A itinerância dos artistas: a constituição docampo <strong>da</strong>s artes nas ci<strong>da</strong>des-capitais do Brasil (1)Angélica MadeiraAo iniciar os estudos sobre os itinerários dos artistas e as razões que oslevaram a escolher uma ci<strong>da</strong>de como base, constata-se, antes de maisna<strong>da</strong>, sua mobili<strong>da</strong>de, sua disponibili<strong>da</strong>de para mu<strong>da</strong>r. Compreende-setambém o quanto o devir profissional de um artista está relacionado aoscircuitos sociais e institucionais que pontuam seu percurso. Itinerânciatorna-se assim um conceito de interesse sociológico para pensar a práticaartística: itinerância como deslocamento dentro de um circuito. Sendo aheterogenei<strong>da</strong>de um dos princípios <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> urbana, o circuito aju<strong>da</strong> acompreender os agenciamentos sociais e a ordem que rege ca<strong>da</strong> campo,definindo relações entre práticas e habitus, trocas possíveis nos espaçosdestinados ao ensino, exibição e consagração <strong>da</strong> arte.Os artistas, em geral, viajam muito, por várias razões, para estudos,exposições, ateliers, debates, para não falar <strong>da</strong> performance mun<strong>da</strong>na,tradicionalmente vincula<strong>da</strong> à vi<strong>da</strong> de artista. Quando viajam, com eles vãoobjetos – quadros, esculturas –, mas principalmente idéias, que circulame passam a fazer parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cultural, <strong>da</strong> cena artística <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des.Os deslocamentos no espaço geográfico se dão segundo circuitossociais pré-estabelecidos que definem o artista de acordo com sua notorie<strong>da</strong>dee reconhecimento, o que remete, novamente, por um outro viés, aocampo político, ou seja, à forma como o poder se reorganiza internamenteao campo artístico. Há artistas que viajam em circuitos locais, regionais,outros que participam de uma rede mais abrangente, até o sempre reduzidogrupo que consegue se inserir no circuito internacional, seja absorvidopelo mercado, seja ao participar de bienais importantes e feiras oficiais.Embora o conceito de itinerância guarde alguma afini<strong>da</strong>de com a idéiade Nomadismo, dela se distingue por remeter a aspectos empíricos dosdeslocamentos. Nomadismo se refere, antes de mais na<strong>da</strong>, aos artistascomo seres migrantes, nômades; o nomadismo entendido como atitudeinterna, radical, condição mesma para ser artista (Deleuze e Guattari, 1980).Nesse sentido, o conceito trabalhado por Deleuze e Guattari a partir <strong>da</strong>releitura de Nietzsche diz respeito a uma forma de pensamento que nãose deixa apanhar na trama <strong>da</strong>s forças institucionais, encontrando sempreuma linha de fuga que oscila entre os movimentos que tentam contê-la. Oartista, tal como se constituiu na socie<strong>da</strong>de ocidental moderna, sobretudoa partir do século XIX, reivindica o individualismo e uma singulari<strong>da</strong>de quenão se limitam aos modelos binários e espaços institucionais enquadrados.Por estar em contato permanente com as forças emocionais, o artista –como o filósofo nômade – deve se libertar <strong>da</strong>s forças sedentárias <strong>da</strong> morale <strong>da</strong> religião para se dedicar à criação. Essa atitude equivale a errar, falarsempre em uma língua estrangeira, mesmo que seja sua língua materna.Assim, nem todos os artistas podem ser considerados nômades,principalmente no quadro de uma pesquisa que tenta compreender as artessob o ponto de vista <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> política ou mesmo do aparelho de estado.Mas quase todos são itinerantes. Participam de um povo inquieto e têmurgências e obsessões inexplicáveis.Neste texto foi utilizado o conceito itinerância – e não nomadismo – porconsiderar o primeiro mais flexível e operacional, mais adequado para se referira fenômenos empíricos, como as viagens dos artistas, a circulação entre grupose instituições, o trânsito de mercadorias e modelos de arte. Itinerância possuium poder mediador, é menos carregado de conteúdo filosófico e comporta umuso mais preciso do que mobili<strong>da</strong>de e menos técnico do que nomadismo.Como tornar produtivo um conceito? Como fazê-lo trabalhar paraorientar a pesquisa?Para o período colonial, pode-se investigar o fluxo de informações ede modelos, traçados e livros ilustrados trazidos por padres, arquitetos,músicos, intelectuais e artífices que viajavam pelos raros núcleos urbanospara exercer seu ofício onde houvesse deman<strong>da</strong> de arte.Indiscutível marco e ruptura na orientação do campo <strong>da</strong>s artes foi a chega<strong>da</strong> aoRio de Janeiro, em 1816, de um número significativo de artistas, o que ficouconhecido como “Missão Francesa”. A partir <strong>da</strong>í redefiniu-se o gostoartístico, e a arte acadêmica adquiriu uma hegemonia que duraria os doisimpérios, isto é, ao longo de todo século XIX.82 ~ ~ 6.2 | 2007
