisar o barro<strong>de</strong> sua chácara Tinoco (adquiri<strong>da</strong> em 1892), naquele município, para on<strong>de</strong> semu<strong>da</strong>ria com sua família em 1894.Essa experiência como produtor iria reforçar os argumentos e convicções <strong>de</strong>João Pinheiro em relação à importância do protecionismo e <strong>da</strong> ativa participação doEstado na economia.4. A EXPERIÊNCIA EMPRESARIAL E ALGUNS REFLEXOS EM SEUPENSAMENTO POLÍTICO-ECONÔMICO.Profissionalmente, João Pinheiro atuou como professor, advogado e político.Sua vi<strong>da</strong> empresarial está intimamente liga<strong>da</strong> à Caeté, on<strong>de</strong> adquiriu a Chácara doTinoco e fundou a Cerâmica Nacional; esta é sua experiência mais conheci<strong>da</strong>. Suasativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s lá <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s também estão liga<strong>da</strong>s a produção agropecuária, pois ao18 O Movimento, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1890, Ano II, Ed n. 84, p.2. Nesta conciliação seriam aceitos nogoverno todos aqueles com competência e experiência, mesmo ex-monarquistas (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> queaceitassem o novo regime).19 17 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1892 (renúncia <strong>de</strong> Cesário Alvim). Ambos ficaram ao lado <strong>da</strong> posição doMarechal Deodoro.20 Carta aberta (<strong>de</strong> 06 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1894) publica<strong>da</strong> em O País, Rio <strong>de</strong> janeiro, 12/01/1894. Carta aEduardo Ernesto <strong>da</strong> Gama Cerqueira, em que João Pinheiro comunica a <strong>de</strong>cisão irrevogável <strong>de</strong>retirar sua candi<strong>da</strong>tura a <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral (reeleição) e anuncia seu retraimento político. (BARBOSA,Francisco <strong>de</strong> Assis (org). Idéias Políticas <strong>de</strong> João Pinheiro: cronologias. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa <strong>de</strong> RuiBarbosa (MEC), 1980, pp.145-6). No APM há disponível o manuscrito <strong>da</strong> carta, Doc n. 1257, ano1894, 21 <strong>de</strong> janeiro. 12 páginas, caixa 9.21 Ata <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Cerâmica Nacional <strong>de</strong> Caeté. SENNA, Caio Nelson. João Pinheiro <strong>da</strong> Silva,sua vi<strong>da</strong>, sua obra, seo exemplo. 1860 a 1908. sl. se. 1941, p.54.22 “1892 fevereiro 17 – Cesário Alvim renuncia ao governo <strong>de</strong> Minas Gerais (2º. Período). É quandoJoão Pinheiro começa a se afastar <strong>da</strong> política, abandonando praticamente a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> parlamentar,com <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral. Em 1891, já pensava <strong>de</strong>dicar-se as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s industriais, iniciando os estudospara o estabelecimento <strong>da</strong> Cerâmica <strong>de</strong> Caeté, o que se efetivará em 1892.” BARBOSA, Francisco<strong>de</strong> Assis (org). Idéias Políticas <strong>de</strong> João Pinheiro: cronologias. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Casa <strong>de</strong> Rui Barbosa(MEC), 1980, p. 19.No documento Memorial João Pinheiro informa que os estudos iniciaram em 1891 (SENNA,Caio Nelson. João Pinheiro <strong>da</strong> Silva, sua vi<strong>da</strong>, sua obra, seo exemplo. 1860 a 1908. sl. se. 1941, p.137).5


longo dos tempos adquiriu novas terras, vizinhas à chácara, a cerâmica e nasredon<strong>de</strong>zas.Assim, além <strong>de</strong> uma questão familiar (Caeté era a terra <strong>de</strong> sua famíliamaterna), percebemos uma conexão entre a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> surgi<strong>da</strong> com a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>se criar uma nova capital, toma<strong>da</strong> em 1891, quando se dão os inícios dos estudos<strong>da</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do barro para produção <strong>de</strong> cerâmica, e a opção por Belo Horizonte(1893), mesmo ano <strong>da</strong> ata <strong>de</strong> criação <strong>da</strong> cerâmica (sua efetivação seria em 1894).Em um Memorial 23 apresentado ao Banco <strong>da</strong> República (Rio <strong>de</strong> janeiro, 08 <strong>de</strong>Agosto <strong>de</strong> 1903), quando <strong>de</strong> uma tentativa <strong>de</strong> empréstimo 24 , aponta os produtos,mercados, técnicas <strong>de</strong> fabricação e insumos utilizados pela Cerâmica. Destaca seusprincipais mercados, que eram Belo Horizonte, governos <strong>de</strong> Minas Gerais e outrosestados (Rio <strong>de</strong> Janeiro e São Paulo). Destaca, ain<strong>da</strong>, que matéria-prima,combustível e mão-<strong>de</strong>-obra são nacionais. Dois problemas são apontados peloMemorial: estrangeiros não pagam impostos e o mercado interno oscila muito,principalmente pela linha <strong>de</strong> produção ser relaciona<strong>da</strong> com obras públicas.Posteriormente, quanto volta à cena política estadual, suas experiências evivências no meio empresarial serão utiliza<strong>da</strong>s como referencial. Um episódio po<strong>de</strong>ser apresentado como ilustrativo; em carta a Calógeras, <strong>de</strong> 25/2/1905, logo após olançamento <strong>da</strong> candi<strong>da</strong>tura ao Senado, ele aponta que:Esta política é um gran<strong>de</strong> mal para minha fabrica; (...) está quasetudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo d. minha direcção pessoal (...). Entretanto há <strong>de</strong>parecer um paradoxo que seja a fabrica que me empurra com maisviolencia para a ingratidão <strong>da</strong> lucta parti<strong>da</strong>ria. Por que? Muitosimples. Fazer industria nova, produsir, custa sacrificios inauditos, e,ain<strong>da</strong> há dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> superior a todos estas: - é a d. ven<strong>de</strong>r amercadoria feita. Ah! Meu caro amigo, nunca plantaste batatas! Caíuma vez nessa asneira, cultivei uma quarta d. chão, obtive colheitaestupen<strong>da</strong>, remiti-a núns balaios e fui pessoalmente ao Rio <strong>de</strong>Janeiro, ven<strong>de</strong>r os meus formosos turbeculos (salvo seja)! É ain<strong>da</strong>com odio, que me lembro <strong>da</strong> peregrinação humilhante, <strong>de</strong> portuguesem portugues, batateiros d. profissão e como o cérebro tambémentufado d. batatas e me disseram <strong>de</strong>saforos e me não quiseramcomprar minha lin<strong>da</strong> mercadoria e offereceram um preço vil e afinalme obrigaram a entregar a colheita quasi <strong>da</strong><strong>da</strong>. (...) E oprotecionismo nasceu como a solução salvadora dos quetrabalham dos que querem aproveitar as nossas terras <strong>de</strong>sertas eos nossos braços <strong>de</strong>socupados, dos que sendo donos <strong>de</strong> seu paiz<strong>de</strong>vem também ser senhores do seu mercado, e, para ven<strong>de</strong>rtubos foi a mesma lucta para ven<strong>de</strong>r a louça será a mesmahumilhação e d. novo ver agora claramente como o plantador <strong>de</strong>batatas e fazedor d. panelas foi empurrado para a lucta ingrata <strong>da</strong>politica. (grifos nossos) 25 .Nesta citação percebe-se o afloramento <strong>de</strong> uma consciência <strong>de</strong> classe; a dosprodutores, com a qual João Pinheiro se i<strong>de</strong>ntifica, e busca, a partir <strong>da</strong>í, (o que po<strong>de</strong>ser percebido em suas falas quando retorna ao Governo) uma nova política, a23 SENNA, Caio Nelson. João Pinheiro <strong>da</strong> Silva, sua vi<strong>da</strong>, sua obra, seo exemplo. 1860 a 1908. sl. se.1941, p. 134-138.24 Aparentemente mal sucedido, haja vista empréstimo junto ao Banco <strong>de</strong> Crédito Real <strong>de</strong> MinasGerais, do qual o mesmo SENNA, p.129, apresenta transcrição <strong>da</strong> escritura <strong>de</strong> hipoteca (1904).25 Carta a Calógeras. APM doc. n. 1620, 25 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1905, p. 8, caixa 12.6


política útil, a <strong>da</strong> produção. João Pinheiro propagava, então, uma distinção entreformas <strong>de</strong> se fazer política:Ha politica esteril e ha politica fecun<strong>da</strong>. Ha politica inútil eperniciosa, a <strong>da</strong>s pessoas, e ha politica eleva<strong>da</strong> e nobre, a <strong>da</strong>sidéias e dos princípios, para o fim positivo do benefício dopovo. (...) Mas, e as luctas pessoaes? e as luctas <strong>da</strong>s vai<strong>da</strong><strong>de</strong>s?substituamos as competencias sem objectivo pela emulaçãofecun<strong>da</strong> do trabalho. Cumpre que o criador e o industrial maisintelligentes possam ver o seu mérito reconhecido e proclamado nasexposições regionaes, e os premios <strong>de</strong> emulação virão manter umpleito <strong>de</strong> vai<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas vai<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> utili<strong>da</strong><strong>de</strong> real para o que lucta,e para o que testemunha essa lucta, tirando <strong>de</strong>lla ensinamentos(grifos nossos) 26 .Enxergava ele, outro tipo <strong>de</strong> disputa no econômico e nas feiras em quepropagava, como disse na Primeira Exposição Geral do Estado:O que se observa não é, absolutamente não é, o rumor triste esombrio <strong>da</strong>s luctas politicas pessoaes, que enxovalham oscontendores e o proprio meio em que se <strong>de</strong>senvolvem. (...) Teriarealizado um dos meus mais ar<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> republicano,approximando a administração sempre e ca<strong>da</strong> vez mais dosinteresses do povo, procurando que se diga que a Republica é aescola dos <strong>de</strong>sejos vãos; porque <strong>de</strong>ve, ao contrario, ser a pratica<strong>da</strong>s reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s uteis 27 .Quando, em carta <strong>de</strong> 26/03/1905, explicava seu retorno à política após oCongresso Agrícola, Industrial e Comercial <strong>de</strong> 1903, reclamava <strong>da</strong> ausência <strong>de</strong>empresários (produtores) na política, dizia então: “(...) as classes conservadoras secompõe <strong>de</strong> homens ocupados; feitas as reuniões, ca<strong>da</strong> um vai para sua casa e ospolitiqueiros continuam na sua profissão; serenamente, como se a coisa na<strong>da</strong>tivesse <strong>de</strong> vêr com êles” 28 .5. O RETORNO À POLÍTICAEfetivamente, João Pinheiro nunca abandonou a política propriamente dita,mas sim os cargos públicos no âmbito estadual e fe<strong>de</strong>ral. Continuou atuando comoconselheiro e interessado. Seu Arquivo Privado, hoje no Arquivo Público Mineiro,contem várias correspondências políticas do período (embora gra<strong>da</strong>tivamente tenhapredominado as relativas à cerâmica). Quando <strong>de</strong> seu retorno à cena políticaestadual e nacional, refere-se àquela época, (afastamento) como uma sem inimigosou adversários, estando fora <strong>da</strong> disputa direta, os <strong>de</strong>mais não o viam como umcontendor em potencial.Neste período também atuou diretamente no município <strong>de</strong> Caeté, on<strong>de</strong> foiVereador e Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Câmara (01//11/1899) e, portanto, seu Agente Executivo26 Minas Geraes, edição 22/09/1907. Anno XVI n. 224, p. 6. Resumo do pronunciamento <strong>de</strong> JoãoPinheiro no Congresso <strong>da</strong>s Municipali<strong>da</strong><strong>de</strong>s no Norte (Diamantina).27 Discurso pronunciado no jantar oferecido aos criadores que concorreram à Exposição <strong>de</strong> Animais,em Belo Horizonte, a 28/2/1908. Minas Geraes, n. 53. Bello Horizonte, 29 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1908. Caixa31, ca<strong>de</strong>rno n.3, doc n. 67, página 58.28 Correspondência <strong>de</strong> João Pinheiro. Doc n. 1626, ano 1905, 26 <strong>de</strong> março, p. 4, caixa 12. (APM).7


