A itinerância dos artistas: a constituição do campo <strong>da</strong>s artes nas ci<strong>da</strong>des-capitais do Brasilmais finos e estritos, sempre levando em consideração a relação entre artee poder, a estética e a política para conectar e analisar os <strong>da</strong>dos encontrados.Esta etapa <strong>da</strong> pesquisa é eminentemente sócio-histórica e busca, através dedocumentos, narrativas e relatos, compreender a organização do trabalhoartístico em Salvador e no Rio de Janeiro durante o período colonial e, emum segundo momento, no Rio de Janeiro durante o Império, que duroupraticamente todo o século XIX, e ao longo <strong>da</strong> República, com ênfase nasprimeiras déca<strong>da</strong>s até meados do século XX, quando a capital transfere-separa Brasília. Em relação ao campo <strong>da</strong>s artes, Brasília também, apesar derecente, exige periodização fina, pois, nas cinco déca<strong>da</strong>s de existência <strong>da</strong>ci<strong>da</strong>de, podemos detectar momentos de inflexão e de ruptura entre o campo<strong>da</strong>s artes e o político. Se os primeiros artistas vieram participar de umautopia, desde o final dos anos 1950, na déca<strong>da</strong> de 70, a ci<strong>da</strong>de tornou-sehostil aos artistas e aos intelectuais em geral, diga-se de passagem,expulsando-os, levando-os a buscarem outras ci<strong>da</strong>des, onde participaram <strong>da</strong>cena contracultural que se formou então, entre 1967 e 1984, no Rio e emSão Paulo. As três últimas déca<strong>da</strong>s oferecem dificul<strong>da</strong>des particulares, sejapela proximi<strong>da</strong>de, seja pela coexistência de uma diversi<strong>da</strong>de de tendências,propostas e estilos igualmente hegemônicos na contemporanei<strong>da</strong>de.Assim, se fecha um ciclo que pretendeu cobrir, por um viés particular, o <strong>da</strong>itinerância, a história <strong>da</strong> arte brasileira, seguindo os movimentos do processocivilizador e seu vínculo com as artes, acompanhando o processo de implantaçãoe a itinerância dos artistas pelas <strong>da</strong>s capitais itinerantes do Brasil.Parte-se aqui de uma concepção clássica <strong>da</strong> sociologia, que afirma ahistorici<strong>da</strong>de intrínseca aos produtos <strong>da</strong> cultura, modeladores do própriotempo e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em que emergem. Interessa analisar essa produçãomaterial e também a atuação dos diferentes personagens, o papel <strong>da</strong>sgerações, as transformações ocorri<strong>da</strong>s no campo, por razões de ordempolítica ou institucional. Após uma tentativa de apreensão do campocomo um conjunto, em ca<strong>da</strong> configuração histórica específica, foramrealizados trabalhos pontuais sobre artistas que modelaram uma visuali<strong>da</strong>deprópria para ca<strong>da</strong> época e ca<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de estu<strong>da</strong><strong>da</strong>. Daí resultou um bancode imagens mais que eloqüentes sobre os modelos de arte e as rupturasidentifica<strong>da</strong>s. Interessa saber quem são os artistas, as obras e as instituiçõesmais importantes na produção estética do período, com ênfase nos artistasque teriam marcado a fisionomia e o debate sobre as artes na ci<strong>da</strong>de.O conceito de campo, quando referido à arte brasileira, deve serentendido muito mais como uma metáfora topológica, parte <strong>da</strong> matemática,<strong>da</strong> teoria dos conjuntos, do que <strong>da</strong> sociologia propriamente dita. Dificilmentepode se pensar o campo <strong>da</strong> arte como autônomo, na colônia, no séculoXIX, ou mesmo ain<strong>da</strong> hoje no Brasil. No período colonial, não havia “arte”,no sentido moderno <strong>da</strong> palavra. Havia