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Revista PGE - Procuradoria Geral do Estado de São Paulo ...

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GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULOMÁRIO COVASGoverna<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>MARCIO SOTELO FELIPPEProcura<strong>do</strong>r <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>ANNA CARLA AGAZZIProcura<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>Chefe <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s5


ISSN 0102-8065GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULOPROCURADORIA GERAL DO ESTADOREVISTA DAPROCURADORIA GERAL DOESTADO DE SÃO PAULOCENTRO DE ESTUDOSR. Proc. <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> n. 49/50 p. 1-312 jan./<strong>de</strong>z. 19987


CENTRO DE ESTUDOSPROCURADORIA GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULORua Álvares Macha<strong>do</strong>, 18 - Liberda<strong>de</strong>01501-030 - <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> - SP - BrasilTelefone: (011) 3107-8451 - Fax: (011) 3105-6253Home page: www.pge.sp.gov.brEmail: pge.sp@uol.com.brProcura<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Chefe <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s, Anna Carla AgazziAssessoria: André Brawerman, Marcelo <strong>de</strong> Aquino, Maria Aparecida Medina FecchioComissão Editorial: Anna Carla Agazzi (Presi<strong>de</strong>nte), Ana Sofia Schimidt <strong>de</strong> Oliveira, FláviaCherto Carvalhaes, José Damião <strong>de</strong> Lima Trinda<strong>de</strong>, José Renato Ferreira Pires, Marcelo<strong>de</strong> Aquino, Maria Aparecida Medina Fecchio, Nancy Regina Costa Flosi, Sara Corrêa Fattori,Sidnei Farina <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Vitore André Zilio Maximiano.<strong>Revista</strong>: Marcelo <strong>de</strong> Aquino (Coor<strong>de</strong>nação Editorial), Francisca Pimenta Evrard e CláudioR. Regos Pavão (Revisão), <strong>Paulo</strong> Severo <strong>do</strong>s Santos (Distribuição).A <strong>Revista</strong> da <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> é publicada com freqüênciasemestral, sen<strong>do</strong> o semestre indica<strong>do</strong> pelo seu último mês; circula no semestre seguinteao <strong>de</strong> referência. Permite-se a transcrição <strong>de</strong> textos nela conti<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que citada a fonte.Pe<strong>de</strong>-se permuta.Qualquer pessoa po<strong>de</strong> enviar, diretamente à Comissão Editorial, matéria para publicaçãona <strong>Revista</strong>. Os trabalhos assina<strong>do</strong>s representam apenas a opinião pessoal <strong>do</strong>s respectivosautores; se aprova<strong>do</strong>s por superiores hierárquicos, representam também a opinião <strong>do</strong>sórgãos por eles dirigi<strong>do</strong>s.Tiragem: 2.250 exemplares.REVISTA DA PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, SP, Brasil, 1971 -(Semestral)1971 - 1998 (1-50)CDD - 340.05CDU - 34 (05)Produção Gráfica e FotolitosQuality Planejamento Visual Ltda. - Tel.: (011) 4330-4985ImpressãoImprensa Oficial <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> - IMESPArte da CapaFabio Lyrio - Tel.: (011) 575-66038


SUMÁRIOAPRESENTAÇÃOMarcio Sotelo Felippe ...................................................................................................... 11PARTE I - ARTIGOS DOUTRINÁRIOSREFORMA ADMINISTRATIVA: O NOVO REGIME CONSTITUCIONALDO PROCURADOR DO ESTADOCármen Lúcia Antunes Rocha ............................................................................ 15FLAGRANTE PREPARADO NO ÂMBITO DAS PROVAS ILÍCITASRoque Jeronimo Andra<strong>de</strong> ................................................................................... 37AGÊNCIAS REGULADORASEurico <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> ............................................................................... 51INOCORRÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE DO RECURSOEXTRAORDINÁRIO EM VIRTUDE DO JULGAMENTO DORECURSO ESPECIALMaria Cláudia Junqueira ..................................................................................... 65AS GARANTIAS PROCESSUAIS DOS TRATADOS INTERNACIONAISSOBRE DIREITOS FUNDAMENTAISPedro Lenza ........................................................................................................ 93PARTE II - ATUAÇÃO DA <strong>PGE</strong> NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS FUNDIÁRIOSDA REGIÃO DO PONTAL DO PARANAPANEMAINTRODUÇÃOJosé Roberto Fernan<strong>de</strong>s Castilho ...................................................................... 129AÇÃO DISCRIMINATÓRIA SUJEITA À LEGISLAÇÃO ESTADUALDE 1922 - PARECER GPG N. 2/87Ada Pellegrini Grinover ....................................................................................... 131ESTADO, PROPRIEDADE E CIDADANIAJosé Roberto Fernan<strong>de</strong>s Castilho ...................................................................... 147ROTEIRO DESCRITIVO DAS AÇÕES DISCRIMINATÓRIASDA 10ª REGIÃO ADMINISTRATIVAZelmo Denari ....................................................................................................... 163PETIÇÃO INICIAL DA AÇÃO DISCRIMINATÓRIA DO 14º PERÍMETRODE TEODORO SAMPAIOZelmo Denari e Sergio Nogueira Barhum ........................................................... 183MINUTA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 29.722-4/1,COM PEDIDO DE LIMINARSergio Nogueira Barhum ..................................................................................... 1939


PARTE III - JURISPRUDÊNCIAEXCERTO DA SENTENÇA PROFERIDA PELO JUIZ VITO JOSÉGUGLIELMI NOS AUTOS DA AÇÃO DISCRIMINATÓRIA DO15º PERÍMETRO DE TEODORO SAMPAIO (ANTIGOPRESIDENTE VESCESLAU) ............................................................................. 211ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DESÃO PAULO NOS AUTOS DO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 10.265-4/1RELATOR DESEMBARGADOR LINNEU CARVALHO ..................................... 265ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DESÃO PAULO NOS AUTOS DO MANDADO DE SEGURANÇA N. 5.260-4/7RELATOR DESEMBARGADOR ORLANDO PISTORESI ................................. 273ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DESÃO PAULO NOS AUTOS DO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 22.655-4/4RELATOR DESEMBARGADOR OLAVO SILVEIRA .......................................... 281ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DESÃO PAULO NOS AUTOS DO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 29.722-4/1RELATOR DESEMBARGADOR BARBOSA PEREIRA ..................................... 289DECISÃO PROFERIDA PELO MINISTRO BUENO DE SOUZA, DOSUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NOS AUTOS DO PEDIDO DESUSPENSÃO DE SEGURANÇA N. 450-SP ..................................................... 297DECISÃO PROFERIDA PELO MINISTRO BUENO DE SOUZA, DOSUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NOS AUTOS DAMEDIDA CAUTELAR N. 535-SP ........................................................................ 30310


APRESENTAÇÃO“Molda<strong>do</strong>s por uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>raças e <strong>de</strong> crenças, <strong>do</strong> operário <strong>do</strong> ABCao assenta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pontal, <strong>do</strong> empresárioe <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r da Universida<strong>de</strong> aobóia-fria <strong>do</strong>s canaviais que ondulamsobre a terra roxa — em to<strong>do</strong>s eles, emcada um <strong>de</strong>les, se reconhece o mesmodireito à felicida<strong>de</strong>.”Mário Covas - discurso <strong>de</strong> posse, janeiro <strong>de</strong> 1999Em várias oportunida<strong>de</strong>s, tenho <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> a relevante atuação da<strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na resolução <strong>do</strong> conflito fundiário <strong>do</strong> Pontal<strong>do</strong> Paranapanema. No discurso <strong>de</strong> posse <strong>do</strong>s novos Procura<strong>do</strong>res<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, por exemplo, em 1º <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998, observei que“<strong>de</strong>monstramos nossa eficiência e competência no Pontal <strong>do</strong> Paranapanema,arrecadan<strong>do</strong> terras públicas griladas há décadas e nas quais estãoassentadas hoje mais <strong>de</strong> duas mil famílias no programa tão bem conduzi<strong>do</strong>pela Secretaria da Justiça” (Boletim <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,v. 22, n. 3, 177, maio/jun. 1998).De fato, no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste programa estatal <strong>de</strong> regularizaçãodas terras <strong>de</strong>volutas, efetiva<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> 1995, a participação da<strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> foi central. Isto porque coube-lhe exatamente a obtenção daterra para que lhe fosse dada, ao <strong>de</strong>pois, uma <strong>de</strong>stinação social a<strong>de</strong>quada.Daí a importância <strong>do</strong>s textos e <strong>do</strong>cumentos que ora são publica<strong>do</strong>s.Eles refletem os profun<strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s feitos pelos Procura<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,que não só levantaram toda a história da ocupação das terras <strong>do</strong> Pontalcomo também souberam utilizar-se <strong>do</strong> instrumental jurídico, em diversasinstâncias, para que aquele objetivo fosse alcança<strong>do</strong> e, com ele, apacificação da região.11


PARTE I. ARTIGOS DOUTRINÁRIOS13


REFORMA ADMINISTRATIVA: O NOVO REGIMECONSTITUCIONAL DO PROCURADOR DO ESTADOCármen Lúcia Antunes Rocha*Sumário: Introdução. 1. A reforma administrativa da EmendaConstitucional n. 19/98. 2. O Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na Constituição.3. A reforma administrativa e o Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. 4. O novo regimeremuneratório <strong>do</strong> Procura<strong>do</strong>r na sistemática constitucional reformada.Conclusão.* Advogada em Minas Gerais.15


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):15-35, jan./<strong>de</strong>z. 1998INTRODUÇÃOO momento constitucional que se vive é <strong>de</strong> profunda agitação emto<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>. O muro <strong>de</strong> Berlim não caiu impunemente. Antes, aquelaruptura tem uma simbologia que talvez venha a <strong>de</strong>marcar uma fase histórica<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Muda o Esta<strong>do</strong>, mudam os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> convivência política<strong>do</strong>s homens e os figurinos institucionais, mudam as socieda<strong>de</strong>s, muda — éclaro — o Direito.Neste turbilhão, quan<strong>do</strong> não se clareou o novo rumo, nem se pôs atermo o antigo paradigma, há um não saber ainda o que e um saber <strong>de</strong> umque não mais que põe a toda pressa o caminhar histórico atropela<strong>do</strong>, aimpedir que as mudanças venham com clareza tal que traduzam certezas.Tu<strong>do</strong> é incerto, ou, no verso <strong>de</strong> Drummond sobre um outro tempo tãoigual em insegurança, “meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.”O empresário quer o lucro a qualquer preço. Busca para issotransformar todas as socieda<strong>de</strong>s em gran<strong>de</strong>s supermerca<strong>do</strong>s. A merca<strong>do</strong>riapo<strong>de</strong> ser até o homem. Etiqueta-se tu<strong>do</strong>, até a vida. Tu<strong>do</strong> parece cabernum “código <strong>de</strong> barras”. A economia transforma-se num gran<strong>de</strong> cassino,mas só joga quem po<strong>de</strong> pagar pelas fichas. Tu<strong>do</strong> fica restrito à virtualida<strong>de</strong>da teleinformática: até os sentimentos que individualizam são virtuais.E tanto pior se além disso são <strong>de</strong>scartáveis.O Direito Constitucional, nesta marca <strong>de</strong> giz da civilida<strong>de</strong> justa quepropõe ao homem o encontro com o seu tempo e com o seu i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> bemviver com o outro, transforma-se ao influxo <strong>de</strong>stas gran<strong>de</strong>s mudanças.Como o homem, <strong>de</strong> que é mera criação, o Direito é uma criação empermanente transformação.A Constituição não se fecha jamais às mudanças que se façamnecessárias e legítimas. Lei alguma po<strong>de</strong> ser imutável ou infensa a mudançassocialmente necessárias ou <strong>de</strong>sejáveis. Todavia, é nos perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> maior17


CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHAinstabilida<strong>de</strong> que o Direito mais firmemente é convoca<strong>do</strong> a cumprir a suafunção <strong>de</strong> dar segurança às pessoas. Quan<strong>do</strong> a segurança exterior édificultada, ao Direito se entrega a tarefa <strong>de</strong> assegurar que a maturida<strong>de</strong> ea racionalida<strong>de</strong> das e nas mudanças se imponham, ao invés <strong>de</strong> se <strong>de</strong>ixarque reformas sejam feitas ao sabor <strong>de</strong> emoções que são substituídas acada manhã, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> que a perplexida<strong>de</strong> prevaleça.Por isso é que, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> serem freqüentes e legítimas eventuaismodificações nas Constituições vigentes em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, parece exatoafirmar que é importante distinguir entre reformas e reformasconstitucionais. É que algumas são feitas ao sabor <strong>de</strong> imperativos sociais,enquanto outras são <strong>de</strong>vidas a interesses particulares, <strong>de</strong> pessoas ou <strong>de</strong>grupos interessa<strong>do</strong>s no exercício <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r. As primeiras são legítimas enormais; as segundas instituem ou são fontes <strong>de</strong> normas que pouco têm <strong>de</strong>legítimas, se é que têm algo <strong>de</strong>sta qualida<strong>de</strong>. Seus autores impõem-naspor interesse particular, como causa e não como conseqüência <strong>de</strong> mudançaspolítico-institucionais e sociais.Este é um processo <strong>de</strong> reformismo, não um exercício regular <strong>do</strong> po<strong>de</strong>rconstituinte <strong>de</strong>riva<strong>do</strong> legítimo pelo qual se chega à formalização <strong>de</strong> umatransformação <strong>do</strong> Direito Fundamental <strong>de</strong> um povo.O Brasil chega a <strong>de</strong>z anos da Constituição <strong>de</strong> 1988 sem ter aindagran<strong>de</strong>s motivos <strong>de</strong> comemoração no campo <strong>do</strong> Direito Constitucional.Em menos <strong>de</strong> vinte anos, a Constituição da República <strong>de</strong> 1988 recebeu<strong>de</strong>zenove Emendas acrescentadas <strong>de</strong> seis <strong>de</strong>nominadas “<strong>de</strong> revisão”(datadas <strong>de</strong> 1993). Tanto equivale a mais <strong>de</strong> duas Emendas por ano. Amédia é muito gran<strong>de</strong> até mesmo para o Esta<strong>do</strong> brasileiro, que não temti<strong>do</strong> a sorte <strong>de</strong> viver <strong>de</strong>mocracias prolongadas.O reformismo que <strong>do</strong>mina o cenário constitucional brasileiro vem nofluxo <strong>de</strong> um discurso governamental que propaga mudanças no “aparelho<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>”. Ao contrário <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracias estatais maduras, nas quais os18


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):15-35, jan./<strong>de</strong>z. 1998governos se submetem ao Direito, o Brasil tem assisti<strong>do</strong> à sujeição <strong>do</strong>Direito (especialmente o constitucional) aos governos; ou, o que é piorainda, aos governantes.Todavia, não é <strong>de</strong> se intimidar o profissional <strong>do</strong> Direito com osinteresses <strong>de</strong> eventuais governantes. A história tem mostra<strong>do</strong> que mesmoa insensatez produz história para o homem e que os governantes passam,enquanto os povos ficam.Mais importante <strong>do</strong> que os príncipes quereriam dizer nas normas(e o seu querer dizer não se impõe), o que conta é o que diz a norma.E se a norma não for boa em sua dicção, melhor se po<strong>de</strong>rá extrair<strong>de</strong>la se se pu<strong>de</strong>r <strong>de</strong>la extrair uma boa interpretação e uma eficazaplicação.As normas po<strong>de</strong>m ser feitas para alguns, mas é certo que elas sãoaplicadas para to<strong>do</strong>s. Logo, a interpretação po<strong>de</strong> recriá-la e transformar oque seria interesse particular em condição política.Com tais princípios é que se haverá <strong>de</strong> interpretar as normas quecompõem o Direito Constitucional positivo brasileiro. Prevalecem aindahoje normas feitas segun<strong>do</strong> as idéias e os i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> Getúlio Vargas.E as novas gerações <strong>de</strong>le nem têm mais (certo ou erra<strong>do</strong>) notícia.To<strong>do</strong>s os Césares são passageiros. O homem só fica para os seus. É como espírito volta<strong>do</strong> para a História que se faz para o plural e nãopara o particular que se haverá <strong>de</strong> interpretar e aplicar a norma <strong>de</strong> Direito.Mais ainda quan<strong>do</strong> se cuidar <strong>de</strong> Direito Constitucional, que é oDireito que se faz diretamente <strong>do</strong> povo, que organiza em Esta<strong>do</strong> o povo,que estrutura uma socieda<strong>de</strong> em Esta<strong>do</strong>.Não haveria, pois, <strong>de</strong> ser diferente com as Emendas Constitucionaisque se suce<strong>de</strong>m no texto e no contexto jurídico presentes. Não haveria <strong>de</strong>ser diferente com a Emenda Constitucional n. 19/98.19


CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA1. A REFORMA ADMINISTRATIVA DA EMENDACONSTITUCIONAL N. 19/981.1. A reforma administrativa: intenções e interpretaçõesDes<strong>de</strong> os primeiros momentos <strong>do</strong> atual governo, titulariza<strong>do</strong> peloPresi<strong>de</strong>nte Fernan<strong>do</strong> Henrique Car<strong>do</strong>so, esboçou-se como marca <strong>do</strong>mandato o que se apeli<strong>do</strong>u e divulgou amplamente como sen<strong>do</strong> “a reformada Administração e <strong>do</strong> aparelho <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>”.Documento prepara<strong>do</strong> e torna<strong>do</strong> público em 1995 — “Plano diretorda reforma <strong>do</strong> aparelho <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>” — (portanto, no primeiro ano <strong>do</strong>mandato <strong>do</strong> atual governante) esclarecia as intenções <strong>de</strong> se levar a cabouma reforma administrativa, que passaria por uma mudança no mo<strong>de</strong>loconstitucionalmente traça<strong>do</strong> para o Esta<strong>do</strong> brasileiro pelo constituinte <strong>de</strong>1988. Segun<strong>do</strong> ali se expunha, “... nos últimos 20 anos esse mo<strong>de</strong>lo (<strong>de</strong>administração) mostrou-se supera<strong>do</strong>, vítima <strong>de</strong> distorções <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>tendência observada em grupos <strong>de</strong> empresários e <strong>de</strong> funcionários, quebuscam utilizar o Esta<strong>do</strong> em seu próprio benefício, e vítima também daaceleração <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico e da globalização da economiamundial, que tornou a competição entre as nações muito mais aguda. Acrise <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>fine-se então... (3) como a superação da forma <strong>de</strong>administrar o Esta<strong>do</strong>, isto é, superação da administração públicaburocrática”. Mais ainda, com a reforma administrativa constitucionalbuscar-se-ia, conforme ficou claro naquele <strong>do</strong>cumento, transformar aestrutura eaorganização <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong>: “a reforma <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>veser entendida <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> contexto da re<strong>de</strong>finição <strong>do</strong> papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, que<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser o responsável direto pelo <strong>de</strong>senvolvimento econômico e social,para se tornar seu promotor e regula<strong>do</strong>r. ...O Esta<strong>do</strong> assume um papelmenos executor ou presta<strong>do</strong>r direto <strong>de</strong> serviços, manten<strong>do</strong>-se entretantono papel <strong>de</strong> regula<strong>do</strong>r e prove<strong>do</strong>r <strong>de</strong>stes.”Afetos e afeitos ao discurso e à prática enganosamente <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s“neoliberal”, os proponentes <strong>do</strong> novo figurino constitucional administrativo20


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):15-35, jan./<strong>de</strong>z. 1998cuidavam <strong>de</strong> enfatizar a míngua <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro <strong>de</strong> suas tarefasalcançadas com a conquista <strong>do</strong>s direitos sociais e que <strong>de</strong>terminavam umaação positiva para a sua realização. Buscava-se mo<strong>de</strong>lar uma Administraçãopróxima <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo empresarial a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelos particulares. Era amelancólica e perigosa chegada à rota traçada por um merca<strong>do</strong> quevislumbrava nos homens menos que cidadãos e mais que consumi<strong>do</strong>res.E é no consumo que as caixas registra<strong>do</strong>ras po<strong>de</strong>m produzir o som maisprazeroso a quem tem na moeda o seu único valor.Alegou-se globalização econômica e financeira, globalização políticae superação <strong>de</strong> uma fase <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Bem-Estar como justificativas <strong>do</strong>comportamento estatal que se passava a propor.A intenção era minimizar o Esta<strong>do</strong> secan<strong>do</strong> a ativida<strong>de</strong> administrativa.Mais que informatizar serviços, o que se queria era maquinizar o servi<strong>do</strong>rpúblico. A diminuição <strong>de</strong> serviços qualifica<strong>do</strong>s como públicos <strong>de</strong>terminariaa paralela diminuição <strong>do</strong>s quadros humanos da Administração.Todas estas intenções, oferecidas sem qualquer recato ou pejo pelosgovernantes brasileiros, vieram a ser mo<strong>de</strong>ladas nos <strong>do</strong>cumentos articula<strong>do</strong>sna Proposta <strong>de</strong> Emenda Constitucional, que veio a se transformar na <strong>de</strong>n. 19, promulgada em 4 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998.Entretanto, entre a intenção política e o gesto jurídico passa-se ummun<strong>do</strong>, que somente vem a se completar na aplicação da norma.Portanto, mais que a intenção <strong>do</strong> autor da norma (ou mesmo <strong>de</strong> suaproposta) há que se fazer prevalecer a finalida<strong>de</strong> que nela se contém ouque nela se po<strong>de</strong> encontrar, especialmente a partir da interpretação feitasistemicamente, vez que a Constituição não é um amontoa<strong>do</strong> <strong>de</strong> normas,mas um sistema <strong>de</strong> normas harmonizadas, senão em sua feitura,seguramente em sua interpretação e em sua aplicação.Não se há relevar tanto, pois, o que se preten<strong>de</strong>u com a norma, maso que se fez ao introduzi-la em da<strong>do</strong> sistema. Intérprete não tem21


CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHAcompromisso com o autor da proposta convertida em norma <strong>de</strong> direito,mas com o direito conti<strong>do</strong> na norma, que existe in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> que comela se quis. Tal como o homem não cumpre o <strong>de</strong>stino <strong>do</strong>s seus pais, mas oque se contém em sua essência e segun<strong>do</strong> a sua vocação, também a norma— criação <strong>do</strong> homem — cumpre a sua finalida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> quantoalguém especificamente tenha pretendi<strong>do</strong> com ela obter. O homem nãotem que repetir o seu pai, como a norma não se circunscreve à vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong>seu autor. A fonte não estanca a vida nem retraça o leito <strong>do</strong> rio. Ele seguepor si mesmo.Daí a relevância da interpretação da norma, pois é no seu processo <strong>de</strong>tornar-se que se cumpre a sua função. E ela não se torna efetiva no momentoformal <strong>de</strong> sua criação, mas no processo dinâmico <strong>de</strong> sua aplicação.Normas boas e ruins, alertava Montesquieu, to<strong>do</strong>s os povos as têm.O que muda <strong>de</strong> um para outro e <strong>de</strong>marca a gran<strong>de</strong> diferença entre eles é aaplicação, é o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> se aperfeiçoar o processo <strong>de</strong> normativização, <strong>de</strong> seexperimentar o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito na busca da justiça social efetiva e eficazpara a universalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s homens.A reforma administrativa cogitada na Emenda Constitucionaln. 19/98 está posta em norma. A sua aplicação, contu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong> queos seus intérpretes e aplica<strong>do</strong>res venham a ser capazes <strong>de</strong> realizar.1.2. O servi<strong>do</strong>r público e os direitos sociaisO servi<strong>do</strong>r público é um <strong>do</strong>s temas maiormente alcança<strong>do</strong>s pelareforma administrativa contida na Emenda Constitucional n. 19/98. Todavia,há <strong>de</strong> se perquirir, ainda, o verda<strong>de</strong>iro alcance <strong>de</strong>sta reforma. Em primeirolugar porque algumas das normas ali são <strong>de</strong> eficácia contida ou limitada,estan<strong>do</strong> no aguar<strong>do</strong> das normas infraconstitucionais que regulamentarãoto<strong>do</strong>s os seus termos. Em segun<strong>do</strong> lugar porque a sua interpretação haverá<strong>de</strong> ser feita em consonância com o quanto se tem nos princípios e <strong>de</strong>maisnormas constitucionais, o que <strong>de</strong>manda um certo assentamento <strong>de</strong>22


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):15-35, jan./<strong>de</strong>z. 1998inteligências sobre a matéria que o imediatismo posterior à promulgaçãonão permite ainda.Contu<strong>do</strong>, alguns pontos po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem ser releva<strong>do</strong>s quanto aotema em foco.O primeiro <strong>de</strong>les relaciona-se à circunstância <strong>de</strong> serem os direitos<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res públicos <strong>de</strong> natureza fundamental social. Tal como osdireitos <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res em geral, expressos em capítulo constitucionalespecífico incluí<strong>do</strong> no título <strong>do</strong>s direitos fundamentais (que bem qualificaassim a natureza <strong>de</strong>stes direitos), os direitos <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res públicostêm idêntica adjetivação jurídico-positiva. O seu <strong>de</strong>slocamento natopografia normativo-constitucional não altera a sua gramática jurídica,que <strong>de</strong>ve ser analisada em perfeito atendimento àquela condição essencialque os caracteriza.Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se esta condição <strong>do</strong>s direitos fundamentais sociais <strong>do</strong>strabalha<strong>do</strong>res públicos, é <strong>de</strong> se encarecer que qualquer interpretaçãoreferente aos direitos <strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res públicos na estruturação <strong>do</strong> seu regimejurídico-constitucional não po<strong>de</strong>rá receber interpretação diferenciadaquanto à sua natureza e às conseqüências <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s <strong>de</strong>maistrabalha<strong>do</strong>res, qualifica<strong>do</strong>s como direitos sociais fundamentais. E tantohaverá <strong>de</strong> ser enfatiza<strong>do</strong> inclusive quanto à possibilida<strong>de</strong>, ou não, <strong>de</strong> seremaboli<strong>do</strong>s por meio da Emenda Constitucional, por força da interpretação eda aplicação <strong>do</strong>s limites materiais <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r reforma<strong>do</strong>r (basicamente postosno art. 60, § 4º, da Constituição da República).A<strong>de</strong>mais, urge atentar-se a que to<strong>do</strong>s os direitos que conformam oregime jurídico <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada categoria social ou profissional somentepo<strong>de</strong>m ser interpreta<strong>do</strong>s e aplica<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> os direitos fundamentais <strong>do</strong>sistema constitucional, tais como o da segurança jurídica, o da igualda<strong>de</strong>no direito, <strong>de</strong>ntre outros. Qualquer hermenêutica que <strong>de</strong>smereça taisprincípios <strong>de</strong>ve ser analisada com cautela e severida<strong>de</strong>.23


CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHAAssim, nem por se cuidar <strong>de</strong> Emenda Constitucional, a reformaadministrativa po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada uma construção normativa autônomae inédita, a ser aplicada in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> conjunto sistemático das normas.Nem se há <strong>de</strong> interpretá-la ou <strong>de</strong> aplicá-la sem se atentar ao conjunto dasnormas constitucionais.Por tu<strong>do</strong> o quanto se há <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar, pois, para que o sistemanormativo constitucional tenha eficácia jurídica e social e legitimida<strong>de</strong>política é que se haverá <strong>de</strong> ter como acerta<strong>do</strong> que a promulgação da EmendaConstitucional, por meio da qual se alteraram normas fundamentais relativasà Administração Pública e aos agentes públicos, mu<strong>do</strong>u o sistema jurídico,mas a mudança <strong>do</strong> Direito somente estará completada com a interpretaçãocorreta e a aplicação eficiente daquelas normas, o que não se fará sematenção aos princípios hermenêuticos e jurídico-positivos <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namentofundamental.2. O PROCURADOR DO ESTADO NA CONSTITUIÇÃO2.1. O advoga<strong>do</strong> foi incluí<strong>do</strong>, categorialmente, no sistemaconstitucional como titular <strong>de</strong> função essencial à Justiça.Mais ainda, o constituinte <strong>de</strong> 87/88 cui<strong>do</strong>u <strong>de</strong> encarecer acircunstância, já cuidada em norma infraconstitucional (art. 18 <strong>do</strong> Código<strong>de</strong> Processo Civil), <strong>de</strong> serem as entida<strong>de</strong>s políticas representadas pelosseus Procura<strong>do</strong>res.Mas estes passaram a ter carreira <strong>de</strong>finida institucionalmente <strong>de</strong>maneira obrigatória (art. 132 e art. 135 da Constituição da República),segun<strong>do</strong> um conteú<strong>do</strong> mínimo <strong>do</strong> seu regime jurídico ali estatuí<strong>do</strong>. OProcura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> teve a nominação <strong>de</strong> seu cargo expressoconstitucionalmente, bem como a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> suas funções (representaçãojudicial e consultoria jurídica) explicitamente <strong>de</strong>signadas. Note-se que taisfunções, em caráter institucional permanente, passaram a ser <strong>de</strong>tidas, emregime <strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong>, pelos <strong>de</strong>tentores <strong>do</strong>s cargos <strong>de</strong> Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong>24


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):15-35, jan./<strong>de</strong>z. 1998Esta<strong>do</strong> (quanto às entida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>radas), cujo provimento passou a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r<strong>de</strong> aprovação prévia em concurso público específico <strong>de</strong> provas e títulos.O Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> foi enfatiza<strong>do</strong>, assim, juntamente com oAdvoga<strong>do</strong> da União (procura<strong>do</strong>r da entida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral), como agente comcuida<strong>do</strong> constitucional expresso e diferencia<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais servi<strong>do</strong>resinclusive da comunida<strong>de</strong> jurídica.O advento da Emenda Constitucional n. 19/98 praticamente nãoalterou o regime jurídico que se estabelecera para o Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>na norma originária <strong>do</strong> texto fundamental <strong>de</strong> 1988.As mudanças introduzidas no sistema quanto à matéria foram a) nosenti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se renomear a seção <strong>do</strong> capítulo específico para se permitir quea advocacia pública abrigue to<strong>do</strong>s os profissionais <strong>do</strong> segmento advocatíciodas entida<strong>de</strong>s políticas fe<strong>de</strong>radas (União, Esta<strong>do</strong>-membro e DistritoFe<strong>de</strong>ral); b) no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se impor a participação da Or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s<strong>do</strong> Brasil em todas as fases <strong>do</strong> processo concursivo para o ingresso nacarreira; c) no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se exigir que haja correge<strong>do</strong>rias em todas as<strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong>s <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s e que estas emitam relatórios circunstancia<strong>do</strong>ssobre avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho <strong>do</strong>s procura<strong>do</strong>res em fase <strong>de</strong> estágio inicialprobatório; d) no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se assegurar estabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Procura<strong>do</strong>resapós três anos <strong>de</strong> efetivo exercício (modifican<strong>do</strong>-se o quanto antes seimpunha, que tornava estável o Procura<strong>do</strong>r após <strong>do</strong>is anos <strong>de</strong> efetivoexercício).Nota-se, pois, que não mu<strong>do</strong>u, em essência, o regime jurídico <strong>do</strong>sProcura<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> quanto ao seu <strong>de</strong>lineamento fundamentalanteriormente traça<strong>do</strong> na Constituição pela Emenda n. 19/98. Às normasanteriormente vigentes, novas vieram se acrescentar mais no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>pormenorizar ou <strong>de</strong> esclarecer o que se continha, <strong>de</strong> alguma forma, notexto anterior ou acrescentan<strong>do</strong>-se novas regras (como aquela referenteao prazo trienal para a aquisição <strong>do</strong> direito à estabilida<strong>de</strong>).25


CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHAO que foi objeto <strong>de</strong> modificação pela Emenda Constitucional foi,basicamente, o regime remuneratório que compõe o regime jurídico <strong>do</strong>Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, conforme se expõe a seguir.2.2. Há <strong>de</strong> se dizer uma palavra sobre a interpretação a ser oferecidaàs expressões “função essencial” à Justiça, sob a égi<strong>de</strong> da qual se insere oProcura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> membro <strong>do</strong> Ministério Público e <strong>do</strong>Defensor Público, e “ativida<strong>de</strong> exclusiva <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>”, que consta <strong>do</strong> artigo247 na nova sistemática constitucional introduzida pela Emenda n. 19/98.O advoga<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolve ativida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rada “indispensável àadministração da justiça”, nos termos expressos no artigo 133 daConstituição da República. Assim, a figura <strong>do</strong> advoga<strong>do</strong>, pela sua própriacondição <strong>de</strong> especialista em Direito, adquire importância <strong>de</strong>terminante noEsta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito (art. 1º da Constituição), o que <strong>de</strong>fine o seu tratamentoreleva<strong>do</strong> no sistema fundamental.O advoga<strong>do</strong> público — seja ele Advoga<strong>do</strong> da União ou Procura<strong>do</strong>r<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ou <strong>do</strong> Distrito Fe<strong>de</strong>ral—éumagente público, que exerce umafunção essencial à Justiça e que <strong>de</strong>tém a função imprescindível à dinâmicagovernamental e administrativa das entida<strong>de</strong>s políticas, qual seja, a <strong>de</strong>profissional responsável pela representação judicial e pela consultoriajurídica daquelas pessoas.Tais funções <strong>de</strong> advocacia da entida<strong>de</strong> pública não são absolutamentefechadas a um eventual e excepcionalíssimo cuida<strong>do</strong> por alguém <strong>de</strong> fora<strong>do</strong>s quadros. Assim, quan<strong>do</strong> haja uma causa em que to<strong>do</strong>s os procura<strong>do</strong>resda carreira tenham interesse, ou quan<strong>do</strong> a sua atuação não for bastantepor se cuidar, por exemplo, <strong>de</strong> uma matéria <strong>de</strong> direito internacional, que<strong>de</strong>penda <strong>de</strong> um parecer ou <strong>de</strong> uma atuação que necessite <strong>de</strong> umacompanhamento <strong>de</strong> um jurista que atenda a requisitos incomuns esobreleva<strong>do</strong>s na comunida<strong>de</strong>, não se tem como impossível a contrataçãoespecialíssima e excepcional <strong>de</strong>ste trabalho.26


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):15-35, jan./<strong>de</strong>z. 1998O que não é admissível, no sistema, é que as funções <strong>de</strong> representaçãojudicial e <strong>de</strong> consultoria jurídica possam vir a ser exercidas mediantecontratação <strong>de</strong> profissionais, a dizer, fora <strong>de</strong> carreira constituída nos termosda norma constitucional específica.Diverso é o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> que se consi<strong>de</strong>re “ativida<strong>de</strong> exclusiva” <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> para os efeitos <strong>do</strong> artigo 247 da Constituição, tal como cuida<strong>do</strong>pela Emenda Constitucional n.19/98. Ali, para os efeitos da legislaçãoinfraconstitucional que advirá, <strong>de</strong>verão ser estabeleci<strong>do</strong>s “critérios egarantias especiais para a perda <strong>do</strong> cargo pelo servi<strong>do</strong>r público estávelque, em <strong>de</strong>corrência das atribuições <strong>de</strong> seu cargo efetivo, <strong>de</strong>senvolvaativida<strong>de</strong>s exclusivas <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>.”Para que se incluam <strong>de</strong>terminadas categorias <strong>de</strong> servi<strong>do</strong>res entreaqueles que <strong>de</strong>verão ter observa<strong>do</strong>s critérios e garantias especiais para aperda <strong>de</strong> seu cargo, haverá que se conhecer <strong>do</strong> que possa vir a serconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> pelo legisla<strong>do</strong>r “ativida<strong>de</strong>s exclusivas <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>.”Não se haverá <strong>de</strong> pensar, aqui, que ativida<strong>de</strong> exclusiva seja aquelaque somente o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>sempenhe. Se assim fosse, somente o juiz e opolicial se incluiriam naquela condição. Não se há <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a palavraexclusiva como única, privativa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Ela se torna exclusiva, para osefeitos daquela interpretação, quan<strong>do</strong>, prestada nos limites <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,não pu<strong>de</strong>r ali ser <strong>de</strong>senvolvida senão por qualquer agente sem qualificação,carreira e regime jurídico especiais. Assim, a função <strong>de</strong> médico não éprivativa <strong>de</strong> agente estatal nem <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Mas quan<strong>do</strong> exercida no setorpúblico, se cuida <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública como serviço público, presta<strong>do</strong>exclusivamente pelo Esta<strong>do</strong> é “ativida<strong>de</strong> exclusiva <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.” O mesmose afirme quanto ao professor público. A ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> magistério não éexclusiva <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, mas a função <strong>de</strong> professor público é “ativida<strong>de</strong>exclusiva <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>.”Da mesma forma, a advocacia é função social, mas que não é exclusiva<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>. Todavia, a advocacia pública é ativida<strong>de</strong> exclusiva <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>,pelo que o Procura<strong>do</strong>r se inclui entre aqueles servi<strong>do</strong>res referi<strong>do</strong>s na norma27


CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA<strong>do</strong> artigo 247 da Constituição da República. Compete ao legisla<strong>do</strong>rinfraconstitucional, ao qual se atribuiu o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> legislarinfraconstitucionalmente sobre a matéria, elencar as carreiras e os servi<strong>do</strong>resque se inserem <strong>de</strong>ntre aqueles titulares das condições e garantias especiaispara a perda <strong>do</strong> cargo.3. O REGIME REMUNERATÓRIO DO PROCURADOR NASISTEMÁTICA CONSTITUCIONAL REFORMADA3.1. A modificação <strong>do</strong> regime remuneratório <strong>do</strong> Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>nas normas introduzidas no or<strong>de</strong>namento pela Emenda Constitucionaln. 19/98 traz, em sua vertente, estreita conexão com a nova sistemáticaremuneratória estabelecida para o setor público.Constata-se ali uma preocupação genuína com a questão relativa aoque po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>nominar <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> remuneratória. Por este princípiose teria que o agente público seria titular <strong>de</strong> uma contraprestação pecuniáriapelo exercício <strong>do</strong> seu cargo <strong>de</strong>vidamente objetiva<strong>do</strong> e facilmente conheci<strong>do</strong>,<strong>de</strong> tal maneira que qualquer cidadão saberia quanto a entida<strong>de</strong> públicapaga, verda<strong>de</strong>iramente, a cada agente, como, a que título e sob qualjustificativa. O controle <strong>do</strong>s valores <strong>de</strong> pagamentos feitos, o cumprimentoestrito <strong>de</strong> princípios como o da igualda<strong>de</strong> remuneratória para cargos efunções idênticas ou assemelhadas seria factível por to<strong>do</strong>s os cidadãos, oque é não apenas pertinente como imprescindível numa <strong>de</strong>mocracia. Afinal,a publicida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s gastos impõe o conhecimento pelos cidadãos <strong>de</strong> como,quanto e a quem se paga.Imaginar que o vencimento <strong>de</strong> um agente público seja apenas 1/5 (umquinto) <strong>do</strong> total por ele recebi<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> que todas as <strong>de</strong>mais parcelas quecompõem a sua remuneração são composições que se formam ao sabor <strong>de</strong>gratificações <strong>de</strong>siguala<strong>do</strong>ras e <strong>de</strong>scontroladas, <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões judiciais ouentendimentos administrativos etc., não po<strong>de</strong>, efetivamente, ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>legítimo ou justo.28


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):15-35, jan./<strong>de</strong>z. 1998Assim, parece certo afirmar que a finalida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> subsídio“em parcela única” (art. 39, § 4º) para algumas categorias <strong>de</strong> agentespúblicos é legítima e necessária. Tanto é fundamental para que a cidadaniase exerça também no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> participar, controlan<strong>do</strong> os gastos feitosno setor público com o pagamento <strong>do</strong>s seus agentes.3.2. Também se mostra necessário enfatizar, ainda à guisa <strong>de</strong>preliminar, em observações sobre o tema referente ao regime remuneratório<strong>do</strong> Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (valen<strong>do</strong> o mesmo para o servi<strong>do</strong>r em geral),que alguns princípios constitucionais informam o conhecimento, ainterpretação e a aplicação das normas referentes à matéria.Em primeiro lugar, realce seja da<strong>do</strong> ao princípio <strong>do</strong> direito adquiri<strong>do</strong>que <strong>de</strong>termina que as normas vigentes antes <strong>do</strong> advento da EmendaConstitucional n. 19 e que se aplicaram e se impuseram constituin<strong>do</strong> umasituação <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> critérios a presidirem as fontes <strong>de</strong> pagamento nãopo<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sfeita pela entronização <strong>de</strong> novas e diferenciadas normas nosistema constitucional.Por certo se haverá <strong>de</strong> ter que consi<strong>de</strong>rar que sen<strong>do</strong> antes (e persistin<strong>do</strong>agora) como princípio fundamental <strong>do</strong> regime remuneratório público epriva<strong>do</strong> a irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> salários, remuneração e subsídios, não se há<strong>de</strong> cogitar <strong>de</strong> se reduzir tais valores em autêntica redução <strong>do</strong>s mesmospela aplicação imediata <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> apuração <strong>do</strong> quantum <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>aos titulares <strong>do</strong>s cargos, funções e empregos públicos.A norma é feita para o presente e para o futuro e não po<strong>de</strong> retroagiratingin<strong>do</strong> situações validamente constituídas no passa<strong>do</strong>, especialmentequan<strong>do</strong> prevalece o princípio da irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vencimentos,remuneração e subsídios. Tanto seria afrontar outro princípio constitucional,qual seja, o <strong>do</strong> direito adquiri<strong>do</strong>, o <strong>do</strong> ato jurídico perfeito eodacoisajulgada, que se impõem mesmo ao constituinte reforma<strong>do</strong>r por força <strong>de</strong> seconstituir limite material à sua ação (art. 60, § 4º, combina<strong>do</strong> com o art.5º, XXXVI).29


CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHALogo, a observância <strong>de</strong> tais princípios informa à inteligência que <strong>de</strong>vemprevalecer quan<strong>do</strong> da interpretação e da aplicação das normas relativastambém ao regime remuneratório <strong>do</strong> Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.3.3. Pre<strong>do</strong>mina, também, no novo regime jurídico remuneratório, e aele se impõe o princípio da igualda<strong>de</strong> jurídica, pelo qual se haverá <strong>de</strong> <strong>de</strong>finiro tratamento novelmente conferi<strong>do</strong> ao tema <strong>de</strong> maneira igual para to<strong>do</strong>sos servi<strong>do</strong>res (e, no caso em epígrafe, para to<strong>do</strong>s os servi<strong>do</strong>res, <strong>de</strong> maneiraigual). Quer-se dizer que não se terá como válida, legítima ou sustentáveljuridicamente a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um regime jurídico segun<strong>do</strong> a data<strong>do</strong> ingresso na carreira ou a condição funcional (lotação, funçãoespecífica etc.).Tanto não impe<strong>de</strong> que a carreira tenha os cargos que a compõemorganiza<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> a complexida<strong>de</strong> e para cada qual <strong>de</strong>les haven<strong>do</strong> a<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> valores remuneratórios a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s e diferencia<strong>do</strong>s, conquantorelaciona<strong>do</strong>s e justifica<strong>do</strong>s na legislação que os estipular.O que não se admite, por exemplo, é que <strong>do</strong>is Procura<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>no mesmo nível e grau da carreira e coloca<strong>do</strong>s em idêntica função,submetam-se a regimes jurídicos remuneratórios diferencia<strong>do</strong>s por teremingressa<strong>do</strong> nos quadros em datas diferenciadas (um antes e um após oadvento da Emenda Constitucional).De outra parte, não se há <strong>de</strong> imaginar que se possam ainda fixarsubsídios iguais manten<strong>do</strong>-se parcelas outras que a eles se acrescentam,pois tanto esbarra na vedação taxativa <strong>do</strong> artigo 39, § 4º, cuja regra temcomo objetivo impedir rigorosamente tal sobreposição <strong>de</strong> parcelas outrasque personalizem e distingam os vencimentos (subsídios e remuneraçõestambém).3. 4. Para o Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> estatui, agora, a norma <strong>do</strong> artigo39, § 4º, conjuga<strong>do</strong> com o artigo 135, todas da Constituição da República,que “o membro <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>r, o <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> mandato eletivo, os Ministros <strong>de</strong>30


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):15-35, jan./<strong>de</strong>z. 1998Esta<strong>do</strong> e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunera<strong>do</strong>sexclusivamente por subsídio fixa<strong>do</strong> em parcela única, veda<strong>do</strong> o acréscimo<strong>de</strong> qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba <strong>de</strong> representaçãoou outra espécie remuneratória, obe<strong>de</strong>ci<strong>do</strong>, em qualquer caso, o dispostono artigo 37, X e XI”.Cabem algumas notas breves sobre o subsídio aqui cuida<strong>do</strong>.Introduziu-se na Emenda Constitucional n. 19/98 a palavra subsídiocom um novo significa<strong>do</strong>. Anteriormente, fora ela empregada em normasconstitucionais como uma ajuda a mais, além daquela referente aovencimento, a alguns agentes públicos, normalmente aqueles que <strong>de</strong>tinhamcargo político. Neste senti<strong>do</strong> constituía a parcela um adjutório, ofereci<strong>do</strong>mais a título <strong>de</strong> uma ajuda. A raiz mesma da palavra traz em seu conteú<strong>do</strong>o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> subsidiário, aquilo que não é, portanto, o principal.Posteriormente, o pagamento <strong>do</strong>s agentes políticos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>rLegislativo passou a ser cunha<strong>do</strong> pela expressão, compon<strong>do</strong>-se aquelesubsídio <strong>de</strong> uma parte fixa e uma parte variável, também segun<strong>do</strong> <strong>de</strong>finiçãoconstitucional.Somente agora é que se estabelece o subsídio como uma espécie <strong>de</strong>remuneração, autônoma e constituída por regras que a distanciam <strong>do</strong>svencimentos pagos aos servi<strong>do</strong>res em geral.Note-se que as normas introduzidas no sistema pela EmendaConstitucional n. 19/98 sofrem <strong>de</strong> óbvia imprecisão, pois ora se temreferência a “remuneração e subsídio” (art. 37, incs. X e XI), ora parecevaler-se o constituinte reforma<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma transformação <strong>do</strong> significa<strong>do</strong><strong>de</strong> vencimento (que antes era espécie <strong>de</strong> remuneração), que teria passa<strong>do</strong>a englobar a remuneração e o subsídio (art. 37, inc. XII), ora se tem quehaveria várias espécies remuneratórias (art. 37, inc. XIII), uma das quaisseria o subsídio.31


CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHAEntretanto, apesar das dificulda<strong>de</strong>s havidas no tema parece certoque a palavra subsídio é sempre utilizada como espécie remuneratória,somente po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser empregada para os agentes <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s no artigo39, § 4º e aquel’outros cuida<strong>do</strong>s em outros dispositivos com expressaremissão ao 39.O subsídio tem um conjunto <strong>de</strong> condicionantes normativos bemi<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s (parcela única, por exemplo) que <strong>de</strong>finem o seu regimejurídico.Remuneração é palavra ora utilizada com senti<strong>do</strong> alarga<strong>do</strong> (art. 37,XIII), ora em senti<strong>do</strong> estrito e como correspon<strong>de</strong>nte ao vencimento ou aosalário, tal como eram antes empregadas estas palavras no direitoadministrativo ou no direito <strong>do</strong> trabalho brasileiros (art. 37, XI).Vencimentos é palavra utilizada como sinônimo <strong>de</strong> remuneração em senti<strong>do</strong>alarga<strong>do</strong> (art. 37, XII), quan<strong>do</strong> então inclui a remuneração genericamenteutilizada ou o subsídio, ou em senti<strong>do</strong> estrito, quan<strong>do</strong> correspon<strong>de</strong> a umaespécie remuneratória somente <strong>de</strong>vida a <strong>de</strong>terminadas categorias, das quaisse excluem os que percebem contraprestação com rótulo jurídico e regimejurídico próprios (subsídios).3. 5. O Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> recebe subsídio, nos expressos termos<strong>do</strong> artigo 135 acopla<strong>do</strong> ao artigo 39, § 4º. Não comporta outra espécieremuneratória o regime jurídico <strong>de</strong>ste agente público, à vista <strong>do</strong> que dispõeo § 4º <strong>do</strong> artigo 39, no qual se tem que (os agentes <strong>de</strong>scritos) “serãoremunera<strong>do</strong>s exclusivamente por subsídio fixa<strong>do</strong> em parcela única, veda<strong>do</strong>o acréscimo <strong>de</strong> qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba <strong>de</strong>representação ou outra espécie remuneratória...”.Logo, qualquer outra fonte <strong>de</strong> remuneração <strong>do</strong> Procura<strong>do</strong>r que nãoseja o que se contenha no subsídio — no que concerne à função <strong>de</strong>Procura<strong>do</strong>r — está vedada. Tanto não impe<strong>de</strong> que outras funções exercidaspelo titular <strong>do</strong> cargo <strong>de</strong> Procura<strong>do</strong>r, mas que não se incluem entre aquelasinerentes ao cargo, tais como a participação em banca <strong>de</strong> concurso32


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):15-35, jan./<strong>de</strong>z. 1998realiza<strong>do</strong> pela entida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rada, por exemplo, possam figurar como fonte<strong>de</strong> parcela <strong>de</strong>vida ao agente por não se incluir no subsídio nem ser <strong>de</strong>vidapelo cargo. Contrariamente, mesmo pagamentos que não se incluíssemnem fossem pagos no próprio contracheque, tais como honorários <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>spelo exercício da advocacia pública e <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> administrativo,judicial ou sucumbência, estão veda<strong>do</strong>s constitucionalmente porque<strong>de</strong>saten<strong>de</strong>m à exigência <strong>de</strong> parcela única. Esta não é apenas a que apareceem contracheque apresenta<strong>do</strong> ao servi<strong>do</strong>r pela entida<strong>de</strong> pública, masqualquer uma que ele receba pelo exercício <strong>do</strong> cargo.Já o que não é <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> pelo <strong>de</strong>sempenho das funções <strong>do</strong> cargo, aindaque pago pela mesma entida<strong>de</strong>, não encontra óbice constitucional, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>que não supere o teto estabeleci<strong>do</strong> no artigo 37, XI, da Constituição daRepública.Note-se, ainda, que o subsídio “em parcela única” não impe<strong>de</strong> que oProcura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> exerça outro cargo e receba vencimento por esteoutro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a acumulação seja constitucionalmente válida. Tanto,aliás, é o que se po<strong>de</strong> extrair <strong>do</strong> próprio artigo 37, XI, quan<strong>do</strong> se tem que“a remuneração e o subsídio... ou outra espécie remuneratória, percebi<strong>do</strong>scumulativamente ou não...”. Logo, é que o constituinte reforma<strong>do</strong>r tevepor manti<strong>do</strong> que a cumulação <strong>de</strong> cargos, nos casos permiti<strong>do</strong>s, não sofrequalquer alteração em seu regramento fundamental pela circunstância <strong>de</strong>o subsídio ter a configuração <strong>de</strong> parcela única.Vem a pêlo observar-se, então, a questão relativa à transformação <strong>do</strong>regime remuneratório <strong>do</strong>s atuais Procura<strong>do</strong>res na nova formulação. Normas<strong>de</strong> transição terão que ser observadas e que são <strong>de</strong> atendimento necessáriopara que se possa ter o cumprimento das normas postas.A fixação <strong>do</strong> valor <strong>do</strong> subsídio será feita por lei. No cumprimento <strong>de</strong>sua função, o legisla<strong>do</strong>r não tem compromissos com os valores atualmentepagos aos Procura<strong>do</strong>res, que recebem, a título <strong>de</strong> gratificações e vantagenspessoais, valores que se distinguem. Como se interpretam as normas em33


CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHAatendimento aos princípios constitucionais, inclusive àqueles relativos àirredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> remuneração e à igualda<strong>de</strong> jurídica. Parece exato afirmarque haverão <strong>de</strong> ser respeita<strong>do</strong>s os valores atualmente pagos àqueles quese encontrem remunera<strong>do</strong>s legitimamente, segun<strong>do</strong> as normas antesvigentes, e já tenham adquiri<strong>do</strong> direito a continuar a percebê-los. Assim, osubsídio será <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> legalmente e igualmente para to<strong>do</strong>s os procura<strong>do</strong>res<strong>de</strong> mesma classe e nível segun<strong>do</strong> os quadros da carreira. A diferençaeventualmente apurada entre ele e o valor que é percebi<strong>do</strong> por alguns terá<strong>de</strong> ser paga a estes, em cumprimento aos princípios constitucionais, comoparcela <strong>de</strong> transição. Não será, como penso, um segun<strong>do</strong> subsídio, poiseste somente po<strong>de</strong>rá ser um. A natureza <strong>de</strong>sta parcela é remuneratória suigeneris e excepcional. Repita-se: sua justificativa única é o atendimentoàs normas principiológicas que <strong>de</strong>marcam e obrigam o regime jurídicogeral <strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res e que impõem a transição para uma nova contingêncianormativa.Todavia, o limite <strong>de</strong>stes valores <strong>de</strong>verá repousar no teto fixa<strong>do</strong> noartigo 37, XI, pois além <strong>de</strong>le não se tem pagamento <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> legitimamenteou váli<strong>do</strong> juridicamente.Tanto, aliás, é o que se tem na expressão <strong>do</strong> artigo 29 da EmendaConstitucional n. 19/98, segun<strong>do</strong> a qual “os subsídios, vencimentos,remuneração, proventos <strong>de</strong> aposenta<strong>do</strong>ria e pensões e quais outras espéciesremuneratórias a<strong>de</strong>quar-se-ão, a partir da promulgação <strong>de</strong>sta Emenda,aos limites <strong>de</strong>correntes da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não se admitin<strong>do</strong> apercepção <strong>de</strong> excesso a qualquer título”.Certo, este “excesso a qualquer título” é aquele que não tenhafundamento constitucional, pois o constituinte reforma<strong>do</strong>r tem como limitematerial o quanto disposto pelo constituinte originário e este, no casobrasileiro, impôs a barreira <strong>do</strong> direito adquiri<strong>do</strong> até mesmo ao constituinte<strong>de</strong> segun<strong>do</strong> grau, pelo que interpretação que conduzisse a tal possibilida<strong>de</strong>seria, obviamente, inconstitucional.34