(cargo equivalente ao <strong>de</strong> prefeito atualmente). Assim, chamar este período <strong>de</strong> exíliovoluntário, como é comum, é certo exagero.Já como Governador, João Pinheiro refere-se a sua experiência empresarialcomo cre<strong>de</strong>nciais para reforçar e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seus argumentos nos congressos <strong>da</strong>smunicipali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, on<strong>de</strong> se coloca como representante <strong>da</strong>s classes produtoras nopo<strong>de</strong>r. O jornal Minas Gerais sintetiza o pronunciamento <strong>de</strong> João Pinheiro naabertura do Congresso <strong>da</strong>s Municipali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> Mata, quando falava <strong>da</strong> crise docafé:Os esforços do governo e dos particulares se <strong>de</strong>viam concentrar nasduas últimas faces 29 ; para isso, eram precisos fé, esforços edinheiro. A fé e a confiança <strong>de</strong>via resultar do fato <strong>de</strong> estar elle alli,Presi<strong>de</strong>nte do Estado, directo representante <strong>da</strong>s classesproductoras, sabendo por experiencia propria os sofrimentos e asamarguras do trabalho nacional; tinha vindo pessoalmente paraaffirmar aos senhores productores que não era por preoccupações<strong>da</strong> triste política parti<strong>da</strong>ria que se tinha movido, mas para auxiliar areconstrucção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> econômica <strong>da</strong> Matta que estava presidindoaquelle congresso (grifos nossos). 30No mesmo documento aponta que os particulares:... tem o direito <strong>de</strong> esperar que a palavra do governo sejaacredita<strong>da</strong>. Não é um político, não veiu para o governo com finspolíticos. Veiu do trabalho austero e custoso e sabe, com os quemais o saibam, como os que mais tenha soffrido, em que consistemas difficul<strong>da</strong><strong>de</strong>s do trabalho directo do productor, todos ostropeços que o atormentam e embaraçam. Fala, pois comsinceri<strong>da</strong><strong>de</strong>, promette com a firme intenção <strong>de</strong> cumprir (...) (grifosnossos). 31A mesma i<strong>de</strong>ntificação faz quando <strong>da</strong> Primeira Exposição Geral do Estado:Em 1903, quando o governo do meu illustre antecessor, convocandoas classe productora, as interessou directamente na gestão <strong>da</strong>scousas publicas, tinha-se <strong>da</strong>do o primeiro passar para atransformação rapi<strong>da</strong> e intensa que felizmente se vae operando emnossa terra, nas sua vi<strong>da</strong> economica, social e politica.Collaborador 32 do Congresso Agricola e Industrial <strong>da</strong>quelle anno,a acção do meu governo tem procurado ser-lhe fiel, quando emcondições <strong>de</strong> realizar o que, então, como productores, nosjulgamos no direito <strong>de</strong> pedir. 3329 Distingue três fases <strong>da</strong> crise do café e medi<strong>da</strong>s para sua solução <strong>de</strong>ste, o Congresso Agrícola <strong>de</strong>1903, a saber: produção, beneficiamento industrial e colocação mercantil do produto.30 Jornal Minas Geraes, edição 14-15/10/ 190, ano XVI, n. 242, p. 4.31 Jornal Minas Geraes, edição 18/10/ 1907, ano XVI n. 245, p. 5.32 João Pinheiro teria sido mais que colaborador, seria o i<strong>de</strong>alizador e indicado pelo Presi<strong>de</strong>nte doEstado para presidir o Congresso. SENNA, Caio Nelson. João Pinheiro <strong>da</strong> Silva, sua vi<strong>da</strong>, sua obra,seo exemplo. 1860 a 1908. sl. se. 1941, p. 116-117.33 Discurso pronunciado no jantar oferecido aos criadores que concorreram à Exposição <strong>de</strong> Animais,em Belo Horizonte, a 28/2/1908. Minas Geraes, n. 53. Bello Horizonte, 29 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1908. Caixa31, ca<strong>de</strong>rno n.3, doc n. 67, página 58.8


Na Segun<strong>da</strong> (e última) Mensagem ao Congresso Mineiro dizia: “(...) tem-sebuscado interessar directamente as classes conservadores na vi<strong>da</strong> publica” 34 .Coloca-se assim não só como um representante direto, mas um estimulador <strong>de</strong> umamaior participação dos produtores na efetiva vi<strong>da</strong> política.6. A QUESTÃO ECONÔMICA NO DISCURSO DE JOÃO PINHEIROA questão econômica vai ganhando relevância no <strong>discurso</strong> <strong>de</strong> João Pinheiro,quando este se candi<strong>da</strong>ta ao Senado <strong>da</strong> República. Dá sua visão sobre aspriori<strong>da</strong><strong>de</strong>s a serem abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos governos e faz uma retrospectiva dosprimeiros anos <strong>da</strong> República (fase ditatorial, na qual foi governador):(...) tinha eu a firme convicção <strong>de</strong> que o primordial <strong>de</strong>ver dosgovernos em paizes novos é antes <strong>de</strong> tudo, cui<strong>da</strong>r do serprogresso material e do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> suas riquezas.Entretanto, no mar alto <strong>da</strong>s paixões revoltas <strong>de</strong>sses proximos dias<strong>da</strong> revolução, na tormenta ensur<strong>de</strong>cedora <strong>de</strong> ambições (...) eratalvez, prematuro esse pensamento <strong>de</strong> organizar o trabalhosystematico e remunerador, e, por isso, o esforço <strong>de</strong>spendido em talsentido constituiu nota frouxa e perdi<strong>da</strong> em meio <strong>da</strong> geral eempolgante <strong>de</strong>sorientação dos espiritos. A iniciativa, porém, dogovernador dictatorial era legitima e justifica<strong>da</strong>. A propagan<strong>da</strong>republicana incriminára a monarchia pela lentidão com que fizeracaminhar o paiz, evi<strong>de</strong>ntemente empobrecido e sequioso <strong>de</strong>progresso correspon<strong>de</strong>nte ás suas extraordinárias riquezasnaturaes. A libertação do escravo trouxera, no ponto <strong>de</strong> vistaeconomico, seria perturbação, e sentia-se que sua substituição pelotrabalho livre não tinha sido convenientemente prepara<strong>da</strong>. Parecia,pois, que a preoccupação economica <strong>de</strong>vera ser, <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as quese agitavam, a questão capital a estu<strong>da</strong>r e solver. Assim não foi.Aos programmas sem sinceri<strong>da</strong><strong>de</strong>, na monarchia, succe<strong>de</strong>ramos partidos sem programma, na Republica; a conquista dopo<strong>de</strong>r, antes como <strong>de</strong>pois, foi o ponto culminante <strong>de</strong> extremaçãopartidária, na mais <strong>de</strong>smoralizadora <strong>da</strong>s pugnas, a <strong>da</strong> baixapoliticagem, constituindo mesmo uma industria, - a <strong>de</strong> viver doorçamento. E por isto, passados quinze annos <strong>de</strong> regimenrepublicano, verifica-se que, com a mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> fórma <strong>de</strong> governo,apenas <strong>de</strong> nome se mudou, continuando, talvez aggrava<strong>da</strong> amesma situação economica e social do paiz (...). Soou enfim ahora <strong>da</strong> acção (Grifos nossos) 35 .O problema econômico é por ele apresentado como o novo, como a pauta domomento, e é explicitado <strong>de</strong> maneira objetiva no lançamento <strong>de</strong> candi<strong>da</strong>tura àpresidência <strong>de</strong> Minas em 1906:O problema economico brasileiro não é, conseguintemente, comomuitos pensam, uma <strong>de</strong>stas idéias políticas passageiras, (...)Correspon<strong>de</strong> á solução <strong>de</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s afflitivas, á ancia <strong>de</strong>34 Segun<strong>da</strong> Mensagem ao Congresso Mineiro. 15/06/1908. APM – Mensagens dos Presi<strong>de</strong>ntes,microfilme (rolo 2). Mensagem dirigi<strong>da</strong> pelo presi<strong>de</strong>nte do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais, Dr. João Pinheiro<strong>da</strong> Silva ao Congresso Mineiro. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais, 1908,p. 54.35 Manifesto Candi<strong>da</strong>tura ao Senado. Minas Geraes, anno XIV, n. 21, p. 6, 25/01/1905 (Hemeroteca).9


