viagemO que nem osbúzios revelamCi<strong>da</strong><strong>de</strong> mais famosa <strong>da</strong> Região dos Lagosdo Rio <strong>de</strong> Janeiro, mesmo vitima<strong>da</strong> peloturismo pre<strong>da</strong>tório, consegue guar<strong>da</strong>rrelíquias <strong>da</strong> natureza e <strong>da</strong> ciênciaPor Maurício ThuswohlFotos <strong>de</strong> Rodrigo QueirozPraia <strong>de</strong>GeribáOcostão rochoso é magnífico. De um lado, um <strong>de</strong>spenha<strong>de</strong>iro<strong>de</strong> quase 50 metros, esculpido pelas on<strong>da</strong>sque ali arrebentam com força. Do outro, uma falésiacomposta por pelo menos três tipos <strong>de</strong> rocha – <strong>de</strong>cores e texturas diferentes –, que se encontra como mar <strong>de</strong> um azul intenso. Nesse cenário, o capricho <strong>da</strong> naturezaconstruiu em meio às rochas três piscinas naturais que, alinha<strong>da</strong>sem alturas diferentes, têm suas águas constantemente renova<strong>da</strong>spelo mar e formam entre si uma espécie <strong>de</strong> cascata. Após mais <strong>de</strong>uma hora <strong>de</strong> difícil caminha<strong>da</strong>, um banho nas piscinas revigora ocorpo e os pensamentos. A beleza, como diz o poeta, “arrebentaas retinas <strong>de</strong> quem vê”.Esse pe<strong>da</strong>cinho <strong>de</strong> paraíso, oficialmente, não tem nome. Os moradores<strong>da</strong> região <strong>de</strong>ram-lhe o nome, básico, <strong>de</strong> Poças. O maiscurioso é saber que esse ecossistema quase intocado, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>mobservar gaviões e tartarugas marinhas,fica em Armação dos Búzios,um dos balneários mais conhecidos (eagredidos) do Brasil. A 165 quilômetrosdo Rio <strong>de</strong> Janeiro, Búzios é a maior jóiaecológica e arqueológica <strong>da</strong> Região dosLagos, mas sofre com o turismo pre<strong>da</strong>tório.A ci<strong>da</strong><strong>de</strong> tem pouco menos <strong>de</strong> 30mil habitantes, mas sua população crescequase <strong>de</strong>z vezes durante o verão hápelo menos duas déca<strong>da</strong>s.A riqueza natural <strong>de</strong> Búzios é tãogran<strong>de</strong> que, mesmo em pleno 2008,ain<strong>da</strong> existem lugares como Poças que,felizmente, permanecem pouco ou na<strong>da</strong> conhecidos. A parte maisconsciente dos moradores prefere que isso continue assim. Para osaventureiros que quiserem <strong>de</strong>scobri-lo, uma dica: assim como diversosoutros lugares magníficos <strong>de</strong>sse circuito off <strong>de</strong> Búzios, Poçasestá bem perto <strong>de</strong> lugares conhecidos e ba<strong>da</strong>lados (como Geribáe Ferradurinha). Chegar lá, no entanto, não é tarefa para principiantes.A trilha é íngreme e, em alguns pontos, semifecha<strong>da</strong> pelavegetação. Além disso, a <strong>de</strong>sci<strong>da</strong> pelo costão escorregadio exigeboa dose <strong>de</strong> coragem e atenção.Outra maravilha <strong>de</strong> Búzios pouco conheci<strong>da</strong> ou freqüenta<strong>da</strong>pelo “turista normal” é a praia <strong>de</strong> Zé Gonçalves. Localiza<strong>da</strong> naÁrea <strong>de</strong> Proteção Ambiental (APA) Pau-Brasil, cerca<strong>da</strong> pela vegetação<strong>de</strong> restinga preserva<strong>da</strong> e uma mata que se encosta à areiabranca, é uma <strong>da</strong>s poucas praias <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que servem para surfe.A vantagem <strong>de</strong> Zé Gonçalves em relação a outros points, entretanto,é que, mesmo no verão, lá não é preciso disputarca<strong>da</strong> on<strong>da</strong> a tapa: “Aqui não tem tantagente, é uma praia à qual se chega escondido,com o caminho por <strong>de</strong>ntro do mato... Édiferente, por exemplo, <strong>de</strong> Geribá e Tucuns,que ficam mais cheias”, conta o surfista AlexRidzi, <strong>de</strong> Rio <strong>da</strong>s Ostras.“A praia é boa para o surfe porque é vira<strong>da</strong>para o su<strong>de</strong>ste e, sobretudo na época<strong>de</strong> outono e inverno, as ondulações vêm doE<strong>de</strong>valdo,na Praia <strong>da</strong>Tartarugasul e entram aqui certinho. O vento quasesempre é terral, então quebram boas direitasaqui no point colado na pedra”, explicaRidzi. Mesmo para quem não pega on<strong>da</strong>, Zé62 REVISTA DO BRASIL outubro 2008
Alex Ridzi, naPraia <strong>de</strong> JoséGonçalvesPraia <strong>de</strong> JoãoFernandinhoPraia dosAmoresGonçalves fascina. Enquanto esteve na praia, a reportagem foipremia<strong>da</strong> pela visita <strong>de</strong> uma foca que, provavelmente perdi<strong>da</strong><strong>de</strong> seu <strong>grupo</strong>, <strong>de</strong>scansou na areia e nadou entre as rochas.A entra<strong>da</strong> para a praia fica na estra<strong>da</strong> velha que liga Búzios aCabo Frio. Para chegar lá, é preciso cortar a APA Pau-Brasil eseguir por um tortuoso caminho <strong>de</strong> areia e terra. Mesmo coma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso para automóveis, ain<strong>da</strong> não existemsinais <strong>de</strong> turismo pre<strong>da</strong>tório no