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):15-35, jan./<strong>de</strong>z. 1998CONCLUSÃOA reforma administrativa contida nas normas introduzidasconstitucionalmente pela Emenda Constitucional n. 19/98 está apenascomeçan<strong>do</strong>. A norma põe a semente que se dá a brotar e a vicejar nainterpretação e na aplicação <strong>do</strong> sistema. Quanto melhor for o trabalho <strong>do</strong>intérprete e a participação <strong>do</strong> cidadão no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se ofereceremalternativas para a mais legítima construção <strong>de</strong> um subsistema constitucionaladministrativo, tanto mais eficaz será a criação e a recriação jurídicafundamental.Não se atente ao que alguém, governante, legisla<strong>do</strong>r ou juiz, quiscom a norma. Atente-se, antes, ao que o povo precisa e que compete aoDireito dar-se a realizar. Então, o sistema normativo será mais justo e asocieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>tá-lo-á <strong>de</strong> maior eficácia. E não há direito sem a vonta<strong>de</strong> econfiança <strong>do</strong> povo em seu resulta<strong>do</strong>. De resto, a reforma é um meio.Mas o fim haverá <strong>de</strong> ser social para ser váli<strong>do</strong> e <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>mocrático paraser legítimo.35


FLAGRANTE PREPARADO NO ÂMBITODAS PROVAS ILÍCITASRoque Jeronimo Andra<strong>de</strong>*Sumário: I. Introdução. II. Flagrante Prepara<strong>do</strong>. III. Prova Ilícita.IV. Prova Ilícita por Derivação. V. Conclusão.* Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.37


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):37-50, jan./<strong>de</strong>z. 1998I. INTRODUÇÃOO E. Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral trouxe ao direito processual pátrio,funda<strong>do</strong> no princípio constitucional da licitu<strong>de</strong> da prova, a conhecida epolêmica <strong>do</strong>utrina norte-americana <strong>do</strong>s poisonous fruits, estabelecen<strong>do</strong>que não vale como prova a escuta telefônica, não haven<strong>do</strong> lei disciplinan<strong>do</strong>o assunto, bem como tu<strong>do</strong> aquilo que se obtém a partir <strong>de</strong> tal escuta(RBCCrim n. 7, p. 176), tornan<strong>do</strong> pre<strong>do</strong>minante naquele sodalício a tese<strong>de</strong> que os elementos <strong>de</strong> convicção <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s <strong>de</strong> prova ilícita também sãoafeta<strong>do</strong>s (MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. Direito constitucional. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>:Atlas, 1997. p. 104-106).Entre a concepção processual formalística <strong>do</strong> Direito americano, fechadaàs concessões e comparações entre os bens jurídicos envolvi<strong>do</strong>s, e,<strong>de</strong> outra, a perspectiva material, bem mais flexível, <strong>do</strong> Direito alemão,sensível às circunstâncias <strong>do</strong> caso concreto, a Constituição empregou umtermo claramente indicativo <strong>de</strong> que não apenas a prova ilícita estaria vedadasem atenuantes, já que eivada <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, mas, também,a prova subseqüente obtida com fundamento na original ilícita estariaigualmente abrangida pela inadmissibilida<strong>de</strong> processual. Com tal redação,o constituinte praticamente alçou a <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong>s “Frutos da ÁrvoreEnvenenada”.Esten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> tal princípio para iluminar caminhos, diante da importânciateórica e prática que possui, ampara<strong>do</strong> no artigo 5º, incisos LVI eLXIII da Magna Carta, artigo 332 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil e 233 <strong>do</strong>Código <strong>de</strong> Processo Penal, cabem algumas pon<strong>de</strong>rações a respeito <strong>do</strong> flagranteprepara<strong>do</strong>.A prisão em flagrante traz a certeza visual <strong>do</strong> crime e é, conseqüentemente,providência acautelatória da prova <strong>de</strong> materialida<strong>de</strong> e autoria <strong>do</strong><strong>de</strong>lito 1 . Portanto, dúvida não há quanto a ser também meio <strong>de</strong> prova.1. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 8. ed. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Atlas, 1998. p. 370.39


ROQUE JERONIMO ANDRADEComo observa José Fre<strong>de</strong>rico Marques (Elementos <strong>de</strong> direito processualpenal, 2. ed. 1965, v. 2, p. 312), “a colheita acautelatória <strong>de</strong> provase indícios torna imprescindível a atribuição às autorida<strong>de</strong>s policiais <strong>de</strong>po<strong>de</strong>res coercitivos <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s a efetivar as providências ten<strong>de</strong>ntes a asseguraro êxito da informatio <strong>de</strong>licti. Sobre a pessoa <strong>do</strong> indicia<strong>do</strong>, essespo<strong>de</strong>res coercitivos, quan<strong>do</strong> impliquem em cerceamento <strong>do</strong> jus libertatis,<strong>de</strong>vem ser submeti<strong>do</strong>s a controle prévio da autorida<strong>de</strong> judiciária, salvo naprisão em flagrante”.II. FLAGRANTE PREPARADOFace a tal predica<strong>do</strong> <strong>do</strong> flagrante, o mesmo tem si<strong>do</strong> <strong>de</strong>svirtua<strong>do</strong>pelos agentes policiais quan<strong>do</strong> realizam o chama<strong>do</strong> flagrante prepara<strong>do</strong>,em patente conduta abusiva e arbitrária na investigação <strong>de</strong> crimes, ten<strong>do</strong>,inclusive, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral edita<strong>do</strong> a Súmula n. 145 para espancarqualquer dúvida sobre o tema, nos seguintes termos: “Não há crimequan<strong>do</strong> a preparação <strong>do</strong> flagrante pela polícia torna impossível a suaconsumação” (para Heleno Fragoso, uma redação mais consentânea seria:“A preparação <strong>do</strong> flagrante, como exclu<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> crime, não prescin<strong>de</strong><strong>do</strong> induzimento ou provocação pela autorida<strong>de</strong>, ou com o seu concurso”,in <strong>Revista</strong> Brasileira <strong>de</strong> Criminologia e Direito Penal,n.9,p.165en.7,p. 143).Assim, na hipótese <strong>de</strong> flagrante prepara<strong>do</strong> não há crime, pois o agenteé induzi<strong>do</strong> à prática <strong>de</strong> um ilícito pelo provoca<strong>do</strong>r (polizeilicheLockspitzel, agent provocateur, entrapment), sob duas condições:a) provocação <strong>do</strong> agente;b) tomada <strong>de</strong> providências tornan<strong>do</strong> absolutamente impossível a consumação<strong>do</strong> crime.Como ensina Nelson Hungria: “um crime que, além <strong>de</strong> astuciosamentesugeri<strong>do</strong>, tem suas conseqüências frustradas <strong>de</strong> antemão, não passa <strong>de</strong> um40


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):37-50, jan./<strong>de</strong>z. 1998crime imaginário. Não há lesão, nem efetiva exposição <strong>de</strong> perigo <strong>de</strong> qualquerinteresse público ou priva<strong>do</strong>” (Comentários ao Código Penal,2.ed.Forense, 1953, v. 1, t. 2, p. 103). Heleno Fragoso observa que nos Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s o entrapment (semelhante ao flagrante prepara<strong>do</strong>) é <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>um processo policial ilegítimo, pois a polícia existe para obstar o crime,não provocá-lo (Processo penal, 1991).Ocorre que prevalece o entendimento <strong>de</strong> que subsiste eventual <strong>de</strong>lito<strong>de</strong>scoberto, que não tenha si<strong>do</strong> provoca<strong>do</strong> pelo simula<strong>do</strong>r, ou seja, aqueleconsuma<strong>do</strong> ou em fase <strong>de</strong> consumação ou <strong>de</strong> execução permanente, cujoestímulo policial provocante seja posterior ou concomitante, sem qualquerrelação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> com a provocação.Cumpriria separar <strong>do</strong> apura<strong>do</strong> o que foi provoca<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sprezan<strong>do</strong>-o,e valorizar a conduta não provocada 2 .III. PROVA ILÍCITAMas, a utilização <strong>do</strong> flagrante prepara<strong>do</strong> pela autorida<strong>de</strong> policial para<strong>de</strong>svendar crimes, além <strong>de</strong> configurar o <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> crime putativo <strong>do</strong>Direito penal (crime <strong>de</strong> ensaio ou <strong>de</strong> experiência) também se caracterizacomo meio <strong>de</strong> prova ilícita, sen<strong>do</strong> inadmissíveis o <strong>do</strong>lo, a malícia, a torpezana captação da prova, mesmo porque, como dizia Giuseppe Bettiol, “apolícia tem a obrigação <strong>de</strong> perseguir os crimes perpetra<strong>do</strong>s e não <strong>de</strong> reprimi-los<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tê-los ardilosamente suscita<strong>do</strong> mediante frau<strong>de</strong> e engo<strong>do</strong>” 3 .Para tanto, basta cotejar o enuncia<strong>do</strong> da Súmula já referida, para<strong>de</strong>monstrar a imprestabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> apura<strong>do</strong>, quer sob o aspecto penal querprocessual penal, pois através <strong>de</strong> um crime putativo por obra <strong>de</strong> agenteprovoca<strong>do</strong>r (crime imaginário) criou-se uma prisão em flagrante abusiva,sem amparo nas hipóteses legais, para servir como meio <strong>de</strong> prova,2. JESUS, Damásio E. Conduta provocada não po<strong>de</strong> caracterizar crime. O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><strong>Paulo</strong>, Ca<strong>de</strong>rno Justiça, <strong>de</strong> 25.1.92, p. 5.3. Diritto penale. 9. ed. Pa<strong>do</strong>va: CEDAM, 1976. p. 591.41


ROQUE JERONIMO ANDRADErejeitan<strong>do</strong> o or<strong>de</strong>namento sua produção em Juízo, numa concomitância<strong>do</strong> momento da ilicitu<strong>de</strong> material e da ilegitimida<strong>de</strong> processual, sujeita àmesma sanção, coliman<strong>do</strong> como inadmissíveis processualmente todas asprovas também materialmente ilícitas.Nesse passo, “ao prescrever expressamente a inadmissibilida<strong>de</strong> processualdas provas ilícitas, a Constituição brasileira consi<strong>de</strong>ra a provamaterialmente ilícita também processualmente ilegítima, estabelecen<strong>do</strong><strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo uma sanção processual (a inadmissibilida<strong>de</strong>) para a ilicitu<strong>de</strong>material” 4 , haven<strong>do</strong> proibição <strong>de</strong> produção e proibição <strong>de</strong> valoração, estan<strong>do</strong>inseridas no conceito <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> (consoanteensinamentos <strong>de</strong> Nuvolone, cita<strong>do</strong>s e enriqueci<strong>do</strong>s pela Professora AdaPellegrini Grinover e a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s pela maioria <strong>do</strong>s <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res, a prova éilegal toda vez que a sua obtenção caracterize violação das normas legaisou <strong>de</strong> princípios gerais <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento, <strong>de</strong> natureza processual ou material,subdividin<strong>do</strong>-se em prova ilícita: contraria normas <strong>de</strong> Direito Material,quer quanto ao meio quer quanto ao mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> obtenção da prova eprova ilegítima: afronta norma <strong>de</strong> Direito Processual, tanto na produçãoquanto na introdução da prova no processo 5 ; José Celso <strong>de</strong> Mello Filho,por seu turno, afirma ser a ilicitu<strong>de</strong> da prova material, quan<strong>do</strong> diz respeitoao momento formativo <strong>de</strong>sta, e formal, quan<strong>do</strong> se refere ao momentointrodutório da mesma 6 ).“A cláusula constitucional <strong>do</strong> due process of law — que se <strong>de</strong>stina agarantir a pessoa <strong>do</strong> acusa<strong>do</strong> contra ações eventualmente abusivas <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>rPúblico — tem, no <strong>do</strong>gma da inadmissibilida<strong>de</strong> das provas ilícitas ou ilegítimas,uma <strong>de</strong> suas projeções concretiza<strong>do</strong>ras mais expressivas, na medidaem que o réu tem o impostergável direito <strong>de</strong> não ser <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong>, <strong>de</strong>não ser julga<strong>do</strong> e <strong>de</strong> não ser con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> com base em elementos instrutórios4. GRINOVER, Ada Pellegrini, Antônio Scarance Fernan<strong>de</strong>s, Antônio Magalhães Gomes Filho.As nulida<strong>de</strong>s no processo penal. 2. ed. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Malheiros, 1992. p. 113.5. GRINOVER, Ada Pellegrini. Provas ilícitas. <strong>Revista</strong> da <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><strong>Paulo</strong>, n. 16, p. 97, jun. 1980 e <strong>Revista</strong> <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong> da AASP, v. 4, n. 15, p. 33, out./<strong>de</strong>z. 1983.6. MELLO FILHO, José Celso <strong>de</strong>. A tutela judicial da liberda<strong>de</strong>, <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, <strong>São</strong><strong>Paulo</strong>, n. 526, p. 291, ago. 1979.42


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):37-50, jan./<strong>de</strong>z. 1998obti<strong>do</strong>s ou produzi<strong>do</strong>s com <strong>de</strong>srespeito aos limites impostos peloor<strong>de</strong>namento jurídico ao po<strong>de</strong>r persecutório e ao po<strong>de</strong>r investigatório <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong>. A absoluta invalida<strong>de</strong> da prova ilícita infirma-lhe, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> radical,a eficácia <strong>de</strong>monstrativa <strong>do</strong>s fatos e eventos cuja realida<strong>de</strong> materialela preten<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar. Trata-se <strong>de</strong> conseqüência que <strong>de</strong>riva, necessariamente,da garantia constitucional que tutela a situação jurídica <strong>do</strong>sacusa<strong>do</strong>s em juízo penal e que exclui, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> peremptório, a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> uso, em se<strong>de</strong> processual, da prova — <strong>de</strong> qualquer prova — cujailicitu<strong>de</strong> tenha si<strong>do</strong> reconhecida” (STF, HC n. 69.912-0/RS, rel. Min.Celso <strong>de</strong> Mello).“Segun<strong>do</strong> a <strong>do</strong>utrina, são (...) inadmissíveis as provas que sejam incompatíveiscom os princípios <strong>de</strong> respeito ao direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e à dignida<strong>de</strong>humana, os meios cuja utilização se opõem às normas regula<strong>do</strong>ras <strong>do</strong>direito que, com caráter geral, regem a vida social <strong>de</strong> um povo” 7 .“Po<strong>de</strong>-se dizer que prova ilícita é aquela obtida mediante infração a(...) preceitos constitucionais e legais; aquela que foi obtida mediante infraçãoa qualquer (...) garantia individual (violação da intimida<strong>de</strong>, da casa,da correspondência e das comunicações <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, telegráficas e telefônicas,<strong>de</strong>srespeito à integrida<strong>de</strong> física e moral, prática da tortura, ameaça,coação, indução, captação <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>) ou legal (infração a dispositivos<strong>do</strong> Código Penal, <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Telecomunicações etc.)” 8 .Ainda mais que, numa visão <strong>de</strong> ín<strong>do</strong>le constitucional, no flagranteprepara<strong>do</strong> ferem-se direitos fundamentais <strong>do</strong> indivíduo, que é obriga<strong>do</strong> afazer prova contra si próprio, <strong>de</strong> forma sub-reptícia e à sua revelia,semelhantemente a confissões e <strong>de</strong>poimentos obti<strong>do</strong>s através <strong>de</strong> processoscon<strong>de</strong>náveis, pois se o suspeito soubesse o que o provoca<strong>do</strong>r verda<strong>de</strong>iramentequeria, não teria <strong>de</strong> forma alguma correspondi<strong>do</strong> aos seus7. MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 260.8. CARVALHO, Ricar<strong>do</strong> Cintra Torres <strong>de</strong>. A inadmissibilida<strong>de</strong> da prova ilícita no processo penal:um estu<strong>do</strong> comparativo das posições brasileira e norte-americana. <strong>Revista</strong> Brasileira <strong>de</strong>Ciências Criminais, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, v. 3, n. 12, p. 176-177, out./<strong>de</strong>z. 1995.43


ROQUE JERONIMO ANDRADE<strong>de</strong>sígnios. Constitui um atenta<strong>do</strong> à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> formação e realização davonta<strong>de</strong> 9 e violação frontal <strong>de</strong> uma das garantias mais intangíveis <strong>do</strong> direito<strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa 10 : o direito ao silêncio (art. 5º, inciso LXIII da CF), corolário<strong>do</strong> princípio nemo tenetur se <strong>de</strong>tegere, escora<strong>do</strong> nos princípios da presunção<strong>de</strong> inocência, da ampla <strong>de</strong>fesa e <strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal.“Qualquer indivíduo que figure como objeto <strong>de</strong> procedimentosinvestigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica<strong>de</strong> imputa<strong>do</strong>, tem, <strong>de</strong>ntre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmenteasseguradas, o direito <strong>de</strong> permanecer cala<strong>do</strong>. Nemo teneturse <strong>de</strong>tegere. Ninguém po<strong>de</strong> ser constrangi<strong>do</strong> a confessar a prática <strong>de</strong> umilícito penal” (STF, HC n. 68.929-9/SP, rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, DJU,<strong>de</strong>28.8.92, p. 13.453 e, nesse senti<strong>do</strong>, HC n. 69.818-2/SP, rel. Min. SepúlvedaPertence, DJU, <strong>de</strong> 27.11.92, p. 22.302). O privilégio contra a autoincriminaçãoestabelece que to<strong>do</strong> suspeito <strong>de</strong> crime tem o direito <strong>de</strong> permanecerinerte e <strong>de</strong> ser adverti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que qualquer coisa que diga ou façapo<strong>de</strong>rá e será usada contra ele.Surge, então, uma questão quanto ao flagrante prepara<strong>do</strong> e à possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> persecução penal quanto ao <strong>de</strong>lito/conduta pretérito ouconcomitante não induzi<strong>do</strong>, mas trazi<strong>do</strong> à tona em <strong>de</strong>corrência da provocação,face à citada teoria <strong>do</strong>s Frutos da Árvore Envenenada.IV - PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃONessa linha <strong>de</strong> raciocínio, se a prova ilícita contamina a(s) prova(s)obtida(s) a partir <strong>de</strong>la e ambas <strong>de</strong>vem ser afastadas não só quan<strong>do</strong> servempara provar um crime, mas também quan<strong>do</strong> direta ou indiretamente possamlevar à <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> outra infração, <strong>de</strong>scabe a utilização <strong>do</strong> apura<strong>do</strong>no tocante também às condutas não provocadas pelo simula<strong>do</strong>r, se trazidas9. ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições <strong>de</strong> prova em processo penal. Coimbra:Coimbra Editora, 1992. p. 227.10. TOURINHO FILHO, Fernan<strong>do</strong> da Costa. Processo penal. 18. ed. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Saraiva, 1997.v. 3, p. 228.44


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):37-50, jan./<strong>de</strong>z. 1998à baila, <strong>de</strong>scobertas em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> flagrante prepara<strong>do</strong>, pois colhidas<strong>de</strong> forma que transgrediu princípio posto pelo Direito, num paralelismocom a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração <strong>do</strong>s elementos obti<strong>do</strong>s nas buscas <strong>do</strong>miciliares eapreensões ao arrepio da lei e interceptação <strong>de</strong> comunicação telefônicaclan<strong>de</strong>stina, a partir da qual se <strong>de</strong>scobrem outros crimes não aventa<strong>do</strong>s.Mesmo porque, quan<strong>do</strong> se proíbe um fato, implicitamente ficam veda<strong>do</strong>sto<strong>do</strong>s os meios conducentes a realizar o ato con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>, ou iludir adisposição impeditiva.Com efeito, negar que se possa consi<strong>de</strong>rar a conduta provocada, masadmitir que as informações <strong>de</strong>la obtidas possam ser aproveitadas pela autorida<strong>de</strong>— que agiu ilicitamente, para chegar a outros da<strong>do</strong>s que, semtais informações, não colheria — evi<strong>de</strong>ntemente, é estimular e não reprimiro flagrante provoca<strong>do</strong>.“Uma conclusão reforçada pela consi<strong>de</strong>ração suplementar e <strong>de</strong>cisiva<strong>de</strong> que só o efeito-à-distância po<strong>de</strong> aqui prevenir uma tão frontal comoin<strong>de</strong>sejável violação <strong>do</strong> princípio nemo tenetur se ipsum accusare. Naverda<strong>de</strong>, e como assinala BEULKE, “a valoração <strong>de</strong> meios <strong>de</strong> prova torna<strong>do</strong>spossíveis a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações obtidas à custa <strong>de</strong> coação oumeios enganosos eqüivaleria a compelir o argüí<strong>do</strong> a colaborar na sua própriacon<strong>de</strong>nação” 11 (realce <strong>do</strong> original). A liberda<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> resoluçãoe da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> participar <strong>do</strong> suspeito não po<strong>de</strong> ser prejudicada atravésda indução a agir em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> senti<strong>do</strong>.“Na posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e conseqüentementemais intransigente com os princípios e normas constitucionais,a ilicitu<strong>de</strong> da obtenção da prova transmite-se às provas <strong>de</strong>rivadas,que são igualmente banidas <strong>do</strong> processo” 12 , conforme a <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong>s fruitsof the poisoned tree encampada pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral com11. ANDRADE, Manuel da Costa, op. cit., p. 315.12. GRINOVER, Ada Pellegrini, Antônio Scarance Fernan<strong>de</strong>s e Antônio Magalhães GomesFilho, op. cit., p. 114.45


ROQUE JERONIMO ANDRADEescopo no artigo 5º, inciso LVI da Magna Carta (STF: HC n. 69.912-RS- DJU, <strong>de</strong> 25.3.94, p. 6012 - Votos <strong>do</strong>s Ministros Sepúlveda Pertence -rel. Celso <strong>de</strong> Mello e Marco Aurélio, in RBCCrim n. 7, p. 176;HC n. 73.351-SP - j. 9.5.96 e DJU, <strong>de</strong> 15.5.96 - rel. Min. Ilmar Galvão;HC n. 72.588-PB - j. 12.6.96 e DJU, <strong>de</strong> 18/06/96 - rel. Min. MaurícioCorrêa; HC n. 74.116-9 - DJU, <strong>de</strong> 14.3.97, p. 6.904 - rel. p/ Ac. Min.Maurício Corrêa).A ilicitu<strong>de</strong> original da prova transmite-se, por repercussão, a outrosda<strong>do</strong>s probatórios que nela se apoiem, <strong>de</strong>la <strong>de</strong>rivem ou nela encontrem oseu fundamento causal (na <strong>do</strong>utrina portuguesa: efeito-à-distância), contaminan<strong>do</strong>outros elementos probatórios eventualmente coligi<strong>do</strong>s, oriun<strong>do</strong>sdireta ou indiretamente <strong>de</strong> conduta inaceitável.Trata-se <strong>de</strong> situação não inédita no nosso or<strong>de</strong>namento jurídico, comopo<strong>de</strong>mos observar no sistema das nulida<strong>de</strong>s no direito processual penal,que a<strong>do</strong>tou o princípio da causalida<strong>de</strong>, aliás, como reza o artigo 573, § 1º<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Penal: “A nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um ato, uma vez <strong>de</strong>clarada,causará a <strong>do</strong>s atos que <strong>de</strong>le diretamente <strong>de</strong>pendam ou sejam conseqüência”,contaminan<strong>do</strong> as provas em si mesmas lícitas, mas produzidas a partir<strong>de</strong> outra ilegalmente obtida.“A regra <strong>de</strong> exclusão como única forma <strong>de</strong> garantir o respeito a direitosindividuais constitucionalmente assegura<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> evitar que os Tribunaisse tornem ‘cúmplices da ilegalida<strong>de</strong>’, e <strong>de</strong> assegurar ao povo queo Governo ou agirá <strong>de</strong>ntro da lei, ou não terá benefícios quan<strong>do</strong> agirfora <strong>de</strong>la” 13 .A Exclusionary Rule — consi<strong>de</strong>rada essencial pela Jurisprudência daSuprema Corte <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s na <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s limites da ativida<strong>de</strong>probatória <strong>de</strong>senvolvida pela Polícia e pelo Ministério Público — <strong>de</strong>stinase,na abrangência <strong>de</strong> seu conteú<strong>do</strong>, a proteger, pelo banimento processual<strong>de</strong> evidências ilicitamente coligidas, os réus criminais contra a ilegítimaprodução ou a ilegal colheita <strong>de</strong> prova incrimina<strong>do</strong>ra.13. CARVALHO, Ricar<strong>do</strong> Cintra Torres <strong>de</strong>, op. cit., p. 172.46


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):37-50, jan./<strong>de</strong>z. 1998Na obra Direito à prova no processo penal, o Professor AntonioMagalhães Gomes Filho afirma “ser impossível negar a priori a contaminaçãosecundária pela ilicitu<strong>de</strong> inicial, não somente por um critério <strong>de</strong>causalida<strong>de</strong>, mas principalmente em razão da finalida<strong>de</strong> com que sãoestabelecidas as proibições em análise; <strong>de</strong> nada valeriam tais restrições àadmissibilida<strong>de</strong> da prova se, por via <strong>de</strong>rivada, informações colhidas a partir<strong>de</strong> uma violação ao or<strong>de</strong>namento pu<strong>de</strong>ssem servir ao convencimento<strong>do</strong> juiz; nessa matéria importa ressaltar o elemento profilático, evitan<strong>do</strong>secondutas atentatórias aos direitos fundamentais e à própria administraçãocorreta e leal da justiça penal.” (<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais,1997, p. 110).Não mais vige, em toda sua inteireza, o princípio da busca da verda<strong>de</strong>real, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que <strong>de</strong>vem ser impostas algumas restrições à obtenção daprova, a fim <strong>de</strong> que sejam respeita<strong>do</strong>s os direitos personalíssimos e osdireitos fundamentais. Ensina Heleno Fragoso, em trecho <strong>de</strong> sua obra JurisprudênciaCriminal, ser: “Indubitável que a prova ilícita, entre nós, nãose reveste da necessária i<strong>do</strong>neida<strong>de</strong> jurídica como meio <strong>de</strong> formação <strong>do</strong>convencimento <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>r, razão pela qual <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>sprezada, aindaque em prejuízo da apuração da verda<strong>de</strong>, no prol <strong>do</strong> i<strong>de</strong>al maior <strong>de</strong> umprocesso justo, condizente com o respeito <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a direitos e garantiasfundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao queé representa<strong>do</strong> pelo interesse que tem a socieda<strong>de</strong> numa eficaz repressãoaos <strong>de</strong>litos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>direito <strong>de</strong>mocrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem,na busca da verda<strong>de</strong>, limitações impostas por valores mais altos quenão po<strong>de</strong>m ser viola<strong>do</strong>s” (apud STF, Ação Penal n. 307-3-DF, Plenário,rel. Min. Ilmar Galvão, DJU, <strong>de</strong> 13.10.95).V - CONCLUSÃODesta forma, numa perspectiva constitucional, a conduta nãoprovocada, mas evi<strong>de</strong>nciada através <strong>do</strong> flagrante prepara<strong>do</strong> — condutaprobatória fraudulenta a contaminar to<strong>do</strong> o apura<strong>do</strong>, por atingir o47


ROQUE JERONIMO ANDRADEor<strong>de</strong>namento substantivo e instrumental penal — não po<strong>de</strong> subsistir, mesmoporque provas ilícitas e obtidas por engo<strong>do</strong> são incompatíveis com aprópria noção <strong>de</strong> processo (que ten<strong>de</strong> à realização <strong>do</strong> Direito, não apenasà <strong>de</strong>scoberta da verda<strong>de</strong>).O combate à criminalida<strong>de</strong> só po<strong>de</strong> ser feito a partir <strong>de</strong> uma posiçãoeminentemente ética 14 , removen<strong>do</strong> incentivos ao <strong>de</strong>srespeito e como eficientemeio <strong>de</strong> se evitar ações policiais ilegais, como um imperativo daintegrida<strong>de</strong> judicial e <strong>de</strong> que o Esta<strong>do</strong>-Administração não obterá benefícios<strong>de</strong> seu comportamento ilegal — a influenciar a conduta policial futuracom investigação cuida<strong>do</strong>sa e sem <strong>de</strong>sídia — a tranqüilizar os inocentese a socieda<strong>de</strong>.“Especialmente na área criminal, em que se cuida <strong>de</strong> restaurar a or<strong>de</strong>mviolada pelo <strong>de</strong>lito, seria inconcebível que o Esta<strong>do</strong>, para impor apena, se utilizasse <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s que não levassem em conta a proteção <strong>do</strong>smesmos valores tutela<strong>do</strong>s pela norma material. Semelhante contradiçãocomprometeria o próprio fundamento da sanção criminal e, em conseqüência,a legitimação <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o sistema punitivo.” 15Indispensável que, no medir os seus próprios po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> investigação,a conduta <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, para ser justificada, não resulte em romper abalança ou o equilíbrio que <strong>de</strong>ve ser manti<strong>do</strong> entre estes po<strong>de</strong>res e osdireitos <strong>do</strong>s indivíduos (essencialmente constitucionais, por estar na baseda problemática das provas ilícitas e <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong> um problema <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong>,liberda<strong>de</strong>, dignida<strong>de</strong> humana etc., que, no fun<strong>do</strong>, resulta <strong>de</strong> um interessetambém coletivo em garantir direitos essenciais para a perpetuação<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito 16 ), pois uns e outros são igualmente essenciais àestrutura constitucional <strong>do</strong> regime.14. BARROS, Adherbal <strong>de</strong>. A investigação criminosa da prova. <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,n. 504, p. 288, out. 1977.15. GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong><strong>do</strong>s Tribunais, 1997. p. 99.16. BARANDIER, Márcio Gaspar. A prova ilícita no processo penal: breves comentários. <strong>Revista</strong>Brasileira <strong>de</strong> Ciências Criminais, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, v. 1, n. 2, p. 73, abr./jun. 1993.48


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):37-50, jan./<strong>de</strong>z. 1998Tu<strong>do</strong> po<strong>de</strong> ser apura<strong>do</strong> e prova<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s limites constitucionaise legais, e, sobretu<strong>do</strong>, com respeito aos direitos individuais <strong>de</strong> quem querque seja. Afirmar o contrário é menosprezar a competência <strong>de</strong> quem investigae menosprezar direitos duramente conquista<strong>do</strong>s pelo Homem, como sério risco <strong>de</strong> se justificar práticas con<strong>de</strong>náveis, tristemente comuns emnosso país, per<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se fatalmente o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> qualquer limite. Ressaltese,a<strong>de</strong>mais, que o flagrante prepara<strong>do</strong> é pratica<strong>do</strong> sempre contra os suspeitosextraí<strong>do</strong>s das mais <strong>de</strong>sfavorecidas classes sociais, em clara atitu<strong>de</strong>discriminatória.A preocupação com a preservação <strong>do</strong>s direitos individuais é fundamentalpara a sobrevivência da <strong>de</strong>mocracia, não mero capricho. O óbiceque aqui levantamos é o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa preocupação, mesmo que obriguea uma <strong>de</strong>cisão contra conscientiam e por mais relevantes que sejam osfatos por ela apura<strong>do</strong>s, por subsumir-se no conceito <strong>de</strong>inconstitucionalida<strong>de</strong>, porque — eis o ponto principal — não mais importaapenas a convicção, mas o mo<strong>do</strong> pelo qual se buscou essa convicção,que passa a ser igualmente sindicável, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se consagrou o princípioda licitu<strong>de</strong> da prova 17 , máxime porque o direito <strong>de</strong> prova, meramente adjetivo,não se sobrepõe às garantias individuais <strong>de</strong> natureza constitucional-substantiva(JTACrim, n. 53, p. 247).Os princípios e as normas constitucionais relevantes para o processotêm dimensão <strong>de</strong> garantia, uma dimensão que interessa à or<strong>de</strong>m pública eà boa condução <strong>do</strong> processo, e a contrarieda<strong>de</strong> a essas normas constitucionais,<strong>de</strong> relevância processual, acarreta sempre a ineficácia <strong>do</strong> ato processual,seja por nulida<strong>de</strong> absoluta, seja pela própria inexistência 18 . As leisprocessuais são o complemento necessário das leis constitucionais; as formalida<strong>de</strong>s<strong>do</strong> processo são as atualida<strong>de</strong>s das garantias constitucionais.17. KNIJNIK, Danilo. A “Doutrina <strong>do</strong>s frutos da árvore venenosa” e os discursos da SupremaCorte na <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> 16.12.93. Ajuris, Porto Alegre, v. 23, n. 66, p. 61, mar. 1996.18. GRINOVER, Ada Pellegrini. A eficácia <strong>do</strong>s atos processuais à luz da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<strong>Revista</strong> da <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, n. 37, p. 33, jun. 1992.49


ROQUE JERONIMO ANDRADEPor <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro, ainda será necessário analisar e enfrentar o vetustoflagrante prepara<strong>do</strong>, não como reminiscência, mas como prática corriqueira,agora sob a ótica da prova ilícita e <strong>de</strong>rivada, a qual vem ganhan<strong>do</strong>espaço entre as preocupações fundamentais <strong>do</strong> direito processual mo<strong>de</strong>rno,em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da tecnologia, com seu caudal<strong>de</strong> reflexos negativos no tocante à violação <strong>do</strong>s direitos, o que não <strong>de</strong>ixa<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar o quanto teremos <strong>de</strong> caminhar rumo à concretização <strong>do</strong>sdireitos e garantias individuais.50


AGÊNCIAS REGULADORASEurico <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>*Sumário: 1. Introdução. 2. Autarquias sob regime especial. 3. AgênciasRegula<strong>do</strong>ras Fe<strong>de</strong>rais. 4. Agência Regula<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s Serviços <strong>de</strong> Energia <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. 5. Conclusões.* Advoga<strong>do</strong>, Professor Universitário e Procura<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Justiça aposenta<strong>do</strong>.51


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):51-64, jan./<strong>de</strong>z. 19981. INTRODUÇÃOA política <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> intervencionista — em contraposição ao Esta<strong>do</strong>liberal — gerou duas conseqüências graves: a) o crescimento <strong>de</strong>smesura<strong>do</strong><strong>do</strong> aparelho administrativo estatal, sobretu<strong>do</strong> <strong>de</strong> empresas públicas esocieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia mista e suas subsidiárias; b) o esgotamento dacapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investimento <strong>do</strong> setor público, ocasionan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>terioração<strong>do</strong>s serviços públicos em geral. Tais circunstâncias levaram o Governo aimplantar o Programa Nacional <strong>de</strong> Desestatização (Lei n. 8.031/90,reformula<strong>do</strong> pela Lei n. 9.491/97), ten<strong>do</strong> como uma <strong>de</strong> suas metas reor<strong>de</strong>nara posição estratégica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na economia, transferin<strong>do</strong> à iniciativa privadatodas as ativida<strong>de</strong>s que por ela possam ser bem executadas, <strong>de</strong> formaa permitir que a Administração se <strong>de</strong>dique principalmente ao atendimentodas necessida<strong>de</strong>s fundamentais da população.Esta nova visão da atuação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na economia, com a diminuição<strong>de</strong> sua participação direta na prestação <strong>de</strong> serviços, impõe, por outrola<strong>do</strong>, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fortalecimento <strong>de</strong> sua função regula<strong>do</strong>ra efiscaliza<strong>do</strong>ra. E, para esse fim, é indispensável que reestruture a sua administração,<strong>de</strong> maneira a po<strong>de</strong>r controlar eficientemente as empresas privadasque venham a assumir a prestação <strong>do</strong>s serviços públicos. Comoobserva Juarez Freitas, “as empresas vêm se reestruturan<strong>do</strong>, <strong>de</strong> forma queo Po<strong>de</strong>r Público, por igual, vê-se obriga<strong>do</strong> a fazê-lo.” 1Nesse senti<strong>do</strong>, algumas premissas básicas <strong>de</strong>vem ser firmadas paraque o órgão regula<strong>do</strong>r possa atuar eficazmente no exercício das funçõesregula<strong>do</strong>ra e fiscaliza<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>:- necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> possuir ampla autonomia técnica, administrativa efinanceira, <strong>de</strong> maneira a ficar, tanto quanto possível, imune às injunçõespolítico-partidárias, aos entraves burocráticos e à falta <strong>de</strong> verbasorçamentárias;1. FREITAS, Juarez. Estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> direito administrativo. 2. ed. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Malheiros, 1997.p. 37.53


EURICO DE ANDRADE AZEVEDO- necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expedir normas operacionais e <strong>de</strong> serviço, <strong>de</strong> formaa po<strong>de</strong>r acompanhar o ritmo extraordinário <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimentotecnológico e o atendimento das <strong>de</strong>mandas populares;- necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicar sanções com rapi<strong>de</strong>z, respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> aos reclamosda população e às exigências <strong>do</strong> serviço.- necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> associar a participação <strong>do</strong>s usuários no controle efiscalização <strong>do</strong> serviço.Diante <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>, escolheu o Governo a figura da autarquiapara criar as <strong>de</strong>nominadas Agências Regula<strong>do</strong>ras, outorgan<strong>do</strong>-lhes, entretanto,privilégios específicos, motivo pelo qual <strong>de</strong>nominou-as <strong>de</strong>autarquias sob regime especial.2. AUTARQUIAS SOB REGIME ESPECIALNos termos <strong>do</strong> Decreto-Lei n. 200/67, a autarquia é <strong>de</strong>finida como“o serviço autônomo, cria<strong>do</strong> por lei, com personalida<strong>de</strong> jurídica, patrimônioe receita próprios para executar ativida<strong>de</strong>s típicas da Administração Pública,que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativae financeira <strong>de</strong>scentralizada.” (art. 5º, I).A <strong>de</strong>finição legal peca por <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> explicitar que a personalida<strong>de</strong>jurídica é <strong>de</strong> direito público — característica básica da autarquia — mas<strong>de</strong>ixa claro que se <strong>de</strong>stina a exercer ativida<strong>de</strong>s típicas da Administração <strong>de</strong>forma <strong>de</strong>scentralizada, que exijam autonomia administrativa e financeira.Na lição <strong>de</strong> Hely Lopes Meirelles, “A autarquia não age por <strong>de</strong>legação,age por direito próprio e com autorida<strong>de</strong> pública, na medida <strong>do</strong> jusimperii que lhe foi outorga<strong>do</strong> pela lei que a criou. Como pessoa jurídica<strong>de</strong> Direito Público interno, a autarquia traz ínsita, para a consecução <strong>de</strong>seus fins, uma parcela <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r estatal que lhe <strong>de</strong>u vida. Sen<strong>do</strong> um enteautônomo, não há subordinação hierárquica da autarquia para com a54


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):51-64, jan./<strong>de</strong>z. 1998entida<strong>de</strong> estatal a que pertence, porque, se isto ocorresse, anularia seucaráter autárquico. Há mera vinculação à entida<strong>de</strong> matriz que, por isso,passa a exercer um controle legal, expresso no po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> correção finalística<strong>do</strong> serviço autárquico.” 2Lamentavelmente, porém, no <strong>de</strong>correr <strong>do</strong>s anos o controle finalísticodas autarquias (controle <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s) foi sen<strong>do</strong> substituí<strong>do</strong> pelo controle<strong>do</strong>s meios <strong>de</strong> sua atuação (admissão <strong>de</strong> funcionários, folha salarial, licitaçõesetc.), resultan<strong>do</strong> no engessamento <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> tal sorteque pouco se distinguiam as autarquias <strong>de</strong> um <strong>de</strong>partamento da administraçãodireta. Daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se encontrar novos caminhos para escapar<strong>de</strong>ssas restrições genéricas que, visan<strong>do</strong> a coibir <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s abusos,acabaram por emperrar a entida<strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralizada.A solução encontrada foi a criação da autarquia sob regime especial,que se distingue da autarquia comum apenas por lhe conferir a leimaiores privilégios, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a ampliar a sua autonomia e possibilitar ocumprimento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>de</strong> suas finalida<strong>de</strong>s.No âmbito fe<strong>de</strong>ral, a autarquia <strong>de</strong> regime especial mais conhecida é oBanco Central <strong>do</strong> Brasil (Lei n. 4.595/64) e agora surgem as AgênciasRegula<strong>do</strong>ras, criadas para o controle e a fiscalização <strong>do</strong>s serviços públicosconcedi<strong>do</strong>s — ativida<strong>de</strong>s típicas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> — mas atuan<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma<strong>de</strong>scentralizada, com autonomia técnica, administrativa e financeira.3. AS AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS3.1. A Agência Nacional <strong>de</strong> Energia Elétrica - ANEELA Agência Nacional <strong>de</strong> Energia Elétrica - ANEEL (Lei n. 9.427, <strong>de</strong>26.2.96) foi a primeira autarquia sob regime especial instituída pelo2. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. atualizada por Eurico <strong>de</strong>Andra<strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> e outros. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Malheiros, 1998. p. 298.55


EURICO DE ANDRADE AZEVEDOgoverno fe<strong>de</strong>ral, nesta fase <strong>de</strong> privatização <strong>do</strong>s serviços públicos, no senti<strong>do</strong><strong>de</strong> transferir a sua execução para o setor priva<strong>do</strong>, porque o serviçonão <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser público. Embora o concessionário explore o serviço emseu nome, por sua conta e risco, a titularida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mesmo continua a ser <strong>do</strong>Po<strong>de</strong>r Público, que po<strong>de</strong>rá retomá-lo a qualquer tempo, obe<strong>de</strong>ci<strong>do</strong>s ostrâmites legais.O setor <strong>de</strong> energia elétrica é bastante complexo e não foi trata<strong>do</strong> emuma única lei, como as telecomunicações. Uma primeira parte veio cuidadana Lei n. 9.074, <strong>de</strong> 7.6.95, resultante da conversão da Medida Provisórian. 890, <strong>de</strong> 13.2.95, da mesma data da Lei n. 8.987/95, a Lei <strong>Geral</strong> dasConcessões. Posteriormente, foi promulgada a Lei n. 9.427/96, que instituiua ANEEL, e mais recentemente a Lei n. 9.648, <strong>de</strong> 27.5.98, que introduziuvárias modificações naqueles três primeiros diplomas, em especialno setor elétrico. Agora, foram edita<strong>do</strong>s o Decreto n. 2.655, <strong>de</strong> 2.7.98,que regulamenta o merca<strong>do</strong> atacadista <strong>de</strong> energia elétrica (MAE) e aindaa Resolução n. 233, <strong>de</strong> 14.7.98, da própria ANEEL, que aprova os procedimentos<strong>de</strong>cisórios da Agência e os respectivos recursos. Esta norma é<strong>de</strong> fundamental importância para os agentes econômicos <strong>do</strong> setor e osusuários <strong>do</strong>s serviços, porque os atos da Agência são atos administrativos,sujeitan<strong>do</strong>-se aos mesmos princípios e controles <strong>do</strong>s atos administrativosem geral.A finalida<strong>de</strong> da ANEEL é regular e fiscalizar a produção, transmissão,distribuição e comercialização <strong>de</strong> energia elétrica, em conformida<strong>de</strong>com as políticas e diretrizes <strong>do</strong> governo fe<strong>de</strong>ral. Além <strong>de</strong> ficar responsávelpelos encargos <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte previstos nos artigos 29 e 30 da Lein. 8.987/95, a ela incumbe:- expedir os atos regulamentares necessários ao cumprimento dasnormas legais pertinentes ao setor elétrico;- promover as licitações, efetuar as concessões, permissões e autorizaçõesno âmbito <strong>de</strong> sua competência, bem como celebrar e gerir os respectivoscontratos;56


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):51-64, jan./<strong>de</strong>z. 1998- <strong>de</strong>finir o aproveitamento ótimo <strong>do</strong> potencial hidrelétrico, sem oque não po<strong>de</strong>rá ser licita<strong>do</strong>;- dirimir as divergências entre concessionárias, permissionárias, autorizadas,produtores in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e autoprodutores, bem entre essesagentes e seus consumi<strong>do</strong>res;- zelar pelo cumprimento da legislação <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da concorrência,po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> estabelecer restrições para impedir a concentração econômicanos serviços e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> energia elétrica;- <strong>de</strong>clarar a utilida<strong>de</strong> pública, para fins <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação ou instituição<strong>de</strong> servidão administrativa das áreas necessárias aos concessionários,permissionários e autoriza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> energia elétrica.Como se vê, os po<strong>de</strong>res da ANEEL são amplos e, para esse fim, suaDiretoria, composta <strong>de</strong> um Diretor <strong>Geral</strong> e quatro Diretores, goza <strong>de</strong> autonomia,com mandato <strong>de</strong> quatro anos, nomea<strong>do</strong>s pelo Presi<strong>de</strong>nte da República,mediante prévia aprovação <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong> Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 52, III,“f”). A administração da Diretoria será objeto <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> gestão, cujascláusulas servirão <strong>de</strong> referência para o controle <strong>de</strong> sua atuação.A autonomia financeira é resguardada basicamente pelos recursosoriun<strong>do</strong>s da taxa <strong>de</strong> fiscalização <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> energia elétrica, instituídapela mesma Lei n. 9.427/96.Outro ponto importante é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização <strong>de</strong>suas ativida<strong>de</strong>s, mediante convênios <strong>de</strong> cooperação com os Esta<strong>do</strong>s e oDistrito Fe<strong>de</strong>ral. Daí por que <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> já criou a sua Comissão <strong>de</strong> ServiçosPúblicos <strong>de</strong> Energia, cujo diploma examinaremos abaixo.3.2. A Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações - ANATELA organização <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> telecomunicações e a criação da respectivaentida<strong>de</strong> regula<strong>do</strong>ra foram objeto <strong>de</strong> uma lei única, redigida com57


EURICO DE ANDRADE AZEVEDOmaior exação e juridicida<strong>de</strong>, já que resultou <strong>de</strong> minuta preparada peloeminente administrativista Carlos Ary Sundfeld, em que os va-ria<strong>do</strong>s aspectosda matéria são cuida<strong>do</strong>s com a <strong>de</strong>vida atenção (Lein. 9.472, <strong>de</strong> 16.7.97).Merece referência especial a distinção feita a propósito <strong>do</strong> regimejurídico que presi<strong>de</strong> a organização daqueles serviços, entre regime públicoe regime priva<strong>do</strong>: o primeiro é o presta<strong>do</strong> mediante concessão ou permissão,com atribuição à sua presta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> obrigações <strong>de</strong> universalizaçãoe <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>; o segun<strong>do</strong> é presta<strong>do</strong> mediante autorização e se insereentre as ativida<strong>de</strong>s baseadas nos princípios constitucionais da exploraçãoeconômica livre e competitiva. A autorização mencionada, contu<strong>do</strong>, éato administrativo vincula<strong>do</strong> e não terá sua vigência condicionada atermo final, extinguin<strong>do</strong>-se nos casos previstos na lei.A Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações é criada sob a forma <strong>de</strong>autarquia <strong>de</strong> regime especial, caracterizada pela in<strong>de</strong>pendência administrativa,ausência <strong>de</strong> subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilida<strong>de</strong><strong>de</strong> seus dirigentes e autonomia financeira. A sua extinção somentepo<strong>de</strong>rá ocorrer por lei específica.A autonomia financeira é assegurada pela administração <strong>do</strong> Fun<strong>do</strong> <strong>de</strong>Fiscalização das Telecomunicações - FISTEL, cria<strong>do</strong> pela Lei n. 5.070, <strong>de</strong>7.7.66, cuja receita é composta <strong>de</strong> várias origens, inclusive por aquelas<strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte. No campo da execuçãoorçamentária, a Agência não po<strong>de</strong>rá sofrer limites na movimentação <strong>de</strong>seus valores e empenhos, o que é <strong>de</strong> suma importância para a execução <strong>do</strong>programa da autarquia, mas não impe<strong>de</strong> os cortes gerais <strong>de</strong> verbas noexercício financeiro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que aprova<strong>do</strong>s por lei.O órgão superior da Agência é o Conselho Diretor, composto porcinco membros, to<strong>do</strong>s com mandato <strong>de</strong> cinco anos, nomea<strong>do</strong>s pelo Presi<strong>de</strong>nteda República, com aprovação prévia pelo Sena<strong>do</strong> Fe<strong>de</strong>ral (CF,art. 52, III, “f”). Prevê-se ainda a existência <strong>de</strong> um Conselho Consultivo,58


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):51-64, jan./<strong>de</strong>z. 1998integra<strong>do</strong> por representantes <strong>do</strong> Congresso Nacional, entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classedas presta<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> telecomunicações, entida<strong>de</strong>s representantes<strong>do</strong>s usuários e entida<strong>de</strong>s representativas da socieda<strong>de</strong>, na forma quedispuser o regulamento.A Agência possui po<strong>de</strong>res normativos, <strong>de</strong>ntro da esfera <strong>de</strong> sua competênciae exercerá todas as atribuições afetas ao Po<strong>de</strong>r Executivo nomister <strong>de</strong> regular, controlar e fiscalizar os serviços <strong>de</strong> telecomunicações.3.3. A Agência Nacional <strong>de</strong> Petróleo - ANPA situação da Agência Nacional <strong>do</strong> Petróleo (Lei n. 9.478, <strong>de</strong> 6.8.98)é diferente das <strong>de</strong>mais quanto ao seu objeto. Ela não regula, nem controlaou fiscaliza um serviço público. A pesquisa, lavra e refinação <strong>do</strong> petróleonão constituem serviço público, mas sim ativida<strong>de</strong>s econômicas monopolizadaspela União. Antes da Emenda Constitucional n. 9, <strong>de</strong> 9.11.95, nãopodia a União ce<strong>de</strong>r ou conce<strong>de</strong>r qualquer tipo <strong>de</strong> participação, em espécieou em valor, na exploração das jazidas <strong>de</strong> petróleo ou gás natural. APartir daquela Emenda, foi faculta<strong>do</strong> à União contratar com empresasestatais ou privadas a realização das ativida<strong>de</strong>s previstas nos incisos <strong>de</strong> I aIV <strong>do</strong> artigo 177 da CF. Para esse fim, foi editada a Lei n. 9.478, <strong>de</strong>6.8.98, estabelecen<strong>do</strong> as diretrizes gerais da política energética nacional ecrian<strong>do</strong> a Agência Nacional <strong>do</strong> Petróleo, isto porque, embora não constituin<strong>do</strong>serviço público, a exploração da indústria <strong>do</strong> petróleo é absolutamenteessencial à economia da socieda<strong>de</strong>.Por essa razão, a ANP foi criada também sob forma autárquicaespecial, com todas as características <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência das outras duasAgências já referidas, mas com a finalida<strong>de</strong> básica <strong>de</strong> promover aregulação, a contratação e a fiscalização das ativida<strong>de</strong>s econômicasintegrantes da indústria <strong>do</strong> petróleo. Embora não constituin<strong>do</strong> funçãotípica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> — por se tratar <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> econômica — o legisla<strong>do</strong>renten<strong>de</strong>u instituir uma agência regula<strong>do</strong>ra po<strong>de</strong>rosa, para po<strong>de</strong>r controlaruma ativida<strong>de</strong> que, por sua relevância econômica, a Constituição reservouao Esta<strong>do</strong>.59


EURICO DE ANDRADE AZEVEDOO regimento da ANP <strong>de</strong>verá dispor sobre os procedimentos a serema<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s para a solução <strong>do</strong>s conflitos entre os agentes econômicos e entreestes e os usuários e consumi<strong>do</strong>res, com ênfase na conciliação e noarbitramento. Ao mesmo tempo, é assegura<strong>do</strong> a qualquer <strong>de</strong>les o acessoàs gravações eletrônicas das Reuniões da Diretoria que <strong>de</strong>cidirem taisquestões.4. A AGÊNCIA REGULADORA DOS SERVIÇOS DEENERGIA DO ESTADO DE SÃO PAULOO Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, por meio <strong>de</strong> suas empresas (CESP, CPFL eELETROPAULO), era praticamente o único concessionário da produção,transmissão e distribuição <strong>de</strong> energia elétrica no território <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.Com a política <strong>de</strong> privatização traçada pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral e a proposta<strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização efetuada pela Lei cria<strong>do</strong>ra da Agência Nacional <strong>de</strong>Energia Elétrica, o Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> tomou a iniciativa <strong>de</strong> instituir a suaentida<strong>de</strong> autárquica regula<strong>do</strong>ra, fazen<strong>do</strong>-o pela Lei Complementar n. 833,<strong>de</strong> 17.10.97, com a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Comissão <strong>de</strong> Serviços Públicos <strong>de</strong>Energia — CSPE, regulamentada pelo Decreto n. 43.036, <strong>de</strong> 14.4.98.<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> não a<strong>do</strong>tou a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Agência, preferin<strong>do</strong> utilizaro nome <strong>de</strong> Comissão, constituída por um Conselho Deliberativo, e umadiretoria executiva chamada <strong>de</strong> Comissaria<strong>do</strong> e composta <strong>de</strong> um Comissário<strong>Geral</strong> (o representante da entida<strong>de</strong>) e <strong>do</strong>is Comissários-Chefes, umpara a área comercial e <strong>de</strong> tarifas e outro para a área técnica e <strong>de</strong> concessões.Talvez a intenção tenha si<strong>do</strong> fugir da padronização das autarquias,mas a lei falhou em não mencionar expressamente o seu caráter especial,embora lhe tenha outorga<strong>do</strong> satisfatória autonomia técnica, administrativae financeira.O Conselho Deliberativo tem po<strong>de</strong>res bastante amplos e consi<strong>de</strong>rávelrepresentativida<strong>de</strong>: além <strong>do</strong> Comissário <strong>Geral</strong> e três membros <strong>de</strong> livreescolha <strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r, integram o Conselho: um representante <strong>do</strong>PROCON; um da socieda<strong>de</strong> civil; <strong>do</strong>is das empresas presta<strong>do</strong>ras <strong>de</strong>60


