Redistribuir Lula tem planos para o petróleo do pré-sal: quer mu<strong>da</strong>r os critérios <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> royalties e vitaminar a educaçãoRicardo Stuckert/PRE não basta apenas redistribuir os recursos.Um dos principais problemas hoje nalegislação brasileira é que, como a Lei do Petróleo,<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1997, não <strong>de</strong>termina emque áreas a administração pública <strong>de</strong>ve aplicá-los– tema que foi capa <strong>da</strong> Revista do Brasil<strong>de</strong> fevereiro (edição 21) –, o po<strong>de</strong>r públicofica à vonta<strong>de</strong> para aplicar on<strong>de</strong> bem enten<strong>de</strong>r.E a prática mostra que os royalties nãovêm sendo investidos para reduzir a miséria.A regulação anterior, <strong>de</strong> 1953, estipulavaque os recursos teriam <strong>de</strong> ser prioritariamenteutilizados em energia, pavimentação<strong>de</strong> rodovias, abastecimento <strong>de</strong> água, irrigação,proteção ambiental e saneamento básico.Com a abertura do mercado <strong>de</strong> petróleopara empresas priva<strong>da</strong>s em 1997, as ci<strong>da</strong><strong>de</strong>sque mais recebiam recursos ganharammaior liber<strong>da</strong><strong>de</strong> para empregar o dinheiro.Manti<strong>da</strong>s as atuais regras, o governo e asprefeituras do Rio po<strong>de</strong>m ficar com mais <strong>da</strong>meta<strong>de</strong> do dinheiro dos royalties do pré-sal,fatia superior à <strong>da</strong> própria União. O Campo<strong>de</strong> Tupi fica na Bacia <strong>de</strong> Santos (SP), mas,pelos critérios <strong>da</strong> ANP, está mais concentradono lado norte <strong>da</strong> linha imaginária que oInstituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística(IBGE) construiu para separar o mar fluminensedo paulista. A proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> geográficaé usa<strong>da</strong> como referência para <strong>de</strong>finir estadoe município que vão receber royalties.Essa regra foi regulamenta<strong>da</strong> há duas déca<strong>da</strong>s,quando o valor <strong>de</strong>les não <strong>de</strong>spertava cobiça.Agora, estados, municípios e União disputarãocom vigor parte <strong>de</strong>sses recursos. Rioe Espírito Santo já se manifestaram contráriosà mu<strong>da</strong>nça. O governo paulista tem um<strong>grupo</strong> <strong>de</strong> trabalho que já discute como mexernesses critérios. Outros estados acompanhamas discussões. A corri<strong>da</strong> pelo dinheirosó começou.Torre <strong>de</strong> BabelGoverno Preten<strong>de</strong> criar estatal para administraras reservas <strong>da</strong> cama<strong>da</strong> pré-sal ain<strong>da</strong> nãolicita<strong>da</strong>s, como forma <strong>de</strong> ter maior controlesobre a exploração, evitar aumento <strong>de</strong>masiado<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>da</strong> Petrobras e impedir que empresaspriva<strong>da</strong>s possam controlar essas reservas.Petrobras Detém 70% <strong>da</strong>s reservas já licita<strong>da</strong>s<strong>da</strong> cama<strong>da</strong> pré-sal e gostaria <strong>de</strong> ter controletotal sobre as reservas não-licita<strong>da</strong>s sem quehaja processos <strong>de</strong> concessão, ou seja, sem ter<strong>de</strong> <strong>de</strong>sembolsar pela aquisição <strong>da</strong>s áreas.Mercado A Petrobras tem mais <strong>de</strong> 400 milacionistas, <strong>de</strong> pequenos investidores a fundoscomo o do megaespeculador George Soros,que recentemente adquiriu US$ 1 bilhão empapéis <strong>da</strong> empresa. Esses acionistas são contrauma nova estatal para administrar as reservase ameaçam entrar na Justiça caso o governoavance nesse sentido.O governo já manifestou que po<strong>de</strong>rá rediscutira partilha. Recentemente, a ministra<strong>da</strong> Casa