progresso, tendo sido posto, para ser resolvido, pelas propriascondições actuais <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> nacional 36 .O mesmo assunto volta em sua Primeira Mensagem, explicitando que oproblema é a baixa produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (insuficiente produção quando compara<strong>da</strong> àpopulação e aos recursos disponíveis):Na insuficciente producção em um territorio vasto, producçãoabsolutamente <strong>de</strong>sproporcional com a sua população, está acausa patente <strong>de</strong> todos estes males, oprimentes e numerosos(...). Os remedios apontados não são os do empirismo incertoe neam as aventuras <strong>de</strong> experiencias novas, senão o caminhodo trabalho, esclarecido pela sciencia, e amplamenteilluminado pelo exemplo <strong>de</strong> outros povos (...) 37 .Chegara a hora <strong>da</strong> ação, para João Pinheiro uma nova etapa histórica estavaem an<strong>da</strong>mento (uma época positiva) 38 . Em seu pronunciamento durante almoço comautori<strong>da</strong><strong>de</strong>s constante <strong>da</strong> programação <strong>de</strong> sua à posse Presidência <strong>de</strong> Minas,firmava que:A ca<strong>da</strong> época correspon<strong>de</strong>m sempre, na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, os orgãoselevados que a representam e personificam. Seja me permitido,lembrando o problema economico brasileiro, que domina edominará d’ora avante a política do paiz, (...). São as própriasclasses conservadoras, que amassam e constroem a riquezanacional, que se organisam para erigil-a. (grifos nossos) 39 .Como representante <strong>de</strong>stas classes e <strong>de</strong>stas idéias, ele pôs o seu governo.Quando <strong>da</strong>s comemorações <strong>de</strong> um ano <strong>de</strong> seu man<strong>da</strong>to, em 1908, apresentou umasíntese <strong>de</strong> suas preocupações (e realizações):Ao coração patriota, entretanto, um contraste amargo afligia – o<strong>de</strong>sequilibrio assombroso <strong>da</strong> riqueza moral do povo e <strong>da</strong> suapenuria material, ain<strong>da</strong> mais afflictiva pela absoluta <strong>de</strong>sproporçãoentre os recursos naturaes existentes e a sua effetiva utilização. Oproblema material <strong>da</strong> reorganização do trabalho, do augmento <strong>da</strong>producção nacional, <strong>da</strong> <strong>de</strong>fesa dos nossos mercados, <strong>da</strong> acçãocommercial externa pelo brasileiro, <strong>da</strong> colonização do solo <strong>de</strong>serto,36 Ao Povo Mineiro, Manifesto-programa, 12/02/1906, Minas Geraes, ano XV, n. 37, p.1, 12-13/02/1906.37Primeira Mensagem ao Congresso Mineiro. (1907). Belo Horizonte, 15/07/1907. APM –Mensagens dos Presi<strong>de</strong>ntes 15/06/1908, microfilme (rolo 2). Mensagem dirigi<strong>da</strong> pelo presi<strong>de</strong>nte doEstado <strong>de</strong> Minas Geraes, Dr. João Pinheiro <strong>da</strong> Silva ao Congresso Mineiro. Bello Horizonte: ImprensaOfficial do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, 1907, p. 55-56.38 João Pinheiro usa esta idéia com freqüência, por exemplo: “(...) além do puro prazer intellectual,forças positivas governando a actuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, e elementos po<strong>de</strong>rosos sustentando o presente e dirigindoo futuro (...)”. A Missão do Historiador. Discurso inauguração do Instituto Histórico e Geográfico <strong>de</strong>Minas Gerais. Belo Horizonte, 15/8/1907. Minas Geraes, ano XVI, n. 191, p.7, 16/08/1907, (emboraaqui falando <strong>da</strong> Justiça). Aqui transparece a idéia <strong>de</strong> História enquanto etapas ou fases a seremcumpri<strong>da</strong>s, ou seja, a ca<strong>da</strong> qual cabe uma tarefa específica.39 Minas e a Fe<strong>de</strong>ração. Discurso almoço no Palácio <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong><strong>de</strong> em 8/9/1906. O Puritano (jornal),ano III, n. 28, Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do Pomba, 16 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1906, caixa 32, ca<strong>de</strong>rno n.2, p. 58/ n. 79(Hemeroteca).10


todo um conjuncto <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s que os scepticos <strong>de</strong> todo o tempojulgaram impossiveis, como impossivel julgaram a rapi<strong>da</strong> evoluçãopolitica que effectuamos – o problema economico brasileiro, foiposto <strong>de</strong>pois do problema politico, para como este ser tambemefficazmente resolvido. (grifos nossos). No trabalho <strong>de</strong> producção,combater a rotina con<strong>de</strong>mna<strong>da</strong>; no comercio, as tutelas in<strong>de</strong>vi<strong>da</strong>s;mostrando no primeiro caso como se pratica o trabalho mo<strong>de</strong>rno; eno segundo facilitando a acção directa do productor para collocação<strong>da</strong> mercadoria; o credito facilitado; as iniciativas particularesestimula<strong>da</strong>s e premia<strong>da</strong>s; o ensino pratico estatuido esystematizado; a emulação estabeleci<strong>da</strong> nos concursos geraes eregionaes: - taes foram, <strong>de</strong> um modo geral, os intuitos quepresidiram a elaboração <strong>da</strong>s leis novas, visando a organização donosso progresso material.(...) A intervenção do governo eranecessaria; a intervenção do governo está sendo <strong>de</strong>cisiva. (...) Étrabalhoso, mas é o unico caminho seguro e <strong>de</strong>finitivo. Não está nosnossos habitos, mas é necessario que venha a estar; para que<strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> collocar os <strong>de</strong>stinos em mãos alheias possamos sersenhores dos proprios <strong>de</strong>stinos. To<strong>da</strong>s estas idéias, to<strong>da</strong>s estasmedi<strong>da</strong>s, to<strong>da</strong> esta linha alta <strong>de</strong> preoccupações, a terra mineira temvisto, por parte dos que elegeu, serem trata<strong>da</strong>s, sem baixapreoccupação parti<strong>da</strong>ria, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> pessoas, visando autili<strong>da</strong><strong>de</strong> geral (...) 40 .Para ele, o econômico era o “terreno util e fecundo dos progressos reais”,enquanto o jogo tradicional era “a lucta aviltante <strong>da</strong> politica <strong>da</strong>s personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s” 41 .Seu governo procuraria, em seu entendimento, <strong>da</strong>r novos rumos à Minas e àpolítica.O protecionismoAin<strong>da</strong> em seu primeiro governo, 1890, João Pinheiro já havia mostradopreocupação com a proteção à indústria (entendido o termo como produção) mineirae nacional. Na exposição <strong>de</strong> motivos para melhor regulamentar impostos e taxasafirma:consi<strong>de</strong>rando que está sendo tributado um gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong>generos produzidos por industrias ain<strong>da</strong> nascentes, que por isso<strong>de</strong>vem merecer todo auxilio do governo para que seus productospossam concorrer nos mercados com os similares <strong>de</strong> outrasproce<strong>de</strong>ências, on<strong>de</strong> a respectiva induústria já se acha em pleno<strong>de</strong>senvolvimento 42 .Para promover o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>stas indústrias, aprofun<strong>da</strong>-se ca<strong>da</strong> vez mais aidéia <strong>de</strong> protecionismo.No encerramento do Congresso Agrícola, Comercial e Industrial <strong>de</strong> 1903,reitera suas convicções, do potencial <strong>de</strong> Minas Gerais e <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>40 O Po<strong>de</strong>r Legislativo e o Regime Republicano. Discurso pronunciado no Palácio <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, porocasião do primeiro aniversário do seu governo. Belo Horizonte, 7/9/1907. Minas Geraes, n. 211.Bello Horizonte 8-9 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1907. APM, caixa 32, ca<strong>de</strong>rno n. 3, doc. n. 39, p. 28.41 Primeira Mensagem ao Congresso Mineiro, 1907, p. 37.42 Cobrança <strong>de</strong> Imposto <strong>de</strong> Exportação. Decreto n. 82, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1890. Dá instrucções para acobrança <strong>de</strong> impostos <strong>de</strong> exportação, p. 114 – 143. Collecção dos Decretos do Governo Provisório doEstado <strong>de</strong> Minas Geraes: expedidos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1889 a 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1890. BelloHorizonte: Imprensa Official, 1903.11


protecionismo (uma tônica do congresso): “(...) importação do que não temosquerido produzir (...) con<strong>de</strong>nados em nome <strong>de</strong> uma liber<strong>da</strong><strong>de</strong> comercial absur<strong>da</strong> asermos um povo pobre no seio <strong>da</strong> mais rica <strong>da</strong>s pátrias” 43 .Protecionismo, para João Pinheiro, não era um dogma, mas umaoportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> a ser aproveita<strong>da</strong> em prol do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> Minas e do país. Ele<strong>de</strong>veria ser estabelecido quando a indústria nacional tivesse condições <strong>de</strong> suprir a<strong>de</strong>man<strong>da</strong> satisfeita com produtos importados, até que a produção nacional pu<strong>de</strong>ssecompetir em condições <strong>de</strong> igual<strong>da</strong><strong>de</strong> (ou vantajosas) com a estrangeira:(...) o proteccionismo para mim, não <strong>de</strong>ve ser um facto permanente.Eu sou proteccionista “ad tempora”. Penso que a industria <strong>de</strong>ve serprotegi<strong>da</strong> <strong>de</strong>cidi<strong>da</strong>mente, mas como um facto transitório, emquantonão está apparelha<strong>da</strong> para luctar com a concurrencia fos maisfortes. (...) mas no nosso caso actual, a ausencia <strong>da</strong> protecção nãoseria liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, seria um <strong>de</strong>lícto; é como se <strong>de</strong>ssem a uma criança aliber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ir luctar com um athleta. A liber<strong>da</strong><strong>de</strong> industrial só sepó<strong>de</strong> praticar em relativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> condições: aqui a protecção é umanecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, ain<strong>da</strong> que temporaria. Na Inglaterra eu serialivre-cambista. No dia em que estivermos apparelhados para luctar,sim; até ahi, a protecção não é ao industrial, é a nossain<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia economica, é ao nosso trabalho 44 .Questionado pelo repórter <strong>de</strong> O Paíz, na época <strong>de</strong> sua posse (1906), se oprotecionismo não seria um benefício a um indivíduo e que isto pesaria contra oconsumidor, João Pinheiro <strong>de</strong>ixa claro que o protecionismo visa o interesse do País:(...) To<strong>da</strong> industria nova começa naturalmente pelo esforço e pelainiciativa <strong>de</strong> um ou <strong>de</strong> poucos; uma industria em que seestabelecesse simultaneamente um gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong> industriaes,seria uma industria feita, está claro. E a que carece mais <strong>da</strong>protecção é justamente a que mais tem <strong>de</strong> enfrentar dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s(...). A questão é que a industria fique; o exemplo do exito incitaoutros e ella se nacionaliza. (...) Depois, proteger uma industria nãoé proteger um individuo, é proteger tudo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o operario, oempregado <strong>de</strong> administração, o caixeiro-viajante, todos os que tiramdirectamente <strong>de</strong>lla um provento, que mais difficilmente teriam se ellanão existisse, como to<strong>da</strong>s as activi<strong>da</strong><strong>de</strong> que se ligam indirectamentea ella, até o proprio commercio, a quem o homem empregado levauma quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> maior <strong>de</strong> movimento e <strong>de</strong> lucro. O Estado tem, porsua vez, o beneficio do seu <strong>de</strong>senvolvimento economico 45 .Ele i<strong>de</strong>ntifica a República com o protecionista, enquanto o Império seria livrecambista:A protecção aos consumidores, o livre-cambio, foi a politica doimpério e seus resultados, durante quasi um seculo, testemunha-43 Discurso proferido na sessão <strong>de</strong> encerramento Congresso Agrícola, Comercial e Industrial.BARBOSA, Francisco <strong>de</strong> Assis (org). Idéias Políticas <strong>de</strong> João Pinheiro: cronologias. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Casa <strong>de</strong> Rui Barbosa (MEC), 1980, p.155.44 Novo Governo <strong>de</strong> Minas, I. Entrevista com João Pinheiro publica<strong>da</strong> no jornal O Paíz (19/7/1906). OPaiz, n. 8.019, p. 1. APM - caixa 32, ca<strong>de</strong>rno n.1, p. 31/ n. 43, ano 1906, 17 <strong>de</strong> setembro.45 O Novo Governo <strong>de</strong> Minas, I. Entrevista com João Pinheiro publica<strong>da</strong> no jornal O Paíz, n. 8.019,caixa 32, ca<strong>de</strong>rno n.1, p. 31/ n. 43, ano 1906, 17 <strong>de</strong> setembro, APM.12