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):51-64, jan./<strong>de</strong>z. 1998serviços <strong>de</strong> energia no Esta<strong>do</strong> (um <strong>do</strong> setor elétrico e outro <strong>do</strong> gás canaliza<strong>do</strong>);<strong>do</strong>is <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res naquelas empresas; um <strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res daprópria CSPE; um da Fe<strong>de</strong>ração das Indústrias; e um da Fe<strong>de</strong>ração <strong>do</strong>Comércio.Tanto os membros <strong>do</strong> Comissaria<strong>do</strong> como os <strong>do</strong> Conselho possuemmandato <strong>de</strong> quatro anos, só po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser reconduzi<strong>do</strong>s uma única vez.É <strong>de</strong> notar que a competência da CSPE compreen<strong>de</strong> a regulamentação,o controle e a fiscalização <strong>de</strong> <strong>do</strong>is ramos da distribuição <strong>de</strong> energia:elétrica, por <strong>de</strong>legação da ANEEL, por se tratar <strong>de</strong> serviço público <strong>de</strong>competência fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 21, XII, “a”); e gás canaliza<strong>do</strong>, <strong>de</strong> competênciaoriginária <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> por força <strong>do</strong> artigo 25, § 2º, da ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral.A lei paulista dá especial relevo à proteção ao consumi<strong>do</strong>r, a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong>as seguintes diretrizes: a) proibição <strong>de</strong> discriminação no uso e acesso àenergia; b) proteção no que diz respeito aos preços, continuida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong><strong>do</strong>s serviços; c) aplicação <strong>de</strong> meto<strong>do</strong>logias que proporcionem a a<strong>do</strong>ção<strong>de</strong> tarifas a<strong>de</strong>quadas ao padrão econômico da população; d) garantia<strong>de</strong> amplo acesso da socieda<strong>de</strong> a informações sobre a prestação <strong>do</strong>s serviçospúblicos <strong>de</strong> energia e sobre as ativida<strong>de</strong>s da autarquia. Paralelamente,a CSPE <strong>de</strong>verá criar um Serviço <strong>de</strong> Ouvi<strong>do</strong>ria, para aten<strong>de</strong>r as queixas<strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res.Bem é <strong>de</strong> ver, contu<strong>do</strong>, que as atribuições da CSPE com relação aocontrole <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> energia elétrica é restrita à <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>resrecebi<strong>do</strong>s da ANEEL. Há <strong>de</strong> se examinar sempre o convênio entre asduas entida<strong>de</strong>s para verificar se a matéria em <strong>de</strong>bate se encontra entre asatribuições <strong>de</strong>legadas.A autonomia financeira da autarquia é assegurada não só pelas <strong>do</strong>taçõesorçamentárias que lhe forem transferidas, como também pelos recursosoriun<strong>do</strong>s da taxa <strong>de</strong> fiscalização (criada pela própria lei, art. 13), a61


EURICO DE ANDRADE AZEVEDOser paga pelos concessionários, permissionários e autoriza<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s serviços<strong>de</strong> energia, taxa essa fixada anualmente pelo Conselho Deliberativo eque não po<strong>de</strong>rá exce<strong>de</strong>r a 0,5% (cinco décimos por cento) da receita brutaanual obtida da exploração <strong>do</strong> serviço. É óbvio que essa taxa se refereaos serviços <strong>de</strong> gás canaliza<strong>do</strong>, visto que os serviços <strong>de</strong> energia elétrica jásão tributa<strong>do</strong>s pela Lei cria<strong>do</strong>ra da ANEEL. Para os serviços <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s àCSPE pela ANEEL, esta <strong>de</strong>verá repassar à autarquia paulista um percentualda taxa recolhida por aquela Agência fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong>s agentes <strong>do</strong> setor <strong>de</strong> energiaelétrica que atuam no Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> (cláusula convenial).5. CONCLUSÕES5.1. As Agências Regula<strong>do</strong>ras fe<strong>de</strong>rais foram criadas como autarquiassob regime especial, regime este caracteriza<strong>do</strong> pelo conjunto <strong>de</strong> privilégiosespecíficos que a lei outorga à entida<strong>de</strong> para a consecução <strong>de</strong> seusfins.5.2. Esses privilégios caracterizam-se basicamente pela estabilida<strong>de</strong><strong>de</strong> seus dirigentes (mandato fixo), autonomia financeira (renda própria eliberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua aplicação) e po<strong>de</strong>r normativo (regulamentação das matérias<strong>de</strong> sua competência, sem invadir as chamadas reservas da lei).5.3. Enten<strong>de</strong>u-se indispensável a outorga <strong>de</strong> amplos po<strong>de</strong>res a essasautarquias, ten<strong>do</strong> em vista a enorme relevância <strong>do</strong>s serviços públicos porelas regula<strong>do</strong>s, para o <strong>de</strong>senvolvimento global <strong>do</strong> País, como também <strong>do</strong>envolvimento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosos grupos econômicos (nacionais e estrangeiros)que assumiram a prestação daqueles serviços.5.4. Essas três Agências Regula<strong>do</strong>ras possuem aspectos comuns ealguns específicos, em face da natureza <strong>do</strong>s serviços ou ativida<strong>de</strong>s porelas controla<strong>do</strong>s, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>s os seguintes:- os administra<strong>do</strong>res possuem mandato, só po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser <strong>de</strong>stituí<strong>do</strong>spor con<strong>de</strong>nação judicial transitada em julga<strong>do</strong>; improbida<strong>de</strong> administrativa;ou <strong>de</strong>scumprimento injustifica<strong>do</strong> das políticas estabelecidas para o setorou pelo contrato <strong>de</strong> gestão;62


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):51-64, jan./<strong>de</strong>z. 1998- nomeação <strong>do</strong>s dirigentes pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, com préviaaprovação <strong>do</strong>s nomes pelo Sena<strong>do</strong> Fe<strong>de</strong>ral, nos termos <strong>do</strong> artigo 52, incisoIII, alínea f, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral;- edição <strong>de</strong> normas sobre matérias <strong>de</strong> sua competência;- vedação ao ex-dirigente, até um ano <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o cargo, <strong>de</strong>representar qualquer interesse perante a Agência, ou <strong>de</strong> prestar serviços aempresas sob sua regulamentação;- recursos próprios oriun<strong>do</strong>s <strong>de</strong> taxa <strong>de</strong> fiscalização, ou <strong>de</strong> participaçõesgovernamentais <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> concessão;- submissão a regime próprio <strong>de</strong> licitações (ANATEL);- <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública, para fins <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação ou servidãoadministrativa, das áreas necessárias aos concessionários,permissionários e autoriza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> energia elétrica (ANEEL).5.5. Como ensina Hely Lopes Meirelles, a autarquia, sen<strong>do</strong> um prolongamento<strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público, uma longa manus <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, executa serviçospróprios <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, em condições idênticas às <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, com osmesmos privilégios da Administração-matriz e passíveis <strong>do</strong>s mesmos controles<strong>do</strong>s atos administrativos. A Agência Nacional <strong>do</strong> Petróleo tem porfinalida<strong>de</strong> regular e controlar a indústria <strong>do</strong> petróleo que, embora nãoconstitua função típica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, a Constituição reservou à União, pelaenorme relevância econômica que representa para a socieda<strong>de</strong>.5.6. O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> criou a sua Agência Regula<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>sserviços públicos <strong>de</strong> energia sob a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Comissão <strong>de</strong> ServiçosPúblicos <strong>de</strong> Energia - CSPE. Deu-lhe forma autárquica, mas, sem falar emregime especial, conferiu-lhe os elementos indispensáveis para assegurara sua autonomia técnica, administrativa e financeira.63


EURICO DE ANDRADE AZEVEDO5.7. A competência da CSPE compreen<strong>de</strong> a regulamentação, o controlee a fiscalização <strong>de</strong> <strong>do</strong>is ramos da distribuição <strong>de</strong> energia: elétrica,por <strong>de</strong>legação da ANEEL, por se tratar <strong>de</strong> serviço público <strong>de</strong> competênciafe<strong>de</strong>ral; e gás canaliza<strong>do</strong>, <strong>de</strong> competência originária <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> porforça <strong>do</strong> artigo 25, § 2º, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.5.8. A legislação <strong>de</strong> todas as Agências confere especial relevo à proteçãoao consumi<strong>do</strong>r, instituin<strong>do</strong> inclusive uma ouvi<strong>do</strong>ria para o recebimento<strong>de</strong> queixas <strong>do</strong>s usuários.64


INOCORRÊNCIA DA PREJUDICIALIDADE DORECURSO EXTRAORDINÁRIO EM VIRTUDE DOJULGAMENTO DO RECURSO ESPECIALMaria Cláudia Junqueira*Sumário: 1. Introdução. 2. Dos recursos 3. Da singularida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s recursos.4. Da simultaneida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s recursos extraordinário e especial. 4.1. Dainterposição e processamento <strong>do</strong>s recursos simultâneos. 4.2. Dos efeitosda prolatação <strong>do</strong> acórdão <strong>do</strong> especial. 4.3. Do recurso extraordinário conformeo julgamento <strong>do</strong> especial. 5. Do equívoco da prejudicialida<strong>de</strong> <strong>do</strong>extraordinário em caso <strong>do</strong> improvimento <strong>do</strong> especial. 6. Conclusão.* Procura<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pernambuco.65


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):65-92, jan./<strong>de</strong>z. 19981. INTRODUÇÃOCom a inserção <strong>de</strong> uma nova constituição fe<strong>de</strong>ral num or<strong>de</strong>namentojurídico, surge a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> transição, durante o qual acomunida<strong>de</strong> jurídica empenha-se em mensurar a valida<strong>de</strong>, ou não, <strong>do</strong>stextos legais preexistentes, bem como a adaptação <strong>de</strong>stes aos novosparâmetros constitucionais impostos.Embora os anos que se sigam à edição <strong>de</strong> uma nova constituiçãosejam mais dinâmicos, em virtu<strong>de</strong> da necessida<strong>de</strong> preeminente <strong>de</strong> adaptaçãoreferida, alguns temas e dúvidas levam ainda um tempo maior para asua avaliação e solução. Essa <strong>de</strong>manda maior <strong>de</strong> tempo se justifica pelofato <strong>de</strong> que antes <strong>de</strong> se posicionar a respeito da validação ou não <strong>de</strong> um<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> instituto, a comunida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong>ve proce<strong>de</strong>r à experimentaçãodas inovações trazidas pelo novo texto constitucional.Um <strong>de</strong>stes temas é a questão da prejudicialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso extraordinárioem virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> julgamento <strong>do</strong> recurso especial simultaneamenteinterposto. A compreensão <strong>de</strong>ste tema pressupõe não só a consi<strong>de</strong>raçãoda superveniência <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil <strong>de</strong> 1973, que, ao contrário<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> 1939, abran<strong>do</strong>u o princípio da unirrecorribilida<strong>de</strong>, bem comoda superveniência da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, que, efetivamente,impôs a simultaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interposição <strong>do</strong>s recursos extraordinário e especial,em virtu<strong>de</strong> da divisão <strong>de</strong> competências instituída entre o SupremoTribunal Fe<strong>de</strong>ral e o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.Toman<strong>do</strong> como base estas modificações no Or<strong>de</strong>namento Jurídicobrasileiro, a questão da prejudicialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso extraordinário há <strong>de</strong>ser analisada, levan<strong>do</strong>-se em conta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação <strong>de</strong> algunsinstitutos (como preclusão, substituição <strong>de</strong> acórdãos, coisa julgada formale material), que até então possuíam contornos rígi<strong>do</strong>s, uma vez que eramaplica<strong>do</strong>s tão-somente nas hipóteses <strong>de</strong> singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos.Essa maleabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s contornos <strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s institutos faz-se necessáriapara que normas processuais e constitucionais aparentemente67


MARIA CLÁUDIA JUNQUEIRAantagônicas possam ser harmonizadas, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a viabilizar a realizaçãodas inovações jurídicas. Os novos contornos da sistemática processualhão <strong>de</strong> ser assimila<strong>do</strong>s pelos aplica<strong>do</strong>res <strong>do</strong> direito, sob pena <strong>de</strong> atravancaro <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> direito processual, que possui a sua dinâmica, talqual aquela existente no direito positivo.A análise da questão da prejudicialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso extraordinário,neste trabalho, a par <strong>de</strong> um raciocínio lógico basea<strong>do</strong> em dispositivos processuaise constitucionais, toma como baliza as <strong>de</strong>cisões <strong>do</strong>s TribunaisSuperiores a respeito <strong>do</strong> tema, especialmente posicionamento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> peloMinistro Marco Aurélio, <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Os reitera<strong>do</strong>s <strong>de</strong>spachos<strong>do</strong> eminente Ministro vêm <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> tese que a nosso ver mostra-seequivocada, à medida em que não aten<strong>de</strong> à perfeita harmonização<strong>do</strong> direito aplica<strong>do</strong> à espécie, uma vez que <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra parte das alteraçõesintroduzidas no nosso Sistema Jurídico.O objetivo <strong>de</strong>ste trabalho é analisar, <strong>de</strong> maneira lógica, alguns pontossobre o tema que necessitam ser esclareci<strong>do</strong>s, haja vista o ineditismo daquestão, no intuito <strong>de</strong> contribuir para a otimização <strong>do</strong> uso <strong>do</strong>s recursosextraordinários e especial, que trouxeram imenso avanço no sistema recursalbrasileiro.2. DOS RECURSOSPor uma necessida<strong>de</strong> primeira <strong>de</strong> se distinguir os meios <strong>de</strong> impugnaçãodas <strong>de</strong>cisões judiciais entre aqueles que se dão antes ou <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> trânsitoem julga<strong>do</strong>; através <strong>do</strong> mesmo processo ou em processo diverso; queiniciam uma nova instância ou se resolvem na mesma instância; que pressupõemefeitos infringentes ou que eles dispensam, muitas têm si<strong>do</strong> asclassificações sugeridas. No entanto, a que mais se coaduna com a legislaçãoprocessual pátria e conta com o apoio majoritário da <strong>do</strong>utrina é aquelaque diferencia primeiramente os meios <strong>de</strong> impugnação entre osrecursos e as ações autônomas.68


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):65-92, jan./<strong>de</strong>z. 1998As ações autônomas <strong>de</strong> impugnação são aquelas que buscam a revisão<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão judicial através <strong>de</strong> uma nova relação processual, ten<strong>do</strong>por objeto li<strong>de</strong> <strong>de</strong> natureza diversa, ainda que conexa àquela que a motivou.Os recursos, por sua vez, são os remédios <strong>de</strong> que a parte vencidapo<strong>de</strong> se utilizar para a infringência ou integração <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>, através <strong>do</strong>prolongamento <strong>do</strong> processo em curso.No dizer <strong>de</strong> João Monteiro, o recurso “é a provocação a novo exame<strong>do</strong>s autos para emenda ou modificação da primeira sentença” (apud Pláci<strong>do</strong>e Silva, Vocabulário jurídico, 12. ed., 1997, v. 4, p. 53).3. DA SINGULARIDADE DOS RECURSOSDentre os pressupostos recursais objetivos, a par da recorribilida<strong>de</strong><strong>do</strong> ato <strong>de</strong>cisório, da tempestivida<strong>de</strong>, da a<strong>de</strong>quação e <strong>do</strong> preparo <strong>do</strong> recurso,está o pressuposto da singularida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso. Este pressuposto refleteo princípio da unirrecorribilida<strong>de</strong>, segun<strong>do</strong> o qual só é possível ainterposição <strong>de</strong> um recurso para cada <strong>de</strong>cisão a ser impugnada.O princípio da unirrecorribilida<strong>de</strong> era expressamente a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> peloCódigo <strong>de</strong> Processo <strong>de</strong> 1939, que em seu artigo 809 estatuía que “a partenão po<strong>de</strong>rá usar, ao mesmo tempo, <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um recurso”.No Código vigente não há disposição semelhante, o que enseja aconclusão da ocorrência <strong>de</strong> uma flexibilização sofrida por este princípiona sistemática processual vigente, à medida em que a própria legislaçãoprocessual prevê hipóteses <strong>de</strong> múltiplo cabimento <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong> umamesma <strong>de</strong>cisão.Quan<strong>do</strong> um acórdão <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> a questão em diversos capítulos, varian<strong>do</strong>em relação a eles o quorum da <strong>de</strong>cisão, diverso será o recurso cabívelconforme tenha si<strong>do</strong> o ponto <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> por maioria ou unanimida<strong>de</strong><strong>de</strong> votos. É o que autoriza o preceito <strong>do</strong> artigo 498 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong>Processo Civil:69


MARIA CLÁUDIA JUNQUEIRA“Artigo 498 - Quan<strong>do</strong> o dispositivo <strong>do</strong> acórdão contiver julgamentopor maioria <strong>de</strong> votos e julgamento unânime e forem interpostos simultaneamenteembargos infringentes e recurso extraordinário ou recurso especial,ficarão estes sobresta<strong>do</strong>s até o julgamento daquele.”Nos casos como o <strong>de</strong>scrito, <strong>do</strong>is serão os recursos cabíveis, inclusivepara serem julga<strong>do</strong>s por órgãos distintos. Enquanto os embargosinfringentes serão julga<strong>do</strong>s por um órgão colegia<strong>do</strong> (maior <strong>do</strong> que o queproferiu a <strong>de</strong>cisão) <strong>do</strong> mesmo Tribunal, os recursos extraordinário ou especialserão <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s a um Tribunal superior.A interposição <strong>de</strong>stes recursos, aliás, há <strong>de</strong> ser simultânea, sob pena<strong>do</strong> não conhecimento <strong>do</strong> que tardiamente for interposto. Neste senti<strong>do</strong> oSupremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral editou duas súmulas, estabelecen<strong>do</strong> a sançãopara a não simultaneida<strong>de</strong>:“Súmula 354.STF - “Em caso <strong>de</strong> embargos infringentes parciais, é<strong>de</strong>finitiva a parte da <strong>de</strong>cisão embargada em que não houve divergência navotação.”“Súmula 355.STF - Em caso <strong>de</strong> embargos infringentes parciais, étardio o recurso extraordinário interposto após o julgamento <strong>do</strong>s embargos,quanto à parte da <strong>de</strong>cisão embargada que não fora por eles abrangida”.Entretanto, há autores que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a permanência <strong>do</strong> princípio daunirrecorribilida<strong>de</strong>, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema recursal estabeleci<strong>do</strong> no referi<strong>do</strong>diploma legal (Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas <strong>de</strong> direito processualcivil, 16. ed., v. 3, p. 86).Segun<strong>do</strong> estes autores, não se trata <strong>de</strong> interposição <strong>de</strong> <strong>do</strong>is recursoscontra a mesma <strong>de</strong>cisão, mas <strong>de</strong> hipóteses em que, pela complexida<strong>de</strong> <strong>do</strong>pronunciamento judicial, são proferidas duas <strong>de</strong>cisões numa mesma ocasião.Contra cada uma <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>cisões é cabível um recurso distinto.70


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):65-92, jan./<strong>de</strong>z. 1998“Na realida<strong>de</strong>, contu<strong>do</strong>, mesmo nessa aparente exceção legal, não hádupla e simultânea impugnação recursal <strong>de</strong> uma só <strong>de</strong>cisão. O recursoextraordinário refere-se à parte unânime <strong>do</strong> acórdão e os embargosinfringentes à parte em que houve divergência <strong>de</strong> votos. Da solução <strong>do</strong>sembargos, conforme o caso, po<strong>de</strong>rá haver outro recurso extraordinário.Assim, para efeitos recursais a primeira <strong>de</strong>cisão é dividida em duas.”(Humberto Theo<strong>do</strong>ro Junior, Curso <strong>de</strong> direito processual civil, Rio <strong>de</strong>Janeiro: Forense, 1993, v. 1, p. 552).“Ele se manifesta, em primeiro lugar, pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpor-semais <strong>de</strong> um recurso contra a mesma <strong>de</strong>cisão (lato sensu). Na aplicação<strong>do</strong> princípio, contu<strong>do</strong>, há <strong>de</strong> ter-se em conta que, nas <strong>de</strong>cisões objetivamentecomplexas, talvez se componham, no tocante a capítulos distintos,os requisitos <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos diferentes: assim, porexemplo, se a Câmara, no julgamento da apelação, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> por unanimida<strong>de</strong>quanto a uma parte da matéria impugnada e por simples maioria quantoa outra parte, nesta caberão embargos infringentes (art. 530) e naquela,possivelmente, recurso extraordinário e/ou especial: tal hipótese, reguladapela expressa disposição <strong>do</strong> artigo 498, não constitui, no que tange aosembargos, verda<strong>de</strong>ira exceção ao princípio <strong>de</strong> que ora se trata: para fins<strong>de</strong> recorribilida<strong>de</strong>, cada capítulo é consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como uma <strong>de</strong>cisão perse.” (José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código <strong>de</strong> ProcessoCivil, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1993, v. 5, p. 222).O posicionamento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> por estes nobres <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res encontrafundamento no fato <strong>de</strong> no próprio sistema processual <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo<strong>de</strong> 1939 ter si<strong>do</strong> possível hipótese especial <strong>de</strong> interposição simultânea<strong>de</strong> recursos. No artigo 808, § 2º, daquele Código, havia a previsãoexpressa <strong>de</strong> interposição simultânea <strong>do</strong> antigo recurso <strong>de</strong> revista e <strong>do</strong> recursoextraordinário.Qualquer que seja o posicionamento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> — ocorrência <strong>de</strong> umamesma <strong>de</strong>cisão bipartida, ou prolatação <strong>de</strong> duas <strong>de</strong>cisões distintas nummesmo pronunciamento judicial — é inquestionável que nas hipóteses <strong>de</strong>71


MARIA CLÁUDIA JUNQUEIRAcabimento <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um recurso contra um acórdão proferi<strong>do</strong>, haverão<strong>do</strong>is núcleos <strong>de</strong>cisórios a serem impugna<strong>do</strong>s separadamente.Cada núcleo da <strong>de</strong>cisão tomará rumo distinto, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> julgamentoa ser realiza<strong>do</strong> no recurso contra ele interposto, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntementeda solução dada ao outro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que compatíveis entre si.Para a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> uma posição neutra no que diz respeito à existência<strong>de</strong> uma ou duas <strong>de</strong>cisões nos casos <strong>de</strong> interposição simultânea <strong>de</strong> recursos,referiremo-nos sempre à ‘<strong>de</strong>cisão’ no seu senti<strong>do</strong> lato, uma vez quepara as conclusões <strong>de</strong>ste trabalho, legítima será qualquer que seja a posiçãoa<strong>do</strong>tada.Outro caso especial éodapossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interposição simultânea<strong>de</strong> recurso extraordinário e recurso especial <strong>de</strong> uma mesma <strong>de</strong>cisão. Aparte tem o mesmo prazo para interpor ambos os recursos. É o que traduza inteligência <strong>do</strong>s artigos 508, 541 e 543 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil.4. DA SIMULTANEIDADE DOS RECURSOSEXTRAORDINÁRIO E ESPECIALPor ocasião da promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, houveuma restruturação no Po<strong>de</strong>r Judiciário. O Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos,que tinha como principal competência julgar os processos da Justiça Fe<strong>de</strong>ralem segunda instância, foi dividi<strong>do</strong> em cinco Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais.Em seu lugar, foi cria<strong>do</strong> o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, que her<strong>do</strong>ua competência remanescente <strong>do</strong> Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos, assim comorecebeu parte da competência até então exercida pelo Supremo TribunalFe<strong>de</strong>ral.Do âmbito <strong>do</strong> Recurso Extraordinário foi retirada a parcela que diziarespeito à proteção da legislação fe<strong>de</strong>ral em geral, em contraposição àmatéria constitucional propriamente dita, e <strong>de</strong>stinada ao Superior Tribunal<strong>de</strong> Justiça. Portanto, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça foi cria<strong>do</strong> com72


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):65-92, jan./<strong>de</strong>z. 1998uma competência originária, ordinária e especial, sen<strong>do</strong> esta última a maisimportante, uma vez que confere ao Tribunal o papel maior <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor dalegislação fe<strong>de</strong>ral.Os Recursos Extraordinário e Especial integram a chamada instância<strong>de</strong> superposição. O que há <strong>de</strong> peculiar e comum entre os chama<strong>do</strong>s órgãos<strong>de</strong> superposição, explica Cândi<strong>do</strong> Dinamarco, é a competência que têmpara “julgar recursos interpostos em causas que já tenham exauri<strong>do</strong> to<strong>do</strong>sos graus das Justiças comuns e especiais. Por isso é que, como se diz, ‘elesse sobrepõem a elas’” (Cintra, Grinover, Dinamarco, Teoria geral <strong>do</strong> processo).Os recursos extraordinários não se <strong>de</strong>stinam à correção <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisõesinjustas, uma vez que não configuram mais uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>impugnação, mas um remédio <strong>de</strong> cunho político-constitucional que permiteao STF e ao STJ cumprirem o seu <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> manter o império e aunida<strong>de</strong> <strong>do</strong> direito constitucional e infraconstitucional. O provimento sobreo direito subjetivo individual <strong>do</strong> recorrente é um efeito indireto oureflexo <strong>do</strong> provimento <strong>do</strong> recurso, motiva<strong>do</strong> pela missão <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong>manter a integrida<strong>de</strong> da or<strong>de</strong>m jurídica.Portanto, estes recursos têm uma dupla finalida<strong>de</strong>: uma pública e outraprivada. A sua finalida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al é a correta aplicação da lei e a concreta é acorreção <strong>do</strong> prejuízo sofri<strong>do</strong> pela errônea interpretação da norma jurídica.Casos há em que a parte alega ter a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> 2º Grau,estadual ou fe<strong>de</strong>ral, contraria<strong>do</strong> dispositivo <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral e da própriaConstituição. Neste caso, tanto o Recurso Especial como o Recurso Extraordinário<strong>de</strong>verão ser interpostos simultaneamente.A parte tem não só a faculda<strong>de</strong>, como o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> interpor ambos osrecursos, sob pena da prejudicialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso efetivamente interposto.O STJ, inclusive já sumulou a matéria, estatuin<strong>do</strong> que “é inadmissívelo recurso especial, quan<strong>do</strong> o acórdão recorri<strong>do</strong> assenta em fundamento73


MARIA CLÁUDIA JUNQUEIRAconstitucional e infraconstitucional, qualquer <strong>de</strong>les suficiente, por si só,para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário”(Súmula n. 126 <strong>do</strong> STJ).O fundamento <strong>de</strong> tal posicionamento se justifica pelo fato <strong>de</strong> que ojulgamento <strong>do</strong> Recurso Especial não geraria efeito prático algum nos autos,uma vez que “provi<strong>do</strong> o recurso especial, fica afasta<strong>do</strong> o fundamentoinfraconstitucional <strong>do</strong> acórdão recorri<strong>do</strong>; todavia, à falta <strong>do</strong> apelo extraordinário,transita em julga<strong>do</strong> o fundamento constitucional daquelearesto, suficiente, por si só, para mantê-lo” (Questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no REspn. 21.064-5-SP, Min. Antônio <strong>de</strong> Pádua Ribeiro).4.1. Da interposição e processamento <strong>do</strong>s recursos simultâneosO procedimento a ser a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, no entanto, será diferencia<strong>do</strong>, conformeo grau <strong>de</strong> aceitação que obtiverem no juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> prévio,leva<strong>do</strong> a efeito pelo Tribunal a quo.Se ambos os recursos extremos são admiti<strong>do</strong>s pela Presidência <strong>do</strong>Tribunal a quo, o processo <strong>de</strong>ve ser remeti<strong>do</strong> primeiramente ao STJ. Concluí<strong>do</strong>o julgamento <strong>do</strong> Recurso Especial, seguirão os autos para o STFpara apreciação <strong>do</strong> Recurso Extraordinário, se este não resultar prejudica<strong>do</strong>.Caso o relator <strong>do</strong> STJ entenda prejudicial o Recurso Extraordinário,sobrestará a apreciação <strong>do</strong> Recurso Especial e remeterá os autos aoSTF, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o relator no STF discordar <strong>de</strong> tal orientação e <strong>de</strong>terminar ojulgamento prioritário <strong>do</strong> apelo especial.Se a Presidência <strong>do</strong> Tribunal a quo consi<strong>de</strong>rar inadmissíveis ambosos recursos, a parte <strong>de</strong>verá manifestar agravos em relação a cada um <strong>de</strong>les.De acor<strong>do</strong> com a sistemática da lei, o agravo <strong>do</strong> Recurso Extraordinárioentão <strong>de</strong>ve ser apensa<strong>do</strong> ao <strong>do</strong> Especial, para posterior remessa aoSTF, caso o agravo <strong>do</strong> Recurso Especial não seja provi<strong>do</strong>. Se o for, oagravo <strong>do</strong> Recurso Extraordinário <strong>de</strong>verá esperar a subida e julgamento<strong>do</strong> Recurso Especial.74


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):65-92, jan./<strong>de</strong>z. 1998No caso <strong>de</strong> ser admiti<strong>do</strong> o Recurso Especial e nega<strong>do</strong> seguimento aoRecurso Extraordinário, o agravo interposto contra a obstaculização <strong>do</strong>Extraordinário será apensa<strong>do</strong> ao processo conten<strong>do</strong> o Recurso Especialadmiti<strong>do</strong>. Após o julgamento <strong>do</strong> Recurso Especial, o agravo será remeti<strong>do</strong>ao STF, se o Extraordinário não estiver prejudica<strong>do</strong>.Já quan<strong>do</strong> o Recurso Extraordinário é admiti<strong>do</strong> e o Recurso Especialtem nega<strong>do</strong> o seu seguimento, o Recurso Extraordinário seguirá para oSTF com certidão relativa à interposição <strong>do</strong> agravo ao STJ. No agravoremeti<strong>do</strong> ao STJ, da mesma forma será certificada a remessa <strong>do</strong> RecursoExtraordinário ao STF.A <strong>de</strong>cisão que julgar o Recurso Especial também é impugnável medianteRecurso Extraordinário, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presentes os seus pressupostos.A disciplina <strong>do</strong> Extraordinário na Constituição não exclui a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> interposição contra as <strong>de</strong>cisões <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.Casos excepcionais, porém, autorizam a inversão da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> julgamentosentre o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça,quan<strong>do</strong> a argumentação <strong>do</strong> recorrente em relação à legislaçãoinfraconstitucional tiver base em tese constitucional também discutida emse<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso extraordinário. Exemplo <strong>de</strong>sta hipótese vê-se em STJ-RT688/209:“Recurso especial. Julgamento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> STF emagravo <strong>de</strong> instrumento, objetivan<strong>do</strong> a subida <strong>de</strong> recurso extraordinário.Prejudicialida<strong>de</strong>. Quan<strong>do</strong> ocorre. O acórdão impugna<strong>do</strong> acha-se apoia<strong>do</strong>,basicamente, em fundamento constitucional (inocorrência <strong>de</strong> violação aoprincípio da isonomia) e fundamento infraconstitucional (interpretaçãorestritiva ao art. 6º <strong>do</strong> Dec.-Lei n. 2.434/88). Nessa hipótese, só se oSupremo enten<strong>de</strong>r que não houve ofensa ao princípio da isonomia, com o<strong>de</strong>sprovimento <strong>do</strong> agravo <strong>de</strong> instrumento ou não conhecimento ou<strong>de</strong>sprovimento <strong>do</strong> recurso extraordinário, é que aflora a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>staCorte <strong>de</strong> julgar <strong>de</strong> forma eficaz o recurso especial: dan<strong>do</strong>-lhe provimento,75


MARIA CLÁUDIA JUNQUEIRA<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> a favor <strong>do</strong> contribuinte; negan<strong>do</strong>-lhe provimento, em prol da União.Sobrestamento, no caso, <strong>do</strong> julgamento <strong>do</strong> recurso especial, até que oSTF <strong>de</strong>cida o agravo <strong>de</strong> instrumento, interposto <strong>do</strong> <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong>negatórioda subida <strong>do</strong> recurso extraordinário manifesta<strong>do</strong> pelo contribuinte.”4.2. Dos efeitos da prolatação <strong>do</strong> acórdão <strong>do</strong> especialToda <strong>de</strong>cisão judicial tem como efeito imediato a sua valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro<strong>do</strong> processo, entre as partes envolvidas, até que ela transite em julga<strong>do</strong> ouseja substituída por outra <strong>de</strong>cisão proferida por órgão <strong>de</strong> superior instância.No caso da interposição <strong>de</strong> um recurso, a matéria tratada nos autos é<strong>de</strong>volvida ao Tribunal ad quem, on<strong>de</strong> aquele será analisa<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>slimites da insurgência manifestada na petição recursal. De mo<strong>do</strong> que oefeito <strong>de</strong>volutivo <strong>do</strong> recurso fica adstrito aos contornos a ele da<strong>do</strong> pelaparte recorrente no momento em que o elabora.Essa é precisamente a dicção <strong>do</strong> artigo 512 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> ProcessoCivil:“Artigo 512 - O julgamento proferi<strong>do</strong> pelo tribunal substituirá a sentençaou a <strong>de</strong>cisão recorrida no que tiver si<strong>do</strong> objeto <strong>do</strong> recurso”.Essa regra <strong>de</strong>limita<strong>do</strong>ra aplica-se a todas as espécies <strong>de</strong> recursos possíveis<strong>de</strong> serem interpostas, mas ganha ainda mais força em casos <strong>de</strong>interposição simultânea <strong>de</strong> recursos. Nestes casos, como existe a varieda<strong>de</strong><strong>de</strong> órgãos julga<strong>do</strong>res, <strong>de</strong>stinatários <strong>de</strong> cada petição recursal, oextrapolamento <strong>do</strong>s limites da matéria contida no recurso implica, necessariamente,também numa invasão da competência <strong>do</strong> órgão <strong>de</strong>stinatário<strong>do</strong> outro recurso.Desta forma, cada órgão julga<strong>do</strong>r <strong>de</strong>stinatário <strong>de</strong> uma petição recursaljulgará a questão, <strong>de</strong>limitada à sua competência, colocada sob o seu76


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):65-92, jan./<strong>de</strong>z. 1998julgamento. Esta <strong>de</strong>cisão substituirá o acórdão recorri<strong>do</strong> nos estreitos limitesda matéria que foi <strong>de</strong>volvida à análise por ocasião <strong>do</strong> julgamento. Aparte <strong>do</strong> acórdão recorri<strong>do</strong> não abrangida no recurso julga<strong>do</strong> pelo primeiroórgão julga<strong>do</strong>r, permanece válida até que o segun<strong>do</strong> órgão julga<strong>do</strong>rpossa se pronunciar a respeito <strong>do</strong> recurso que lhe foi dirigi<strong>do</strong>.É o que ocorre no caso específico <strong>do</strong>s recursos extraordinário e especial.Contra um acórdão em que se discutiu questão fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> nívelconstitucional e infraconstitucional, são cabíveis as duas espécies <strong>de</strong> recurso.No recurso especial, o recorrente insurgir-se-á contra a aplicaçãodada pelo acórdão recorri<strong>do</strong> à legislação infraconstitucional. No recursoextraordinário, as razões aduzidas no recurso versarão necessariamentesobre a matéria constitucional.Prolata<strong>do</strong> o acórdão <strong>do</strong> recurso especial, a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> STJ substitui oacórdão recorri<strong>do</strong>, no que diz respeito à matéria <strong>de</strong> sua competência. Casoa parte não se satisfaça com o julgamento proferi<strong>do</strong> pelo Superior Tribunal<strong>de</strong> Justiça, po<strong>de</strong>rá ainda contra esta <strong>de</strong>cisão interpor recurso extraordinário,se for cabível. Caso não o faça, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, passa a correr o prazopara o trânsito em julga<strong>do</strong> da matéria fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> nível infraconstitucional.Assim o é, porque o STF, ao analisar o recurso extraordinário a eledirigi<strong>do</strong>, também fica adstrito aos termos em que foi redigi<strong>do</strong> eàsuacompetência para julgar somente parte da <strong>de</strong>manda. A matéria fe<strong>de</strong>ralinfraconstitucional não po<strong>de</strong>rá ser mais objeto <strong>de</strong> discussão por ocasião<strong>do</strong> apelo extremo.Quan<strong>do</strong> proferida a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, dá-se entãoa substituição integral <strong>do</strong> acórdão recorri<strong>do</strong>, uma vez que nesta ocasiãotoda a matéria <strong>de</strong>volvida para julgamento aos tribunais <strong>de</strong> instânciaextraordinária terá si<strong>do</strong> levada a efeito.Em resumo, conclui-se que nos casos <strong>de</strong> interposição simultânea <strong>de</strong>recursos, os efeitos das <strong>de</strong>cisões neles proferidas não são irrestritos e77


MARIA CLÁUDIA JUNQUEIRAabsolutos em relação ao acórdão recorri<strong>do</strong>, como nas hipóteses <strong>de</strong> cabimento<strong>de</strong> uma única insurgência recursal. A substituição da <strong>de</strong>cisão recorrida,nestes casos, dá-se <strong>de</strong> forma parcial e diferida, à medida em que vãosen<strong>do</strong> proferidas as <strong>de</strong>cisões pelos órgãos <strong>de</strong>stinatários <strong>do</strong>s recursos interpostos,<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s limites impostos pela irresignação manifestada pelorecorrente e pela competência <strong>do</strong>s órgãos proferi<strong>do</strong>res das novas<strong>de</strong>cisões.Não se trata <strong>do</strong> afastamento da regra processual <strong>de</strong> substituição <strong>de</strong>acórdãos, mas sim uma <strong>de</strong>rivação <strong>de</strong>sta, na qual a substituição se dá <strong>de</strong>forma dividida — e diferida no tempo, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> julgamento diferencia<strong>do</strong>—, à medida em que os tribunais competentes em relação a cadamatéria tratada no acórdão recorri<strong>do</strong> se pronunciem a respeito <strong>do</strong> temaque lhe foi apresenta<strong>do</strong>. Esta hipótese excepcional <strong>de</strong> substituição <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisõesse legitima em virtu<strong>de</strong> da hipótese excepcional <strong>de</strong> interposição simultânea<strong>do</strong>s recursos extraordinário e especial.4.3. Do recurso extraordinário conforme o julgamento <strong>do</strong> especialNa linha <strong>de</strong> raciocínio <strong>de</strong>senvolvida, portanto, distinto será o <strong>de</strong>stino<strong>do</strong> recurso extraordinário interposto, conforme o julgamento <strong>do</strong> recursoespecial, perante o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.Caso o recurso especial não ultrapasse as preliminares, o acórdãoprolata<strong>do</strong> pelo STJ não gera efeito <strong>de</strong> substituição, uma vez que o recursonão reunia condições <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong>. O processo, então, segue para oSupremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para que seja julga<strong>do</strong> o extraordinário.“A <strong>de</strong>cisão que não conhece <strong>do</strong> recurso, conten<strong>do</strong>, <strong>de</strong>starte, juízonegativo <strong>de</strong> sua admissibilida<strong>de</strong>, não está, obviamente, abrangida pelo artigo”—artigo 512 <strong>do</strong> CPC. “Pressuposto da substituição é o julgamento<strong>do</strong> recurso. Se a substituição da sentença se opera nos precisos limites <strong>do</strong>recurso, não conheci<strong>do</strong> este, permanece íntegra a <strong>de</strong>cisão impugnada”.(Sérgio Bermu<strong>de</strong>s, Comentários ao Código <strong>de</strong> Processo Civil, <strong>São</strong><strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, 1975, v. 7, p. 111).78


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):65-92, jan./<strong>de</strong>z. 1998“Ao dizer que o julgamento recursal ‘substitui a sentença ou <strong>de</strong>cisãono que tiver si<strong>do</strong> objeto <strong>do</strong> recurso’, é claro que o texto legal não po<strong>de</strong>estar aludin<strong>do</strong> senão às hipóteses em que o tribunal conhece <strong>do</strong> recurso,aprecian<strong>do</strong>-o <strong>de</strong> meritis. Nas outras, seria absur<strong>do</strong> cogitar-se <strong>de</strong> substituição:não se chegou sequer a analisar, sob qualquer aspecto, a matéria que,no julgamento <strong>de</strong> grau inferior, constituíra objeto da impugnação <strong>do</strong> recorrente.”(José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código <strong>de</strong> ProcessoCivil, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1993, v. 5, p. 353).Apesar <strong>de</strong> a unanimida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res excluírem da abrangência<strong>do</strong> artigo 512 as <strong>de</strong>cisões que não analisam o mérito <strong>do</strong> recurso, algumas<strong>de</strong>cisões judiciais ainda são proferidas neste senti<strong>do</strong>. Entretanto, não sefará maiores comentários a respeito <strong>do</strong> assunto, haja vista que a argumentaçãotecida a respeito da inocorrência da prejudicialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso extraordinárioem virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> improvimento <strong>do</strong> recurso especial é válida,também, para os casos em que equivocadamente se aplica o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>dispositivo menciona<strong>do</strong> para os casos <strong>de</strong> não conhecimento <strong>do</strong> recurso.Vencidas as preliminares <strong>do</strong> recurso especial e ten<strong>do</strong> o STJ julga<strong>do</strong> omérito <strong>do</strong> recurso interposto, o prosseguimento ou não <strong>do</strong> recurso extraordinário<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> daquele.No caso <strong>do</strong> mérito <strong>do</strong> recurso especial ser julga<strong>do</strong> improce<strong>de</strong>nte, háque se averiguar se o fundamento infraconstitucional <strong>do</strong> acórdão recorri<strong>do</strong>,corrobora<strong>do</strong> pela <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> STJ, é suficiente para manter a suavalida<strong>de</strong>. Caso o seja, fica prejudica<strong>do</strong> o recurso extraordinário, uma vezque, ainda que ele seja provi<strong>do</strong> e modificada a <strong>de</strong>cisão recorrida no quepertine ao aspecto constitucional, a análise da legislação fe<strong>de</strong>ralinfraconstitucional levada a efeito pelo tribunal a quo persiste suficientepara manter os seus contornos <strong>de</strong>cisórios.“Se o acórdão recorri<strong>do</strong> apóia-se em fundamento constitucional efundamento infraconstitucional, o trânsito em julga<strong>do</strong> <strong>do</strong> primeiro, suficientepor si só para mantê-lo, prejudica o exame <strong>do</strong> outro”.(RSTJ 32/425).79


MARIA CLÁUDIA JUNQUEIRAJá se o recurso especial tiver seu mérito julga<strong>do</strong> improce<strong>de</strong>nte, mas oargumento infraconstitucional utiliza<strong>do</strong> pelo acórdão recorri<strong>do</strong> não forsuficiente, por si só, para manter a força <strong>de</strong>cisória <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>, há <strong>de</strong> seranalisa<strong>do</strong> pelo STF o recurso extraordinário interposto. <strong>São</strong> os casos emque a interpretação da legislação fe<strong>de</strong>ral infraconstitucional levada a efeitopelo tribunal a quo po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a sua valida<strong>de</strong> se o Supremo TribunalFe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>r a dispositivo constitucional interpretação distinta da que lhefoi dada pelo acórdão recorri<strong>do</strong>, como base da argumentação acerca dalegislação infraconstitucional.Nestas hipóteses, permanece váli<strong>do</strong> o entendimento esposa<strong>do</strong> noacórdão recorri<strong>do</strong>, corrobora<strong>do</strong> e substituí<strong>do</strong> então pela <strong>de</strong>cisão proferidapelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, até que o Supremo se posicione arespeito <strong>do</strong> tema constitucional. Se o recurso extraordinário for improvi<strong>do</strong>,o acórdão <strong>do</strong> STF corroborará e substituirá a parte restante <strong>do</strong> acórdãorecorri<strong>do</strong>, que carecia <strong>de</strong> análise. O entendimento nele expressa<strong>do</strong>, <strong>de</strong>qualquer forma, continua váli<strong>do</strong>.Já se o recurso extraordinário for provi<strong>do</strong>, o acórdão <strong>do</strong> STF modificao acórdão recorri<strong>do</strong>, retiran<strong>do</strong>-lhe a valida<strong>de</strong>, uma vez que o fundamentoconstitucional utiliza<strong>do</strong> pelo tribunal a quo para <strong>de</strong>cidir a questãofoi <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> inconsistente pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.Por fim, caso o recurso especial seja provi<strong>do</strong>, resta prejudica<strong>do</strong> orecurso extraordinário. A prejudicialida<strong>de</strong>, neste caso, ocorre porque a<strong>de</strong>cisão contra a qual foi interposto o recurso extraordinário, além <strong>de</strong> substituída,foi modificada pela proferida no recurso especial. Os fundamentosutiliza<strong>do</strong>s pelo acórdão recorri<strong>do</strong>, ataca<strong>do</strong>s pelo recorrente na petição<strong>do</strong> recurso extraordinário, não mais existem em função da alteração impostapelo julgamento <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.“Provi<strong>do</strong> o recurso especial interposto contra o acórdão <strong>de</strong> segundainstância, o recurso extraordinário simultaneamente interposto, versan<strong>do</strong>a mesma matéria, per<strong>de</strong>u objeto, posto que a <strong>de</strong>cisão contra a qual fora80


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):65-92, jan./<strong>de</strong>z. 1998ajuiza<strong>do</strong> resultou reformada pelo aresto <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça,ten<strong>do</strong> havi<strong>do</strong> substituição <strong>do</strong> provimento judicial a que se refere o artigo512 <strong>do</strong> CPC.” (STF, 1ª Turma, Ag n. 141.429-5-SPS- AgRg, rel. Min.Ilmar Galvão, DJU, <strong>de</strong> 2.3.95).Além disso, tem-se como certo que a alegação <strong>de</strong> ofensa à Constituiçãosó há <strong>de</strong> ser enfrentada se não for possível aten<strong>de</strong>r à pretensão daparte <strong>de</strong> outro mo<strong>do</strong>. O recurso extraordinário então fica prejudica<strong>do</strong> tambémpor já ter si<strong>do</strong> atendida a pretensão da parte nele veiculada, qual sejaa modificação <strong>do</strong> acórdão recorri<strong>do</strong>.Em resumo, estará prejudica<strong>do</strong> o julgamento <strong>do</strong> recurso extraordináriosomente nas hipóteses em que o recurso especial for provi<strong>do</strong> — modifican<strong>do</strong>assim o acórdão recorri<strong>do</strong> —, ou nos casos em que, embora nãoprovi<strong>do</strong> o especial, o fundamento infraconstitucional utiliza<strong>do</strong> pelo acórdão<strong>do</strong> tribunal <strong>de</strong> origem for bastante, por si só, para manter a força <strong>de</strong>cisória<strong>do</strong> julga<strong>do</strong>.5. DO EQUÍVOCO DA PREJUDICIALIDADE DOEXTRAORDINÁRIO EM CASO DOIMPROVIMENTO DO ESPECIALAlgumas <strong>de</strong>cisões vêm sen<strong>do</strong> proferidas pelo Ministro MarcoAurélio, <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, toman<strong>do</strong> recursos extraordinárioscomo prejudica<strong>do</strong>s, em casos em que os recursos especiais são improvi<strong>do</strong>s.Os argumentos basea<strong>do</strong>res <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>cisões são, em síntese, os seguintes:a) À medida em que o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça conheceu o recursoespecial, ainda que não o tenha provi<strong>do</strong>, aquele Tribunal “lançouno mun<strong>do</strong> jurídico um acórdão que substituiu o acórdão <strong>do</strong> Tribunal<strong>de</strong> origem”.81


MARIA CLÁUDIA JUNQUEIRAb) Caso conheci<strong>do</strong> e provi<strong>do</strong> o extraordinário, este haveria <strong>de</strong> reformarnão a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, mas a <strong>de</strong>cisão prolatadapelo Tribunal a quo.c) Não se po<strong>de</strong> retirar <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> jurídico o acórdão <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong>origem sem alvejar o acórdão proferi<strong>do</strong> pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.d) O recorrente <strong>de</strong>veria ter oposto embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração contra oacórdão <strong>do</strong> STJ, instan<strong>do</strong>-o a se posicionar sobre a matéria constitucional,para então, po<strong>de</strong>r interpor novo recurso extraordinário, caso a suatese constitucional não seja aceita pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.e) O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça não po<strong>de</strong> ser excluí<strong>do</strong> <strong>do</strong> controledifuso <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>.No que tange ao primeiro argumento, forçoso é reconhecer a suavalida<strong>de</strong>, ainda que <strong>de</strong>le não se possa, corretamente, <strong>de</strong>rivar as conclusõesque lhe seguem.É certo que o STJ, ao conhecer <strong>do</strong> recurso especial, prolatou acórdãoque substituirá o acórdão <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> origem. No entanto, esta substituição,como antes argumenta<strong>do</strong>, não se dá <strong>de</strong> maneira completa e irrestrita,em virtu<strong>de</strong> da limitação da abrangência <strong>do</strong> julgamento leva<strong>do</strong> a efeito peloSuperior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.É o próprio artigo 512 que dá a medida da substituição que estabelece,ao estatuir que “o julgamento proferi<strong>do</strong> pelo tribunal substituirá a sentençaou a <strong>de</strong>cisão recorrida, no que tiver si<strong>do</strong> objeto <strong>do</strong> recurso”.A utilização da hermenêutica na análise <strong>de</strong>ste dispositivo, obriga anão se olvidar que ele é composto <strong>de</strong> duas partes, igualmente importantes,para se <strong>de</strong>limitar a sua abrangência. Caso não fosse necessária esta <strong>de</strong>limitação,não haveria porque se incluir a segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> artigo, haja vistaque a primeira já trazia to<strong>do</strong> completo o significa<strong>do</strong> da substituição.82


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):65-92, jan./<strong>de</strong>z. 1998Se é certo que a lei não usa palavras <strong>de</strong>snecessárias, ainda menos expressõescompletas, <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> senti<strong>do</strong> e abrangência.Se não houvesse uma medida a ser emprestada ao preceito, a lei nãoutilizaria toda uma oração com este objetivo. A primeira parte <strong>do</strong> dispositivoencerra o coman<strong>do</strong> que a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> tribunal substituirá a anteriormenteproferida. Se este fosse tão-somente o mandamento, absoluto eirrestrito, não teria necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> complementá-lo dizen<strong>do</strong> que estes efeitossão <strong>de</strong>limita<strong>do</strong>s pelo objeto <strong>do</strong> recurso (limites <strong>do</strong> efeito <strong>de</strong>volutivo).Esta interpretação <strong>de</strong>ve ser feita, também, levan<strong>do</strong>-se em conta aparticularida<strong>de</strong> — já mencionada neste trabalho — <strong>de</strong> que a simultaneida<strong>de</strong><strong>de</strong> interposição <strong>de</strong> recursos é hipótese excepcional <strong>de</strong> recorribilida<strong>de</strong>e <strong>de</strong>ve ser harmonizada com o sistema processual vigente.A princípio, a simultaneida<strong>de</strong> recursal parece incompatível com odisposto no artigo 512 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil. Se um acórdãoprolata<strong>do</strong> substitui o recorri<strong>do</strong>, como se aproveitar o recurso simultaneamenteinterposto, se este se insurge contra aquele que já foi objeto <strong>de</strong>substituição? Entretanto, o que parece contradição po<strong>de</strong> ser harmoniosamenteinseri<strong>do</strong> no contexto processual, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong>vidamente ameniza<strong>do</strong>sos contornos <strong>do</strong>s institutos.Esta técnica hermenêutica é aconselhada por Carlos Maximiliano:“Não raro, à primeira vista duas expressões se contradizem; porém,se as examinarmos atentamente subtili animo, <strong>de</strong>scobrimos o nexo cultoque as concilia. É quase sempre possível integrar o sistema jurídico; <strong>de</strong>scobrira correlação entre as regras aparentemente antinômicas.Sempre que <strong>de</strong>scobre uma contradição, <strong>de</strong>ve o hermeneuta <strong>de</strong>sconfiar<strong>de</strong> si; presumir que não compreen<strong>de</strong>u bem o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>strechos ao parecer inconciliáveis, sobretu<strong>do</strong> se ambos se acham no mesmorepositório. Incumbe-lhe preliminarmente fazer a tentativa <strong>de</strong>83


MARIA CLÁUDIA JUNQUEIRAharmonizar os textos; a este esforço ou arte os Estatutos da Universida<strong>de</strong><strong>de</strong> Coimbra, <strong>de</strong> 1772, <strong>de</strong>nominavam Terapêutica Jurídica.” (CarlosMaximiliano, Hermenêutica e aplicação <strong>do</strong> direito, 13. ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro:Forense, 1993, p. 134)Seguin<strong>do</strong> os conselhos <strong>de</strong> Maximiliano e procuran<strong>do</strong> “encarar as duasexpressões <strong>de</strong> Direito como partes <strong>de</strong> um só to<strong>do</strong>, <strong>de</strong>stinadas a completarem-semutuamente; <strong>de</strong> sorte que a generalida<strong>de</strong> aparente <strong>de</strong> uma sejarestringida e precisada pela outra”, é perfeitamente possível salvaguardara valida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso extraordinário interposto, não obstante ter si<strong>do</strong> proferi<strong>do</strong>um acórdão <strong>de</strong> julgamento <strong>de</strong> recurso especial.A substituição pura e simples <strong>de</strong> um acórdão por outro, com os seusefeitos irrestritos e absolutos ocorre em todas as hipóteses em que há ainterposição <strong>de</strong> um só recurso. Nos casos, porém, <strong>de</strong> interposição simultânea<strong>de</strong> recursos, a aplicação <strong>do</strong> artigo 512 <strong>do</strong> CPC se dá <strong>de</strong> forma que asubstituição <strong>de</strong> acórdãos nele prevista possa ocorrer <strong>de</strong> forma paulatina ediferida.Proferi<strong>do</strong> o acórdão <strong>do</strong> recurso especial, a substituição parcial <strong>do</strong>acórdão recorri<strong>do</strong> induz à preclusão da matéria <strong>de</strong> nível infraconstitucional,uma vez que o órgão competente para a sua análise já se pronunciou.Caso <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>cisão não caibam mais recursos, a preclusão da matéria induzsomente à ocorrência da coisa julgada formal. A ocorrência da coisajulgada material fica adiada para a ocasião da prolatação <strong>do</strong> acórdão <strong>do</strong>recurso extraordinário, caso este seja improvi<strong>do</strong>.Este adiamento da ocorrência da coisa julgada material ocorre emvirtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> fato <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> STF po<strong>de</strong> ser pelo provimento <strong>do</strong>recurso extraordinário e, neste caso, o acórdão <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong>Justiça per<strong>de</strong>rá o seu substrato <strong>de</strong> valida<strong>de</strong>, o apoio constitucional no qualse baseou a <strong>de</strong>cisão. Não seria lógico <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então emprestar ao acórdão<strong>do</strong> STJ a força <strong>de</strong> coisa julgada material, se o mesmo ainda corre o risco<strong>de</strong> não ser aplica<strong>do</strong>.84