local.Além dos prazeres <strong>da</strong> contemplação, do banho <strong>de</strong> mar, <strong>da</strong>prática <strong>de</strong> caminha<strong>da</strong>s ou dos esportes, o circuito off dos queamam Búzios traz conhecimento científico. Consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> pelogoverno como área <strong>de</strong> interesse geológico, a Ponta <strong>da</strong> Lagoinhaé lugar mágico. Lá se encontra a prova <strong>de</strong> que as rochasque constituem o que hoje chamamos <strong>de</strong> Armação dos Búziosforam forma<strong>da</strong>s por um “aci<strong>de</strong>nte” entre a América do Sul ea África, ocorrido num distante passado. Essas rochas foramsubmeti<strong>da</strong>s a altas pressões e temperaturas e produziram mineraistípicos. Dois <strong>de</strong>les – o zircão e a monazita – foram <strong>de</strong>scobertospor uma geóloga na Ponta <strong>da</strong> Lagoinha. Os mineraistêm entre 500 milhões e 520 milhões <strong>de</strong> anos.Uma placa coloca<strong>da</strong> pelo governo do Rio <strong>de</strong> Janeiro na Ponta<strong>da</strong> Lagoinha informa aos visitantes que, há 520 milhões <strong>de</strong>anos, existia no planeta uma gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> terra, conheci<strong>da</strong>como paleocontinente Gondwana, que aglutinava as massascontinentais <strong>de</strong> América do Sul, África, Austrália, Antárticae Índia. Segundo os cientistas, essas massas, por meio <strong>de</strong> colisões<strong>de</strong> proporções titânicas, geraram ca<strong>de</strong>ias rochosas conheci<strong>da</strong>scomo orogenias. O Himalaia é um exemplo <strong>de</strong> orogenia. Búziostambém. Ou seja, a região tem ain<strong>da</strong> uma impressionante riquezamineral, que não po<strong>de</strong> ser transforma<strong>da</strong> em lucro, mas é um tesouropara a ciência, os olhos e o espírito. Tomar sol sobre as rochas que umdia estiveram encosta<strong>da</strong>s na África, num lugar não maculado pelo turismopre<strong>da</strong>tório, não tem preço.O que tem preço, às vezes salgado, é a hospe<strong>da</strong>gem em uma <strong>da</strong>s excessivaspousa<strong>da</strong>s <strong>de</strong> Búzios. Lota<strong>da</strong>s no verão, assim como as principaispraias, os restaurantes e as boates, elas têm sua ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> bastante reduzi<strong>da</strong>no período outono/inverno, reflexo <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sequilíbrio econômicocrônico <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Tentando ven<strong>de</strong>r algumas lagostas ain<strong>da</strong> vivas a turistasque passeiam pela Praia <strong>da</strong> Tartaruga – um lugar procurado poramantes do mergulho <strong>de</strong> todo o mundo –, o barraqueiro E<strong>de</strong>valdoAlmei<strong>da</strong> Santos lamenta essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>: “Aqui sempre teve mais brasileirono verão e mais gringo no inverno. Sempre tive muitos clientesargentinos, mas agora eles estão todos duros. No verão é festa, masno inverno temos que lutar para comer e sobre<strong>vive</strong>r”, diz.O crescimento <strong>da</strong> classe média brasileira po<strong>de</strong> ser notado em Búzios.Gerente do restaurante David, fun<strong>da</strong>do há 35 anos e um dos maistradicionais <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, Marcus Vinícius <strong>de</strong> Oliveira confirma essa impressão:“Nosso público abrange as classes média e alta, mas seu perfilmudou um pouco nos últimos anos. Caiu o número <strong>de</strong> argentinos, masem compensação estamos recebendo um novo público formado, emsua maioria, por cariocas, paulistas e mineiros <strong>de</strong> classe média”.O mesmo prestígio do restaurante David tem a Peixaria Araújo,na Praia <strong>de</strong> Manguinhos. Dona <strong>de</strong> clientela fiel, a proprietária AliceOkasaki Araújo ain<strong>da</strong> se orgulha <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r pescado fresco e tiradohá pouco tempo do mar, mas lamenta o crescimento <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado:“Há um gran<strong>de</strong> consumo nos meses <strong>de</strong> verão, mas tem a saturaçãodo pescado. O camarão cinza, uma <strong>da</strong>s marcas registra<strong>da</strong>s <strong>da</strong> região,praticamente só é encontrado em criações <strong>de</strong> cativeiro”, diz.As palavras <strong>de</strong> Alice <strong>de</strong>finem o dilema <strong>de</strong> Búzios: sobre<strong>vive</strong>r <strong>da</strong>vocação turística sem <strong>de</strong>struir seu patrimônio natural. Resolveressa equação significa salvar um dos lugares mais espetacularesdo litoral brasileiro. Existe esperança enquanto estiver preservadoum circuito natural off como o formado por Poças, Zé Gonçalvese Ponta <strong>da</strong> Lagoinha. Mas ain<strong>da</strong> não se chegou a um estágio <strong>de</strong>sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> que permita aos moradores – aqueles que amamBúzios – não precisar mais pedir para que o acesso a esses lugaresnão seja revelado.2008 outubro REVISTA DO BRASIL 63