Civil, Dilma Rousseff, disse queseria necessário modificar a distribuição dosrecursos, já que o patamar mudou com as<strong>de</strong>scobertas. Para isso, é preciso haver mu<strong>da</strong>nçana Constituição. Ou seja, a discussão<strong>de</strong> como o país irá usufruir as novas <strong>de</strong>scobertasserá também um tema peso-pesadona agen<strong>da</strong> do Congresso em 2009.Empresas priva<strong>da</strong>s Querem que as reservasnão-licita<strong>da</strong>s sejam concedi<strong>da</strong>s em leilõesabertos à participação <strong>da</strong> iniciativa priva<strong>da</strong>,uma forma <strong>de</strong> ter controle sobre essasimportantes reservas.Políticos Há, pelo menos, sete projetos<strong>de</strong> lei na Câmara e no Senado que buscamestabelecer novos critérios para a partilha dosrecursos dos royalties. A maioria dos projetos é<strong>de</strong> estados que não são gran<strong>de</strong>s produtores <strong>de</strong>petróleo e que também querem recursos.Movimentos sociais Cobram maiorfiscalização sobre o uso e o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>recursos dos royalties. Também preten<strong>de</strong>mque o montante seja, prioritariamente,<strong>de</strong>stinado à área social e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m maiorparticipação do Estado no planejamentoe exploração, como principal indutor do<strong>de</strong>senvolvimento.22 REVISTA DO BRASIL outubro 2008
artigoConvenção 158 e <strong>de</strong>mocraciaOs efeitos positivos <strong>de</strong>sta convenção <strong>da</strong> OIT para a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> doemprego e <strong>da</strong>s relações <strong>de</strong> trabalho ain<strong>da</strong> po<strong>de</strong>m ser recuperados.Des<strong>de</strong> que a pressão <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre o Congresso seja maisforte que a <strong>da</strong> velha guar<strong>da</strong> patronalPor Giorgio Romano SchutteAConstituição <strong>de</strong> 1988 <strong>de</strong>fine que a relação<strong>de</strong> emprego é “protegi<strong>da</strong> contra <strong>de</strong>spedi<strong>da</strong>arbitrária ou sem justa causa... nos termos<strong>da</strong> lei complementar”. Ou seja, sem a referi<strong>da</strong>lei essa proteção torna-se uma letramorta. Déca<strong>da</strong>s atrás o neoliberalismo argumentavaque a maior “flexibili<strong>da</strong><strong>de</strong>” <strong>da</strong>s regras é que proporcionariamais trabalho e ren<strong>da</strong>. No entanto, os mesmosque com suas políticas fizeram o <strong>de</strong>semprego dispararFHC revogoua ratificação<strong>da</strong> Convenção158 paraevitar queos recursosjudiciais <strong>da</strong>classe patronalchegassemao SupremoTribunalFe<strong>de</strong>ral eeste <strong>de</strong>sserazão aotrabalhadornos anos 1990 agora tentam convencer asocie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que um mo<strong>de</strong>sto e pequenopasso para superar a <strong>de</strong>missão imotiva<strong>da</strong>,com a ratificação <strong>da</strong> Convenção 158<strong>da</strong> Organização Internacional do Trabalho(OIT), seria um “atraso”.A Convenção 158 não proíbe a <strong>de</strong>missão,apenas reduz o po<strong>de</strong>r autoritário doempregador na relação trabalhista e estimulauma cultura <strong>de</strong> negociação no local<strong>de</strong> trabalho. Uma vez em vigor, as <strong>de</strong>missõesprecisarão ter justificativas, que po<strong>de</strong>mser problemas econômicos, tecnológicos,estruturais ou semelhantes, mas,nesses casos, o processo precisa ser informadoe discutido com os representantesdos trabalhadores.O Brasil é um dos países com o mercado<strong>de</strong> trabalho mais flexível no mundo,basta olhar a alta rotativi<strong>da</strong><strong>de</strong>: <strong>de</strong>missão e admissão éa regra do jogo. Quando recebemos a boa notícia <strong>de</strong>que foi criado 