13.07.2015 Views

independente, o grupo vive de shows e da venda de ... - CNM/CUT

independente, o grupo vive de shows e da venda de ... - CNM/CUT

independente, o grupo vive de shows e da venda de ... - CNM/CUT

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

crônicaMadonna,quem vai?Um dia ela entrou em casa e medisse com aquele jeito suburbanoque se eu gritasse, arrepiasse o cabeloe tivesse coragem, eu venceria. Nenhum rapazlânguido me <strong>de</strong>u tanta coragem Por Andréa <strong>de</strong>l FuegoAndréa <strong>de</strong>lFuego, escritora,é autora <strong>da</strong>trilogia <strong>de</strong> contosMinto EnquantoPosso, Nego Tudoe Engano Seue do romancejuvenil Socie<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>da</strong> Caveira <strong>de</strong>Cristal. Blog:www.<strong>de</strong>lfuego.zip.netSou uma mulher <strong>de</strong> 33 anos que foi uma adolescente<strong>de</strong> 13 em São Bernardo do Campo,isso em 1988. Morava num conjunto habitacionalon<strong>de</strong> meus pais ain<strong>da</strong> <strong>vive</strong>m. ConjuntoHabitacional Rudge Ramos, po<strong>de</strong> entrar.Lá nasceram minha irmã caçula e o irmão do meio, quese livrou <strong>de</strong> uma bronquite por conta <strong>da</strong> maresia santistaque chegava ao município. Tenho sau<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> neblinado ABC, a névoa que São Paulo já per<strong>de</strong>u.Aos 13 anos quis ir ao show do A-Ha, ban<strong>da</strong> norueguesaque incendiou minha cabeça ingênua. Mantive umálbum com fotografias dos integrantes <strong>de</strong>scansando emsuas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, an<strong>da</strong>ndo nos palcos e em Copacabana. Aospoucos misturei vocalistas <strong>de</strong> outras ban<strong>da</strong>s tão ruinsquanto. Na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1980, uma adolescente no subúrbiorecebia mais lentamente as informações, era um períodosem a pulverização simultânea <strong>da</strong> internet.Eu acreditava no programa Fantástico, no balé dobairro e que aos 14 anos seria adulta, achando que issoera ir aon<strong>de</strong> quisesse. Em casa nunca houve um livro,tirando os <strong>de</strong> receita e a Bíblia, que nunca eram abertos.Minha mãe, mineira, dispensava qualquer conselhoreferente a tempero ou temperatura exata <strong>de</strong> umfogão, além <strong>de</strong> dispensar os salmos calmantes que, sea acalmassem mesmo, ela não iria bater <strong>de</strong> porta emporta a ven<strong>de</strong>r tapetes.Menstruei aos 13 anos no meio <strong>de</strong> uma festa infantil.Senti tontura e congestionamento no abdômen, corripara casa e me fechei no banheiro, certa <strong>de</strong> que vomitariaas coxinhas e bolinhas <strong>de</strong> queijo. Acabei eliminandopor baixo o primeiro sinal <strong>de</strong> maturi<strong>da</strong><strong>de</strong> e futuropela frente. Minha mãe me <strong>de</strong>u um absorvente e dissepara eu ficar calma e assistir ao <strong>de</strong>senho na televisão.O Pica-Pau não podia me explicar o que era a pressãoque acabava <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r em forma <strong>de</strong> umi<strong>da</strong><strong>de</strong>, era umafêmea assusta<strong>da</strong> e recém-pari<strong>da</strong> no mundo adulto eresponsável. Foi quando a Madonna entrou em casa eme disse, com aquele jeito suburbano, que se eu gritasse,arrepiasse o cabelo e tivesse coragem, eu venceria.Nenhum outro rapaz lânguido me <strong>de</strong>u tanta coragemquanto a Madonna, espero que ela não saiba disso.Ela virá em <strong>de</strong>zembro para a histeria <strong>de</strong> minha geração.Fiquei oito horas numa fila para comprar ingresso,numa ven<strong>da</strong> antecipa<strong>da</strong> em três meses. O ingressomais caro custava R$ 720 e muitos fãs <strong>de</strong>ram osalário inteiro pelo show, saíram <strong>de</strong> diversas partes dopaís, acamparam na porta <strong>da</strong>s bilheterias, viram cambistaspassar na sua frente e não só: alguns cambistaspagaram cachês para alguns velhinhos comprarem osbilhetes com o preço privilegiado <strong>de</strong>stinado a eles porlei – com isso as vovós tiraram uma graninha na filapreferencial para a terceira i<strong>da</strong><strong>de</strong>. Vi uma senhora roxa<strong>de</strong> tanto sol, com uma pilha <strong>de</strong> notas <strong>de</strong> R$ 100, comprandoingressos para um show ao qual não irá, nemseus netos. Tudo porque a <strong>de</strong>man<strong>da</strong> é gran<strong>de</strong>, a adolescênciaé mais perigosa que a infância quanto à importânciaque <strong>da</strong>mos ao espetáculo.Nunca fiz isso antes e me perguntava <strong>de</strong>baixo do solpor que eu estava ali, e não trabalhando, que era o maissensato. Como eu, milhares <strong>de</strong> ex-adolescentes do subúrbio,adolescentes atuais e eternas meninas em estado<strong>de</strong> graça vão gritar ao som <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> duvidosa epouco importa. Madonna é a monalisa <strong>da</strong>s meninas edos meninos que gostam <strong>de</strong> meninos. Tão óbvia quantomisteriosa, ela é responsável pela iconografia <strong>da</strong> ambição.E não me venha dizer que ela dá maus exemplos,que exemplo efetivo sempre vem <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa. Copiamosdos nossos pais até o jeito <strong>de</strong> pegar um garfo.Depois avançamos na educação, po<strong>de</strong> ser que o mundonos diga que com colher é mais fino, e você seguiráa etiqueta só em convescotes sociais.Em atual turnê em Roma, Madonna <strong>de</strong>dicou a faixaLike a Virgin ao papa, para <strong>de</strong>sgosto do Vaticano. Garantoque nenhum fã <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> rezar o pai-nosso seisso fez sua mãe em dias mais severos. Ain<strong>da</strong> <strong>de</strong>scobrirãoque absorvemos os valores reais não <strong>da</strong>queles que seexibem, mas <strong>da</strong>queles que nos afagam. Madonna nemsabe que nós existimos.66 REVISTA DO BRASIL outubro 2008

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!