A pressão pela cesárea eletiva nem sempre acontece <strong>de</strong> forma direta.“O médico fala ‘o seu nenê é gran<strong>de</strong>’ ou ‘está com o cordão enrolado’.A mulher fica preocupa<strong>da</strong> e, no final, acha que foi ela quem<strong>de</strong>cidiu. A gente brinca que ‘o Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> adverte: pré-natalfaz mal para o parto normal’, porque as mulheres <strong>de</strong> classe média,que fazem um número suficiente <strong>de</strong> pré-natais, que <strong>de</strong>veriam ser <strong>de</strong>quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, são as que mais fazem cesárea”, afirma Silvana.O mesmo estudo <strong>da</strong> Fiocruz <strong>de</strong>rruba um argumento muito freqüente,o <strong>de</strong> que as próprias mulheres brasileiras <strong>de</strong>sejariam o partocesáreo: 70% <strong>da</strong>s gestantes não manifestaram preferência pela cesarianano início <strong>da</strong> gravi<strong>de</strong>z, mas quase 90% a fizeram. “Isso indicaque há um convencimento durante o pré-natal”, afirma Lena Peres,do Departamento <strong>de</strong> Ações Estratégicas do Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>.“Cesariana é uma técnica. Parto normal, uma arte”, diz o obstetraJorge Kuhn, professor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> São Paulo (Unifesp).“Muitos médicos se formam sem saber fazer parto normal”,afirma a doula e educadora perinatal Ana Cristina Duarte, coor<strong>de</strong>nadorado Grupo <strong>de</strong> Apoio à Materni<strong>da</strong><strong>de</strong> Ativa (Gama). A doulaé uma acompanhante <strong>de</strong> parto treina<strong>da</strong> para oferecer suporte físico,emocional e afetivo.ao parto e nascimento é a <strong>de</strong>volução do protagonismo à mulher:é <strong>de</strong>la o papel mais importante”, afirma o obstetra Jorge Kuhn. Elatem liber<strong>da</strong><strong>de</strong> para caminhar, se alimentar, beber líquidos e escolherem que posição prefere ficar durante o trabalho <strong>de</strong> parto.Po<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir também quem estará presente. E conta com o apoio<strong>de</strong> uma doula. “O protagonismo implica assumir responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Para isso, é preciso ter informação. O que <strong>de</strong>man<strong>da</strong> tempo einvestimento”, completa Kuhn.Sites <strong>de</strong> <strong>grupo</strong>s <strong>de</strong> mulheres que lutam pela melhoria do atendimentoao parto, como o Materni<strong>da</strong><strong>de</strong> Ativa (www.materni<strong>da</strong><strong>de</strong>ativa.com.br),o Parto do Princípio (www.partodoprincipio.com.br) e o Amigas do Parto (www.amigasdoparto.com.br), são ótimasfontes <strong>de</strong> informação.Listas <strong>de</strong> discussão na internet, reuniões <strong>de</strong> casais grávidos ecursos <strong>de</strong> preparação para o parto também aju<strong>da</strong>m a perceber queexistem opções seguras para as gestantes <strong>de</strong> baixo risco – cerca <strong>de</strong>90% <strong>de</strong>las –, além do parto normal hospitalar padrão e <strong>da</strong> cesárea.E são uma forma <strong>de</strong> tomar contato com alternativas como partona água, parto domiciliar e parto com parteira, muito controversase temi<strong>da</strong>s por aqui, mas comuns em países com baixos índicesO obstetra Pedro Pablo Chacel, corregedor do Conselho Fe<strong>de</strong>ral<strong>de</strong> Medicina (CFM), admite que muitos médicos não estão preparadospara realizar o parto normal e, sem saber realizar outras manobrasobstétricas, partem para a cesariana. Mas não vê nisso umproblema. “Cem anos atrás as indicações <strong>de</strong> cesariana eram absolutas:ou faz ou morre. As coisas mu<strong>da</strong>ram. Hoje a cesárea é uma boaalternativa para a maior parte dos médicos”, afirma.Um forte componente econômico também pesa na <strong>de</strong>cisão: enquantoum trabalho <strong>de</strong> parto po<strong>de</strong> durar 12 horas ou mais, a cesárease resolve em menos <strong>de</strong> uma hora. E o valor pago ao médico peloconvênio – que varia hoje <strong>de</strong> R$ 300 a R$ 800, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do tipo<strong>de</strong> plano – é praticamente o mesmo nos dois tipos <strong>de</strong> parto. Alémdisso, a cultura <strong>da</strong> cesárea que se espalhou pelo país nas últimas déca<strong>da</strong>sfaz com que o parto operatório seja visto como bem <strong>de</strong> consumoe garantia <strong>de</strong> atendimento <strong>de</strong> melhor quali<strong>da</strong><strong>de</strong>.A dona <strong>da</strong> <strong>de</strong>cisãoO termo usado para <strong>de</strong>finir o atendimento que respeita o ritmonatural do nascimento e elimina os procedimentos <strong>de</strong> rotina é partohumanizado. “A melhor <strong>de</strong>finição para a assistência humaniza<strong>da</strong><strong>de</strong> mortali<strong>da</strong><strong>de</strong> perinatal, como a Holan<strong>da</strong>.“Quando eu estava grávi<strong>da</strong> <strong>de</strong> 6 meses <strong>da</strong> minha primeira filha,a médica nunca tocava no assunto parto, como se fosse uma coisatotalmente <strong>de</strong>la e que eu só saberia na hora”, conta a confeiteiraDenise Haendchen Gonzalez, mãe <strong>de</strong> Júlia, <strong>de</strong> 3 anos, e Alice, <strong>de</strong>6 meses. O rumo <strong>de</strong> seu pré-natal mudou quando leu numa revistauma matéria sobre parto natural: ela entrou em contato com o<strong>grupo</strong> <strong>de</strong> apoio indicado, fez um curso <strong>de</strong> parto e entrou numa lista<strong>de</strong> discussão sobre o assunto. “Não tinha a menor idéia <strong>de</strong> queexistia a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um parto sem anestesia e episiotomia”,lembra. Mudou <strong>de</strong> médica. “Sou chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> louca porque todomundo que conheço teve filho por cesárea.” Suas duas filhas nasceramem casa.Anestesia, episiotomia (corte no períneo para facilitar a passagemdo bebê), ocitocina sintética (hormônio usado para intensificaras contrações), lavagem intestinal, raspagem dos pêlos pubianose ruptura artificial <strong>da</strong> bolsa <strong>da</strong>s águas são alguns dos procedimentosque fazem parte do “pacote” do parto normal hospitalar, embora seuuso <strong>de</strong> rotina esteja listado entre as práticas consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s ineficazesou prejudiciais pela Organização Mundial <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> (OMS).42 REVISTA DO BRASIL outubro 2008
AcompanhamentoUma médica e uma enfermeira estavamao lado do casal <strong>de</strong> músicos Márcio eIsadora, quando Lia nasceu, no final <strong>da</strong>madruga<strong>da</strong> do dia 22 <strong>de</strong> maio2008 outubro REVISTA DO BRASIL 43