Dossiê DebateOutras viagens tiveram importância para a arte brasileira <strong>da</strong>quele século.Ferdinand Denis, por exemplo, tendo vivido quatro anos no Rio comofuncionário consular, após seu retorno a Paris, publicou um compêndio deliteratura portuguesa e brasileira 2 e tornou-se o principal interlocutor dosbrasileiros que para lá se dirigiam como Araújo Porto-Alegre, Gonçalvesde Magalhães e Torres Homem.Neste período, a vi<strong>da</strong> intelectual e artística ficou fortemente marca<strong>da</strong>por dois fatos: sua centralização na corte e pelas viagens. Eram europeusvindos em missões científicas ou diplomáticas – Burchell, Rugen<strong>da</strong>s, ThomasEnder, Lord Chamberlain, Maria Graham – ou eram os raros artistasbrasileiros que, agraciados com prêmios em salões, tornavam –se “ospensionistas do Imperador” com direito a estu<strong>da</strong>r na Europa. Iam paraRoma, Florença, como Pedro Américo e Victor Meireles, ou, como faziamos bolsistas <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> geração – Almei<strong>da</strong> Junior, Rodolfo Amoedo, Pereira<strong>da</strong> Silva - iam para Paris (Madeira, A. 1990).Na moderni<strong>da</strong>de, o conceito de itinerância se torna mais denso e possívelde ser explorado em muitas dimensões. Não somente por ser o século XXmarcado por grandes diásporas e fenômenos migratórios, mas tambémpor terem sido amplia<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong>des de ir e vir, as distâncias encurta<strong>da</strong>s.As informações se tornaram mais ágeis, as viagens se tornaram maiscorriqueiras, tanto dos artistas brasileiros que frequentavam ateliês nosgrandes centros – Paris, Berlim, Nova York –, como dos artistas e intelectuaiseuropeus que desenvolveram um grande interesse pelo Brasil e pela América.As viagens do fotógrafo e antropólogo Pierre Verger, do poeta Blaise Cendrase, principalmente, as de Le Corbusier, marcaram a história e a visuali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>arte brasileira do século XX. A arquitetura moderna, particularmente, angariouprestígio, ganhou hegemonia e impôs-se ao ecletismo e ao neocolonial,então vigentes. O pavilhão do Brasil na exposição internacional de NovaIorque, de autoria de Niemeyer, é considerado um marco, por suas formasarroja<strong>da</strong>s, sua ousadia técnica e simplici<strong>da</strong>de construtiva, para a arquitetura,já então sustenta<strong>da</strong> por um grupo consistente – Lúcio Costa, EduardoReydi, Oscar Niemeyer, Carlos Leão – arquitetos imbuídos dos novosvalores estéticos construtivistas e de uma ética <strong>da</strong>s formas e dos materiais.Aos poucos, o campo <strong>da</strong>s artes vai se tornando mais autônomo, emborasempre restrito. Surgem museus e galerias que marcaram a déca<strong>da</strong> de 1950,surge um grupo de artistas articulados e inovadores, vindos de vários partes,trazendo experiências diversas. A “política <strong>da</strong> boa vizinhança” promove ointercâmbio de artistas, músicos e cineastas entre o Brasil e os EstadosUnidos. O Rio do pós-Guerra torna-se uma ci<strong>da</strong>de cosmopolita, com umambiente intelectual avançado e dinâmico, atraindo artistas de to<strong>da</strong>s aspartes do Brasil – como Cícero Dias, do Recife, Aluísio Carvão, de Belém,Antonio Bandeira, do Ceará, além de servir de porto de chega<strong>da</strong> para muitosFazem parte dessa geração, dentre outros, Lasar Segall, Arpad Szènes eVieira <strong>da</strong> Silva, Franz Weissmann, vindos <strong>da</strong> Lituânia, <strong>da</strong> Hungria e dePortugal, via Paris, e <strong>da</strong> Áustria. Surgem novos rituais de consagração,muitos dos quais implicam deslocamentos, como as bienais e os salões.São esses os valores modernistas, construtivos, racionalistas e funcionaisque estão em vigência quando <strong>da</strong> construção <strong>da</strong> nova capital. Brasíliasuscita o desejo de participação e atrai artistas de muitas partes do Brasil.A equipe de Niemeyer que migrou para o Planalto de Goiás, em 1958,trazia engenheiros que eram também escritores e intelectuais como SamuelRawet e Joaquim Cardoso, assim como Athos Bulcão, artista que seestabeleceu definitivamente na ci<strong>da</strong>de e marcou de modo inconfundível apaisagem. Outros artistas migraram por conta própria, por consideraremque a construção de uma nova capital deman<strong>da</strong>ria trabalho artístico emlarga escala. A criação <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Brasília também foi um importantepolo de atração de artistas vindos de São Paulo, do Rio, de Porto Alegre,<strong>da</strong> Bahia. Muitos deles retornaram a suas ci<strong>da</strong>des de origem após 1967,quando o regime militar impôs a censura e afastou, por meio de aposentadoriascompulsórias, professores e artistas de suas funções. Nova chama<strong>da</strong> e novaleva de artistas se desloca para Brasília, na déca<strong>da</strong> de 1970, para substituiros primeiros mestres demitidos. Com a redemocratização dos anos 1980,~ 6.2 | 2007~ 83
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