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):65-92, jan./<strong>de</strong>z. 1998Julga<strong>do</strong> o recurso extraordinário improvi<strong>do</strong>, completa-se a substituição<strong>do</strong> acórdão recorri<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sta vez com a preclusão inclusive da matériaconstitucional, emprestan<strong>do</strong>-se aos acórdãos <strong>do</strong> STF e <strong>do</strong> STJ a força dacoisa julgada material. O conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong>cisório <strong>do</strong> acórdão recorri<strong>do</strong> serácoloca<strong>do</strong> em prática, então, em virtu<strong>de</strong> da sua confirmação pelos tribunaisaos quais foram dirigi<strong>do</strong>s ambos os recursos contra ele interpostos.Antes que cause estranheza a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a ocorrência da coisajulgada material ficar postergada para um momento posterior, é precisoque se <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> la<strong>do</strong> a concepção arraigada <strong>do</strong>s institutos para moldá-losàs hipóteses excepcionais e buscar no próprio or<strong>de</strong>namento jurídico seusnovos contornos.“A eficácia <strong>do</strong>s atos jurídicos, em linha <strong>de</strong> princípio, po<strong>de</strong> manifestarse<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o próprio momento em que são pratica<strong>do</strong>s, ficar diferida paramomento posterior, ou até reportar-se a momento anterior. Tu<strong>do</strong> isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento positivo: diretamente, quan<strong>do</strong> ele mesmo regula oponto; indiretamente, quan<strong>do</strong> conce<strong>de</strong> a alguém a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulálo.O fenômeno é observável em to<strong>do</strong>s os setores da vida jurídica, e tantono que concerne a atos <strong>de</strong> particulares, quanto a atos <strong>de</strong> órgãos públicos,respeitadas as restrições porventura constantes <strong>do</strong> próprio ius positum.Dentro <strong>de</strong>sses limites, a <strong>de</strong>cisão sobre o começo da eficácia aten<strong>de</strong>rá acritérios <strong>de</strong> conveniência, inspira<strong>do</strong>s nas necessida<strong>de</strong>s práticas em jogo.Não há supor que a sentença constitua exceção à regra. Muito aocontrário: a experiência universal no particular, revela extensa gama <strong>de</strong>soluções, variáveis não apenas <strong>de</strong> um para outro or<strong>de</strong>namento, mas também<strong>de</strong> caso para caso, no interior <strong>de</strong> um mesmo sistema jurídico.(...)A única resposta genérica é esta: a sentença começa a produzir efeitosno momento fixa<strong>do</strong> pela lei, ou por quem a lei autorize a fixá-lo.85


MARIA CLÁUDIA JUNQUEIRATambém compete ao direito positivo dizer se um ato jurídico po<strong>de</strong> —e, no caso afirmativo, em que termos e sob que condições — ser elimina<strong>do</strong>ou substituí<strong>do</strong>, por qualquer das formas imagináveis. E aqui, igualmente,vale para a sentença o que se afirma para os atos jurídicos em geral.”(José Carlos Barbosa Moreira, Eficácia da sentença e autorida<strong>de</strong> da coisajulgada, in Temas <strong>de</strong> Direito Processual - Terceira série, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Saraiva,1984, p. 101-101).Importante, também, que se faça menção a uma outra possível objeçãoa respeito <strong>do</strong> tema, qual seja, a <strong>de</strong> que o trânsito em julga<strong>do</strong> ocorresomente sobre a parte dispositiva da sentença e não sobre a sua fundamentação.O argumento é correto e não per<strong>de</strong> a valida<strong>de</strong> no raciocínio exposto.Realmente o que transita em julga<strong>do</strong> é a parte dispositiva da sentença. Oque ocorre nos casos <strong>de</strong> simultânea interposição <strong>do</strong>s recursos extraordinárioe especial é que a parte dispositiva da sentença assume uma duplaface. A <strong>de</strong>cisão tem duas partes (ou são mesmo duas <strong>de</strong>cisões), uma quese baseia em argumentos <strong>de</strong> nível constitucional e outra que se baseia emlegislação infraconstitucional, cada qual impugnável através <strong>de</strong> recursodistinto.É precisamente o que ocorre nos casos <strong>de</strong> cabimento <strong>do</strong>s embargosinfringentes. A parte dispositiva da <strong>de</strong>cisão divi<strong>de</strong>-se em duas sub-partes,a unânime e a não unânime e somente sobre uma <strong>de</strong>las incidirão os embargosporventura opostos.Na verda<strong>de</strong>, através <strong>do</strong>s recursos extraordinário e especial não seataca a fundamentação <strong>do</strong> acórdão recorri<strong>do</strong>. Cada recurso interpostoataca uma parte <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong>cisório da <strong>de</strong>cisão, levan<strong>do</strong>-se em conta afundamentação nela utilizada para a <strong>de</strong>limitação da respectiva insurgênciarecursal. A fundamentação, portanto, não é objeto da irresignação, masapenas seus parâmetros <strong>de</strong>limita<strong>do</strong>res.Quanto aos segun<strong>do</strong>s e terceiros argumentos, pelos mesmos motivos,registra-se que um não serve <strong>de</strong> premissa a outro. O acórdão86


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):65-92, jan./<strong>de</strong>z. 1998proferi<strong>do</strong> pelo STF no recurso extraordinário, caso seja pelo provimento,reforma a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> origem e isto se dá sem que o acórdão<strong>do</strong> extraordinário alveje o acórdão <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.Isto é possível, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> fato <strong>de</strong> que os acórdãos proferi<strong>do</strong>stratam <strong>de</strong> matéria distinta. O acórdão <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral nãoavalia a correção da <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, uma vez quenão entra no mérito da análise da legislação fe<strong>de</strong>ral infraconstitucional. Oque o acórdão <strong>do</strong> STF faz é tornar inaplicável o acórdão <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong>origem — bem como o acórdão <strong>do</strong> STJ, que o homologou — no que dizrespeito à matéria legal, por retirar-lhes a base constitucional, sobre a qualse apoiou a argumentação acerca da legislação infraconstitucional.Trata-se <strong>de</strong> um problema lógico. Um raciocínio sobre legislação fe<strong>de</strong>ralinfraconstitucional é leva<strong>do</strong> a efeito pelo Tribunal <strong>de</strong> origem e homologa<strong>do</strong>pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, no julgamento <strong>de</strong> um recursoespecial. O raciocínio elabora<strong>do</strong> pelo Tribunal <strong>de</strong> origem e pelo STJ não éanalisa<strong>do</strong> pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, uma vez que este não tem competênciapara tanto. O que o STF objetiva, no julgamento <strong>do</strong> recurso extraordinário,é a mensuração da valida<strong>de</strong> das premissas constitucionaispor eles utilizadas na elaboração <strong>do</strong> raciocínio acerca da legislaçãoinfraconstitucional utiliza<strong>do</strong> no julgamento. Isto porque o STJ não po<strong>de</strong>fazer esta avaliação <strong>de</strong> nível constitucional, haja vista não ter competênciapara tanto.Assim sen<strong>do</strong>, o provimento <strong>de</strong> um recurso extraordinário atinge a<strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> origem, pela interpretação errônea <strong>de</strong> um dispositivoconstitucional por ele praticada e o torna inaplicável, assim como aoacórdão <strong>do</strong> STJ que o reiterou, no tocante à legislação infraconstitucional.A <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral restringe-se a negar valida<strong>de</strong> aojulgamento <strong>do</strong> STJ, indiretamente, à medida em que, substituin<strong>do</strong> o acórdãorecorri<strong>do</strong>, na matéria <strong>de</strong> sua competência, retira-lhe a fundamentação, nãoproce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a um juízo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> sobre o julgamento proferi<strong>do</strong> norecurso especial.87


MARIA CLÁUDIA JUNQUEIRAEstas particularida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s limites <strong>do</strong> julgamento <strong>do</strong>s recursos extraordinárioe especial advêm da excepcionalida<strong>de</strong> da divisão da competênciaentre o STF e o STJ. Ainda que possa exsurgir no julgamento <strong>do</strong>especial, questão <strong>de</strong> ín<strong>do</strong>le constitucional a ser reavaliada pelo STF numextraordinário a ser interposto contra a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong>Justiça, este último não tem competência para julgar questões constitucionaisque porventura venham sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>cididas nas instâncias inferiores.Já o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral não po<strong>de</strong> se posicionar sobre matériainfraconstitucional, que fica a cargo exclusivamente <strong>do</strong> STJ.“Decerto, não há <strong>de</strong> caber recurso extraordinário, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, comoinstrumento revisional <strong>do</strong> acerto ou não da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mérito <strong>do</strong> STJ,quan<strong>do</strong> confere, em recurso especial, <strong>de</strong>terminada interpretação a normainfraconstitucional, ao <strong>de</strong>cidir se o acórdão local recorri<strong>do</strong>, em aplican<strong>do</strong>a mesma norma, fê-lo corretamente, ou se lhe negou vigência, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong><strong>de</strong> fazê-la incidir em situação on<strong>de</strong> seria aplicável, ou por tê-la feito disciplinarhipótese em que não <strong>de</strong>via fazê-lo. Nesses casos, tu<strong>do</strong> ocorre noplano infraconstitucional e segun<strong>do</strong> a competência prevista no artigo 105,III, da Lei Magna.(....)De outra parte, os temas constitucionais emergentes <strong>do</strong> julgamento<strong>do</strong> recurso especial po<strong>de</strong>m fundamentar recurso extraordinário, justifican<strong>do</strong>-se,a<strong>de</strong>mais, aí, a interposição <strong>de</strong> embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração, no STJ,para o regular prequestionamento <strong>de</strong>sses assuntos constitucionais a serem,após, <strong>de</strong>duzi<strong>do</strong>s no pleito <strong>do</strong> apelo extremo.” (STF, 2ª T., REn. 190.104-RJ, rel. Min. Néri da Silveira, j. 12.11.96, DJU, <strong>de</strong> 14.11.97).Finalmente, como assevera o julga<strong>do</strong> acima transcrito, há a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong>, através <strong>de</strong> embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração, provocar o STJ a se posicionara respeito <strong>de</strong> matéria constitucional, com vistas a interpor recurso extraordinário<strong>do</strong> posicionamento por ele a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>. Entretanto, esta hipótesefica restrita aos casos em que a questão constitucional surge no88


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):65-92, jan./<strong>de</strong>z. 1998julgamento <strong>do</strong> próprio recurso especial. Isto porque se a questão surgiuantes e foi <strong>de</strong>cidida pelo Tribunal <strong>de</strong> origem, a análise da matéria constitucionalficará a cargo <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> o STJ omitirse<strong>de</strong> sobre ela se posicionar.Se assim não fosse, a parte teria <strong>de</strong> interpor <strong>do</strong>is recursos extraordinários:um simultâneo ao especial, para o caso <strong>de</strong>ste não lograr seguimentoou não ultrapassar as preliminares no julgamento <strong>do</strong> STJ; e outro da<strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> STJ, se esse pu<strong>de</strong>sse se posicionar a respeito da matéria constitucional.“Apenas se admite o recurso extraordinário contra acórdão <strong>do</strong> STJse a questão constitucional tiver surgi<strong>do</strong> originariamente no julgamento<strong>de</strong>ste. Com base nesse entendimento, a Turma não conheceu <strong>de</strong> recursoextraordinário interposto contra acórdão proferi<strong>do</strong> em recurso especialpelo STJ, que en<strong>do</strong>ssara tese constitucional <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>do</strong> RioGran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul contrária ao entendimento <strong>do</strong> STF — que, no julgamento<strong>do</strong> RE 193.817-RJ (v. Informativo 50), <strong>de</strong>cidira que o fato gera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>ICMS na importação <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>rias ocorre no recebimento <strong>de</strong>sta peloimporta<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> legítima a cobrança <strong>do</strong> imposto por ocasião <strong>do</strong> <strong>de</strong>sembaraçoaduaneiro —, ten<strong>do</strong> em vista a preclusão da matéria constitucionalporquanto não interposto agravo <strong>de</strong> instrumento contra o <strong>de</strong>spacho queinadmitiu o processamento <strong>do</strong> recurso extraordinário interposto perante oTribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> origem. Prece<strong>de</strong>nte cita<strong>do</strong>: AG (AgRg) 141.518-DF (RTJ, 153/986). RE 215.247-RS, rel. Min. Octavio Gallotti, 21.10.97.”(Informativo STF n. 89).As referidas <strong>de</strong>cisões <strong>do</strong> Ministro Marco Aurélio, pelo prejuízo <strong>do</strong>extraordinário, ainda se insurgem contra o entendimento pelo qual o SuperiorTribunal <strong>de</strong> Justiça estaria priva<strong>do</strong> <strong>de</strong> exercer o controle <strong>de</strong>constitucionalida<strong>de</strong> difuso, quan<strong>do</strong> este papel é exerci<strong>do</strong> pelos juizes dasmais longínquas comarcas <strong>do</strong> Brasil. Conclui, então, pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>o STJ vir a se pronunciar sobre o tema constitucional questiona<strong>do</strong> na<strong>de</strong>manda, como requisito para que outro recurso extraordinário seja89


MARIA CLÁUDIA JUNQUEIRAinterposto da sua <strong>de</strong>cisão e, assim, a questão chegue ao Supremo TribunalFe<strong>de</strong>ral.O referi<strong>do</strong> entendimento não é o mais acerta<strong>do</strong>, uma vez que pressupõea total <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração <strong>do</strong> artigo 543 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civile toda a sistemática processual que impõe a simultaneida<strong>de</strong> da interposição<strong>do</strong>s recursos extraordinário e especial.Além disso, não é correto dizer que o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiçanão participa <strong>do</strong> controle difuso <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>, tanto que argüições<strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> são julgadas pelo STJ em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros tipos<strong>de</strong> recurso e inclusive em recurso especial, quan<strong>do</strong> a questão constitucionalsurgir durante o seu julgamento. Isso é uma notável participação <strong>do</strong>STJ no controle difuso <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>.Já na hipótese <strong>de</strong> a questão constitucional ter si<strong>do</strong> levantada anteriormente,o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça fica impedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> analisá-la em se<strong>de</strong><strong>de</strong> recurso especial, sob pena <strong>de</strong> comprometer a divisão <strong>de</strong> competênciasfixada na Constituição, assim como o papel constitucional a ele <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>.Esta sistemática foi imposta pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral, à medida emque dividiu competências entre os Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e o SuperiorTribunal <strong>de</strong> Justiça. Ao criar o STJ, o objetivo <strong>do</strong> constituinte foi <strong>de</strong>stinara ele competência distinta da <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, para que este,livre <strong>do</strong> excessivo encargo que possuía até então, pu<strong>de</strong>sse realizar commais celerida<strong>de</strong> o papel <strong>de</strong> Corte Constitucional a ele empresta<strong>do</strong>.Caso o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça venha a ter também a competênciaconstitucional em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso especial, nada terá feito o constituintealém <strong>de</strong> transferir o excessivo ônus que pendia sobre o STF para umoutro tribunal. Alia<strong>do</strong> a isto, a iniciativa constitucional <strong>de</strong> 1988 teria torna<strong>do</strong>ainda mais longo o caminho a ser percorri<strong>do</strong> pelo jurisdiciona<strong>do</strong>que, na busca da tutela constitucional, teria que passar por ainda mais umtribunal antes <strong>de</strong> ter a causa <strong>de</strong>cidida <strong>de</strong>finitivamente pelo SupremoTribunal Fe<strong>de</strong>ral.90


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):65-92, jan./<strong>de</strong>z. 1998Definitivamente, a lógica interpretativa não autoriza a este tipo <strong>de</strong>conclusão, posto que parte-se <strong>do</strong> princípio <strong>de</strong> que a vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> constituintetenha si<strong>do</strong> para melhorar a sistemática processual, prestigian<strong>do</strong> aefetivida<strong>de</strong> e celerida<strong>de</strong> da prestação jurisdicional, ao invés <strong>de</strong> atravancálacom obstáculos maiores <strong>do</strong> que os até então existentes.6. CONCLUSÃONestes <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> aplicação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, acomunida<strong>de</strong> jurídica teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experimentar na prática as inovaçõespor ela trazidas, inclusive no que respeita ao uso <strong>do</strong>s recursosextraordinário e especial.Surge agora polêmica sobre a prejudicialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso extraordinárioquan<strong>do</strong> o recurso especial é improvi<strong>do</strong>, em julgamento <strong>de</strong> méritoleva<strong>do</strong> a efeito pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça. Através <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisõesmonocráticas, recursos extraordinários vêm ten<strong>do</strong> seu seguimento nega<strong>do</strong>,sob o argumento <strong>de</strong> que estariam prejudica<strong>do</strong>s. O fundamento <strong>de</strong> tais<strong>de</strong>cisões éo<strong>de</strong>que, examina<strong>do</strong> o mérito, a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> STJ substitui aproferida pelo Tribunal a quo, não sen<strong>do</strong> mais possível buscar a infringênciadaquele através <strong>do</strong> extraordinário.A questão levantada no RE n. 170.626 SP, foi remetida ao Pleno <strong>do</strong>Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>cidiu submeter o assunto à Comissão <strong>de</strong>Regimento Interno daquele Tribunal. A solução a respeito <strong>do</strong> tema, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><strong>do</strong> posicionamento que venha a ser toma<strong>do</strong> pela referida Comissão.De qualquer forma, foi “inicia<strong>do</strong> o julgamento <strong>de</strong> agravo <strong>de</strong> instrumentono qual se preten<strong>de</strong> ver processa<strong>do</strong> e julga<strong>do</strong> recurso extraordináriointerposto simultaneamente com o recurso especial, contra <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>Tribunal <strong>de</strong> Justiça tomada em ação in<strong>de</strong>nizatória, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> este últimoprovi<strong>do</strong> em parte pelo STJ, que se restringira ao exame da matéria legal.O Min. Sepúlveda Pertence, relator, votou no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> afastar, no caso,a prejudicialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso extraordinário sob o entendimento <strong>de</strong> que a91


MARIA CLÁUDIA JUNQUEIRAfalta <strong>de</strong> interposição <strong>de</strong> novo recurso extraordinário contra a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong>recurso especial ocasiona apenas a preclusão da matéria infraconstitucionalneste <strong>de</strong>cidida. Após, o julgamento foi adia<strong>do</strong> em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong>vista <strong>do</strong> Min. Marco Aurélio”. (Informativo STF, n. 114).A questão é palpitante e merece uma análise <strong>de</strong>tida e interessada dacomunida<strong>de</strong> jurídica, a fim <strong>de</strong> que contribuições possam ser oferecidas e oentendimento a ser a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a respeito damatéria venha a ser o que mais se coaduna com os objetivos <strong>do</strong> constituinteao introduzir as alterações na nossa sistemática processual.Estes objetivos certamente foram a celerida<strong>de</strong> e a efetivida<strong>de</strong> da prestaçãojurisdicional, através <strong>do</strong> julgamento aprofunda<strong>do</strong> da <strong>de</strong>manda porórgãos especializa<strong>do</strong>s, sem a prática <strong>de</strong> atos <strong>de</strong>snecessários ou ainterposição <strong>de</strong> recursos improdutivos. Isto implica a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sereconhecer a inocorrência da prejudicialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso extraordinárioem virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> improvimento <strong>do</strong> recurso especial.92


AS GARANTIAS PROCESSUAIS DOS TRATADOSINTERNACIONAIS SOBRE DIREITOSFUNDAMENTAISPedro Lenza*Sumário: Prefácio. Título I. Delimitação <strong>do</strong> tema. Capítulo Único. Osmo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> garantias constitucionais e a processualida<strong>de</strong> ampla. Título II.Os trata<strong>do</strong>s internacionais eo§2º<strong>do</strong>artigo 5º da CF/88. Capítulo 1.Breves notas sobre o processo <strong>de</strong> formação <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais.Capítulo 2. A incorporação <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais que instituem direitose garantias <strong>do</strong> processo. Capítulo 3. O impacto <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais<strong>de</strong> garantias da processualida<strong>de</strong> ampla veicula<strong>do</strong>res <strong>de</strong> direitosfundamentais. Título III. Aspectos conclusivos. Capítulo Único. Brevesconsi<strong>de</strong>rações. Bibliografia.* Professor universitário, Mestran<strong>do</strong> pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.93


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998PREFÁCIOA inspiração para elaboração <strong>do</strong> presente trabalho <strong>de</strong>correu <strong>do</strong> curso“Direito Processual Civil Compara<strong>do</strong> Brasil-Itália”, realiza<strong>do</strong> na Faculda<strong>de</strong><strong>de</strong> Direito <strong>do</strong> Largo <strong>São</strong> Francisco (USP), nos dias 18, 19 e 20 <strong>de</strong>agosto <strong>de</strong> 1997, com a participação <strong>de</strong> eminentes processualistas: AdaPellegrini Grinover, Cândi<strong>do</strong> Rangel Dinamarco, José Carlos BarbosaMoreira (Brasil) e Andrea Proto Pisani, Giuseppe Tarzia, Luigi PaoloComoglio (Itália).Dentre as palestras proferidas naquela reunião acadêmica, a que maisnos instigou foi a <strong>do</strong> dia 19 <strong>de</strong> agosto, proferida pelo Professor LuigiPaolo Comoglio (Titular da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pavia) e pelo Professor JoséCarlos Barbosa Moreira (Titular da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro),intitulada “Os Mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> Garantias Constitucionais <strong>do</strong> Processo”.Recorda-se que este autor, instiga<strong>do</strong> pelas palavras <strong>do</strong>s professores,principalmente em relação aos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> garantias constitucionais veicula<strong>do</strong>satravés <strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s internacionais, levantou a seguinte questão:“Po<strong>de</strong>ríamos dizer que por força <strong>do</strong> § 2º <strong>do</strong> artigo 5º da ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral Brasileira <strong>de</strong> 1988 (CF/88), os direitos e garantias expressos através<strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> que o Brasil seja signatário, serãorecepciona<strong>do</strong>s pelo or<strong>de</strong>namento brasileiro com força e natureza <strong>de</strong> normaconstitucional”?Lembra-se que a pergunta <strong>de</strong>spertou um interessante <strong>de</strong>bate entre osintegrantes da mesa e can<strong>de</strong>nte discussão, ten<strong>do</strong> chega<strong>do</strong> os professores,ao que nos pareceu, à conclusão <strong>de</strong> que os trata<strong>do</strong>s, veicula<strong>do</strong>res <strong>de</strong> garantiasconstitucionais <strong>do</strong> processo, seriam recebi<strong>do</strong>s com status <strong>de</strong> normaconstitucional!!!Este é o tema que o presente trabalho se propõe a tentar resolver.Observa-se que a tese a ser <strong>de</strong>fendida é complexa, instiga<strong>do</strong>ra, provocantee polêmica. Malgra<strong>do</strong> posições radicalmente contrárias, tentar-se-á95


PEDRO LENZA<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a idéia <strong>de</strong> que os direitos e garantias veicula<strong>do</strong>s por trata<strong>do</strong>sinternacionais <strong>de</strong> que o Brasil seja signatário são equipara<strong>do</strong>s aos direitose garantias expressos na CF/88.Neste senti<strong>do</strong>, exposta a dificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong> tema, pe<strong>de</strong>-se, já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oinício, a compreensão <strong>de</strong> que pretensiosa seria a tentativa <strong>de</strong> se resolverpor completo o problema. Isto <strong>de</strong>mandaria anos <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>, uma verda<strong>de</strong>iratese <strong>de</strong> <strong>do</strong>utora<strong>do</strong>, o que não é o objetivo <strong>do</strong> presente trabalho. Tentarse-átrazer alguns elementos a corroborar a tese levantada. Analisar-seão,no corpo <strong>do</strong> presente trabalho, os seguintes tópicos:a) inicialmente, <strong>de</strong>svenda-se a teoria da processualida<strong>de</strong> ampla, estabelecen<strong>do</strong>a tese <strong>de</strong> que as garantias constitucionais <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídicobrasileiro abrangem o processo em seu senti<strong>do</strong> mais amplo, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong>não só o direito processual jurisdicional, como, também, as regrasprocedimentais <strong>do</strong> processo legislativo e administrativo. Assim, sempreque possível, as garantias constitucionais, ou melhor, as garantias <strong>de</strong>caráter constitucional, <strong>de</strong> status <strong>de</strong> norma fundamental hipotética, <strong>de</strong>verãoser sempre observadas no processo, seja este em âmbito jurisdicional,legislativo ou administrativo;b) posteriormente, já tratan<strong>do</strong> propriamente da problemática <strong>do</strong> § 2º<strong>do</strong> artigo 5º da CF/88, será <strong>de</strong>linea<strong>do</strong> o processo através <strong>do</strong> qual se formamos trata<strong>do</strong>s, a sua celebração, para, <strong>de</strong>pois, verificarmos o mo<strong>do</strong>pelo qual são incorpora<strong>do</strong>s no or<strong>de</strong>namento jurídico interno, com statusou não <strong>de</strong> norma constitucional;c) em seguida, e surge então o ápice da discussão, o impacto <strong>do</strong>strata<strong>do</strong>s internacionais que veiculam garantias da processualida<strong>de</strong> ampla,por meio <strong>de</strong> direitos fundamentais, levantan<strong>do</strong> alguns exemplos concretosa corroborar a tese, como o artigo 8º da Convenção Americana sobreDireitos Humanos (Pacto <strong>de</strong> San José da Costa Rica), a questão da prisãocivil <strong>do</strong> <strong>de</strong>positário infiel, a casuística <strong>do</strong> artigo 233 <strong>do</strong> Estatuto daCriança e <strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente…96


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998d) finalmente, os aspectos conclusivos.Eis o que propõe o presente trabalho a <strong>de</strong>svendar! Não se teve, repita-se,a pretensão <strong>de</strong> esgotar o assunto, mas tentou-se, inspiran<strong>do</strong>-se napassagem lembrada pelo professor Clèmerson Merlin Clève, cujo renomedispensa maiores comentários, refletir sobre a matéria, levantan<strong>do</strong> elementospara reflexão <strong>do</strong> leitor:“Mas um dia talvez, quan<strong>do</strong> estiver prestes a morrer <strong>de</strong> esgotamentoe ignorância, eu possa renunciar aos nossos túmulos espalhafatosos parair <strong>de</strong>itar-me no vale sob a luz, e para apren<strong>de</strong>r pela última vez aquilo quesei”. (Camus: Regresso a Tipasa, 1952)TÍTULO I. DELIMITAÇÃO DO TEMACapítulo único. Os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> garantias constitucionaise a processualida<strong>de</strong> amplaA análise <strong>do</strong> tema das garantias constitucionais <strong>do</strong> processo veiculadaspor trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> que o Brasil seja signatário requer, antes<strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento, a <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong> sua abrangência, tomada <strong>de</strong>mo<strong>do</strong> restrito ou amplo, <strong>de</strong> maneira a que o leitor possa, claramente, enten<strong>de</strong>ro seu real significa<strong>do</strong>, em especial no Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito.Não se preten<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o “significa<strong>do</strong> emotivo” 1 da palavra processo,mas, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> mais acura<strong>do</strong>, <strong>de</strong>limitá-la, fixan<strong>do</strong> sua abrangência<strong>de</strong> forma científica e fundamentada.1. Sobre o “significa<strong>do</strong> emotivo” das palavras da Lei ver a importante obra <strong>de</strong> GENARO, R.Carrió, Notas sobre <strong>de</strong>recho y lenguage, 2. ed., Buenos Aires: Abele<strong>do</strong>-Perrot, 1979,p. 22-25, como muito bem lembra<strong>do</strong> por GOMES FILHO, Antônio Magalhães, O princípio dapresunção <strong>de</strong> inocência na Constituição <strong>de</strong> 1988 e na Convenção americana sobre direitoshumanos. <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s, n. 42, p. 30-34, abr. 1994.97


PEDRO LENZAInicialmente, tem-se a acepção <strong>do</strong> termo processo relacionada com afunção jurisdicional.Neste senti<strong>do</strong>, surge a idéia <strong>de</strong> que a forma mais evoluída <strong>de</strong> se fazerjustiça, solucionan<strong>do</strong>-se conflitos, seria através <strong>do</strong> processo, esse último,como acima salienta<strong>do</strong>, relaciona<strong>do</strong> à função jurisdicional.Todavia, no tocante à solução <strong>de</strong> conflitos, ao longo da história tivemosvárias fases que não só a <strong>do</strong> processo. Assim, em or<strong>de</strong>m evolutivapo<strong>de</strong>mos lembrar a autotutela, a autocomposição e, posteriormente, a referidanoção <strong>de</strong> processo 2 .Nos primórdios das civilizações prepon<strong>de</strong>rava o chama<strong>do</strong> regime daautotutela ou auto<strong>de</strong>fesa, cujas características mais marcantes eram a falta<strong>de</strong> um juiz distinto das partes em conflito com autorida<strong>de</strong> soberana e aimposição da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> uma das partes sobre a outra, uma verda<strong>de</strong>iravingança privada.Circunstancialmente parcial, “no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da vonta<strong>de</strong>e da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ou <strong>de</strong> ambas as partes envolvidas” 3 , lembra-se aautocomposição, verificada inclusive em nossos dias (<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> residual, éclaro), através da qual uma das partes em conflito ou ambas renunciam aoseu interesse em contenda. Po<strong>de</strong> ser verificada por três mo<strong>do</strong>s distintos, asaber: a) <strong>de</strong>sistência, pela qual a parte renuncia à pretensão que viria aacarretar um conflito; b) submissão, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a parte que teria opotencial <strong>de</strong> resistir a uma pretensão diversa da sua, <strong>de</strong>siste <strong>de</strong> tal faculda<strong>de</strong>,submeten<strong>do</strong>-se à outra, renuncian<strong>do</strong> por completo à sua <strong>de</strong>fesa que sedaria pela pretensão resistida e, finalmente, c) transação através da qual2. Sobre o assunto, consultar ALCALÁ-ZAMORA, Niceto. Proceso, autocomposición yauto<strong>de</strong>fensa. 2. ed. México: UNAM, 1970. Também, CINTRA, Antônio Carlos <strong>de</strong> Araújo.GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel. Teoria geral <strong>do</strong> processo.12. ed., Malheiros, p. 19 e ss.3. CINTRA, Antônio Carlos <strong>de</strong> Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong>Rangel, Teoria geral <strong>do</strong> processo, cit., p. 21.98


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998ambas as partes em conflito, reciprocamente, fazem concessões a fim <strong>de</strong>se culminar com a solução, ou, ao menos, o apaziguamento da contenda.A terceira forma <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos seria por intermédio <strong>do</strong> processo,instrumento pelo qual a jurisdição é exercida, sen<strong>do</strong> que, através<strong>de</strong>le, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> imparcial, uma terceira pessoa, situan<strong>do</strong>-se fora e acima <strong>do</strong>conflito, “ditaria” qual a solução mais justa, fazen<strong>do</strong>-a prepon<strong>de</strong>rar, eisque mais forte que as partes.Neste senti<strong>do</strong>, Cintra, Grinover e Dinamarco 4 conceituam, provisoriamente,o processo como “…instrumento por meio <strong>do</strong> qual os órgãosjurisdicionais atuam para pacificar as pessoas conflitantes, eliminan<strong>do</strong> osconflitos e fazen<strong>do</strong> cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso quelhes é apresenta<strong>do</strong> em busca <strong>de</strong> solução”.A Professora O<strong>de</strong>te Medauar, lembran<strong>do</strong> a teorização <strong>de</strong> AlcaláZamora, assevera que, para aquele autor, “…o processo apresenta-se comomeio jurídico para a solução jurisdicional <strong>de</strong> uma pretensão litigiosa; caracteriza-se,então, por sua finalida<strong>de</strong> jurisdicional compositiva <strong>do</strong>conflito” 5 .A<strong>do</strong>lfo Merkl, nesta mesma linha <strong>de</strong> se correlacionar o processo àjurisdição, em palavras claras observa, sem ser signatário <strong>de</strong>sta visão 6 ,opensamento que perdurou por muito tempo: “La teoría procesal tradicionalconsi<strong>de</strong>raba el {proceso} como propiedad <strong>de</strong> la justicia,i<strong>de</strong>ntificán<strong>do</strong>lo con el procedimiento judicial. Constituía una <strong>de</strong> esasrestricciones habituales <strong>de</strong> conceptos jurídicos <strong>de</strong> vali<strong>de</strong>z general” 7 .4. CINTRA, Antônio Carlos <strong>de</strong> Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong>Rangel. Teoria geral <strong>do</strong> processo, cit., p. 23.5. MEDAUAR, O<strong>de</strong>te. A processualida<strong>de</strong> no direito administrativo. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais,1993. p. 12.6. No <strong>de</strong>correr da exposição <strong>de</strong>monstraremos o seu entendimento.7. MERKL, A<strong>do</strong>lfo. Teoría general <strong>de</strong>l <strong>de</strong>recho administrativo. México: Nacional, 1975. p. 279.99


PEDRO LENZAA limitação <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> processo à função jurisdicional po<strong>de</strong> serexplicada, como muito bem salientou a professora O<strong>de</strong>te Medauar 8 , portrês motivos básicos: o primeiro seria a “…própria antecedência histórica<strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s, pesquisas e aplicações das noções fundamentais <strong>do</strong> processo,no âmbito <strong>do</strong> processo jurisdicional, que é, então, seu arquétipo” (Cândi<strong>do</strong>Dinamarco, A instrumentalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> processo, 1986, p. 51); o segun<strong>do</strong>seria “…o pre<strong>do</strong>mínio, até mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XIX, da concepçãoprivatista <strong>do</strong> processo, em que este e a jurisdição <strong>de</strong>stinam-se somente àtutela <strong>do</strong>s direitos subjetivos”; em terceiro lugar, a preocupação com aafirmação científica <strong>do</strong> direito processual, marcada pela construção dasgran<strong>de</strong>s teorias, acarretava, como é lógico, ótica precipuamente interna,com prevalência <strong>de</strong> tratamento técnico <strong>do</strong>s temas principais”.Dentre os administrativistas, po<strong>de</strong>mos citar Agustín Gordillo 9 , paraquem, a fim <strong>de</strong> se evitar possíveis confusões, percebe a conveniência emse atrelar e correlacionar processo e juízo ao adjetivo judicial, falan<strong>do</strong>-sesomente em um processo judicial e um juízo relaciona<strong>do</strong> à jurisdição. Istoporque já se chegou a afirmar que não há violação da <strong>de</strong>fesa em juízo se osdireitos <strong>de</strong> um indivíduo são <strong>de</strong>finitivamente resolvi<strong>do</strong>s pela administração,sempre que tenha ela ouvi<strong>do</strong> o interessa<strong>do</strong>. Todavia, isto não seriapossível, prossegue o autor, uma vez que nunca teremos na administraçãoum julga<strong>do</strong>r plenamente imparcial e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.Observa-se, portanto, uma forte preocupação <strong>do</strong> autor com aaplicabilida<strong>de</strong> ou não da noção ampla <strong>de</strong> processo, restringin<strong>do</strong>-a ao âmbitojurisdicional. Contu<strong>do</strong>, em outra passagem, antes <strong>de</strong> apontar o perigoda noção ampliativa <strong>do</strong> processo, assevera: “En efecto, pareceria ser evi<strong>de</strong>ntehoy día que ciertos principios generales <strong>de</strong>l <strong>de</strong>recho y ciertas normasconstitucionales consustanciadas con el Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Derecho y el sistemarepublicano <strong>de</strong> gobierno, no están <strong>de</strong>stinadas a ser aplicadas8. Op. cit., p. 12-14.9. Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>recho administrativo, Parte geral, 1991, tomo II, cap. 17, n. 4, p. 5. Ver aindatomo I, cap. 7, n. 7-19.100


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998únicamente en el proceso judicial: también la administración está <strong>de</strong>s<strong>de</strong>luego sometida a esos principios, y sus procedimientos no estarán menosliga<strong>do</strong>s a ellos por el hecho <strong>de</strong> que no los cubramos com la calificación<strong>de</strong> ‘proceso.’” 10Atualmente, vem sen<strong>do</strong> difundida, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> mais tranqüilo, a noção<strong>de</strong> processualida<strong>de</strong> ampla, aceitan<strong>do</strong>-se o seu exercício nos três “po<strong>de</strong>res”11 <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.Esta evolução iniciou-se a partir <strong>do</strong>s anos 20 (entre osadministrativistas), chegan<strong>do</strong> aos anos 40 (entre os processualistas), seguin<strong>do</strong>-senos anos 50 e 60 e, finalmente, consolidan<strong>do</strong>-se nos anos 70 e80, ao se aceitar a processualida<strong>de</strong> ampla, abrangen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os po<strong>de</strong>resestatais, não só atinente ao Judiciário, como também ao Executivo eLegislativo.No tocante à <strong>do</strong>utrina processual, percebe-se tal evolução <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>acentua<strong>do</strong>: inicialmente, Carnelutti passa a enxergar um processo administrativoe legislativo. Essa evolução atinge Couture, Hans Schima eFazzalari.De mo<strong>do</strong> amplo, o professor Dinamarco 12 asseverava, já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1986que “…o processo e as suas teorias e a sua técnica têm a sua dignida<strong>de</strong> eo seu valor dimensiona<strong>do</strong>s pela capacida<strong>de</strong>, que tenham, <strong>de</strong> propiciar apacificação social, educar para o exercício e respeito aos direitos, garantir10. Op. cit., p. 4.11. Deve-se salientar que, contemporaneamente, inovan<strong>do</strong> as lições <strong>de</strong> Aristóteles, John Lockee Montesquieu, não se fala mais em partição <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r, eis que o po<strong>de</strong>r é uno e indivisível. Oque se percebe é a tripartição <strong>de</strong> funções, falan<strong>do</strong>-se em funções típicas e atípicas. A cadafunção típica estão relacionadas outras duas funções atípicas. Assim, apenas paraexemplificar, tomemos o “Po<strong>de</strong>r” Legislativo: funções típicas <strong>de</strong> legislar e fiscalizar; funçõesatípicas <strong>de</strong> administrar (que correspon<strong>de</strong> à função típica <strong>do</strong> executivo), quan<strong>do</strong> dispõe sobresua organização e operacionalida<strong>de</strong> interna; e <strong>de</strong> julgar (que correspon<strong>de</strong> à função típica<strong>do</strong> judiciário), quan<strong>do</strong> julga o Presi<strong>de</strong>nte da República por crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> (art.86 da CF/88).12. DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel, A instrumentalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> processo, p.11.101


PEDRO LENZAas liberda<strong>de</strong>s e servir <strong>de</strong> canal para a participação <strong>de</strong>mocrática” (nossosgrifos).Cintra, Grinover e Dinamarco também aceitam esta nova tendênciada chamada processualida<strong>de</strong> ampla 13 : “processo é conceito que transcen<strong>de</strong>ao direito processual. Sen<strong>do</strong> instrumento para o legítimo exercício <strong>do</strong>po<strong>de</strong>r, ele está presente em todas as ativida<strong>de</strong>s estatais (processo administrativo,legislativo) e mesmo não-estatais (processos disciplinares <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>spolíticos ou associações, processos das socieda<strong>de</strong>s mercantis paraaumento <strong>de</strong> capital etc.)” 14 .J. J. Calmon <strong>de</strong> Passos também se posiciona a favor da processualida<strong>de</strong>ampla, falan<strong>do</strong> em processo administrativo, judicial e legislativo. 15Dentre os administrativistas, po<strong>de</strong>mos lembrar A<strong>do</strong>lfo Merkl 16 ,jácita<strong>do</strong>autor austríaco, que asseverava (tradução, México): “si nosmantenemos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> la división tripartita <strong>de</strong> las funciones jurídicas enlegislación, justicia y administración, resultan tres gran<strong>de</strong>s tipos <strong>de</strong>procedimientos y tres complejos <strong>de</strong> <strong>de</strong>recho procesal. El <strong>de</strong>recho procesallegislativo, que constituye la parte principal <strong>de</strong>l <strong>de</strong>recho constitucional,representa la suma <strong>de</strong> las reglas e producción <strong>de</strong> las leyes y <strong>de</strong> otros actosestatales <strong>de</strong> rango superior o idéntico que las leyes; <strong>de</strong>recho procesaljudicial abarca la suma <strong>de</strong> las reglas <strong>de</strong> producción <strong>de</strong> los actos judicialesy, por último, el <strong>de</strong>recho procesal administrativo la suma <strong>de</strong> las reglas <strong>de</strong>producción <strong>de</strong> los actos administrativos”.13. Este é o motivo pelo qual, no início <strong>de</strong>ste trabalho, citamos os autores conceituan<strong>do</strong> processo,provisoriamente, restrito à função jurisdicional. Este entendimento é alarga<strong>do</strong> no final daobra (op. cit., p. 280).14. Ver também: DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel, A instrumentalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> processo, p.83ess.15. Processo e <strong>de</strong>mocracia - Democracia, participação e processo, in Participação e processo,p. 86.16. Op. cit., p. 281-282.102


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998Nesta mesma linha tivemos Villar y Romero, na década <strong>de</strong> 40, aceitan<strong>do</strong>uma processualida<strong>de</strong> fora <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r judicial. Posteriormente, FelicianoBenvenuti (Itália-1952) enten<strong>de</strong> haver forma processual a to<strong>do</strong> exercício<strong>de</strong> uma função. Guy Isaac, na França (1968), admite “la procedureadministrative non-contentieuse”, retoman<strong>do</strong> Alberto Xavier (Portugal-1976) a processualida<strong>de</strong> voltada à vonta<strong>de</strong> funcional, tema esteaprofunda<strong>do</strong> pelo argentino Hector Jorge Escola (1981), por Mario Nigro(Itália-década <strong>de</strong> 80) e Giorgio Berti (década <strong>de</strong> 80). Na <strong>do</strong>utrina brasileirativemos, ainda, um gran<strong>de</strong> avanço através das idéias <strong>de</strong> ThemistoclesBrandão, Cretella Júnior, Manoel <strong>de</strong> Oliveira Franco Sobrinho, LafayettePondé e, mais recentemente, Carlos Ari Sundfeld, to<strong>do</strong>s apontan<strong>do</strong> para otema da processualida<strong>de</strong> ampla 17 .Talvez, a noção <strong>de</strong> processualida<strong>de</strong> ampla seja o entendimento maisa<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> para a evolução que culminou com o Esta<strong>do</strong> Social <strong>de</strong> Direito,ou Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> bem-estar. Apenas para ilustrar este processo evolutivo <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> lembramos as palavras <strong>de</strong> Manuel Fraga Iribarne 18 , que em 1972dizia: “hay que asumir el mon<strong>do</strong> actual, como es; hay que enten<strong>de</strong>rlo ydialogar con él; hay que respetar sus gran<strong>de</strong>s creaciones; hay que intentarayudarle en sus anhelos <strong>de</strong> volver a hacer un sitio para el espíritu;hay que hacerlo con mo<strong>de</strong>ración y simpatía. No es tarea fácil, yciertamente no es tarea para fanáticos, sectarios, integristas oreaccionarios. No es un planteamiento <strong>de</strong> reconquista, sino <strong>de</strong> humil<strong>de</strong>volver a empezar, como los cristianos primitivos. Es tiempo, mas que <strong>de</strong>dómines y vigilantes, <strong>de</strong> profetas y <strong>de</strong> apóstolos”.Não tivemos a intenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver, aprofundadamente, o tema da“processualida<strong>de</strong> ampla”, eis que vasto, capaz <strong>de</strong> solicitar uma única dissertaçãopara a sua abordagem. Todavia, tentou-se <strong>de</strong>limitar a abrangência<strong>do</strong> tema processo não só na sua visão primitiva jurisdicional, como,17. Sobre o assunto consultar O<strong>de</strong>te Medauar, (op. cit., p. 18-22).18. El <strong>de</strong>sarrollo político. Barcelona: Gonzalo, 1972. p. 38.103


PEDRO LENZAmo<strong>de</strong>rnamente, relaciona<strong>do</strong> às outras funções <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r uno e indivisível,quais sejam, à legislativa e administrativa. Tentou-se <strong>de</strong>limitar o tema,também, perante a processualida<strong>de</strong> não estatal, como muito bem salienta<strong>do</strong>pelos professores Cintra, Grinover e Dinamarco.Assim, a proposição das garantias constitucionais, sejam asintroduzidas por meio <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r constituinte originário <strong>de</strong> 1988, sejam asexpressas em trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> direitos internacionais <strong>de</strong> que o Brasil seja signatário,<strong>de</strong>verão ser analisadas levan<strong>do</strong>-se em consi<strong>de</strong>ração a suaaplicabilida<strong>de</strong> não só no processo jurisdicional (direito processual civiljurisdicional), como também, e sempre que possível, no processo legislativoou administrativo, amplian<strong>do</strong>, <strong>de</strong> forma irrestrita, as garantias basilares <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito no qual se constitui a República Fe<strong>de</strong>rativa<strong>do</strong> Brasil (art. 1º). Trata-se, como pu<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>monstrar, daprocessualida<strong>de</strong> ampla.TÍTULO II. OS TRATADOS INTERNACIONAIS E O§ 2º DO ARTIGO 5º DA CF/88Capítulo 1. Breves notas sobre o processo <strong>de</strong>formação <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionaisDeve-se <strong>de</strong>ixar claro que a introdução <strong>de</strong>ste capítulo, antes da análise<strong>do</strong> tema propriamente dito, tem como único objetivo esclarecer como seaperfeiçoa a formação <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais e como passam a integraro or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro. Não se tem a intenção <strong>de</strong> trazer empauta as várias teorias e discussões travadas entre os internacionalistas,mesmo porque fugiria por completo ao objetivo da presente proposta.Tenta-se, somente, <strong>de</strong>monstrar a maneira <strong>de</strong> aperfeiçoamento <strong>do</strong> menciona<strong>do</strong>processo.Basicamente, são duas as possíveis formas através das quais se originaum trata<strong>do</strong> internacional: a) pela aprovação <strong>do</strong> texto por uma instância<strong>de</strong> organização internacional, ou b) pela assinatura <strong>de</strong> um <strong>do</strong>cumento por104


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998sujeitos <strong>de</strong> Direito Internacional Público. De forma simples, normalmente,tem-se: negociação, conclusões e assinatura <strong>do</strong> trata<strong>do</strong>. Nos dizeres <strong>de</strong>Flávia Piovesan, “a assinatura <strong>do</strong> trata<strong>do</strong>, via <strong>de</strong> regra, indica tão somenteque o trata<strong>do</strong> é autêntico e <strong>de</strong>finitivo.” E prossegue a autora lembran<strong>do</strong> aConvenção <strong>de</strong> Viena, 19 que estabelece em linhas gerais: “o consentimento<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em obrigar-se por um trata<strong>do</strong> po<strong>de</strong> ser expresso mediante aassinatura, troca <strong>de</strong> instrumentos constituintes <strong>do</strong> trata<strong>do</strong>, ratificação, aceitação,aprovação ou a<strong>de</strong>são, ou através <strong>de</strong> qualquer outro meio acorda<strong>do</strong>’(arts. 11 a 17 da Convenção)” 20 .Em relação ao Brasil, como se <strong>de</strong>flui da análise <strong>do</strong> artigo 84, VIII daCF/88, é <strong>de</strong> competência privativa <strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República “celebrartrata<strong>do</strong>s, convenções e atos internacionais, sujeitos a referen<strong>do</strong> <strong>do</strong> CongressoNacional”. Essa regra <strong>de</strong>ve ser associada ao artigo 49, I da CF/88,que estabelece como sen<strong>do</strong> <strong>de</strong> competência exclusiva <strong>do</strong> Congresso Nacional,materializada através da elaboração <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto legislativo 21(art. 59, VI da CF/88), resolver, <strong>de</strong>finitivamente, sobre trata<strong>do</strong>s, acor<strong>do</strong>sou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravososao patrimônio nacional. Assim, primeiro ocorre o ato da assinatura, para,posteriormente, <strong>de</strong>cidir-se sobre a viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se a<strong>de</strong>rir àquelas normas.22 Desta feita, concordan<strong>do</strong> o Congresso Nacional com a assinatura<strong>do</strong> trata<strong>do</strong> internacional, vale dizer, já ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> elabora<strong>do</strong> o <strong>de</strong>creto19. Observa-se que a Convenção <strong>de</strong> Viena, como muito bem lembra a nobre Procura<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, foi elaborada ante a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> disciplinar e regular o processo<strong>de</strong> formação <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais.20. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>:Max Limonad, 1996. p. 77.21. Como observa Celso Ribeiro Bastos, “o <strong>de</strong>creto legislativo é da competência exclusiva <strong>do</strong>Congresso Nacional, por isso não está sujeito à sanção presi<strong>de</strong>ncial. Basicamente, temcomo conteú<strong>do</strong> as matérias <strong>de</strong> competência exclusiva <strong>do</strong> Congresso Nacional elencadas noartigo 49. A promulgação é feita pelo Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong> Fe<strong>de</strong>ral.” (Curso <strong>de</strong> direito constitucional.18. ed. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Saraiva, p. 362).22. Diferentemente <strong>do</strong> Brasil, é interessante lembrar alguns Esta<strong>do</strong>s nos quais a prerrogativa <strong>de</strong>se <strong>de</strong>cidir <strong>de</strong>finitivamente sobre trata<strong>do</strong>s internacionais, atribuída ao parlamento, fica condicionadaà aprovação <strong>do</strong> povo (participação popular por intermédio <strong>do</strong> processo), através <strong>de</strong>plebiscito ou referendum. Como exemplo, ressalta-se o exemplo da União Européia, quan<strong>do</strong>da elaboração <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Maastrich.105


PEDRO LENZAlegislativo, dá-se “carta branca” ao Chefe <strong>do</strong> Executivo para ratificar aassinatura já <strong>de</strong>positada, ou, ainda, a<strong>de</strong>rir se já não o tenha feito. Ratificarsignifica confirmar perante a or<strong>de</strong>m internacional que aquele Esta<strong>do</strong>, <strong>de</strong>finitivamente,obriga-se perante o pacto firma<strong>do</strong>. A ratificação não é ato <strong>do</strong>parlamento, mas <strong>de</strong> competência privativa <strong>do</strong> chefe <strong>do</strong> Executivo, através<strong>do</strong> qual, o instrumento <strong>de</strong>posita<strong>do</strong> no órgão responsável pela custódia(verbi gratia, a ONU, a OEA…) assegura a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> noâmbito internacional.A próxima etapa, portanto, com o objetivo <strong>de</strong> que o trata<strong>do</strong> se incorpore,por <strong>de</strong>finitivo, no or<strong>de</strong>namento jurídico interno, é a fase em que oPresi<strong>de</strong>nte da República, através <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto, promulga o texto, publican<strong>do</strong>-o,em português, em órgão da imprensa oficial, dan<strong>do</strong>-se, pois, ciênciae publicida<strong>de</strong> da ratificação da assinatura já lançada, ou, caso esta não setenha externa<strong>do</strong>, da a<strong>de</strong>são a um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> trata<strong>do</strong> ou convenção <strong>de</strong>direito internacional. Como maestralmente assinala Mirtô Fraga, “o <strong>de</strong>creto<strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República atestan<strong>do</strong> a existência da nova regra e ocumprimento das formalida<strong>de</strong>s requeridas para que ela se concluísse, coma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> ser cumprida tão inteiramente como nela se contém, conferelhe(ao trata<strong>do</strong>) força executória, e a publicação exige sua observânciapor to<strong>do</strong>s: Governo, particulares, Judiciário 23 ”.Assim, po<strong>de</strong>mos resumir o trâmite <strong>de</strong> integração da norma internacionalno direito interno da seguinte forma: celebração <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> (assinaturaou posterior a<strong>de</strong>são = terceira etapa, art. 84, VIII), aprovação peloparlamento (Congresso Nacional, art. 49, I), ratificação da assinatura oua<strong>de</strong>são, promulgação por <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial, seguida pela publicação<strong>do</strong> texto em português.Brilhante é a passagem selecionada por Flávia Piovesan da obra <strong>de</strong>Louis Henkin a respeito da aludida sistemática: “Com efeito, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>23. FRAGA, Mirtô. O conflito entre trata<strong>do</strong> internacional e a norma <strong>de</strong> direito interno. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Forense, 1997. p. 69.106


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998celebrar trata<strong>do</strong>s — como é concebi<strong>do</strong> e como <strong>de</strong> fato se opera—éumaautêntica expressão <strong>do</strong> constitucionalismo; claramente ele estabelece asistemática <strong>de</strong> ‘checks and balances’. Ao atribuir o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> celebrar trata<strong>do</strong>sao Presi<strong>de</strong>nte, mas apenas mediante o referen<strong>do</strong> <strong>do</strong> legislativo, busca-selimitar e <strong>de</strong>scentralizar o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> celebrar trata<strong>do</strong>s, prevenin<strong>do</strong> oabuso <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>r. Para os constituintes, o motivo principal da instituição<strong>de</strong> uma particular forma <strong>de</strong> ‘checks and balances’ talvez fosse o <strong>de</strong> protegero interesse <strong>de</strong> alguns Esta<strong>do</strong>s, mas o resulta<strong>do</strong> foi o <strong>de</strong> evitar a concentração<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> celebrar trata<strong>do</strong>s no Executivo, como era então aexperiência européia.” 24Capítulo 2. A incorporação <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>sinternacionais que instituem direitose garantias <strong>do</strong> processoUma questão que po<strong>de</strong>ria prece<strong>de</strong>r à análise <strong>de</strong>ste tema seria, emrelação à incorporação <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s, as duas correntes <strong>do</strong>utrinárias queprocuram respon<strong>de</strong>r ao problema, formuladas por Kelsen em 1920, quaissejam, o dualismo ou o monismo, subdividin<strong>do</strong>-se esta última em monismonacionalista ou internacionalista.Resumidamente, “o dualismo trabalha com a idéia <strong>de</strong> que os trata<strong>do</strong>sinternacionais representam simplesmente compromissos assumi<strong>do</strong>s porGovernos na representação <strong>do</strong>s respectivos Esta<strong>do</strong>s, não ten<strong>do</strong> o condão<strong>de</strong> gerar efeitos automáticos na or<strong>de</strong>m jurídica interna. Há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>tu<strong>do</strong> aquilo que foi contrata<strong>do</strong> se materializar na forma <strong>de</strong> diplomanormativo típico <strong>de</strong> direito interno: uma lei, um <strong>de</strong>creto, uma lei complementar,uma norma constitucional…O monismo, como o próprio nomediz, parte da inteligência oposta. Se um Esta<strong>do</strong> assina e ratifica um trata<strong>do</strong>internacional, ele está assumin<strong>do</strong> juridicamente um compromisso; se talcompromisso envolve direitos e obrigações que po<strong>de</strong>m ser exigi<strong>do</strong>s no24. HENKIN, Louis. Constitutionalism, <strong>de</strong>mocracy and foreign affairs. New York: ColumbiaUniversity Press, 1990, p. 59, apud, Flávia Piovesan, op. cit., p. 80-81.107


