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tecno brega! tecno brega! - Itaú Cultural

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Slinkachu, Fantastic Voyage [slinkachu.com]


0806 0809PERFIL | questão de ponto de vistaO artista britânico Slinkachu cria cenas surreais e divertidasao fotografar pequenos objetos em paisagens urbanas.ARTIGO | o lugar da arteGuilherme Wisnik fala sobre trabalhos site-specific dos anos1960 até hoje.CERTIDÃO DE NASCiMENTO | de passagemOs painéis Guerra e Paz, de Candido Portinari, chegam aSão Paulo e marcam o cinquentenário da morte do pintor.101824ESPECIAL30entrevista | entre o museu e a ruaOs grafiteiros Binho Ribeiro e Chivitz contam comotransformaram repressão em iniciativa inédita no cenáriobrasileiro da arte de rua.CAPA | treme, <strong>tecno</strong> <strong>brega</strong>!O crescimento do estilo musical paraense sinaliza maiorprofissionalização de músicos como Gaby Amarantos,prestes a lançar CD nos moldes da grande indústria.ENSAIO | dança que ocupa a cidadeBailarinos do Stagium arriscam seus passos precisos pelasruas do centro de São Paulo.28Reportagem | obra que se desdobraLuiz Ruffato e os 15 anos de dedicação ao romance InfernoProvisório, composto de cinco títulos.Reportagem | caligrafia do afetoDedicatórias potencializam artisticamente a comunicação cotidiana.MUSEUs DO MUNDO | novo trajeto para as artesInstituto Figueiredo Ferraz, em Ribeirão Preto, coloca o interiorpaulista na rota cultural do país.10183414| a vida é amiga da arteEduardo Coutinho lança documentário sobre histórias de vida ereitera a importância da música em seus filmes.Reportagem | cenário idealTrabalhos de diversos artistas funcionam como resposta aoestímulo que as cidades lhes provocam.Reportagem | na crista da ondaA arte brasileira ultrapassa o caráter folclórico, vence estereótipose ganha espaço e reconhecimento ao redor do globo.323336 3739Reportagem | o epaço é dos bebêsRecém-nascidos agora são público-alvo de eventos culturais.balaio | a força das referênciasArtes visuais, novas publicações, entrevista com Andréa delFuego e arte pública recheiam nossas páginas de dicas culturais.Quadrinhos | animais em fugaO penúltimo capítulo da saga criada por Lourenço Mutarelli.24


PERFIL | slinkachuquestão deO artista britânico Slinkachu brinca com a ilusão de óptica ao fotografar seus pequenos objetos em cenários urbanosponto de vistaTEXTO tatiana dinizFOTOS slinkachuCerta vez, enquanto montava seu trabalho nas ruasde Londres, o artista britânico Slinkachu foi abordadopor um policial. Deu-se o seguinte diálogo:Policial: Com licença, o senhor se importa de medizer o que está fazendo?Slinkachu: Oh. É... Eu só estou colando essa pequenapessoa de plástico.Policial: Como?Slinkachu: Aqui, olhe. É um... É... um negócio de arte.Mais ou menos. Eu tiro foto dessas pessoinhas edepois as abandono.Policial: Ah! Que interessante! Desculpe, achei quevocê estivesse cheirando cola, ainda mais com essesupertubo aí. Temos visto muito disso por aqui.Slinkachu: Ahn?!Policial: Meus filhos adorariam seu trabalho.Slinkachu: É? É uma pequena prostituta... e seucliente... no carro.Policial: Ooh!!! Bem... Continue, então.Slinkachu: Obrigado.A conversa com o policial virou a introdução dolivro Little People in the City: The Street Art ofSlinkachu [que pode ser adquirido em amazon.com]. Abandonadas em cenários urbanos, miniaturasde pessoas de plástico compõem minúsculasréplicas de situações diversas. Um resgateapós uma tempestade, um flerte entre uma prostitutae seu cliente, uma senhora exibicionistasentada numa gigante ponta de cigarro... Ao criarum espaço de surpresa dentro do cotidiano, ascenas levam da estranheza ao envolvimento.As miniaturas usadas nas instalações são adquiridascom fornecedores de modelismo e garimpadasem lojas diversas. No site slinkachu.com, o artistabrinca que mantém as pessoinhas sob sua camaem regime de trabalho forçado. Lixo e insetos encontradosna rua também viram material para asobras. Depois de montadas, as cenas são fotografadasem zoom e a distância. As fotos criam uma espéciede ilusão de óptica em que pequenas poçasd’água viram lagos gigantescos, por exemplo.O nome Slinkachu surgiu por acaso a partir doapelido Slinky, que o artista ganhou por causa docabelo cacheado. Nascido e criado em Devon, árearural situada na costa do Reino Unido, ele contaque teve uma infância repleta de espaço e de liberdadepara explorar. “Eu era um menino que gostavade ficar sozinho, de desenhar e de fazer coisas.”


SlinkachuGostaria muito de fazer minha açãono Brasil. devERIA ir logo, mas aindanão planejei isso.”Na opinião dele, perde-se o senso de exploraçãona idade adulta. “Talvez, de algum modo, eu aguceessa noção tentando criar surpresa diante depersonagens assustadores, ou cínicos.” Apesardisso, ele prefere não registrar as reações daspessoas às instalações. “Nem fico perto para ver!”Hobby que virou profissãoNa adolescência, Slinkachu fez toda sorte de bicos.Trabalhou em um supermercado, tomouconta de um quiosque de sorvete e foi vendedornuma loja de livros. O primeiro emprego formalfoi como diretor de arte de anúncios publicitários.A princípio, lembra, a arte para ele não passavade um hobby. “Era somente algo que eu gostavade fazer e que não estava conectado ao mundodo design comercial que eu integrava”, relata.“Curtia a ideia de ter algo criativo só meu, quenão fosse ditado por um cliente.”No verão de 2006, o artista começou a espalharminiaturas de pessoas por Londres e depois pelomundo. “A ideia original foi bem aleatória, algoque me passou pela cabeça enquanto eu estavapensando em outra coisa. Naquele tempo, euandava muito intrigado com as escalas e estavabastante interessado em arte de rua”, conta.Além disso, Slinkachu nutria outras motivaçõespessoais para continuar se dedicando a seu trabalhoartístico: “Imaginava que podia ser umasurpresa para quem passasse e tivesse a sorte deencontrar aquilo. Também achei que seria divertidofazer as instalações e elas me permitiriamaprender mais sobre fotografia”. Ele explica quequanto mais fazia mais se interessava pela narrativapresente nas instalações e nas fotografias.“Eu me surpreendi com quanta empatia era evocadapelas miniaturas e isso me levou a explorardiferentes histórias e personagens.”As miniaturas de Slinkachu já foram fixadas emcenários de cidades da Itália, do Marrocos, dosEstados Unidos, da Holanda e da Noruega, sópara citar alguns países. “Gostaria muito de fazerminha ação no Brasil. Deveria ir logo, mas aindanão planejei isso”, confessa.Paralelamente às cenas com miniaturas de pessoas,ele começou a decorar objetos em forma decaracol com grafite e outras técnicas, para quecirculem carregando mensagens. “Eles viram arte-móvel,ou mídia de propaganda. Não sei comoa Cola-Cola, a Sony ou outra dessas grandes empresasnunca usaram caracóis como mídia.”Slinkachu costuma pensar muito sobre qual seriasua própria reação se encontrasse suas instalações.“Quando eu era criança, queria ser arqueólogoe até hoje amo a ideia de achar coisasDetalhes da mesma foto revelam o processo criativo doartista, que se vale do zoom para brincar com a realidadeescondidas. Acredito que eu, mais novo, teriaadorado encontrar uma das minhas instalações.Acho que teria ficado pasmado e manteria aquelainformação na memória”, observa.A capital inglesa, onde vive, sempre exerceu influênciaem seu trabalho. “Amo a cidade, mas aomesmo tempo acho-a frustrante e solitária. Tentorefletir as diferentes reações dos londrinos nomeu trabalho. Exploro o estilo de vida em grandescidades e como elas nos fazem parecer menorese perdidos.”A obra de Slinkachu Fantastic Voyage, de 2011, abre esta edição (veja nas páginas 2 e 3). Conheça mais do trabalhodo artista em: e , de onde foram retiradas essas imagens.07CONTINUUM06


DE PASSAGEMOportunidade rara de conhecer pessoalmente os painéis Guerra e Paz,de Candido Portinari, em São Paulo, marca o cinquentenário da morte do pintorTEXTO carlos costaCem estudos, entre desenhos e pinturas, serão exibidospela primeira vez junto às obras. Em sentido horário:Mãos Entrelaçadas (1955, grafite e crayon colorido sobrepapel, 10 x 10 cm); Meninos no Balanço (1955, grafitee lápis de cor sobre papel, 25 x 24 cm); e Mulher comFilho Morto (1955, óleo sobre madeira, 158 x 118 cm)Guerra e Paz, os monumentais painéis, com cerca de 14 x 10 metros, pintadospor Candido Portinari (1903-1962) para o edifício sede da ONU, emNova York, na década de 1950, serão expostos no Memorial da AméricaLatina, em São Paulo, de 6 de fevereiro a 21 de abril de 2012 – ano do cinquentenárioda morte do pintor.A mostra integra o Projeto Guerra e Paz, ação do Projeto Portinari. As obrasforam desinstaladas por ocasião da reforma do prédio da ONU, o que permitiua restauração e a exibição dos painéis que ficam em local de acessorestrito. Agora, os trabalhos poderão ser conhecidos pelo grande público.A reforma começou em 2010 e o primeiro evento foi em dezembro do mesmoano: uma exposição no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, seguidada abertura ao público do ateliê de restauro, no Palácio Gustavo Capanema,na mesma cidade. Após o restauro, a primeira exibição pública da obra seráem São Paulo, no Salão de Atos do Memorial. Para compor a mostra virãotambém cem estudos originais do pintor para Guerra e Paz, os quais nuncaforam apresentados junto com os painéis.Após a temporada no Memorial, o conjunto viajará por outros destinos. “Estamosempreendendo uma ação de relevância política e social. Um grandegrito brasileiro pela paz”, explica Maria Duarte, diretora da ação. No roteirohá duas cidades definidas: Oslo, na Noruega, por ocasião da entrega do PrêmioNobel da Paz, em dezembro de 2012; e Hiroshima, no Japão, em 2013.Os painéis são compostos de 28 placas de madeira – cada uma tem 2,2 x 5metros e pesa 75 quilos. A área total pintada é de 280 metros quadrados. Aiconografia, em planos sobrepostos, apresenta temas recorrentes nas obrasdo pintor: a mãe com o filho morto nos braços, inspirada na imagem de Mariaamparando o corpo de Jesus; os retirantes; e os meninos de Brodósqui(cidade natal do artista, no interior de São Paulo).Na execução, entre 1953 e 1956, Portinari e equipe trabalharam em um galpãoda extinta TV Tupi. O pintor não pôde executar a obra nos EstadosUnidos, nem estar presente na inauguração, por ser comunista e não terpermissão para entrar no país.Paz e GuerraUm dos mais importantes artistas brasileiros, Portinari teve sua obra comentadapor uma diversidade de críticos e historiadores contemporâneos.Sobre o painel com o tema paz, escreveu Israel Pedrosa: “São múltiplas asreminiscências de obras anteriores de Portinari, como também são váriosos vestígios desses trabalhos em quadros posteriores do mestre. [...] O queemana desse painel nos enleva e encanta, mais que a ideia de paz [...], é aprópria paz que nos invade ao contemplá-lo”.Antônio Bento descreveu o painel bélico: “Na representação da guerra,como tivesse relativa liberdade de criação, Portinari optou pelo tema intemporaldos Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Pareceu-lhe uma soluçãomelhor do que pintar a guerra com um caráter realista, figurando os combatesdo século XX com o arsenal das armas contemporâneas”.A história registra que a pintura desses quadros foi para o pintor uma missãosocial e que realizá-los contribuiu para a deterioração de sua saúde.Portinari foi diagnosticado com intoxicação por chumbo, proveniente dastintas que usava, antes de assumir a encomenda. A pintura dos painéis, porsua grande extensão, causou uma considerável piora no quadro de envenenamento,que o levou à morte alguns anos depois.Conheça as ações do Projeto Portinari em .O Projeto Guerra e Paz rendeu um documentário dirigido por Carla Camurati,com narração de Fernanda Montenegro e Luíz Inácio Lula da Silva.Veja em: .Saiba mais sobre Candido Portinari na Enciclopédia Itaú <strong>Cultural</strong> de ArtesVisuais, disponível em: .09CERTIDÃO DE NASCIMENTO | painéis guerra e pazCONTINUUM08