mol-os na situação actual do paiz. 46 [Sobre protecionismo] (...)basta-nos olhar para os Estados Unidos do Norte, que nos têmservido <strong>de</strong> paradigma paras as questões politicas, não porém,infelizmente, para os problemas do trabalho material do qual éresultante sua assombrosa gran<strong>de</strong>za 47 .E esta política teria sido uma <strong>da</strong>s causas <strong>da</strong> pobreza do país.Em seu Manifesto Programa (1906), explica a lógica que levou aoprotecionismo por ele proposta. Este nasceu <strong>de</strong> uma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> empírica(arreca<strong>da</strong>ção), mas avança para <strong>de</strong>fesa explícita, intencional, <strong>da</strong> produção e domercado nacional; até porque, fora <strong>de</strong>fendi<strong>da</strong> pelos empresários reunidos noCongresso Agrícola e Industrial <strong>de</strong> 1903:O empirismo foi o primeiro a crear o proteccionismo nos Estadosque adoptaram os impostos inter-estaduaes, já como fonte <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>,e já como meio <strong>de</strong> amparar a producção local. Uma lei <strong>da</strong> Uniãoaboliu-os. A Constituição, porém, permitte que os Estados taxem asmercadorias estrangeiras para po<strong>de</strong>rem proteger as proprias, o que<strong>de</strong>monstra que a Republica, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu inicio, se inspirousábiamente nesta necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> economica dos paizes novos.Fun<strong>da</strong>dos no dispositivo constitucional, começam os Estados aelevar os impostos <strong>de</strong> importação <strong>da</strong>s mercadorias estrangeiras,não já como fonte <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>, pois elles revertem ao thesouro fe<strong>de</strong>ral,mas como <strong>de</strong>fesa positiva <strong>da</strong> propria producção, à qual, por outrolado, a supressão <strong>da</strong>s barreiras inter-estaduaes assegura to<strong>da</strong> aextensão do mercado interno brasileiro 48 .Abre-se aqui breve parêntese sobre os impostos interestaduais; noCongresso Agrícola. Comercial e Industrial <strong>de</strong> 1903 há inúmeras referênciasnegativas à sua existência e prática, inclusive colocando-o como ameaça acontinui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Fe<strong>de</strong>ração Brasileira. Esta não era apenas uma posição dosmineiros presentes, mas um sentimento nacional expresso pelas associaçõescomerciais (no congresso se faz relato <strong>da</strong>s manifestações contra estes impostos). Osentido <strong>de</strong> nação (enquanto Fe<strong>de</strong>ração) seria complementado com o <strong>de</strong> mercadonacional, este sim protegido, mas <strong>da</strong> concorrência estrangeira, enquantointernamente haveria maior liber<strong>da</strong><strong>de</strong>.Mas protecionismo apenas não bastava; necessário seriam outras medi<strong>da</strong>s,no mesmo Manifesto (1906) afirma:(...) Se a solução economica do augmento <strong>da</strong> riqueza <strong>de</strong> um povo<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>sse, exclusivamente, <strong>de</strong> um golpe <strong>de</strong> tarifas alfan<strong>de</strong>garias,certo não haveria povo pobre no mundo. (...) Com a <strong>de</strong>cretação doprotecoionismo alfan<strong>de</strong>gario, <strong>de</strong>ve coincidir, necessariamente, a <strong>de</strong>outras medi<strong>da</strong>s, visando promover e estimular directamente, aproducção no interior do paiz 49 .46 Primeira Mensagem ao Congresso Mineiro, 1907, p. 15.47 Primeira Mensagem ao Congresso Mineiro, 1907, p. 15.48 Manifesto Programa, candi<strong>da</strong>to presidência <strong>de</strong> Minas Gerais. Publicado no Minas Geraes, ano XV,n. 37, p.3, 12-13/02/1906.49 Manifesto Programa, candi<strong>da</strong>to presidência <strong>de</strong> Minas Gerais, 1906, p.1.13


Apesar <strong>de</strong> sua postura protecionista, isto não significa restrição ao capitalestrangeiro, ao contrário, este po<strong>de</strong>ria ser utilizado para reforçar a produção noBrasil, seja promovendo substituição <strong>de</strong> importações ou promovendo exportações 50 .Trabalha inclusive com a perspectiva <strong>de</strong> atrair capitais estrangeiros para mineraçãoAlgumas vezes critica o comércio nas mãos dos estrangeiros, mas faz istoquando a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> comercial dificulta ou inibe o processo produtivo, suaacumulação e <strong>de</strong>senvolvimento: “É assim [<strong>de</strong>spertando o interesse <strong>da</strong> iniciativaparticular] que tem procurado eliminar muitos intermediarios inuteis,ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente parasitarios, que, ao lado dos uteis e indispensaveis, surgemgraças á ignorancia geral dos productores e consumidores” 51 .Nesta postura, critica não só os estrangeiros, mas também os nacionais. Daíuma gran<strong>de</strong> ênfase na organização <strong>de</strong> cooperativas <strong>de</strong> produtores parabeneficiamento <strong>da</strong> produção. Apesar <strong>de</strong>sta visão reconhece os perigos <strong>da</strong> ação docapital estrangeiro, mas principalmente para aqueles povos que não conseguiremefetivarem suas potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s econômicas.A priori<strong>da</strong><strong>de</strong> para agricultura (e agropecuária)O tema agricultura e agropecuária é presente em quase todos ospronunciamentos <strong>de</strong> João Pinheiro; não só pela reincidência dos argumentos, maspela sua ênfase, <strong>de</strong>ixando claro que esta é sua priori<strong>da</strong><strong>de</strong>.Reafirmando a primazia do econômico durante entrevista ao jornal O País, em1906, João Pinheiro não <strong>de</strong>ixa dúvi<strong>da</strong>s sobre o que priorizará em seu governo:- O meu pensamento capital, V. sabe-o, é a reorganizaçãoeconomica. Dizendo isto, <strong>de</strong>vo accrescentar que o facto principalpara mim não é a questão industrial, mas a questão agrícola, e<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> pequena agricultura. A questãoindustrial é importante, não resta duvi<strong>da</strong>, e eu sou parti<strong>da</strong>rio<strong>de</strong>cidido <strong>da</strong> protecção do Estado á indústria, emquanto esta não seacha bastante forte para lutar com vantagens com as industriasestrangeiras (...), mas, tratando-se <strong>de</strong> reorganizar o trabalho comobase <strong>da</strong> fortuna publica, o que se impõe naturalmente, sobre tudo,é a reorganização <strong>da</strong>quelle que representa a parte maior <strong>de</strong>ssafortuna. Essa é, incontestavelmente, em nosso paíz, a agricultura; aindustria manufactureira beneficia um certo numero <strong>de</strong> habitantes,mas a agricultura é que beneficia a gran<strong>de</strong> massa (...) (grifosnossos) 52 .A agropecuária se impunha naturalmente naquela época, principal fator <strong>de</strong>geração <strong>de</strong> divisas, <strong>de</strong> ocupação do trabalho, <strong>de</strong> receitas públicas, enfim, <strong>da</strong> riquezanacional. Além do mais, era ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> tradicional e <strong>de</strong> fácil mo<strong>de</strong>rnização; portandouma forma eficiente e rápi<strong>da</strong> (diria ele prática) para se obter melhores resultadoseconômicos.50 Aqui não se esta usando a expressão “substituição <strong>de</strong> importações” nos mol<strong>de</strong>s do PSI, programa<strong>de</strong> substituição <strong>de</strong> importações, que seria historicamente e conceitualmente <strong>de</strong>finido.51 Segun<strong>da</strong> Mensagem ao Congresso Mineiro. 15/07/1908. APM – Mensagens dos Presi<strong>de</strong>ntes,microfilme (rolo 2). Mensagem dirigi<strong>da</strong> pelo presi<strong>de</strong>nte do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, Dr. João Pinheiro<strong>da</strong> Silva ao Congresso Mineiro. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, 1908,p. 6.52 O Novo Governo <strong>de</strong> Minas, I. Entrevista com João Pinheiro publica<strong>da</strong> no jornal O Paíz, n. 8.019,caixa 32, ca<strong>de</strong>rno n.2, p. 31/ n. 43, ano 1906, 17 <strong>de</strong> setembro.14