santos, altares, tetos pintados;mobiliário, colunas; e os artistas nem se sentiam artistas; eram apenasespecialistas em seus ofícios, mais próximos dos pedreiros e dos carpinteirosdo que dos artistas subitamente tornados príncipes com a moderni<strong>da</strong>de.Os <strong>da</strong>dos são reveladores do quanto estavam imbricados um no outro opoder político e religioso com o campo <strong>da</strong>s artesFoi possível compreender como se reproduziam as profissões, comoeram recrutados seus membros, como eram feitos a transmissão e o controledos ofícios artísticos no período colonial. Ao longo do século XIX, assistiu-seà implantação do gosto artístico acadêmico e os novos procedimentosinstitucionais de reprodução <strong>da</strong>s profissões artísticas. Esses valores estéticos,trazidos com a Missão Francesa, só foram questionados com a primeira geraçãode artistas modernos já afinados com o gosto <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s européias doinício do século XX, que promoveram uma revolução visual nas artes brasileiras.Esse estudo também permitiu acompanhar as inflexões pelas quais passouo modernismo, seus diferentes momentos, a sucessão de vanguar<strong>da</strong>s desdeos primeiros anos <strong>da</strong> déca<strong>da</strong>, passando pela geração de 1945, até aspropostas concretistas e neoconcretistas <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s do Pós-Guerra.A história de uma ci<strong>da</strong>de não pode ser pensa<strong>da</strong> de forma homogênea.Isso fica extremamente claro quando nos aproximamos de uma experiênciarelativamente recente, como Brasília, <strong>da</strong> qual podem ser acompanhadosos movimentos de i<strong>da</strong>s e vin<strong>da</strong>s dos artistas.Foram assim delimitados recortes, escolhas de momentos densos <strong>da</strong>história, momentos de inflexão, em que mu<strong>da</strong>m as direções, políticas eestéticas, nas artes nas ci<strong>da</strong>des brasileiras. Salvador, capital do Brasilcolônia;Rio de Janeiro, capital do Brasil-colônia, do Vice-reinado e doImpério; mais tarde, do Brasil republicano; e Brasília que apesar de suacurta e conturba<strong>da</strong> história, permite compreender as rupturas ocorri<strong>da</strong>snas últimas déca<strong>da</strong>s, os movimentos de aproximação ou de afastamentoentre o campo <strong>da</strong>s artes e o campo político.Neste texto, a categoria itinerância foi utiliza<strong>da</strong> em todos os momentospara se referir aos deslocamentos dos artistas e às transformações no campo<strong>da</strong>s artes. Foi constata<strong>da</strong> a grande mobili<strong>da</strong>de dos artistas, o jogo entre anecessi<strong>da</strong>de e o acaso, a importância dos circuitos, dos convites e <strong>da</strong> redesocial de relações. Constatou-se também as relações mutáveis – conflitos,90 ~ ~ 6.2 | 2007
Dossiê Debateconluios – entre os dois campos – a política e a arte – em permanenteconfronto. O artista migrante pode ser um artista oficial, um funcionário doEstado? Isso seria possível com um percurso interior nômade? Há artistascontemporâneos que cavam seu caminho longe dos estereótipos, fugindo<strong>da</strong> sedentarização, criando valores para o campo <strong>da</strong> arte. Deles se pode dizero que Deleuze disse do ferreiro e de seu risco de sedentarismo: “Sua relaçãocom os outros decorre de sua itinerância interna, de sua essência vaga e nãoo inverso. É em sua especifici<strong>da</strong>de, enquanto ele é um itinerante, enquantoele inventa um espaço vazado, que (o artista) comunica com os sedentáriose com os nômades” (Deleuze, 1980:516).NOTAS:1Foi construí<strong>da</strong> uma periodização para marcar os momentos de inflexão ao longo<strong>da</strong> história. São recortes temporais que, buscando os nexos entre os dois camposem