entrevista | binho e chivitzentre oMUSEUe a RUATEXTO sabrina duranFOTOS claus lehmannPrimeiro, o Estado enquadrou os artistas. Foram 11 detidos nodia 3 de abril de 2011, todos levados para a delegacia, ainda sujosde tinta, acusados de crime ambiental por estar grafitandoas pilastras que sustentam os trilhos do metrô sobre a AvenidaCruzeiro do Sul, na zona norte de São Paulo. Seis meses depois,o mesmo Estado dava àqueles artistas a tinta e a estrutura necessáriaspara que finalizassem as obras. Em meados de outubro,surgia do cinza das pilastras o 1º Museu Aberto de ArteUrbana do Brasil (Maau), com 35 colunas e 68 obras gráficasde puro reconhecimento ao grafite paulistano. Trabalharam ali58 artistas durante duas semanas, entre eles Binho Ribeiro, 40anos, e Chivitz, 34, idealizadores do projeto. O Maau começoua ganhar forma durante as oito horas em que os dois, além dosoutros nove, passaram na delegacia tentando provar à políciaque, ao contrário do que dizia o artigo 65 da Lei de Crimes Ambientais,grafite não era o mesmo que pichação – no dia 25 demaio, a presidente Dilma Rousseff assinava a Lei nº 12.408, quedescriminaliza o grafite. Amigos de longa data e parceiros deesqueite, hip-hop, spray e tinta látex, Binho e Chivitz, expoentesda arte urbana no Brasil e com prestígio no exterior, abriram umprecedente inédito: colocaram para conversar o poder públicoe a rua. Com esse diálogo, conseguiram substituir por cores eformas o cinza chapado da cidade malcuidada.Como foi o contato de vocês com o poder público?BINHO: No próprio dia 3 de abril, ainda na delegacia, agente já era manchete no UOL e havia mais de 200 postssobre a nossa detenção. Graças à minha conexão, knowhowe crédito, e também do Chivitz, obtivemos uma repercussãoque rapidamente chegou ao conhecimentodo secretário de Cultura do Estado [Andrea Matarazzo],de Regina Monteiro, da SP Urbanismo [presidente dacomissão de proteção à paisagem urbana da SecretariaMunicipal de Desenvolvimento Urbano], e da presidênciado Metrô. Foi uma combinação muito importante decredibilidade e vontade política.CHIVITZ: Fomos detidos por volta do meio-dia e liberadosumas 8 da noite. Na delegacia, formalizamosum pouco o projeto. Depois fomos para casa, ligamoso Skype e fizemos uma reunião. Ficamos a noite inteiraescrevendo o projeto e juntando imagens. No dia seguinte,a gente se encontrou às 8 da manhã no centroda cidade e fomos atrás de apoio. Nossa intenção era sópintar esse lugar superdeteriorado. Antigamente haviaumas pilastras pintadas aqui, mas de uns anos para cátudo ficou cinza.BINHO: Fomos para a SP Urbanismo e aprovamos umpré-projeto. A gente somou tudo o que tinha de credibilidadee contatos para fazer o projeto acontecer.CHIVITZ: Foi essa credibilidade que nos tranquilizou.No dia em que a gente estava se programando para pintar,o Binho falou: “A gente vai ser preso”. Eu disse: “Imagina,mano, você é o Binho, cara...” [risos].


A repercussão negativa da prisãode Binho e Chivitz foi o estopim paraque o poder público mudasse suapostura em relação ao grafiteBINHO: A gente convocou fotógrafos para registrar omomento do enquadro. Temos esse material. O Chivitzestá coordenando a criação de um documentário sobretoda a história, inclusive com a participação do secretáriode Cultura. Vamos mostrar os dois lados, os artistascontraventores e o poder público.Foi uma guinada radical na postura do poder públicoem relação à arte de rua?BINHO: Essa disposição política em fazer uma açãocom a gente foi inédita. É a primeira vez que vejo umprojeto underground se transformando em algo patrocinadopelo governo. Oficialmente, o espaço foidecretado museu pelo próprio secretário. Isso é pioneirono mundo.CHIVITZ: O grafite nunca entra num museu ou galeria.O que entra é o trabalho do artista de rua. É difícil levarpara o museu a efemeridade que a rua tem, e aqui [noMuseu Aberto] a gente conquistou isso.BINHO: Esse espaço fica entre o museu e a rua.Vocês pretendem dar continuidade ao Maau?CHIVITZ: Nos próximos anos queremos abrir o projetopara que seja um edital para a cidade. Em 2011 nãotivemos tempo. Foi uma ação regional porque, claro,conquistamos isso com essa galera e quisemos valorizartodo mundo, desde os [artistas] mais novos até os maisantigos. No futuro, vamos fazer um trabalho educacional,realizar oficinas para ver quem realmente mereceparticipar do projeto.Como foi feita a curadoria?BINHO: Nossa curadoria foi separada em três partes: selecionamosalguns dos principais nomes dessa cultura11CONTINUUM10


entrevista | binho e chivitzHá um movimento mundial defortalecimento do grafite. O futurodessa arte é aumentar ainda mais seurelacionamento com o poder público,a sociedade e as empresas.” BinhoMuseu Aberto de Arte Urbana estampaobras de 58 artistas nas pilastras de umelevado na zona norte paulistanano Brasil; artistas que tiveram história nessas colunas [daAvenida Cruzeiro do Sul]; e jovens artistas que têm grandeinteratividade com o bairro [de Santana]. Não agradamosa todos em nenhuma das seções, porém conseguimos terrepresentantes desses três segmentos. Encontramos umaespinha dorsal para uma curadoria bem democrática.Vocês receberam alguma crítica por ter patrocíniodo poder público?BINHO: Se rolou essa crítica, ela passou despercebida.O que a gente está expondo aqui não é o grafite,mas a obra dos artistas. O grafite continua nas ruas eos artistas continuam pintando onde acham que têmde pintar. É claro que tudo o que o poder público apoiaou discrimina sempre vai receber algum tipo de crítica.Mas acho que a positividade do projeto passou porcima desse questionamento.CHIVITZ: A gente respeita muito o grafite, o ato da pintura,a correria, a dedicação e a ousadia da galera queestá fazendo arte na rua. Mas isso não foi um encontrode grafite, e sim uma mostra de arte urbana.Mas qual é a diferença entre um encontro de grafitee o que foi feito no Maau?BINHO: Um encontro de grafite é uma coisa mais livre,coletiva, talvez até mais gostosa. As obras costumam semesclar. Aqui, o fato de cada artista ter uma obra individuale uma separação natural pela arquitetura do lugarjá dá uma cara diferente.O que vocês receberam dos patrocinadores pararealizar o trabalho?BINHO: Viabilizaram material, estrutura – locação de escada,equipe de trabalho de produção – e ajuda de custopara os artistas. Às vezes, artistas são contratados peloEstado para fazer um painel e chegam a cobrar valoresabsurdos, algo em torno de 200, 300 mil reais. Nós, commetade desse valor, fizemos esse volume todo de obra.CHIVITZ: A gente queria era o espaço. Trabalhamosem cima do orçamento, reformulamos várias vezes parafazer um trabalho legal com a grana que havia. A ajudade custo foi um pequeno alívio. Era mais para o carapoder se transportar para cá, pagar um estacionamento.Como o grafite evoluiu para esse nível mais “profissional”?Existe algum questionamento so<strong>brega</strong>nhar dinheiro com ele?BINHO: Há uns 20 anos as pessoas começaram a prestarmais atenção no grafite. Foi quando começou a ter umapincelada do que fazemos hoje. Só que, naquela época, agente era muito jovem e não tinha força para organizaras coisas. Nós fomos amadurecendo, somando conteúdoe profissionalizando uma coisa que era só rua, dando umvalor para aquilo, uma necessidade de produção. Hoje éque tem esse questionamento, porque o artista que vemda rua hoje não passou por essa fase que passamos.CHIVITZ: Hoje tem muita gente que entra na rua querendoter fama, reconhecimento. A diferença dessa geraçãopara a geração do Binho, que tem 25 anos de estrada,e para minha, com 15 anos, é que a gente começou semnenhuma pretensão. A galera iniciou simplesmente porquegostava, e o que aconteceu dali para a frente foi lucro.


Quais as perspectivas para o grafite no futuro?BINHO: Há dois caminhos claros. Um é que as ruas continuemocupadas por grafiteiros, mesmo que eles sejamdetidos, bem ou mal-interpretados, porque é uma culturaque faz parte de toda grande cidade e transbordapela sociedade. O outro caminho é que, com o amadurecimentodos artistas, surja uma contrapartida. Há ummovimento mundial de fortalecimento do grafite, e ascidades, que antes se sentiam agredidas, agora vêm ganhandocom isso. O futuro dessa arte é aumentar aindamais seu relacionamento com o poder público, a sociedadee as empresas. A cidade oferece o espaço, e os artistascontribuem com suas obras.CHIVITZ: Acho que muitos artistas vão passar para essafase mais contemporânea de museus, galerias e exposições.Como vocês se conheceram?BINHO: Não me lembro da época, mas já encontrava oChivitz andando de esqueite, com amigos que temos emcomum. Eu me lembro de estar pintando numa pista deesqueite e de o Chivitz ter um estúdio de tattoo naquelelugar. A gente aproveitou para ficar trocando ideia.CHIVITZ: Eu conhecia o Binho porque ele já era dografite. Mas lembro do dia em que conheci o Binhomesmo. Eu estava na zona norte com um amigo dandouma caminhada. Aí a gente passou em frente de umaesfiharia e ele disse: “Olha o Binho lá, é ele mesmo!”[risos]. Para a gente era como conhecer o Tony Hawk[famoso esqueitista norte-americano]. Ficamos esperandoele sair para trocar uma ideia. E hoje estamos aí,o cara é meu amigo, meu parceiro.Conheça o trabalho de:Chivitz em: binho em : .Quando vocês estão pintando juntos, como é atroca de ideias?BINHO: A integração é muito natural entre grafiteirosque não se conhecem e não falam a mesma língua [artística].A gente não tem muitos trabalhos em conjunto. Omais frequente são obras de cada um dividindo o mesmoespaço. Mas há uma em especial, na minha casa, quea gente pintou com bastante interação.CHIVITZ: Temos a liberdade de dar um toque no trabalhodo outro, de mostrar um ponto de vista diferente,uma coisa sincera, algo que a amizade construiu.Como o amadurecimento pessoal interferiu notrabalho de vocês?BINHO: Acho que até completar 15 anos de pintura,eu tinha uma produção mais eclética e menos preocupadacom conceitos. De uns oito anos para cá, além domeu trabalho clássico de letra e personagem, comecei amontar outro, em paralelo, que chega a ser o somatóriode tudo o que já fiz, mas concentrado em um conceitoespecífico. Venho trabalhando os animais porque elestêm muitos movimentos e uma plasticidade que me ajudana elaboração da obra. Desprendo-me do colorido etrabalho de forma livre no interior da silhueta do animal.Estou focando minha atuação no universo das artesplásticas, em exposições e galerias.CHIVITZ: Quando comecei a pintar na rua eu já fazia tatuagem,e por isso tinha uma referência muito forte de tattoo.Quando desencanei um pouco dessa arte, passei a olharmais para os meus personagens na cidade, no contexto domovimento hip-hop, do esqueite, do desenho animado, dascoisas de que eu gostava. Inseri mais cores. Depois meutrabalho começou a entrar em galerias e se transformoupor completo. Posso dizer que tenho um estilo figurativo eabstrato para pintar tanto nas ruas quanto na tela.Nos próximos anos QUEREMOSabrir o projeto [do Maau]para que seja um edital para acidade. NO FUTURO, VAMOS fazerum trabalho educacional,realizar oficinas para verquem realmente mereceparticipar.” Chivitz13CONTINUUM12