PEDRO LENZAâmbito interno <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, não há <strong>de</strong> se falar em necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novodiploma. O trata<strong>do</strong>, formalmente e por si só, é suficiente para gerar direitose obrigações perante o Direito interno…” 25 .Postos esses esclarecimentos e discutin<strong>do</strong> sobre o assunto, o mesmoautor conclui, dirimin<strong>do</strong> a aludida controvérsia, elegen<strong>do</strong> a posição monista;vejamos: “em resumo, portanto, o trata<strong>do</strong> ingressa no Direito brasileiro— enten<strong>do</strong> que esta é uma questão pacífica, hoje — com vida própria,com forma própria, por força <strong>do</strong> compromisso internacional celebra<strong>do</strong>pelo Brasil, sen<strong>do</strong> o <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial a via pela qual se dá publicida<strong>de</strong>ao seu conteú<strong>do</strong> e se fixa o início <strong>de</strong> sua vigência no território nacional.” 26Esta discussão foi can<strong>de</strong>ntemente travada até a data <strong>de</strong> 1977, quan<strong>do</strong>no julgamento <strong>do</strong> RE n. 80.004-SE, o STF 27 , seguin<strong>do</strong> a teoria monista,enten<strong>de</strong>u que o trata<strong>do</strong> que o Brasil fosse signatário teria aplicação diretano or<strong>de</strong>namento interno, não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> lei que reproduzisse o seuconteú<strong>do</strong>. Declarou-se, ainda, que o trata<strong>do</strong> não teria sobrevalência sobreas leis internas <strong>do</strong> país. Assim, não seria hierarquicamente superior àsnormas internas.Neste senti<strong>do</strong>, há que se salientar a discussão sobre a valida<strong>de</strong> <strong>do</strong>Decreto-Lei n. 427/69 (sobre notas promissórias), em confrontação coma lei uniforme <strong>de</strong> Genebra. Desta <strong>de</strong>cisão, a partir <strong>de</strong> 1977, pacificou-se oentendimento no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> que o trata<strong>do</strong> revoga oumodifica a lei anterior (quan<strong>do</strong> for a ela contrária), sen<strong>do</strong> que a lei que lheé posterior, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que traga matéria em senti<strong>do</strong> diverso, suspen<strong>de</strong> a eficácia<strong>do</strong> trata<strong>do</strong>, ao menos internamente 28 .25. DALLARI, Pedro Bohomoletz <strong>de</strong> Abreu. Normas internacionais <strong>de</strong> direitos humanos e jurisdição,<strong>Revista</strong> Especial <strong>do</strong> Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral, 3ª Região, Seminário Incorporação<strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s direitos humanos no direito brasileiro, IMESP,p. 29.26. Op. cit. supra, p. 31-32.27. RTJ n. 83, p. 809.28. Não se po<strong>de</strong>ria aceitar que uma lei interna revogasse o trata<strong>do</strong>, fazen<strong>do</strong> com que o Brasilnão tivesse mais nenhuma responsabilida<strong>de</strong> no âmbito internacional.108


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998Isso posto, aceitan<strong>do</strong>-se o monismo jurídico, passemos a analisar aquestão crucial <strong>de</strong>ste trabalho, qual seja, o nível e status das normasveicula<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> direitos e garantias, expressas nos trata<strong>do</strong>s internacionaisem que a República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil seja parte.A CF/88, em seu § 2º <strong>do</strong> artigo 5º estabelece que “os direitos e garantiasexpressos nesta constituição não excluem outros <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> regimee <strong>do</strong>s princípios por ela a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s, ou <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais emque a República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil seja parte”. Traduzin<strong>do</strong>, há plena e<strong>de</strong>clarada convivência harmônica entre os direitos e garantias expressosna Constituição (concentra<strong>do</strong>s no art. 5º) 29 e os direitos e garantias veicula<strong>do</strong>spor trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> que o Brasil seja signatário.Em se recordan<strong>do</strong> a norma correlata à <strong>do</strong> cita<strong>do</strong> § 2º expressa naConstituição <strong>de</strong> 1967, encontraremos o artigo 153, (36, que dizia: “aespecificação <strong>do</strong>s direitos e garantias expressos nesta constituição nãoexclui outros direitos e garantias <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> regime e <strong>do</strong>s princípiosque ela a<strong>do</strong>ta”. Pois bem, facilmente se percebe que o po<strong>de</strong>r constituinteoriginário <strong>de</strong> 1988 inovou ao estabelecer que os direitos e garantias expressosna Constituição (portanto <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma visível e inconteste)não excluem os direitos e garantias <strong>de</strong>correntes, não só <strong>do</strong> regime e princípiospela Carta a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s (repetin<strong>do</strong> a antiga constituição), como também,e inovan<strong>do</strong>, <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais em que a República Fe<strong>de</strong>rativa<strong>do</strong> Brasil seja parte.Nesse senti<strong>do</strong>, adiantamos algumas conclusões, trazen<strong>do</strong> a lume aspalavras <strong>do</strong> Juiz da Corte Interamericana <strong>de</strong> Direitos Humanos, Ph. D.(Cambridge), Antônio Augusto Cança<strong>do</strong> Trinda<strong>de</strong>: “Assim, a novida<strong>de</strong>29. Não só no artigo 5º, mas, conforme jurisprudência <strong>do</strong> STF, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser encontra<strong>do</strong>s aolongo <strong>do</strong> texto normativo, conforme se conclui pelo julgamento da ADIN n. 939-7/DF, rel.Min. Sidney Sanches - medida cautelar, RTJ 150/68, ao consi<strong>de</strong>rar cláusula pétrea a garantiaconstitucional assegurada ao cidadão no artigo 150, III, “b”, <strong>de</strong>claran<strong>do</strong> que a EC n. 3/93,ao preten<strong>de</strong>r subtraí-la da esfera protetiva, estaria ferin<strong>do</strong> o limite material previsto no artigo60, § 4º, IV da CF/88.109


PEDRO LENZA<strong>do</strong> artigo 5º (2) da Constituição <strong>de</strong> 1988 consiste no acréscimo, por propostaque avancei, ao elenco <strong>do</strong>s direitos constitucionalmente consagra<strong>do</strong>s,<strong>do</strong>s direitos e garantias expressos em trata<strong>do</strong>s internacionais sobreproteção internacional <strong>do</strong>s direitos humanos em que o Brasil é parte. Observe-seque os direitos se fazem acompanhar necessariamente das garantias…”30E quais seriam estes direitos, senão os direitos fundamentais <strong>do</strong> homem.“No qualificativo fundamentais acha-se a indicação <strong>de</strong> que se trata<strong>de</strong> situações jurídicas sem as (quais) a pessoa humana não se realiza, nãoconvive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais <strong>do</strong> homem nosenti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a to<strong>do</strong>s, por igual, <strong>de</strong>vem ser, não apenas formalmentereconheci<strong>do</strong>s, mas concreta e materialmente efetiva<strong>do</strong>s. 31 ”Como diria Ruy Barbosa, há que se diferenciar direitos <strong>de</strong> garantias.Não basta a existência <strong>de</strong> direitos, há que se viabilizar a manutenção daquelesatravés <strong>de</strong> instrumentos, ou seja, através das garantias.Assim, a própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral veicula direitos e as correlatasgarantias para fazê-los valer. Mas será que aquele rol <strong>do</strong> artigo 5º é taxativo,compacto, estanque? Como estamos tentan<strong>do</strong> <strong>de</strong>finir o rol é, incontestavelmente,exemplificativo. Observa-se que não se restringe ao artigo 5º,po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser encontra<strong>do</strong> tanto ao longo <strong>do</strong> texto normativo, quanto veicula<strong>do</strong>através <strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s internacionais. Nesse senti<strong>do</strong>, Cança<strong>do</strong> Trinda<strong>de</strong>32 tece os seus comentários: “o disposto no artigo 5º, § 2º da ConstituiçãoBrasileira <strong>de</strong> 1988 se insere na nova tendência <strong>de</strong> Constituições latino-americanasrecentes <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r um tratamento especial ou diferencia<strong>do</strong>também no plano <strong>do</strong> direito interno aos direitos e garantias indivi-30. A proteção internacional <strong>do</strong>s direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos.<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Saraiva, 1991. p. 631.31. SILVA, José Afonso da. Curso <strong>de</strong> direito constitucional positivo. 9. ed. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Malheiros,p. 163-164. p. 163-164.32. Direito internacional e direito interno: sua integração na proteção <strong>do</strong>s direitos humanos. In:<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> (Esta<strong>do</strong>). <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Grupo <strong>de</strong> Trabalho <strong>de</strong> Direitos Humanos.Instrumentos internacionais <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s direitos humanos. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Centro <strong>de</strong>Estu<strong>do</strong>s da <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, 1997. p. 21.110


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998duais internacionalmente consagra<strong>do</strong>s. A especificida<strong>de</strong> e o caráter especial<strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> proteção internacional <strong>do</strong>s direitos humanos encontram-se,com efeito, reconheci<strong>do</strong>s e sanciona<strong>do</strong>s pela Constituição Brasileira<strong>de</strong> 1988: se, para os trata<strong>do</strong>s internacionais em geral, se tem exigi<strong>do</strong>a intermediação pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo <strong>de</strong> ato com força <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> aoutorgar as suas disposições, vigência ou obrigatorieda<strong>de</strong> no plano <strong>do</strong>or<strong>de</strong>namento jurídico interno, distintamente no caso <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> proteçãointernacional <strong>do</strong>s direitos humanos em que o Brasil é parte os direitosfundamentais neles garanti<strong>do</strong>s passam, consoante os artigos 5º, § 2º e5º, § 1º, da Constituição Brasileira <strong>de</strong> 1988, a integrar o elenco <strong>do</strong>s direitosconstitucionalmente consagra<strong>do</strong>s e direta e imediatamente exigíveisno plano <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico interno.”Assim, <strong>de</strong>ve ser feita a distinção sugerida pelo eminente Professor e<strong>de</strong>clarada, <strong>de</strong> forma inconteste na Carta <strong>de</strong> 1988, qual seja: a expressão“trata<strong>do</strong>s internacionais” abarca não só os trata<strong>do</strong>s tradicionais que visamuma integração entre os Esta<strong>do</strong>s, como os trata<strong>do</strong>s veicula<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s direitose garantias fundamentais <strong>do</strong> ser humano. Estes últimos são os abarca<strong>do</strong>spela regra <strong>do</strong> § 2º <strong>do</strong> artigo 5º da CF/88.Outra conclusão <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> ser correta senão aquela que enten<strong>de</strong> evislumbra o caráter e a natureza <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> material <strong>do</strong>s direitosfundamentais. Não importa a forma como são veicula<strong>do</strong>s ou introduzi<strong>do</strong>sno or<strong>de</strong>namento brasileiro, dada a essencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais direitos.Como diria Canotilho, “o programa normativo-constitucional não po<strong>de</strong> sereduzir, <strong>de</strong> forma positivística, ao “texto” da Constituição 33 .Háque33. Também neste senti<strong>do</strong> Jorge Miranda ao comentar o artigo 16 da Constituição Portuguesa:“o n. 1 <strong>do</strong> artigo 16 da Constituição aponta para um senti<strong>do</strong> material <strong>de</strong> direitos fundamentais:estes não são apenas o que as normas formalmente constitucionais enunciem; são oupo<strong>de</strong>m ser também direitos provenientes <strong>de</strong> outras fontes, na perspectiva mais ampla daConstituição material. Não se <strong>de</strong>para, pois, no texto constitucional, um elenco taxativo <strong>de</strong>direitos fundamentais. Pelo contrário, a enumeração é uma enumeração aberta, sempre prontaa ser preenchida ou completada…” (Manual <strong>de</strong> direito constitucional, Coimbra, 1988, v. 4,p. 153).111


PEDRO LENZA<strong>de</strong>nsificar, em profundida<strong>de</strong>, as normas e os princípios da constituição,alargan<strong>do</strong> o ‘bloco <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>’ a princípios não escritos…” 34Juntamente à teoria <strong>do</strong> “alargamento <strong>do</strong> bloco <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong><strong>do</strong>s direitos fundamentais”, sejam eles expressamente <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>s no corpoda constituição, ou veicula<strong>do</strong>s por trata<strong>do</strong>s internacionais, some-se oprincípio da máxima efetivida<strong>de</strong> das normas fundamentais.Não restam dúvidas <strong>de</strong> que os representantes <strong>do</strong> povo, em AssembléiaNacional Constituinte, instituíram um Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito,<strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a assegurar o exercício <strong>do</strong>s direitos sociais e individuais, aliberda<strong>de</strong>, a segurança, o bem-estar, o <strong>de</strong>senvolvimento, a igualda<strong>de</strong> e ajustiça. Nesse senti<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ntre os fundamentos da República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong>Brasil <strong>de</strong>stacam-se a cidadania e a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, fundamentosesses busca<strong>do</strong>s inclusive nas relações internacionais travadas peloBrasil. Dentre os princípios básicos orienta<strong>do</strong>res <strong>de</strong>stas relações lembramosa prevalência <strong>do</strong>s direitos humanos e a solução pacífica <strong>do</strong>s conflitos,<strong>de</strong>ntre outros enumera<strong>do</strong>s nos incisos <strong>do</strong> artigo 4º da CF/88. Assim, embusca <strong>do</strong> fundamento da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana e <strong>do</strong> princípio daprevalência <strong>do</strong>s direitos humanos (direitos fundamentais <strong>do</strong> ser humano),não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezar qualquer direito implementa<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s já consagra<strong>do</strong>sno corpo <strong>do</strong> texto constitucional. Nessa linha, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> citaras garantias <strong>de</strong> natureza constitucional <strong>do</strong> processo, seja no âmbitojurisdicional, legislativo ou administrativo. A interpretação <strong>do</strong> § 2º <strong>do</strong> artigo5º há <strong>de</strong> ser a mais ampla possível a fim <strong>de</strong> se atingir e realizar osprincípios maiores da Carta <strong>de</strong> 1988.Portanto, inspira<strong>do</strong>s em maestral conclusão da Professora FláviaPiovesan 35 , não se tem dúvidas, apesar <strong>de</strong> fortes argumentos <strong>do</strong>utrinários34. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, p. 982.35. Sobre o assunto, consultar sua obra já citada, cujo pioneirismo e <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> contribuiram <strong>de</strong>forma exemplar para a literatura jurídica.112


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998e jurispru<strong>de</strong>nciais (especialmente da Corte Suprema) em contrário, danatureza constitucional <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s que assegurem direitos fundamentaisao homem. Pedimos vênia para reproduzi-la: “logo, por força <strong>do</strong> artigo5º, §§ 1º e 2º, a Carta <strong>de</strong> 1988 atribui aos direitos enuncia<strong>do</strong>s em trata<strong>do</strong>sinternacionais <strong>de</strong> direitos humanos natureza <strong>de</strong> norma constitucional, incluin<strong>do</strong>-osno elenco <strong>do</strong>s direitos constitucionalmente garanti<strong>do</strong>s, que apresentamaplicabilida<strong>de</strong> imediata. Enfatize-se que, enquanto os <strong>de</strong>mais trata<strong>do</strong>sinternacionais têm força hierárquica infraconstitucional, nos termos<strong>do</strong> artigo 102, III, “b”, <strong>do</strong> texto — que admite o cabimento <strong>de</strong> recursoextraordinário <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão que <strong>de</strong>clarar a inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trata<strong>do</strong>— os direitos enuncia<strong>do</strong>s em trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s direitoshumanos <strong>de</strong>têm natureza <strong>de</strong> norma constitucional. O tratamentojurídico diferencia<strong>do</strong> se justifica na medida em que os trata<strong>do</strong>s internacionais<strong>de</strong> direitos humanos apresentam um caráter especial, distinguin<strong>do</strong>-se<strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais comuns. Enquanto estes buscam o equilíbrio ea reciprocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações entre Esta<strong>do</strong>s partes, aqueles transcen<strong>de</strong>m osmeros compromissos recíprocos entre os Esta<strong>do</strong>s pactuantes, ten<strong>do</strong> emvista que objetivam a salvaguarda <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> ser humano e não dasprerrogativas <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s. Este caráter especial vem a justificar o statusconstitucional atribuí<strong>do</strong> aos trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s direitoshumanos. Conclui-se, portanto, que o Direito brasileiro faz opção porum sistema misto que combina regimes jurídicos diferencia<strong>do</strong>s — um regimeaplicável aos trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> direitos humanos e um outro aplicável aostrata<strong>do</strong>s tradicionais. Enquanto os trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>sdireitos humanos — por força <strong>do</strong> artigo 5º, §§ 1º e 2º — apresentamnatureza <strong>de</strong> norma constitucional e aplicação imediata, os <strong>de</strong>mais trata<strong>do</strong>sinternacionais apresentam natureza infraconstitucional e se submetem àsistemática da incorporação legislativa.” 3636. <strong>Revista</strong> Especial <strong>do</strong> Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral, 3ª Região, “A constituição <strong>de</strong> 1988 e ostrata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> direitos humanos”; Seminário Incorporação <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais<strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s direitos humanos no direito brasileiro, IMESP, p. 43.113


PEDRO LENZACapítulo 3. O impacto <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> garantias daprocessualida<strong>de</strong> ampla veicula<strong>do</strong>res <strong>de</strong> direitos fundamentaisNesta parte <strong>do</strong> trabalho tentaremos <strong>de</strong>monstrar, aceitan<strong>do</strong> a premissa<strong>de</strong> que os trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> direitos fundamentais <strong>do</strong> homem (<strong>de</strong>direitos humanos) adquirem o status <strong>de</strong> norma constitucional, que a referidatese não se trata <strong>de</strong> uma proposição meramente acadêmica, mas, narealida<strong>de</strong>, enseja<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> conseqüências substanciais.O primeiro exemplo não corroborará a tese aqui <strong>de</strong>fendida, mas <strong>de</strong>monstrarárecente posição <strong>do</strong> STF, admitin<strong>do</strong> o preenchimento <strong>de</strong> lacunasda lei através <strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s internacionais. Destaca-se a posição que refleteo entendimento da existência jurídica <strong>do</strong> crime <strong>de</strong> tortura contra criança ea<strong>do</strong>lescente, na medida em que o tipo penal aberto <strong>do</strong> artigo 233 <strong>do</strong> Estatutoda Criança e <strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente teria si<strong>do</strong> preenchi<strong>do</strong>, permitin<strong>do</strong> aintegração da referida norma penal através <strong>de</strong> diversos instrumentos internacionaisratifica<strong>do</strong>s pelo Brasil, como o Pacto <strong>de</strong> San José da Costa Rica.Vejamos a matéria estabelecida no julgamento <strong>do</strong> HC n. 70.389-5 (Pleno,23.6.94):“Tortura contra criança e a<strong>do</strong>lescente — existência jurídica <strong>de</strong>ssecrime no Direito Penal Positivo brasileiro — Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua repressão— Convenções Internacionais subscritas pelo Brasil — previsão típicaconstante <strong>do</strong> Estatuto da Criança e <strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente (Lei n. 8069/90,art. 233) — confirmação da constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa norma <strong>de</strong> tipificaçãopenal — <strong>de</strong>lito imputa<strong>do</strong> a policiais militares — infração penal que não sequalifica como crime militar — competência da Justiça comum <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-membro— pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong>feri<strong>do</strong> em parte. (O crime <strong>de</strong> tortura, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quepratica<strong>do</strong> contra criança ou a<strong>do</strong>lescente, constitui entida<strong>de</strong> <strong>de</strong>lituosa autônomacuja previsão típica encontra fundamento jurídico no artigo 233da Lei n. 8.069/90. Trata-se <strong>de</strong> preceito normativo que encerra tipo penalaberto suscetível <strong>de</strong> integração pelo magistra<strong>do</strong>, eis que o <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> tortura(por comportar formas múltiplas <strong>de</strong> execução) caracteriza-se pela inflição<strong>de</strong> tormentos e suplícios que exasperam, na dimensão física, moral ou114


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998psíquica em que se projetam os seus efeitos, o sofrimento da vítima poratos <strong>de</strong> <strong>de</strong>snecessária, abusiva e inaceitável cruelda<strong>de</strong>). (Venci<strong>do</strong>s: os Ministros-Relatores,Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Moreira Alves e o Presi<strong>de</strong>nte,Ministro Octavio Gallotti).Portanto, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com este primeiro exemplo, encontra-se o limite<strong>de</strong> aceitabilida<strong>de</strong>, por parte <strong>do</strong> STF, da tese que tentamos <strong>de</strong>monstrar nestaspáginas. Vale dizer, a Corte Maior permite, no máximo, em se tratan<strong>do</strong><strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s internacionais veicula<strong>do</strong>res <strong>de</strong> direitos e garantias, a integraçãopelo magistra<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> estiver diante <strong>de</strong> preceito normativo que encerretipo penal aberto.De resto, é importante <strong>de</strong>ixar bem claro, que a tese a<strong>do</strong>tada pelo STFesbarra, frontalmente, com o que preten<strong>de</strong>mos expor. Para a Corte Maior,os trata<strong>do</strong>s internacionais, em nenhuma hipótese assumiriam o status <strong>de</strong>norma constitucional, nem mesmo os veicula<strong>do</strong>res <strong>de</strong> direitos fundamentais.Neste senti<strong>do</strong>, o Relator Ministro Maurício Correia observa: “…oscompromissos assumi<strong>do</strong>s pelo Brasil em trata<strong>do</strong> internacional <strong>de</strong> que sejaparte (§ 2º <strong>do</strong> art. 5º da Constituição) não minimizam o conceito <strong>de</strong> soberania<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-povo na elaboração da sua Constituição; por esta razão,o artigo 7º, n. 7, <strong>do</strong> Pacto <strong>de</strong> <strong>São</strong> José da Costa Rica (“ninguém <strong>de</strong>ve ser<strong>de</strong>ti<strong>do</strong> por dívida”: “este principio não limita os manda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>judiciária competente expedi<strong>do</strong>s em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> inadimplemento <strong>de</strong> obrigaçãoalimentar”), <strong>de</strong>ve ser interpreta<strong>do</strong> com as limitações impostas peloartigo 5º, LXVII, da Constituição.” (STF, 2ª T, j. 19.3.96, DJU, <strong>de</strong> 20.9.96,p. 34.534 v. Ement, 01842-02 p. 00196. Observação: Votação: Por maioriae Unânime. Resulta<strong>do</strong>: Conheci<strong>do</strong> em parte e in<strong>de</strong>feri<strong>do</strong>). 37Todavia, apesar da posição <strong>do</strong> STF, parte da <strong>do</strong>utrina e da jurisprudênciavem amadurecen<strong>do</strong> a idéia <strong>de</strong> que os trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong>37. Neste mesmo senti<strong>do</strong> ver: HC-68582, RTJ-136/230, HC-69254, RTJ-141/570, HC-72131,HC-70625 e HC-72366, HC-70338, HC-71159, HC-71933, HC-71739, HC-72171, HC-72621,RTJ-149/479 e RTJ-135/1111, RTJ-82/129, bem como HC 75.362-1/PR, STF.115


PEDRO LENZAdireitos fundamentais <strong>do</strong> ser humano são recebi<strong>do</strong>s pelo nosso or<strong>de</strong>namentojurídico com a natureza <strong>de</strong> norma constitucional. Cintra, Grinover eDinamarco, analisan<strong>do</strong> o artigo 8º da Convenção Americana sobre DireitosHumanos (Pacto <strong>de</strong> <strong>São</strong> José da Costa Rica), internaliza<strong>do</strong> no País em1992, por força <strong>do</strong> Decreto Fe<strong>de</strong>ral n. 678, <strong>de</strong> 6.11.92 e publica<strong>do</strong> noDOU <strong>de</strong> 9.11.92, colocam muito bem a questão: “a partir daí, e nos estritostermos <strong>do</strong> § 2º <strong>do</strong> artigo 5º Const., supra transcrito, os direitos egarantias processuais nela inseri<strong>do</strong>s passaram a ter ín<strong>do</strong>le e nível constitucionais,complementan<strong>do</strong> a Lei Maior e especifican<strong>do</strong> ainda mais as regras<strong>do</strong> ‘<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal’… E pelo menos num ponto — aplicávelao processo penal e ao não penal — nova garantia surge explicitamente daConvenção: o direito ao processo em prazo razoável… A constituiçãobrasileira, omissa a esse respeito, vem assim integrada não só pelos direitose garantias implícitos, mas, também, pela Convenção Americana, tu<strong>do</strong>nos termos <strong>do</strong> artigo 5º, § 2º, Const.” 38A Professora Ada Pellegrini Grinover, <strong>de</strong> forma precisa, como lhe épeculiar, esclarece o assunto: “… a partir <strong>de</strong> 6.11.92, com a promulgação<strong>do</strong> Decreto n. 678, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,ratificada pelo Brasil, passou a integrar o or<strong>de</strong>namento pátrio. E as normas<strong>de</strong> garantia da Convenção guardam, no plano interno, o mesmo nívelhierárquico das regras <strong>do</strong> artigo 5º da Constituição, porquanto, nos termos<strong>de</strong> seu § 2º, ‘os direitos e garantias expressos nessa Constituição nãoexcluem outros <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> regime e <strong>do</strong>s princípios por ela a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>sou <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> que a República <strong>do</strong> Brasil seja parte.’” 39Expostos estes confortantes argumentos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, sentimo-nosmais tranqüilos em continuar a exposição <strong>de</strong> alguns outros motivosratifica<strong>do</strong>res da tese exposta e <strong>de</strong>fendida no presente trabalho.Talvez, o ponto mais interessante e can<strong>de</strong>nte seja em relação à prisão<strong>do</strong> <strong>de</strong>positário infiel. O artigo 5º, LXVII estabelece que: “não haverá38. Teoria geral <strong>do</strong> processo, cit., p. 85-86.39. Boletim IBCCrim, ed. especial, n. 42, junho <strong>de</strong> 1996, p. 1.116


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998prisão civil por dívida, salvo a <strong>do</strong> responsável pelo inadimplemento voluntárioe inescusável <strong>de</strong> obrigação alimentíciaea<strong>do</strong><strong>de</strong>positário infiel”. Assim,os <strong>do</strong>is únicos casos <strong>de</strong> prisão civil previstos expressamente noor<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro são a <strong>do</strong> <strong>de</strong>positário infiel ea<strong>do</strong>inadimplente <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> prestar os alimentos fixa<strong>do</strong>s em competenteação alimentar.Todavia, a Convenção Americana <strong>de</strong> Direitos Humanos (1969), tambémconhecida por Pacto <strong>de</strong> San José da Costa Rica, a<strong>do</strong>tada e aberta àassinatura na Conferência Especializada sobre Direitos Humanos, em SanJosé da Costa Rica, em 22 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1969 e ratificada pelo Brasilem 25 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1972, ao tratar <strong>do</strong> direito à liberda<strong>de</strong> pessoal noartigo 7º, no item 7 estabeleceu: “Ninguém <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>ti<strong>do</strong> por dívidas.Este princípio não limita os manda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> judiciária competenteexpedi<strong>do</strong>s em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> inadimplemento <strong>de</strong> obrigação alimentar”. Nestesenti<strong>do</strong>, a referida Convenção, ratificada pelo Brasil e integrada aoor<strong>de</strong>namento interno por força <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial, admite, como únicaforma <strong>de</strong> prisão civil, a <strong>de</strong>corrente <strong>do</strong> inadimplemento <strong>de</strong> obrigaçãoalimentar, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar ilícito penal sujeito a pena <strong>de</strong> prisão ahipótese <strong>do</strong> <strong>de</strong>positário infiel.Neste mesmo senti<strong>do</strong> é expresso o artigo 11 <strong>do</strong> Pacto InternacionalSobre Direitos Civis e Políticos, a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pela XXI Sessão da Assembléia<strong>Geral</strong> das Nações Unidas, em 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1966, ratifica<strong>do</strong> peloBrasil em 24 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1992 e finalmente incorpora<strong>do</strong> internamentepelo Decreto Presi<strong>de</strong>ncial n. 592, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1992 e publica<strong>do</strong> noDOU <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1992, ao estabelecer que “ninguém po<strong>de</strong>rá serpreso apenas por não po<strong>de</strong>r cumprir com uma obrigação contratual”.Surge então a indagação: será que a regra instituída no inciso LXVII<strong>do</strong> artigo 5º da CF/88 ainda persiste diante <strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s instrumentosinternacionais?Enten<strong>de</strong>mos não ser mais possível a prisão <strong>do</strong> <strong>de</strong>positário infiel.117


PEDRO LENZAApesar <strong>de</strong> vozes em contrário na jurisprudência (RT: 724/330;727/102; 733/254; 739/290…) e na <strong>do</strong>utrina, insistimos, como já exposto,que os trata<strong>do</strong>s internacionais, quan<strong>do</strong> veicula<strong>do</strong>res <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> direitosfundamentais <strong>do</strong> homem, integram o or<strong>de</strong>namento jurídico com status<strong>de</strong> norma constitucional. Haven<strong>do</strong> conflito entre a norma <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> e ada CF/88, <strong>de</strong>verá prevalecer aquela que for mais favorável ao ser humano.Neste senti<strong>do</strong>, Cança<strong>do</strong> Trinda<strong>de</strong>: “não mais há pretensão <strong>de</strong> primazia<strong>de</strong> um ou outro, como na polêmica clássica e superada entre monistase dualistas. No presente <strong>do</strong>mínio <strong>de</strong> proteção, a primazia é da norma maisfavorável às vítimas, seja ela norma <strong>de</strong> direito internacional ou <strong>de</strong> direitointerno.” 40Esta é a mesma linha <strong>do</strong> ilustre Juiz <strong>do</strong> TRF, da 3ª Região, Dr. <strong>Paulo</strong>Razuk (Agravo n. 679.390-8): “Ocorre que o artigo 7º, n. 7 da ConvençãoAmericana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto <strong>de</strong> <strong>São</strong>José, estatui que ninguém <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>ti<strong>do</strong> por dívidas, salvo os casos <strong>de</strong>inadimplemento <strong>de</strong> obrigação alimentar. Tal diploma entrou em vigor internacionalmenteem 18.7.78, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> ratifica<strong>do</strong> pelo Brasil em 25.9.92.O Congresso Nacional o aprovou pelo Decreto Legislativo n. 27 <strong>de</strong> 26.5.92.Pelo Decreto <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Legislativo n. 678 <strong>de</strong> 6.11.92 <strong>de</strong>terminou-se o seucumprimento no País”.Maestral é o voto <strong>do</strong> ilustre Juiz <strong>de</strong> Direito A<strong>de</strong>mir <strong>de</strong> Carvalho Benedito41 : “a regra legal que estabelece a prisão para a hipótese <strong>de</strong><strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong>ssa obrigação contratual está revogada, em função <strong>de</strong>ter o Brasil a<strong>de</strong>ri<strong>do</strong> ao Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticosa<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s pela XXI Sessão da Assembléia <strong>Geral</strong> das Nações Unidas,em 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1966, e que passou a vigorar como lei em nossoPaís a partir <strong>do</strong> Decreto Presi<strong>de</strong>ncial n. 592, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1992… e que40. Direito internacional e direito interno..., op. cit., p. 43.41. 1º TAC, Ap. n. 515.807/2.118


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998por dispositivo nela próprio conti<strong>do</strong>, erige-se como garantia constitucional(CF, art. 5º, § 2º)…”Neste mesmo senti<strong>do</strong>, parte da jurisprudência vem se estruturan<strong>do</strong>.Vejamos:“O artigo 7º, n. 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos,conhecida como Pacto <strong>de</strong> San José, estabelece que ninguém <strong>de</strong>ve ser<strong>de</strong>ti<strong>do</strong> por dívidas, ressalva<strong>do</strong>s os casos <strong>de</strong> inadimplemento <strong>de</strong> obrigaçãoalimentar. Esse diploma entrou em vigor internacionalmente em 18.7.78,ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> ratifica<strong>do</strong> pelo Brasil em 25.9.92. O Congresso Nacional aprovou-opelo Decreto Legislativo n. 27, <strong>de</strong> 26.5.92, <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> o seu cumprimentono país pelo Decreto n. 678, <strong>de</strong> 06 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1992. Poroutro la<strong>do</strong>, o artigo 11 <strong>do</strong> Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticosassegura que ninguém po<strong>de</strong>rá ser preso apenas por inadimplemento<strong>de</strong> obrigação contratual. Aprova<strong>do</strong> pela XXI Sessão da Assembléia <strong>Geral</strong>da ONU em 16.12.66, o Pacto foi ratifica<strong>do</strong> pelo Brasil em 24.1.92, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> aprova<strong>do</strong> seu texto pelo Decreto Legislativo n. 226, <strong>de</strong> 12.12.91,<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> seu cumprimento no Brasil pelo Decreto n. 592, <strong>de</strong> 6.7.92.Diante <strong>de</strong>sses textos legais, que têm feição constitucional, afasta-se <strong>de</strong>finitivamentea possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretação da prisão, em casos como o <strong>do</strong>sautos, subsistin<strong>do</strong> a obrigação <strong>de</strong> entrega da coisa ou <strong>de</strong> seu equivalenteem dinheiro, com possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> execução por quantia certa em caso <strong>de</strong>inadimplemento.” (Negaram provimento, por v.u., ao recurso. Participaram<strong>do</strong> julgamento os Juízes A<strong>de</strong>mir Benedito (revisor) e João CarlosGarcia. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 16 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1996. Elliot Akel, Presi<strong>de</strong>nte erelator. Apelação n. 601.880-4 — <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> — 1ª Câmara — 1º TAC —Voto n. 7.716).Neste mesmo senti<strong>do</strong>, perfeita foi a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Juiz <strong>do</strong> 2º TAC, DyrceuCintra no Agravo <strong>de</strong> Instrumento n. 498.782-00/1, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Capital.Vejamos a ementa: “Interposto contra ato judicial que <strong>de</strong>termina o cumprimento<strong>de</strong> sentença transitada em julga<strong>do</strong>. Prisão <strong>do</strong> <strong>de</strong>positário infielcominada na sentença. Impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ataque por aquela via. Agravo119


PEDRO LENZAnão conheci<strong>do</strong>. Alienação fiduciária. Depositário infiel. Prisão civil. Impossibilida<strong>de</strong>.Cominação inconstitucional por violação <strong>do</strong> que dispõe oartigo 7º, 7, da Convenção Americana <strong>de</strong> Direitos Humanos (Pacto <strong>de</strong>San José da Costa Rica) e o artigo 11 <strong>do</strong> Pacto Internacional <strong>de</strong> DireitosCivis e Políticos, ambos ratifica<strong>do</strong>s pelo Brasil, e que têm status <strong>de</strong> garantiaconstitucional a direito fundamental da pessoa, nos termos <strong>do</strong> artigo5º, § 2º, da Constituição da República. Concessão <strong>de</strong> habeas corpus <strong>de</strong>ofício para evitar a prisão <strong>do</strong> <strong>de</strong>positário (2º TAC - 5ª Câm.; Agravo <strong>de</strong>Instrumento n. 498.782-00/1-<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>; rel. Juiz Dyrceu Cintra; j. 6.8.97;maioria <strong>de</strong> votos; ementa). BAASP, n. 2.032/85-e, <strong>de</strong> 8.12.97.Neste mesmo senti<strong>do</strong> o Juiz Carlos Stroppa. Vejamos a ementa:“Alienação fiduciária — Prisão Civil — Depositário infiel — Impossibilida<strong>de</strong>— Cominação inconstitucional — Violação <strong>do</strong> que dispõe oartigo 7°, 7 da Convenção Americana <strong>de</strong> Direitos Humanos (Pacto <strong>de</strong> <strong>São</strong>José da Costa Rica) e o artigo 11 <strong>do</strong> Pacto Internacional <strong>de</strong> Direitos Civise Políticos. A prisão civil por <strong>de</strong>pósito infiel não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>cretada apesar<strong>do</strong> permissivo constante no inciso LXVII <strong>do</strong> artigo 5º da ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral, porque o Brasil é signatário <strong>do</strong> Pacto <strong>de</strong> <strong>São</strong> José e <strong>do</strong> PactoInternacional Sobre Direitos Civis e Políticos, vigentes no Brasil por força<strong>de</strong> <strong>de</strong>cretos <strong>do</strong>s Po<strong>de</strong>res Executivo e Legislativo.” HC n. 484.747 —6ª Câm. — rel. Juiz Carlos Stroppa — j. 7.5.97. Anotação: no mesmosenti<strong>do</strong>: Ap. c/ Rev. n. 483.605 — 5ª Câm. — rel. Juiz Dyrceu Cintra —j. 23.4.97; Ap. c/ Rev. n. 480.946 — 6ª Câm. — rel. Juiz Carlos Stroppa— j. 1.6.97; AI n. 498.782 — 5ª Câm. — rel. Juiz Dyrceu Cintra —j. 6.8.97; HC n. 506.396 — 12ª Câm. — rel. Juiz Diogo <strong>de</strong> Salles —j. 25.9.97; 2º TAC-SP.TÍTULO III. ASPECTOS CONCLUSIVOSCapítulo Único. Breves consi<strong>de</strong>raçõesA análise <strong>do</strong> tema das garantias constitucionais da processualida<strong>de</strong>ampla, veiculadas por trata<strong>do</strong>s internacionais que nos propusemos a120


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998examinar, traz conseqüências enormes, rompen<strong>do</strong> com gran<strong>de</strong> parte da<strong>do</strong>utrina e jurisprudência <strong>de</strong> nosso or<strong>de</strong>namento interno.Como se pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar, existem fortes argumentos, sejam lógicosou <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se o ponto <strong>de</strong> vista trazi<strong>do</strong> nestetrabalho.Assim, o artigo 5º, § 2.º da CF/88 <strong>de</strong>ve ser interpreta<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong>a porta ou a ponte através da qual os direitos fundamentais <strong>do</strong> ser humanointegram o or<strong>de</strong>namento pátrio, assumin<strong>do</strong> imediatamente (art. 5º,§ 1.º) o caráter <strong>de</strong> norma constitucional, retiran<strong>do</strong>-se, daí, as suasconseqüências.Haven<strong>do</strong> conflito, <strong>de</strong>verá prevalecer a norma mais favorável, semprecom fundamento na dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, fazen<strong>do</strong> com que prevaleça,sempre, os direitos humanos.As regras ou garantias constitucionais integrantes <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namentojurídico, dada à sua magnitu<strong>de</strong>, não po<strong>de</strong>m se restringir ao processojurisdicional. Na realida<strong>de</strong>, consagran<strong>do</strong>-se a teoria da processualida<strong>de</strong>ampla, os novos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong>verão também abranger e ser aplica<strong>do</strong>s aoprocesso legislativo e administrativo, sempre que possível.Assim, as regras processuais, sejam quais forem, não somenteintegrativas <strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal, como <strong>de</strong> todas as regras e garantiasprocessuais <strong>de</strong> caráter e status constitucional, veicula<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> direitos fundamentaise inerentes ao homem, <strong>de</strong>verão ser sempre observadas e respeitadaspelos aplica<strong>do</strong>res <strong>do</strong> direito, sob pena <strong>de</strong> se <strong>de</strong>sconstituir ou<strong>de</strong>sestruturar o Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito, base e alicerce da RepúblicaFe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil.BIBLIOGRAFIAALCALÁ-ZAMORA, Niceto. Proceso, autocomposición y auto<strong>de</strong>fensa.2. ed. México: UNAM, 1970.121


PEDRO LENZAALVIM, Arruda e ALVIM PINTO, Teresa Arruda. Manual <strong>de</strong> direito processualcivil. 4. ed. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais. v. 2.BASTOS, Celso Ribeiro. Curso <strong>de</strong> direito constitucional. 18. ed. <strong>São</strong><strong>Paulo</strong>: Saraiva.BOBBIO, Norberto. A era <strong>do</strong>s direitos. Trad. <strong>de</strong> Carlos Nelson Coutinho.Campus.CALMON DE PASSO, J. J. Processo e <strong>de</strong>mocracia: <strong>de</strong>mocracia, participaçãoe processo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO,Cândi<strong>do</strong> Rangel, WATANABE, Kazuo. Participação e processo. <strong>São</strong><strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, 1988.CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito internacional e direitointerno: sua integração na proteção <strong>do</strong>s direitos humanos. In:<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> (Esta<strong>do</strong>). <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Grupo <strong>de</strong> Trabalho<strong>de</strong> Direitos Humanos. Instrumentos internacionais <strong>de</strong> proteção<strong>do</strong>s direitos humanos. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s da <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong><strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, 1997. p. 21.. A proteção internacional <strong>do</strong>s direitos humanos: fundamentos jurídicose instrumentos básicos. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Saraiva, 1991.CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6.ed.Coimbra: Almedina.CAPPELLETTI, Mauro & GARTY, Bryant. Acesso à justiça. Trad. EllenGracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988.CINTRA, Antônio Carlos <strong>de</strong> Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini eDINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel. Teoria geral <strong>do</strong> processo. 12. ed.<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Malheiros.122


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998CINTRA JÚNIOR, Dyrceu Aguiar Dias. O judiciário e os trata<strong>do</strong>s internacionaissobre direitos humanos. In: Seminário Incorporação <strong>do</strong>sTrata<strong>do</strong>s Internacionais <strong>de</strong> Proteção <strong>do</strong>s Direitos Humanos noDireito Brasileiro, IMESP, p. 57-67.COMOGLIO, Luigi Paolo. Garanzie costituzionali e giusto processo(mo<strong>de</strong>lli a confronto). Seminário apresenta<strong>do</strong> no curso <strong>de</strong> pósgraduaçãoda Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,relaciona<strong>do</strong> ao “Direito Processual Civil Compara<strong>do</strong> Brasil - Itália”,1997.DALLARI, Dalmo <strong>de</strong> Abreu. Elementos <strong>de</strong> teoria geral <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.16. ed. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Saraiva.DALLARI, Pedro Bohomoletz <strong>de</strong> Abreu. Normas internacionais <strong>de</strong> direitoshumanos e jurisdição. <strong>Revista</strong> Especial <strong>do</strong> Tribunal RegionalFe<strong>de</strong>ral, 3ª Região, Seminário Incorporação <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais<strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s direitos humanos no direito brasileiro”, IMESP,p. 25-38.DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel. A instrumentalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> processo. 2.ed. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais.FRAGA, Mirtô. O conflito entre trata<strong>do</strong> internacional e a norma <strong>de</strong> direitointerno. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1997.GENARO, R. Carrió. Notas sobre <strong>de</strong>recho y lenguage. 2. ed. BuenosAires: Abele<strong>do</strong>-Perrot, 1979.GORDILLO, Agustín. Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>recho administrativo. 1991. Tomo Ie II.GRINOVER, Ada Pellegrini. Fundamentos políticos <strong>do</strong> novo tratamentoda revelia. Boletim IBCCrim, n. 42, p. 1, jun. 1996, ed. especial.123


PEDRO LENZA.Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>do</strong> direito processual brasileiro. <strong>Revista</strong> da Faculda<strong>de</strong><strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, v. 88, p. 273-298,jan./<strong>de</strong>z. 1993.IRIBARNE, Manuel Fraga. El <strong>de</strong>sarrollo político. Barcelona: Gonzalo,1972.LINDGREN ALVES, José Augusto. Os direitos humanos como temaglobal. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Perspectiva, 1994.MALHEIROS, Antônio Carlos. Prisão civil e trata<strong>do</strong>s internacionais. InSeminário Incorporação <strong>do</strong>s Trata<strong>do</strong>s Internacionais <strong>de</strong> Proteção <strong>do</strong>sDireitos Humanos no Direito Brasileiro, IMESP, p. 49-56.MEDAUAR, O<strong>de</strong>te. A processualida<strong>de</strong> no direito administrativo. <strong>São</strong><strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, 1993.MELLO, Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>. Curso <strong>de</strong> direito administrativo.5. ed. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Malheiros.MERKL, A<strong>do</strong>lfo. Teoría general <strong>de</strong>l <strong>de</strong>recho administrativo. México:Nacional, 1975.MIRANDA, Jorge. Manual <strong>de</strong> direito constitucional. Coimbra, 1988.v. 4.MONTORO, André Franco. Introdução à ciência <strong>do</strong> direito. 20. ed. <strong>São</strong><strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais.MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. Direito constitucional. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Atlas, 1997.MOREIRA, José Carlos Barbosa. Os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> garantias constitucionais<strong>do</strong> processo. Palestra proferida no curso <strong>de</strong> pós-graduação daFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, no Seminário“Direito Processual Civil Compara<strong>do</strong> Brasil - Itália”, 1997.124


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):93-125, jan./<strong>de</strong>z. 1998MOTA, Leda Pereira e SPITZCOVSKY, Celso. Direito constitucional:atualiza<strong>do</strong> conforme a Revisão Constitucional <strong>de</strong> 1994. Terra.NEGRÃO, Theotonio. Código <strong>de</strong> processo civil anota<strong>do</strong>. 27. ed. <strong>São</strong><strong>Paulo</strong>: Saraiva, 1996.NERY Jr., Nelson e NERY, Rosa. Código <strong>de</strong> processo civil comenta<strong>do</strong>.<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, 1994.NUNES, Luiz Antônio. A lei, o po<strong>de</strong>r e os regimes <strong>de</strong>mocráticos. <strong>São</strong><strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, 1991.PIOVESAN, Flávia. A constituição <strong>de</strong> 1988 e os trata<strong>do</strong>s internacionais<strong>de</strong> direitos humanos. In: Seminário Incorporação <strong>do</strong>s Trata<strong>do</strong>s Internacionais<strong>de</strong> Proteção <strong>do</strong>s Direitos Humanos no Direito Brasileiro,IMESP, p. 39-48.. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>:Max Limonad, 1996.SEVERINO, Antônio Joaquim. Meto<strong>do</strong>logia <strong>do</strong> trabalho científico.20. ed. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Cortez.SILVA, José Afonso da. Curso <strong>de</strong> direito constitucional positivo. 9.ed.<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Malheiros, 1992.TORRES, Ricar<strong>do</strong> Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais.<strong>Revista</strong> <strong>de</strong> Direito Administrativo, Rio <strong>de</strong> Janeiro, n. 177,p. 29-49, jul./set. 1989.VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: JurisprudênciaPolítica. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, 1994.125


126


PARTE II. ATUAÇÃO DA <strong>PGE</strong> NA SOLUÇÃODOS CONFLITOS FUNDIÁRIOS DA REGIÃODO PONTAL DO PARANAPANEMA127


128


INTRODUÇÃOAs Partes II e III da <strong>Revista</strong> da <strong>PGE</strong> preten<strong>de</strong>m contar a história <strong>de</strong>uma experiência jurídica exitosa. Trata-se <strong>do</strong> trabalho científico <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>pela <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para arrecadar, em juízo, as terras<strong>de</strong>volutas <strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> Paranapanema, objeto <strong>de</strong> um consilium fraudissecular.Situada no extremo su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, a região <strong>do</strong> Pontal é<strong>de</strong>pressiva economicamente, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> palco <strong>de</strong> vários surtos <strong>de</strong>conflitos agrários nas últimas décadas, o maior <strong>de</strong>les no início <strong>do</strong>s anos90. A estabilida<strong>de</strong> social da região transitava, necessariamente, pelasuperação da insegurança <strong>do</strong>minial que estava na raiz <strong>do</strong>s conflitos, comoressaltei em artigo publica<strong>do</strong> no Boletim <strong>do</strong> Centro Estu<strong>do</strong>s, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,v. 18, n. 5, p. N 67-68, maio 1994.E ela se <strong>de</strong>u mediante a intervenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, efetivada via<strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>Geral</strong>. Os trabalhos ora publica<strong>do</strong>s constituem, apenas,parte muito pequena <strong>do</strong> conhecimento que a instituição produziu paraconseguir arrecadar as terras públicas — comprovan<strong>do</strong> a origem espúria<strong>do</strong>s títulos <strong>do</strong>s ocupantes — e <strong>de</strong>stiná-las aos trabalha<strong>do</strong>res rurais.As reiteradas vitórias nos tribunais serviram para comprovar acorreção <strong>do</strong>s argumentos e das postulações da Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.Porém, o bem maior é o assentamento <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> famílias que, hoje,têm condições <strong>de</strong> viver com dignida<strong>de</strong>, com cidadania.129


Portanto, este volume tem caráter histórico e, além disso, como aocorrência <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas difun<strong>de</strong>-se por to<strong>do</strong> o território nacional,aponta uma alternativa clara para o enfrentamento da crise que eclo<strong>de</strong> nocampo (v., sobre o tema, Messias Junqueira, As terras <strong>de</strong>volutas nareforma agrária, 1964).José Roberto Fernan<strong>de</strong>s CastilhoProcura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Chefe da<strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> Regional <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte130


AÇÃO DISCRIMINATÓRIA SUJEITA À LEGISLAÇÃOESTADUAL DE 1922 - PARECER GPG N. 2/87Ada Pellegrini Grinover** Procura<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> aposentada e Professora Titular da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direitoda Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.131


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R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):131-145, jan./<strong>de</strong>z. 1998PARECER GPG N. 2/87Interessa<strong>do</strong>: Procura<strong>do</strong>r Chefe da <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>do</strong> PatrimônioImobiliárioAssunto: Discriminatória sujeita à legislação estadual <strong>de</strong> 1922. Regime dacoisa julgada nos códigos estaduais. Natureza administrativa <strong>do</strong><strong>de</strong>spacho que “<strong>de</strong>signou títulos hábeis”. Ausência <strong>de</strong> coisa julgada.Prevalência, em qualquer caso, da coisa julgada posterior, enquantonão rescindida ou quan<strong>do</strong> irrescindível a sentença proferidacontra a coisa julgada.Senhor Procura<strong>do</strong>r <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>:Encaminha-me Vossa Excelência solicitação <strong>do</strong> D. Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> Chefe da <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>do</strong> Patrimônio Imobiliário, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>que seja submetida à minha apreciação questão envolven<strong>do</strong> a discriminação<strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas situadas entre os rios Paraná, Paranapanema, LaranjaDoce e Santo Anastácio, em face <strong>do</strong>s argumentos trazi<strong>do</strong>s aos autospelos contestantes da ação discriminatória <strong>do</strong> 14º Perímetro <strong>de</strong> Teo<strong>do</strong>roSampaio, que alegam, entre outros argumentos, a existência <strong>de</strong> coisa julgadaque qualificaria <strong>de</strong>spacho proferi<strong>do</strong> em 27.12.1927 pelo Juiz <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong>Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte.Para tanto, a D. Chefia da <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>do</strong> Patrimônio Imobiliáriosubmete à minha consi<strong>de</strong>ração os seguintes quesitos:1. O <strong>de</strong>spacho não fundamenta<strong>do</strong> proferi<strong>do</strong> pelo Juiz, em 1927, nosautos administrativos <strong>de</strong> uma discriminatória mista, não terminada, produzcoisa julgada?2. No caso positivo, prevalece essa coisa julgada contra as <strong>de</strong>cisõesproferidas nas discriminatórias judiciais posteriores, nas quais os títulos<strong>do</strong> mesmo imóvel “Pirapó - Santo Anastácio” foram aprecia<strong>do</strong>s?133


ADA PELLEGRINI GRINOVERÉ sobre a questão da coisa julgada que versará meuPARECER1. Para respon<strong>de</strong>r ao primeiro quesito, é mister examinar duas questõesfundamentais: o regime da coisa julgada, no sistema vigente à época<strong>do</strong> <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> 1927; e a natureza jurídica <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> <strong>de</strong>spacho, proferi<strong>do</strong>em discriminatória regida pela legislação coeva.I. Da coisa julgada, no perío<strong>do</strong> republicano2. Muito embora a Constituição <strong>de</strong> 1891 não se referisse à coisajulgada — que seria elevada a estatura constitucional em 1934, pelo § 3º<strong>do</strong> artigo 113, a Lei <strong>de</strong> Introdução ao Código Civil (Lei n. 3.071, <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong>janeiro <strong>de</strong> 1916; posteriormente alterada pela Lei n. 3.725, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> janeiro<strong>de</strong> 1919), tratou <strong>do</strong> instituto no artigo 3º, estabelecen<strong>do</strong>: “A Lei nãoprejudicará, em caso algum, o direito adquiri<strong>do</strong>, o ato jurídico perfeito, oua coisa julgada”.O§3º<strong>do</strong>texto <strong>de</strong>fine: “Chama-se coisa julgada ao casojulga<strong>do</strong>, a <strong>de</strong>cisão judicial <strong>de</strong> que já não caiba recurso”.3. Por força da Constituição republicana, a competência legislativasobre processo civil foi atribuída aos Esta<strong>do</strong>s (art. 34, inc. 23), permanecen<strong>do</strong>em vigor, até o exercício <strong>de</strong>ssa atribuição, a legislação herdada <strong>do</strong>Império. Alguns Esta<strong>do</strong>s, como o <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, elaboraram seus códigos,em que disciplinaram o instituto da coisa julgada.4. Assim, pelo Código <strong>de</strong> Processo Civil <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, oalcance, subjetivo e objetivo, da coisa julgada foi <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> pelos limitestraça<strong>do</strong>s à execução (arts. 945-948), <strong>de</strong>finin<strong>do</strong>-se como título a sentençapassada em julga<strong>do</strong> (art. 939). Os requisitos da coisa julgada foramenuncia<strong>do</strong>s no artigo 229.5. Na verda<strong>de</strong>, os traços da coisa julgada que sensibilizaram os legisla<strong>do</strong>resestaduais repetem-se nos diversos códigos estaduais, com134


