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Leia o texto na íntegra - Unisuam

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Revista Augustus | Rio de Janeiro | Ano 15 | N. 30 | Agosto de 2010 | SemestralARTIGOSLeo<strong>na</strong>rdo SamuÀs portas do ano de 2011, a temáticaárabe <strong>na</strong> língua portuguesa ressurge comoforma de valorizarmos presença tão marcantee incorporada <strong>na</strong> história do português. Sãoexatos 1300 anos que marcam a chegada dasprimeiras levas arábicas <strong>na</strong> Península Ibérica.Mesmo após a sua expulsão, tor<strong>na</strong>-se importanterever as heranças culturais, em especialas marcas linguísticas deixadas por este povono território lusitano.Os árabes chegaram à Península Ibéricano ano de 711 d.C.. Sua presença foijustificada por questões religiosas, devidoprincipalmente à divulgação de sua fé paraaqueles que não conheciam o Islamismo.Importante ressaltar, que a sua história sevolta a épocas mais remotas, muito tempoantes da sua chegada ao território peninsulareuropeu.Uma das primeiras notícias dos árabesnos chega através do relato bíblico. Segundoo autor de Gênesis, Abraão, ainda denomi<strong>na</strong>dopor Abrão, sai de sua pátria com suaesposa Sara, antes Sarai, com a promessa deuma nova terra de fartura. Desejoso de umfilho, apesar da avançada idade, Abraão recebede sua esposa, também de avançada idadee, portanto, infértil, a escrava Agar para,juntos, gerar um filho. Deste relacio<strong>na</strong>mento<strong>na</strong>sce Ismael. Ainda segundo o relato, após arelação entre Agar e Abraão, Sara consegue,milagrosamente, engravidar de seu marido,vindo <strong>na</strong>scer Isaac, de onde descendem oshebreus. De Ismael, o filho bastardo, advémos ismaelitas, termo presente no portuguêsdesde o século XIV. Encontramos referênciadesta palavra, por exemplo, no relato de Josévendido para o Egito. De acordo com o autorde Gênesis, José teria sido vendido por seusirmãos para uma carava<strong>na</strong> de ismaelitas. Apartir deste termo, a língua portuguesa conheceuo vocábulo islamita, registrado em 1881,pertencente ao mesmo campo semântico.O termo árabe aparece <strong>na</strong> história comShalmaneser III, rei de Assíria entre 859 a.C. a824 a.C., sendo mencio<strong>na</strong>do pela primeira vezem uma inscrição de 853 a.C. para desig<strong>na</strong>rum rei, de terra árabe, vencido <strong>na</strong> Batalha deKarkar. O provável significado do termo, <strong>na</strong>visão de Shalmaneser, seria relacio<strong>na</strong>r os árabesà atividade nômade, o que colocaria, ladoa lado, árabes e hebreus. Esta tese se complementaquando voltamos às tradições bíblicas:Abraão, patriarca destes povos, pertence àno<strong>na</strong> geração de Sem, filho de Noé. Por estemotivo, o termo que melhor se adequa, emportuguês, para desig<strong>na</strong>r árabes e hebreus é semitas.Antes mesmo das invasões árabes ocorridas<strong>na</strong> Península Ibérica a partir do séculoVIII d.C., a presença semita <strong>na</strong> península jáera uma realidade desde antes do ano 70 d.C.,quando se deu a tomada de Jerusalém pelosromanos e a diáspora se tornou uma forma desobrevivênvia para os judeus. A promessa doterritório correspondente a Portugal para ossemitas de linhagem hebráica pode ser encontrada,segundo a tradição bíblica, no profetaAbdias (capítulo I, versículo 20). Segundo o<strong>texto</strong>, Sefarad seria um dos locais prometidospara alguns judeus, o que justificaria denomi<strong>na</strong>rmosaqueles de origem portuguesa e/ouhispânica como sefaradita.A história dos povos semitas, em especialos árabes, tomará outro rumo somente a partirdo século VII d.C. com a figura de Maomé.Nascido em 570 <strong>na</strong> cidade de Meca, tornou-seum mercador de elevado potencial, dedicandoparte de suas viagens para rezas e meditações.Por volta do ano 610, durante uma de suasreclusões espirituais, segundo as tradições árabes,recebe a visita do anjo Gabriel, que o teriaditado todo o livro sagrado do Corão. Baseado<strong>na</strong>s religiões cristã e judáica, sobretudo em seuaspecto monoteísta, Maomé difunde uma verdadereligiosa da qual ele se declarava profetaenviado por seu deus. Em Meca, sua mensagemé rejeitada e, junto a seus seguidores, é47UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta


Revista Augustus | Rio de Janeiro | Ano 15 | N. 30 | Agosto de 2010 | SemestralARTIGOSLeo<strong>na</strong>rdo Samuveitar, em partes, as heranças deixadas pelosromanos <strong>na</strong> região, incluindo o uso do latim,o que garantiria a preservação dos falares românicosmesmo após o desaparecimento deRoma. Após as invasões bárbaras, a situaçãoda Península Ibérica era exatamente esta: ummosaico étnico utilizando, <strong>na</strong> fala, romancesrepletos de superestratos germânicos. Apesardesta intensa diversidade, a fusão de todosestes povos e línguas, com maior respaldo aolatim, fez gerar uma sociedade medieval deconsiderável organização aos moldes romanos,demonstrando uma relação pacífica entreas partes estabelecidas. É nesta realidade queos árabes aportam.A ocupação arábica no território peninsularfoi rápida e extrema, ocasio<strong>na</strong>ndo, a princípio,uma domi<strong>na</strong>ção política, social, religiosa elinguística. Todo o centro-sul fora ocupado.Em geral, a única identidade dos habitantesda península era a fé cristã. Com os árabes, aconversão ao Islamismo era uma realidade. Aintenção era fazer do território ocupado uma“Nova Arábia”, ou seja, transformar toda a regiãoem uma estrutura árabe. Às comunidadescristãs que não aceitavam o domínio restavasomente a fuga para o norte, <strong>na</strong>s longínquasregiões frias e montanhosas que pouco atraíamos povos invasores, habituados a temperaturase à planície do deserto. Os cristãos que nãoconcordavam com a migração para o nortetiveram de conviver com a presença muçulma<strong>na</strong>.Desta convivência, temos os muladíes,parte da população cristã que negou a fé católicator<strong>na</strong>ndo-se islâmica. Aceitaram a línguaárabe como língua de comunicação, além deadotar todo o modo de vida proposto pelos invasores.Ao seu lado, havia parte da populaçãoque aceitara o domínio islâmico, seja <strong>na</strong> língua,<strong>na</strong> religião ou mesmo no modo de vida,porém, em seu ambiente familiar, professavama fé cristã e utilizavam, consequentemente,o romance local. A este grupo, denomi<strong>na</strong>domoçárabes, recaiu a responsabilidade de preservaros falares de tradição românica quaseextinto do centro-sul da Península Ibérica.A partir do século XI e XII, a migração dascomunidades cristãs para o norte da penínsulajá constituía uma realidade absoluta. Ainda insatisfeitoscom a domi<strong>na</strong>ção moura, as populaçõescristãs, organizadas em pequenos feudos,decidem reaver o território em um movimentoconhecido por Reconquista. Recebendo apoiodo poder papal, os cristãos, isolados ao norte,pedem auxílio às populações francas. Ressalta-seque, neste período, em toda a EuropaOcidendal, a atual região correspondente àFrança era o único reino com uma organizaçãopolítica e social, o que teria provocado desdebreve a construção de um exército forte. Poreste motivo, os cavaleiros franceses, com promessasde terra e casamento, são convidadospelos cristãos da península para auxiliar a expulsãoarábica. Neste momento, os feudos deOviedo e Leão tiveram papel fundamental <strong>na</strong>reorganização de uma força para patroci<strong>na</strong>r aqueda dos invasores.Em especial, Afonso VI, rei de Leão e Castela,convida dois cavaleiros franceses paraparticipar <strong>na</strong> batalha. O primeiro é Raimundoque, conseguindo expulsar uma quantidadeconsiderável de mouros, recebe em troca amão de D. Urraca, filha legítima de AfonsoVI. Além disso, recebe como dote o Condadoda Galiza. O segundo convidado é Henriquede Borgonha, primo de Raimundo. Vencendoos mouros, recebe o Condado Portucalense e aoutra filha do rei, D. Tareja. Desta união <strong>na</strong>sce,futuramente, D. Afonso Henriques, consideradoo primeiro rei de Portugal.Em linhas gerais, Portugual surge como<strong>na</strong>ção já no século XII, ocupando, provisoriamente,parte do norte da Península Ibérica. Oatual desenho da <strong>na</strong>ção portuguesa é fruto dacontinuidade do processo de expulsão árabe,fruto do movimento de Reconquista. Somente49UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta


ARTIGOSRevista Augustus | Rio de Janeiro | Ano 15 | N. 30 | Agosto de 2010 | SemestralPresença árabe no português: 1300 anos depoisem 1492 os árabes são definitivamente expulsosda península, com maior expressão nosterritórios correspondentes ao sul da Espanha.Portugal, praticamente no século XIV, já seviu livre da domi<strong>na</strong>ção moura.Com o <strong>na</strong>scimento da <strong>na</strong>ção portuguesa,não tardaram as primeiras manifestações deuma língua <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Se antes o latim era alíngua da escrita, da documentação oficial, norei<strong>na</strong>do de D. Dinis, de 1279 a 1325, a línguafalada passou a ser utilizada como veículo decomunicação <strong>na</strong> escrita. Trata-se da legitimaçãodo português (século XIII) ou, se preferirmos,do <strong>na</strong>scimento do português comolíngua escrita. Este período coincide com aépoca de expulsão definitiva das forças árabesem território lusitano. Significa afirmar que oportuguês, utilizado também <strong>na</strong> escrita, vinhade uma tradição oral calcada <strong>na</strong>s influênciasdeixadas pelos mouros <strong>na</strong> terras correspondenteshoje à Portugal. Durante longo tempo,do século VIII ao século XIII, coexistiramos falares românicos lado a lado aos falaresárabes, constituindo um adstrato, ou seja, aconvivência de duas línguas em um mesmoterritório. É <strong>na</strong>tural que, deste convívio, muitosempréstimos vieram da língua árabe paraa língua portuguesa. Tais influências podemser percebidas prioritariamente no léxico,principalmente no espanhol, mas encontraremosalgumas peculiaridades <strong>na</strong> fonética e <strong>na</strong>morfologia do protuguês.No campo léxical, há uma diversidade determos que atestam a presença moura <strong>na</strong> península.Isto ocorre já que, dotados de um modelode vida bastante inovador, souberam osárabes aplicar seus conhecimentos <strong>na</strong> regiãodomi<strong>na</strong>da, tanto <strong>na</strong>s técnicas de exploração dosolo (açude), <strong>na</strong> utilização de produtos agrícolas(algodão, abricó, azeite, açúcar), bemcomo <strong>na</strong> organização de sua sociedade (aldeia,bairro, alcova). Além dos termos referentes àor<strong>na</strong>mentação (almofada, azulejo, jarra), temosainda uma presença marcante relacio<strong>na</strong>daà vida militar, o que prova o envolvimentodeste povo <strong>na</strong> arte da guerra (almirante, alferes,arse<strong>na</strong>l,atalaia).Se no léxico podemos apontar umadiversidade de exemplos, <strong>na</strong> fonética asheranças são pouco mais restritas. Sabemosque, em latim, as palavras, em grande parte,eram pronunciadas com paroxítonos ouproparoxítonos. Durante a permanência dolatim vulgar <strong>na</strong> Hispânia, os proparoxítonosse tor<strong>na</strong>ram menos comuns, havendo maiorincidência dos paroxítonos. O contato coma língua árabe gerou uma vulgarização dosproparoxítonos, paroxítonos e oxítonos. Istose deve já que os moçárabes souberam assimilaro acento da língua dos conquistadores,trazendo, como consequência, esta influênciano português.Na perspectiva da morfologia, notamosa presença significativa do artigo árabe alagluti<strong>na</strong>do à raiz lati<strong>na</strong> dos substantivos. Emlatim, não havia artigos. Para os moçárabes,habituados ao uso deste elemento gramaticalem língua árabe, seria mais “coerente” inseri-lo<strong>na</strong> pronúncia dos vocábulos românicos.Desta forma, encontramos em portuguêso artigo al em diversas palavras (alicate,álcool, acelga, alfafa, alcachofra) – compreservação do fonema /l/ - ou mesmo sema preservação do fonema (açafrão, adufe,armazém).Após o processo de expulsão dos árabes, apresença, em português, de sua língua, pode servista ainda a partir de heranças eruditas. Comoexemplo, além do conhecimento matemático(as palavras álgebra e algarismo são de visívelorigem árabe), temos os números arábicos,incluindo o zero, utilizados de forma correnteem nossa sociedade. Interessante observarque em latim os números eram representadospor letras, sistema este que não vigorou <strong>na</strong>s50UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta


Revista Augustus | Rio de Janeiro | Ano 15 | N. 30 | Agosto de 2010 | SemestralARTIGOSLeo<strong>na</strong>rdo Samulínguas neolati<strong>na</strong>s. Há de se notar, ainda, presençamarcante no campo científico, tais comoalquimia, elixir e nuca (termo médico).Ao a<strong>na</strong>lisarmos as influências mourasem Portugal, especificamente <strong>na</strong> língua portuguesa,notamos que os quase sete séculosde domi<strong>na</strong>ção não foram suficientes paracaracterizar presença ainda mais marcanteno português. Isto se explica já que, apesardo longo domínio, a cultura árabe era intensamentediferente da cultura lati<strong>na</strong> deixada<strong>na</strong> península. Apesar das invasões bárbarasconstituírem uma realidade presente, os visigodose suevos possuíam uma semelhançaétnica aos romanos, pois eram oriundos deuma tradição Indo-europeia. Desta forma,as línguas, mesmo diferentes, apresentavamum contato relativo. No referente à religião,a princípio separados por doutri<strong>na</strong>s politeístas,não tardou para que as populaçõesbárbaras se convertessem ao Cristianismo.Quanto aos árabes, notamos uma língua detradição totalmente diferente ao modelo romano,pois tratava-se de um idioma semita,além de possuir um modelo religioso umtanto divergente da fé cristã. Todas estascaracterísticas favoreceram um contato superficial,apesar de longo, proporcio<strong>na</strong>ndorelativas heranças no português.Ainda assim, passados 1.300 anos após asinvasões árabes, certamente sem a presençadeste povo <strong>na</strong> Península Ibérica não teríamosa língua portuguesa caracterizada da maneiraque a conhecemos.REFERÊNCIASBÍBLIA TEB. Tradução ecumênica da bíblia. Edições Loyola / Pauli<strong>na</strong>s: SP, 1995.CAMARA JR., J. Mattoso. Dicionário de linguística e gramática. Petrópolis: Vozes, 1981.CARDOSO, Wilton, e CUNHA, Celso. Português através de <strong>texto</strong>s: Estilística e GramáticaHistórica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978.COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática histórica. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1976.CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1982.ELIA, Sílvio. Preparação à linguística românica. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1979.GUDEMAN, Alfred. Historia de la Antigua Literatura Latino-Cristia<strong>na</strong>. Madrid: Editorial Labor,1940.51UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta


ARTIGOSRevista Augustus | Rio de Janeiro | Ano 15 | N. 30 | Agosto de 2010 | SemestralPresença árabe no português: 1300 anos depoisHUBER, Joseph. Gramática do português antigo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.IORDAN, Iorgui. Introdução à linguística românica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,1962.LAUSBERG, Heinrich. Linguística românica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1963.MCKENZIE, John L. Dicionário bíblico. São Paulo: Pauli<strong>na</strong>s, 1983.MELO, Gladstone Chaves de. Iniciação à filologia e à linguística portuguesa. Rio de Janeiro:Livraria Acadêmica, 1975.NASCENTES, Antenor. Dicionário Etimológico Resumido, Instituto Nacio<strong>na</strong>l do Livro, MEC,1966.SILVA NETO, Serafim da. Introdução ao estudo da filologia portuguesa. Rio de Janeiro: Grifo,1976._______ Manual de filologia portuguesa. Rio de Janeiro: Presença, 1977._______ História da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Presença, 1992._______ História do Latim Vulgar. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1977._______ Introdução ao estudo da Língua Portuguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Presença / Pró-Memória/Instituto Nacio<strong>na</strong>l do Livro, 1986._______ Fontes do latim vulgar. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1956.TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. Lisboa: Sá da Costa editora, 1994.VASCONCELLOS, J. Leite de. Lições de filologia portuguesa. Rio de Janeiro: Livros de Portugal,1959.VIDOS, Benedek Elemir. Manual de linguística românica. Rio de Janeiro: Eduerj, 1996.52UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta

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