CAPA | <strong>tecno</strong><strong>brega</strong>


<strong>tecno</strong><strong>brega</strong>!O estilo musical paraense e seu universo apoteótico se firmam no cenário nacionalcom o sucesso de Gaby Amarantos, prestes a lançar novo CDTEXTO carlos costaFOTOS daniel aratangy (Gaby Amarantos) e andré seiti (festas)No início do século XXI, num estado cortado porrios e florestas, no Norte do Brasil, surge umamistura de ritmos que ganha fama de exótica,<strong>tecno</strong>lógica e é reconhecida como produto culturalgenuíno da periferia. A mistura se chama<strong>tecno</strong><strong>brega</strong>. O estado, Pará. E essas supostas qualidadesatreladas a ela reforçam o exagero visuale sonoro que a caracteriza.Com um de seus grande talentos, Gaby Amarantos,alcançando a maturidade e prestes a lançarum disco produzido nos moldes do mainstream,o <strong>tecno</strong><strong>brega</strong> se firma na mídia, se espalha. Mas oque há por trás de tanta apoteose?Para o antropólogo Andrey Faro de Lima, que em2008 se debruçou sobre o tema na dissertação “Éa Festa das Aparelhagens!”, defendida na UFPA,o <strong>tecno</strong><strong>brega</strong> nasceu como um estilo musicale cresceu tanto que hoje em dia é apresentadocomo um movimento. “Pitoresco, descrito, em algunsaspectos, de forma similar ao funk carioca,é, sem dúvida, uma manifestação ligada à identidadedo Pará, mas bastante contaminada por umdiscurso midiático externo a ela, impregnado dasvicissitudes contemporâneas”, reflete.Ou seja, o <strong>tecno</strong><strong>brega</strong> não é exótico para quem ofaz, tem a <strong>tecno</strong>logia natural da contemporaneidadee, de fato, vem dos subúrbios, mas não traznenhum conteúdo revolucionário nem difere deoutras manifestações similares, como o <strong>brega</strong> emPernambuco ou a quebradeira na Bahia.Tecno<strong>brega</strong> é o estilo musical principal tocadonas festas de aparelhagem – eventos comuns emBelém e outras cidades do Pará. Ocorre tambémem outros estados da região e, conforme Lima,“em países como o Peru e a Colômbia”. É, basicamente,uma festa na qual as aparelhagens são oelemento essencial.As aparelhagensNas palavras de Gaby aparelhagens são: “imensascaixas de som, soundsystems, com uma cabine eum DJ”. Numa visão mais acadêmica, AntônioMaurício da Costa, professor da UFPA, descreve:“[...] é o equipamento sonoro composto de umaunidade de controle e seu operador (o DJ), quepossibilita o uso de diversos recursos e alta qualidadena emissão musical, e suas caixas de som, quecomportam diversos alto-falantes e tweeters [...]”.As aparelhagens existem em Belém desde osanos 1950. Surgiram na Jamaica, como soundsystem,e foram responsáveis pela popularização doreggae. No Maranhão, chamadas de radiolas, sãoessenciais nas festas de reggae e simples na forma.Em Belém fazem as festas de <strong>tecno</strong><strong>brega</strong> esão rebuscadas criações visuais.Gaby conta quando o DJ Gilmar, da aparelhagemRubi, resolveu virar a cabine para o públicoe assumir a função de mestre de cerimônia. Dessaforma, o vínculo DJ/público ganhou mais importânciae essa relação é um dos combustíveisda festa: o DJ virou um astro.Gaby Amarantos: apresentação no Video MusicBrasil 2001, da MTV, e novo disco produzidopelo aclamado Carlos Eduardo Miranda1514


CAPA | <strong>tecno</strong><strong>brega</strong>Além dessa interferência na posição da cabine,as aparelhagens evoluíram no formato e nosequipamentos. O que era uma simples colunade caixas de som se transformou em nave espacial,calhambeque, uma diversidade de formasàs quais são acopladas luzes, sistema hidráulicoque movimenta as cabines, fogos de artifício, telões,gelo seco. “É culpa da Xuxa”, brinca Gabyse referindo à nave que compunha o cenário daapresentadora no programa de TV Xou da Xuxa.Assim, as aparelhagens foram conquistandoum público cativo e se firmando. Mega Príncipe,Tupinambá, Rubi, Superpop, Vetron. Em suadissertação, Lima estimava mais de 2 mil aparelhagensno Pará. Têm nome, DJs de referênciae seguidores. Foram associadas a gestos, geralmenterelativos à primeira letra de seus nomes.Para o Tupinambá se faz um T com os braços.Para o Superpop, um S com as mãos. E ganharammúsicas em seu louvor. Como a da bandaAR-15: “No Superpop é muita pressão/Quandoeu vi fazer o S pra mim/Eu percebi que encontreimeu amor”.Em outubro, durante as comemorações do Círiode Nazaré, quando chega a dobrar a populaçãoem circulação na Grande Belém, as aparelhagensse fizeram presentes, a cada noite, em diferentespontos da cidade. Em um clube popular, emAnanindeua, segundo município da região metropolitana,o Superpop promoveu uma festa nasexta-feira do Círio. Geralmente, antes das aparelhagensse apresenta uma banda. Nessa noite,era um grupo de forró. As redondezas dos clubesficam lotadas de carros e ambulantes – a cenaclássica de um grande show.“Meu águia de fogo!”O Superpop é formado pelos DJs Elison e Juninho,que tocam juntos há cerca de 20 anos. Aaparelhagem é conhecida como “Águia de Fogo”e seu formato é inspirado em uma ave. “Entrei noclima, cenário 3D/meu águia de fogo!”, canta aAR-15, distorcida e a todo volume.O DJ Juninho estima que o público, em umaapresentação como essa, chega a 6 mil pessoas.Mas há outras maiores, que reúnem 15 mil.Normalmente, vão das 22 às 4 da madrugada. Aaparelhagem começa a tocar depois da banda,por volta da 1 hora. Os ingressos, em geral, custamaté R$ 25. A frequência é majoritariamentepopular. E o ambiente lota.O som é alto, muito alto, e acelerado propositalmentepelos DJs. “Uma música com 190 batidaspor minuto (BPM) toca a mais de 200 BPMs. Osom fica muito rápido e distorcido”, explica Gaby.Os DJs tocam um pouco de tudo: forró, funk, músicasde sucesso. Mas o <strong>tecno</strong><strong>brega</strong> impera − “é 70%<strong>tecno</strong><strong>brega</strong> de produção local”, avalia a cantora.A sequência de músicas vai num crescente, preparandoo público para o momento em que a cabinedo DJ se levanta e se projeta; começam osfogos de artifício, as luzes e a fumaça. A catarsedo público é inevitável e o baile “treme”. O verbo“tremer” é usado com frequência no <strong>tecno</strong><strong>brega</strong>.O novo disco de Gaby se chama Treme; a aparelhagemTupinambá é conhecida por “O TremeTerra”; e quando é hora de se soltar na pista, todosgritam: “Treme!”.O público chega a 6 mil, 15 mil pessoas. As apresentações vãodas 22 às 4 da madrugada. Os ingressos, em geral, custam até 25 reais.A frequência é majoritariamente popular. E o ambiente lota.As festas de aparelhagem fazem tremer toda Belém:DJs-astros, cenário de Xou da Xuxa e uma bem azeitadarede informal de comercialização da música


Em todas as apresentações são constates as intervençõesdos DJs saudando os grupos. Umadiversidade de equipes, pequenos fã-clubes,acompanham as aparelhagens. “São como torcidasorganizadas de 10 a 15 pessoas. Vão para asfestas uniformizadas e esperam pelo momentoem que o DJ vai falar o nome deles e o da equipe.É uma coisa de ego. O DJ está lá, vendo todomundo, fazendo referência, e a galera querendomesmo chamar a atenção em meio àquele sommuito alto, à vibração”, narra Gaby.Enquanto o DJ está tocando, gravam o showpara ser vendido no final, por poucos reais.Dessa forma, fugiu do modelo de ter deestar na TV, fazer propaganda. O movimentoé autossustentável.” Gaby AmarantosEntre frases de efeito, sobre temas certeiros,como paquera e futebol, o DJ convoca as “famílias”.E o público delira. Lima calculou que umaaparelhagem de médio ou grande porte tenha de30 a 50 fã-clubes. O resultado do show é posto àvenda logo que acaba a apresentação. “Enquantoo DJ está tocando, gravam o show para ser vendidono final, por poucos reais. A equipe que o DJfalou o nome e mandou um abraço vai comprar.As pessoas ficaram viciadas em ir para a festa ecomprar o CD para ouvir em casa e mostrar. Dessaforma, fugiu do modelo de ter de estar na TV,fazer propaganda. O movimento é autossustentável”,arrisca Gaby.O movimento paralelo à mídia tradicional tambémocorre com a divulgação dos artistas. Oscantores levam para os camelôs os CDs quegravam em estúdios caseiros. Mandam para osDJs. Não há mais o meio de campo das rádios.Quem escolhe o que toca são os DJs e o público.O produtor musical Carlos Eduardo Miranda,há anos trabalhando com música paraensecomo organizador do festival Terruá Pará e nonovo disco de Gaby, considera as músicas do<strong>tecno</strong><strong>brega</strong> praticamente descartáveis, “de consumoimediato”. A produção alucinante de cançõesreforça essa informação. A cantora estimaque, por dia, são lançadas mais de uma dezenade <strong>tecno</strong><strong>brega</strong>s. Geralmente, versões. A baixaqualidade é uma constante.Dignidade para o <strong>tecno</strong><strong>brega</strong>Segundo Gaby, sua história profissional correparalela ao <strong>tecno</strong><strong>brega</strong>. Começou a mergulharnesse mundo há sete anos, quando fazia parte dabanda Tecnoshow. Desde essa época, explica quetentou, com os demais integrantes, dar um tratamentomais cuidadoso às canções que gravavam.“São músicas feitas por meninos de 12 anos, emlan houses, com programas que baixam ali mesmo.Sem equipamento de qualidade, sem instrumentoacústico”, explica.Foi assim que surgiu o <strong>tecno</strong>melody, filho do <strong>tecno</strong><strong>brega</strong>.Gaby e o parceiro do Tecnoshow DJ Beto Metralhacriaram o estilo para desacelerar as canções.“As pessoas não conseguiam mais dançar por causada aceleração da música. Fizemos o <strong>tecno</strong>melodypara que pudessem dançar, mais romântico, por issoas letras são de amor.” Como o <strong>brega</strong> clássico.Com a banda, Gaby investiu em um produtode maior qualidade e refinou o trabalho. O ápiceé seu novo CD, em que além do <strong>tecno</strong><strong>brega</strong>surgem outras referências da música de Belém,como a guitarrada e as percussões, e do mundo.A produção e direção musical são de Miranda,as batidas do DJ Waldo Squash e os arranjos deFélix Robatto. “Miranda foi o arquiteto; Waldo, opedreiro; e Félix o mestre de obras. O ritmo eletrônicoganhou metal, guitarra e percussão. Demosdignidade ao <strong>tecno</strong><strong>brega</strong>.”Na capa do seu disco, Gaby aparece entre enormesárvores e a aparelhagem Glacial, provavelmentea mais antiga em funcionamento emBelém. A Glacial é a estrela do bar DJeca, no populare central bairro do Jurunas, onde a cantoranasceu e ainda mora.Segundo seu proprietário, Cláudio Jairo, ela temquase 40 anos e, durante esse tempo, foi a garantiade funcionamento da casa. Uma ida ao DJecaé um passeio no tempo. A Glacial é um conjuntode caixas de som, ligadas hoje em dia a umcomputador. Difere das parafernálias das atuaisaparelhagens. É feita de madeira com forma retangular.As festas que embala também são diferentes:o que toca é <strong>brega</strong> de raiz. Até entrammúsicas atuais, mas sem distorção, sem efeitosde luz e fogos, como em um grande baile.Esse formato de festa ocorre com algumas aparelhagensmais modernas nos chamados bailes dasaudade. O antropólogo Andrey Lima destaca queos bailes da saudade têm muito apelo entre a populaçãoe fazem o elo com o que antecedeu o <strong>tecno</strong><strong>brega</strong>.Passado e presente, unidos pelo <strong>brega</strong>.Ensaio fotográfico Gaby Amarantos: produção de moda Dani Bonani; beleza Guilherme Rodrigues; assistente de fotos Fernando Fuchigami.Look 1 (foto p.14): body e adereço de cabeça Walério Araújo; braceletes Lázara Design. Look 2 (foto p.17) body de renda e adereço decabeça Walério Araújo; cinto corset Otávio Giora; braceletes Lázara Design. Tratamento de imagem: Rodolfo Mello.Assista ao vídeo desta reportagemna versão para tablet e no canal.17CONTINUUM16