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):131-145, jan./<strong>de</strong>z. 1998algumas diferenças <strong>de</strong> acentuação, como se vê pela análise comparativa<strong>de</strong> Celso Neves (Contribuição ao estu<strong>do</strong> da coisa julgada civil, <strong>São</strong><strong>Paulo</strong>, 1970, p. 237-239).Aplicam-se, assim, ao instituto, como vinha regula<strong>do</strong> nos códigosestaduais, as anotações <strong>de</strong> Eduar<strong>do</strong> Espínola ao inciso 6º <strong>do</strong> artigo 102 <strong>do</strong>Código <strong>de</strong> Processo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahia, em que afirma dar-se o “casojulga<strong>do</strong> ... quan<strong>do</strong> se instaura uma ação, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> <strong>de</strong>cidida, porsentença <strong>de</strong> que não há recurso, uma ação idêntica, isto é, ventilada entreas mesmas pessoas, incidin<strong>do</strong> sobre o mesmo objeto e assentan<strong>do</strong> sobre omesmo fundamento jurídico”.E em Pimenta Bueno (Formalida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> processo civil, 3. ed., Rio <strong>de</strong>Janeiro, 1911, n. 186) encontra-se a enumeração das sentenças e <strong>de</strong>cisõesque não fazem coisa julgada.6. Disso tu<strong>do</strong> resulta que o legisla<strong>do</strong>r e os praxistas da época, conquantoainda distantes <strong>do</strong> amadurecimento científico <strong>do</strong> direito processual,tiveram a genial intuição <strong>de</strong> alguns <strong>do</strong>s traços fundamentais <strong>do</strong> institutoda coisa julgada. E notadamente no que respeita às <strong>de</strong>cisões susceptíveis<strong>de</strong> revestir-se da autorida<strong>de</strong> da coisa julgada, vale reproduzir o artigo172 <strong>do</strong> Código <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pernambuco, resultante <strong>do</strong> projeto elabora<strong>do</strong>por Mario <strong>de</strong> Almeida Castro, em título especialmente consagra<strong>do</strong>ao tema:Artigo 172 - Não produzem caso julga<strong>do</strong>:1. os atos <strong>de</strong> jurisdição graciosa;2. os <strong>de</strong>spachos meramente interlocutórios;3. as <strong>de</strong>cisões sobre processos preparatórios e preventivos;4. as sentenças <strong>de</strong> <strong>de</strong>squite no que diz respeito ao restabelecimentoda socieda<strong>de</strong> conjugal;135


ADA PELLEGRINI GRINOVER5. as sentenças <strong>de</strong>negatórias <strong>de</strong> fallencia;6. as sentenças nullas operam os seus effeitos, enquanto nãoannulladas por ação competente” (grifei)II. Da discriminação <strong>de</strong> terras públicas antes <strong>do</strong>Decreto n. 5.133, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 19317. Dito isso, e para efeito <strong>de</strong> verificar a natureza jurídica <strong>do</strong> <strong>de</strong>spacho<strong>do</strong> juiz <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte, proferi<strong>do</strong> em 27.12.1927, é preciso examinaragora a legislação existente à época, em matéria <strong>de</strong> terras públicas.8. Para normalizar a situação das terras públicas e privadas — por sero Brasil país <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas e ten<strong>do</strong> o regime <strong>de</strong> sesmaria se encerra<strong>do</strong>por força da Resolução n. 17, <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1822 —, o Governo Imperialhavia edita<strong>do</strong> a Lei n. 601, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1850 (a <strong>de</strong>nominada “Lei<strong>de</strong> Terras”), regulamentada pelo Decreto n. 1.318, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>1854.Com a promulgação da República, as terras <strong>de</strong>volutas passaram ao<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s (art. 64 da Constituição <strong>de</strong> 1891), que trataram <strong>de</strong>legislar a respeito da matéria, reproduzin<strong>do</strong>, em gran<strong>de</strong> parte, a Lei n. 601e seu regulamento, não se referin<strong>do</strong>, na esteira <strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s diplomas, àdiscriminação ou à discriminatória.9. Em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, quer o Decreto n. 734, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1900,quer o Decreto n. 3.501, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1922, que regulamentou a Lein. 1.844, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1921, já não falam em “dividir”, “medir” e“<strong>de</strong>marcar”, introduzin<strong>do</strong> a expressão “discriminação” <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio públicoe particular e regulan<strong>do</strong>-lhe o procedimento.Mas, por ambos os <strong>de</strong>cretos — assim como, <strong>de</strong> resto, pela Lei n. 601/1850 — o “processo discriminatório” tinha caráter puramenteadministrativo.136


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):131-145, jan./<strong>de</strong>z. 1998É certo que o Decreto n. 3.501, <strong>de</strong> 1922, previu a intervenção <strong>do</strong> juizque, após a colheita das provas pelo agrimensor, recebia <strong>de</strong>ste os autos e,por <strong>de</strong>spacho, “<strong>de</strong>signava os títulos hábeis para serem atendi<strong>do</strong>s”, <strong>de</strong>cidin<strong>do</strong>as questões suscitadas na “audiência” administrativa (art. 28). Masessa “<strong>de</strong>signação” servia apenas <strong>de</strong> base para o sucessivo trabalho <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcação<strong>do</strong> agrimensor (art. 29), que voltava a ouvir os interessa<strong>do</strong>s(art. 30). Retornavam então os autos ao juiz que, aprecian<strong>do</strong> as reclamações,podia or<strong>de</strong>nar ao agrimensor a retificação da planta, homologan<strong>do</strong>finalmente a discriminação (art. 31).10. Examinan<strong>do</strong>-se a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhada pelo juiz, sob a égi<strong>de</strong><strong>do</strong> Decreto n. 3.501/1.922, verifica-se, prima facie, tratar-se <strong>de</strong> funçãoadministrativa.Está fora <strong>de</strong> dúvida a natureza administrativa da ativida<strong>de</strong> consistentena “<strong>de</strong>signação <strong>do</strong>s títulos hábeis” <strong>do</strong> artigo 28, que tinha como finalida<strong>de</strong>fixar ao agrimensor as balizas para a <strong>de</strong>marcação. Não se tratava, àevidência, <strong>de</strong> sentença <strong>de</strong>claratória negativa, que excluísse o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> e levasse à subsequente exclusão <strong>de</strong> tais glebas da fase sucessiva; emuito menos <strong>de</strong> sentença <strong>de</strong>claratória positiva, em que se reconhecesse o<strong>do</strong>mínio particular. Até porque nenhum contraditório se exercia perante ojuiz, e processo nada mais é <strong>do</strong> que o procedimento qualifica<strong>do</strong> pelo contraditório.E sobretu<strong>do</strong> porque, voltan<strong>do</strong> os autos ao juiz após a <strong>de</strong>marcação,este ainda levava em conta reclamações administrativas, para <strong>de</strong>terminara retificação da <strong>de</strong>marcação (art. 31).11. Mas também era <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> natureza jurisdicional — salvo nosenti<strong>do</strong> amplíssimo da palavra, que compreen<strong>de</strong> no termo a ativida<strong>de</strong> juris— integrativa própria da <strong>de</strong>nominada “jurisdição voluntária” — a homologaçãoda própria discriminação (art. 31).E isso, mais uma vez, à falta <strong>de</strong> um contraditório judicial. E, maisainda, em face <strong>do</strong> expressamente previsto no artigo 31, in fine e no artigo32, <strong>do</strong> Decreto n. 3.501, pelos quais aos confinantes das terras137


ADA PELLEGRINI GRINOVERdiscriminadas como públicas, conquanto con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s nas custas, ficavaexpressamente ressalva<strong>do</strong> “o recurso da ação <strong>de</strong> reivindicação que correráno juízo commum”.Não tinha pois, essa homologação, natureza <strong>de</strong>claratória — pois nãoconsolidava o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>; nem constitutiva, porquanto nem era<strong>de</strong> sua ín<strong>do</strong>le atribuir aos conten<strong>do</strong>res nova situação jurídica, pelo <strong>do</strong>mínio.E tampouco con<strong>de</strong>natória, <strong>de</strong> vez que não obrigava o venci<strong>do</strong> a entregaras terras in<strong>de</strong>vidamente possuídas e individuadas.Na homologação da discriminação, portanto, exercia o juiz funçãotipicamente administrativa, <strong>de</strong> jurisdição voluntária, insusceptível <strong>de</strong> revestir-seda autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coisa julgada.12 - A <strong>do</strong>utrina e a jurisprudência da época são unânimes a esserespeito, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> assenta<strong>do</strong> que foi somente pelo Decreto Paulista n.5.133, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1931, que o processo discriminatório assumiucaráter contencioso.Afirma-o expressamente Lima Pereira (Da proprieda<strong>de</strong> no Brasil,<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Casa Duprat, 1932, p. 49), ao comentar os <strong>de</strong>cretos paulistas:“Antes, porém, <strong>de</strong>ste último Decreto (n. 5.133/1931), o processo<strong>de</strong> discriminação era meramente administrativo”.E, exatamente com relação à coisa julgada, vale reproduzir as palavras<strong>do</strong> estudioso, que se refere à lição <strong>de</strong> Francisco Morato:“Ninguém atribue — e seria contrasenso atribuir — às sentenças <strong>do</strong>schama<strong>do</strong>s juizes commissarios força e virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> coisa julgada, quan<strong>do</strong> talforça e tal virtu<strong>de</strong> não se reconhecem em atos nenhuns <strong>de</strong> jurisdição graciosa;nem mesmo nos <strong>de</strong> procedência e cunho <strong>do</strong>s sentencia<strong>do</strong>res <strong>do</strong>po<strong>de</strong>r judiciário (Paula Baptista: Th. e Prat. <strong>do</strong> Proc., § 183; João Monteiro;Th. <strong>do</strong> Proc., § 239).” (op. e loc. cit.).138


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):131-145, jan./<strong>de</strong>z. 1998Prossegue Lima Pereira, recordan<strong>do</strong> a jurisprudência da época, empágina valiosa que se reproduz na íntegra (p. 49-50):“E essa verda<strong>de</strong> já foi proclamada pelo E. Tribunal. Na Rev. <strong>do</strong>sTribunais, vol. LXX, p. 63, lê-se:“Da <strong>de</strong>cisão, que homologa o serviço administrativo <strong>de</strong> discriminação<strong>de</strong> terras, nenhum recurso cabe; fican<strong>do</strong> salvo aos interessa<strong>do</strong>s o direitoa ação <strong>de</strong> reivindicação, que <strong>de</strong>ve ser no juizo commum.”“Nesse mesmo senti<strong>do</strong>, o voto <strong>do</strong> ilustra<strong>do</strong> Ministro Polycarpo <strong>de</strong>Azeve<strong>do</strong>, nos Embargos n. 11.695 da capital (questão Municipalida<strong>de</strong> —Barretti) (38) afirmava”:“A <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> juiz commissário só por si não constitue prova conclu<strong>de</strong>nte<strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio; não po<strong>de</strong> ser oposta na ação judicial como coisa julgada;pois que o processo <strong>de</strong> discriminação <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas é meramenteadministrativo; <strong>de</strong> sorte que, si após a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> juiz commissário, surgirlitigio entre o particular e o Esta<strong>do</strong> ... o po<strong>de</strong>r judiciário tem a faculda<strong>de</strong>ampla <strong>de</strong> examinar as allegações e provas, e proferir sentença <strong>de</strong> acor<strong>do</strong>com o allega<strong>do</strong> e prova<strong>do</strong>, embora contra a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> juiz commissário,que absolutamente não tem força <strong>de</strong> coisa julgada”.“Acrescentaremos que, se a sentença proferida em tal processo, emface da legislação anterior ao Decreto n. 1.533, não fazia coisa julgadasobre questões <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio, e se as partes lesadas não ficam privadas <strong>de</strong>pleitear no juizo commum os seus direitos acaso feri<strong>do</strong>s naquele processoadministrativo, — ao próprio Esta<strong>do</strong>, que promoveu a discriminação,ex-officio, ou ao município, quan<strong>do</strong> a discriminação tenha si<strong>do</strong> feita a seupedi<strong>do</strong>, fica assegura<strong>do</strong> igual direito <strong>de</strong> propor, no juizo commum, as açõesconvenientes, para se corrigir qualquer injustiça ou qualquer erro acasocometi<strong>do</strong> no juizo discrimina<strong>do</strong>r, salvo a prescripção nos termos <strong>do</strong>Código Civil.”139


ADA PELLEGRINI GRINOVERE conclui o Mestre no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que só a partir <strong>do</strong> <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 1931a sentença se revestiria da autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coisa julgada:“Com a publicação <strong>do</strong> cita<strong>do</strong> Decreto n. 5.133, <strong>do</strong> governo provisório<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, a conclusão tem que ser outra: a sentença proferida noprocesso <strong>de</strong> discriminação <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> passou a fazercoisa julgada sobre o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>; pois que, promovi<strong>do</strong> poradvoga<strong>do</strong> da Diretoria <strong>de</strong> Terras (arts. 62 e 63), é presidi<strong>do</strong> por juiz <strong>de</strong>direito (art. 5º); aos interessa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>vidamente cita<strong>do</strong>s, é assegura<strong>do</strong> odireito <strong>de</strong> contestal-o (art. 13), <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os artigos 682 e 683 <strong>do</strong>Código <strong>do</strong> Processo; segue o curso ordinário, quan<strong>do</strong> a discussão versarsobre questão <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio (art. 183), e da respectiva sentença cabe recurso<strong>de</strong> apelação para o Tribunal (art. 15).”13. Os mo<strong>de</strong>rnos não discrepam <strong>do</strong> entendimento <strong>do</strong>s autores e dajurisprudência da época. Veja-se Marcos Affonso Borges (Da açãodiscriminatória, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: José Bushatsky, 1976, p. 27):“Tanto pela Lei n. 601 e seu regulamento, como pelas Leis paulistas,o processo discriminatório tinha caráter puramente administrativo.Foi o Decreto n. 5.133, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1931, <strong>do</strong> governo provisório<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, que lhe imprimiu caráter contencioso”.E, reportan<strong>do</strong>-se à lição <strong>de</strong> Lima Pereira, afirma:“... <strong>de</strong>pois da promulgação <strong>do</strong> Decreto n. 5.133 — que imprimiucaráter contencioso à discriminatória — “a sentença proferida noprocesso <strong>de</strong> discriminação <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> passou afazer coisa julgada sobre o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>” (op. e loc. cit.)14. Encerran<strong>do</strong> essa parte <strong>do</strong> parecer, conclui-se afirman<strong>do</strong> que, soba égi<strong>de</strong> <strong>do</strong> Decreto n. 3.501/1922, a homologação judicial da discriminaçãonão tinha natureza jurisdicional, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> revestir-se, como provimento<strong>de</strong> jurisdição voluntária, da autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coisa julgada, até por140


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):131-145, jan./<strong>de</strong>z. 1998disposição expressa <strong>do</strong>s códigos estaduais. Menos ainda se po<strong>de</strong> falar emsentença e coisa julgada com relação à “<strong>de</strong>signação <strong>do</strong>s títulos hábeis”pelo juiz aos agrimensor, para efeito <strong>de</strong> posterior <strong>de</strong>marcação (art. 28).De qualquer mo<strong>do</strong>, o que está em análise no caso concreto é apenasesse último “<strong>de</strong>spacho”, por não ter a <strong>de</strong>marcação chega<strong>do</strong> siquer a realizar-se.III. Ainda que houvesse conflito <strong>de</strong> coisas julgadas15. A rigor, esse parecer po<strong>de</strong>ria encerrar-se aqui, porquanto o segun<strong>do</strong>quesito ficou prejudica<strong>do</strong> pela resposta ao primeiro.Não me furtarei, contu<strong>do</strong>, <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, em tese, à elegante questãosobre o conflito <strong>de</strong> coisas julgadas, que <strong>de</strong>ve ser resolvi<strong>do</strong> pela prevalênciada segunda sobre a primeira, quan<strong>do</strong> extinto o direito à rescisão da sentença.Ou seja: ainda que — o que se diz apenas para respon<strong>de</strong>r ao segun<strong>do</strong>quesito —, ainda que houvesse, para argumentar, coisa julgada revestin<strong>do</strong>o <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> 1927, a coisa julgada posterior, qualifican<strong>do</strong> as sentençasque julgaram as ações discriminatórias mencionadas na inicial, prevaleceriasobre a primeira.16. É assente na <strong>do</strong>utrina processual mo<strong>de</strong>rna que sentença rescindívelnão se confun<strong>de</strong> com sentença nula e muito menos com sentença inexistente.A redação <strong>do</strong> artigo 485, caput, CPC corrigiu a improprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> artigo798 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> 1939.Igualmente assente é que a sentença, conquanto porta<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s víciosenumera<strong>do</strong>s no artigo 485 CPC, não <strong>de</strong>ixa, porque rescindível, <strong>de</strong> revestir-seda autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coisa julgada. Como aponta argutamente BarbosaMoreira, é bem o contrário: é até pressuposto da rescisão o fato <strong>de</strong> ter-seela revesti<strong>do</strong> <strong>de</strong> tal autorida<strong>de</strong> (Comentários ao Código <strong>de</strong> Processo Civil,5. ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro, Forense, 1985, v. 5, p. 111-112).141


ADA PELLEGRINI GRINOVERAssim, enquanto não rescindida, a sentença tem exatamente a mesmaforça e produz os mesmos efeitos <strong>de</strong> qualquer outra sentença, que nãocontenha vícios.17. Indiscutível, também, que a sentença porta<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s vícios <strong>do</strong> artigo485 CPC, uma vez consumada a <strong>de</strong>cadência, fica imune a ataques àcoisa julgada. Por outras, torna-se irrescindível, sen<strong>do</strong> que o vício que amaculava per<strong>de</strong> qualquer relevância.Po<strong>de</strong> surgir assim, com relação à sentença irrescindível proferida comofensa à coisa julgada, o conflito entre duas sentenças, talvez contraditórias,ambas passadas em julga<strong>do</strong> e imunes à rescisória. E da<strong>do</strong> que ambasnão po<strong>de</strong>m neutralizar-se reciprocamente, trata-se <strong>de</strong> saber qual das duasprevalece.18. O direito romano tinha resposta simples ao problema, da<strong>do</strong> que asegunda sentença, proferida contra a coisa julgada, era consi<strong>de</strong>radainexistente e não chegava, intrinsecamente, a fazer coisa julgada. Coerentementecom essa posição, a primeira coisa julgada prevalecia sobre aprimeira (Orestano, L´appello civile in diritto romano, 2. ed., Turim, 1966,p. 138 e 274).Mas, a partir <strong>do</strong> pressuposto hoje fixa<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a sentença que ofen<strong>de</strong>a coisa julgada não é nula, e muito menos inexistente, transitan<strong>do</strong> emjulga<strong>do</strong> como qualquer outra e produzin<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os seus efeitos enquantoe se não for rescindida, a conclusão é outra.19. Como ressalta Barbosa Moreira, que acompanhamos:“Seria evi<strong>de</strong>nte contra-senso recusar-se eficácia à segunda sentença,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> consumada a <strong>de</strong>cadência, quan<strong>do</strong> nem sequer antes disso erarecusável a eficácia. A passagem da sentença, da condição <strong>de</strong> rescindível à<strong>de</strong> irrescindível, não po<strong>de</strong>, é claro, diminuir-lhe o valor. Aberraria <strong>do</strong>sprincípios tratar como inexistente ou como nula uma <strong>de</strong>cisão que nem142


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):131-145, jan./<strong>de</strong>z. 1998rescindível é mais, atribuin<strong>do</strong> ao vício, agora, relevância maior <strong>do</strong> que aque tinha durante o prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial. Daí se infere que não há comoobstar, só com a invocação da ofensa à coisa julgada, à produção <strong>de</strong> quaisquerefeitos, inclusive executórios, da segunda sentença, quer anteriormente,quer (a fortiori!) posteriormente ao tempo final <strong>do</strong> prazo extintivo”.(Comentários..., cit., p. 222)O que se diz quanto à eficácia natural da sentença, aplica-se à autorida<strong>de</strong>da coisa julgada, a menos que o or<strong>de</strong>namento expressamente regulea matéria <strong>de</strong> outra forma (assim, o direito português vigente continua afazer prevalecer a primeira sentença: art. 675, 1ª alínea, CPC).20. A <strong>do</strong>utrina européia pre<strong>do</strong>minante afirma a prevalência da segundasentença, não rescindida, sobre a primeira, com diversos fundamentos.É o que se vê da abundante literatura alemã e italiana citada por BarbosaMoreira (Comentários..., cit., p. 223, nota 328).Vale lembrar, aliás, que os sistemas estrangeiros são, em geral, maisrestritos <strong>do</strong> que o brasileiro na admissibilida<strong>de</strong> da rescisória da sentençaproferida contra a coisa julgada: é preciso que a alegação <strong>de</strong> coisa julgada,no segun<strong>do</strong> processo, não tenha si<strong>do</strong> formulada e rejeitada, para se abriremas portas à rescisória. De contrário — se a alegação <strong>de</strong> coisa julgadafoi rejeitada, ou se o venci<strong>do</strong> não a fizera no segun<strong>do</strong> processo — arescisória não é admitida (Ada Pellegrini Grinover, Direito processualcivil, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Bushatsky, 1974, p. 164-165). O que evi<strong>de</strong>ntemente multiplicaaos casos <strong>de</strong> duplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coisas julgadas contraditórias, resolvidaspela prevalência da segunda sentença sobre a primeira.21. Também no Brasil prevalece a posição que dá preferência à segundacoisa julgada, ora por equiparar a segunda sentença a uma <strong>de</strong>cisão<strong>de</strong> procedência no juizo rescin<strong>de</strong>nte (Pontes <strong>de</strong> Miranda, Comentários aoCPC (<strong>de</strong> 1973), v. 6, p. 283-285; Trata<strong>do</strong> da ação rescisória, 5. ed.,1976, p. 250-251, 253-255); ora por dar prevalência ao segun<strong>do</strong> atoautoritativo estatal, em relação ao primeiro, equiparan<strong>do</strong> a situação à143


ADA PELLEGRINI GRINOVERrevogação <strong>do</strong>s atos normativos anteriores, incompatíveis, pelos posteriores(Cândi<strong>do</strong> Dinamarco, Apontamentos <strong>do</strong> Curso <strong>de</strong> Pós-graduação daFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>).A esses argumentos, acrescente-se outro: a prevalecer a primeira sentença,estaríamos aceitan<strong>do</strong> a hipótese <strong>de</strong> que a segunda realmente vulneroua coisa julgada. E isso, sem ação rescisória, sem <strong>de</strong>claração judicial <strong>do</strong>Tribunal competente.De mo<strong>do</strong> que mais acertada parece a posição da jurisprudência queadmite:“Haven<strong>do</strong> duas sentenças, ambas passadas em julga<strong>do</strong>, que se contradizem,prevalece a proferida afinal, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o juiz negarlhecumprimento, até que se rescinda”. (TJGB, 7.5.1974, ApelaçãoCível n. 85.732, in DJU, <strong>de</strong> 22.8.1974, p. 310 <strong>do</strong> apenso).E, evi<strong>de</strong>ntemente, com maior razão quan<strong>do</strong> se torne irrescindível.Por isso, ainda em 1974, já escrevia no senti<strong>do</strong> da prevalência da segundasentença (Ada Pellegrini Grinover, Direito processual civil, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>:Bushatsky, 1974, p. 85).22. Po<strong>de</strong>-se, assim, concluir a segunda parte <strong>do</strong> parecer, afirman<strong>do</strong>que, ainda que o <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> 1927 tivesse feito coisa julgada (o que se dizpor absur<strong>do</strong>, e apenas para respon<strong>de</strong>r ao segun<strong>do</strong> quesito), a coisa julgadasucessiva, revestin<strong>do</strong> as sentenças proferidas nas ações discriminatóriascontenciosas, prevaleceria sobre a primeira, enquanto não rescindidas ouquan<strong>do</strong> irrescindíveis as sentenças posteriores.Resposta aos quesitos23. Passa-se, assim, a respon<strong>de</strong>r aos quesitos propostos:1. “O <strong>de</strong>spacho não fundamenta<strong>do</strong> proferi<strong>do</strong> pelo juiz, em 1927,nos autos administrativos <strong>de</strong> uma discriminatória mista, não terminada,produz coisa julgada?”144


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):131-145, jan./<strong>de</strong>z. 1998RespostaNão.Aliás, nem mesmo a homologação da discriminação teria aptidãopara revestir-se <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coisa julgada, porquanto à épocatal homologação tinha caráter administrativo, próprio da <strong>de</strong>nominadajurisdição voluntária.2. “No caso positivo, prevalece essa coisa julgada contra as <strong>de</strong>cisõesproferidas nas discriminatórias posteriores, nas quais os títulos<strong>do</strong> mesmo imóvel “Pirapó - Santo Anastácio” foramaprecia<strong>do</strong>s?”.RespostaPrejudica<strong>do</strong>.Mas ainda que (argumentan<strong>do</strong> por absur<strong>do</strong> e apenas para não <strong>de</strong>ixara questão sem resposta, em tese) o <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> 1927 tivessefeito coisa julgada, a segunda coisa julgada prevaleceria sobre aprimeira, enquanto não rescindidas as sentenças ou quan<strong>do</strong>irrescindíveis.É o parecer.<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 29 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1987Ada Pellegrini Grinover145


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ESTADO, PROPRIEDADE E CIDADANIAAspectos jurídicos da questão fundiária<strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> ParanapanemaJosé Roberto Fernan<strong>de</strong>s Castilho** Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Chefe da <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> Regional <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>ntee Professor Universitário.147


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R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):147-161, jan./<strong>de</strong>z. 19981. INTRODUÇÃOA principal das questões relativas aos direitos humanos fundamentais,na região <strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> Paranapanema, concerne ao direito ao <strong>de</strong>senvolvimento,que é um <strong>do</strong>s direitos humanos <strong>de</strong> terceira geração, tambémchama<strong>do</strong>s direitos <strong>de</strong> fraternida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> (direito ao meioambiente, ao patrimônio comum da humanida<strong>de</strong>, à paz etc.). Trata-se <strong>de</strong>direito fundamental que se põe em relação ao Esta<strong>do</strong>, para promoção dacidadania entendida como acesso concreto e efetivo às condições indispensáveisà expansão da personalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem, isto é, à dignida<strong>de</strong> davida humana (art. 1º, II da CF).Sabe-se que o Pontal <strong>do</strong> Paranapanema — no extremo su<strong>do</strong>este <strong>do</strong>esta<strong>do</strong> —eoVale<strong>do</strong>Ribeira — no su<strong>de</strong>ste — são regiões economicamente<strong>de</strong>pressivas, o que levou o constituinte estadual <strong>de</strong> 1989 a criarfun<strong>do</strong>s especiais <strong>de</strong> investimentos para elas (art. 36 <strong>do</strong> ADCT). Porém,não basta ao Po<strong>de</strong>r Público apenas o exercício <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> supletiva<strong>do</strong> agente priva<strong>do</strong>: é necessário que ele busque eliminar as próprias causas<strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong> — os ditos “pontos <strong>de</strong> estrangulamento”, na teoria <strong>do</strong>planejamento —, visan<strong>do</strong> modificá-la.No Pontal, isto implica o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> política pública eficientee eficaz em três vertentes distintas, embora conexas: i. regularizaçãofundiária; ii. assentamento <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>res; iii. proteção ambiental.Uma política pública para o <strong>de</strong>senvolvimento econômico e social <strong>do</strong>Pontal como <strong>de</strong>cisão racional e instrumentada <strong>de</strong> ação transforma<strong>do</strong>ra —há que ser global e coerente, envolven<strong>do</strong> os três tópicos conjuntamente.Não se po<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r assentamento sem proteção ambiental (v. g., casoda Gleba Tucano) ou mera regularização das glebas sem obtenção <strong>de</strong>áreas para novos assentamentos etc.: os objetivos interpenetram-se, relacionan<strong>do</strong>-seintimamente.Tal política conjunta — propostas e execução <strong>de</strong> medidas —é<strong>de</strong>responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Instituto <strong>de</strong> Terras, o órgão <strong>de</strong> terras <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,149


JOSÉ ROBERTO FERNANDES CASTILHOcria<strong>do</strong> pelo Decreto n. 33.133/91 (v. art. 5º). Tecnicamente, trata-se <strong>de</strong>uma coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ria da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, aqual compete a “proposição da política agrária e fundiária <strong>do</strong> Governo <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong>” (Decreto n. 33.706/91, art. 1º, I).Logo no início <strong>do</strong> Governo Fleury, a criação <strong>do</strong> Instituto <strong>de</strong> Terras,em 1991, significou um avanço na estrutura organizacional <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,ten<strong>do</strong> em vista que antes só esporadicamente houve um serviço para tratar<strong>do</strong> setor agrário (v. g., a Secretaria Extraordinária <strong>de</strong> Assuntos Fundiários,que existiu entre 1986 e 1988). No que tange à regularização fundiária, <strong>de</strong>1935 (criação da <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>de</strong> Terras, <strong>de</strong>pois renominada, por <strong>de</strong>creto<strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r Arman<strong>do</strong> <strong>de</strong> Sales Oliveira) a 1984, o órgão que centralizavaa questão, em to<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong>, era a po<strong>de</strong>rosa <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>do</strong>Patrimônio Imobiliário — PPI. Nestes 50 anos, esta unida<strong>de</strong> da <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong><strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> teve um papel fundamental na configuração fundiária<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e ainda permanece no imaginário popular: até hoje pessoascomparecem à Regional procuran<strong>do</strong> a “PPI”. Compare-se, por exemplo,na 10ª Região Administrativa, as diferenças <strong>do</strong>miniais entre a microrregiãoda Nova Alta Paulista, on<strong>de</strong> a PPI atuou fortemente, discriminan<strong>do</strong> e legitiman<strong>do</strong>,e o Pontal <strong>do</strong> Paranapanema, on<strong>de</strong>, na década <strong>de</strong> 60, sua atuaçãofoi sobrestada, o que <strong>de</strong>u origem ao conflito que há 15 anos ali se<strong>de</strong>senvolve.Em 1984, a PPI foi <strong>de</strong>scentralizada. Este é um ano emblemático porquefoi também em 1984 que o Esta<strong>do</strong> (Governa<strong>do</strong>r Franco Montoro)<strong>de</strong>sapropriou a Gleba XV <strong>de</strong> Novembro, em Teo<strong>do</strong>ro Sampaio, até hoje omaior projeto <strong>de</strong> assentamento da região, com mais <strong>de</strong> 13 mil hectares. As<strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong>s Regionais ganharam então competência cumulativa, nas suascircunscrições, em relação a todas as <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong>s Especializadas daCapital, <strong>de</strong>ntre elas a <strong>do</strong> Patrimônio. O recebimento <strong>de</strong>ste enorme acervopatrimonial e funcional, pelas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scentralizadas, foi <strong>de</strong>sigual porvários fatores. Algumas Regionais tinham mais trato com a questão, atémesmo em razão <strong>de</strong> circunstâncias pessoais. Foi o caso da Regional <strong>de</strong>Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte, então chefiada pelo Dr. Zelmo Denari, que ingressou150


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):147-161, jan./<strong>de</strong>z. 1998na carreira exatamente na PPI <strong>do</strong> início <strong>do</strong>s anos 60. Não por acaso, elefoi um <strong>do</strong>s maiores <strong>de</strong>fensores da <strong>de</strong>scentralização da PPI, que aconteceu,aliás, muito tar<strong>de</strong>.Mas a <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, hoje, postula judicialmente para promovera execução da política fundiária <strong>de</strong>finida pelo Itesp. Des<strong>de</strong> 1991,<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser órgão <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão da política <strong>de</strong> terras <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. A <strong>PGE</strong> —assim como as <strong>de</strong>mais secretarias setoriais — vincula-se à política estipuladapelo Instituto, ten<strong>do</strong> uma atuação apenas subsidiária neste campofuncional (Mas, contraditoriamente, o referi<strong>do</strong> Decreto n. 33.706/91, queorganiza o Itesp, <strong>de</strong>termina que cabe a esta coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ria “atuarsubsidiariamente à <strong>PGE</strong>” — art. 2º, V. Nem sempre a lei correspon<strong>de</strong> aosfatos — veremos outro exemplo disso logo abaixo).2. TERRAS DEVOLUTAS E AÇÕES DISCRIMINATÓRIASNo Pontal, há um gran<strong>de</strong> estoque <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, cujaárea é absolutamente <strong>de</strong>sconhecida. To<strong>do</strong>s as cifras a este respeito sãoabsolutamente inseguras, pela complexida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s mosaicos perimetrais.O que são, afinal, terras <strong>de</strong>volutas? O advérbio aí se justifica porquesão tantas as concepções — equivocadas ou não — a respeito da expressão,que cabe bem a dúvida. A primeira idéia a se afastar é <strong>de</strong> que terras<strong>de</strong>volutas sejam, necessariamente, terras vagas. Demétrio Magnoli e ReginaAraújo, em A nova geografia: estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> geografia <strong>do</strong> Brasil(2. ed. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Mo<strong>de</strong>rna, 1996), afirmam no glossário final <strong>do</strong> livro —“Terras <strong>de</strong>volutas: terras <strong>de</strong>socupadas”. Ora, evi<strong>de</strong>ntemente isto não écorreto. O Pontal, por exemplo, está to<strong>do</strong> ocupa<strong>do</strong> e é quase to<strong>do</strong> compostopor terras <strong>de</strong>volutas. Este erro é antigo e talvez se origine <strong>de</strong> umaperpetuação da idéia da sesmaria colonial (Salienta Oswal<strong>do</strong> Aranha Ban<strong>de</strong>ira<strong>de</strong> Mello que as terras <strong>de</strong>volutas, antes <strong>de</strong> 1601, eram as vagas;<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1601, também as ilegalmente ocupadas — RDA 2).O segun<strong>do</strong> equívoco é consi<strong>de</strong>rar as terras <strong>de</strong>volutas res communis(bem <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s). Em especial, os movimentos sociais andaram sugerin<strong>do</strong>151


JOSÉ ROBERTO FERNANDES CASTILHOisto. Mas o fato é que — ao contrário — <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1891, elas constituem benspúblicos <strong>do</strong> assim chama<strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio priva<strong>do</strong> <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público, <strong>do</strong>patrimônio disponível <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s-membros. Portanto, é certo que se trata<strong>de</strong> bem público, mas bem público <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong>terminada: são bens<strong>do</strong>miniais, ou seja, aqueles que “constituem o patrimônio da União, <strong>do</strong>sEsta<strong>do</strong>s e ou <strong>do</strong>s Municípios, como objeto <strong>de</strong> direito pessoal ou real <strong>de</strong>cada uma <strong>de</strong>ssas entida<strong>de</strong>s” (Código Civil, art. 66, III). Isto significa quese submetem a regime jurídico <strong>de</strong> Direito Priva<strong>do</strong>, parcialmente <strong>de</strong>rroga<strong>do</strong>pelo Direito Público.Na verda<strong>de</strong>, o conceito <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas é legal e histórico. Sua<strong>de</strong>finição está no artigo 3º da Lei <strong>de</strong> Terras <strong>de</strong> 1850. Sob o aspecto positivo,elas têm origem em sesmarias — que eram contratos enfitêuticos —caídas em comisso (daí terras <strong>de</strong>volvidas); sob o aspecto negativo, queequivocadamente (perante a lógica) a lei consagra, terras <strong>de</strong>volutas são asque “não se acharem no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> particular por qualquer título legítimo”(art. 3º, II da Lei 601 <strong>de</strong> 1850, grifei). Isto à data da edição da Lei<strong>de</strong> Terras. Portanto, como nesta época o Pontal era uma região totalmenteinexplorada, e como, por outro la<strong>do</strong>, ficou proibi<strong>do</strong> qualquer outro tipo<strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas “que não seja o <strong>de</strong> compra” (art. 1º) <strong>do</strong>Po<strong>de</strong>r Público — o que não ocorreu no Pontal —, conclui-se daí que asterras da região encaixam-se perfeitamente na <strong>de</strong>finição legal.Assim, a regularização fundiária é uma exigência da secular insegurança<strong>do</strong>minial. No final <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>, a região ainda selvagem foiobjeto <strong>de</strong> vários “grilos” <strong>de</strong> terra <strong>de</strong>vidamente comprova<strong>do</strong>s pela <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong><strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> — o mais conheci<strong>do</strong>éodafazenda Pirapó-SantoAnastácio (O “grileiro” é um alquimista, diz Monteiro Lobato). O vício setransmitiu aos títulos <strong>do</strong>miniais presentes, tornan<strong>do</strong> as terras <strong>de</strong>volutas,portanto, <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> da Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (art. 26, IV da CF). Medianteações discriminatórias (para apurar terras <strong>de</strong>volutas) e legitimações<strong>de</strong> posse (para repassar as terras aos ocupantes), o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>fine atitularida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s <strong>do</strong>mínios. No Pontal, estamos ainda naquele primeiromomento, apesar <strong>do</strong>s sucessivos planos <strong>de</strong> ação governamental, que <strong>de</strong>terminaramavanço muito pequeno na apuração <strong>do</strong> patrimônio público.152


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):147-161, jan./<strong>de</strong>z. 1998Existem 34 perímetros constituí<strong>do</strong>s na 10ª Região Administrativa —alguns com discriminatórias paralisadas há décadas, outros discrimina<strong>do</strong>smas nunca legitima<strong>do</strong>s, outros ainda (a maioria) apenas parcialmente legitima<strong>do</strong>setc. Há que se analisar a situação específica <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les,para a finalida<strong>de</strong> da regularização. Apesar <strong>do</strong> disposto no artigo 33 <strong>do</strong>ADCT da Constituição estadual, apenas duas discriminatórias estão hojeem andamento, ambas com sentença favorável às pretensões <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>:14º Perímetro <strong>de</strong> Teo<strong>do</strong>ro Sampaio, com 87.846 ha, e 15º Perímetro <strong>de</strong>Mirante <strong>do</strong> Paranapanema, com 92.280 ha. Em seis gran<strong>de</strong>s perímetros, aação sobrestada — por extravio <strong>do</strong>s autos, fogo etc. — e nunca retomada.Porém, cabe ressaltar a extrema lentidão no andamento das açõesdiscriminatórias, que tantos e tão profun<strong>do</strong>s males tem causa<strong>do</strong> à cidadania.Veja-se o caso exemplar <strong>do</strong> 15º Perímetro referi<strong>do</strong>: a inicial é <strong>de</strong> 1958.Por problemas <strong>de</strong> constituição regular da relação processual, o feito foiextinto em 1981. Em 1983, o 1º Tribunal <strong>de</strong> Alçada Civil <strong>de</strong>u provimentoa apelação da Fazenda Estadual para afastar a extinção, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> serpossível a adaptação <strong>do</strong> processo à nova lei da ação discriminatória, que é<strong>de</strong> 1976 (Lei n. 6.383) e que consagrou a citação-edital. O Supremo TribunalFe<strong>de</strong>ral, em 1986, manteve a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Alçada. O processoretornou à origem para continuação da fase postulatória, sen<strong>do</strong> admitidasdiversas <strong>de</strong>nunciações à li<strong>de</strong> (ao contrário <strong>do</strong> que ocorreu no 14ºPerímetro) que conturbaram ainda mais o andamento <strong>do</strong> feito. Em <strong>de</strong>zembro<strong>de</strong> 1996, finalmente, o feito foi julga<strong>do</strong> proce<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>claran<strong>do</strong>-se asterras <strong>do</strong> perímetro <strong>de</strong>volutas, 28 anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> proposta a ação.Quais as causas <strong>de</strong>sta lentidão exacerbada? Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar três:uma <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m territorial, outra <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m processual e uma terceira dimensãopessoal a influir na excessiva <strong>de</strong>longa das discriminatórias, quenão são, afinal, no Pontal, processos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> no tocanteao mérito. Em primeiro lugar, o tamanho <strong>do</strong>s perímetros <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s a partirda década <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong>termina uma pluralida<strong>de</strong> enorme <strong>de</strong> réus, dificulda<strong>de</strong>que o Esta<strong>do</strong> está afastan<strong>do</strong> mediante a propositura <strong>de</strong> ações específicas153


JOSÉ ROBERTO FERNANDES CASTILHOpara imóveis individualiza<strong>do</strong>s. Em segun<strong>do</strong> lugar, a admissão, pelo Tribunal,da <strong>de</strong>nunciação da li<strong>de</strong>, que amplia objetivamente e subjetivamente oprocesso, constitui entrave relevante. A nosso aviso, trata-se <strong>de</strong> um equívoco:a discriminatória é uma ação <strong>de</strong>claratória, hipótese não contempladapelo artigo 70 <strong>do</strong> CPC (v. jurisprudência nesse senti<strong>do</strong> em TheotônioNegrão). E mais, a admissão ampla da <strong>de</strong>nunciação significa uma violação<strong>do</strong> princípio da economia processual e da celerida<strong>de</strong> da justiça.Há, afinal, uma dimensão pessoal <strong>do</strong> problema. As comarcas on<strong>de</strong>correm as discriminatórias são pequenas comarcas <strong>de</strong> primeira entrância,on<strong>de</strong> em geral oficiam juizes substitutos, que estão ali <strong>de</strong> passagem. Diantedas <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> volumes <strong>do</strong>s processos (os autos <strong>do</strong> 15º Perímetro jásomam 30 volumes) e <strong>do</strong>s inúmeros conflitos <strong>de</strong>senha<strong>do</strong>s, a tendência <strong>do</strong>smagistra<strong>do</strong>s — uma tendência, diria, “natural” — é <strong>de</strong>ixar o caso para ofuturo titular da comarca. Este problema, outrora grave, no Pontal não sepõe mais, porque, a partir <strong>de</strong> 1983 (Lei n. 3.947/83, art. 10), o Tribunal <strong>de</strong>Justiça vem fazen<strong>do</strong> <strong>de</strong>signações especiais para magistra<strong>do</strong>s atuarem nestasações. Isto significou um ganho substancial em termos <strong>de</strong> celerida<strong>de</strong> etambém <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>cisões (v.g., a magistral sentença <strong>do</strong> 15º Perímetro,prolatada pelo Dr. Vito José Guglielmi, que tem 150 laudas).Atualmente, a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> juizes <strong>de</strong> entrância especial para questõesagrárias está prevista no artigo 86 da Constituição Estadual. Estedispositivo ainda <strong>de</strong>termina que “no exercício da jurisdição, o juiz <strong>de</strong>verá,sempre que necessário à prestação jurisdicional, <strong>de</strong>slocar-se até o local <strong>do</strong>litígio”. Tal prática <strong>de</strong>mocrática não tem ocorri<strong>do</strong> no Pontal, como seria<strong>de</strong>sejável, talvez diante <strong>do</strong> elemento <strong>de</strong> contenção <strong>do</strong> próprio textonormativo.3. A ARRECADAÇÃO DE TERRAS DEVOLUTASO assentamento <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>res <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>manda socialantiga, antes fluida e informal e hoje organizada em vários movimentossociais (além <strong>do</strong> MST, o “Esperança Viva”, <strong>de</strong> Mirante; “Brasileiros154


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):147-161, jan./<strong>de</strong>z. 1998Uni<strong>do</strong>s Queren<strong>do</strong> Terra”, <strong>de</strong> Wenceslau; “Terra e Pão”, <strong>de</strong> Santo Anastácio;“Terra e Cidadania”, <strong>de</strong> Tarabai — v. a tônica na palavra “terra”). O processo<strong>de</strong> sua formação é bastante conheci<strong>do</strong>. Em mea<strong>do</strong>s da década <strong>de</strong> 80,a <strong>de</strong>saceleração da construção concomitante <strong>de</strong> três usinas hidrelétricas(Rosana, Taquaruçu e Porto Primavera) gerou um gran<strong>de</strong> contigente <strong>de</strong><strong>de</strong>semprega<strong>do</strong>s que permaneceram na região, acampa<strong>do</strong>s às margens dasro<strong>do</strong>vias. Daí a constituição <strong>do</strong> projeto <strong>de</strong> assentamento da Gleba XV <strong>de</strong>Novembro, <strong>de</strong>sapropriada em 1984 (Governo Montoro). Depois — semdúvida em razão da insegura questão <strong>do</strong>minial —, o MST se instala noinício <strong>do</strong>s anos 90. A fazenda Santa Clara, no 11º Perímetro <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong>Paranapanema, foi reivindicada em 1992, durante o Governo Fleury. Foi aprimeira vez que o Esta<strong>do</strong> reivindicou terras <strong>de</strong>volutas no Pontal e é oprimeiro assentamento “<strong>do</strong> MST” na região. No dia 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro daqueleano foi homologa<strong>do</strong> o acor<strong>do</strong> para pagamento das benfeitorias (paraum resgate histórico das lutas sociais por uma testemunha ocular, v. Lour<strong>de</strong>sAze<strong>do</strong>, A questão das lutas sociais no Pontal <strong>do</strong> Paranapanema, <strong>Revista</strong>Justiça e Cidadania, n. 3, p. 35-40, <strong>de</strong>z. 1996).Para a arrecadação <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>stinadas aos assentamentos, o Esta<strong>do</strong>tem busca<strong>do</strong> o meio judicialmente a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> que é a ação reivindicatória<strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas, finda a discriminatória. No entanto, é certo que aação tutelar <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio (Sá Pereira) não constitui-se no meio socialmentemais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> para o caso. Como visto, a Justiça é extremamentemorosa (a ação discriminatória <strong>do</strong> 14º Perímetro levou 7 anos para chegaraté a sentença) e a necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s acampa<strong>do</strong>s é premente: <strong>de</strong>ve-se, pois,buscar um “atalho”. Num exercício <strong>de</strong> engenharia jurídica, este “atalho”são os acor<strong>do</strong>s nas ações reivindicatórias — ou mesmo discriminatórias(v.g., fazenda Bom Pastor, maio 97) — mediante os quais o Esta<strong>do</strong> in<strong>de</strong>nizaas benfeitorias feitas <strong>de</strong> boa-fé e ingressa na posse <strong>do</strong> imóvel. Des<strong>de</strong>1995, já foram feitos quase 50 acor<strong>do</strong>s <strong>do</strong> tipo, com recursos provenientes<strong>do</strong> Incra.Além <strong>de</strong>le, a reforma <strong>do</strong> CPC <strong>de</strong> 94/95 instituiu o mecanismo processualda tutela antecipatória que — por sugestão <strong>do</strong> Dr. José Roberto <strong>de</strong>155


JOSÉ ROBERTO FERNANDES CASTILHOMoraes, Subprocura<strong>do</strong>r <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Contencioso da <strong>PGE</strong> — o Esta<strong>do</strong> começoua utilizar em todas as reivindicações feitas a partir <strong>do</strong> final <strong>de</strong> 95,obten<strong>do</strong> largo êxito (inclusive no STJ, v. medida cautelar inominada erespectivo <strong>de</strong>spacho <strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte em Boletim <strong>do</strong> Centro <strong>do</strong> Estu<strong>do</strong>s da<strong>PGE</strong>, v. 21, n. 2, p. 94-102, mar./abr. 1997). Mas a tutela tem recaí<strong>do</strong> emapenas 30% <strong>do</strong> imóvel, área insuficiente para abrigar, com a estabilida<strong>de</strong>necessária à produção, as famílias acampadas às margens das ro<strong>do</strong>vias.Ainda no Governo Covas, a assinatura <strong>do</strong> Decreto n. 42.041, <strong>de</strong> 1º<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1997, permitiu a realização <strong>de</strong>sses ajustes em perímetrosainda não discrimina<strong>do</strong>s (verbis, “em processo <strong>de</strong> discriminação administrativa”,art. 1º, 2º), visan<strong>do</strong> acelerar a arrecadação. Porém, a fórmulaencontrada — relacionan<strong>do</strong> terra e benfeitoria — não se mostrou atrativaaos ocupantes, tanto assim que seis meses após sua assinatura, em gran<strong>de</strong>solenida<strong>de</strong> ocorrida em Teo<strong>do</strong>ro Sampaio, nenhum acor<strong>do</strong> foi feito combase nele. Sob o aspecto político, é interessante registrar o apoio maciçoda<strong>do</strong> às autorida<strong>de</strong>s governamentais da União e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, naquela oportunida<strong>de</strong>,pelos integrantes <strong>do</strong> MST, inclusive suas li<strong>de</strong>ranças nacionais. Ofato <strong>de</strong>monstra bem como as relações <strong>do</strong>s movimentos sociais com o Po<strong>de</strong>rPúblico po<strong>de</strong>m ser controvertidas e contraditórias.A arrecadação <strong>de</strong> terras para assentamentos é uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>de</strong>stinação para as terras <strong>de</strong>volutas, outra é a proteção ambiental, finalida<strong>de</strong>sque nem sempre se harmonizam como <strong>de</strong>veriam (v. “Estu<strong>do</strong> associareforma agrária e <strong>de</strong>vastação” no jornal O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>de</strong> 8.2.98,p. A-15; a matéria refere-se a levantamento <strong>do</strong> Incra e <strong>do</strong> Ibama na Amazônia).4. AS RESERVAS FLORESTAISA proteção ambiental surge a partir <strong>de</strong> uma problema muito peculiare pouco conheci<strong>do</strong>, que nasce quan<strong>do</strong> a lei “briga” com os fatos (nãodiscutirei aqui os motivos <strong>de</strong>ssa “briga”, um problema <strong>de</strong> sociologia jurídica).No início da década <strong>de</strong> 40, o Interventor Fe<strong>de</strong>ral em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,156


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):147-161, jan./<strong>de</strong>z. 1998Fernan<strong>do</strong> Costa, criou três reservas florestais na região: Morro <strong>do</strong> Diabo,Lagoa <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> e a chamada Gran<strong>de</strong> Reserva (v. Quadro A).Inicialmente, o Decreto n. 12.279, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1941 criou areserva <strong>do</strong> Morro <strong>do</strong> Diabo nos Perímetros 1º e 2º <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Wenceslau(atualmente Teo<strong>do</strong>ro Sampaio). Em seguida, os Decretos-Leis ns. 13.049,<strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1942 e 13.075, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1942 —edita<strong>do</strong>s num lapso <strong>de</strong> apenas 19 dias — criaram, respectivamente, asreservas da Lagoa <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> em parte <strong>do</strong> 10º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nteWenceslau (hoje Presi<strong>de</strong>nte Epitácio) e a gran<strong>de</strong> reserva, que ocuparia osPerímetros 14º <strong>de</strong> Teo<strong>do</strong>ro Sampaio, 15º <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong> Paranapanema e16º <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Wenceslau. O <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 1941 apenas <strong>de</strong>stinou à proteçãoambiental uma gleba já julgada <strong>de</strong>voluta, enquanto os <strong>do</strong>is <strong>de</strong>cretosleiseguintes <strong>de</strong>clararam <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública os imóveis, com a ressalva <strong>de</strong>que se fosse <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> <strong>de</strong>voluto ficaria sem efeito a autorização para suaaquisição, “continuan<strong>do</strong> a ser <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> floresta remanescente” (art. 2º,parágrafo único).Juntos, os três imóveis abrangiam mais <strong>de</strong> 300.000 ha, sen<strong>do</strong> o primeiroe o último contíguos: era a reserva <strong>do</strong>s índios Caiuá. Mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>logo, as reservas sofreram intensa contestação política — motivada porinteresses econômicos emergentes na “nova frente pioneira” — que, senão conseguiu extingui-las formalmente, <strong>de</strong> fato quase as inviabilizou totalmente(sobre o tema v., amplius, José Ferrari Leite, A ocupação <strong>do</strong>Pontal <strong>do</strong> Paranapanema, tese, 1983).O “quase” se explica. Apenas a primeira reserva vingou e foi transformadaem Parque Estadual pelo Decreto n. 25.342/86. As <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>sapareceramconcretamente, embora os <strong>de</strong>cretos-leis que as criaram nuncativessem si<strong>do</strong> revoga<strong>do</strong>s expressamente. A<strong>de</strong>mais, da Lagoa restará cerca<strong>de</strong> 10% da área original <strong>de</strong>pois da inundação <strong>de</strong>rivada <strong>do</strong> represamento <strong>de</strong>Porto Primavera. Em data recente (1992), a Justiça <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nteWenceslau, numa ação civil pública, reconheceu que o Decreto-Lein. 13.075/42, que criou a Gran<strong>de</strong> Reserva — com área <strong>de</strong> 271.286 ha —157


JOSÉ ROBERTO FERNANDES CASTILHOestá em pleno vigor (feito 120/87 - 2ª Vara). Afinal, a lei não se revogapelo <strong>de</strong>suso.Ora, se o <strong>de</strong>creto-lei está i<strong>de</strong>almente em vigor, ativida<strong>de</strong>s fundamentaisà exploração pecuária — a principal função econômica da região —como limpeza <strong>de</strong> pasto sujo, escoamento <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira morta etc., ficamproibidas. Mas nem o particular respeita a proibição — o que <strong>de</strong>sgasta aautorida<strong>de</strong> pública — e nem mesmo o próprio Esta<strong>do</strong> o faz, haja vista, porexemplo, que a citada Gleba XV <strong>de</strong> Novembro fica totalmente <strong>de</strong>ntro daGran<strong>de</strong> Reserva, assim como cida<strong>de</strong>s, vilas, ro<strong>do</strong>vias etc. No que tange aoPontal, o Po<strong>de</strong>r Público ao longo <strong>do</strong>s anos vem sistematicamente se <strong>de</strong>svian<strong>do</strong><strong>do</strong> coman<strong>do</strong> conti<strong>do</strong> no art. 203 da Constituição Estadual (quereitera dispositivo da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e <strong>do</strong> Código Florestal). Estanorma reclassifica as terras <strong>de</strong>volutas — <strong>de</strong> bens <strong>do</strong>miniais elas se tornambens <strong>do</strong> patrimônio indisponível quan<strong>do</strong> “inseridas em unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> preservaçãoou necessárias à proteção <strong>do</strong>s ecossistemas naturais”.Há que se resolver este problema ou revogan<strong>do</strong>-se pura e simplesmenteo <strong>de</strong>creto-lei via lei (e então a proteção ambiental se restringiria à“reserva legal” <strong>de</strong> 20% <strong>do</strong>s imóveis, estipulada no Código Florestal), oucrian<strong>do</strong>-se pequenas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação (áreas <strong>de</strong> proteção ambiental)on<strong>de</strong> houvesse manchas ver<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse. A nosso aviso, esta segundaalternativa é a melhor porque po<strong>de</strong> “salvar” algumas poucas áreas remanescentes<strong>de</strong> matas da <strong>de</strong>struição total e completa. Observo que, atualmente,a “reserva legal” não se processa nos três perímetros integrantesda Gran<strong>de</strong> Reserva porquanto o Esta<strong>do</strong> não po<strong>de</strong> concordar comaverbações à margem <strong>de</strong> matrículas cuja legitimida<strong>de</strong> não reconhece. Istoquer dizer que, apesar <strong>do</strong>s diversos textos legais, não há nenhuma proteçãoambiental em parte significativa <strong>do</strong> Pontal.Um problema a latere <strong>de</strong>ve ser referi<strong>do</strong>, que toca à máquina administrativa<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Em 1986, a <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> Regional <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nterepresentou ao Sr. Procura<strong>do</strong>r <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> da conveniênciada revogação <strong>do</strong> Decreto-Lei n. 13.075/42. Deu ela origem aos158