A crise do café, causa<strong>da</strong> pela superprodução, abria uma leque <strong>de</strong>oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> substituição <strong>de</strong> importações. Em sua fase expansiva, este produtoatraíra os melhores recursos, terra, capital e trabalho; abrindo assim, brechas paraimportação <strong>de</strong> vários produtos primários ou <strong>de</strong> baixo processamento (como osagropecuários processados), os quais o país estava apto a produzir. Não o fazia<strong>de</strong>vido à drenagem <strong>de</strong> recursos feita pelo café, pois este último apresentava maiorrentabili<strong>da</strong><strong>de</strong>.Na abertura do Congresso, Agrícola, Industrial e Comercial <strong>de</strong> 1903, <strong>de</strong>stacaque vários dos itens <strong>da</strong> pauta <strong>de</strong> importações brasileira eram <strong>de</strong>ste tipo, muitos<strong>de</strong>les anteriormente ou ain<strong>da</strong> em produção em Minas e no Brasil; com a a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>política, po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>slanchar sua produção. Essa era a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> econômica <strong>de</strong> seutempo (crise do café).Embora João Pinheiro coloque a agricultura (e agropecuária) como priori<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> ação, ressalva faz as indústrias manufatureiras que beneficiam às matériasprimase produtos <strong>da</strong>quela, colocando-as em igual<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> importância 53 . Isto explicaas inúmeras iniciativas <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong> cooperativas durante o seu governo.Também é importante salientar que esta priorização não equivale a dizer quea agricultura seja efetivamente priori<strong>da</strong><strong>de</strong> absoluta sobre a indústria. A reali<strong>da</strong><strong>de</strong>objetiva e base produtiva do país <strong>de</strong> então “impunham” essa opção.A indústria e a indústria e o urbano como um i<strong>de</strong>alEmbora João Pinheiro priorize explicitamente a agropecuária (e as indústriasa ela relaciona<strong>da</strong>s) em seu projeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, chama à atenção a seguintepassagem:A exemplo <strong>da</strong> capital do Estado, as outras municipali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>verãofavorecer, por todos os meios, a criação <strong>de</strong>stes centros <strong>de</strong>trabalho industrial, <strong>de</strong> que resultam uma civilização maisadianta<strong>da</strong> e vi<strong>da</strong> mais intensa como a que as ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s oferecem,com superiori<strong>da</strong><strong>de</strong>, relativamente ao campo. Os fun<strong>da</strong>mentos,entretanto, do trabalho generalizado e remunerador para todos,<strong>da</strong><strong>da</strong> a nossa situação especial, estão preferencialmente naagricultura: a população <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s em comparação com a doscampos é muito diminuta (grifos nossos) 54 .Essa situação especial era o atraso em que o pais vivia; inclusive <strong>de</strong>vido àpolítica <strong>de</strong>scui<strong>da</strong><strong>da</strong> que, até então, (embora esta começasse a mu<strong>da</strong>r) se praticará.Os parágrafos abaixo procuram enten<strong>de</strong>r sua idéia <strong>de</strong> industrialização.João Pinheiro antevia o processo <strong>de</strong> industrialização <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma lógica,partindo do mais simples para o composto, em etapas gra<strong>da</strong>tivas, em suas palavras,numa marcha natural <strong>da</strong>s coisas. Embora a natureza <strong>da</strong>s coisas <strong>de</strong>vesse serestimula<strong>da</strong> e protegi<strong>da</strong>. Na entrevista ao jornal O Paíz, em 1906, antes <strong>de</strong> suaposse, sintetiza seus argumentos:Nesta questão <strong>de</strong> industrias manufactureiras em um paizindustrialmente novo o que se dá, e é um facto curioso, é a marchanatural do simples para o composto, é uma a<strong>da</strong>ptação gra<strong>da</strong>tivados differentes gráos <strong>de</strong> aperfeiçoamento, dos processos maiscomplicados, que não po<strong>de</strong>riam ser praticados em conjunto <strong>de</strong>53 Segun<strong>da</strong> Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908.54 Primeira Mensagem ao Congresso Mineiro, 1907, p.11.15


momento, pelas condições mesmas em que a industria se inicia. 55(...) [citando exemplo <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> caixas <strong>de</strong> fósforos] Firma<strong>da</strong> aface commercial <strong>da</strong> sua industria, estabelecido o producto, a<strong>da</strong>ptadoo operario, o industrial lembra-se então <strong>de</strong> que pó<strong>de</strong> introduzir umnovo melhoramento, aperfeiçoar a sua manufactura, liberta-se <strong>de</strong>uma contingencia a mais <strong>da</strong> importação; (...) e assimsuccessivamente até a completa nacionalização <strong>da</strong> industria. Éo que está acontecendo. O Estado, por sua vez, á medi<strong>da</strong> quea industria se vai <strong>de</strong>senvolvendo, que se acha em condições<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>r libertar <strong>de</strong> um elemento estranho, intervemprohibindo pela tarifa que o elemento já dispensavelpermaneça, persista na industria firma<strong>da</strong>, forçando pelaprotecção aduaneira o industrial a augmentar a somma dotrabalho do operario, a accentuar a in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia industrialdo paiz 56 .Anteriormente e na abertura no Congresso Agrícola, Industrial e Comercial jáse perguntava: “Não seria mais conveniente a importação <strong>da</strong>s manufaturas, ao invésdos objetos manufaturados?”. A resposta é clara, incentivar às manufaturas peloprotecionismo e por outros meios. Mas por on<strong>de</strong> começar?A idéia que predomina é a <strong>da</strong> proteção à indústria nascente, incipiente,procurando incentivar e estimular aquelas que começassem a florescer poriniciativas particulares: “(...) amparo ás manufacturas incipientes na lucta <strong>de</strong>sigualcom productos estrangeiros, fructos amadurecidos <strong>de</strong> uma activi<strong>da</strong><strong>de</strong> secularmentesystematisa<strong>da</strong>” 57 .Falando em 1906, em seu Manifesto Programa <strong>de</strong> 1906, sobre a indústriamineradora, mas num conceito aqui generalizado, apresenta a lógica do quepriorizar e o que incentivar:São estes os trabalhos e industrias já constituidos em nosso sóloque o governo <strong>de</strong>ve olhar e proteger <strong>de</strong> preferencia. (...) estesramos <strong>da</strong> activi<strong>da</strong><strong>de</strong> fecun<strong>da</strong>, brotados como que espontaneamente,e <strong>de</strong>vendo <strong>de</strong> preferencia ser auxiliados. Para iniciativa particular,em todos os ramos <strong>de</strong> activi<strong>da</strong><strong>de</strong> humana, offerece a nossa patriaum campo vasto e sem limites, (...) Em todo caso é sempre maispru<strong>de</strong>nte olhar para o que já existe 58 .Seu posicionamento pró-industrialização era inequívoco. Em entrevista aojornal O País no período <strong>de</strong> sua posse teve a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se manifestar sobreimportante ponto acerca do processo <strong>de</strong> industrialização brasileiro, uma polêmicasobre indústrias naturais e artificiais. João Pinheiro <strong>de</strong>scarta esta classificação eexplica seus argumentos:Não. Isto é um erro que corre e que se firma, que muitos espalhampor interesse e a maior parte aceita por irreflexão. Não ha55 Ver o exemplo, nesta mesma fonte, <strong>da</strong> produção <strong>da</strong>s caixas <strong>de</strong> fósforos. O Paíz; O Novo Governo<strong>de</strong> Minas I, 17/09/1906, n. 8.019, caixa 32, ca<strong>de</strong>rno n.2, p. 31/ n. 43, ano 1906, 17 <strong>de</strong> setembro.56 O Novo Governo <strong>de</strong> Minas, I.57 São inúmeras as referências a estas indústrias. Esta é cita<strong>da</strong> no Manifesto Candi<strong>da</strong>tura ao Senado(1905). Minas Geraes, ano XIV, n. 21, p. 6, 25/01/1905 (Hemeroteca).58 Manifesto Programa do Candi<strong>da</strong>to à Presidência <strong>de</strong> Minas, 1906. Minas Geraes, ano XV, n. 37, p.2,12-13/02/1906.16


industrias artificiaes, O que faz a industria não é a matériaprima, é a mão <strong>de</strong> obra, é o trabalho do operario. Figure V. umamola <strong>de</strong> aço, uma mola <strong>de</strong> relogio que custa 4$: o que ali existe,como valor intrinseco, <strong>de</strong> matéria prima, é na<strong>da</strong>; o que valoriza oartefacto é o trabalho industrial, é o esforço para chegar áquelleresultado. Não pesa absolutamente isto que allegam para essa falsaclassificação <strong>de</strong> industrias artificiaes, <strong>de</strong> que a matéria prima éimporta<strong>da</strong>; os paizes manufactureiros por excelencia não produzem,na maioria dos casos, a materia prima (...). (...) e seria ridiculo dizerque as suas industrias são artificiaes 59 .Embora preocupado com a questão <strong>da</strong> indústria e com a o <strong>de</strong>senvolvimento<strong>da</strong> agropecuária, sua idéia sobre a indústria <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> capital era relativamentelimita<strong>da</strong>, pouco <strong>de</strong>stacando as implicações sobre os <strong>de</strong>mais ramos <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>econômica.Sua ênfase é no microeconômico, na uni<strong>da</strong><strong>de</strong> produtiva enquanto geradora<strong>de</strong> emprego e ren<strong>da</strong>. Não abor<strong>da</strong> a questão <strong>da</strong> interligação setorial, nem do estímuloque uma indústria <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> capital simples po<strong>de</strong>ria trazer à agricultura (embora<strong>de</strong>fen<strong>da</strong> a mecanização). A interpretação acima é reforça<strong>da</strong> por suas ações <strong>de</strong>governo quando estimula e importa máquinas e equipamentos agrícolas.Não antecipa o papel estratégico <strong>da</strong> indústria <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> capital, nem nageopolítica (veja sua fala sobre imperialismo, nações mais fracas serão sacrifica<strong>da</strong>s(...) é uma questão <strong>de</strong> sobrevivência), apesar <strong>de</strong> citar algumas vezes Japão eAlemanha como paradigmas. Nem enquanto estimulador <strong>de</strong> outros setores, como,por exemplo, no caso <strong>da</strong>s ferrovias, quando sugere que as mesmas <strong>de</strong>vem seantecipar e estimular a criação <strong>de</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong>: “ellas têm que crear, tanto o trafegocomo a producção” 60 .Assim, seu programa <strong>de</strong> substituição <strong>de</strong> importação 61 tem um claro viés <strong>de</strong>priorizar aqueles setores incipientes, nascidos <strong>da</strong> iniciativa particular, a qual <strong>de</strong>veriaser estimula<strong>da</strong> e incentiva<strong>da</strong>.O Incentivo a Produção e ao TrabalhoNa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, seja na agricultura, agropecuária ou indústria, a preocupação <strong>de</strong>João Pinheiro é com aumento <strong>da</strong> produção, e produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mesmo a educaçãoestá a isto associado. Para alcançar o objetivo do crescimento econômico(progresso), lançaria mão <strong>de</strong> todos os instrumentos já <strong>de</strong>scritos, protecionismo,incentivos e promoções <strong>de</strong> feiras e exposições, com intuito <strong>de</strong> divulgar os produtosregionais.O processo do que hoje é chamado <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento era consi<strong>de</strong>radocumulativo. Como no caso anteriormente citado (indústrias naturais versus artificial)o ponto central era o trabalho; o saber fazer, que po<strong>de</strong>ria ser replicado para diversasculturas e processos. A aprendizagem era vista em múltiplas abor<strong>da</strong>gens, poispo<strong>de</strong>ria se apren<strong>de</strong>r estu<strong>da</strong>ndo (meio tradicional), mas também fazendo einteragindo, <strong>da</strong>í o porquê <strong>da</strong> gran<strong>de</strong> ênfase em feiras e exposições; para<strong>de</strong>monstração e disseminação <strong>de</strong> novos produtos, métodos e maquinários. O59 O Novo Governo <strong>de</strong> Minas (jornal O Paíz), I, p. 31.60 Manifesto Programa do Candi<strong>da</strong>to à Presidência <strong>de</strong> Minas (1906). Minas Geraes, anno XV, n. 37,p.2, 12-13/02/1906. O mesmo argumento e reiterado em O Novo Governo <strong>de</strong> Minas I, jornal O Paíz ,17/9/1906, p. 39.61 Aqui o termo é usado num sentido largo; não po<strong>de</strong> ser confundido com o Programa <strong>de</strong> Substituição<strong>de</strong> Importações (PSI) <strong>de</strong>senvolvido a partir dos anos 1930 ou 50.17