ENSAIO | ballet stagiumDança queocupa a cidadeFOTOS autumn sonnichsenSão Paulo, madrugada do dia 1º de novembro de 2011. Temperaturaem torno dos 10 graus. Cinco dançarinos queintegram o Ballet Stagium fazem das ruas e viadutos docentro da cidade o seu palco. Neste ensaio, o grupo mostraum dos ideais da companhia: a dança pode ser feita, com omesmo apuro técnico, em qualquer lugar, seja num teatrosofisticado, seja na praça pública de um vilarejo. Naquelanoite, pelos passos dos bailarinos, a dança emprestou àmetrópole, por breves horas, o encanto roubado pelo progresso.Corpo e arquitetura em comunhão.


Momentos que marcaram a trajetóriade 40 anos do Ballet Stagium podemser conhecidos na exposição doprograma Ocupação, do Itaú <strong>Cultural</strong>,até 22 de janeiro. Saiba mais em.


Assista ao vídeo deste ensaio fotográficona versão para tablet e no canal.


Participaram desta sessão de fotos os bailarinosCamila Lacerda, Márcia Freire, Marcos Palmeira,Rafael Carrion e Paula Perillo.


ESPECIAL | eduardo coutinho


Eduardo Coutinho lança o documentário As Canções e afirma que não vai maisfilmar histórias de vidaTEXTO paula fazzioFOTO daryan dornellesEduardo Coutinho não gosta de ser chamadode senhor nem usa a internet para encontrar informaçõessobre as pessoas que entrevista. “OGoogle não me diz se Napoleão morreu infeliz.”Para isso, prefere conversar pessoalmente e ouvirrelatos de vida, matéria-prima de seu trabalho.Ele traça seus roteiros da seguinte forma: origem,família, saúde, amor, sexo, dinheiro (e a falta dele)e morte. “E se tem morte existe religião”, acredita.Com uma equipe de pesquisa e reportagem,Coutinho já rodou quase 30 filmes, entre curtas,médias e longas-metragens. Dos seus 78 anos,passou os últimos 47 atrás das câmeras.Na Paraíba, registrou uma família camponesadespedaçada pelo regime militar (Cabra Marcadopara Morrer, 1984). Passou duas semanasno morro Santa Marta, no Rio de Janeiro, pararetratar a violência que os moradores da favelaenfrentam diariamente (Santa Marta – DuasSemanas no Morro, 1987). Conversou com umacomunidade que vive no “lixão” (Boca de Lixo,1992), seguidores de Padre Cícero (Os Romeirosde Padre Cícero, 1994), moradores de um prédioem Copacabana (Edifício Master, 2002), operáriosda região do ABC paulista (Peões, 2004) eatores do grupo de teatro Galpão (Moscou, 2009).Escravidão, fé, velhice, Portinari, a virada do últimoséculo e interpretação teatral também já foramtema de seus filmes. Por mais brasileira queseja sua trajetória de documentários, Coutinhoconsegue imprimir marcas universais em cadaum deles. É possível sensibilizar-se com algunspersonagens em todos os seus filmes, mesmoque pertençam a uma realidade distante. “Coutinhofaz filme com os outros e não sobre os outros[...]. Ninguém está previamente condenadoa nada”, explica João Moreira Salles no prefáciodo livro O Documentário de Eduardo Coutinho:Televisão, Cinema e Vídeo (Jorge Zahar, 2004),de Consuelo Lins.Por isso uma força me leva a cantarHá algumas características que se repetem emquase todas as produções de Coutinho, apesarda variedade de assuntos abordados. A presençada música, por exemplo, é um elemento marcante.Em Jogo de Cena (2007), uma mulher canta acanção que usava para fazer a filha dormir, apósEduardo Coutinho: “Quando você tema mais dupla de tetine 30 anos, em a sua música casa passa no norte a terde a função londres de - preencher xx xxxxxxdff o passado” legenda falsaCONTINUUMvida éamigada arte2524


ESPECIAL | eduardo coutinhoFrames de As Canções mostram os selecionados para cantare contar suas histórias, entre eles Silvia Helena (foto maior)relatar as dores e dificuldades do relacionamentoentre elas. Em Santa Marta: Duas Semanas noMorro, há uma cena em que aparece uma tradicionalroda de samba, que não necessariamentetem papel fundamental no roteiro, mas reafirmaa importância da música nas obras do cineasta.Seu último trabalho, As Canções (lançado em outubrode 2011), mostra desconhecidos cantando semajuda de instrumentos. Com 500 mil reais de orçamento– o filme mais barato até o momento –, setedias de filmagem, 42 pessoas entrevistadas e 200 reaisde cachê para os 18 selecionados que aparecemno longa-metragem, Coutinho realizou um sonhoantigo. “O que cansava, às vezes, é que entravampessoas insuportáveis.”Para recrutar os participantes, a produção colocouanúncios no jornal e na internet, mas foi nabusca pelas ruas que encontraram a maior partedos personagens. Em caraoquês, na praia deRamos e em outros lugares do Rio de Janeiro aequipe andou com uma placa onde se lia: “Cantee conte”. O objetivo era fazer com que as pessoascantassem uma música que marcou suas vidas eexplicassem o motivo pelo qual ela é ou foi tãoimportante. “Se a pessoa não lembrava a música,saía na hora”, diz ele.No filme, há canções de Ary Barroso, Noel Rosa,Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Roberto Carlos,Jorge Ben Jor. Tem samba, balada e bolero,além de três composições dos próprios entrevistados.“Não me interessava saber qual era a maisbela, mas qual a música da história da vida daquelaspessoas”, conta ele. Um dos personagens dofilme, Queimado, diz que não escolheu a que achamais bonita de todos os tempos, mas a que ficou nasua cabeça no momento em que sofreu por amor.Por isso é que eu canto, não posso pararCoutinho acredita que alguns de seus entrevistadosmentiram – ou aumentaram – suas históriasdurante os depoimentos, mas diz não se importarmuito com isso: “A memória é um passado inventado.O que não é factualmente absurdo e é bemcontado é verdade. É isso que é fascinante. Quantomais criativo for, melhor, e não mais mentiroso”.Silvia Helena, de 56 anos, ficou muito nervosadurante os 30 minutos em que esteve diante dacâmera do diretor. Não imaginava que seria escolhida,e conversar com Coutinho “foi uma coisade tiete mesmo. Cantar e contar minha históriapara ele não era pouca coisa”, explica ela.Seu caso de amor durou mais de 30 anos e foino cinema que ela encontrou uma forma de pôrum ponto final na história em grande estilo. “Foium exorcismo, botei os fantasmas para correr.Coutinho ajudou com o respeito, a seriedade ea sabedoria com que faz seu trabalho.” Ela ficousatisfeita com o resultado e orgulhosa de terconseguido cantar uma música que acreditavanão lhe fazer bem, “Retrato em Branco e Preto”,de Chico Buarque.O diretor afirma que a maior parte dos entrevistadossaiu da gravação com a mesma sensação deSilvia, “felicíssimos”, seja porque colocaram suaslembranças ruins para fora seja porque tiverama oportunidade de relembrar os bons momentos.Nesse caso, por exemplo, um homem choraao lembrar uma música que sua mãe costumavacantar enquanto trabalhava com costuras de vestidode noiva. Logo em seguida diz não entendero motivo pelo qual se emocionou ao recordar essemomento, porque sua mãe está viva e saudável.O tempo não para e, no entanto,ele nunca envelheceGravado no fim de 2010, perto do Natal, o filmefez o cineasta enfrentar dificuldades para recrutarjovens para as filmagens. “Se eu quisessegente que gosta do Radiohead, do Nirvana, eupoderia ir até alguma faculdade, mas não tinhanenhuma aberta.” O período de férias escolaresfoi um fator que diminuiu a presença de pessoascom esse perfil, mas Coutinho diz que,mesmo se encontrasse gente nova, seria difícilachar alguém com a música da vida, porque jovemnão recorda, vive. “Quando você tem maisde 30 anos, a música passa a ter a função depreencher o passado”, explica.Em determinado momento de As Canções, opersonagem Queimado diz que não sabe comoalguém faz para relembrar algo de que gosta senão for por meio da música. Para ele, o cheirotambém é um elemento que carrega lembranças,mas letra, harmonia e melodia são ainda maisfortes. Coutinho concorda com a afirmação porque“a canção é imortal e faz viajar no tempo, geralmenteao passado”.Para o diretor, a música tem uma função muitoclara, que é mandar um recado para alguém. Eleacredita que, se um dia a arte desaparecer, a músicaserá a última, porque “a canção só vai morrerno dia em que o homem for imortal. O homemsó canta porque sabe que vai morrer”. Coutinhoadora “Juízo Final”, de Nelson Cavaquinho, e,se pudesse escolher, teria colocado “Força Estranha”,de Caetano Veloso, neste último documentário.Em sua vida, quem cumpre o papelda imortalidade é outra arte: “Estou vivo porquefaço cinema. Ganho a vida fazendo cinema. Sósei fazer isso e mais nada”.Para o cineasta, o principal problema de seutrabalho é conseguir fazer as pessoas irem aocinema. No caso do recém-lançado As Canções,diz saber de antemão que filmes sobre músicacostumam render bons índices de público.“Sempre dão, no mínimo, 10 mil espectadores”,conta. Embora não compre discos desdea invenção do CD e fique apenas sabendo “poralto” das novidades desse cenário artístico, nãofoi pelo retorno financeiro que Coutinho tevevontade de gravar pessoas cantando. “Paramim a filmagem foi um prazer.”A responsabilidade e o cuidado com as pessoascom quem ele conversa são motivo de orgulho:“Ninguém se queixou da forma como apareceunos filmes até hoje, em 30 anos. Sou responsávelpela imagem das pessoas e não posso prejudicarninguém”. Sobre os próximos trabalhos,tem apenas uma certeza: não vai mais filmarhistórias de vida. Acredita que já esgotou todosos temas: origem, família, saúde, amor, sexo, dinheiroe morte. “Você pode ser Napoleão, MadreTereza de Calcutá, Silvio Santos, um heróiou o camelô da esquina. História de vida é isso.É muito simples.”