ação, permitem visualizar a dinâmica <strong>da</strong>s relações entre estética e política. Emto<strong>da</strong>s as etapas <strong>da</strong> pesquisa, teóricas ou empíricas, foi levado em consideração omodo de organização dos grupos, o vínculo entre estética e política, com ênfase noconceito de itinerância. Foram também explorados alguns dos aspectos conceptuais<strong>da</strong> categoria itinerância e sua utili<strong>da</strong>de para pensar, do ponto de vista <strong>da</strong> sociologia<strong>da</strong> cultura, a produção estética <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des.2Résumé de l’Histoire littéraire du Portugal suivie du Résumé de l’Histoire littéraire duBrésil, publicado em Paris, em 1826. Denis viveu no Rio entre 1816 e 1820. Em Paristornou-se diretor <strong>da</strong> Biblioteca de Sainte Geneviève, onde recebia seus amigos ediplomatas brasileiros.3Esta igreja, posteriormente foi remodela<strong>da</strong> em pedra e cal, foi demoli<strong>da</strong> em 1912.4O Padroado foi uma instituição colonial, um tratado entre a Santa Sé, assinado em1465 pelo Papa Calisto III, Portugal e Espanha, que vinculava os religiosos aoEstado do qual recebiam foro, desempenhando um papel fun<strong>da</strong>mental no controlepolítico-ideológico do projeto colonizador português.5Além de alguns autores clássicos como Germain Bazin ou Lourival Gomes Machado,há numerosos estudos, na maior parte curtos, sobre pintores ou escultores específicos,pertencentes a uma ordem ou confraria religiosa. Estudos de conjunto foram levadosa cabo por Lúcio Costa e Paulo Santos (sobre a arquitetura barroca jesuítica), por RodrigoMelo Franco de Andrade (sobre a pintura no período colonial), por Mário de Andrade,que escreveu vários estudos sobre arte colonial brasileira (Aleijadinho, Padre Jesuínodo Monte Carmelo), e, mais recentemente, por Affonso Ávila, responsável peladivulgação <strong>da</strong> narrativa “Triunfo Eucarístico”e de estudos inovadores sobre o Barroco.6Esse chafariz era localizado onde hoje se encontra o Largo <strong>da</strong> Carioca.7Ver Veloso e Madeira, Leituras Brasileiras, p. 648Daí a decisão de criar os cursos jurídicos, implantados em 1827 em Olin<strong>da</strong> e emSão Paulo.9O “bota abaixo” – assim denominado pelos jornais <strong>da</strong> época – foi o movimento<strong>da</strong>s grandes demolições que antecederam às reformas embelezadoras ehigienizadoras do governo de Rodrigues Alves, com Oswaldo Cruz e Pereira Passos.10O romance de Lima Barreto, Vi<strong>da</strong> e morte de J.M. Gonzaga de Sá, tematiza estaquestão de modo bastante radical.11Le Corbusier fez uma primeira viagem ao Brasil por conta própria e uma segun<strong>da</strong>a convite de Lúcio Costa, que considerava suas obras o “Livro sagrado <strong>da</strong>arquitetura” segundo expressão do próprio Costa (apud Netto, Marcos Konder, 2006).12Mário Pedrosa estranha a aplicação <strong>da</strong> censura às artes, representa<strong>da</strong> pelofechamento do salão <strong>da</strong> Bienal jovem do Rio de Janeiro em 1967. Por ser umaforma de expressão que interessa a uma minoria, as artes plásticas não foram tãoatingi<strong>da</strong>s pela censura como o teatro ou a música popular, de divulgação mais ampla.Referências bibliográficas:ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de. Pequena História <strong>da</strong> formação social Brasileira.Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1981.CARNEIRO, Edison. A ci<strong>da</strong>de de Salvador (1549) – uma reconstituição histórica.Rio de Janeiro, 1950.DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mille Plateaux. Paris: Ed. Minuit, 1981.ELIAS, Norbert. O Processo civilizador I. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1990.GRUZINSKI, Serge. La colonisation de l’imaginaire. Paris: Ed. Gallimard, 1988.MADEIRA, Angélica. “Os pensionistas do Imperador” in Lusitânia, vol., I, no 3. NovaIorque: Avilez Editor, 1990.NETTO, Marcos Konder. “Setenta e cinco anos de Arquitetura Moderna no Brasil” inGUIMARÃES, C. Arquitetura e movimento moderno. Rio de Janeiro: FAU-UFRJ, 2006.SMITH, Robert. História <strong>da</strong>s Artes na ci<strong>da</strong>de de Salvador. Salvador: PMS, 1967.SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985.URRY, John. Sociology beyond society. Londres: Ed. Routledge, 2000.VELOSO, Mariza e MADEIRA, Angélica. Leituras brasileiras. São Paulo: Ed. Paz eTerra, 1999.~ 6.2 | 2007~ 91
- Page 3 and 4:
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTES
- Page 5 and 6:
Buenos Aires - Rio de JaneiroStaffE
- Page 7 and 8:
DOSSIÊ EXPERIMENTAÇÕESURBANASO d
- Page 9 and 10:
Dossiê Experimentações Urbanasda
- Page 11:
Dossiê Experimentações Urbanas19
- Page 14 and 15:
Branco sobre Branco - uma poéticad
- Page 16 and 17:
Branco sobre Branco - uma poética
- Page 18 and 19:
Branco sobre Branco - uma poética
- Page 20 and 21:
El pensamiento urbano en lascrónic
- Page 22 and 23:
El pensamiento urbano en las cróni
- Page 24 and 25:
El pensamiento urbano en las cróni
- Page 26 and 27:
Um passeio pela cidade invisívelKa
- Page 28 and 29:
Um passeio pela cidade invisívelin
- Page 30 and 31:
Um passeio pela cidade invisívelde
- Page 32 and 33:
Literatura visual urbanaClaudia Koz
- Page 35 and 36:
Dossiê Experimentações Urbanasre
- Page 37 and 38:
~ 6.2 | 2007~ 35
- Page 39:
Experimentaciones Urbanas/ Lux marc
- Page 42 and 43: Multiplicidad de culturas, tiempos
- Page 44 and 45: ¿Cómo se realiza una calle?Dibuja
- Page 47 and 48: Santiago PorterCasa de la MonedaFot
- Page 49 and 50: Santiago Porter, Ministerio I, 2007
- Page 51: Santiago Porter, Hospital, 2007, 12
- Page 54 and 55: 52 ~ ~ 6.2 | 2007
- Page 56 and 57: Turismo Local. Still de video 20075
- Page 58 and 59: DOSSIÊ DEBATE:Identidade, espaço
- Page 60 and 61: Fragmentos urbanos: identidade, mod
- Page 62 and 63: Fragmentos urbanos: identidade, mod
- Page 64 and 65: Fragmentos urbanos: identidade, mod
- Page 66 and 67: Fragmentos urbanos: identidade, mod
- Page 68 and 69: Territórios pensados e território
- Page 70 and 71: Territórios pensados e território
- Page 72 and 73: Territórios pensados e território
- Page 74 and 75: Territórios pensados e território
- Page 76 and 77: Territórios pensados e território
- Page 78 and 79: Dentro e fora da Nova Ordem Mundial
- Page 80 and 81: Dentro e fora da Nova Ordem Mundial
- Page 82 and 83: Dentro e fora da Nova Ordem Mundial
- Page 84 and 85: A itinerância dos artistas: a cons
- Page 86 and 87: A itinerância dos artistas: a cons
- Page 88 and 89: A itinerância dos artistas: a cons
- Page 90 and 91: A itinerância dos artistas: a cons
- Page 94 and 95: Espantalhos e afinsCarlos Eduardo S
- Page 96 and 97: Espantalhos e afinsele vai repartin
- Page 98 and 99: Espantalhos e afinsfalta de razão
- Page 100 and 101: Espantalhos e afinsdemorada e digna
- Page 102 and 103: Espantalhos e afinse fantasmas é q
- Page 104 and 105: La tersura áspera de lo real.Poes
- Page 106 and 107: La tersura áspera de lo real. Poes
- Page 108 and 109: La tersura áspera de lo real. Poes
- Page 110 and 111: La tersura áspera de lo real. Poes
- Page 112 and 113: Questões da ficção brasileira no
- Page 114 and 115: Questões da ficção brasileira no
- Page 116 and 117: Questões da ficção brasileira no
- Page 118 and 119: Resenhas: O samba e o tango articul
- Page 120 and 121: O samba e o tango articulando o mod
- Page 122 and 123: El gran vidrioIsabel QuintanaBELLAT
- Page 124 and 125: Un viaje por la realidadDiana I. Kl
- Page 126 and 127: Un viaje por la realidadinstigantes
- Page 128 and 129: Carlos CapelaDoutor em Literatura p
- Page 130: Número 1 - Março 2003 Número 2 -