Espantalhos e afinsdemora<strong>da</strong> e digna. To<strong>da</strong> aquela campanha seria um crime inútil e bárbaro, se nãose aproveitassem, os caminhos abertos à artilharia para uma propagan<strong>da</strong> tenaz,contínua e persistente, visando trazer para o nosso tempo e incorporar à nossaexistência aqueles rudes compatriotas retar<strong>da</strong>tários.” Euclides <strong>da</strong> Cunha, Os sertões(Campanha de Canudos), em Obra completa, vol. II, RJ: Nova Aguilar, 1995; p. 455.Como to<strong>da</strong>s as citações do livro provêm desta edição, doravante serão assinala<strong>da</strong>s,no corpo do texto, apenas as páginas em que se encontram as passagens transcritas.4No argumento de Euclides <strong>da</strong> Cunha o sertão, ensimesmado e desconhecido, e olitoral “civilizado”, inconseqüente e superficial, constituem ambos variáveis de umamesma situação específica que os afasta do movimento geral <strong>da</strong> “ver<strong>da</strong>deira”civilização. As duas regiões encontram-se imunes com respeito a este plano maisamplo, imuni<strong>da</strong>de concebi<strong>da</strong> nos termos de Roberto Esposito, como “un conceptoesencialmente comparativo: más que la exención em si misma, su foco semânticoes la diferencia respecto de la condición ajena”; Roberto Esposito, Immunitas(Protéccion y negación de la vi<strong>da</strong>), trad. Luciano Padilla López, Bs As: Amorrortu,2005; p. 15.5“Sob tal aspecto era, antes de tudo, um ensinamento, e poderia ter despertadouma grande curiosi<strong>da</strong>de. A mesma curiosi<strong>da</strong>de do arqueólogo ao deparar aspalafitas de uma aldeia lacustre, junto a uma ci<strong>da</strong>de industrial <strong>da</strong> Suiça...Entre nós, de um modo geral, despertou rancores. Não vimos o traço superior doacontecimento. Aquele afloramento originalíssimo do passado, patenteando to<strong>da</strong>sas falhas <strong>da</strong> nossa evolução, era um belo ensejo para estu<strong>da</strong>rmo-las, corrigirmo-lasou anularmo-las. Não entendemos a lição eloqüente.” Euclides <strong>da</strong> Cunha, Ossertões, op. cit.; p. 347.6Gilles Deleuze, Diferença e repetição, trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado, 2ª ed.,RJ: Graal, 2006; p. 176.7É esta a passagem em sua integri<strong>da</strong>de: “Ademais, não havia temer-se o juízotremendo do futuro”. Euclides <strong>da</strong> Cunha, Os sertões, ob. cit.; p. 486.8“E contavam: uma, duas, três, quatro mil, cinco mil casas! cinco mil casas oumais! Seis mil casas, talvez! Quinze ou vinte mil almas ? encafurna<strong>da</strong>s naquelatapera babilônica... E invisíveis. De longe em longe, um vulto, rápido, cortava umaviela estreita, correndo, ou apontava, por um segundo, indistinto e fugitivo, àentra<strong>da</strong> <strong>da</strong> grande praça vazia, desaparecendo logo. Na<strong>da</strong> mais. Em torno o debuxomisterioso de uma paisagem bíblica: a infinita tristura <strong>da</strong>s colinas desnu<strong>da</strong>s, ermas,sem árvores. Um rio sem águas, tornejando-as, feito uma estra<strong>da</strong> poenta e longa,mais longe, avassalando o quadrante, a cor<strong>da</strong> ondulante <strong>da</strong>s serras igualmentedesertas, rebati<strong>da</strong>s, niti<strong>da</strong>mente, na imprimadura do horizonte claro, feito o quadrodesmedido <strong>da</strong>quele cenário estranho”; Euclides <strong>da</strong> Cunha, Os sertões, ob. cit.; p. 401.9Euclides <strong>da</strong> Cunha, Os sertões, ob. cit.; respectivamente pp. 130 e 127-128.10É esta a passagem: “Sinto mesmo esse plácido e magnífico bem-estar soberanode uma alma inteiramente a cavalo <strong>da</strong> fortuna, para o qual os gregos criaram ovocábulo ataraxia. Digo-lhe mais: sou absolutamente indiferente ao que acaso ogoverno resolva. An<strong>da</strong>m nesta terra tão ao nível <strong>da</strong>s maiores mediocri<strong>da</strong>des as maisaltas posições, que fora, na ver<strong>da</strong>de, ridículo o entristecer-me com o não conseguiro modesto lugar de professor de Lógica...”