mentiroso.”Eduardo Coutinho“A memória éum passadoinventado.O que não éfactualmenteabsurdo e ébem contado éverdade. É issoque é fascinante.Quanto maiscriativo for,melhor, e não mais2627


REPORTAGEm | o cinema e as cidadesNarrativas cinematográficas revelam a potencialidade imagética e poética de espaços urbanosTEXTO mariana lacerdaNascido na Dinamarca em 1967, o artista OlafurEliasson tornou-se conhecido ao conceber instalaçõesem escalas urbanas. Com suas obras,ele transformou paisagens e propôs formas devivenciá-las. Água, ar, alteração na temperaturade ambientes e luz são alguns dos recursos utilizadospelo artista para instigar leituras surpreendentesdas cidades.O trabalho de Eliasson pode ser visto em SãoPaulo na exposição Seu Corpo da Obra, em cartazaté janeiro nas unidades do Sesc Pompeia eBelenzinho e na Pinacoteca do Estado. Trata-seda primeira mostra individual do artista na AméricaLatina e apresenta dez obras site-specific,que são uma espécie de resposta aos estímulosque a cidade provocou nele.Todos os trabalhos proporcionam ao espectadorexperiências acerca da maior metrópole doBrasil. Propõem uma pausa para refletir sobre opresente ou o passado da cidade. Um deles, SuaCidade Empática, exposto no Sesc Pompeia, foiconcebido e executado em parceria com o cineastabrasileiro Karin Ainouz.Ele produziu imagens de São Paulo, em preto ebranco, para mostrar a Eliasson. Priorizou filmarlugares com usos múltiplos, a exemplo do Minhocão.Durante a semana, uma importante viapara passagem de carros. Nos fins de semana, fechadopara os automóveis, transforma-se em umestranho, porém funcional, parque urbano. Nele,passeia-se de bicicleta, faz-se caminhada, vendem-sepicolés. Seja para carros, seja para pedestres,o lugar se apresenta próximo, quase dentrodos apartamentos de edifícios que o margeiam eque já existiam antes dessa arrebatadora construção.Foi essa a cidade que o cineasta elegeu paraapresentar ao artista visual.Com as imagens de Ainouz, Eliasson produziuSua Cidade Empática. Ele criou “a partir da luze do tempo, que é de fato a matriz do cinema, oespaço”, disse o cineasta em uma palestra promovidapelo Sesc em outubro de 2011 para debateresse e outros trabalhos dos dois artistas.Para tanto, Eliasson projetou formas abstratascom luz nas imagens dirigidas por Ainouz. Oresultado é “uma narrativa de luz e cor”, comoanalisa o diretor. A obra recria as histórias contidasem formas construídas.Algo mutanteImagens cinematográficas têm criado e recriado oespaço urbano desde sua mais remota existência.“Foram elas o que o cinema mais filmou”, diz a arquitetae pesquisadora baiana Silvana Olivieri, autorado livro Quando o Cinema Vira Urbanismo: ODocumentário como Ferramenta de Abordagem daCidade (Edufba, 2011).


FOTO ANDRE / SESC POMPEIAfoto: Everton Ballardin/Associação <strong>Cultural</strong> VideobrasilObra Sua Cidade Empática (Your Empathic City), 2011, criadapor Olafur Eliasson com a colaboração de Karin AinouzCena do filme Um Lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro,mostra a interferência nada sutil dos prédios, que criamimensas sombras sobre a orla de Boa Viagem, no RecifeO cinema nasceu com o cinematógrafo, invençãode Thomas Edison que permitia registrar uma sériede instantâneos fixos, os fotogramas. Mas o aparelhoera pesado demais (cerca de 500 quilos). Impossívelentão retirá-lo do estúdio para vivenciar asruas de uma cidade. Os irmãos franceses Augustee Louis Lumière apresentaram ao mundo uma traquitanamais leve, com cerca de 5 quilos. Com essenovo cinematógrafo, tornou-se possível explorar omundo. “E o mundo mais próximo para ser exploradoera o urbano”, diz Silvana.Na primeira projeção cinematográfica feita pelosLumière o que se viu foram as “vistas”, filmescurtos, com duração de 50 segundos. No GrandCafé, em Paris, no final de 1895, cenas do cotidianodas cidades foram exibidas: operários saindode uma fábrica, passageiros na estação esperandoo trem, pedestres numa praça, o movimentode uma grande avenida.Poucos meses depois dessa sessão, os irmãosiniciaram uma operação bastante interessantepara a divulgação de seu equipamento: espalharamoperadores de cinematógrafos por todos oscontinentes, exceto a Antártida. Durante cercade dois anos, eles captaram imagens das cidadesonde estiveram para, depois, exibir à população.Quando os operadores voltaram a Lyon, a cidadedos Lumière, foi montado um catálogo de filmesque reunia um vasto inventário da vida urbanano final do século XIX.“Nesse primeiro momento da história do cinema,tanto no Brasil como nos outros países, o cenáriofoi dominado pelo registro da vida cotidiana eurbana nas chamadas ‘atualidades’, que incluíamnão apenas as ‘vistas’ criadas pelos Lumière, mastambém encenações e reconstituições de assuntosde repercussão na imprensa”, explica Silvana.Tratava-se de um reconhecimento da cidadecomo algo mutante, que, logo mais, não seria amesma: era preciso preservá-la, documentá-la. Ocinema mostrou-se perfeito para isso.Estar no mundoApós as duas guerras mundiais, as cidades, elasmesmas, passaram a ser objeto de outras formasde olhar: “A catástrofe se tornou espetáculo dacatástrofe; pela primeira vez na história, cidadesdestruídas foram filmadas e vimos imagens documentáriasdelas”, escreveu o cineasta e críticode cinema Jean-Louis Comolli, no livro Ver ePoder (Editora da UFMG, 2008). Alemanha, AnoZero (1948), de Roberto Rossellini, e Hiroshima,Meu Amor (1959), de Alain Resnais, são os doisexemplos citados por Comolli nesse texto.De lá até aqui, foram muitas e variadas as formasexperimentadas por cineastas para filmaras cidades e a vida nelas, em documentários efilmes de ficção. Em ambos os casos, elas foramcriadas e reinventadas – tal qual a São Paulo deElliason e Ainouz.A história das imagens do cinema brasileiroe seus diálogos com nossas cidades tambémé marcada por uma extensa lista de bons e importantesfilmes. Em sua pesquisa, Silvana destacaos curtas-metragens realizados pelo diretore fotógrafo Aloysio Raulino. O filme Lacrimosa(1969-1970), citado pela pesquisadora, começacom um longo travelling de dentro de um carropercorrendo a Marginal do Tietê, via expressaentão recém-inaugurada em São Paulo. JardimNova Bahia (1971), outro filme de Raulino citadopor Silvana em seu trabalho, compõe-se, naprimeira parte, de entrevistas com DeutrudesCarlos da Rocha, migrante nordestino, negro eanalfabeto, que fala de sua vida na cidade. “Nasegunda parte, o cineasta abdica de sua posição[…]: a câmera é entregue a Deutrudes, que avisa:‘Estou aqui para poder contar umas coisas que sepassam na minha vida aqui em São Paulo’. Raulinoexperimenta uma polifonia até então inéditano cinema brasileiro, ao compartilhar não apenaso comentário, mas também as imagens do filmecom a personagem, com o ‘outro’ – e, no caso, um‘outro’ também da cidade”, ressalta Silvana.Recentemente, o filme Um Lugar ao Sol (2009),do pernambucano Gabriel Mascaro, trouxe umaimagem perturbadora: a sombra de prédios altosna areia da Praia de Boa Viagem, no Recife.Onde antes existia sol agora há sombra. Onde osol alcança a praia, passando nos espaços estreitosque sobraram entre edifícios, pessoas brincamna areia. A Recife de Mascaro está, em parte,ali. Para ele, filmá-la representa “um encontro depresenças. A arquitetura é uma delas, sujeitos,meios de transporte, equipe de filmagem, concreto,plantas, pessoas. Este devir que é estar nomundo”, diz Mascaro.29CONTINUUM28


REPORTAGEm | artistas brasileiros, artistas do mundoNA CRISTA DA ONDADe Lygia Pape a Rivane Neuenschwander, passando por Os Gêmeos e Romero Britto, a arte brasileira se livra dos estereótipos eganha o mundofoto: divulgaçãoLygia Pape, O Divisor, 1968, fotografia colorida,12,4 x 18,5 cm — acervo Projeto Lygia PapeTEXTO gabriela borges e kelly cristina spinelli“Não se pode encaixar o trabalho desses artistasno esquema de arte do pós-guerra como se elefosse uma variação de movimentos centrados naEuropa e na América do Norte”, disse o críticobritânico Guy Brett sobre o movimento neoconcretistabrasileiro. Liderado pelo poeta e críticoFerreira Gullar e por artistas como Hélio Oiticica,Lygia Pape, Mira Schendel e Lygia Clark, o movimentonasceu como reação ao concretismo e provocouuma ruptura na maneira de pensar a arteno final dos anos 1950. Para esses artistas, a arteera um organismo vivo, funcionando em contatocom os espectadores. Até hoje, as obras neoconcretistascausam impacto por seu caráter peculiar,como uma arte participativa, abstrata, visual, queincorpora diversas linguagens.O elogio de Brett é dos mais nobres, pois ele enxergouque a arte brasileira podia ir além dos es-tereótipos comuns à arte feita fora do eixo Europa--Estados Unidos: não é apenas folclórica, e nãoreage somente aos movimentos estrangeiros. Emvez disso, desenvolve ideias que podem influenciaroutros artistas no mundo. “Nos últimos 10, 15anos, a história da arte está sendo reescrita porquese percebeu que a visão eurocentrista não faz maissentido”, diz Jochen Volz, curador e diretor artísticodo Instituto de Arte Contemporânea Inhotim,em Brumadinho, Minas Gerais. “A arte brasileiranão pode mais ser vista como uma produção queestá de fora: ela é tão relevante no cenário internacionalquanto a de outros artistas estrangeiros.”Para Frederico Coelho, curador assistente doMAM/RJ, atualmente o Brasil tem maior visibilidadee seus artistas já não são mais compreendidoscomo alguém que representa uma identidadenacional. “O público internacional não esperamais o estereótipo; o artista brasileiro hoje é consideradoum bom artista, com impacto para aspessoas de qualquer lugar”, explica.Nos últimos anos, museus como o MoMA, deNova York, e o Reina Sofía, de Madri, e a galeriaTate Modern, de Londres, fizeram mostras dedicadasa Mira Schendel, Hélio Oiticica e Lygia Pape.A grande retrospectiva de Lygia Pape, exposta atéoutubro no Reina Sofía, chega à Pinacoteca de SãoPaulo no primeiro semestre de 2012 (veja box).E não foram apenas os neoconcretos que ganharamespaço. Cildo Meireles foi tema de umamostra na Tate Modern, em 2008. Rivane Neuenschwanderfoi celebrada em 2010 pelo jornal TheNew York Times, que a citou como herdeira dosneoconcretistas. Carlito Carvalhosa teve uma instalaçãosua exposta no MoMA até novembro.


