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Questões <strong>da</strong> ficção brasileira no século XXIfantasioso espaço <strong>da</strong>s telenovelas. Multiplicam-se matadores de aluguele, de tal forma a indiferença destes assassinos, a total falta de ética, deafeto ou de emoção contamina tudo, que pouco importa quem morre,como morre, quando morre. Pouco importa se os chefões vão se livrar ounão, se havia amor ou não entre o casal perseguido. E, se na<strong>da</strong> importa, aleitura também acaba por não importar. A exibição realista de cenasviolentas não é mais privilégio de nenhum veículo, e não é à toa que doiscampeões do uso <strong>da</strong> violência, mas que são também competentescineastas, Quentin Tarantino e Takeshi Kitano, estão se repensando:Tarantino com o uso irônico, cômico às vezes, absolutamente irreal <strong>da</strong>tiras de quadrinhos, e Kitano com a exacerbação de um trágico quaseteatral, como no recente e deslumbrante Dolls.Quando esse realismo ocupa de forma tão radical a literatura, excessode reali<strong>da</strong>de pode se tornar banal, perder o impacto, começar a produzirindiferença ao invés de impacto. O foco excessivamente fechado domundo do crime termina por recortá-lo do espaço social e político, <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> pública. Torna-se, então, ação passa<strong>da</strong> em uma espécie de espaçoneutro que não tem mais na<strong>da</strong> a ver com o leitor. Corre-se o risco deresultarem disso tudo, o mais <strong>da</strong>s vezes, obras literárias que temoconsiderar descartáveis. Surge a ameaça de que a literatura que pretendefalar de arenas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de apresente aos seus leitores espaços de conflitoque encenam a violência como fonte de divertissement. A arena <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>deopõe-se, então, à ágora.No entanto, esta possibili<strong>da</strong>de de exaustão de uma literaturaexcessivamente realista <strong>da</strong> violência coloca-se definitivamente à provacom a produção de Ferréz – Reginaldo Ferreira <strong>da</strong> Silva – morador <strong>da</strong>periferia de São Paulo. Falo de seu primeiro romance, Capão pecado,editado pela Laboratório Editorial (ain<strong>da</strong> que a opção seja por umaespécie de texto híbrido a que não faltam colagens, como o texto de ManoBrown, uma espécie de poema/rap, e fotos do Capão Redondo e seushabitantes), ambientado no bairro muito pobre <strong>da</strong> violenta periferia ondemora, cenário de gritante criminali<strong>da</strong>de, e também do segundo, bem maismaduro, Manual prático do ódio. É importante prestarmos atenção àapresentação do livro pelo autor: “Todos os personagens deste livroexistem ou existiram, mas Manual prático do ódio é uma ficção”. Osdois romances narram histórias dos “manos”, esmiuçando, com plenoconhecimento de causa, amores, ódios, carências. O mais importantedo romance talvez seja o lócus (espaço mais do que geográfico, social eemocional) de onde fala o autor e que poderia estar situado em qualqueroutro lugar do Brasil. Daí em diante importam ain<strong>da</strong> outros elementos,dentre eles a intenção do autor. Capaz de criar uma escritura detestemunho, sendo sujeito ele mesmo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de sobre a qual escreve,o que Ferréz pretende é, como diz, fazer ficção. Liberto dos mediadoresculturais que tradicionalmente escreveram a História e as histórias dosexcluídos, levando esta prática ao ponto de desejar editar sua obra e nãohesitar em vender ele mesmo seus livros, como fez no encontro literáriode Paraty, Ferréz destrona seus parceiros de artes literárias <strong>da</strong> hegemoniacriativa, desloca-se <strong>da</strong> periferia e instaura-se, ele mesmo, no centro <strong>da</strong>arena <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, mas para desfazê-la como cenário a ser observado, mesmoque com a melhor <strong>da</strong>s intenções. Mais do que isso, Ferréz inverte oprocesso: ele, como outros escritores, como os presos, autores de obrascomo Memória de um sobrevivente, de Luiz Alberto Mendes, ou o conjuntode escritos dos presos do Carandiru em Letras <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de, coloca dentrodo sistema literário, sem intermediários, a reali<strong>da</strong>de de excluídos <strong>da</strong>grande ci<strong>da</strong>de. Mas não é apenas colocar o foco de luz sobre a arenamostra<strong>da</strong> em to<strong>da</strong> sua terrível reali<strong>da</strong>de que lhes interessa. O queprocuram, ao desejar fazer literatura, é levar tal reali<strong>da</strong>de para a ágora, parao espaço de discussão de intelectuais (que mereçam esta qualificação),editores, políticos, público, enfim, mas levar por suas próprias mãos. Édessa maneira que ocupam a pólis e criam uma nova forma de literaturaassumi<strong>da</strong>mente política. Desse modo, diante de nossa perplexi<strong>da</strong>de,torna-se evidente que é somente nessa ci<strong>da</strong>de politiza<strong>da</strong> que a reali<strong>da</strong>depode deixar espaço para imaginários em liber<strong>da</strong>de.NOTAS:1LUDMER, Josefina. “Temporali<strong>da</strong>des do presente”. In Margens, Revista de <strong>Cultura</strong>nº 2, dezembro de 2002. Belo Horizonte: UFMG, pp. 14- 27.2FREIRE, Marcelino. (org) Os cem menores contos brasileiros do século. São Paulo:Ateliê Editorial, 2004.114 ~ ~ 6.2 | 2007

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