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Dossiê Experimentações Urbanas1973, ao realizar uma série de seminários com Ronald Kay, que formou comos alunos o Grupo Experimental de Artaud e coordenou uma filmagemexperimental de Les Cenci, em que ca<strong>da</strong> integrante fazia um personagem emfrancês mesmo sem saber, como no caso de Eltit, falar a língua. “Eramexperiências”, conta Eltit, “que procuravam romper os critérios tradicionaisde leitura e as fronteiras disciplinares com o teatro e o cinema” (NEUSTADT,2001, 91). Da mesma forma, Eltit procura fazer de seu primeiro romanceuma experiência que não se circunscreve à escrita, mas se torna, comopropunha Artaud a respeito do teatro, algo ativo, uma espécie de ritual doqual deveriam sair transformados a percepção e o pensamento.Via Artaud, Eltit entra em contato com o teatro, o cinema e a performance,to<strong>da</strong>s linguagens que estarão presentes em Lumpérica, fusiona<strong>da</strong>s para<strong>da</strong>r um sentido político ao trabalho <strong>da</strong> escrita. É no grupo de Kay tambémque conhece Raúl Zurita, que não só participou do CADA, mas realizounessa mesma época seus próprios experimentos com o corpo 10 , inseridosem sua poesia cujo diálogo com o trabalho de Eltit foi intenso. Junto comCarlos Leppe 11 , eles foram responsáveis pelas primeiras manifestações dearte corporal no Chile, surgi<strong>da</strong>s após o golpe. Como assinala Richard, otrabalho dos três se situa numa “zona limítrofe” entre biologia e socie<strong>da</strong>de,entre pulsão e discurso, entre biografia e história, no lugar precisamenteem que essas dicotomias entram em conflito (RICHARD, 1986, 141). Tantoem Leppe como em Eltit e Zurita, encontramos uma ênfase no corporalcomo forma de amálgama entre o subjetivo e o coletivo e de simbolização<strong>da</strong> violência.No caso de Eltit, foi fun<strong>da</strong>mental também o trânsito desse corpo pelaci<strong>da</strong>de. A escolha do prostíbulo como lugar de leitura é o resultado de suasexplorações por lugares marginais de Santiago, um provável prolongamento<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des realiza<strong>da</strong>s junto com o CADA. Como no caso do grupo,trata-se de gerar comuni<strong>da</strong>des fora dos circuitos delimitados pela ditadurae também, como ela assinala, de sair de sua própria história: “Eu queria verse havia uma fantasia em mim ou havia uma capaci<strong>da</strong>de efetivamente deencontro com esses espaços” (MORALES T., 1998, 166). Nessas explorações,foi fun<strong>da</strong>mental a participação de Lotty Rosenfeld, com quem Eltit empreendia“saí<strong>da</strong>s pela ci<strong>da</strong>de sem um programa estruturado, tão só a orientação, afixação em mundos atravessados por energias e sentidos diferenciados deum sistema social e cultural visível” (ELTIT, 2003, 9). Delas surgirá maistarde o livro El Padre Mío, que registra a fala de um vagabundo, em cujodelírio montado com fragmentos <strong>da</strong>s histórias li<strong>da</strong>s nos jornais e ouvi<strong>da</strong>snas ruas, misturado à sua própria história, Eltit detecta “o Chile inteiro edespe<strong>da</strong>çado” 15 . Ela se propõe a ouvi-lo como literatura, transmitindo oefeito comovedor de uma fala “com suas palavras esvazia<strong>da</strong>s de sentido,de qualquer lógica, a não ser a angústia <strong>da</strong> perseguição silábica, o ecoencadeado <strong>da</strong>s rimas, a situação vital do sujeito que fala, a existênciarigorosamente real <strong>da</strong>s margens na ci<strong>da</strong>de e dessa cena marginal” 14-15 .Podemos pensar El Padre Mío como o desdobramento testemunhal dotrabalho iniciado com a escrita de Lumpérica. “Ao começar Lumpérica, eutinha uma imagem conjuntural e contingente: esta ci<strong>da</strong>de hiper-fragmenta<strong>da</strong>e vigia<strong>da</strong>”, conta Eltit, “e uma boa metáfora para ilustrar isso era uma praçailumina<strong>da</strong> para ninguém na noite, por causa do famoso toque de que<strong>da</strong>”(PIÑA: 1991, 235). As dez partes do texto giram em torno <strong>da</strong> praça, que seráocupa<strong>da</strong> pela protagonista e os vagabundos para assim recuperar suacondição de espaço público. Se a praça é um lugar de encontro, onde desdeo surgimento <strong>da</strong>s primeiras ci<strong>da</strong>des na América Hispânica acontecemcomemorações, comícios, festas, feiras, espetáculos etc., ela é também umlugar de protesto e, conseqüentemente, cenário de repressões. Durante asditaduras, as praças, como todos os espaços públicos, se tornaram lugarescontrolados, mas por seu potencial de visibili<strong>da</strong>de foram também lugaresprivilegiados de transgressão, como no caso <strong>da</strong> Plaza de Mayo, cenário <strong>da</strong>persistente ron<strong>da</strong> <strong>da</strong>s mães e avós dos desaparecidos políticos.A praça de Lumpérica é ilumina<strong>da</strong> por um anúncio que demarca oespaço em que transcorrerá a ação principal: o encontro <strong>da</strong> mulher, L.Ilumina<strong>da</strong>, com os “esfarrapados de Santiago, pálidos e malcheirosos” 9 .Juntos, eles participarão de um ritual que durará a noite inteira. “Porqueeste luminoso que se acende de noite está construindo sua mensagempara eles, que só a essa hora alcançam sua plenitude, quando se deslocamem seus percursos previstos. Como atentados em suas ameaçadoraspresenças” 11 , lemos na abertura do texto. Esse ritual permitirá ver oscorpos de outra maneira, não só porque fará desaparecer hierarquias degênero e classe radicaliza<strong>da</strong>s pela ditadura, mas também porque subverteráo discurso <strong>da</strong> vitimização que permeia os testemunhos ditatoriais ao permitiruma metamorfose de corpo <strong>da</strong> dor em corpo de prazer. “Com sons guturaisenchem o espaço numa alfabetização virgem que altera as normas <strong>da</strong>experiência. E assim de vencidos em vencedores se transformam, ressaltantesem seus tons morenos, adquirindo em suas carnes uma ver<strong>da</strong>deira~ 6.2 | 2007~ 9

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