As esculturas de Ernesto Neto e de Tunga, o grafitede Os Gêmeos, as pinturas coloridas deRomero Britto... a lista de brasileiros com boacirculação internacional vai longe. Os artistasnacionais já não são tão vinculados a perspectivasexóticas e identitárias – apesar de, obviamente,encontrarem inspiração na culturabrasileira. Adriana Varejão e Beatriz Milhazes,por exemplo, têm o olhar atento às cores e aosmovimentos, à alegria e à felicidade do povobrasileiro, mas os transmitem em obras nãolocalizáveis no espaço. Furacões no exterior,ambas venderam obras classificadas como asmais caras entre artistas brasileiros na história.A tela Parede com Incisões à La FontanaII, de Adriana, foi vendida em fevereiro por 1,1milhão de libras (2,9 milhões de reais à época),na Christie’s, casa de leilão de Londres. O quadroO Mágico, de Beatriz, foi arrematado por1,049 milhão de dólares (1,7 milhão de reais àépoca) em um leilão da Sotheby´s de NovaYork, em 2008.Vista de instalação da mostra Lygia Pape – Espaço Imantado, realizada no Reina Sofía, Madri, em 2011foto: Joaquín Cortés/Román LoresVik Muniz é outro dos queridinhos no exterior.Carioca radicado em Nova York desde 1983, realizaobras com diversas técnicas usando materiaisinusitados, como chocolate líquido, açúcar,catchup, lixo, poeira, que remetem sempre àmemória, à percepção e à representação de imagensdo mundo das artes e da comunicação. Elejá teve obras expostas no MoMA, fez mostras noJapão e na Coreia, e chegou a ter um filme inspiradoem seu trabalho concorrendo ao Oscar em2011, o documentário Lixo Extraordinário.Esses feitos também abriram as portas para representantesda geração seguinte à desses criadores,como Renata Lucas – que fez parte da 53ª Bienal deVeneza, em 2009, e conquista cada vez mais espaçono cenário internacional – e Cinthia Marcelle,que exibiu seus trabalhos na Bienal de Havana, em2006, e na de Lyon, em 2007.Crítica da críticaApesar do sucesso, há muito terreno a ser conquistadopelos brasileiros no exterior. “O problemaé que circula a obra, mas não circulam asideias. Esse é o calcanhar de aquiles lá fora”, dizCoelho. A arte brasileira é analisada pelo pontode vista do crítico internacional numa perspectivade consumo e não do dia a dia da construção desentido e reflexão crítica. São poucos os críticosde arte brasileiros que alcançam reconhecimentoglobal, como aconteceu com Paulo VenâncioFilho, autor de catálogos publicados no exterior ecurador da exposição Century City: Art and Culturein the Modern Metropolis, na Tate Modern, em2001. Também Paulo Herkenhoff, que na décadade 1990 foi curador adjunto do Departamento dePintura e Escultura do MoMA, e Mário Pedrosa,morto em 1981, que internacionalizou a discussãosobre a arte moderna brasileira.Um exemplo foi a escolha do curador da instalaçãode Carlito Carvalhosa no MoMA, o venezuelanoLuiz Pérez-Oramas (que será responsávelpela 30ª edição da Bienal de São Paulo).“Seu conhecimento é inquestionável, mas elenão tem o olhar de um brasileiro. Esse intercâmbioé interessante, mas a perspectiva é outra”,explica Coelho.Para completar, falta vencer nossa própriaperspectiva eurocentrista da arte. “Tradicionalmente”,ressalta Volz, do Inhotim, “a arte brasileiraganha visibilidade no Brasil só depois deser reconhecida no exterior”. Coincidência ounão, a retrospectiva da obra de Lygia Pape foiprimeiramente exposta em Madri, para depoischegar a São Paulo.Para Jochen Volz, “a arte brasileira ganha visibilidade no Brasil só depois de serreconhecida no exterior”. Coincidência ou não, a retrospectiva da obra de Lygia Papefoi primeiramente exposta em Madri, para depois chegar a São Paulo.bola da vezA fluminense Lygia Pape, que morreu em 2004, tem sua obra valorizada internacionalmente“A Lygia é uma das protagonistas das transformações radicais que aconteceram no Brasilna segunda metade do século XX”, diz em vídeo oficial a espanhola Teresa Velázquez,uma das curadoras da retrospectiva da artista no museu Reina Sofía, de Madri. A mostra,que chega à Pinacoteca do Estado de São Paulo no primeiro semestre de 2012, rastreia acarreira de Lygia desde seu início com o Grupo Frente, marco do movimento construtivono Brasil, até as experiências com luzes, formas geométricas, livros e panos – semprecom grande interação com o público –, que permearam sua carreira mais tarde.Há desde performances como O Divisor (1968) – em que algumas pessoas vestem umgrande pano branco, apenas com a cabeça de fora, representando uma multidão que caminhajunta, mas com espaço para movimento individual – até um livro-objeto, o Livro daCriação (1959), formatado de acordo com a decisão do visitante de virar as páginas, e instalaçõescomo Ttéia (2004), feita de fios de ouro projetados em formas quadradas em umespaço escuro que se transformam em feixes de luz quase imateriais.Essa obra será exposta permanentemente numa nova galeria no Inhotim, ainda no primeirosemestre do próximo ano. “O trabalho de Lygia ultrapassou o neoconcretismo. Elafez arte utilizando diversos meios, como desenho, esculturas e vídeos. Também teve umatrajetória particular, sendo professora de outros artistas e grande influenciadora do pensamentoe reflexão sobre a arte no Brasil”, diz Volz.31CONTINUUM30


REPORTAGEM | inferno provisórioObra que se desdobraO mineiro Luiz Ruffato revela os labirintos da criação do romance Inferno ProvisórioO autor faz tentativa de compreendero país em pentalogia iniciada em 1996TEXTO micheliny verunschkFOTO chema llanosA data de publicação de um livro pouco diz do tempo que se levou paraescrevê-lo. Especula-se que a obra-prima de Dante Alighieri, A Divina Comédia,demorou quase 20 anos para ser finalizada. Ulisses, de James Joyce,começou a ser pensado em 1903, a ser escrito em 1914 e só ficou prontoem 1921, ao todo 18 anos da ideia inicial ao ponto final. O romance InfernoProvisório, composto de cinco títulos (todos lançados pela Record), tomou15 anos do escritor mineiro radicado em São Paulo Luiz Ruffato. O últimodeles, Domingos sem Deus, chegou às livrarias no final de outubro.Nascido em Cataguases, interior de Minas Gerais, Ruffato foi pipoqueiro,balconista e operário até descobrir que seu ofício era a escrita. “Comecei aescrever em 1996. Só quando publiquei meu terceiro livro, Eles Eram MuitosCavalos (Boitempo, 2001), é que percebi que os anteriores eram a gênesede uma coisa bem diferente. Foi um processo complexo, pois comeceia reescrita. Assim, os volumes iniciais de Inferno Provisório (Mamma, SonTanto Felice, de 2005, e O Mundo Inimigo, do mesmo ano) estavam contidosnos livros de estreia [Histórias de Remorsos e Rancores, 1998, e OsSobreviventes, 2000, também pela Boitempo]”, revela o autor, dando pistasdo seu processo de criação.Nesse percurso, Ruffato conta que o principal desafio foi descobrir como eo que escrever: “Queria falar sobre o que vivi, a realidade do operariado migrantebrasileiro. Fui procurar o que já havia sido publicado e, para minhasurpresa, não havia nada. Ou, antes, havia aqueles romances do Jorge Amadoque na realidade não falavam sobre o trabalhador, mas, sim, reproduziamuma visão naturalista e preconceituosa, com uma linguagem e sentimentosrebaixados, como se a classe trabalhadora fosse só isso. Mas escrever sobrea classe trabalhadora usando como base o romance burguês seria umaestupidez sem tamanho. Então fui estudar, voltei para Machado de Assis epara um autor que escreveu sobre o operariado sem nenhum preconceito, omineiro Roniwalter Jatobá”.Recuperando históriasInferno Provisório abre com uma epígrafe desalentadora de Jorge de Lima(1893-1953) que fala de naus que nunca chegam, não por haver naufragado,mas por estar apodrecidas já do tronco de que foram criadas. É a imagemque o autor utiliza para falar do processo violento de desterritorialização edespertencimento de um Brasil que era rural e passou à urbanidade semdar conta das individualidades.Ruffato abarca 50 anos da recente história brasileira tomando como pontode partida uma cidadezinha operária no interior de Minas Gerais. Na narrativa,feita de fragmentos e estilhaços, as vidas se conectam ou se desconectam,as relações desmoronam, os tempos dialogam e se interrompeme cabe ao leitor transitar nas lacunas que, propositadamente, o autor põeem seu caminho.“Para escrever esse livro precisei encontrar antes a forma e a substância.Como leitor, não gosto de histórias em que o narrador é onipresente, onipotente,que não me deixam participar. Assim esse é um projeto aberto.Escrevi sobre a precariedade usando o método da precariedade”, diz.Do Beco do Zé Pinto, em Cataguases, microcosmo por onde desfilam ospersonagens nos três primeiros volumes, à vida nas grandes metrópoles,que se define nos dois últimos, não há linearidade. Recursos gráficos comofontes diversas, uso de caracteres em negrito e diagramação diferenciadareforçam esse aspecto.O escritor diz que seu trabalho imediato é dar projeção e visibilidade aoromance Inferno Provisório e adianta que a próxima edição será em volumeúnico e contendo ainda notas biográficas de cada um dos personagens eum índice onomástico.Para ele, sua literatura comporta uma tentativa de compreensão do país,uma avaliação política da nossa contemporaneidade. Não é por acaso queDomingos sem Deus se encerra em 31 de dezembro de 2002 numa corridade São Silvestre. “Naquele dia estávamos todos correndo na mesma direção,para o mesmo futuro. Aquilo era o prenúncio de uma nova era”, finaliza.Siga o blog do escritor em:.


