trabalhoTudo para nãodividir o boloNum ambiente <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia, crescimento ealtos lucros em todos os setores <strong>da</strong> economia,muitas empresas ain<strong>da</strong> tentam sufocarsindicatos em vez <strong>de</strong> discutir civiliza<strong>da</strong>mentecomo compartilhar os resultadosPor Nicolau SoaresRepresentantes do banco Santan<strong>de</strong>re dos funcionários reúnem-sepor <strong>de</strong>terminação dojuiz Alexandre David Malfatti,<strong>da</strong> 7ª Vara Cível <strong>da</strong> capitalpaulista. O Santan<strong>de</strong>r quer impor multa <strong>de</strong>R$ 50 mil para ca<strong>da</strong> dia que o Sindicatodos Bancários <strong>de</strong> São Paulo permanecer emfrente a um prédio do banco na zona sulpaulistana. Era outubro <strong>de</strong> 2005, a categoriaestava em greve, mas o Santan<strong>de</strong>r nãoqueria ruído na sua porta. Atento ao direito“<strong>de</strong> ir e vir”, mas também ao <strong>de</strong> livre manifestação,o juiz convocou o diálogo.O acordo foi assim expresso por Malfatti:“As partes reconhecem, <strong>de</strong> um lado, osdireitos fun<strong>da</strong>mentais <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestação,<strong>de</strong> reunião e <strong>de</strong> greve e, <strong>de</strong> outrolado, o direito <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> e o direitoao trabalho... Os réus po<strong>de</strong>rão exercer,pacificamente e respeitando a livre escolhado funcionário, o direito <strong>de</strong> convencimento.E o banco po<strong>de</strong>rá exercer, pacificamentee respeitando a livre escolha dofuncionário, o direito <strong>de</strong> convencê-lo a nãoa<strong>de</strong>rir. Em suma, fica claro que, <strong>de</strong> lado alado, po<strong>de</strong>rão atuar no convencimento sobrea<strong>de</strong>são ou não. A atuação será pacíficae sem constrangimentos”. Obra-prima dobom senso para relações <strong>de</strong> trabalho quese preten<strong>de</strong>m mo<strong>de</strong>rnas, o acordo firmadoé ain<strong>da</strong> uma exceção.No tempo do autoritarismo, usava-se aforça para impedir manifestações. Com a<strong>de</strong>mocracia, ficou um pouco mais difícil.Para constranger a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> dos trabalhadores<strong>de</strong> se organizar, os patrões buscambrechas na lei e contam, em boa partedos casos, com o conservadorismo <strong>de</strong> setores<strong>da</strong> Justiça, recorrendo a uma medi<strong>da</strong>chama<strong>da</strong> “interdito proibitório”. Tratase<strong>de</strong> ação jurídica para situações em queo direito <strong>de</strong> posse ou <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> estásendo ameaçado. Está no Código Civil <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o início do século passado, interessandoprincipalmente a fazen<strong>de</strong>iros que viamameaça <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> terras. Da déca<strong>da</strong>passa<strong>da</strong> para cá, tem sido usado por empresaspara tentar manter grevistas bem longenão <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>pendências, mas <strong>de</strong> suasproximi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. O raciocínio é simples: evitarque um funcionário perceba o respaldo<strong>de</strong> um movimento coletivo.Liber<strong>da</strong><strong>de</strong>Recentemente, o movimento sindical lançoudois contra-ataques judiciais diante doque consi<strong>de</strong>ra abuso <strong>da</strong>s empresas sobre odireito <strong>de</strong> greve. Uma ação movi<strong>da</strong> pelo Sindicatodos Bancários <strong>de</strong> Belo Horizonte ques-14 REVISTA DO BRASIL outubro 2008
DesproporçãoPor vezes a forçapolicial é <strong>de</strong>smedi<strong>da</strong>nas manifestaçõessindicaisGerardo Lazzariacabar em confronto com a polícia e multasmilionárias para o sindicato.“A utilização do interdito não cabe nessasituação, pois não se trata <strong>de</strong> ameaça àposse”, avalia a advoga<strong>da</strong> trabalhista DeborahBlanco, assessora jurídica <strong>da</strong> Confe<strong>de</strong>raçãodos Trabalhadores do Ramo Financeiro(Contraf/<strong>CUT</strong>). “Mas há juízes queaceitam essa argumentação”, explica. Assim,impõe-se pesa<strong>da</strong> restrição à liber<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> expressão dos trabalhadores. “O interditoproibitório não é compatível como direito <strong>de</strong> greve. A greve não busca expropriação<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>”, afirma o juizGrijalbo Fernan<strong>de</strong>s