Territórios pensados e territórios vividos: apropriação do espaço e práticas de renovação urbana na área central de BelémBelém trabalhando nas principais ruas do centro histórico 2 . Essacaracterização <strong>da</strong> área central de Belém nos faz considerar que muitomais do que as funções e usos que definem o processo de produção doespaço do centro histórico, precisamos levar em conta os vínculos queesses usos e agentes estabelecem em relação aos seus espaços de vivências,invocando, por conseguinte, uma relação trinitária para com o espaço eque define territoriali<strong>da</strong>des bem específicas. A renovação urbana que ganhaexpressão no momento atual na área central, <strong>da</strong><strong>da</strong> à maneira como têmse apresentado, consiste em medi<strong>da</strong>s que podem, em vez de reforçar essasidenti<strong>da</strong>des e usos, contribuir para um processo gra<strong>da</strong>tivo de desterritorilizaçãodos agentes que aí se fazem presentes.É dessa forma que, na área central, tem sido comum o discurso quemostra a deterioração e o declínio do centro em relação aos demais setores<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Ain<strong>da</strong> que as vivências e a presença de diversos agentes se façammarcantes, conforme já demonstrado, esses usos parecem inadequadosou indesejáveis no discurso governamental, <strong>da</strong><strong>da</strong> à sua forte relação coma pobreza e a um circuito considerado inferior <strong>da</strong> economia urbana(SANTOS, 1979). Isso acaba por definir uma <strong>da</strong><strong>da</strong> territoriali<strong>da</strong>de dessesmesmos agentes; <strong>da</strong>í a recorrência ao discurso <strong>da</strong> decadência parademonstrar a improprie<strong>da</strong>de dos usos aí presentes:fechamento de inúmeras casas comerciais que foram substituí<strong>da</strong>s por outrasvolta<strong>da</strong>s ao comércio de produtos populares, ou ain<strong>da</strong>, com a demolição deedificações (BELÈM, 1998, p. 23).Nos documentos relacionados aos projetos de renovação há umargumento explícito ou subjacente que coloca em destaque a idéia deper<strong>da</strong>, de decadência e de deterioração, seja <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, seja de sua áreacentral, sugerindo a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> renovação:A falta de um plano de desenvolvimento sustentado, ou simplesmente deinvestimentos em ativi<strong>da</strong>des adequa<strong>da</strong>s, como tem sido o caso do trecho <strong>da</strong>Ci<strong>da</strong>de Velha entre o Forte e o Carmo, causam utilizações inadequa<strong>da</strong>s, depreciações,etc. e estancam investimentos, com forte deterioração de bens e funções,justamente sobre uma parte <strong>da</strong> área de maior valor histórico de Belém (SECULT,2002, p. 61).Reforçam-se os conceitos de obsolescência funcional, física e econômicanos diagnósticos técnicos e nos argumentos motivadores e justificadores<strong>da</strong> preservação do patrimônio e <strong>da</strong>s intervenções urbanísticas pontuais nocentro histórico:Tradicional palco <strong>da</strong>s transações comerciais e local privilegiado de habitação,o Centro viu-se logo atingido pelo processo de decadência econômica, com adeterioração de seu casario, a substituição de um comércio dinâmico e dequali<strong>da</strong>de por um comércio popular onde é grande a presença <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>desinformais (com ambulantes ocupando desordena<strong>da</strong>mente os espaços públicos),como as dos serviços de oficinas e reparo, que em na<strong>da</strong> contribuem para amanutenção condigna do ambiente urbano. A intensificação do setor terciáriono Centro Histórico tem conduzido a um gra<strong>da</strong>tivo processo de deterioração<strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> local, fenômeno observado, por exemplo, na área do Vero-Peso(rua Castilho França e transversais) (BELÉM, 1998, p. 23).A idéia de deterioração aparece recorrentemente associa<strong>da</strong> à noçãode “popular”:Com esse panorama econômico adverso, Belém viu seu centro comercial ocupadopelo comércio informal, ressentindo-se também, nos últimos anos, com oA área de intervenção objeto desta proposta apresenta grande incidência deduas <strong>da</strong>s causas acima menciona<strong>da</strong>s: a obsolescência funcional e a obsolescênciafísica. (...) O Mercado do Ver-o-Peso foi concebido como centro de abastecimentode uma Belém com 20.000 habitantes. Hoje, sua localização e porte sãoincompatíveis com a metrópole de mais de 1 milhão de habitantes (...) AEstação <strong>da</strong>s Docas, cujo porto perdeu sua utili<strong>da</strong>de por estar comprometidopor terra (acessos) e por água (assoreamento), tendo sua função original sidodeslocado (sic) para Barcarena/Vila do Conde (SECULT, 2002, p. 83).Levando em conta que a existência de territórios exige ação e controle deum determinado espaço e de todos os seus atributos, requerendo, assim,esforços constantes para serem estabelecidos e mantidos (SACK, 1986), oque se verifica na área central de Belém, em grande parte, são ações que,apoia<strong>da</strong>s em um discurso de renovação, contribuem para o enfraquecimentodos agentes aí territorializados, buscando mostrá-los como sendoproblemáticos do ponto de vista de suas práticas espaciais. Dessa70 ~ ~ 6.2 | 2007