ePORTAGEM| versos de circunstânciaDedicatórias emprestam timbre afetivo às palavras e nos transportam ao universo particular de grandes criadoresTEXTO roberta dezanAo pensar em dedicatórias, a memória traz à tona a expressão poética que evoca pessoas e situações corriqueiras eagrega valores especiais a objetos. Construções discursivas lavradas pela criatividade e pelo sentimento dirigidas a parentes,a amigos, próximos ou distantes, e até desconhecidos, por afinidade ou gentileza, potencializam artisticamentea comunicação cotidiana.As dedicatórias impressas tornaram-se comuns no Brasil oitocentista por motivos distintos. Numa época em que ser escritorera um desafio, o oferecimento público de lealdade e submissão por meio dos livros abria a possibilidade de inclusão nasociedade da corte. “A abertura da Impressão Régia contribuiu para o despertar da vida cultural e, nesse ambiente, a necessidadede conquistar as boas graças do soberano para obter prestígio fez com que as primeiras publicações já contassemcom dedicatórias”, revela Ana Carolina Delmas, mestra em história política pela Uerj.O poeta Carlos Drummond de Andrade tinha o hábito de anotar as dedicatórias antes de enviá-las. Os três cadernos conservadospela Fundação Casa de Ruy Barbosa, no Rio de Janeiro, deram origem ao livro Versos de Circunstância (InstitutoMoreira Salles, 2011). O título, escolhido pelo próprio autor, pode ser encarado como um gênero poético, “um reservatório detextos que reverenciam a amizade e que exploram as possibilidades semânticas e estilísticas das palavras, a serviço de manifestaçõesde afeto, de agradecimento ou admiração”, analisa o professor de literatura brasileira Marcos Antonio de Moraesna apresentação do livro.A publicação traz todos os poemas em fac-símile, onde é possível acompanhar textos movidos pelo momento. Repletos deintimidade, jogos onomásticos e experimentações sonoras, os versos são testemunhos de relações. No primeiro caderno,Drummond anotou dedicatórias escritas em exemplares de Claro Enigma (1951), como a destinada à escritora Rachel deQueiroz: “ ’Cultiva o teu jardim’. Rachel o sabe,/mas, na Ilha Feliz, ela não deixa/de guardar em ternura quanto cabe/nocoração, e ouvir a humana queixa”.Outro escritor dedicado ao gênero foi Manuel Bandeira, autor de Mafuá do Malungo – Jogos Onomásticos e Outros Versosde Circunstância (O Livro Inconsútil, 1948). Em suas memórias, no texto “Itinerário de Pasárgada” (In: Poesia Completa eProsa, 1967), Bandeira diz: “Fiz algumas tentativas de escrever poesia sem apoio nas circunstâncias. Todas malogradas. Soupoeta de circunstância e desabafos, pensei comigo”.O artista, escritor e crítico Sérgio Milliet ao opinar sobre Mafuá do Malungo, como está registrado em Diário Crítico deSérgio Milliet (1981), disse que os “versos de circunstância” permitem ao leitor se “familiarizar com os grandes, fazendo-nosentrar um pouco na sua vida de homens como os demais”; convencem-nos de que “o grande poeta Manuel Bandeira pode sermalungo (africanismo que significa ‘companheiro, camarada’) também, ama, ri, chora de verdade, tem amigos que a genteconhece, participa como nós mesmos das alegrias e tristezas dos companheiros, admira certos políticos, gosta de certas comidas,vota nas eleições”.Poética do encontroA exposição Percursos e Afetos – Fotografias, 1928/2011, do pesquisador, crítico e curador Rubens Fernandes Junior – em cartazaté 15 de janeiro na Pinacoteca do Estado de São Paulo – traz um conjunto de fotografias “construído a partir da profundarelação estabelecida entre os artistas e o pesquisador”, diz o curador de fotografia do museu, Diógenes Moura. São expostas80 imagens recebidas de amigos fotógrafos – como Mario Cravo Neto e José Oiticica Filho – como presente ou moeda detroca por um trabalho. “É comum eu receber imagens pelos textos e críticas que faço sobre os trabalhos de fotógrafos e é gratificantequando chegam junto a palavras de agradecimento, afeto e amizade”, conta Fernandes.Apesar de mais de 40% das imagens terem dedicatórias no verso e de o crítico considerá-las tão ou mais importantes que aspróprias fotografias, não houve espaço para mostrá-las; apenas alguns textos e cartas foram dispostos em vitrines. “O idealseria expô-las em uma parede de espelhos, mas o espaço era pouco para tanta história”, explica. Na fotografia é comum queos escritos sirvam também para situar o registro no tempo e no espaço, como uma extensão da memória. “Essas lembrançasservem como referência de percursos e são fundamentais para o trabalho de pesquisadores. Com elas é possível aproximaros artistas, as suas relações e seus universos criativos”, acredita Fernandes.33CONTINUUM32


museus do mundo | instituto figueiredo ferrazExterior do edifício do Instituto Figueiredo Ferraz:2,5 mil metros quadrados de área construídanovo trajetoInstituto Figueiredo Ferraz abre suas portas em Ribeirão Preto com potencial para fazer do interior paulista um rico polo cultural do paísTEXTO gustavo ranieri FOTOS maurício froldi/divulgaçãoJorge Guinle Filho, ou Jorginho Guinle, como ochamavam carinhosamente os amigos, respiravaos primeiros anos de reconhecimento como desenhistae pintor quando um de seus trabalhos,o óleo sobre tela Threshold, passou a ocupar umadas paredes da galeria paulistana Luisa Strina. Aobra foi a mesma que naquele ano de 1985 o jovemeconomista João Carlos de Figueiredo Ferrazescolheu para ser uma das primeiras a adquirir, e –mesmo sem saber – a que definiria o rumo de umapaixão feroz: colecionar. “O Jorginho começavaa aparecer naquela época e participava ainda desalões de arte quando a Luisa me apresentou o trabalhodele. Foi uma das primeiras peças que tivee, depois, viria a comprar outras obras dele”, diz.Hoje, mais de 25 anos depois, Threshold é umdos destaques em O Colecionador de Sonhos,exposição que inaugura o Instituto FigueiredoFerraz, coloca a cidade de Ribeirão Preto (a 313km da capital paulista) no circuito nacional dasartes plásticas e concretiza um antigo desejo deFigueiredo Ferraz: tornar público o acesso a, senãotudo, pelo menos parte de uma coleção queultrapassa mil obras de arte.“Não aguentava mais ver as obras encaixotadas;elas precisavam ser expostas. Então é um prazerimenso que estejam à mostra aqui”, diz o colecionador,com 60 anos, e filho do ex-prefeito de SãoPaulo, de 1971 a 1973, José Carlos de FigueiredoFerraz (1918-1994).Acervo de sonhosCom as portas abertas desde os primeiros diasde outubro, o instituto nasceu, na verdade, háaproximadamente dez anos na cabeça de FigueiredoFerraz. O primeiro passo foi buscarparcerias, que não se concretizaram, com instituiçõese museus, visando emprestar a eles ovasto acervo que detinha. Depois, tentou negociarauxílio, também sem sucesso, com a prefeiturade Ribeirão Preto, cidade que escolheupara viver em 1982, quando nela fundou umausina de açúcar. Tampouco recebeu apoio dogoverno de São Paulo. Diante dos planos fracassados,o colecionador assumiu, por contaprópria, a criação do espaço.“Tomei a decisão de fazer sozinho. A coleçãomerecia e eu precisava torná-la pública. Issoque está aqui faz parte do patrimônio do país”,salienta ele, que há dois anos adquiriu um terrenode 2 mil metros quadrados e, com a esposa,a arquiteta Dulce de Figueiredo Ferraz,desenhou as instalações. A concepção arquitetônicaresultou em 2,5 mil metros quadradosde área construída, na qual estão distribuídasquatro salas para exposição – duas no primeiropavimento e duas no segundo –, reservatécnica, um auditório com capacidade para 60pessoas, biblioteca, escritório, jardim e, ainda,um bar cujo funcionamento fica restrito apenasaos dias de eventos especiais. Para o diretor doinstituto, Bibi Junqueira, “as expectativas sãoenormes, já que a instituição vem preencheruma lacuna não só na cidade, mas em toda aregião e no interior do estado”.Quando a construção estava na reta final e a imponentefachada branca já despontava na paisagemda cidade, ainda restava a definição dasobras que comporiam a primeira exposição. Aincumbência foi entregue por Figueiredo Ferrazao velho amigo Agnaldo Farias, crítico de arte,professor da FAU/USP e curador da 29ª Bienal


de São Paulo. “Ao travar contato com o acervopreferi, em um primeiro momento, sublinhar ostrabalhos mais consagrados, como forma de honraros artistas e a coleção que o João vem fazendohá tanto tempo”, destaca o curador. “Separeias obras por famílias e as deixei se expressar. Atéporque quando os trabalhos são bons eles conversamentre si, mesmo que apontem algo muitodiferente”, completa.Para o visitante, o primeiro impacto ao entrarno instituto, que conta ainda com consultoria damuseóloga Cecília Machado, é o imenso trípticode Dudi Maia Rosa, batizado de Pai, Filho e EspíritoSanto — uma das obras que mais emocionamFigueiredo Ferraz. “Os três trabalhos sãodivididos em cores. No vermelho está escrito‘abba’, que em hebraico significa pai. Vermelhoé fogo, é o que cria, transforma, destrói e dá avida novamente. No verde está escrito ‘filho’, éo que vegeta, se alastra e aos poucos, pela perseverança,vai tomando tudo. E no roxo está escrito‘espírito santo’, que representa o mistério”,conta o colecionador.Mas a obra de Rosa é apenas uma das 154 exibidasem O Colecionador de Sonhos, dedicadainteiramente à arte contemporânea. É o casode um óleo sobre lona, sem título, de Leonilson(1957-1993). “Quando comprei esse trabalho,ele estava comigo na galeria e sugeriu que euo escolhesse em meio a outros dele expostos.Nesse período [1984], o Leonilson estava cheiode energia; é uma obra alegre, colorida. Tenhosaudade dessa época pensando nele”, relata FigueiredoFerraz, que ainda tem, entre tantos outros,criações de Mira Schendel, Tatiana Blass,Luis Paulo Baravelli, José Roberto Aguilar, VikMuniz e Rosângela Rennó.Ponto alto da exposição, a parte dedicada à religiãosurge para provocar o debate. Ocupam oespaço tanto a obra do artista plástico VanderleiLopes – uma catedral de cabeça para baixo,com água do mar em seu interior – quanto a deCaetano Dias: estátuas de Santa Bárbara de cerâmicaproduzidas em tamanho real. Cada umadelas traz acoplado um pequeno gravador comdepoimentos de ex-prostitutas moradoras de umabrigo em Salvador. Também atrai o olhar a fotografiaIgreja de São Francisco da Penitência I,de Caio Reisewitz. “Essa foto, diferentemente dotradicional, não foi tirada da porta em direção aoaltar, mas ao contrário. Então, o que você enxergasão os bancos da igreja. E, em minha opinião, sehá alguma coisa sagrada, ela está naqueles bancos,na pessoa que tem fé, e não no altar, no meiodo ouro”, opina o empresário.Olhar adianteParalelamente à exposição O Colecionador deSonhos, planejada, inicialmente, para até abril de2012, o Instituto Figueiredo Ferraz realiza mensalmentecursos e workshops de artes visuais,fotografia, literatura, arquitetura e design. Paradezembro estão programados os cursos Entreo Espaço e o Lugar, sobre a transformação dosespaços urbanos e o modo como os percebemos;Arte e Técnica no Processo Fotográfico; eLinguagem, uma abordagem do design comomanifestação cultural. As atividades são em parterealizadas no auditório. Completa os serviçosoferecidos a Biblioteca José Carlos de FigueiredoFerraz, com publicações dos artistas presentesno acervo da instituição.Com relação às exposições, dois novos projetosjá são idealizados. “Queremos fazer, no segundosemestre de 2012, uma bienal da imagem, exibindo,por exemplo, fotografias, videoinstalações eeslaides show. E, para 2013, organizaremos umbalanço do que foi produzido pelo famoso grupoda Casa 7 [casa-ateliê que nos anos 1980 era compartilhadapor Carlito Carvalhosa, Fábio Miguez,Nuno Ramos, Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade]”,destaca o curador Agnaldo Farias.Se depender de João Carlos de Figueiredo Ferraz,os planos não param por aí: “A ideia é queo instituto se torne não apenas um polo de arte,mas que faça com que Ribeirão Preto recebagrandes exposições itinerantes do eixo Rio–SãoPaulo. E temos estrutura para tanto”.para as artesO espaço expositivo abriga parte das mais de mil obras docolecionador, com destaque para a arte contemporâneaInstituto Figueiredo Ferraz – Rua Maestro IgnácioStabile, 200 – Alto da Boa Vista – Ribeirão Preto,São Paulo. Horário de funcionamento: terça a sexta,das 14h às 18h – entrada gratuita.