progresso seria, então, fruto <strong>da</strong> disputa saudável (comparação <strong>da</strong> competiçãoeconômica com a política), uma vitória contra a natureza (e não contra outroshomens), vitória esta que po<strong>de</strong>ria ser compartilha<strong>da</strong> ou reproduzi<strong>da</strong> por todos.Para <strong>de</strong>senvolver o trabalho todos os recursos eram utilizados, além doscitados nesta seção, acrescenta-se a importação <strong>de</strong> máquinas, para aumentar aprodutivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> agropecuária e <strong>de</strong> obras públicas (estra<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ro<strong>da</strong>gem). Atémesmo as penitenciárias tinham a função <strong>de</strong> educar para o trabalho, e recebiam doEstado encomen<strong>da</strong>s <strong>de</strong> carteiras escolares, calçados, far<strong>da</strong>mentos, trabalhostipográficos; isto começou no início <strong>de</strong> seu segundo governo e, fato interessante, apenitenciária apresentara, conforme sua Segun<strong>da</strong> Mensagem ao Congresso Mineiro(1908) saldos.Freqüente também era sua intenção <strong>de</strong> atrair mão-<strong>de</strong>-obra estrangeira paraMinas Gerais, chegou mesmo a propor doação (gratuita, mesmo, sem qualquerônus) <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas para implantação <strong>de</strong> colônias agrícolas 62 . Acreditavanestas colônias como fator essencial <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. A elas teriam acesso nãosó os estrangeiros, mas também brasileiros; elas também teriam a função <strong>de</strong>promover um reor<strong>de</strong>namento fundiário, com a divisão <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s; acreditava,inclusive, na viabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> instalação <strong>de</strong> colônias particulares 63 .A mo<strong>de</strong>rnização dos processos produtivos se impunha para ele, pois percebiaque os problemas <strong>da</strong> agricultura (e outros setores em menor escala) não estavamapenas na questão dos mercados externos, mas também na ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> transiçãopara o trabalho livre. Este assunto é tratado na Segun<strong>da</strong> Mensagem ao CongressoMineiro (1908), quando João Pinheiro conclui:Tem sido preoccupação dominante sobre as outras a <strong>da</strong>s questõeseconomicas, que o momento social que estamos vivendo, nosaponta terem sido <strong>de</strong>scura<strong>da</strong>s, pois a riqueza <strong>da</strong>s geraçõesanteriores, filha do trabalho escravo, abala<strong>da</strong> na transição para oregimen livre, vae diminuindo, accusando a <strong>de</strong>pressão natural, quemem semelhante crise era justo esperar-se, com a impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> serreconstrui<strong>da</strong> pelos processos do passado 64 .João Pinheiro via Minas Gerais como tendo elevado potencial nãoaproveitado, como no caso dos recursos naturais. O Estado tinha gran<strong>de</strong> população(em relação ao país, mas <strong>de</strong> baixa <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong>), mas esta era aproveita<strong>da</strong> <strong>de</strong> maneiraina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>, seja pela não concretização do potencial econômico, seja pela suabaixa produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, o que nos remete para a questão <strong>da</strong> educação, tema <strong>da</strong>próxima seção.Educação como Fator <strong>de</strong> Progresso62 Lei 455 <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1907. Auctoriza o Governo a conce<strong>de</strong>r gratuitamente aosextrangeiros que constituírem família no Estado, lotes <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas e contem disposições sobrelegitimação <strong>de</strong> posses, ven<strong>da</strong>s directa <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas e dá outras provi<strong>de</strong>ncias. APM – Colleção<strong>da</strong>s Leis e Decretos do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes <strong>de</strong> 1907. Bello Horizonte, Imprensa Official doEstado <strong>de</strong> Minas Geraes, p. 11 e 12.63 O Novo Governo <strong>de</strong> Minas, II. Entrevista com João Pinheiro publica<strong>da</strong> no jornal O Paíz(19/09/1906), n. 8.021, caixa 32, ca<strong>de</strong>rno n.2, p. 39/ n. 55, ano 1906, 17 <strong>de</strong> setembro.64 Segun<strong>da</strong> Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908. p. 53. APM – Mensagens dos Presi<strong>de</strong>ntes15/06/1908, microfilme (rolo 2). Mensagem dirigi<strong>da</strong> pelo presi<strong>de</strong>nte do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, Dr.João Pinheiro <strong>da</strong> Silva ao Congresso Mineiro. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado <strong>de</strong> MinasGeraes, 1908, p. 53.18


A educação é por ele <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> em duas vertentes, primeira como fator <strong>de</strong>ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, como direito, consoli<strong>da</strong>ndo a <strong>de</strong>mocracia e a República. A segun<strong>da</strong>, maisespecificamente, como preparação para o trabalho, fonte <strong>de</strong> aumento <strong>de</strong>produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong>.Primeiramente <strong>de</strong>staca-se uma ampla reforma por ele implanta<strong>da</strong> naeducação em Minas Gerais, principalmente com a constituição e consoli<strong>da</strong>ção dosgrupos escolares (ensino primário), procurando acabar com as salas multiseria<strong>da</strong>s.Tal reforma propiciou dobrar o número <strong>de</strong> alunos matriculados em seu governo; mastal não era motivo para festejar, pois, em suas palavras: “Cumpre, entretanto,assinalar que, <strong>da</strong>s 800 mil creanças do Estado, em e<strong>da</strong><strong>de</strong> escola, a 700.000 não sedá ain<strong>da</strong> o <strong>de</strong>vido ensino” 65 .Assim, pela autocrítica acima, pelos seus <strong>discurso</strong>s e campanhas que faziaem prol <strong>da</strong> educação, sua postura e meta parecia ser a universalização do ensinoprimário. Aliado ao tema econômico, junto aos congressos <strong>da</strong>s municipali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, aeducação era um dos pontos centrais, conclamando os municípios a esta causa,reclamava que eram poucos os recursos nela investidos. Com a Instrução Pública osmunicípios só <strong>de</strong>spendiam 6,90% <strong>da</strong> receita, com o funcionalismo, 21,24%, e com adívi<strong>da</strong>, 13,67 66 .A educação <strong>de</strong>veria ser base para o trabalho, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as séries iniciais,conjuga<strong>da</strong> com o primário, o ensino agrícola. A partir <strong>da</strong>í, em todos os níveis,secundário e superior, a parceria entre educação para o trabalho e instrução formal(e também <strong>de</strong> maneira in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sta, ou em paralelo, com práticasextensionistas) <strong>de</strong>veria prosseguir. Por exemplo, diz ele:Ensino Secundário – Ao lado <strong>da</strong> instrucção primaria remo<strong>de</strong>la<strong>da</strong> e<strong>de</strong> modo a correspon<strong>de</strong>r-lhe, cumpre reformar a instrucçãosecun<strong>da</strong>ria, <strong>de</strong> sorte que, na lucta pela vi<strong>da</strong>, satisfaça ás novasnecessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s sóciaes, e, na agricultura, na industria, no commercio,abra in<strong>de</strong>finido horizonte ao trabalho intelligente, esclarecido pelosprincípios <strong>da</strong> sciencia e pelos preceitos <strong>da</strong> arte 67 .Esta educação para o trabalho estava liga<strong>da</strong> ao problema anteriormenteabor<strong>da</strong>do <strong>da</strong> consoli<strong>da</strong>ção do trabalho livre. Os novos ensinamentos, enfim aeducação, serviriam para “retirar-lhes dos olhos os antigos instrumentos <strong>de</strong> trabalhoaviltados pela escravidão (...) razão <strong>da</strong> pobreza dos homens livres <strong>de</strong> agora”. Láapren<strong>de</strong>riam o uso <strong>de</strong> novas técnicas e novos maquinismos 68 . Também para osadultos haveria possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, nas Fazen<strong>da</strong>s Mo<strong>de</strong>los (muitodifundi<strong>da</strong>s em seu governo), que serviriam ao mesmo tempo <strong>de</strong> escolas e campos<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração e experimentação.Os recursos públicos <strong>de</strong>veriam ser concentrados nos níveis iniciais doprocesso educacional e, posteriormente aos <strong>de</strong>mais. Propõe que os melhores <strong>de</strong>ca<strong>da</strong> nível tenham acesso e estímulo para prosseguir, inclusive recursos públicos(bolsas), até o superior, no Brasil e no Exterior, sempre priorizando a formaçãotécnica e para o trabalho. Além <strong>de</strong>ste ponto, chama a atenção o processo <strong>de</strong>seleção, on<strong>de</strong> os mais capazes <strong>de</strong>viam prosseguir seus estudos; a ascensão se65 Segun<strong>da</strong> Mensagem ao Congresso Mineiro. (15/06/1908), p. 40. A mesma preocupação já haviadito na Primeira Mensagem ao Congresso Mineiro.66 Primeira Mensagem ao Congresso Mineiro,1907, p. 38.67 Segun<strong>da</strong> Mensagem ao Congresso Mineiro. (15/06/1908), p. 40.68 Segun<strong>da</strong> Mensagem ao Congresso Mineiro. (15/06/1908), p. 40.19


