BombmundoTiremos <strong>da</strong>s estantes osempoeirados romances <strong>de</strong>ficção que falavam do perigo <strong>de</strong>um fim do mundo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> umaguerra nuclear: as bombas estão<strong>de</strong> volta, e até um tanto na mo<strong>da</strong>Por Flávio AguiarNo dia 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2008 um pequeno aci<strong>de</strong>nte nuclearaconteceu na usina <strong>de</strong> Tricastin, opera<strong>da</strong> pelaempresa Areva, no sudoeste <strong>da</strong> França. Pequeno,porque não se tem notícia, até agora, <strong>de</strong> que o eventotenha causado alguma morte nos arredores. Masas conseqüências imediatas dão uma idéia do que po<strong>de</strong> vir a ocorrer.O acontecimento principal foi o vazamento <strong>de</strong> líquido radioativo<strong>de</strong> um tanque usado para guar<strong>da</strong>r urânio não enriquecido.Oito galões vazaram. O líquido, além <strong>de</strong> atingir o terreno próximo,contaminou dois rios <strong>da</strong> região. Resultado: foi proibido por tempoin<strong>de</strong>terminado o uso <strong>da</strong> água natural <strong>da</strong> região tanto para beberquanto para qualquer uso doméstico ou <strong>de</strong> irrigação <strong>de</strong> plantações.Também foi proibi<strong>da</strong> a pesca, numa região conheci<strong>da</strong>mente piscosa.Quer dizer: inviabilizou-se a vi<strong>da</strong>.Agora, imagine uma guerra, com armas nucleares sendo usa<strong>da</strong>spor um, dois ou até mais lados. Segundo os técnicos, há doistipos <strong>de</strong> guerra com armas nucleares que po<strong>de</strong>m ser imaginados.Uma tática, outra estratégica. Na guerra tática, armas nucleares sãousa<strong>da</strong>s para prejudicar o potencial bélicodo inimigo: atingem-se instalações militares,áreas industriais estratégicas, centros<strong>de</strong> comunicação e serviços. Dezenas, talvezcentenas <strong>de</strong> ogivas, bombas e mísseissão mobilizados. Na estratégica, o ataqueé maciço e visa <strong>de</strong>struir o país inimigo,inviabilizando-o como nação e matandovastos contingentes <strong>de</strong> sua população civil.Centenas, milhares <strong>de</strong> artefatos são mobilizados.Muitos analistas dizem que a guer-26 REVISTA DO BRASIL outubro 2008E=MC 2 , on<strong>de</strong> tudo começouPo<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição imenso contido num pequeno volume. Essa é a principaldiferença entre uma bomba atômica e uma convencional. A equação <strong>de</strong> AlbertEinstein, ironicamente um pacifista, foi a base teórica para o <strong>de</strong>senvolvimento<strong>da</strong> bomba. Com ela sabe-se que mesmo uma reduzi<strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> massa<strong>de</strong> átomos (M) guar<strong>da</strong> muita energia (E), pois seu peso será multiplicado pelaveloci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> luz ao quadrado (C 2 ). Quando os cientistas conseguiram rompero núcleo dos átomos <strong>de</strong> urânio e plutônio, estava cria<strong>da</strong> a bomba. O queninguém previa em 1945, quando foram <strong>de</strong>tona<strong>da</strong>s as primeiras bombas <strong>de</strong>fissão nuclear, é que a radiação <strong>de</strong>corrente do processo continuaria a matarpor muitos anos após a explosão.