REPORTAGEM | programação cultural para bebêso espaço é dos bebêsNo Brasil e no exterior, eventos incentivam o contato dos recém-nascidos com a arteTEXTO malu rangelILUSTRAÇÃO marcio levymanApagam-se as luzes de um cinema de São Paulo. As pessoas se aquietam.De repente, uma risada de bebê desencadeia outras tantas, seguidas degritinhos estridentes e até choros. Indignação da plateia? Longe disso. Osbebês engatinham pelo cinema, enquanto os pais interagem com eles eassistem ao filme. Esse é o cenário das sessões do CineMaterna, uma dasiniciativas pioneiras em programação cultural voltada para famílias combebês e crianças pequenas, criada em 2008 e realizada em São Paulo, no Riode Janeiro, em Salvador, Campinas e Santo André.Noutro canto da cidade, a tarde cai ao som do bom e velho samba. Os artistassão rodeados por bebês que, dançantes, vez por outra invadem o palco:é assim o Sambebê, que desde 2010 junta pais e filhos em eventos que estimulama musicalização e a apreciação artística dos pequenos, não só nacapital paulista, mas também no Rio de Janeiro.Numa oficina de música para bebês realizada no Itaú <strong>Cultural</strong>, em SãoPaulo, em outubro de 2011, a musicalização foi conduzida com leveza ecriatividade. Incentivadas pela musicista Luciana Feres Nagumo, os bebêsbrincaram música, sentindo no corpo, como forma de carinho, as cançõesque traduziam o mundo ao redor. Para Paulo Bira, músico e compositor, “amúsica envolve e o som não tem barreiras. As crianças não têm preconceitos:elas ouvem por inteiro”. Mais um motivo para apresentar essa arte aosbebês desde cedo, então.Música clássica, cinema e iogaÉ justamente o que pensa Tarsila Zagorski, 33 anos, mãe de Iara, de 2, e Joaquim,de 5 meses, e não só no tocante à música: “Iara passeia com a gentedesde os 3 meses. Shows, cinema, teatro: tudo que for interessante para nóse estimulante e confortável para ela é boa pedida. Joaquim já ia ao cinemacom 1 mês e meio”. A declaração de Tarsila reflete uma tendência: instituiçõesculturais, no Brasil e no exterior, cada vez mais dedicam parte desua programação aos bebês, promovendo ações que estimulam o convíviofamiliar e a fruição artística.Em Bolonha (Itália), a Biblioteca Salaborsa ganhou, em 2008, um espaçopara bebês, nascido da percepção da importância da literatura no desenvolvimentocognitivo. É algo que Isabel Minhós, da editora portuguesa PlanetaTangerina, vive diariamente: ela idealiza eventos que incentivam a leiturapara bebês e crianças. Neles percebe, fascinada, como livros “acendem luzesem salas do cérebro que nem sempre frequentamos”.Em terras brasileiras, é crescente o número de programações culturaisvoltadas para bebês e pais dos mais variados gostos. Em setembro de2011, o Sesc SP e o Duo Baby Arts realizaram concertos de música clássicapara os pequenos, apresentando Brahms e Debussy de maneira levee lúdica; o Festival Internacional de Cinema Infantil (Fici) já está emsua 9ª edição, levando filmes de 20 países para crianças de 10 cidadesbrasileiras. Os bebês podem até, quem diria, participar de aulas de iogaespecialmente planejadas para eles, no Gama (Grupo de Apoio à MaternidadeAtiva), em São Paulo.Em meio a tantas opções, em agosto de 2011 o Centro <strong>Cultural</strong> São Paulocolocou a arte feita para crianças pequenas em debate no programa ConversasPoéticas entre Arte e Bebês. “O saldo foi positivo: houve muitaspessoas interessadas”, conta Elenira Peixoto, atriz da Cia. Zin e organizadorado evento. “Quem acompanhou pôde tecer muitas relações da artepara a primeira infância com o mundo em que vivemos.” Não é para menos.O ponto central, sobre o qual muito se refletiu, foi: como apresentararte aos pequenos?Anna Marie Holm, arte-educadora dinamarquesa e autora dos livros Fazere Pensar Arte (Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2005) e Baby-Art: OsPrimeiros Passos com a Arte (Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2007),lança luz sobre a questão: “É importante que os pais lembrem que a vidaartística de suas pequenas crianças está presente em todos os momentos.Perceber isso é fundamental, além de ser lindo”.Que sorte têm os bebês desta geração, em que artistas e instituições culturaisse unem para realizar eventos que promovam o encontro com arte ecultura desde cedo. É o caso da companhia teatral Sobrevento, cujos participantesacreditam “na capacidade poética inata do ser humano e no direitoà cultura e ao convívio social em qualquer idade”.Esses bebês serão adultos mais humanizados e sem tantos preconceitos, quesempre vivenciaram arte junto de seus pais. Serão capazes de perceber, comoacena Anna Marie, que “a arte nunca começa e nunca termina, está por pertoo tempo todo. É só uma questão de se abrir e conseguir enxergá-la”.


BAlAIOA força das referênciasTemporada traz exposições de duas importantes artistas visuais brasileiras; entrevista mostra o momento de Andréadel Fuego, ganhadora do prêmio Saramago de literatura; livro revela o charme (nem sempre discreto) de personalidadesdo mundo; e, encerrando o tema arte pública, enfoque desta edição, projeto exibe imagens panorâmicas da Amazônia.Exposiçõesfotos: divulgaçãoAtravés: Mira SchendelDesenhista, pintora e escultora, Mira Schendel (1919-1988), suíça que viveu no Brasil por 40 anos, é uma das principaisartistas visuais da segunda metade do século XX no país. Sua produção divide-se entre monotipias, objetose desenhos (como o sem título da foto à direita). A escrita é o elemento que une todas as formas experimentadaspor Mira. A artista ganha mostra individual no projeto Arte à Primeira Vista, da Caixa <strong>Cultural</strong>, em São Paulo. Pensadapara dialogar com o público infantojuvenil, Através: Mira Schendel aborda a importância do gesto da criaçãoartística e da linguagem escrita na arte.Até 28 de fevereiro, na Caixa <strong>Cultural</strong> São Paulo – Praça da Sé, 111, fone 11 3121 4400.Mais informações em .Jac Leirner, Numbers, 2005Retrospectiva Jac LeirnerRepresentante da Geração 80, a paulistana Jac Leirner tem sua produção artística revisitada após 30anos. Com curadoria de Moacir dos Anjos, a mostra traz 60 trabalhos, entre esculturas, objetos, instalaçõese aquarelas. Hip Hop, fitas adesivas coloridas aplicadas em parede, de 1998, foi recriado especialmentepara a ocasião. As obras de Jac aludem ao colecionismo por meio do acúmulo de objetos que sofremintervenções diversas com a finalidade de apresentar a leitura crítica e irônica da artista sobre oshábitos do cotidiano e do consumo. Notas de dinheiro, selos, embalagens de cigarro, sacolas plásticase cartões de visita compõem trabalhos que estabelecem uma reflexão sobre cor e forma. Jac foi artistaresidente no Walker Art Center, em Minneapolis, Estados Unidos, e artista convidada do Museu de ArteModerna de Oxford, no Reino Unido, e da Real Academia de Belas Artes, em Amsterdã.Até 26 de fevereiro, na Estação Pinacoteca – Largo General Osório, 66, fone 11 3335 4990.Mais informações em .Panometers de Leipzig e BerlimO arquiteto e artista Yadegar Asisi e sua organização Asisi Visual Culture, de Berlim,criam obras de arte públicas formadas por imagens enormes de 360 graus, expostasnos Panometers − mistura de “panorama” e “gasometer”, pois os espaços culturaisfuncionaram anteriormente como gasômetros. O da cidade de Leipzig traz comotema a Amazônia. Da plataforma de 6 metros de altura, no centro, a imagem circularda floresta exuberante, de 100 metros de comprimento por 30 de altura, é contempladapelo observador como se ele estivesse no interior de uma clareira. O dia e anoite, criados por efeitos de luz, e os sons da mata e da música especialmente compostaconvidam a viajar pela exposição paralela com vídeos e instalações interativas,como a anamorfose da seção Flores, na qual uma flor tropical é vista da perspectivade um inseto. A exposição tem curadoria científica de professores alemães e brasileiros.Para quem está em Berlim, o Panometer é uma rotunda temporária construída noátrio do museu Pergamon, com um gigantesco panorama da cidade grega de Pérgamo[atual Bergama, na Turquia].Panometer Amazônia, em Leipzig, até 1º de janeiro de 2012; Panometer Pérgamo, noPergamon Berlim, até 30 de setembro de 2012. Visitas guiadas em inglês e francêscom agendamento prévio. Saiba mais em .Panometer de Leipzig(por Flávia Bancher)CONTINUUM37 38


BAlAIOFOTOGRAFIAGlamour, de Diana Vreeland, tradução Cláudio Marcondes, prefácio Marc Jacobs (Cosac Naify, 2011)Mais de 30 anos após Jackie Kennedy Onassis lançar Glamour, livro da lendária editora de moda DianaVreeland (1903-1989), é a vez de o próprio Charles Cosac, sócio fundador da Cosac Naify, colocar nomercado a primeira edição brasileira. Com prefácio assinado pelo estilista Marc Jacobs, o livro mostraa concepção de glamour de Diane Vreeland. Registros produzidos por fotógrafos de renome como ManRay, Elliott Erwitt e Sir Cecil Beaton – selecionados por serem os preferidos da jornalista – revelam facetasinusitadas de personalidades como Audrey Hepburn, Maria Callas, Eva Perón, Mick Jagger, GertrudeStein, Charles de Gaulle e Marilyn Monroe, salpicados por comentários sucintos e incisivos. Diana Vreelandtrabalhou na Harper’s Bazaar por 26 anos e na revista Vogue entre 1963 e 1971.DestaqueEscritavigorosafoto: André de Toledo Sader/divulgaçãoDona de estilo conciso, a escritora paulistana Andréa del Fuegoganhou o Prêmio José Saramago de Literatura, um dos maisprestigiados em língua portuguesa, em outubro passado por OsMalaquias (Língua Geral, 2010). Em seu primeiro romance (antes,publicou três livros de contos), ela narra a trágica históriados bisavós, eletrocutados por um raio. Na obra, Andrea retomaelementos do realismo fantástico e revela um processo de escritaacurado e inventivo. Nesta entrevista, ela fala de sua experiênciacomo escritora e dos caminhos abertos com a premiação.Você estreou na literatura como contista. Como foi a passagempara o romance?Não sei se foi um caminho natural. Como levei sete anos para terminar Os Malaquias,esse convívio é, no mínimo, uma experiência maior. Nunca fiquei maisdo que alguns meses com um conto. Armar acampamento dentro de um projeto,ficar nele ainda que faltem paciência e lanterna exige muito mais. Gostei dessecamping e pretendo investir tempo e trabalho em romances. Mas mantereios contos por encomenda, para as antologias, que são igualmente importantes.Os Malaquias é uma história familiar que você tornou ficção. Comose deu essa escrita?A escrita de Os Malaquias me ensinou a lidar com um livro problemático.O realismo fantástico presente não foi escolha estética, mas um mecanismode afastamento da própria família retratada. Eu não poderia olhar por tantosanos uma fotografia real, mas, sim, fugir dela. Borrar a imagem, distorcer,abusar das metáforas que camuflam a coisa em si. A escrita se deu comabandono e grande desejo ao mesmo tempo.Como você recebeu a notícia da premiação?Com susto e uma alegria absurda. Cheguei a sentir uma queimação no peito.É imenso o que isso representa na esfera íntima, na qual se dá a escritamesmo. Confirma que a teimosia é uma joia preciosa.A escritora Andréa del FuegoQual é a importância desse reconhecimento para o cenário literárionacional?Faz sentido para o mercado, para a livraria, para a editora e para o autor, queconsegue certa projeção e ter alguma segurança para publicar os próximoslivros. Mas é inegável o desgaste emocional envolvido. O prêmio traz visibilidademomentânea, não garante a qualidade do próximo livro e até mesmopode ser injusto, dado a trabalhos menos significativos. O Prêmio José Saramagofoi concedido apenas a duas mulheres, por acaso, brasileiras [a outrafoi Adriana Lisboa]. Acho que isso pode ser visto como um sintoma de quehá muitas mulheres na estrada, o que ainda não foi computado no própriopaís, já que são poucas as laureadas nos concursos nacionais.Seu trabalho é conhecido em Portugal?Não. Sou desconhecida aqui e lá. Por causa do prêmio, o romance será publicadoem Portugal e há uma expectativa com esse fato. Vê-lo atravessar o Atlânticoé outro estímulo para escrever e para que essa travessia não cesse jamais.(por Micheliny Verunschk)


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