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):147-161, jan./<strong>de</strong>z. 1998processos <strong>PGE</strong> n. 95.734/86 e SMA n. 81.131/87, que transitaram duranteanos por várias Secretarias <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> e terminaram — ao que parece —extravia<strong>do</strong>s nas <strong>do</strong>bras da Administração. Em se revogan<strong>do</strong> por lei os<strong>de</strong>cretos-lei, o Código Florestal protegeria as matas remanescentes. E então,o absur<strong>do</strong> <strong>do</strong>s absur<strong>do</strong>s: antes <strong>do</strong> extravio, um burocrata afirmou que aproposta <strong>de</strong> revogação dificilmente teria êxito por esbarrar nos interessesdas entida<strong>de</strong>s ambientalistas, que têm gran<strong>de</strong> expressão perante a opiniãopública. Ou seja, não seria “politicamente correto” extinguir uma reserva,ainda que seja ela uma ficção jurídica.Portanto, em se tratan<strong>do</strong> das reservas florestais <strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong>Paranapanema, <strong>de</strong>ve-se afirmar que elas foram <strong>de</strong> fato extintas, só persistin<strong>do</strong>hoje, para benefício das presentes e futuras gerações, o Parque Estadual<strong>do</strong> Morro <strong>do</strong> Diabo — um <strong>do</strong>s últimos vestígios <strong>de</strong> mata atlântica nointerior <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> —, que completou <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> existência em 1996. Oparque é administra<strong>do</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1997, por um convênio entre a Secretaria<strong>do</strong> Meio Ambiente e uma organização não-governamental chamada IPÊ— Instituto <strong>de</strong> Pesquisas Ecológicas. No neoliberalismo triunfante, será oinício da privatização <strong>do</strong>s parques estaduais, ten<strong>do</strong> em vista que eles nãodão lucro ao governo?5. CONCLUSÃOO Pontal não admite mais improvisações, soluções paliativas, politicagem.Mas com coerência, visão sistemática e, sobretu<strong>do</strong>, com planejamento,há muito o que se fazer para garantir a paz e a estabilida<strong>de</strong> socialna região. Antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, especificamente, a regularização fundiária (quenão se confun<strong>de</strong>, no nível conceitual, com a reforma agrária) é uma necessida<strong>de</strong>urgente e inadiável, como causa maior da ausência <strong>de</strong> investimentos.Tal como <strong>de</strong>termina o artigo 33 <strong>do</strong> ADCT da Constituição estadual, oEsta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve promover as ações discriminatórias para separar o <strong>do</strong>mínioparticular <strong>do</strong> público e dar uma <strong>de</strong>stinação à terra pública na forma previstapela lei (assentamentos, proteção ambiental etc.). Este é, verda<strong>de</strong>iramente,o ponto inicial.159


JOSÉ ROBERTO FERNANDES CASTILHONo contexto maior, as outras providências cogitadas (discriminatóriasindividuais, legitimação <strong>de</strong> posses, revisão da Gran<strong>de</strong> Reserva etc.), tomadasnas três vertentes <strong>de</strong> uma política pública consistente para o Pontal<strong>do</strong> Paranapanema, viriam remover os entraves ao <strong>de</strong>senvolvimento econômicoe social da região, crian<strong>do</strong> as condições estruturais para a dignida<strong>de</strong>da vida <strong>de</strong> seus habitantes (quase 1 milhão <strong>de</strong> pessoas). Dessa forma,cumpre o Esta<strong>do</strong> com o que <strong>de</strong>termina o artigo 3º da Declaração sobre oDireito ao Desenvolvimento (ONU, 1986): “Os Esta<strong>do</strong>s têm a responsabilida<strong>de</strong>primária pela criação das condições nacionais e internacionaisfavoráveis à realização <strong>do</strong> direito ao <strong>de</strong>senvolvimento”.Quadro A-Asreservas florestais <strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> ParanapanemaReserva Área (em ha) Fundamento legalMorro <strong>do</strong> Diabo 37.156 (original) Decreto-Lei n. 12.279/4133.845 (atual) Decreto-Lei n. 25.342/86 (Parque)Lagoa <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> 13.343 (original) Decreto-Lei n. 13.049/42Gran<strong>de</strong> Reserva 271.286 (original) Decreto-Lei n. 13.075/42Total: 321.785REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASCASTILHO, José Roberto Fernan<strong>de</strong>s. Fatores <strong>de</strong> insegurança <strong>do</strong>minialno Pontal <strong>do</strong> Paranapanema. Boletim <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,v. 18, n. 5, p. 67-68, maio <strong>de</strong> 1994.Debate-se o Pontal. Jornal Oeste Notícias, 17 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1995,p. 1-2.Pretexto? Jornal Oeste Notícias, 14 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1996, p. 1-2.As reservas florestais <strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> Paranapanema. <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> DireitoAmbiental, v. 7, p. 102-109, jul./set. 1997).160


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):147-161, jan./<strong>de</strong>z. 1998Objetivos para o Pontal. Jornal Oeste Notícias, 1º <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1997,p. 1-2.CASTILHO, José Roberto Fernan<strong>de</strong>s & DENARI, Zelmo. Legislaçãofundiária <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte: CIDADA-NIA, 1996.DENARI, Zelmo. Roteiro <strong>de</strong>scritivo das ações discriminatórias da 10ªRegião Administrativa. Relatório da PR/10, 1987, inédito.LEITE, José Ferrari. A ocupação <strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> Paranapanema. IPEA/Unesp, 1983, tese.MACHADO, <strong>Paulo</strong> Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 2.ed.<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, 1989.RODRIGUES, José Eduar<strong>do</strong> Ramos. Aspectos jurídicos das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>conservação. <strong>Revista</strong> da <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,n. 43, p. 143-200, jun. 1995.SOUZA FILHO, Juvenal Boller. Itesp—Oórgãoestadual <strong>de</strong> terras. Boletim<strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, v. 17, n. 11, p. 6-8, nov.1993.161


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ROTEIRO DESCRITIVO DAS AÇÕESDISCRIMINATÓRIAS DA 10ª REGIÃOADMINISTRATIVA*Zelmo Denari*** A taxinomia <strong>do</strong>s perímetros observa o critério geográfico das respectivas jurisdições. Esterelatório foi elabora<strong>do</strong> em 1987. Trata-se <strong>do</strong> primeiro levantamento completo — inclusivecartográfico — <strong>do</strong>s perímetros da 10ª Região Administrativa. Para a presente publicação, foirevisto e atualiza<strong>do</strong> pelo Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> José Roberto Fernan<strong>de</strong>s Castilho, atual Procura<strong>do</strong>r-Chefeda Regional <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte.** Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> aposenta<strong>do</strong>.163


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R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):163-181, jan./<strong>de</strong>z. 1998I. DISCRIMINATÓRIAS EM ANDAMENTO14º Perímetro <strong>de</strong> Teo<strong>do</strong>ro Sampaio (Antigo Presi<strong>de</strong>nte Wenceslau)Primitivamente, a ação discriminatória foi proposta perante a Comarca<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Wenceslau, <strong>de</strong>pois redistribuída à Comarca <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong>Paranapanema, on<strong>de</strong> foi sentenciada aos 23 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1980 pelo Dr.José Aral<strong>do</strong> da Costa Telles (cf. Processo 023/72 <strong>do</strong> Cartório <strong>do</strong> 2º Ofício).As terras integrantes <strong>do</strong> perímetro foram <strong>de</strong>claradas <strong>de</strong>volutas. Contu<strong>do</strong>,em grau <strong>de</strong> recurso a Egrégia Sétima Câmara <strong>do</strong> Primeiro Tribunal<strong>de</strong> Alçada Civil reformou a sentença <strong>de</strong>claran<strong>do</strong> a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s osatos pratica<strong>do</strong>s no feito, ab initio (cf. Apelação n. 300.063 da Comarca <strong>de</strong>Mirante <strong>do</strong> Paranapanema).Em <strong>de</strong>corrência, em 1985, a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> intentou — contra47 réus, ocupantes conheci<strong>do</strong>s — nova ação discriminatória perante aComarca <strong>de</strong> Teo<strong>do</strong>ro Sampaio com fundamento na Lei n. 6.383 <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong>zembro<strong>de</strong> 1976 (inicial subscrita pelos Drs. Zelmo Denari e Sérgio NogueiraBarhum) (cf. Proc. n. 777/85).Em 1987, o feito encontrava-se em fase <strong>de</strong> instrução probatória, ten<strong>do</strong>si<strong>do</strong> sanea<strong>do</strong> pelo Dr. Vito José Guglielmi, especialmente <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>(art. 10 da Lei 3.947/83). Aos 30 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1992 — sete anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>proposta —, a ação foi finalmente julgada proce<strong>de</strong>nte, em <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> quarentalaudas prolatada pelo Dr. Antonio <strong>de</strong> Almeida Sampaio, “para o fim<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar <strong>de</strong>volutas e, por conseqüência, pertencentes ao <strong>do</strong>mínio daautora as terras constantes no perímetro <strong>de</strong>scrito no memorial que ficafazen<strong>do</strong> parte integrante <strong>de</strong>sta sentença”. Reconheceu, porém, em favor<strong>do</strong>s contestantes, o direito <strong>de</strong> serem in<strong>de</strong>niza<strong>do</strong>s em razão das benfeitoriasrealizadas.Atualmente, o feito encontra-se em fase recursal.165


ZELMO DENARI15º Perímetro <strong>de</strong> Teo<strong>do</strong>ro Sampaio (Antigo Presi<strong>de</strong>nte Wenceslau)A ação discriminatória foi ajuizada perante a Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nteWenceslau aos 3 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1958, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> distribuída ao Cartório<strong>do</strong> 1º Ofício (cf. Feito n. 6.355/58). O subscritor da inicial foi o Dr. UlyssesFagun<strong>de</strong>s Filho.Posteriormente, o Feito foi redistribuí<strong>do</strong> à Comarca <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong>Paranapanema, on<strong>de</strong> tem curso até hoje sob n. 68/72.Conforme sentença prolatada aos 22 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1981 pelo Dr.Fernan<strong>do</strong> Apareci<strong>do</strong> Spagnuolo, o processo foi julga<strong>do</strong> extinto sem julgamento<strong>de</strong> mérito.Em grau <strong>de</strong> recurso, a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> logrou reformar a sentença<strong>de</strong> primeira instância, e o feito retornou à origem para prosseguimento ejulgamento <strong>de</strong> mérito. A Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> peticionou no feito para adaptaçãoda inicial às exigências da Lei n. 6.383, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1976.Após <strong>de</strong>mora<strong>do</strong> trâmite — em razão da admissão da <strong>de</strong>nunciação dali<strong>de</strong> — 38 anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> proposta, a ação foi julgada proce<strong>de</strong>nte emsentença <strong>de</strong> 150 laudas prolatada pelo Dr. Vito José Guglielmi, aos 20 <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1996. A <strong>de</strong>cisão é “inteiramente favorável à Fazenda”.O feito encontra-se em fase recursal.II. DEMAIS DISCRIMINATÓRIAS1º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nteO perímetro, medin<strong>do</strong> 9.000 alqueires, mais ou menos, foi objeto <strong>de</strong>ação discriminatória proposta pela Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a pedi<strong>do</strong>s<strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s — to<strong>do</strong>s eles pequenos proprietários, planta<strong>do</strong>res <strong>de</strong>café — tu<strong>do</strong> nos termos <strong>do</strong> Decreto n. 5.133, <strong>de</strong> 23 julho <strong>de</strong> 1931.166


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):163-181, jan./<strong>de</strong>z. 1998O percurso prévio, elabora<strong>do</strong> pelo engenheiro discrimina<strong>do</strong>r, data <strong>de</strong>29 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1931.A ação discriminatória foi proposta aos 19 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1931 peranteo Cartório <strong>do</strong> 1º Ofício da Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte.Consoante informação prestada em processo interno (O.S.), a <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong><strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong> prosseguir na discriminatória, pois to<strong>do</strong> o perímetrodiscriminan<strong>do</strong> se encontrava <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> raio <strong>de</strong> circulo <strong>de</strong> 6 quilômetros apartir da praça central <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte.Certidão expedida pelo Cartório <strong>do</strong> 1º Ofício (cf. Proc. PR/10-35-1757/87) nos dá aviso <strong>de</strong> que o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> <strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong> prosseguirna ação discriminatória.2º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nteO perímetro, medin<strong>do</strong> 9.000 alqueires, mais ou menos, foi objeto <strong>de</strong>ação discriminatória ajuizada aos 22 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1931, perante aComarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte (Cartório <strong>do</strong> 1º Ofício).Conforme sentença prolatada aos 7 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1942 pelo Dr. Francisco<strong>de</strong> Souza Nogueira, as terras componentes <strong>do</strong> 2º Perímetro foram <strong>de</strong>claradas<strong>de</strong>volutas, com exceção da área compreendida no raio <strong>de</strong> 6 quilômetrosa partir da praça principal da cida<strong>de</strong>.O perímetro foi <strong>de</strong>marca<strong>do</strong> judicialmente e a <strong>de</strong>marcação foi homologadapela sentença <strong>do</strong> Dr. Aniceto Lopes Alien<strong>de</strong>, aos 11 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong>1960.O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> não promoveu legitimação das posses <strong>do</strong>perímetro.167


ZELMO DENARI3º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nteO perímetro, medin<strong>do</strong> 12.000 alqueires, aproximadamente, foi objeto<strong>de</strong> ação discriminatória ajuizada aos 29 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1932, perante aComarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte.Conforme sentença prolatada aos 21 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1942 pelo Dr. Francisco<strong>de</strong> Souza Nogueira, as terras componentes <strong>do</strong> 3º Perímetro foram<strong>de</strong>claradas <strong>de</strong>volutas.O perímetro foi <strong>de</strong>marca<strong>do</strong> judicialmente e a <strong>de</strong>marcação foi homologadapela sentença <strong>do</strong> Dr. Aniceto Lopes Alien<strong>de</strong>, datada <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> outubro<strong>de</strong> 1960.O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> não promoveu legitimação das posses <strong>do</strong>perímetro.4º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nteO perímetro, medin<strong>do</strong> 23.389,90 ha, foi julga<strong>do</strong> totalmente <strong>de</strong>volutopor sentença prolatada aos 22 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1941 pelo Dr. Francisco <strong>de</strong>Souza Nogueira, nos autos <strong>de</strong> respectiva ação discriminatória que seprocessou pela Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte (Cartório <strong>do</strong> 2º Ofício).A sentença foi confirmada pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça, conforme acórdãoprolata<strong>do</strong> aos 28 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1941 pela Segunda Câmara Civil (cf.Apelação n. 12.769 da Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte).O memorial <strong>de</strong>scritivo da área foi transcrito sob n. 36.561 noRegistro Imobiliário da 1ª Circunscrição <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte; sobn. 21.850, no Registro Imobiliário da 2ª Circunscrição <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>ntePru<strong>de</strong>nte e sob n. 2.500 no Registro Imobiliário da Comarca <strong>de</strong>Presi<strong>de</strong>nte Bernar<strong>de</strong>s.168


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):163-181, jan./<strong>de</strong>z. 1998O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> não promoveu legitimação das posses <strong>do</strong>perímetro.5º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nteO perímetro, medin<strong>do</strong> 9.000 alqueires <strong>de</strong> terra, aproximadamente,foi objeto <strong>de</strong> ação discriminatória, ajuizada aos 31 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1933,perante a Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte (Cartório <strong>do</strong> 1º Ofício).Conforme sentença prolatada pelo Dr. Francisco <strong>de</strong> Souza Nogueiraaos 24 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1943, as terras componentes <strong>do</strong> perímetro foram <strong>de</strong>claradas<strong>de</strong>volutas.O perímetro foi <strong>de</strong>marca<strong>do</strong> judicialmente e a <strong>de</strong>marcação foi homologadapor sentença prolatada pelo Dr. Aniceto Lopes Alien<strong>de</strong>, aos 23 <strong>de</strong>abril <strong>de</strong> 1962.O memorial <strong>de</strong>scritivo foi registra<strong>do</strong> sob n. 61.061 no Cartório <strong>do</strong>Registro Imobiliário da 1ª Circunscrição, aos 28 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1964.O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> não promoveu legitimação das posses <strong>do</strong>perímetro.8º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nteA ação discriminatória foi ajuizada no ano <strong>de</strong> 1938 perante a Comarca<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte (Cartório <strong>do</strong> 2º Ofício).Consoante certidão expedida pelo Cartório <strong>do</strong> 2º Ofício “reven<strong>do</strong> emCartório os livros Registro <strong>de</strong> Feitos e índices relativos aos anos <strong>de</strong> 1923a 1961, bem como o Arquivo <strong>Geral</strong>, não foram localiza<strong>do</strong>s os processosreferentes ao 8º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte”.169


ZELMO DENARIAdministrativamente, consta informação subscrita pelo Dr. Isi<strong>do</strong>roCarmona, nos dan<strong>do</strong> aviso <strong>de</strong> que conforme certidão fornecida em 1941,os autos extraviaram-se no Cartório <strong>do</strong> 1º Ofício <strong>do</strong> extinto Juízo <strong>do</strong>sFeitos da Fazenda Nacional.Por essa razão, foi proposto e <strong>de</strong>feri<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> arquivamento <strong>do</strong>respectivo processo administrativo (OS-PPI n. 1.134/38).Mas, aos 5 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997, a Fazenda Pública Estadual — viaPR/10 discriminou uma gleba <strong>de</strong> 2.631,5237 ha (Fazenda Bom Pastor),situada no sul <strong>do</strong> perímetro. O feito terminou por transação referente aovalor das benfeitorias (art. 269, III <strong>do</strong> CPC), ten<strong>do</strong> em vista o reconhecimento<strong>do</strong> réu quanto à pretensão da Fazenda (Feito n. 227/97 da VaraDistrital <strong>de</strong> Pirapozinho).6º Perímetro <strong>de</strong> Rancharia (Antigo Paraguaçu)O perímetro, medin<strong>do</strong> aproximadamente 3.000 alqueires <strong>de</strong> terra, foiobjeto <strong>de</strong> ação discriminatória ajuizada aos 29 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1933, peranteo Juízo da Comarca <strong>de</strong> Paraguaçu (Imóvel Pedra Re<strong>do</strong>nda ou Coroa<strong>do</strong>s).Conforme sentença prolatada na Comarca <strong>de</strong> Paraguaçu pelo Dr.Tancre<strong>do</strong> Vieira Junior aos 14 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1935, as terras componentes<strong>do</strong> 6º Perímetro foram <strong>de</strong>claradas <strong>de</strong>volutas.Os trabalhos <strong>de</strong>marcatórios foram homologa<strong>do</strong>s na Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>ntePru<strong>de</strong>nte, conforme sentença prolatada aos 9 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1941 peloDr. Francisco <strong>de</strong> Souza Nogueira.As posses foram legitimadas administrativamente pela <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong><strong>do</strong> Patrimônio Imobiliário.170


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):163-181, jan./<strong>de</strong>z. 199810º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Bernar<strong>de</strong>s(Antigo Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte)A ação discriminatória foi ajuizada aos 10 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1943 perantea Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte, sen<strong>do</strong> distribuída ao Cartório <strong>do</strong>2º Ofício (a inicial foi subscrita pelo Dr. Odilon Bueno).Em cartório somente foram localiza<strong>do</strong>s os autos <strong>do</strong> 1º volume daação principal.Consoante certidão expedida pelo Cartório <strong>do</strong> 2º Ofício “compulsan<strong>do</strong>os autos localiza<strong>do</strong>s e supra menciona<strong>do</strong>s, fica impossível certificar o últimoandamento ou a prolação <strong>de</strong> sentença, uma vez que os mesmos estãoincompletos”.Administrativamente, consta na pasta arquivada nesta <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong>Regional cópia da informação prestada pelo Dr. Odilon Bueno, aos 30 <strong>de</strong>setembro <strong>de</strong> 1950, dan<strong>do</strong> aviso <strong>de</strong> que a discriminação <strong>do</strong> 10º Perímetrohá <strong>de</strong> continuar paralisada “até que a União promulgue a lei que <strong>de</strong>veregular a discriminação das terras <strong>de</strong>volutas” (cf. Proc. PPI n. 4.985).Informa-se, ainda, que o perímetro está situa<strong>do</strong> “integralmente <strong>de</strong>ntroda área municipal <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Bernar<strong>de</strong>s, com curva <strong>de</strong> raio <strong>de</strong> 8quilômetros”.21º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Bernar<strong>de</strong>s (Antigo Santo Anastácio)A ação discriminatória foi ajuizada em 1º <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1938 naComarca <strong>de</strong> Santo Anastácio, sen<strong>do</strong> distribuída ao Cartório <strong>do</strong> 2º Ofício(inicial subscrita pelo Dr. José Leal <strong>de</strong> Mascarenhas).A sentença foi prolatada aos 7 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1941 pelo Dr. JoaquimBan<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> julgadas <strong>de</strong>volutas as terras <strong>do</strong>21º Perímetro.171


ZELMO DENARIOs trabalhos <strong>de</strong>marcatórios foram homologa<strong>do</strong>s aos 6 <strong>de</strong> fevereiro<strong>de</strong> 1952, pelo Dr. Felizar<strong>do</strong> Calil.As terras <strong>do</strong> perímetro pertencem ao Município <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nteBernar<strong>de</strong>s, pois estão totalmente contidas no raio <strong>de</strong> círculo <strong>do</strong> Distrito<strong>de</strong> Nova Pátria.A Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Bernar<strong>de</strong>s instaurou processoadministrativo <strong>de</strong> legitimação <strong>de</strong> posses e expediu títulos aos legítimosocupantes.14º Perímetro <strong>de</strong> Santo AnastácioA ação discriminatória foi ajuizada perante a Comarca <strong>de</strong> SantoAnastácio aos 23 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1939 e distribuída ao Cartório <strong>do</strong> 2ºOfício (inicial subscrita pelo Dr. José Leal <strong>de</strong> Mascarenhas).Conforme sentença prolatada aos 30 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1941 pelo Dr.Joaquim Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello, foram <strong>de</strong>claradas <strong>de</strong>volutas as terras componentes<strong>do</strong> 14º Perímetro.Os trabalhos <strong>de</strong>marcatórios foram homologa<strong>do</strong>s aos 25 <strong>de</strong> março <strong>de</strong>1943 pelo Dr. Octávio Gonzaga Júnior.O memorial <strong>de</strong>scritivo <strong>do</strong> perímetro foi transcrito sob n. 13.183 noRegistro Imobiliário <strong>de</strong> Santo Anastácio.A <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>do</strong> Patrimônio Imobiliário instaurou o processo administrativo<strong>de</strong> legitimação das posses e foram expedi<strong>do</strong>s títulos <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínioaos ocupantes <strong>do</strong> perímetro.19º Perímetro <strong>de</strong> Santo AnastácioA ação discriminatória foi ajuizada aos 30 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1939 perantea Comarca <strong>de</strong> Santo Anastácio, sen<strong>do</strong> distribuída ao Cartório <strong>do</strong> 1º Ofício(inicial subscrita pelo Dr. José Leal <strong>de</strong> Mascarenhas).172


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):163-181, jan./<strong>de</strong>z. 1998Conforme sentença prolatada aos 25 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1946 pelo Dr.Carlos Dias, a ação foi julgada proce<strong>de</strong>nte em parte “para consi<strong>de</strong>rar<strong>de</strong>volutas as terras <strong>do</strong> 19º Perímetro, excluídas as que pertencerem aoimóvel Ribeirão Claro e, bem assim, as <strong>do</strong> Núcleo Colonial Lins <strong>de</strong> Vasconcelos”.Conforme acórdão prolata<strong>do</strong> aos 31 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1947 pela SextaCâmara Civil <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça (apelação n. 33.257), a sentença mereceuinteira confirmação.Os trabalhos <strong>de</strong>marcatórios das terras <strong>de</strong>volutas <strong>do</strong> perímetro foramhomologa<strong>do</strong>s aos 7 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1964 pelo Dr. Raphael Emygdio PereiraFilho.A <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>do</strong> Patrimônio Imobiliário instaurou o processo <strong>de</strong>legitimação das posses, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> expedi<strong>do</strong>s títulos <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio aos ocupantesdas áreas <strong>de</strong>claradas <strong>de</strong>volutas.20º Perímetro <strong>de</strong> Santo AnastácioA ação discriminatória foi ajuizada perante a Comarca <strong>de</strong> SantoAnastácio aos 30 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1939 e distribuída ao Cartório <strong>do</strong> 2º Ofício(inicial subscrita pelo Dr. José Leal <strong>de</strong> Mascarenhas).Não foram localiza<strong>do</strong>s em Cartório os autos <strong>do</strong> 12º volume, justamenteaquele nos quais constava a sentença <strong>de</strong> primeira instância.Sem embargo, o acórdão prolata<strong>do</strong> pela Primeira Câmara Civil <strong>do</strong>Tribunal <strong>de</strong> Justiça nos dá aviso <strong>de</strong> que a ação discriminatória foi julgadaproce<strong>de</strong>nte em parte, “para consi<strong>de</strong>rar <strong>de</strong>volutas apenas as terras <strong>do</strong> imóvelPirapó-Santo Anastácio nos trechos em que foram abrangi<strong>do</strong>s pelo20º Perímetro”, e para “<strong>de</strong>clarar particulares as terras que constituem achamada Fazenda Ribeirão Claro”.173


ZELMO DENARIO acórdão manteve a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> primeira instância (cf. apelaçãon. 3.095).Trata-se, portanto, <strong>de</strong> perímetro julga<strong>do</strong> parcialmente <strong>de</strong>voluto.A Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> não promoveu a <strong>de</strong>marcação judicial <strong>do</strong> perímetroporque foram julgadas <strong>de</strong>volutas apenas “algumas nesgas <strong>do</strong> imóvelPirapó-Santo Anastácio” à margem da via férrea.22º Perímetro <strong>de</strong> Santo AnastácioA ação discriminatória foi ajuizada aos 12 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1943 perantea Comarca <strong>de</strong> Santo Anastácio e distribuída ao Cartório <strong>do</strong> 2º Ofício(inicial subscrita pelo Dr. Odilon Bueno).Aos 3 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1948, o Juiz <strong>de</strong> Direito da Comarca, Dr. CarlosDias, assinou o prazo <strong>de</strong> 90 dias para que a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> aditasse ainicial, adaptan<strong>do</strong>-a às novas normas processuais em vigor.A Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, <strong>de</strong>vidamente intimada <strong>do</strong> <strong>de</strong>spacho judicial,nada requereu.À fls. <strong>do</strong>s autos (último ato processual) foi proferi<strong>do</strong> <strong>de</strong>spacho nosseguintes termos: “Esta ação só po<strong>de</strong>rá prosseguir <strong>de</strong>pois que a Fazenda<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>r o cumprimento ao <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> fls. Assim, nada há que<strong>de</strong>terminar”.Trata-se, portanto, <strong>de</strong> discriminatória paralisada por falta <strong>de</strong> iniciativada Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.11º Perímetro <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong> Paranapanema (Antigo Santo Anastácio)A ação discriminatória foi ajuizada perante a Comarca <strong>de</strong> SantoAnastácio a 1º <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1938, e distribuída ao Cartório <strong>do</strong> 1º Ofício(inicial subscrita pelo Dr. José Leal <strong>de</strong> Mascarenhas).174


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):163-181, jan./<strong>de</strong>z. 1998Conforme sentença prolatada aos 31 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1947 pelo Dr. CarlosDias, a ação foi julgada improce<strong>de</strong>nte, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> reconheci<strong>do</strong> o <strong>do</strong>mínioparticular <strong>do</strong> Dr. Labieno da Costa Macha<strong>do</strong>.Posteriormente, aos 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1947, a Segunda CâmaraCivil <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça reformou a sentença para “<strong>de</strong>clarar <strong>de</strong>volutasas terras <strong>do</strong> 11º perímetro <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Santo Anastácio” (cf. autos daApelação n. 35.131).Os trabalhos <strong>de</strong>marcatórios judiciais foram homologa<strong>do</strong>s pelo Dr.Carlos Men<strong>de</strong>s Coelho, aos 28 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1955.O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> não legitimou as posses <strong>do</strong> perímetro.12º Perímetro <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong> Paranapanema (Antigo Santo Anastácio)A ação discriminatória foi ajuizada na Comarca <strong>de</strong> Santo Anastácio a1º <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1938 e distribuída ao Cartório <strong>do</strong> 2º ofício (inicialsubscrita pelo Dr. José Leal Mascarenhas).Conforme sentença prolatada aos 6 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1941 pelo Dr. JoaquimBan<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello, foram julgadas <strong>de</strong>volutas as terras <strong>do</strong> 12º Perímetro.A sentença foi confirmada pela 2ª Câmara Civil <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiçae os trabalhos <strong>de</strong>marcatórios foram homologa<strong>do</strong>s pelo Dr. Felizar<strong>do</strong>Calil, aos 31 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1953.A <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>do</strong> Patrimônio Imobiliário instaurou o processoadministrativo <strong>de</strong> legitimação das posses, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> expedi<strong>do</strong>s títulos aosocupantes <strong>do</strong> perímetro.175


ZELMO DENARI13º Perímetro <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong> Paranapanema (Antigo Santo Anastácio)A ação discriminatória foi ajuizada na Comarca <strong>de</strong> Santo Anastácio,mas os autos judiciais não foram localiza<strong>do</strong>s em Cartório, apesar <strong>de</strong> insistentesbuscas levadas a efeito por esta <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> Regional.Nas buscas que pessoalmente empreendi na <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>do</strong>Patrimônio Imobiliário, localizei processo administrativo on<strong>de</strong> consta cópia<strong>do</strong> V. Acórdão prolata<strong>do</strong> pela 3ª Câmara Civil <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça(Apelação n. 34.692) nos dan<strong>do</strong> aviso <strong>de</strong> que foi nega<strong>do</strong> provimento àapelação da Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> certo que o Juízo a quo acolheu ostítulos filia<strong>do</strong>s à Fazenda Cuiabá e, com isso, repeliu a ação discriminatória<strong>do</strong> 13º Perímetro <strong>de</strong> Santo Anastácio”.A Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> não recorreu da <strong>de</strong>cisão prolatada pelo Tribunal<strong>de</strong> Justiça.Por to<strong>do</strong> exposto, as terras componentes <strong>do</strong> 13º Perímetro integramo <strong>do</strong>mínio priva<strong>do</strong>.Discriminatória da Gleba Caiuá-Vea<strong>do</strong>A ação discriminatória da Gleba Caiuá-Vea<strong>do</strong> foi proposta na Comarca<strong>de</strong> Assis, no ano <strong>de</strong> 1921.A sentença foi prolatada aos 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1922 pelo Dr. Alci<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Almeida Ferrari, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> julga<strong>do</strong> <strong>de</strong>volutas “as terras <strong>do</strong>s Valles <strong>do</strong>sRibeirões Cayuá e Vea<strong>do</strong>”.O memorial <strong>de</strong>scritivo da área foi transcrito sob n. 11.727 no Cartório<strong>do</strong> Registro <strong>de</strong> Imóveis da Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Wenceslau.3º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte WenceslauA ação discriminatória foi ajuizada em 1º <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1933,perante a Comarca <strong>de</strong> Santo Anastácio (a inicial subscrita pelo Dr.<strong>Paulo</strong> Oliveira).176


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):163-181, jan./<strong>de</strong>z. 1998A sentença foi prolatada na Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Wenceslau aos 6<strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1941, pelo Dr. A<strong>do</strong>lpho Pires Galvão, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> <strong>de</strong>claradas<strong>de</strong>volutas as terras componentes <strong>do</strong> perímetro.A sentença foi confirmada pela Segunda Câmara Civil <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong>Justiça aos 7 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1942 (cf. Apelação n. 15.024).Os trabalhos <strong>de</strong>marcatórios foram homologa<strong>do</strong>s aos 5 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong>1940.Expedida carta <strong>de</strong> sentença <strong>do</strong> perímetro, foi transcrita sob n. 6.515no Registro Imobiliário <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Wenceslau.A <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>do</strong> Patrimônio Imobiliário instaurou processo <strong>de</strong>legitimação <strong>de</strong> posse e expediu título <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio aos ocupantes.4º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte WenceslauA ação discriminatória foi ajuizada perante a Comarca <strong>de</strong> SantoAnastácio, sob a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> 9º Perímetro <strong>de</strong> Santo Anastácio.Posteriormente, os autos foram redistribuí<strong>do</strong>s à Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nteWenceslau, on<strong>de</strong> foram sentencia<strong>do</strong>s aos 27 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1944 peloDr. Joaquim Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello.A ação foi julgada proce<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong>claradas <strong>de</strong>volutas as terras componentes<strong>do</strong> perímetro.Os trabalhos <strong>de</strong>marcatórios foram homologa<strong>do</strong>s por sentençaprolatada aos 8 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1958 pelo Dr. Antônio Mace<strong>do</strong> <strong>de</strong> Campos.A carta <strong>de</strong> sentença <strong>do</strong> perímetro foi transcrita sob n. 7.892 no RegistroImobiliário <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Wenceslau.A <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>do</strong> Patrimônio Imobiliário instaurou o processo <strong>de</strong>legitimação <strong>de</strong> posses, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> expedi<strong>do</strong>s os títulos <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio.177


ZELMO DENARI11º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte WenceslauA ação discriminatória foi ajuizada perante a Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nteWenceslau aos 30 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1939 (inicial subscrita pelo Dr. José Leal<strong>de</strong> Mascarenhas).Administrativamente (cf. Proc. ns. PPI 8.533 e 05 425/39), constapronunciamento <strong>do</strong> Dr. Raul Cintra Leite informan<strong>do</strong> que a área discriminada“está quase que totalmente cultivada e é abrangida em sua maiorparte por título que foi julga<strong>do</strong> bom para prova <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio particular emdiscriminatórias <strong>do</strong> 19º e 20º Perímetros <strong>de</strong> Santo Anastácio”.Por essa razão, foi proposto arquivamento <strong>do</strong> processo administrativo,<strong>de</strong>feri<strong>do</strong> por <strong>de</strong>spacho <strong>do</strong> Dr. Félix Ribas, Procura<strong>do</strong>r Chefe da <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong><strong>do</strong> Patrimônio Imobiliário, aos 8 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1958.Trata-se, portanto, <strong>de</strong> ação discriminatória paralisada por <strong>de</strong>sistênciada ação.12º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte WenceslauOs autos judiciais não foram localiza<strong>do</strong>s em Cartório.Pronunciamento exara<strong>do</strong> pelo Dr. Raif Izar, no ano <strong>de</strong> 1962, nos dáaviso <strong>de</strong> que a ação discriminatória foi distribuída aos 11 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong>1942. Naquela data o feito contava com 2 volumes, diversas contestaçõese o último ato foi a expedição <strong>de</strong> carta precatória para citação <strong>de</strong> um <strong>do</strong>sréus em Manaus.Trata-se, portanto, <strong>de</strong> ação discriminatória paralisada por falta <strong>de</strong>impulso processual.16º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte WenceslauA ação discriminatória foi ajuizada na Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nteWenceslau no ano <strong>de</strong> 1958, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> distribuída ao Cartório <strong>do</strong> 2ºOfício (cf. Feito n. 6.688/58).178


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):163-181, jan./<strong>de</strong>z. 1998Conforme sentença prolatada aos 23 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1983 pelo Dr.Hélio Martinez, o processo foi julga<strong>do</strong> extinto sem julgamento <strong>de</strong> mérito,em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> citações e vícios citatórios que comprometeram oseu <strong>de</strong>senvolvimento regular: “no caso em testilha, o processo não se encontraregularmente constituí<strong>do</strong>, haven<strong>do</strong> falta <strong>de</strong> citações, vícios citatórios,não ten<strong>do</strong> também o feito se <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> validamente, ou seja, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong>com a lei que o regulava, pelo que ele <strong>de</strong>ve ser extinto comespeque no artigo 267, inciso IV <strong>do</strong> estatuto processual civil”.A Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e diversos réus recorreram à superior instânciapara superlativo reexame <strong>do</strong> Primeiro Tribunal <strong>de</strong> Alçada Civil. No entanto,os autos discriminatórios — constantes <strong>de</strong> 5 (cinco) volumes e mais <strong>de</strong>2.000 fls. — tardaram para serem remeti<strong>do</strong>s ao Tribunal e foram consumi<strong>do</strong>s,em sua quase totalida<strong>de</strong>, por incêndio irrompi<strong>do</strong> no Fórum da Comarcaem 1986.A <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> Regional <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte já propôs a reaberturada instancia mediante ajuizamento <strong>de</strong> nova ação discriminatória, fundadanos dispositivos da Lei n. 6.383 <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1976.10º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Epitácio (Antigo Presi<strong>de</strong>nte Wenceslau)A ação discriminatória foi ajuizada aos 25 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1937 perantea Comarca <strong>de</strong> Santo Anastácio.A sentença foi prolatada aos 3 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1941 pelo Dr. A<strong>do</strong>lphoPires Galvão, juiz da Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Wenceslau, que julgou<strong>de</strong>volutas as terras componentes <strong>do</strong> 10º Perímetro.Os trabalhos <strong>de</strong>marcatórios foram homologa<strong>do</strong>s por sentença <strong>do</strong> Dr.Manoel Eduar<strong>do</strong> Pereira, aos 5 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1950.A <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>do</strong> Patrimônio Imobiliário instaurou processo <strong>de</strong>legitimação <strong>de</strong> posses, sen<strong>do</strong> certo que o perímetro, em sua quase179


ZELMO DENARItotalida<strong>de</strong>, foi abrangi<strong>do</strong> pelo Projeto <strong>de</strong> Reassentamento da Lagoa <strong>São</strong><strong>Paulo</strong>, forma<strong>do</strong> por iniciativa da CESP.1º Perímetro <strong>de</strong> Teo<strong>do</strong>ro Sampaio (Antigo Santo Anastácio)Não foram localiza<strong>do</strong>s os autos judiciais no Cartório da Comarca.Conforme sentença prolatada aos 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1936 pelo Dr.Ulysses Dória, a ação discriminatória proposta aos 28 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1932 foijulgada proce<strong>de</strong>nte, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> <strong>de</strong>claradas <strong>de</strong>volutas as terras <strong>do</strong> 1º Perímetro.Por força <strong>do</strong> disposto no Decreto n. 25.342 <strong>de</strong> 4 junho <strong>de</strong> 1986, asterras componentes <strong>do</strong> perímetro — consi<strong>de</strong>radas Reserva Florestal porforça <strong>do</strong> Decreto n. 12.279/41 — passaram a integrar o Parque Estadual<strong>do</strong> Morro <strong>do</strong> Diabo, juntamente com o perímetro seguinte, que écontíguo.2º Perímetro <strong>de</strong> Teo<strong>do</strong>ro Sampaio (Antigo Santo Anastácio)Não foram localiza<strong>do</strong>s os autos da ação discriminatória na Comarca.Conforme certidão da sentença, prolatada aos 3 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1934 peloDr. Pedro Martha, a ação discriminatória foi julgada proce<strong>de</strong>nte, ten<strong>do</strong>si<strong>do</strong> <strong>de</strong>claradas <strong>de</strong>volutas as terras <strong>do</strong> perímetro.Os trabalhos <strong>de</strong>marcatórios foram homologa<strong>do</strong>s aos 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<strong>de</strong> 1937 pelo Dr. Ulysses Dória.Por força das disposições <strong>do</strong> Decreto n. 25.342 <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong>1986, as terras componentes <strong>do</strong> perímetro — consi<strong>de</strong>radas Reserva Florestal,por força <strong>do</strong> Decreto-Lei n. 12.279/41 — passaram a integrar oParque Estadual <strong>do</strong> Morro <strong>do</strong> Diabo.180


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):163-181, jan./<strong>de</strong>z. 1998Discriminatórias <strong>do</strong> 1º, 5º, 6º e 7º Perímetros <strong>de</strong> Dracena/2º Perímetro <strong>de</strong> Tupi Paulista e 9º Perímetro <strong>de</strong> PacaembuTodas julgadas <strong>de</strong>volutas, e as terras componentes <strong>do</strong>s perímetros<strong>de</strong>claradas <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio público.A <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>do</strong> Patrimônio Imobiliário instaurou os respectivosprocessos administrativos, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> expedi<strong>do</strong>s títulos <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio aoslegítimos ocupantes.Discriminatória <strong>do</strong> 18º Perímetro <strong>de</strong> Dracena(Antigo Santo Anastácio)A ação discriminatória foi ajuizada em março <strong>de</strong> 1939 perante aComarca <strong>de</strong> Santo Anastácio (inicial subscrita pelo Dr. José Leal <strong>de</strong>Mascarenhas).O feito, posteriormente, foi redistribuí<strong>do</strong> à Comarca <strong>de</strong> Dracena.Conforme certidão expedida pelo Cartório <strong>do</strong> 1º Ofício, incêndioocorri<strong>do</strong> na Comarca, no dia 6 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1948, <strong>de</strong>struiu totalmente osautos da discriminatória <strong>do</strong> 18º Perímetro.Trata-se, portanto, <strong>de</strong> feito paralisa<strong>do</strong>.Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte, 23 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1987181


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PETIÇÃO INICIAL DA AÇÃO DISCRIMINATÓRIADO 14º PERÍMETRO DE TEODORO SAMPAIOZelmo Denari e Sergio Nogueira Barhum** Procura<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.183


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R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):183-192, jan./<strong>de</strong>z. 1998PETIÇÃO INICIAL DA AÇÃO DISCRIMINATÓRIA DO14º PERÍMETRO DE TEODORO SAMPAIOExcelentíssimo Senhor Doutor Juiz <strong>de</strong> Direito da Comarca <strong>de</strong> Teo<strong>do</strong>roSampaio.A Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, por seus representantes legais,com exercício na <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> Regional <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte, com se<strong>de</strong>na Av. Cel. Marcon<strong>de</strong>s, 1394, vem, com o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> acatamento, à honrosapresença <strong>de</strong> V. Exa., com fundamento no artigo 27 e <strong>de</strong>mais disposiçõesaplicáveis da Lei n. 6.383, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1976, e no artigo 275 eseguintes <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, propor a presente AçãoDiscriminatória em terras componentes <strong>do</strong> 14º Perímetro <strong>de</strong>ssa comarca,contra os ocupantes conheci<strong>do</strong>s A.D.V. e outros, e finalmente contra oseventuais sucessores e <strong>de</strong>mais ocupantes incertos ou <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s quese arrogam quaisquer direitos sobre essas terras, pelos motivos <strong>de</strong> fato erazões <strong>de</strong> direito que passa a expor:I. A Suplicante preten<strong>de</strong> discriminar as terras compreendidas no 14ºPerímetro <strong>de</strong> Teo<strong>do</strong>ro Sampaio cujas divisas constam da planta anexa,assim <strong>de</strong>scritas no incluso memorial <strong>de</strong>scritivo:“Começa no ponto “1”, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> em planta, localiza<strong>do</strong> no Porto“Eucli<strong>de</strong>s da Cunha”; segue num percurso irregular pela margem direita, àjusante <strong>do</strong> Rio Paranapanema, até o ponto “2”; <strong>de</strong>flete à direita e seguecom as seguintes confrontações:ponto “2” - “3” - Terras ocupadas por Camargo Correia S/A;pontos “3” - “4” e “4” - “5” - Terras ocupadas por José Fogueira;ponto “5” - “6” - Terras ocupadas por Samuel Casemiro Rodrigues;ponto “6” - “7” - Terras ocupadas por Samuel Casemiro Rodrigues eAna Lucia Casemiro.Do ponto “7”, situa<strong>do</strong> às margens <strong>do</strong> Rio Paraná, segue num percursoirregular pela margem esquerda à montante, on<strong>de</strong> vai encontrar o ponto“8”, localiza<strong>do</strong> na foz <strong>do</strong> Córrego <strong>do</strong> Inseto; segue pelo referi<strong>do</strong> Córregoon<strong>de</strong> vai encontrar o ponto “9”, localiza<strong>do</strong> na linha projetada <strong>de</strong> divisa185


ZELMO DENARI E SERGIO NOGUEIRA BARHUMcom o 15º Perímetro nas terras ocupadas pelo Espólio <strong>de</strong> Agapito Lemose Enio Pepino; segue por esta linha, até o ponto “10”, localiza<strong>do</strong> naintersecção <strong>de</strong>sta com o acesso viário que <strong>de</strong>manda ao Distrito e Porto“Eucli<strong>de</strong>s da Cunha”; segue pelo acesso referi<strong>do</strong>, até encontrar o ponto“1”, início da presente <strong>de</strong>scrição.”Instrui a presente ação com o Rol das Ocupações Conhecidas e indicaçõesda matrícula ou transcrição <strong>do</strong>s respectivos títulos <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio,como dispõem os incisos II e III <strong>do</strong> artigo 3º da Lei n. 6.383/76.II. Fá-lo, nesta oportunida<strong>de</strong>, reiteran<strong>do</strong> anterior pretensão, pois asterras contidas no perímetro em causa foram objeto <strong>de</strong> ação discriminatóriaproposta na comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Wenceslau, e julgadas <strong>de</strong>volutas porforça da sentença prolatada aos 23 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1980, pelo MM. Juiz <strong>de</strong>Direito da Comarca <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong> Paranapanema.É certo, contu<strong>do</strong>, que esta <strong>de</strong>cisão foi reformada em grau <strong>de</strong> recursopela Egrégia Sétima Câmara <strong>do</strong> Primeiro Tribunal <strong>de</strong> Alçada Civil que,surpreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> vícios <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m processual, <strong>de</strong>clarou a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>sos atos pratica<strong>do</strong>s no feito, ab initio.Melhor <strong>do</strong> que qualquer argumento, essas <strong>de</strong>cisões explicam porquea Suplicante não instaura previamente o processo <strong>de</strong>marcatório administrativo.É que, transcorri<strong>do</strong>s mais <strong>de</strong> 30 anos <strong>de</strong> disputa judicial, presumesea ineficácia da medida, sen<strong>do</strong> dispensável, nesta hipótese, o procedimentoadministrativo (cf. art. 19, II, da Lei n. 6.383/76).III. De to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>, como bem ressaltou o magistra<strong>do</strong> prolator da<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> primeira instância — ao apreciar o mérito <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> — to<strong>do</strong>sos ocupantes das terras situadas no 14º Perímetro possuem títulos que,em sua origem, se filiam à Fazenda Pirapó-Santo Anastácio.Assim, para boa compreensão da matéria subjudice nunca é <strong>de</strong>maisrecapitular, em breve aceno, to<strong>do</strong>s os passos <strong>de</strong>sse verda<strong>de</strong>iro iter criminis186


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):183-192, jan./<strong>de</strong>z. 1998conheci<strong>do</strong> em toda região como “grilo” Pirapó-Santo Anastácio, sumaria<strong>do</strong>no incluso roteiro.IV. O famoso título teve origem num consilium fraudis perpreta<strong>do</strong>no final <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong> entre os agrimensores Manoel Pereira Goularte João Evangelista <strong>de</strong> Lima.Através <strong>de</strong> escritura <strong>de</strong> permuta lavrada nas notas <strong>do</strong> Tabelionato <strong>de</strong>Santa Cruz <strong>do</strong> Rio Par<strong>do</strong>, no dia 11 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1890, Manoel PereiraGoulart adquiriu a João Evangelista <strong>de</strong> Lima o imóvel Pirapó-SantoAnastácio, dan<strong>do</strong>-lhe em troca o grilo xifópago, Boa Esperança <strong>do</strong> Aguapeí.Os serviços <strong>de</strong> medição das glebas permutadas foram requeri<strong>do</strong>s eexecuta<strong>do</strong>s previamente pelos <strong>do</strong>is agrimensores ao tempo em que a Lei<strong>de</strong> Terras (Lei n. 601, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1850) autorizava a “mediçãodas terras que se acharem no <strong>do</strong>mínio particular por qualquer título legítimo”,a cargo <strong>do</strong>s <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>s Juizes Comissários, especialmente <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>spelos Presi<strong>de</strong>ntes das Províncias (cf. amplamente o Decreto n. 1.318,<strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1854, que regulamenta a Lei <strong>de</strong> Terras).João Evangelista <strong>de</strong> Lima — alegan<strong>do</strong> ser senhor e possui<strong>do</strong>r <strong>de</strong> umafazenda no lugar <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Santo Anastácio, por herança <strong>do</strong> seu fina<strong>do</strong>pai, Joaquim Alves <strong>de</strong> Lima — requereu ao Juiz Comissário <strong>de</strong> <strong>São</strong> José<strong>do</strong>s Campos Novos (atual Campos Novos <strong>do</strong> Paranapanema) a medição<strong>do</strong> imóvel Pirapó-Santo Anastácio, aos 3 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1886.A medição se processou perante o Juiz Comissionário, Ten. GracianoFranco Teixeira, coinci<strong>de</strong>ntemente, o mesmo que atuou na mediçãorequerida por Manoel Pereira Goulart.Posteriormente, o indigita<strong>do</strong> juiz foi substituí<strong>do</strong> pelo Eng. José Ribeiroda Silva Pirajá, Juiz Comissionário das comarcas <strong>de</strong> Lençois eBotucatú, que não vacilou em apontar todas as irregularida<strong>de</strong>s técnicas ejurídicas cometidas na medição, <strong>de</strong>nuncian<strong>do</strong>, inclusive, ser inexeqüível,187


ZELMO DENARI E SERGIO NOGUEIRA BARHUMna prática, “a marcha diária da medição que varia entre 7a35quilômetros”,além <strong>do</strong> que “o ponto inicial da medição à margem <strong>do</strong> rio Paranáestá <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta província, <strong>de</strong>scen<strong>do</strong>-se sempre o Paraná, chegan<strong>do</strong>-se àfoz <strong>do</strong> seu afluente, o Rio Paranapanema, o qual, como figura na planta,nasce na província <strong>de</strong> Mato Grosso”.Tamanhas e tão gritantes foram as irregularida<strong>de</strong>s cometidas no processoadministrativo <strong>de</strong> medição, que o então Governa<strong>do</strong>r — Pru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>Moraes, que, mais tar<strong>de</strong>, legaria seu nome à próspera cida<strong>de</strong> da AltaSorocabana — após exame <strong>de</strong>ti<strong>do</strong> <strong>do</strong> processa<strong>do</strong>, houve por bem, aos 22<strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1890, julgar imprestável e nula, <strong>de</strong> pleno direito, a medição<strong>do</strong> imóvel Pirapó-Santo Anastácio requerida por João Evangelista <strong>de</strong>Lima.De seu turno, e pelas mesmas razões, a medição <strong>do</strong> imóvel Boa Esperança<strong>do</strong> Aguapeí — requerida por Manuel Pereira Goulart aos 5 <strong>de</strong>julho <strong>de</strong> 1886 — não teve melhor sorte, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> anulada e julgadaimprestável aos 16 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1887 pelo então Presi<strong>de</strong>nte da Província<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Parnaíba.V. Mas, para se forjar um título falso, a boa técnica recomenda umbom começo, ou seja, uma origem que ostente alguma credibilida<strong>de</strong>.João Evangelista <strong>de</strong> Lima filiava seu pretenso título <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio aJosé Antonio Gouveia e Antonio José Gouveia (mera inversão <strong>de</strong> nomes)que, por escrito particular reciprocamente outorga<strong>do</strong> e assina<strong>do</strong> a rogo,<strong>de</strong>clararam a posse <strong>do</strong> imóvel Pirapó-Santo Anastácio perante o RegistroParoquial <strong>de</strong> <strong>São</strong> João Batista <strong>do</strong> Rio Ver<strong>de</strong>, hoje Itaporanga, aos 14 <strong>de</strong>maio <strong>de</strong> 1856.Como se sabe, o <strong>de</strong>creto que regulamentou a Lei <strong>de</strong> Terras (Decreton. 1.318, <strong>de</strong> 30.1.1854) estabeleceu prazos máximos para a medição e“registro das terras possuídas”, mediante simples <strong>de</strong>claração <strong>do</strong>s respectivospossui<strong>do</strong>res (cf. arts. 91, 92 e 93), sen<strong>do</strong> certo que os vigários <strong>de</strong> cada188


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):183-192, jan./<strong>de</strong>z. 1998uma das Freguesias <strong>do</strong> Império seriam encarrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> receber as <strong>de</strong>claraçõese incumbi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r a esse registro <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas Freguesias(cf. art. 97 e segs.).Pois bem, a prova pericial grafotécnica produzida nos autos da açãodiscriminatória <strong>do</strong> 5º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>monstrou a falsida<strong>de</strong><strong>do</strong> Registro Paroquial lança<strong>do</strong> em nome <strong>do</strong>s Gouveias, por issoque apócrifas a letra e a firma <strong>de</strong> Frei Pacífico <strong>de</strong> Monte Falco.Com efeito, em resposta ao 16º quesito, o perito judicial, Dr. AugustoMonteiro <strong>de</strong> Abreu, respon<strong>de</strong> negativamente quanto à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da letraatribuída ao vigário, nos seguintes termos:“A letra e a forma <strong>do</strong> lançamento constante <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento em apreço,referente ao seu registro e atribuí<strong>do</strong> ao Frei Pacífico <strong>de</strong> Monte Falco(fot. n. 8) não se i<strong>de</strong>ntificam, graficamente, com a escrita autêntica <strong>de</strong> seupunho constante <strong>do</strong> já menciona<strong>do</strong> livro n. 151, oferecida como padrão <strong>de</strong>confronto (fotos. ns. 9 e 10)”.Por essa razão, assim <strong>de</strong>cidiu o Dr. Francisco <strong>de</strong> Souza Nogueira,MM. Juiz da Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte, verbis:“E para corroborar a imprestabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> título temos, nestes autos,o lau<strong>do</strong> <strong>do</strong> exame gráfico, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> a falsida<strong>de</strong> <strong>do</strong> registro paroquialatribuí<strong>do</strong> a José Antonio <strong>de</strong> Gouveia. O perito <strong>de</strong>monstrou cabalmente afalsificação da letra e da firma <strong>de</strong> Frei Pacífico <strong>de</strong> Monte Falco, que eravigário competente para o registro paroquial”.VI. Como se não bastasse, o antecessor e pai <strong>de</strong> João Evangelista <strong>de</strong>Lima, Joaquim Alves <strong>de</strong> Lima, jamais adquiriu as terras falsamente <strong>de</strong>claradaspelos Gouveias.Na primeira ação discriminatória julgada nesta região, no ano <strong>de</strong> 1922— conhecida como discriminatória da Gleba Caiuá-Vea<strong>do</strong> — o Juiz <strong>de</strong>189