Dossiê Debatemaneira, a idéia de per<strong>da</strong> é mais recorrente nos diagnósticos <strong>da</strong> áreacentral que a potenciali<strong>da</strong>de dos espaços vividos:Um aspecto a ser considerado é que uma parte substancial, tanto dessesmonumentos como de significativas construções menos monumentais, porémintegrantes do conjunto, está sujeita a um processo de per<strong>da</strong> que se caracterizapor vários modos: 1) a substituição descontrola<strong>da</strong> de ativi<strong>da</strong>des, usos econsequentemente <strong>da</strong>s edificações; 2) o abandono, parcial ou total, e arruinamento,parcial ou total, de edificações e também de áreas urbanas, com é o caso <strong>da</strong>sáreas à beira rio entre o Castelo e o Porto do Sal; 3) descaracterização de usose forma, principalmente pela falta de planejamento e investimentos na área; 4)a falta de manutenção e conservação <strong>da</strong>s vias, equipamentos de infra-estruturae a falta de segurança; 5) a hiperativi<strong>da</strong>de funcional, gera<strong>da</strong> principalmente pelasdimensões <strong>da</strong> área metropolitana, senti<strong>da</strong> particularmente pelas disfunções detráfego – alta concentração de veículos para a estrutura viária, inexistência deestacionamentos adequados, etc. (SECULT, 2002, p. 61).Considerando o território como espaço delimitado por relações sociaisque servem para conter, restringir e excluir, conforme sustenta Sack(1986), as práticas de reabilitação urbana em Belém parecem cumprir taisobjetivos, conforme procuraremos mostrar a seguir.Os projetos de renovação: novas territoriali<strong>da</strong>des a partir dos usosEntendido como mediação entre os agentes e o espaço, os territóriosconfigurados no interior do urbano registram ações que o controlam,garantido a espaciali<strong>da</strong>de e os interesses de um ou de vários agentes.Assim, quando se pensa a renovação de áreas centrais em Belém, osespaços requalificados, mais que equipamentos urbanos de naturezacultural e de lazer, mostram-se como ver<strong>da</strong>deiros enclaves urbanos naárea central <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, podendo ser reconhecidos como grandes projetosurbanos; caracterizados, segundo Bourdin (2006), menos pelo seutamanho que por sua complexi<strong>da</strong>de.Destacam-se quatro desses projetos, colocados em prática nos últimosanos (1995-2006) pelo Governo do Estado do Pará. O primeiro deles, o“Estação <strong>da</strong>s Docas”, refere-se à revitalização de parte do espaço portuário<strong>da</strong>tado do início do século XX. Abrange uma área de 32.000 m2, ondefuncionaram três galpões do Porto de Belém, que foram transformados emespaços de lazer e turismo. A área reabilita<strong>da</strong> inclui facili<strong>da</strong>des como: galeriade lojas e serviços; terminal turístico hidroviário; agência de turismo; bares,restaurantes, lanchonetes e fast food; espaços para exposições e eventos;feira de artesanato; museu; teatro e anfiteatro; e ruínas de um antigo forte.A área externa aos galpões foi transforma<strong>da</strong> em varan<strong>da</strong>s, extensões <strong>da</strong>s áreasinternas, a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s com cadeiras e mesas, e passeio com vista para a baía.O segundo projeto, denominado “Feliz Lusitânia”, diz respeito àrevitalização de uma área de aproxima<strong>da</strong>mente 50.000 mÇ no núcleohistórico de fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, com elementos históricos <strong>da</strong>tados desdeo século XVII. A revitalização abrangeu quatro etapas: 1) revitalização erecuperação <strong>da</strong> igreja de Santo Alexandre e do antigo Palácio Episcopal;2) desapropriação e restauração de oito edificações situa<strong>da</strong>s na rua PadreChampagnat, anexas à igreja; 3) renovação do Forte do Presépio e entorno,marco de fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de; 4) revitalização <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong>s Onze Janelas(antiga residência e Hospital Militar <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> do século XVIII) e entornoimediato. O espaço reabilitado inclui: a fortificação propriamente dita; trêsmuseus; cafeteria, bares e restaurante; galeria de arte; loja de produtosculturais; oficina de restauração; auditório; biblioteca; espaços administrativos;igreja; salão de recepção; espaços internos e externos para exposiçõespermanentes; sala de ativi<strong>da</strong>des de experimentação artística. O entornofoi a<strong>da</strong>ptado e recebeu paisagismo para servir de espaço cultural, jardinse passeio voltado para a contemplação <strong>da</strong> baía e do rio, incluindo espelhod’água, fonte luminosa, anfiteatro e píer.O terceiro projeto, chamado de “Pólo São José Liberto”, compreendea revitalização de uma área de 1.600 m2 de um antigo convento <strong>da</strong>tadodo século XVIII, que depois se tornou olaria, em segui<strong>da</strong> hospital e,posteriormente, cadeia pública, que foi desativa<strong>da</strong> e transforma<strong>da</strong> emcentro turístico e cultural. O espaço reabilitado inclui: dois museus; auditório,reformado <strong>da</strong> antiga capela do convento, com altar-mor recuperado; oficinade jóias e Casa do Artesão; lojas destina<strong>da</strong>s à ven<strong>da</strong> de jóias; espaçoadministrativo e de apoio museológico; biblioteca; sala de aula; laboratóriogemológico; oficinas e sala de vídeo. Inclui, ain<strong>da</strong>, um jardim interno compaisagismo temático e destinado a passeios e contemplação; bem comoamplo espaço destinado a ativi<strong>da</strong>des artísticas e culturais, com apoio delanchonetes e de espaços para a ven<strong>da</strong> de produtos artesanais.Por fim, o quarto projeto, o “Mangal <strong>da</strong>s Garças”, consiste em umaárea de várzea e igapó de aproxima<strong>da</strong>mente 4.000 m2 sem uso efetivo~ 6.2 | 2007~ 71
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