<strong>da</strong>ria tendo como base a meritocracia, esse era um valor caro para João Pinheiro,que lhe acompanha <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos <strong>da</strong> juventu<strong>de</strong>.O Papel do Estado e <strong>da</strong> Iniciativa Priva<strong>da</strong>Neste quesito, há uma mistura <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia (capitalista) e pragmatismo naposição <strong>de</strong> João Pinheiro. A visão capitalista (<strong>de</strong> um capitalismo em construção) seexpressa na busca do incentivo e primazia <strong>da</strong>s iniciativas particulares, o <strong>de</strong>spertar<strong>de</strong> consciência e <strong>de</strong> ação <strong>da</strong> classe produtora, <strong>da</strong> qual João Pinheiro se fazia portavoz. Uma segun<strong>da</strong> visão se sustenta nas necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do Estado, que sem<strong>de</strong>senvolvimento econômico não conseguiria fazer face às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que lheapresentava.A idéia <strong>da</strong>s funções governamentais frente à iniciativa priva<strong>da</strong> po<strong>de</strong> ser assimenuncia<strong>da</strong>: “Ha nellas, é certo, a acção do Governo, mas acção em busca <strong>da</strong>siniciativas particulares, animando-as, fazendo-as convergir, premiando-as” (grifosnossos) 69 .A mesma concepção, <strong>de</strong>spertar o interesse <strong>da</strong> iniciativa particular, foireitera<strong>da</strong> no mesmo ano <strong>de</strong> 1908, na Segun<strong>da</strong> Mensagem ao Congresso Mineiro,on<strong>de</strong> explicita sua orientação geral <strong>de</strong> Governo:Em to<strong>da</strong>s as reformas inicia<strong>da</strong>s, tem sido pensamento dominante –a intervenção minima e eficcaz por parte do governo e asolicitação maxima e energica <strong>da</strong> iniciativa particular; oesclarecimento <strong>da</strong> acção concreta pela própria prática dos actos oumedi<strong>da</strong>s aconselha<strong>da</strong>s, conjugando-se o incitamento, que <strong>de</strong>spertaa attenção, e o exemplo que arrasta as <strong>de</strong>terminações. Enquantoas iniciativas particulares não convergirem para a soluçãocompleta do problema, enquanto o não tomaremgeneraliza<strong>da</strong>mente, não se realizará o beneficio social pratico, queé o que se espera e que <strong>de</strong>ve ser conseguido (grifos nossos) 70 .Era favorável à participação dos produtores e empresários na política, esseera seu chamamento. Mas as intervenções públicas <strong>de</strong>veriam ser na linha naemancipação do produtor, emancipação dos comerciantes (em relação aosatravessadores nacionais e estrangeiros), dos métodos tradicionais e arcaicos. O fim<strong>da</strong> tutela se <strong>da</strong>ria pela organização dos produtores, nisto o Estado <strong>de</strong>veria atuar eestimular, pois é “um negócio que é <strong>de</strong>les” 71 .Soluções fáceis não existiam, <strong>de</strong>scartava aumentos <strong>de</strong> impostos, poisacreditava que eles já eram altos e seu aumento prejudicaria a economia e, porconseguinte, o próprio Tesouro. Reduções <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas e investimentos (apesar <strong>de</strong>suas iniciativas <strong>de</strong> racionalização dos gastos e gestão pública) seriam muito difíceis.As <strong>de</strong>spesas com pessoal não seriam comprimíveis <strong>da</strong><strong>da</strong> à baixa remuneração doservidor e <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> aumento <strong>de</strong> seu quadro, principalmente parasegurança e educação. Os investimentos em obras públicas, especialmente viárias,eram necessários e <strong>de</strong>veriam aumentar, assim como crescentes funções estatais,69 Discurso pronunciado no jantar oferecido aos criadores que concorreram à Exposição <strong>de</strong> Animais,em Belo Horizonte, a 28/2/1908. Minas Geraes, n. 53. Bello Horizonte, 29 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1908. Caixa31, ca<strong>de</strong>rno n.3, doc n. 67, página 58.70 Segun<strong>da</strong> Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908, p. 5.71 Maior produção <strong>de</strong> cereais. Editorial do Minas Geraes (12/01/1908). Atribuído a João Pinheiro.BARBOSA, Francisco <strong>de</strong> Assis (org). Idéias Políticas <strong>de</strong> João Pinheiro: cronologias. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Casa <strong>de</strong> Rui Barbosa (MEC), 1980, p. 331 e 333.20


como a justiça. Como resolver esta questão? Embora o exercício <strong>de</strong> 1908 projetasseum déficit, isto não era uma estratégia <strong>de</strong>libera<strong>da</strong>, ele seria coberto comempréstimos, honrados pelo Estado, e o equilíbrio aparentemente era um valorimportante a ser perseguido. Assim as finanças públicas passam a se relacionarca<strong>da</strong> vez mais com o estado geral <strong>da</strong> economia. Aquelas só po<strong>de</strong>riam melhorar <strong>de</strong>maneira sustentável com base no aumento do fato gerador, ou seja, crescimento e<strong>de</strong>senvolvimento econômico.Para ele, este era um problema fun<strong>da</strong>mental: “É preciso não per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vistaque o problema capital para o Estado <strong>de</strong> Minas, que a questão premente, que lhepo<strong>de</strong> resolver a crise <strong>de</strong> penúria particular e <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiencia <strong>da</strong>s ren<strong>da</strong>s publicas é oproblema <strong>da</strong> producção” (grifos nossos) 72 .Assim fecha-se a equação, une-se sua visão <strong>de</strong> empresário, com apreocupação <strong>da</strong> produção (e produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong>), e a <strong>de</strong> estadista, com o a<strong>de</strong>quadofuncionamento do Estado (finanças e eficiência). Mas a iniciativa caberia às classesprodutoras (e estas estimula<strong>da</strong>s pelo governo), pois somente o <strong>de</strong>spertar <strong>da</strong>iniciativa priva<strong>da</strong> po<strong>de</strong>ria levar ao progresso.As ações <strong>de</strong> João Pinheiro são neste sentido, consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> or<strong>de</strong>mburguesa, capitalista, <strong>da</strong> busca pelo <strong>de</strong>senvolvimento econômico. Para que esteacontecesse, caberia ao Estado contribuir com políticas públicas <strong>de</strong> justiça,segurança, infra-estrutura e protecionismo, ao mesmo tempo em que estimulasse àsiniciativas priva<strong>da</strong>s. A estas (classes produtoras), caberia assumir o seu papel <strong>de</strong>li<strong>de</strong>rança, inclusive, participando <strong>da</strong> política partidária (o jogo político formal, emboraele o criticasse), contribuindo para seu aprimoramento, com sua racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>eficiência e busca por resultados. João Pinheiro colocava-se como representante<strong>de</strong>stas idéias e <strong>de</strong>sta classe, ou seja, <strong>da</strong> implantação <strong>da</strong> nova or<strong>de</strong>m, republicana ecapitalista.7. JOÃO PINHEIRO NA HISTORIOGRAFIA MINEIRAA historiografia mineira ressalta a figura <strong>de</strong> João Pinheiro em dois gran<strong>de</strong>seventos: o primeiro referente à transferência <strong>da</strong> capital <strong>de</strong> Minas Gerais, <strong>de</strong> OuroPreto para o Curral Del Rey, futura Belo Horizonte.Na reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o principal promotor <strong>da</strong> idéia <strong>da</strong> transferência [<strong>da</strong>capital] foi João Pinheiro, presi<strong>de</strong>nte do estado em 1890. JoãoPinheiro representava uma ponte entre a Minas do ouro e a do ferro.Em sua visão, a nova capital <strong>de</strong>veria representar antes a renovaçãoeconômica do que a consoli<strong>da</strong>ção do domínio rural 73 .O autor acrescenta que a Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Minas, primeiro nome <strong>da</strong> capital, foiconcebi<strong>da</strong> para se tronar símbolo <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ângela <strong>de</strong> Castro Gomes (2005)também aponta esse papel <strong>de</strong> João Pinheiro: “Foi nesse momento que ele se tornouum dos maiores patrocinadores do projeto <strong>da</strong> transferência <strong>da</strong> capital, <strong>de</strong> Ouro Pretopara a Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Minas (...). Uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> planeja<strong>da</strong> que indicava a visão renovadora<strong>de</strong>sse político republicano” 74 .72 Segun<strong>da</strong> Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908, p. 7.73 CARVALHO, José Murilo <strong>de</strong>. Ouro, Terra e Ferro: Vozes <strong>de</strong> Minas. In: GOMES, Ângela <strong>de</strong> Castro(org). Minas e os Fun<strong>da</strong>mentos do Brasil Mo<strong>de</strong>rno. Belo Horizonte: <strong>UFMG</strong>, 2005, p. 64.74 GOMES, Ângela <strong>de</strong> Castro. Memória, política e tradição familiar: os Pinheiro <strong>da</strong>s Minas Gerais. In:______ (org). Minas e os fun<strong>da</strong>mentos do Brasil Mo<strong>de</strong>rno. Belo Horizonte: <strong>UFMG</strong>, 2005, p. 84.21


O segundo gran<strong>de</strong> evento envolvendo João Pinheiro foi quando do seuretorno à política através <strong>da</strong> presidência do Congresso Agrícola Comercial eIndustrial <strong>de</strong> 1903, que apesar <strong>de</strong> ter sido i<strong>de</strong>alizado e organizado no governo <strong>de</strong>Francisco Sales, teve João Pinheiro como seu maior representante e responsávelpelas idéias ali discuti<strong>da</strong>s.(...) um certo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nças animou a ação política e osprojetos <strong>de</strong> Governo, que serão marcados, antes <strong>de</strong> tudo, pelapresença <strong>de</strong> João Pinheiro como mentor <strong>de</strong> propostas, <strong>de</strong>bates e,no <strong>de</strong>vido tempo, chefe político que <strong>de</strong>veria dirigir tais mu<strong>da</strong>nças nasucessão do Governador Francisco Sales 75 .Para ocasião do Congresso, Michel Le Ven (1977) acredita que João Pinheirose <strong>de</strong>stacou para a presidência <strong>da</strong> comissão organizadora por ser um“<strong>de</strong>senvolvimentista”.João Pinheiro se <strong>de</strong>staca pelo impulso que dá ao <strong>de</strong>senvolvimentodo trabalho em Minas, tanto na zona rural como na urbana.Republicano preeminente, inculca pela ação e palavras, uma novamentali<strong>da</strong><strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dora, laboriosa, econômica, do ‘trabalholivre’ no campo e na indústria. Espírito ‘liberal’ por excelência, JoãoPinheiro se situa na linha dos organizadores do capitalismo norteamericano:apego à terra, à riqueza natural, ao esforço individual e arecompensa do labor 76 .Nícia Vilela Luz (1978) caracteriza João Pinheiro, juntamente como NiloPeçanha, Francisco Sales e João Luís Alves, como estadistas que representaram omovimento protecionista que “visou não apenas as indústrias, mas to<strong>da</strong> a produçãonacional” 77 , refletindo, além dos interesses dos industriais, os interessesagropecuários que foram focalizados no Congresso Agrícola, Industrial e Comercial.Será o Congresso que irá projetar o nome <strong>de</strong> João Pinheiro no âmbito nacional eque o colocara em <strong>de</strong>staque por todo o período subsequente a 1903.Além <strong>de</strong>sses dois gran<strong>de</strong>s eventos envolvendo João Pinheiro, Otávio Dulci(2005) retoma a figura do João Pinheiro propagandista <strong>da</strong> República e do estadistarepublicano que muitas vezes ficam <strong>de</strong> lado em <strong>de</strong>trimento dos acontecimentos.Dulci apresenta João Pinheiro como militante <strong>da</strong> propagan<strong>da</strong> republicana <strong>de</strong>s<strong>de</strong>jovem, “expressava em to<strong>da</strong> linha os i<strong>de</strong>ais <strong>da</strong> causa que abraçara, tanto em seustextos e <strong>discurso</strong>s quanto na própria conduta pessoal” 78 , como um políticoconsciente <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> regime, que foi uma transição opera<strong>da</strong> <strong>de</strong> cima parabaixo, constituindo numa solução <strong>de</strong> compromisso entre as velhas e as novas elites.“Monarquistas e republicanos se fundiram nas oligarquias que dominaram a cenapolítica durante déca<strong>da</strong>s, num arranjo que reduzia o potencial transformador <strong>da</strong>75 MELO, Ciro Flávio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>. Pois tudo é assim ... educação, política e trabalho em MinasGerais (1889-1907). Dissertação (mestrado) – Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais, Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>Educação, 1990, p. 123.76 LE VEN, Michel. Classes sociais e o po<strong>de</strong>r político na formação espacial <strong>de</strong> Belo Horizonte(1893-1914). Dissertação (mestrado) - Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais, Departamento <strong>de</strong>Ciência Política, 1977, p. 59.77 LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1978, p. 129.78 DULCI, Otávio. João Pinheiro e as origens do <strong>de</strong>senvolvimento mineiro. In: GOMES, Ângela <strong>de</strong>Castro (org). Minas e os Fun<strong>da</strong>mentos do Brasil Mo<strong>de</strong>rno. Belo Horizonte: <strong>UFMG</strong>, 2005. p. 110.22