Coutinho, presi<strong>de</strong>nte<strong>da</strong> Associação Latino-americana <strong>de</strong> Juízesdo Trabalho. Para ele, o fato <strong>de</strong> uma greveafetar os bens <strong>da</strong> empresa é conseqüênciado conflito social: “Se não houver prejuízos,não faz sentido fazer greve”, explica.No julgamento <strong>da</strong> ação dos bancários <strong>de</strong>Belo Horizonte, o STF <strong>de</strong>terminou que interditossejam analisados pela Justiça doTrabalho. Ítalo Souza Nicoliello, advogadodo sindicato, explica que a Justiça Comumtem visão mais dissocia<strong>da</strong> do fenômenogreve. “A Justiça Comum não investiga motivações<strong>de</strong> um movimento. Com a fixaçãona Justiça do Trabalho, teremos ambientemais propício para esse tipo <strong>de</strong> discussão”,avalia. O placar <strong>da</strong> votação no STF, oito votosa favor e um contra, no último dia 10<strong>de</strong> setembro, indica que po<strong>de</strong>rá ser edita<strong>da</strong>uma súmula vinculante a respeito do tema– e que a interpretação po<strong>de</strong>rá ser segui<strong>da</strong>em instâncias inferiores.“A <strong>de</strong>cisão reforça a tese <strong>de</strong> que o que estáem discussão é o direito <strong>de</strong> greve e não odireito <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>”, avalia o juiz Coutinho.Sua interpretação fortalece, também, aação movi<strong>da</strong> pela <strong>CNM</strong>/<strong>CUT</strong>. “Existe umacolisão <strong>de</strong> direitos, entre greve e proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>.Mas a Constituição <strong>de</strong>termina a funçãosocial <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, e um dos critériospara isso é o respeito aos direitos fun<strong>da</strong>mentais,entres os quais está o <strong>de</strong> greve”,argumenta o advogado Marthius Sávio Lobato,<strong>da</strong> Confe<strong>de</strong>ração.Abuso <strong>da</strong> leiO Sindicato dos Metalúrgicos do ABCpaulista enfrenta uma situação que <strong>de</strong>monstraaté on<strong>de</strong> vai o abuso dos interditos.A Ecovias, concessionária que administra aVia Anchieta, conseguiu por esse meio vetarpasseatas na rodovia. “Como um sindicatovai se manifestar se não po<strong>de</strong> fazeruma passeata? Há juízes que vão mais longe,criminalizando dirigentes sindicais, quetêm <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r individualmente por umconflito que é coletivo”, afirma Sávio.A ação <strong>da</strong> <strong>CNM</strong>/<strong>CUT</strong> está a cargo doministro Carlos Ayres Brito. Caso o STF<strong>de</strong>ci<strong>da</strong> favoravelmente, será uma vitóriaimportante para a garantia do direito <strong>de</strong>organização e manifestação. No entanto,outras ameaças continuarão, entre elas, aprópria Lei <strong>de</strong> Greve. Promulga<strong>da</strong> em 1989,prevê as condições a serem cumpri<strong>da</strong>s paraque uma greve não seja consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> abusiva,como publicação <strong>de</strong> aviso <strong>de</strong> 48 a 72 horasantes <strong>da</strong> paralisação, entre outras. DeborahBlanco consi<strong>de</strong>ra a lei <strong>de</strong>satualiza<strong>da</strong>frente às mu<strong>da</strong>nças do mundo do trabalho.tiona a competência <strong>da</strong> Justiça Comum parajulgar esses casos. Outra, <strong>da</strong> Confe<strong>de</strong>raçãoNacional dos Metalúrgicos (<strong>CNM</strong>/<strong>CUT</strong>),contesta o uso <strong>de</strong> interdito em greves e manifestações.As duas tramitam no SupremoTribunal Fe<strong>de</strong>ral (STF) e trazem para o <strong>de</strong>batenacional a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> greve e <strong>de</strong> organização.Apesar <strong>de</strong> previsto na Constituiçãocom status <strong>de</strong> “fun<strong>da</strong>mental”, o direito <strong>de</strong> grevetem sido duramente ameaçado.Os abusos ficam mais claros, por exemplo,quando se está diante <strong>de</strong> uma campanha salarial.Os trabalhadores <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>categoria, em assembléia, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m entrarem greve. No mesmo dia, uma empresa procuraa Justiça Comum e entra com ação <strong>de</strong>interdito, alegando que manifestações próximasàs suas <strong>de</strong>pendências ameaçam o direito<strong>de</strong> “posse” <strong>da</strong> empresa sobre seu espaço.Caso o juiz concor<strong>de</strong>, a manifestação po<strong>de</strong>chega-pra-láO climasempre acabaesquentandoRaquel camargo2008 outubro REVISTA DO BRASIL 15