ara tática é uma guerra estratégica a prestação: uma vez inicia<strong>da</strong>,conduz necessariamente à segun<strong>da</strong>.Os únicos bombar<strong>de</strong>ios com armas nucleares realizados foramos <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s japonesas <strong>de</strong> Hiroshima e Nagasaki, pelos EstadosUnidos, em 6 e 9 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1945. Eles foram ao mesmo tempotáticos e estratégicos. Foram táticos em relação ao Japão: visavammostrar ao governo japonês o que aconteceria se não se ren<strong>de</strong>sseincondicionalmente. Foram estratégicos em relação às duas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s.A <strong>de</strong>struição foi total. Na primeira, morreram 140 mil pessoas<strong>de</strong> imediato; na segun<strong>da</strong>, 80 mil. Entretanto, as mortes continuaram,por gerações, <strong>de</strong>vido aos ferimentos ou doenças adquiri<strong>da</strong>scom as explosões, como vários tipos <strong>de</strong> câncer e malformação genéticados <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes dos atingidos. Muitos sobre<strong>vive</strong>ntes doataque em Hiroshima fugiram para Nagasaki: foram bombar<strong>de</strong>adosduas vezes.Na Guerra Fria que se seguiu, o perigo nuclear <strong>de</strong>ixou-se vislumbraralgumas vezes, sempre que Estados Unidos e União Soviéticaameaçavam confrontar-se. O momento <strong>de</strong> maior risco foia crise <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1961. Em Berlim, então dividi<strong>da</strong> pelo seu famosomuro, um dos maiores pontos <strong>de</strong> contato e passagem entreOriente e Oci<strong>de</strong>nte era conhecido como Checkpoint Charlie. Haviauma controvérsia sobre se diplomatas do lado oci<strong>de</strong>ntal (sobretudonorte-americanos e britânicos) podiam ou não ser parados porpatrulhas soviéticas para controle do lado oriental <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. O <strong>de</strong>sentendimentoocasionou uma série <strong>de</strong> tentativas dos oci<strong>de</strong>ntais<strong>de</strong> forçar a passagem para ver quem tinha razão. Tal fato resultounuma concentração <strong>de</strong> forças <strong>de</strong> infantaria no local, o que, a partir<strong>da</strong>s 17 horas <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> outubro, somava 50 blin<strong>da</strong>dos <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> lado<strong>da</strong> linha divisória, além <strong>de</strong> algumas centenas nos arredores.Do lado norte-americano a Força Aérea foi posta em alerta, e dolado soviético isso <strong>de</strong>ve também ter ocorrido. Havia <strong>de</strong>dos coçandogatilhos. Se houvesse um confronto, ataques táticos com armas nuclearesseriam tentados. A crise só se <strong>de</strong>sfez no dia seguinte, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> uma conversa ao telefone entre o presi<strong>de</strong>nte John Kennedy, <strong>de</strong>um lado, e o primeiro-ministro Nikita Kruschev, do outro. Um aum, os tanques <strong>de</strong> ambos os lados foram <strong>de</strong>ixando suas posições.Outro momento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> tensão <strong>de</strong>u-se no ano seguinte. Em1962, os EUA instalaram bases <strong>de</strong> mísseis na Turquia, perto <strong>da</strong>URSS. Em retaliação, os soviéticos começaram a instalar mísseisem Cuba, a 144 quilômetros <strong>da</strong> costa norte-americana. Novamente,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> momentos <strong>de</strong> mútuas ameaças, os mísseis foram retirados<strong>de</strong> Cuba e as projeta<strong>da</strong>s bases norte-americanas então ficarammais no papel do que na Turquia.Ela volta a nos assombrarjupiter images/AFP PHOTOFim do sossegoCom a <strong>de</strong>sagregação <strong>da</strong> União Soviética e o fim <strong>da</strong> Guerra Fria,o perigo nuclear parecia conjurado. Mas ele está <strong>de</strong> volta, e sob diferentesmaneiras. Formalmente, existem cinco países que são os“estados nucleares”: EUA, Rússia, Grã-Bretanha, França e China.Assumi<strong>da</strong>mente, há ain<strong>da</strong> outros três que se capacitaram para aprodução <strong>de</strong> armas nucleares: Índia, Paquistão e Coréia do Norte.Israel, tido como possuidor <strong>de</strong> armas nucleares, nega sempre. AÁfrica do Sul foi o único país que <strong>de</strong> fato <strong>de</strong>smantelou seu arsenal<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> possuí-lo: foi construído durante o regime do aparthei<strong>de</strong> <strong>de</strong>struído após seu fim. Há outros países candi<strong>da</strong>tos a ter um arsenal,ou assim acusados, como Irã, atualmente, ou Líbia, num passadorecente. Além disso, há países associados, isto é, que abrigamarmas <strong>de</strong> outro país: hoje isso só acontece com armas dos Estados2008 outubro REVISTA DO BRASIL 27