1 milhão <strong>de</strong> empregos, enten<strong>da</strong>-se que10 milhões <strong>de</strong> trabalhadores foram contratados e 9 milhões,dispensados. E não é necessário amplo conhecimento<strong>da</strong>s relações sindicais para enten<strong>de</strong>r o quantoisso enfraquece o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> negociação dos empregados.Essa distorção gera a “justiça <strong>da</strong> <strong>de</strong>spedi<strong>da</strong>”, emvez <strong>de</strong> Justiça do Trabalho, pois quando não há canais<strong>de</strong>mocráticos para reivindicar os direitos no dia-a-dia,como horas extras não pagas ou ambientes ina<strong>de</strong>quados,o trabalhador espera o seu <strong>de</strong>sligamento para recorrerà Justiça.O Congresso Nacional havia aprovado a Convenção158 <strong>da</strong> OIT em setembro <strong>de</strong> 1992. Mas, por se tratar <strong>de</strong>um assunto que provocou pouco interesse na época, <strong>de</strong>morouaté abril <strong>de</strong> 1996 para que entrasse em vigor. Foiquando FHC promulgou sua ratificação. Traduzindo:a maior autori<strong>da</strong><strong>de</strong> do Po<strong>de</strong>r Executivo, por meio doDecreto nº 1.855, assinou embaixo <strong>da</strong> convenção paraque ela passasse a ter vali<strong>da</strong><strong>de</strong> no Brasil.Quando os sindicatos começaram a basear argumentose pleitos nos termos <strong>da</strong> Convenção, a reação empresarialfoi enérgica. Por isso, em um ato inacreditável,sete meses <strong>de</strong>pois, FHC <strong>de</strong>nunciou (revogou aratificação) do mesmo instrumento, paraevitar que os recursos judiciais <strong>da</strong> classepatronal chegassem ao Supremo TribunalFe<strong>de</strong>ral e este <strong>de</strong>sse razão ao trabalhador.Vejam o argumento usado na época:a Constituição estabelece que o artigo7º <strong>de</strong>ve ser regulamentado por lei complementar.Não sendo a convenção umalei complementar, esta seria inconstitucional,mesmo na inexistência <strong>da</strong> tal leicomplementar que contemplasse o que aCarta Magna man<strong>da</strong> fazer.Há mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos se aguar<strong>da</strong> uma<strong>de</strong>cisão do STF a respeito <strong>da</strong> legali<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> um presi<strong>de</strong>nte cancelar um tratado internacional– no caso a Convenção 158 <strong>da</strong>OIT – sem autorização do Congresso.Em seu primeiro man<strong>da</strong>to, o presi<strong>de</strong>nteLula tentou fazer uma gran<strong>de</strong> reforma,mas acabou avançando pouco na área. Assim, tomouseno seu segundo man<strong>da</strong>to a sábia iniciativa <strong>de</strong> reapresentara Convenção 158 <strong>da</strong> OIT ao CongressoNacional, em fevereiro último, para que seja aprova<strong>da</strong>pela segun<strong>da</strong> vez, após 16 anos, sem que os <strong>de</strong>putadosjamais a tenham <strong>de</strong>nunciado. Mas a re-ratificação<strong>da</strong> Convenção 158 foi rejeita<strong>da</strong> pela Comissão <strong>de</strong>Relações Exteriores e <strong>de</strong> Defesa Nacional <strong>da</strong> Câmarano mês <strong>de</strong> julho.O resultado <strong>da</strong> votação foi comemorado pelo lobby<strong>da</strong>s enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s patronais, que operou dia e noite. Contudo,o tema não se esgota aqui, pois o assunto entraagora na pauta do Plenário. A velha guar<strong>da</strong> patronal semobiliza, usando argumentos mo<strong>de</strong>rnos, para manterum dos símbolos do atraso do capitalismo brasileiro:a <strong>de</strong>missão imotiva<strong>da</strong>.Giorgio RomanoSchutte ésociólogo,membro doGrupo <strong>de</strong> Análise<strong>de</strong> ConjunturaInternacional <strong>da</strong>USP e professor<strong>de</strong> RelaçõesInternacionaisdo CentroUniversitárioBelas Artes2008 outubro REVISTA DO BRASIL 23