. Euclides <strong>da</strong> Cunha, Epistolário, em ObraCompleta, ob. cit; vol. II, p. 748 (nesta e em to<strong>da</strong>s as citações os itálicos são dosoriginais). A carta não surge <strong>da</strong>ta<strong>da</strong>, estando apenas indicado o ano de 1909 comode sua composição. Em outra carta, esta encaminha<strong>da</strong> a Octaviano Vieira, de05/07/1909, o escritor deixa ain<strong>da</strong> mais explícito seu desânimo, de uma forma ecom uma fórmula taxativa: “Já dei o que tinha de <strong>da</strong>r.” Epistolário, em Obracompleta, op. cit.; p. 750.11No seu discurso de recepção à Academia Brasileira de Letras, por exemplo:“Escritor por acidente — eu habituei-me a an<strong>da</strong>r terra-a-terra, abreviando o espíritoà contemplação dos fatos de ordem física adstritos às leis mais simples e gerais; ecomo é nesta ordem de fenômenos que se aferem, mais de pronto, astransformações contínuas <strong>da</strong> nossa inteligência, vai-se-me tornando mais e maisdifícil esse abranger os caracteres preexcelentes <strong>da</strong>s coisas, buscando-lhes asrelações mais altas e formadoras <strong>da</strong>s impressões artísticas, ou <strong>da</strong>s síntesesestéticas”. Euclides <strong>da</strong> Cunha, “Academia Brasileira de Letras (Discurso deRecepção)”, Contrastes e confrontos, em Obra completa, vol. I, ob. cit.; p. 231.12“Pues bien: es la brecha permanente entre el poder-hacer y los hechosconsumados lo que fun<strong>da</strong> la historici<strong>da</strong>d de la experiencia”; Paolo Virno, Elrecuerdo del presente (Ensayo sobre el tiempo histórico), trad. Eduardo Sadier, BsAs: Paidós, 2003; p. 57. Daí tornar-se possível dizer que o método historiográficoconstruído por Euclides <strong>da</strong> Cunha tem natureza anacrônica, de um “anacronismoformal”, para ficar com categorias empresta<strong>da</strong>s de Paolo Virno.13Paolo Virno, El recuerdo del presente, op. cit.; respectivamente pp. 67 e 145.14Paolo Virno, El recuerdo del presente, op. cit.; p. 78.15“Acor<strong>da</strong>rse de la potencia significa acor<strong>da</strong>rse del tiempo total en el cual se <strong>da</strong>ntanto el “ahora” que fue como el “ahora” que es lo que será”; Paolo Virno, El recuerdodel presente, op. cit.; p. 79.16Numa nota, por exemplo, discorre longamente acerca de particulari<strong>da</strong>desclimáticas para concluir: “Não estão, nestes exemplos, que multiplicaríamos sequiséssemos, palmares violações <strong>da</strong>s leis gerais dos climas?” (Os sertões, op. cit.;98 ~ ~ 6.2 | 2007
Dossiê Debatenota 6, p. 137). Ou ain<strong>da</strong>, após recorrer à classificação de Hegel <strong>da</strong>s “três categoriasgeográficas” que influiriam sobre os homens, criando diferenciações étnicas, quandose refere aos “sertões do norte”, após assinalar suas particulari<strong>da</strong>des observa quefaltava a eles “um lugar no quadro no pensador germânico” (Os sertões, op. cit.; p. 135).17As próprias reencenação e reconsideração do passado conformam um gesto quepatenteia uma atitude decidi<strong>da</strong> de Euclides <strong>da</strong> Cunha. Afinal, conforme Paolo Virno,“aquel que toma del legado de la tradición “la fuerza silenciosa de lo posible”, antesque expuesto a una coacción inapelable, se halla también en condición de tomarlibres decisiones (o, al menos, de adoptar comportamientos no prefijados) en lasituación presente. Repitiendo y decidiendo, el Ser que permanece manifiesta lapropia y auténtica historici<strong>da</strong>d”; em El recuerdo del presente, op. cit.; p. 158.18Alain Badiou, “Anábasis”, El siglo, trad. Horacio Pons, Bs As: Manantial, 2005; p. 110.19Euclides <strong>da</strong> Cunha relaciona o inexplicável sobretudo à resistência e à astúcia dossertanejos: “Os jagunços em desordem, contudo, depois do primeiro arranco <strong>da</strong>fuga, volveram ain<strong>da</strong> ao mesmo resistir inexplicável” (Os sertões, op. cit.; p. 384);“Canudos só seria conquistado casa por casa. To<strong>da</strong> a expedição iria despender trêsmeses para a travessia de cem metros... E no último dia de sua resistênciainconcebível...” (Os sertões, ob. cit.; p. 419); “A luta sertaneja não perdeu porcompleto o traço misterioso, que conservaria até o fim” (Os sertões, ob. cit.; p.466); “Sucedeu, então, um fato extraordinário de todo em todo imprevisto” (Ossertões, op. cit.; p. 479).20“À entra<strong>da</strong> do acampamento, em Canudos, um deles, sobre todos, se destacavaimpressionadoramente. (...) Ao resvalar, porém, estrebuchando mal ferido, pelarampa íngreme, quedou, adiante, à meia encosta, entalado entre fraguedos. Ficouquase em pé, com as patas dianteiras firmes num ressalto de pedra... E ali estacoufeito um animal fantástico, aprumado sobre a ladeira, num quase