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Dossiê Debateuniversalizante, que se coadunam na razão ordinária, encontram seu limite.Ou seja, quando, ao se depararem com particulari<strong>da</strong>des cujas sutilezas lhesescapam, ou que incompreendem, caso franqueados não conseguem obstardeslizamentos e movimentos de outros possíveis, de antemão e de ordinárionão concebidos. Vale lembrar que uma dinâmica deste tipo, em que avançose recuos se alternam, em que vitórias e derrotas se confundem, é característicados relatos <strong>da</strong>s batalhas de Canudos. Constitui, nesse sentido, esse ritmo deconfrontação um atributo não apenas do pensamento do escritor, tal comoexposto em Os sertões, mas ain<strong>da</strong> uma espécie de regime em torno doqual o livro se organiza.À parte as ações, movimentos e fenômenos colocados sob o signo dosurpreendente e do inusitado, ali se destacam ain<strong>da</strong> algumas ver<strong>da</strong>deirasfiguras do espanto. Podem ser estas personagens, sol<strong>da</strong>dos ou jagunços¿ que em ver<strong>da</strong>de se confundem e não raro trocam de valência ?, ou seresmisteriosos e imprevistos <strong>da</strong> natureza com os quais se depara o escritor.Bem como objetos insólitos, deslocados, e mesmo idéias, cujo caráteraberrante lhes é atribuído pela voz narrativa. Pela sua recorrência, e não sóem Os sertões, entre tais figuras destacam-se aquelas de espantalhos e afins.Com efeito, já na primeira parte do livro, em que descreve aspectos <strong>da</strong>geografia, do clima e <strong>da</strong> flora do sertão, o narrador não sem assombro narraseu encontro, quando percorria as “cercanias de Canudos”, sob uma únicaárvore de um árido vale, com um sol<strong>da</strong>do que, visto de longe, parecia descansar.Na seqüência, porém, informa o narrador, quando deixa patente o prazerque lhe traz o inesperado: “Descansava... havia três meses”. Após esclarecer,então, com minúcias, a posição em que se achava o cadáver, ele aproximasuas lentes para revelar efeitos indeléveis e surpreendentes do clima sertanejo:E estava intacto. Murchara apenas. Mumificara conservando os traços fisionômicos,de modo a incutir a ilusão exata de um lutador cansado, retemperando-se emtranqüilo sono, à sombra <strong>da</strong>quela árvore benfazeja. Nem um verme (...) lhemaculara os tecidos. Volvia ao turbilhão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> sem decomposição repugnante,numa exaustão imperceptível. Era um aparelho revelando de modo absoluto,mas sugestivo, a secura extrema dos ares. (p. 120)Atenção similar recebe o vulto de um cavalo, que traz um adendo ain<strong>da</strong>maior de fantasia e inusitado graças ao vento que lhe move a crina. 20Considera<strong>da</strong>, como em todo o livro, aliás, como agente, como organismodotado de um imperscrutável poder volitivo, a natureza, que congela otempo, é também posta sob o signo <strong>da</strong> falsificação, como fabricante deilusões, prestidigitadora. Nos sertões, além do tempo, morte e vi<strong>da</strong> sefundem, confundem.Uma <strong>da</strong>s passagens mais marcantes nas quais aflora uma figura deespantalho aparece no segundo capítulo <strong>da</strong> sexta parte de “A luta”, naseção sintomaticamente intitula<strong>da</strong> “Recor<strong>da</strong>ções cruéis”:Despontavam em to<strong>da</strong> a ban<strong>da</strong> recor<strong>da</strong>ções cruéis; molambos já incolores, defar<strong>da</strong>s, oscilando à ponta dos esgalhos secos; velhos selins, pe<strong>da</strong>ços de mantase trapos de capotes esparsos pelo chão, de envolta com fragmentos de ossa<strong>da</strong>s.À margem esquer<strong>da</strong> do caminho, erguido num tronco — feito um cabide emque estivesse dependurado um far<strong>da</strong>mento velho — o arcabouço do CoronelTamarindo, decapitado, braços pendidos, mãos esqueléticas calçando luvas pretas...Jaziam-lhe aos pés o crânio e as botas.E do correr <strong>da</strong> bor<strong>da</strong> do caminho ao mais profundo <strong>da</strong>s macegas, outroscompanheiros de infortúnio: esqueletos vestidos de far<strong>da</strong>s poentas e rotas,estirados no chão, de supino, num alinhamento de formatura trágica; oudesequilibra<strong>da</strong>mente arrimados aos arbustos flexíveis, que, oscilando à feiçãodo vento, lhes <strong>da</strong>vam singulares movimentos de espectros — delatavamdemoníaca encenação adrede engenha<strong>da</strong> pelos jagunços. (pp. 365-366). 21O esforço dos homens repete arranjos e formas trágicas forja<strong>da</strong>s pelanatureza. Ao que se soma o trabalho do acaso:Muitos lutadores ao baquearem pelas ladeiras, em resvalos, tinham caído embarrocais e grotas; outros, mal seguros pelas arestas pontiagu<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s rochasatravessando-lhes as vestes, balouçavam-se sobre abismos... (p. 295)***Não há registros, ao que se saiba, de que Euclides <strong>da</strong> Cunha tenhaconhecido aspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> obra de Francisco Goya. São inegáveis,no entanto, afini<strong>da</strong>des entre ambos. Ambos, artistas de países entãoperiféricos e em momento de transição e conturbação política, seduzidospela ciência, pela técnica e pelos ideais republicanos, são adeptos de umamentali<strong>da</strong>de de molde iluminista e esclareci<strong>da</strong>. Foram críticos ferozes <strong>da</strong>~ 6.2 | 2007~ 95

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