mu<strong>da</strong>nça institucional” 79 . Nesse contexto, a figura <strong>de</strong> João Pinheiro assumiu especialrelevo, como “consciência reflexiva” do processo.Para o autor, <strong>de</strong>stacou-se pela visão pragmática <strong>da</strong>s condições em que seconstituía a nova or<strong>de</strong>m, isto é, não investia impulsivamente contra a situação, mastambém não se acomo<strong>da</strong>va ou se submetia a ela.A reali<strong>da</strong><strong>de</strong> era o ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> para alcançar os objetivos pelosquais se empenhava, sobretudo o <strong>de</strong>senvolvimento econômico dopaís. A combinação entre i<strong>de</strong>alismo e realismo, própria dos gran<strong>de</strong>sestadistas, foi um traço notável <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong> pública, distinguindo-o noambiente <strong>de</strong> conflitos e incertezas dos primeiros tempos <strong>da</strong> república(DULCI, 2005, p. 110).Ângela <strong>de</strong> Castro Gomes (2005) ressalta que houve um encantamento esurpresa com as idéias <strong>de</strong>sse político no início do século XX, pois elas rompiamdicotomias que há muito perduravam e perdurariam ain<strong>da</strong> no país, como o casoentre agricultura e indústria; entre indústria artificial e natural, e entre trabalhadornacional e estrangeiro. Além disso, João Pinheiro se dizia <strong>de</strong>fensor <strong>da</strong> proteçãoestatal e partidário <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> econômica, esclarecendo que a proteção aos fracos,isto é, industriais ou pequenos agricultores, era a condição temporária do progresso,que iria gerar riqueza e educação a todos. A autora ain<strong>da</strong> acrescenta que apesar <strong>da</strong>curta vi<strong>da</strong> política <strong>de</strong> João Pinheiro, já que morreu novo aos 47 anos, seu maiorlegado foi seu pensamento político:(...) é interessante perceber como suas idéias – núcleo <strong>de</strong> seulegado político – vão sendo conforma<strong>da</strong>s e nomea<strong>da</strong>s comofun<strong>da</strong>doras do projeto político que seria conhecido, a partir dos anos1950, como o do <strong>de</strong>senvolvimentismo. Um projeto cujascaracterísticas aliam política, economia e socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e que tem emJuscelino Kubitschek, outro mineiro, seu maior expoente na galeria<strong>de</strong> políticos brasileiros 80 .A trajetória política <strong>de</strong> João Pinheiro foi, <strong>de</strong> fato, muito curta: menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>zanos, <strong>de</strong>scontando-se o período <strong>de</strong> exílio voluntário, mas atuante em Caeté. Fatoque, entretanto, <strong>de</strong>staca ain<strong>da</strong> mais sua relevância na política mineira. Arepresentação que temos <strong>de</strong> João Pinheiro é <strong>da</strong> idéia <strong>de</strong> progresso e <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento e que a morte prematura não o <strong>de</strong>ixou finalizar seus objetivos.CONSIDERAÇÕES FINAIS(...) vindo <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s profun<strong>da</strong>s do povo, como ele dizia; inspirado nosi<strong>de</strong>ais <strong>da</strong> República (...) João Pinheiro, nos dois anos <strong>de</strong> seu governo,<strong>de</strong>ixou em Minas marcas profun<strong>da</strong>s e inapagáveis. Até hoje, ele é em suaterra o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> homem <strong>de</strong> Estado a quem a morte prematura nãopermitiu a plena expansão <strong>de</strong> sua obra <strong>de</strong> governo 81 .79 DULCI, Otávio. João Pinheiro e as origens do <strong>de</strong>senvolvimento mineiro. In: GOMES, Ângela <strong>de</strong>Castro (org). Minas e os Fun<strong>da</strong>mentos do Brasil Mo<strong>de</strong>rno. Belo Horizonte: <strong>UFMG</strong>, 2005. p. 109 e110.80 GOMES, Ângela <strong>de</strong> Castro. Memória, política e tradição familiar: os Pinheiro <strong>da</strong>s Minas Gerais. In:______ (org). Minas e os fun<strong>da</strong>mentos do Brasil Mo<strong>de</strong>rno. Belo Horizonte: <strong>UFMG</strong>, 2005, p. 81.81 ARQUIVO PRIVADO JOÃO PINHEIRO. Arquivo Público Mineiro. JPj série VIII, cx 31, doc. 2. JornalEstado <strong>de</strong> Minas, Suplemento Dominical, 30 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1966, p. 3.23


Antes <strong>da</strong>s conclusões propriamente ditas, fazem-se algumas consi<strong>de</strong>raçõesfinais sobre o aspecto político.Em uma entrevista ao jornal Imprensa, João Pinheiro garante que não écandi<strong>da</strong>to 82 a Presidência <strong>da</strong> República, apesar <strong>de</strong> biógrafos e trabalhos sobre eleinsistirem que seria o próximo presi<strong>de</strong>nte:não fui nunca, não sou e não serei absolutamente candi<strong>da</strong>to a coisaalguma. (...) Tenho duas aspirações: guar<strong>da</strong>r illesos os meus principios eservir à minha terra. Desejo voltar para Caeté, (...) lá, na minha cerâmica, éque está a minha presidência <strong>da</strong> República e o domínio dos meus (...) 83 .Aqui também, o que é reiterado em outras partes <strong>de</strong>ste trabalho, háconsciência <strong>da</strong> excepcionali<strong>da</strong><strong>de</strong> 84 <strong>de</strong> sua eleição para Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Minas, pois foiponto <strong>de</strong> equilíbrio entre diversas forças em disputa pelo po<strong>de</strong>r em Minas. Suacondição <strong>de</strong> Tertius lhe assegurava maior autonomia e permitia seguir seu plano <strong>de</strong>governo (<strong>de</strong> certa forma concebi<strong>da</strong> e/ou aprimora<strong>da</strong> durante o Congresso Agrícola<strong>de</strong> 1903), e sua auto-i<strong>de</strong>ntificação como alguém fora <strong>da</strong> política tradicional erepresentante direto <strong>da</strong>s classes produtoras.Por outro lado, nesta mesma entrevista o jornalista o apresenta como alguémque resgata as causas republicanas históricas, do tempo dos propagandistas:A segura orientação <strong>de</strong>ssas idéias, algumas <strong>da</strong>s quaes chocarampela au<strong>da</strong>ciosa innovação nos inertes programmas <strong>de</strong>administração a que a política nos habituara, e queimpressionaram tanto mais a opinião quanto exprimiam umconjuncto <strong>da</strong>s promessas, quasi esqueci<strong>da</strong>s, do regimerepublicano (...). 85Caminhando para conclusão, retoma-se ao título e in<strong>da</strong>gação principal <strong>de</strong>steartigo, seria João Pinheiro um <strong>de</strong>senvolvimentista nos primórdios <strong>da</strong> República?Pelo acima exposto, sim, po<strong>de</strong>ria, mas não um <strong>de</strong>senvolvimentista precoce nostermos do conceito teórico 86 e <strong>da</strong> prática firma<strong>da</strong> em meados do século XX. Mas um<strong>de</strong>senvolvimentista <strong>de</strong> seu tempo, como se dizia, <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m e do progresso.Alguns até sugerem a inversão, mais do progresso do que <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m. Paraele, as duas an<strong>da</strong>vam juntas, inseparáveis. Defendia a nova or<strong>de</strong>m, não sórepublicana, mas uma nova or<strong>de</strong>m econômica, a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> transição dotrabalho escravo para o livre, a afirmação <strong>da</strong> burguesia e do capitalismo, mas semsobressaltos, sem jacobinismos ou <strong>de</strong>srespeito a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>mocrática. Essa era umaquestão cara a ele, e foi um dos focos <strong>de</strong> seu “afastamento” <strong>da</strong> política (época <strong>de</strong>Floriano Peixoto). No <strong>discurso</strong> <strong>da</strong> transmissão (recepção do cargo <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>82 Claro que é possível se tratar <strong>de</strong> um artifício político eleitoral; sair dos holofotes para po<strong>de</strong>rtrabalhar pela candi<strong>da</strong>tura. Mas o histórico <strong>de</strong> afastamento <strong>da</strong> política e a condição especial <strong>de</strong> suaeleição em Minas parecem reforçar a idéia <strong>da</strong> não candi<strong>da</strong>tura.83 Entrevista jornal A Imprensa, (Minas Geraes, <strong>de</strong> 23/01/1908, p.4).84 Ao Povo Mineiro, Manifesto-programa. Minas Geraes, ano XV, n. 37, 12-13/02/1906.85 Jornal A Imprensa (Minas Geraes, <strong>de</strong> 23/01/1908, p.4).86 O que exigiria uma maior reflexão do conceito e sua historici<strong>da</strong><strong>de</strong>, principalmente com suasrelações com o PSI (industrialização por substituição <strong>de</strong> importações), bem como no papel do Estadona economia e suas relações com a iniciativa priva<strong>da</strong> (o que se complica em função <strong>da</strong>s etapasdistintas do processo <strong>de</strong> industrialização). Tais questões, tomando como base os levantamentos aquirealizados, po<strong>de</strong>rão ser discuti<strong>da</strong>s em trabalhos futuros. Por ora concentrou-se em apresentar a visão<strong>de</strong> João Pinheiro, com base nas fontes.24


Minas) <strong>de</strong>stacava qual seria sua prática política (que seria critica<strong>da</strong>, pois contrária ausual manipulação dos resultados <strong>da</strong>s urnas e <strong>da</strong>s votações em favor doscorreligionários). Anunciando que começaria a execução <strong>de</strong> seu plano <strong>de</strong> governo,apontou: “que <strong>de</strong>vo <strong>de</strong>clarar que começarei pela prática <strong>da</strong> mais essencial <strong>de</strong> to<strong>da</strong>sas liber<strong>da</strong><strong>de</strong>s que é a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s urnas.” Continuava ele “Ter medo <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>política, num regime republicano, constitui uma afirmação monstruosa e absur<strong>da</strong>” 87 .87 Minas e a Fe<strong>de</strong>ração. Discurso almoço no Palácio <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong><strong>de</strong> em 8/9/1906. O Puritano(16/09/1906), n. 28, Anno III, p. 2. APM – caixa 32, ca<strong>de</strong>rno n. 1, p, 58/ n. 79, ano 1906.25

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