curvetear, noúltimo arremesso de carga paralisa<strong>da</strong>, com to<strong>da</strong>s as aparências de vi<strong>da</strong>, sobretudoquando, ao passarem as raja<strong>da</strong>s ríspi<strong>da</strong>s do “nordeste”, se lhe agitavam as longascrinas ondulantes...”; Os sertões, op. cit.; p. 121. A imagem de cadáveres insepultos eavessos à ação do tempo reaparece ain<strong>da</strong> em outros momentos do livro: “E dias,semanas e meses sucessivos, os vian<strong>da</strong>ntes, passando, viam-nos na mesmapostura: estendidos à sombra mosquea<strong>da</strong> de brilhos <strong>da</strong>s ramagens secas, o braçodireito arqueando-se à fronte, como se a resguar<strong>da</strong>sse do sol, com a aparênciaexata de combatentes fatigados, descansando. Não se decompunham. A atmosferaressequi<strong>da</strong> e ardente conservava-lhes o corpo. Murchavam apenas, refegando apele, e permaneciam longo tempo à margem dos caminhos ? múmias aterradorasrevesti<strong>da</strong>s de far<strong>da</strong>s andrajosas...”; Os sertões, op. cit.; p. 427. Em segui<strong>da</strong>, observa oescritor que os “primeiros aguaceiros varrem, de pronto, esses espantalhossinistros” (Os sertões, op. cit.; p.428). Euclides <strong>da</strong> Cunha chega a descrever ojagunço com atributos de espantalho, como “espectro” dotado de uma pele “ásperacomo a epidermo <strong>da</strong>s múmias” (Os sertões, op. cit.; p. 435).21A passagem cita<strong>da</strong> complementa outra, anterior, em que o narrador se atém aoprocedimento dos jagunços após uma batalha, que “reuniram os cadáveres quejaziam esparsos em vários pontos. Decapitaram-nos. Queimaram os corpos.Alinharam depois, nas duas bor<strong>da</strong>s <strong>da</strong> estra<strong>da</strong>, as cabeças, regularmenteespaça<strong>da</strong>s, fronteando-se, faces volvi<strong>da</strong>s para o caminho. Por cima, nos arbustosmarginais mais altos, dependuraram os restos de far<strong>da</strong>, calças e dólmansmulticores, selins, cinturões, quepes de listras rubras, capotes, mantas, cantis emochilas...” (Os sertões, op. cit.; p. 342). E é complementa<strong>da</strong> por outras duas, emque o cenário é retomado: “dos galhos tortos dos angicos pendiam restos dedivisas vermelhas, trapos de dólmans azuis e brancos, molambos de calçascarmezins ou negras, e pe<strong>da</strong>ços de mantas rubras ? como se a ramaria mortadesabotoasse to<strong>da</strong> em flores sanguinolentas” (Os sertões, op. cit.; p. 425);“Exageravam-se, calcula<strong>da</strong>mente, outras: os martírios dos amigos truci<strong>da</strong>dos,caídos nas tocaias traiçoeiras, ludibriados depois de cadáveres e postos comoespantalhos às orlas dos caminhos...” (Os sertões, op. cit.; p. 486).22E, prossegue Starobinski: “A França revolucionária, foco de onde irradiava a luzdos princípios, e de que Goya esperara a expansão pacífica, faz irrupção sob afisionomia de um exército violento, semeando à sua passagem os assassinatos e asviolações absur<strong>da</strong>s. Uma inversão maléfica substituiu a luz pelas trevas. Aesperança foi traí<strong>da</strong>; a história, que parecia progredir no sentido <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, perdeseu eixo positivo e se torna uma cena insensata.” Jean Starobinski, 1789 – Os emblemas<strong>da</strong> razão, trad. Maria Lúcia Machado, S.P.: Cia <strong>da</strong>s Letras, 1988; p. 129.23Trata-se <strong>da</strong> prancha nº 39 <strong>da</strong> série Desastres de la guerra (Fatales consequenciasde la sangrienta guerra en España con Buonaparte. Y otros caprichos enfaticos).Reproduzido de Goya and the spirit of enlightenment, coord. Alfonso E. Pérez eEleanor A. Sayre, Boston: Museum of Fine Arts, 1989; p. 201.24Os editores <strong>da</strong>s Obras completas não informam com precisão acerca <strong>da</strong> autoria <strong>da</strong>ilustração, e tampouco de boa parte <strong>da</strong>s demais imagens que se distribuem nodecorrer do texto. Informam apenas que os “desenhos relativos à ação e ao habitatdescrito no texto” são “originais de Percy Lau, Agostini e outros”, “retirados depublicações <strong>da</strong> época e de outras fontes credencia<strong>da</strong>s”; em Ciclo D’Os Sertões, Obracompleta, vol. II, op. cit.; p. 78.25“O eterno retorno só concerne aos simulacros, aos fantasmas, e só os simulacros~ 6.2 | 2007~ 99
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