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Espantalhos e afinsfalta de razão que identificaram entre seus conterrâneos. Como o pintorespanhol, que em seus Caprichos, por exemplo, criticou duramente superstiçõese crendices que atoleimavam a população espanhola, e atacou ain<strong>da</strong> aigreja pelo misticismo e sectarismo que impunha, também Euclides <strong>da</strong>Cunha era um defensor ardoroso <strong>da</strong> instrução e do conhecimento laicos,rigorosos. Em seus escritos não são raras passagens em que elogios àeducação ou alertas sobre a urgência de o governo traçar e implementarpolíticas sociais e planos educacionais são formulados.Os dois tiveram ain<strong>da</strong> a experiência de terem sido testemunhas deum conflito armado, que marcou profun<strong>da</strong>mente suas criações. O terror ea destruição são, em Goya, tema central de Los desastres de la guerra, sériede gravuras em que a invasão <strong>da</strong> Espanha pelas tropas napoleônicas écondena<strong>da</strong> pela sua violência desmedi<strong>da</strong>. São imagens impressionantespela cruel<strong>da</strong>de que revelam, nas quais Goya, to<strong>da</strong>via, nas palavras de JeanStarobinski, “permanece ain<strong>da</strong> fiel testemunha do destino <strong>da</strong>s “luzes”:descreve sua perversão, tal como a viveu a Espanha de 1808”. 22Algumas <strong>da</strong>s gravuras de Goya mostram cadáveres retalhados edecapitados pendendo de árvores baixas, como espantalhos, em paisagensdesola<strong>da</strong>s que acentuam o clima de devastação. Uma <strong>da</strong>s mais chocantesfoi nomea<strong>da</strong> pelo artista, ironicamente, “Grande hazaña! Com muertos” 23 :O horror diante do suplício e <strong>da</strong> violência aproxima os dois autores,de par com a decepção, com o fracasso ou com a suspensão <strong>da</strong> razão, doequilíbrio e <strong>da</strong> palavra. Sintomaticamente, na edição de Os sertões <strong>da</strong> Obracompleta, a passagem em que Euclides <strong>da</strong> Cunha descreve o corpomutilado do Coronel Tamarindo pendendo de uma árvore, como umtétrico espantalho, motiva e fornece coordena<strong>da</strong>s para uma <strong>da</strong>s imagensintroduzi<strong>da</strong>s no texto original. A ilustração entretém um inegável efascinante diálogo com algumas gravuras realiza<strong>da</strong>s por Goya em Losdesastres de la guerra. 24Aqui, como lá, os espantalhos têm subvertidos os efeitos ou propósitosa que usualmente obedecem: não mais dirigidos, para afugentá-las, àsbestas, mas tornados signos <strong>da</strong> bestificação dos homens, de sua terrívelcapaci<strong>da</strong>de de produzir e liberar monstros. O absurdo <strong>da</strong> guerra é, paraos dois artistas, algo que subsume quaisquer diferenças entre aqueles quepelejam, não importando a que campo pertençam. Se na gravura de Goyaantes reproduzi<strong>da</strong> a atroci<strong>da</strong>de é de responsabili<strong>da</strong>de do exército francês,que como, arma<strong>da</strong> <strong>da</strong>s luzes, deveria ter primado pela contenção e pelorespeito à digni<strong>da</strong>de e à ordem, em outros de seus desenhos <strong>da</strong> mesmasérie é a população, em especial a camponesa, que comete barbari<strong>da</strong>des.Postura similar encontra-se em Os sertões. A prática recorrente <strong>da</strong> degola porparte dos sol<strong>da</strong>dos, por exemplo, complementa os desatinos dos jagunços,corresponde a eles: uma <strong>da</strong>s conexões entre a Rua do Ouvidor e o sertãose dá pela violência desmedi<strong>da</strong>, media<strong>da</strong> pela ignorância e pelo fanatismo.Mas a figura do espantalho aparece ain<strong>da</strong> em outros momentos dolivro de Euclides <strong>da</strong> Cunha. Como uma espécie de totem, é mais um doselos simbólicos com os quais são conjuga<strong>da</strong>s a natureza e as forças <strong>da</strong>civilização e do atraso, identificando-as, o recurso a ela embutindo sempreum mesmo propósito: semear terror e torpor, o medo e o mesmo, excitare conter, como um simulacro. 25 O escritor, entretanto, não se limita aregistrar os diversos espantalhos com que se defronta. Ele mesmo os cria,serve-se deles, e, com isso, desdobra a denúncia contra o fechamento <strong>da</strong>História, acenando para o caráter inesgotável do entendimento ¿ <strong>da</strong> leitura?enquanto potência. 26São vários, e não só em Os sertões, os momentos em que figuras deespantalhos são convoca<strong>da</strong>s para qualificarem, e desnu<strong>da</strong>rem, uma sériede “Temores vãos”, este o nome de um dos ensaios do escritor, de Contrastese confrontos, no qual a imagem se insinua, travesti<strong>da</strong> em “espectro” ou“fantasma”, alertando para a improprie<strong>da</strong>de do temor que alicia, denunciadocomo pura fantasia. 27 Em Os sertões aparecem para qualificar atitudes dossertanejos diante <strong>da</strong> seca (“Salteou-o, logo, intercalando-lhe agruras nashoras festivas <strong>da</strong> infância, o espantalho <strong>da</strong>s secas no sertão”; p. 182), <strong>da</strong>“opinião nacional” frente à suposta ameaça de restauração monárquica(“Em tudo a obsessão do espantalho monárquico, transmu<strong>da</strong>ndo emlegiões (...) meia dúzia de retar<strong>da</strong>tários, idealistas e teimosos”; p. 345; “Oespantalho <strong>da</strong> restauração monárquica negrejava, de novo, no horizontepolítico atroado de tormentas”; p. 423), e a tentativa do exército deapavorar os jagunços valendo-se <strong>da</strong> imponência do canhão Whitworth de32’’, por estes chamado de “a matadeira” (“Era, porém, preciso assustaros sertões com o monstruoso espantalho de aço, ain<strong>da</strong> que se pusessemde parte medi<strong>da</strong>s imprescindíveis”; p. 356).Com as figuras de espantalhos, seres em princípio desprovidos dequalquer potência e cujo poder, de resto ilusório, brota de uma grotescasemelhança, Euclides <strong>da</strong> Cunha rasura os limites <strong>da</strong> razão, propondo umalém do realismo e do empirismo. Canudos, palimpsesto, aliás, exibe96 ~ ~ 6.2 | 2007

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