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Dossiê Debatenela uma literatura de forte cunho urbano, tomando a grande ci<strong>da</strong>de, emsua configuração cotidiana submeti<strong>da</strong> à organização <strong>da</strong> nova ordemmundial, como cenário e tema.A obra pioneira entre nós desse tipo de narrativa/sintoma é Ci<strong>da</strong>de deDeus, de Paulo Lins. Publica<strong>da</strong> em 1997, a obra terá importância não sópor suas próprias quali<strong>da</strong>des, mas, antes de mais na<strong>da</strong>, por um aspectofun<strong>da</strong>cional, apontando para mu<strong>da</strong>nças que estariam a caminho.O romance surgiu legitimado por um de nossos mais importantesscholars, Roberto Schwarz, que, em ensaio publicado na Folha de S.Paulo,saudou o livro como um acontecimento. A novi<strong>da</strong>de do fenômeno, porém, seprovoca um grande texto ensaístico – “Ci<strong>da</strong>de de Deus”, depois republicadoem livro –, revela, de saí<strong>da</strong>, certa perplexi<strong>da</strong>de ou impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> críticae evidencia as dificul<strong>da</strong>des que os estudos literários teriam ao tratar de obrascuja origem está na proximi<strong>da</strong>de entre autor e narrador. Como disseFerréz em recente entrevista a um programa de televisão, “morar dentrodo tema é complicado”. Schwarz, para analisar o “catatau”, como diz,utiliza-se de recursos de análise que vão do close reading – “No parágrafode abertura, que é sutil, encontramos as pautas clássicas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> popularbrasileira” – aos instrumentos críticos mais seguros na teoria literária:ponto de vista narrativo, foco <strong>da</strong> ação, estatura <strong>da</strong>s personagens (“A estatura<strong>da</strong>s personagens, conforme o ângulo pelo qual se encarem, formaliza e dáreali<strong>da</strong>de literária à fratura social”).Parece-me que ficam, a partir <strong>da</strong>í, evidentes as dificul<strong>da</strong>des <strong>da</strong> críticaliterária como tal em analisar fenômenos como esse. Evidencia-se aimpossibili<strong>da</strong>de de olhar a obra sem olhar a ci<strong>da</strong>de real, os habitantesreais, preocupação que é importante para o crítico, porém, mais do queisso, o que se evidencia é a importância do inusitado olhar de dentro.E é justamente aí que me parece estar a importância do romance de PauloLins, em contraste, sobretudo, com os limites do filme de mesmo nomerealizado a partir do romance. O filme opta por desterritorializar a narrativa,revelando-se excessivamente sensível à estetização <strong>da</strong> violência de gostohollywoodiano, cometendo o erro de “recortar” o gueto de seu entorno, aci<strong>da</strong>de, toma<strong>da</strong> hoje pelas ameaças do narcotráfico, parte de um paíslatino-americano, no mundo <strong>da</strong> globalização.Talvez, por tudo isso, o romance Ci<strong>da</strong>de de Deus tenha sido o últimomomento em que essa nova expressão literária viu seu prestígio lançado ereferen<strong>da</strong>do pela chama<strong>da</strong> academia. Daí em diante, os outros“fenômenos” não precisaram mais disso para ocupar o espaço queora ocupam.Como o romance Ci<strong>da</strong>de de Deus, volta-se para o local em to<strong>da</strong> asua violência, talvez nele estejam as cenas mais violentas <strong>da</strong> literaturabrasileira. É a subcultura do crime, do arbítrio, do mundo organizado nãomais pelo trabalho, mas, sobretudo, pelo universo infrator donarcotráfico. Surge uma circulari<strong>da</strong>de trágica nessa ci<strong>da</strong>de-gueto dentro<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, comuni<strong>da</strong>de toma<strong>da</strong> pela iminência <strong>da</strong> tragédia que cerca seucotidiano. Paulo Lins, ao pôr em cena a cultura desse espaço <strong>da</strong> Zona Suldo Rio de Janeiro, assumiu uma nova dicção, a dos que, vindos do espaço<strong>da</strong> exclusão, usam sua própria voz ao invés <strong>da</strong> dos tradicionais mediadores,os intelectuais, que, até recentemente, por eles falavam, e marca o iníciode uma nova leva de representações <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de na literatura, fora dela (nocinema, na televisão, no teatro) ou no tênue limite dos textos depoimentos.A Ci<strong>da</strong>de de Deus se sucederão outras obras que pretendem trazer para oerudito campo do literário o universo de parcelas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que já semanifestavam de maneira expressiva em outras formas de expressãoartística, como a música (principalmente pelo funk, hip-hop e rap) e a<strong>da</strong>nça, com companhias como o Corpo de Dança <strong>da</strong> Maré e a importanteCompanhia Étnica de Dança, do Morro do An<strong>da</strong>raí, e ain<strong>da</strong> no teatro como já sólido grupo Nós do Morro, que existe na Favela do Vidigal há 18 anos.Daí em diante surge a polêmica: excesso de reali<strong>da</strong>de? Apropriação <strong>da</strong>reali<strong>da</strong>de que extrapola o âmbito do literário? É inegável que o filão se mostraperigosamente proveitoso, já que falar <strong>da</strong> violência urbana tornou-se,mercadologicamente, uma boa opção. Além disso, nos vastíssimos espaços<strong>da</strong>s periferias, seja do Rio de Janeiro, São Paulo ou Recife, não faltamconflitos universais ou tragédias míticas que possam render boas histórias.Foi a este perigo que se expuseram autores que vinham construindo umaliteratura pessoal merecedora de certa atenção, como Patrícia Mello, que em1997 publicara O matador, narrativa interessante <strong>da</strong> violência que um jovem<strong>da</strong> periferia paulista expressa. Ao criar, porém, no posterior Inferno, o relatode um jovem traficante <strong>da</strong>s favelas do Rio, a autora termina se perdendo, aobuscar <strong>da</strong>r conta realisticamente de um cotidiano por ela pouco conhecido,repetindo a mesma narrativa do narcotráfico carioca diariamente conta<strong>da</strong>pela mídia.O mesmo acontece a to<strong>da</strong> uma leva de narrativas sobre matadorese frios criminosos em romances, filmes, minisséries, até mesmo no~ 6.2 | 2007~ 113

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