ZELMO DENARI E SERGIO NOGUEIRA BARHUMDireito, Alci<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Almeida Ferrari, confirma que “Joaquim Alves <strong>de</strong> Limanão comprou as terras em questão nem a José Antonio <strong>de</strong> Gouveia, nem aAntonio José <strong>de</strong> Gouveia” e que, por isso, sequer foram <strong>de</strong>scritas no seuinventário.VII. Sem embargo <strong>do</strong>s indigita<strong>do</strong>s vícios e da <strong>de</strong>cisão que <strong>de</strong>clarara anulida<strong>de</strong> <strong>do</strong> título Pirapó-Santo Anastácio, a Cia. <strong>do</strong>s Fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> <strong>São</strong><strong>Paulo</strong> adquiriu a Manoel Goulart a imensa gleba, por escritura públicalavrada nas notas <strong>do</strong> 2º Tabelionato <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, aos 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong>1908, transcrita sob n. 1.520 no Registro <strong>Geral</strong> <strong>de</strong> Campos Novos <strong>do</strong>Paranapanema.Posteriormente, aos 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1928, o Cel. Alfre<strong>do</strong> Marcon<strong>de</strong>sCabral adquiriu da massa falida da Cia. <strong>do</strong>s Fazen<strong>de</strong>iros “to<strong>do</strong>s os direitose ações sobre quaisquer sobras ou remanescentes da proprieda<strong>de</strong> territorial<strong>de</strong>nominada Fazenda Pirapó-Santo Anastácio, por ventura existentes eque não foram ou não pu<strong>de</strong>ram ser arrecadadas por estarem <strong>de</strong>tidas empo<strong>de</strong>r <strong>de</strong> terceiros intrusos”.A aquisição foi transcrita sob n. 5.091 no Livro 3-F <strong>do</strong> Registro Imobiliárioda comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte, aos 11 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1928.Estava consuma<strong>do</strong> o “grilo” Pirapó-Santo Anastácio.VIII. Como é <strong>do</strong> conhecimento público, a justiça paulista já proclamouquantum satis a imprestabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> título Pirapó-Santo Anastácioem diversas ações discriminatórias julgadas nesta região.Já fizemos menção à R. sentença prolatada pelo Dr. Alci<strong>de</strong>s <strong>de</strong> OliveiraFerrari, aos 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1922, nos autos da discriminatória daGleba Cauiá-Vea<strong>do</strong>, que se processou pela comarca <strong>de</strong> Assis, bem como a<strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Dr. Francisco <strong>de</strong> Souza Nogueira, prolatada aos 24 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong>1943 nos autos da discriminatória <strong>do</strong> 5º Perímetro <strong>de</strong>sta comarca <strong>de</strong>Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte.190


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):183-192, jan./<strong>de</strong>z. 1998Mas po<strong>de</strong>mos, ainda, arrolar outras <strong>de</strong>cisões trânsitas em julga<strong>do</strong>,não menos importantes:- ação discriminatória <strong>do</strong> 2º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte;- ação discriminatória <strong>do</strong> 3º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte;- ação discriminatória <strong>do</strong> 3º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Venceslau.IX. Por to<strong>do</strong> exposto, resultan<strong>do</strong> provada a existência <strong>de</strong> terras públicasno perímetro discriminan<strong>do</strong>, por isso que os títulos <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>socupantes nomina<strong>do</strong>s e inomina<strong>do</strong>s se filiam à mesma origem e se caracterizamcomo frações da Fazenda Pirapó-Santo Anastácio — a presenteação discriminatória <strong>de</strong>ve ser julgada proce<strong>de</strong>nte para o efeito <strong>de</strong> serem<strong>de</strong>claradas <strong>de</strong>volutas, em sua integralida<strong>de</strong>, as terras compreendidas naárea contida no incluso memorial <strong>de</strong>scritivo, expedin<strong>do</strong>-se, afinal, comfundamento no artigo 31 da Lei n. 6.383/76 — contra to<strong>do</strong>s os ocupantescujas posses, a critério da administração não forem legitimadas — o competentemanda<strong>do</strong> <strong>de</strong> imissão <strong>de</strong> posse, para o efeito <strong>de</strong> <strong>de</strong>socupação dasglebas <strong>de</strong>volutas no prazo <strong>de</strong> 180 (cento e oitenta) dias.Requer, ainda, a V. Exa. — com fundamento no artigo 20 c.c. o artigo4º <strong>do</strong> mesmo diploma processual — se digne <strong>de</strong>terminar a expedição<strong>de</strong> Edital <strong>de</strong> Convocação dirigi<strong>do</strong>, nominalmente, a to<strong>do</strong>s os ocupantescertos e respectivos cônjuges, aos ocupantes incertos e <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s,bem como aos confrontantes <strong>do</strong> perímetro, para, no prazo <strong>de</strong> 60 (sessenta)dias a partir da segunda publicação no Diário Oficial, apresentaremseus títulos <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio relativos à área ocupada, contestan<strong>do</strong> o feito se o<strong>de</strong>sejarem, presumin<strong>do</strong>-se verda<strong>de</strong>iros, na ausência <strong>de</strong> contestação, os fatosarticula<strong>do</strong>s pela Suplicante.Requer, outrossim, que no Edital <strong>de</strong> Convocação fique constan<strong>do</strong> adata da audiência <strong>de</strong> instrução e julgamento a ser <strong>de</strong>signada por V. Exa.,após o término <strong>do</strong> prazo <strong>do</strong> edital.Por último, requer sejam expedi<strong>do</strong>s ofícios aos oficiais <strong>do</strong>s Cartórios<strong>do</strong> Registro <strong>de</strong> Imóveis <strong>de</strong>sta comarca e das comarcas <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong>191


ZELMO DENARI E SERGIO NOGUEIRA BARHUMParanapanema e Presi<strong>de</strong>nte Venceslau, dan<strong>do</strong>-lhes conhecimento dapropositura <strong>de</strong>sta ação discriminatória, para o efeito <strong>de</strong> não efetuar matrícula,registro, inscrição ou averbação relativamente a imóveis situa<strong>do</strong>s,total ou parcialmente, <strong>de</strong>ntro da área discriminada, sem prévio conhecimentoda Suplicante.Fica consigna<strong>do</strong> que, por força <strong>do</strong> disposto no artigo 22 <strong>do</strong> CódigoFlorestal, no Decreto-Lei Estadual n. 13.075, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1942e no artigo 24 da Lei n. 6.383, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1976, a áreadiscriminanda foi <strong>de</strong>clarada reservada para fins <strong>de</strong> conservação da fauna eda flora, fican<strong>do</strong> expressamente proibida a <strong>de</strong>rrubada <strong>de</strong> matas e a alteraçãodas divisas sem assentimento expresso <strong>de</strong> representante da Fazenda<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.Protesta, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, por to<strong>do</strong>s os meios <strong>de</strong> prova admiti<strong>do</strong>s em direito,inclusive pela juntada <strong>de</strong> novos <strong>do</strong>cumentos.Dá-se à causa o valor <strong>de</strong> Cr$ 10.000.000.000 (<strong>de</strong>z bilhões <strong>de</strong> cruzeiros).Termos em que, pe<strong>de</strong> <strong>de</strong>ferimento.Teo<strong>do</strong>ro Sampaio, 30 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1985Zelmo Denari, Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>Sergio Nogueira Barhum, Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>192


MINUTA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 29.722-4/1,COM PEDIDO DE LIMINARSergio Nogueira Barhum** Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.193


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R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):193-208, jan./<strong>de</strong>z. 1998MINUTA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 29.722-4/1,COM PEDIDO DE LIMINARRAZÕES RECURSAISEminente Relator, Colenda CâmaraI. O PEDIDO LIMINAR - GRAVE LESÃO À ORDEME À SEGURANÇA PÚBLICASTeme o Po<strong>de</strong>r Público Estadual que, com a não concessão da antecipação<strong>de</strong> tutela, haja gravíssima lesão à or<strong>de</strong>m e à segurança pública estadual.Estabeleceu-se na região paulista <strong>de</strong>nominada “Pontal <strong>do</strong>Paranapanema” um grave conflito social, ten<strong>do</strong> <strong>de</strong> um la<strong>do</strong> antigos ocupantes<strong>de</strong> terras públicas, os fazen<strong>de</strong>iros da região, e <strong>de</strong> outro uma gran<strong>de</strong>população miserável, <strong>de</strong>nominada “sem-terra”. Este conflito social, nosúltimos tempos, agravou-se em muito, beiran<strong>do</strong>, às vezes, lutas armadas.Trata-se <strong>de</strong> uma região on<strong>de</strong> o conflito fundiário assumiu gran<strong>de</strong>sproporções, a qual, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao interesse nacional, apresenta-se cotidianamentena imprensa.Na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se celebrar necessários acor<strong>do</strong>s, porintransigência <strong>do</strong>s atuais ocupantes, outra medida não teve o Esta<strong>do</strong>senão utilizar o novel instituto da tutela antecipada — <strong>de</strong> forma parcial,para que nenhum direito fosse <strong>de</strong>srespeita<strong>do</strong> — a fim <strong>de</strong> evitar conflitos,até arma<strong>do</strong>s, que ameaçam a região.Desta forma, pelo anteriormente exposto, verifica-se que a proprieda<strong>de</strong><strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> sobre as terras contidas no 12º Perímetro <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong>Paranapanema, nele incluída a Fazenda Santa Izabel, ficou <strong>de</strong>monstradana inicial da ação reivindicatória, em atendimento, inclusive, ao artigo366 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, com a apresentação <strong>de</strong> suatranscrição <strong>do</strong>minial.195


SERGIO NOGUEIRA BARHUMTratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> título oriun<strong>do</strong> <strong>de</strong> sentença transitada em julga<strong>do</strong>, adiscussão na ação reivindicatória girará exclusivamente quanto a eventualdireito <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização por benfeitorias por parte <strong>do</strong>s atuais ocupantes daquelaárea. Pouco ou quase nada será <strong>de</strong>bati<strong>do</strong> sobre a origem <strong>do</strong>minial,em face da robustez da <strong>do</strong>cumentação apresentada.Por outro la<strong>do</strong>, não se po<strong>de</strong> falar em direito subjetivo à legitimação<strong>de</strong> posse em favor <strong>do</strong>s ocupantes <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas, mormente quan<strong>do</strong>existe um limite <strong>de</strong> cem hectares. A área aqui tratada, <strong>de</strong>staque-se, contacom 521,20 ha.Além disso, a tutela antecipada parcial, em benefício <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> naação reivindicatória, seria somente <strong>de</strong> 30% da área, restan<strong>do</strong> ao atual ocupante70% que lhe garantiria o direito à in<strong>de</strong>nização por benfeitorias.Finalmente, não há que se <strong>de</strong>sconhecer o aspecto social envolvi<strong>do</strong> napresente questão, eis que, conforme <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, a situação existente emtoda a região <strong>do</strong> “Pontal <strong>do</strong> Paranapanema” é crítica e está à beira <strong>de</strong> umaexplosão social. Isto evi<strong>de</strong>ncia a grave lesão à or<strong>de</strong>m e à segurança públicas,fundamentos <strong>de</strong>ste pedi<strong>do</strong>.Incumbe aos órgãos públicos, e no caso ao Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> —legítimo proprietário daquelas terras — a<strong>do</strong>tar, nos limites da lei, as providênciasnecessárias para restaurar a paz social. E é isto que o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> vem fazen<strong>do</strong>.Prevalecen<strong>do</strong> a não concessão da tutela antecipada parcial das açõesreivindicatórias, inviabilizar-se-á o programa <strong>de</strong> política agrária <strong>do</strong> GovernoEstadual, com os menciona<strong>do</strong>s assentamentos provisórios.O efeito ativo pretendi<strong>do</strong> com a concessão liminar da tutela antecipada,visa exatamente evitar a irreparabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s danos sociais que seprenunciam.196


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):193-208, jan./<strong>de</strong>z. 1998A propósito, no caso vertente, dadas as suas peculiarida<strong>de</strong>s e proporções,po<strong>de</strong>rá o futuro provimento <strong>de</strong>ste agravo se tornar inócuo, ante areal possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrência <strong>do</strong>s danos aponta<strong>do</strong>s.A<strong>de</strong>mais, como é sabi<strong>do</strong>, não é apenas a concessão <strong>do</strong> efeitosuspensivo que tem o condão <strong>de</strong> garantir o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> recurso interposto.Há hipóteses, como a aqui tratada, em que a <strong>de</strong>cisão profligada nãoconce<strong>de</strong>u uma providência ativa — a tutela antecipatória —, pretendidapela Agravante.No entanto, diante da patente urgência na obtenção da tutelaantecipatória, o provável provimento <strong>do</strong> agravo po<strong>de</strong>rá se tornar inútil,posto que iminente o dano que se preten<strong>de</strong> evitar.Por todas estas razões, pe<strong>de</strong> a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> que seja concedidaliminar no presente recurso <strong>de</strong> agravo <strong>de</strong> instrumento, para a concessão<strong>de</strong> tutela antecipada parcial, conforme requeri<strong>do</strong> na inicial da açãoreivindicatória acima referida.Esta tutela correspon<strong>de</strong> à antecipação <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> 30% da área daFazenda Santa Izabel, conforme planta e memorial <strong>de</strong>scritivo.II. DA TUTELA JURISDICIONAL ANTECIPADAAs razões que fundamentam o pedi<strong>do</strong> exordial <strong>de</strong> tutela antecipada,agora reitera<strong>do</strong>, seguem expostas.Dispõe o artigo 273, incisos I e II, <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil,verbis:“O juiz po<strong>de</strong>rá, a requerimento da parte, antecipar, total e parcialmente,os efeitos da tutela pretendida no pedi<strong>do</strong> inicial, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, existin<strong>do</strong>prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:197


SERGIO NOGUEIRA BARHUMI. haja funda<strong>do</strong> receio <strong>de</strong> dano irreparável ou <strong>de</strong> difícil reparação; ouII. fique caracteriza<strong>do</strong> o abuso <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa ou manifesto propósitoprotelatório <strong>do</strong> réu”.Segun<strong>do</strong> Cândi<strong>do</strong> Rangel Dinamarco, “A técnica engendrada pelonovo artigo 273 consiste em oferecer rapidamente a quem veio ao processopedir <strong>de</strong>terminada solução para a situação que <strong>de</strong>screve, precisamenteaquela solução para a situação que <strong>de</strong>screve, precisamente aquela soluçãoque ele veio a processo pedir. Não se trata <strong>de</strong> obter medida que impeça operecimento <strong>do</strong> direito, ou que assegure ao titular a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercêlono futuro. A medida antecipatória conce<strong>de</strong>r-lhe-á o exercício <strong>do</strong> própriodireito afirma<strong>do</strong> pelo autor. Na prática, a <strong>de</strong>cisão com que o juizconce<strong>de</strong> a tutela antecipada terá, no máximo, o mesmo conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> dispositivoda sentença que conce<strong>de</strong> a <strong>de</strong>finitiva e a sua concessão equivale,mutatis mutandis, à procedência da <strong>de</strong>manda inicial — com a diferençafundamental representada pela provisorieda<strong>de</strong>”. (A reforma <strong>do</strong> Código <strong>de</strong>Processo Civil, 2. ed., Malheiros, 1995, p. 139-140).A propósito da provisorieda<strong>de</strong> da tutela antecipada, o parágrafo quarto<strong>do</strong> entela<strong>do</strong> artigo <strong>de</strong>ixa assente que a tutela “po<strong>de</strong>rá ser revogada oumodificada a qualquer tempo, em <strong>de</strong>cisão fundamentada”.No que concerne aos limites da tutela pretendida, verifica-se que,caso seja total a antecipação, <strong>de</strong>ve ser respeita<strong>do</strong> o pedi<strong>do</strong> exordial, postoque este <strong>de</strong>limita a atuação jurisdicional.Por outro la<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> parcial a tutela, fica ao critério pru<strong>de</strong>nte ediscricionário <strong>do</strong> juiz a <strong>de</strong>limitação <strong>do</strong> âmbito da tutela antecipada a serconcedida.No entanto, no caso vertente, há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a tutela antecipadacorresponda a 30% (trinta por cento) da área reivindicada, diantedas peculiarida<strong>de</strong>s que envolvem a questão.198


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):193-208, jan./<strong>de</strong>z. 1998É relevante <strong>de</strong>stacar que <strong>de</strong>ve existir prova, inequívoca, <strong>de</strong> ser a Autoratitular <strong>do</strong> direito alega<strong>do</strong>, como ocorre in casu.O pedi<strong>do</strong> inaugural <strong>de</strong>ixa patentea<strong>do</strong>, que a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> é titular inconteste <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio das terras <strong>de</strong>volutas pertencentesao 12º Perímetro <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong> Paranapanema.Po<strong>de</strong>-se dizer, mesmo, que, há a certeza, mais que a verossimilhançaexigida pelo artigo 273, <strong>de</strong> forma a levar o julga<strong>do</strong>r ao convencimentonecessário à antecipação da tutela.Destaque-se que, basta a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o direito da Autoraesteja presente, para convencer o Juiz <strong>do</strong> cabimento <strong>do</strong> provimento antecipa<strong>do</strong>.Segun<strong>do</strong> Dinamarco: “Para chegar ao grau <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> necessárioà antecipação, o juiz precisa proce<strong>de</strong>r a uma instrução que lhe revelesuficientemente a situação <strong>de</strong> fato. Não é o caso <strong>de</strong> chegar às profun<strong>de</strong>zas<strong>de</strong> uma instrução exauriente, pois esta se <strong>de</strong>stina a propiciar graus <strong>de</strong>certeza necessários para julgamentos <strong>de</strong>finitivos, não provisórios como naantecipação da tutela. Tratar-se-á <strong>de</strong> uma cognição sumária, dimensionadasegun<strong>do</strong> o binômio representa<strong>do</strong>, (a) pelo menor grau <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>que se reveste a medida antecipatória em relação à <strong>de</strong>finitiva e (b) pelasrepercussões que ela terá na vida e patrimônio <strong>do</strong>s litigantes”. (op. cit., p.144).Para a antecipação da tutela jurisdicional, estabelece o novo artigo273 <strong>do</strong> CPC, <strong>do</strong>is requisitos: 1) o periculum in mora, em face <strong>de</strong> funda<strong>do</strong>receio <strong>de</strong> dano irreparável ou <strong>de</strong> difícil recuperação; e 2) abuso <strong>do</strong> direito<strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa ou manifesto propósito protelatório <strong>do</strong> réu.No entanto, há que ser <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> que um só <strong>do</strong>s requisitos necessitaser atendi<strong>do</strong>. O primeiro requisito acha-se atendi<strong>do</strong>, porquanto a FazendaEstadual tem necessida<strong>de</strong> premente <strong>de</strong> obter a posse parcial da área199


SERGIO NOGUEIRA BARHUMreivindicanda, a qual será <strong>de</strong>stinada à solução <strong>de</strong> problemas sociais <strong>de</strong>conhecimento público.Ora, está amplamente <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> o direito <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>à área discutida, cuja posse se vê impedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> obter <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, mercê datramitação processual a ser observada.O perigo da <strong>de</strong>mora acha-se patentea<strong>do</strong>, diante da tramitação normal<strong>do</strong> processo reivindicatório, que levará a um provimento jurisdicional <strong>de</strong>finitivoque trará dano irreparável ou <strong>de</strong> difícil reparação.A realida<strong>de</strong> fática <strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> Paranapanema, maxime diante daexistência <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas <strong>do</strong> 12º Perímetro <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong>Paranapanema, está a indicar a urgência na concessão da tutela antecipada,para que milhares <strong>de</strong> “sem-terra” possam ser assenta<strong>do</strong>s.A problemática fundiária da região <strong>do</strong> Pontal atingiu níveis alarmantes,sen<strong>do</strong> pública e notória a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> confrontação entre ocupantes<strong>de</strong> terras públicas e os “sem-terra”.Salta aos olhos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que haja o assentamento <strong>do</strong>s rurícolas,o que somente po<strong>de</strong>rá ocorrer se a Autora, legítima proprietária das áreascomponentes <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> 12º Perímetro, conseguir <strong>de</strong> imediato ingressarna posse <strong>de</strong> referidas áreas, ainda que parcialmente.Para que haja a concessão da tutela antecipatória, <strong>de</strong>verá o juiz dacausa, levan<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração o grau <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existência <strong>do</strong>direito da Autora, verificar as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta quanto ao bem reclama<strong>do</strong>,cuja posse não pô<strong>de</strong> ser obtida até o momento.In casu, estão presentes todas as condições elencadas.Para Joel Dias Figueira Junior, “no caso <strong>do</strong> inciso I <strong>do</strong> artigo 273estamos diante da tutela antecipatória urgente, a qual foi sempre prestada200


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):193-208, jan./<strong>de</strong>z. 1998sob o manto protetor da tutela cautelar. Trata-se da tutela que po<strong>de</strong> realizarantecipadamente o direito afirma<strong>do</strong> — ou simplesmente antecipar parcialmenteos efeitos da tutela final — em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> perigo na <strong>de</strong>mora. Atutela, no caso, é satisfativa no plano fático, pois realiza o direito antecipadamente.Não é tutela cautelar porque esta <strong>de</strong>ve limitar-se a assegurar aviabilida<strong>de</strong> da realização <strong>do</strong> direito afirma<strong>do</strong>. Ora, na tutela cautelar hásempre referibilida<strong>de</strong> a um direito acautela<strong>do</strong>, enquanto que na tutela sumáriasatisfativa não há esta referibilida<strong>de</strong>, já que nenhum direito é protegi<strong>do</strong>ou acautela<strong>do</strong>”. (Liminares nas ações possessórias, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong><strong>do</strong>s Tribunais, 1995, p. 176).Destarte, a urgência na obtenção da tutela antecipada, com base nairreparabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> dano ou na sua difícil reparação, é suficiente para queseja concedida a pleiteada tutela jurisdicional antecipada.Para elucidação, trazemos exemplos cita<strong>do</strong>s por Cândi<strong>do</strong> RangelDinamarco: “Imagine-se uma ação reivindicatória, com o <strong>do</strong>mínio bemcomprova<strong>do</strong> e nenhuma controvérsia quanto à localização física <strong>do</strong> imóvel.Não se cuida <strong>de</strong> ativar mecanismos para neutralizar eventuais riscos<strong>de</strong> perda <strong>do</strong> direito em caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>mora. Dá-se vida ao próprio direito,permitin<strong>do</strong> que seja exerci<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo. A enorme probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existência<strong>do</strong> direito à posse <strong>do</strong> bem aconselha o juiz a conce<strong>de</strong>r a tutela <strong>de</strong>s<strong>de</strong>logo, antecipan<strong>do</strong>-a portanto. Outra situação bastante segura é a açãovisan<strong>do</strong> à imissão <strong>do</strong> compra<strong>do</strong>r na posse <strong>de</strong> imóvel urbano. Bem <strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong>o negócio e sem <strong>de</strong>fesa capaz <strong>de</strong> infirmá-lo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, a tutela<strong>de</strong>ve ser antecipada”. (op. cit., p. 145-146)Como já menciona<strong>do</strong>, o Esta<strong>do</strong> é o titular inconteste <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio daárea reivindicada, que se encontra localizada no 12º Perímetro <strong>de</strong> Mirante<strong>do</strong> Paranapanema, reconhecidamente <strong>de</strong>voluto.Existe prova inequívoca <strong>do</strong> direito da Fazenda Estadual,consubstanciada na Transcrição n. 13.184, que <strong>de</strong>correu da <strong>de</strong>cisão proferidana Ação Discriminatória transitada em julga<strong>do</strong>.201


SERGIO NOGUEIRA BARHUMPor outro la<strong>do</strong>, como já dito, a verossimilhança da alegação é maispatente, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se afirmar que há mesmo certeza <strong>do</strong> direito. O Esta<strong>do</strong><strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> reivindica a área entelada porque possui o direito à sua posse,como <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> reconhecimento <strong>do</strong> seu caráter <strong>de</strong>voluto.O risco <strong>de</strong> dano irreparável, ou <strong>de</strong> difícil reparação, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>através da situação <strong>de</strong> conflito social que vive o chama<strong>do</strong> “Pontal<strong>do</strong> Paranapanema”, consoante notícias veiculadas pelos órgãos <strong>de</strong> imprensa<strong>de</strong> to<strong>do</strong> país.A situação conflituosa que se apresenta, motivada exatamente pelaexistência <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas nesta região, está a exigir uma solução imediata,rápida e eficaz, que não po<strong>de</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> algum, esperar pelo <strong>de</strong>sfecho<strong>de</strong>mora<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma ação <strong>de</strong> rito ordinário, como a reivindicação.Portanto, a irreparabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> dano tem caráter eminentemente social,calca<strong>do</strong> na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se dar <strong>de</strong>stinação social às terras <strong>de</strong>volutas,especialmente quan<strong>do</strong> pessoas hipossuficientes esperam ansiosamente poruma oportunida<strong>de</strong> real para sua subsistência.Não se acha ausente, conforme <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, o perigo <strong>de</strong> ocorrência<strong>de</strong> dano irreparável ou <strong>de</strong> difícil reparação, que foi um <strong>do</strong>s fundamentosprincipais <strong>do</strong> in<strong>de</strong>ferimento profliga<strong>do</strong>.Irrelevante, para a concessão da tutela antecipatória, o fato <strong>de</strong> que aárea pretendida não foi objeto <strong>de</strong> invasões por parte <strong>de</strong> lavra<strong>do</strong>res “semterra”.A questão transcen<strong>de</strong> aos limites das áreas invadidas, principalmenteporque o contingente <strong>do</strong>s rurícolas “sem-terra” supera em muito a capacida<strong>de</strong>para assentamentos <strong>de</strong> referidas glebas.O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, legítimo proprietário <strong>de</strong> inúmeros perímetros<strong>de</strong>volutos, entre os quais aquele em que se situa a Fazenda <strong>São</strong> Luiz,202


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):193-208, jan./<strong>de</strong>z. 1998tem toma<strong>do</strong> as medidas consentâneas visan<strong>do</strong> dar uma <strong>de</strong>stinação socialàs terras <strong>de</strong>volutas.O apaziguamento <strong>do</strong> clima <strong>de</strong> tensão que se instalou no Pontal <strong>do</strong>Paranapanema passa, necessariamente, pela utilização <strong>de</strong> todas as áreas<strong>de</strong>volutas existentes nesta Região <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.Assim sen<strong>do</strong>, a obtenção da tutela antecipada em terras <strong>de</strong>volutasestaduais é medida imperiosa, que in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da existência <strong>de</strong> conflito especificamenteem relação a tais áreas.Deste mo<strong>do</strong>, não é preciso que se estabeleça um conflito na áreaobjeto <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> tutela antecipada, para que esteja presente o funda<strong>do</strong>receio <strong>de</strong> dano irreparável ou <strong>de</strong> difícil reparação.É público e notório que no Pontal <strong>do</strong> Paranapanema há um clima <strong>de</strong>tensão social, motiva<strong>do</strong> por constantes invasões <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>res “semterra”,que buscam um pedaço <strong>de</strong> solo para sua subsistência.Também é <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s que a Fazenda Estadual, mercê<strong>de</strong> inúmeras ações discriminatórias, obteve o reconhecimento <strong>de</strong><strong>de</strong>volutivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s perímetros cujos ocupantes não lograram legitimarsuas posses.Ora, exatamente contra esses ocupantes <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong>volutas na vastaregião <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte, é que o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> vem propon<strong>do</strong>ações reivindicatórias com pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> tutela jurisdicional antecipada <strong>de</strong>30% da área reivindicada, para que possa pacificar o <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Pontal<strong>do</strong> Paranapanema.A questão em <strong>de</strong>bate traz a lume uma problemática eminentementesocial, cuja solução vem sen<strong>do</strong> buscada pelo Po<strong>de</strong>r Público paulista.A área objeto da reivindicatória é reconhecidamente pública,consoante <strong>de</strong>cisão judicial que data <strong>de</strong> 1941, isto é, tem mais <strong>de</strong>cinqüenta anos.203


SERGIO NOGUEIRA BARHUMNo entanto, essa circunstância não tem o condão <strong>de</strong> retirar da Fazenda<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> o direito <strong>de</strong> reivindicar as terras judicialmente <strong>de</strong>claradas<strong>de</strong>volutas e que não tiveram legitimadas as posses nelas exercidas.O interesse público que ora se apresenta, <strong>de</strong>corrente <strong>do</strong> clamor <strong>de</strong>parcela consi<strong>de</strong>rável da população hipossuficiente que luta por sua subsistência,está a exigir que às terras <strong>de</strong>volutas seja dada uma <strong>de</strong>stinação efetivamentesocial.Pouco importa o tempo transcorri<strong>do</strong> entre a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong><strong>de</strong>volutivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> perímetro em epígrafe e o ajuizamento da açãoreivindicatória, porquanto esse lapso temporal não tem força suficientepara legitimar a posse <strong>do</strong>s requeri<strong>do</strong>s e antecessores.A qualquer tempo, diante da imprescritibilida<strong>de</strong> da ação <strong>de</strong> reivindicação,po<strong>de</strong> o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> pleitear a posse das áreas <strong>de</strong>volutasestaduais. A<strong>de</strong>mais, sequer o usucapião po<strong>de</strong> ser reconheci<strong>do</strong> em prol <strong>do</strong>socupantes não legitima<strong>do</strong>s.Nesse diapasão, têm si<strong>do</strong> reivindicadas áreas <strong>de</strong>volutas para implantação<strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> assentamento <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong> lavra<strong>do</strong>res <strong>de</strong>vidamentecadastra<strong>do</strong>s e seleciona<strong>do</strong>s nos termos da Lei Estadual n. 4957/85. Emrelação à área ora pleiteada, já existem famílias <strong>de</strong>vidamente selecionadas,que aguardam ansiosamente a <strong>de</strong>cisão judicial que permita a obtenção <strong>do</strong>tão sonha<strong>do</strong> pedaço <strong>de</strong> terra.A<strong>de</strong>mais, não se po<strong>de</strong> vislumbrar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dano irreparávela direito <strong>do</strong>s ocupantes ilegítimos no caso da concessão da tutelaantecipatória pretendida, porquanto setenta (70) por cento da área totalcontinuarão sen<strong>do</strong> explora<strong>do</strong>s.Destaque-se que esses 70% (364,84 hectares) representam mais <strong>de</strong>três vezes o que po<strong>de</strong>ria eventualmente ser legitima<strong>do</strong>.204


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):193-208, jan./<strong>de</strong>z. 1998Além disso, os Agrava<strong>do</strong>s permanecerão na posse <strong>de</strong>stes 70% até orecebimento da in<strong>de</strong>nização por benfeitorias, se for o caso, pelo direito <strong>de</strong>retenção <strong>do</strong> possui<strong>do</strong>r <strong>de</strong> boa-fé, conforme o artigo 516, <strong>do</strong> Código Civil.Tocante ao Esta<strong>do</strong>, está patentea<strong>do</strong> o perigo <strong>de</strong> dano irreparável,dada a urgência para implantação <strong>do</strong>s projetos <strong>de</strong> assentamentos provisóriosna região.Esses assentamentos provisórios <strong>de</strong> rurícolas objetivam, no cumprimento<strong>de</strong> mandamento constitucional, propiciar melhor e mais consentâneapolítica agrária, <strong>de</strong>stinada fundamentalmente aos mais necessita<strong>do</strong>s.Salta aos olhos, outrossim, que há prova inequívoca <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio daárea pela Agravante, mercê das transcrições referidas, bem como <strong>de</strong> queexiste funda<strong>do</strong> receio <strong>de</strong> dano irreparável à Fazenda Estadual, que dispon<strong>do</strong><strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas não po<strong>de</strong> lhes dar a <strong>de</strong>vida <strong>de</strong>stinação social.Exatamente para evitar acontecimentos imprevisíveis, há necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> que a Agravante seja imitida na posse <strong>de</strong> apenas trinta por cento daárea, ten<strong>do</strong> em vista a preservação <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s Agrava<strong>do</strong>s, que continuarãoexploran<strong>do</strong> os restantes setenta por cento <strong>do</strong> imóvel reivindican<strong>do</strong>,até o <strong>de</strong>sfecho da <strong>de</strong>manda.Não é <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>stacar, que o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> vem toman<strong>do</strong> asprovidências necessárias para restaurar a paz social, através da obtençãoda tutela antecipada em inúmeras outras ações reivindicatórias propostasna região <strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> Paranapanema.Aliás, somente com o <strong>de</strong>ferimento <strong>de</strong> tutelas antecipadas, maxime aaqui colimada, po<strong>de</strong>rá a Fazenda Estadual continuar a implantação <strong>do</strong>plano <strong>de</strong> assentamento <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>, que permitirá que milhares <strong>de</strong> famíliaspossam ter acesso a um pedaço <strong>de</strong> terra, que lhes proporcionará condiçõesdignas <strong>de</strong> lutar pela subsistência. Isto, sem olvidar que será promovidaa Justiça Social e, acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, a pacificação <strong>do</strong> sofri<strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong>Paranapanema.205


SERGIO NOGUEIRA BARHUMNo entanto, apesar <strong>de</strong> presentes to<strong>do</strong>s os requisitos autoriza<strong>do</strong>res daconcessão da medida em testilha, o MM. Juiz a quo, aprecian<strong>do</strong> o pedi<strong>do</strong>,acabou por in<strong>de</strong>ferir a tutela antecipada sob o argumento <strong>de</strong> não estarempresentes os requisitos <strong>do</strong> artigo 273 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil.Argumenta o magistra<strong>do</strong> que não mais existe o receio <strong>de</strong> conflitoentre os “sem-terra” e os fazen<strong>de</strong>iros, eis que estão <strong>de</strong> maneira pacíficaresolven<strong>do</strong> o impasse.Alega, ainda, que a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> não carreou elementos que<strong>de</strong>monstrassem que com o in<strong>de</strong>ferimento da tutela po<strong>de</strong>ria sofrer danosirreparáveis ou <strong>de</strong> difícil reparação, ressalvan<strong>do</strong>-se que na Comarca <strong>de</strong>Presi<strong>de</strong>nte Bernar<strong>de</strong>s inexiste conflito entre os “sem-terra” e os fazen<strong>de</strong>iros.Tal circunstância, segun<strong>do</strong> o prolator da <strong>de</strong>cisão, confirma a ausência<strong>do</strong> requisito necessário para concessão da tutela antecipada pleiteada.Com efeito, a <strong>de</strong>licada situação estabelecida no Pontal <strong>do</strong>Paranapanema, não po<strong>de</strong> ser refletida <strong>de</strong> maneira superficial e dissociada<strong>do</strong>s elementos <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> direito que envolvem as terras públicas daquelelocal.Como salienta<strong>do</strong> na <strong>de</strong>cisão agravada, as terras compreendidas no12º Perímetro são reconhecidamente terras públicas pertencentes ao Esta<strong>do</strong><strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>.Diante <strong>de</strong>ssa premissa, cabe ao Esta<strong>do</strong>, na condição <strong>de</strong> proprietáriodas terras, dar-lhes a <strong>de</strong>stinação que melhor atenda aos interesses públicos.Sen<strong>do</strong> pois, o Esta<strong>do</strong>, proprietário, é claro e evi<strong>de</strong>nte que a gravesituação <strong>do</strong> “Pontal” não po<strong>de</strong> ser solucionada entre os “sem-terra” e osfazen<strong>de</strong>iros, sem a participação efetiva <strong>do</strong> Governo Estadual.De um la<strong>do</strong> os fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong>sejam, quer a legitimação <strong>de</strong> posse,quer a in<strong>de</strong>nização por benfeitorias. Por outro, os “sem-terra” <strong>de</strong>sejam oassentamento <strong>de</strong> suas famílias.206


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):193-208, jan./<strong>de</strong>z. 1998Com relação aos fazen<strong>de</strong>iros, é <strong>de</strong> dizer que tanto a legitimação <strong>de</strong>posse quanto a in<strong>de</strong>nização por benfeitorias, <strong>de</strong>verão ser ultimadas comobediência ao sistema legal pertinente, e quanto aos “sem-terra”, é sabi<strong>do</strong>que o Esta<strong>do</strong> realiza um programa <strong>de</strong> assentamento mediante critérioslegais, com prévio cadastramento das famílias.Nessa esteira, o Esta<strong>do</strong> não po<strong>de</strong> realizar acor<strong>do</strong>s com violação à<strong>do</strong>gmática <strong>de</strong> direito público, com infração ao princípio da indisponibilida<strong>de</strong><strong>do</strong>s bens públicos, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que o acor<strong>do</strong> noticia<strong>do</strong> pela imprensa e queserviu <strong>de</strong> suporte à <strong>de</strong>cisão, não tem possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concretização.Os interesses que envolvem fazen<strong>de</strong>iros e “sem-terra” não po<strong>de</strong>m sersoluciona<strong>do</strong>s como se estivesse em pauta terra particular. O Esta<strong>do</strong> nãopo<strong>de</strong> dispor <strong>de</strong> seu patrimônio, razão <strong>do</strong> ajuizamento das açõesreivindicatórias.Assim, a solução para a satisfação <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong>s fazen<strong>de</strong>iros etrabalha<strong>do</strong>res rurais, será aquela que não negue vigência <strong>do</strong>s princípios <strong>de</strong>direito público, mediante apuração <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> cada um.Destarte, sob a ótica <strong>do</strong> direito, é claro que sem a participação <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> não se po<strong>de</strong> resolver absolutamente nada.É evi<strong>de</strong>nte que to<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sejam solucionar o conflito fundiário<strong>de</strong>flagra<strong>do</strong>. Claro que to<strong>do</strong>s buscam uma solução, incluin<strong>do</strong>-se os “semterra”,os fazen<strong>de</strong>iros e o Esta<strong>do</strong>.Entretanto, como o proprietário das terras é pessoa jurídica <strong>de</strong> direitopúblico, a solução <strong>de</strong>ve ser a<strong>de</strong>quada a <strong>do</strong>gmática que rege a AdministraçãoPública.Por outro la<strong>do</strong>, ainda que tentem uma solução para o problema, oclima <strong>de</strong> tensão é latente. Como se sabe, <strong>de</strong> um dia para outro são tomadas<strong>de</strong>cisões quer por fazen<strong>de</strong>iros quer por “sem-terra”, que po<strong>de</strong>m207


SERGIO NOGUEIRA BARHUMterminar em conflitos arma<strong>do</strong>s. Também, ainda que na área objeto dareivindicatória não tenha instala<strong>do</strong> um conflito direto entre os interessa<strong>do</strong>s,existem centenas <strong>de</strong> famílias aguardan<strong>do</strong> um lote para exploração daativida<strong>de</strong> agrícola; famílias que estão em barracos à beira <strong>de</strong> ro<strong>do</strong>vias quepo<strong>de</strong>m a qualquer momento perpetrar uma invasão.Assim, ainda que inexistente o confronto direto, o conflito po<strong>de</strong> seestabelecer a qualquer momento, razão pela qual não há como negar apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dano irreparável ou <strong>de</strong> difícil reparação.Aliás, a situação <strong>de</strong> tensão tanto é a mesma que, após o cita<strong>do</strong> “acor<strong>do</strong>”,o Movimento <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res Rurais Sem-Terra já anunciou novasinvasões.Assim, por ora não foi materializada qualquer solução para o graveproblema, subsistin<strong>do</strong> o clima <strong>de</strong> tensão em to<strong>do</strong> o Pontal <strong>do</strong> Paranapanema.Diante <strong>do</strong> exposto, está <strong>de</strong>monstrada a necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>ferimentoda tutela antecipada <strong>de</strong> 30% da área reivindicada.De rigor, portanto, que seja concedida liminarmente a tutela antecipadapleiteada, para, em conseqüência, merecer reforma o r. <strong>de</strong>spachoagrava<strong>do</strong>, com a concessão <strong>de</strong>finitiva da tutela jurisdicional antecipada,nos termos propostos.Termos em que,Pe<strong>de</strong> e espera <strong>de</strong>ferimento.<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 6 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1996Sérgio Nogueira Barhum, Procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>208


PARTE III. JURISPRUDÊNCIA209


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EXCERTO DA SENTENÇA PROFERIDA PELO JUIZVITO JOSÉ GUGLIELMI NOS AUTOS DA AÇÃODISCRIMINATÓRIA DO 15º PERÍMETRO DETEODORO SAMPAIO (ANTIGOPRESIDENTE VENCESLAU)211


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R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998EXCERTO DA SENTENÇA PROFERIDA PELO JUIZVITO JOSÉ GUGLIELMI NOS AUTOS DA AÇÃODISCRIMINATÓRIA DO 15º PERÍMETRO DETEODORO SAMPAIO (ANTIGOPRESIDENTE VENCESLAU)ANTECEDENTES PORTUGUESESA origem <strong>de</strong> Portugal remonta ao milênio anterior. Em rápidas palavras,porém, venci<strong>do</strong>s os go<strong>do</strong>s em 711 (por força da invasão árabeberbere),iniciou-se — <strong>de</strong> imediato — o que veio a se <strong>de</strong>nominar a Reconquista.Núcleo inicial <strong>de</strong>la surgiu o reino go<strong>do</strong>-cristão <strong>de</strong> Astúrias e queveio a se transformar no reino <strong>de</strong> Leão (<strong>do</strong> qual, como Conda<strong>do</strong>Portucalense, se originou Portugal).Tem-se como marco histórico da formação <strong>de</strong> Portugal o ano <strong>de</strong> 1140.Subiu ao trono condal D. Afonso Henriques (morto o Con<strong>de</strong> D. Henrique),ainda num primeiro momento sob regência materna (cessada em 1128<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> grave conflito com ela, ou como contou Camões “que <strong>de</strong> tal paital filho se esperava”) e que passou a usar o título <strong>de</strong> príncipe (PortucalensisProvinciae Princeps). É aclama<strong>do</strong> rei em 1140, após vencer os mourosem Ourique (25.7.1139).Notória a influência <strong>do</strong> direito leonês, castelhano e aragonês. EmLeão (Astúrias), em especial, continuavam as relações jurídico-administrativasa pautar-se pelo Fuero Juzgo, expressan<strong>do</strong>-se o particularismolocal pelos forais (fueros, dan<strong>do</strong> leis a uma população já formada, e cartas-pueblas,cartas <strong>de</strong> povoação, <strong>de</strong>stinadas a atrair povoa<strong>do</strong>res para áreas<strong>de</strong>spovoadas mediante vantagens). Já em Castela (após a separação <strong>de</strong>Leão), rumo diverso se tomou (fuero real, as sete partidas etc.). Foram odireito leonês, todavia, e os costumes locais que passaram a reger a vidajurídico-administrativa <strong>de</strong> Portugal (Hélio <strong>de</strong> Alcântara Avellar, Históriaadministrativa e econômica <strong>do</strong> Brasil, Fename, 1970).213


JURISPRUDÊNCIAQuatro foram as Dinastias Portuguesas: Borgonha ou Afonsina(1140-1383), Avis (1385-1580), Filipina (1580-1640), dita Espanhola,Austríaca ou <strong>de</strong> Habsburgo, e <strong>de</strong> Bragança (1640-1910).Passou a monarquia portuguesa por diversas fases, quais sejam: amonarquia limitada pelas Cortes, paternalista e popular, com idéia <strong>de</strong> participação<strong>de</strong> todas as classes no governo da nação, isto é, uma <strong>de</strong>mocraciaorgânica; a monarquia centralizada ou <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r pessoal, com <strong>de</strong>clínio dascortes e encaminhamento ao sistema absolutista; e a monarquia constitucional,a partir da Revolução Liberal <strong>de</strong> 1820. Correspon<strong>de</strong> a evolução <strong>do</strong>direito, igualmente, a três fases: à primeira, o direito consuetudinário oucostumeiro (forais); à segunda, a legislação geral e escrita, isto é, as Or<strong>de</strong>nações<strong>do</strong> Reino (Afonsinas, 1446, Manuelinas, 1521 e Filipinas, 1603,impressas as primeiras, porém, pela primeira vez em 1792); e o perío<strong>do</strong>liberal, que correspon<strong>de</strong> às codificações <strong>do</strong> século XIX em diante.Marcada a primeira fase da monarquia portuguesa pelos forais, i<strong>de</strong>ntificavam-se<strong>de</strong>les quatro espécies: cartas <strong>de</strong> povoação, estabelecen<strong>do</strong> aexistência e as relações <strong>do</strong>s concelhos com a nação; leis civis ou penaisdada a um “concelho” já existente; aforamentos estabeleci<strong>do</strong>s coletivamente,em que se estipulava o foro ou pensão que os mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong>viampagar ao senhor da terra, quer <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (da coroa), quer <strong>do</strong> rei (reguengos)ou <strong>de</strong> particulares (herdamentos, senhorios, prazos); e os <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s acorrigir <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns (tipo misto).Forais eram contratos enfitêuticos com os quais o rei (ou particulares)estabelecia as prerrogativas concedidas e reservava direitos.Começada a marcha para a centralização portuguesa, iniciaram-se<strong>de</strong>vassas por funcionários régios sobre a legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s títulos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong><strong>de</strong> nobres e eclesiásticos, a par <strong>de</strong> forte influência, a esta altura,<strong>do</strong> direito romano (Afonso III, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bolonha, havia residi<strong>do</strong> naFrança), verifican<strong>do</strong>-se o crescimento <strong>do</strong> número <strong>de</strong> funcionários e ofícios(cargos) régios e <strong>de</strong> legistas. Instituiu ele magistra<strong>do</strong>s régios, <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>sa promover visitas <strong>de</strong> correição nos “concelhos”, com imposição214


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998freqüente das leis gerais <strong>do</strong> reino às municipalida<strong>de</strong>s. Bem por isso já seafirmou: “A vaga <strong>de</strong> direito romano, irradian<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu centro em Bolonhaoriginara, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIII, a concepção segun<strong>do</strong> a qual a lei <strong>de</strong>pendiaestritamente da autorida<strong>de</strong> real que a promulgasse. As teorias políticas<strong>do</strong>s legistas, especialmente <strong>do</strong>s colabora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Felipe IV da França,conduziam a princípios inspira<strong>do</strong>s no Digesto, tal fosse o da atribuição <strong>de</strong>força <strong>de</strong> lei à vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> soberano, investi<strong>do</strong> em seus po<strong>de</strong>res pelo povo,com o fim <strong>de</strong> instituir, preservar e fazer progredir o bem comum”. (SérgioBuarque <strong>de</strong> Holanda et alii, História geral da civilização brasileira, DifusãoEuropéia, 1968, v. 1).A Dinastia <strong>de</strong> Avis marcou a transição da primeira para a segundafase da monarquia portuguesa a que já nos referimos. Determinou D. JoãoI (eleva<strong>do</strong> ao po<strong>de</strong>r por força da Revolução <strong>de</strong> 1383-1385) que observassemos magistra<strong>do</strong>s os comentários <strong>de</strong> Bártolo quan<strong>do</strong> da administraçãoda justiça. Era a influência <strong>do</strong>s legistas (<strong>de</strong>ntre os quais se <strong>de</strong>staca o “Joãodas Regras”, inspira<strong>do</strong>r <strong>do</strong> rei em algumas fórmulas). Servin<strong>do</strong>-se o reida lei para dar cabo a sua missão, urgia revisão e or<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> materiallegislativo, culminan<strong>do</strong> com as primeiras Or<strong>de</strong>nações (Afonsinas, <strong>de</strong> 1446)[tarefa atribuída por D. João I a João Men<strong>de</strong>s (confirmada por D. Duarte),substituí<strong>do</strong> por Rui Fernan<strong>de</strong>s, e concluída ao tempo <strong>de</strong> Afonso V,o 12º Rei].“A monarquia, portanto, é a mais importante instituição <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>português; pelas suas relações com os outros órgãos administrativos eclasses sociais é que po<strong>de</strong>remos ter uma idéia <strong>do</strong> panorama institucionalpre<strong>do</strong>minante às vésperas da <strong>de</strong>scoberta <strong>do</strong> Brasil” (Sérgio Buarque <strong>de</strong>Holanda et alii, op. cit., p. 16).É a esta altura plenamente organizada a administração da justiça. Jáse conheciam os juízes ordinários, com alçada variável segun<strong>do</strong> o objetodas causas; juízes <strong>de</strong> fora da parte, <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>s diretamente pelo rei;correge<strong>do</strong>res, a quem incumbia fiscalizar àqueles, sem tomar conhecimentodas causas (<strong>de</strong>viam, porém, resolver as causas em que fossem parte215


JURISPRUDÊNCIAfidalgos, aba<strong>de</strong>s e priores da circunscrição administrativa). E organismoscomo o Tribunal da Corte (Casa da Suplicação e Casa <strong>de</strong> Justiça) — quecuidava <strong>do</strong> julgamento das apelações criminais <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o reino (salvo Lisboa— <strong>de</strong>sta encarregava-se a Casa <strong>do</strong> Cível), embora com significativasfalhas, geran<strong>do</strong> <strong>de</strong>scontentamento e numerosas reclamações, a ponto <strong>de</strong>haver-se afirma<strong>do</strong>, nas Cortes <strong>de</strong> Lisboa, <strong>de</strong> 1439, que “todas as malda<strong>de</strong>se malícias existentes em nosso Reino vêm pelos tabeliões, que usam <strong>do</strong>seu ofício como não <strong>de</strong>vem fazê-lo”, referin<strong>do</strong>-se à má-fé com que tomavamos <strong>de</strong>poimentos das testemunhas e a prevaricação <strong>do</strong>s escrivães (op.ul. cit., p. 24).Igualmente no campo econômico já se patenteava a centralização,via ação intervencionista da administração régia (por exemplo, o Regimento<strong>de</strong> Preços, <strong>de</strong> 1253), e <strong>de</strong> enfraquecimento das corporações oumesteirais, nas quais se agrupavam os oficiais mecânicos.Marca<strong>do</strong> o século XV por profundas alterações econômico-jurídicas(e, obviamente, sociais), a elas se adicionan<strong>do</strong> a ação ultramarina <strong>de</strong> Portugal,é <strong>de</strong>sse perío<strong>do</strong> o “<strong>de</strong>scobrimento” <strong>do</strong> Brasil. Nessa fase a pressãoprogressiva da autorida<strong>de</strong> real (associada a fatores internos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação)reduz os municípios a simples circunscrições administrativas locais.ANTECEDENTES COLONIAISConsumada a <strong>de</strong>scoberta <strong>do</strong> território brasileiro, sobrevieram as primeirasexpedições, com objetivo <strong>de</strong> explorar e colonizar. Já em maio <strong>de</strong>1503, em ato notarial <strong>de</strong> Valentin Fernan<strong>de</strong>s, tabelião público <strong>de</strong> Lisboa,consignava-se que a frota <strong>de</strong> reconhecimento seguiu 760 léguas pela costa,chegan<strong>do</strong> até a latitu<strong>de</strong> 53 o .Há dúvidas sobre o coman<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa frota, ora atribuí<strong>do</strong> a D. NunoManoel, ora a André Gonçalves e até a Fernão <strong>de</strong> Loronha (ou Noronha).Não há <strong>do</strong>cumentação incontroversa e <strong>de</strong>cisiva (op. ul. cit., p. 92).A bor<strong>do</strong>, porém, ia Américo Vespúcio, e, segun<strong>do</strong> a maioria <strong>do</strong>s historia<strong>do</strong>res,foram com base no calendário nomea<strong>do</strong>s diversos locais da costabrasileira (Cabo <strong>de</strong> Santo Agostinho ou <strong>São</strong> Roque, até <strong>São</strong> Vicente).216


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998Já em 1514, D. Nuno Manoel e Cristovão <strong>de</strong> Haro teriam chega<strong>do</strong> àfoz <strong>do</strong> Rio da Prata, sen<strong>do</strong> certo, porém, que entre 1516 e 1519 CristovãoJaques empreen<strong>de</strong>u viagens <strong>de</strong> Pernambuco ao sul, até menciona<strong>do</strong> rio.Avizinhavam-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, expedições <strong>de</strong> comerciantes e corsáriospela costa (a que Jaques já combatera), sobrevin<strong>do</strong>, como remédio,povoar o território brasileiro. Jaques propusera-se a trazer mil colonos.João <strong>de</strong> Mello da Câmara, <strong>do</strong>is mil.É com Martin Afonso <strong>de</strong> Souza que, <strong>de</strong> fato, inicia D. João III (“OColoniza<strong>do</strong>r”) a ocupação.Tal expedição afastou, a<strong>de</strong>mais, franceses (em especial La Pèlerine)que se encontravam pelo litoral, regressan<strong>do</strong> Martin Afonso a Portugalem 1533.A partir <strong>de</strong>la—eemface <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s — parece haver-se<strong>de</strong>fini<strong>do</strong> D. João a subdividir o Brasil em <strong>do</strong>natarias (ou capitanias hereditárias),inauguran<strong>do</strong> bem <strong>de</strong>finida fase no regime brasileiro (aliás, comofizera em outras incursões ultramarinas no Atlântico). Essa, a orientaçãoda Coroa Portuguesa.O REGIME DAS CAPITANIASJá surgira em Portugal, nas décadas seguintes ao <strong>de</strong>scobrimento, umanova classe, oriunda <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>res, funcionários e mais pessoas <strong>de</strong>stacadasno Oriente ou imiscuídas no trato <strong>de</strong> especiarias. Tal classe (hoje <strong>de</strong>nominadaburguesa e pequeno-burguesa), com significativo aporte <strong>de</strong> recursos,bem como o surto econômico-financeiro e o entusiasmo por negócios<strong>do</strong> além-oceano, levaram — igualmente à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afastarcorsários <strong>de</strong> várias or<strong>de</strong>ns — à busca <strong>de</strong> ocupação <strong>do</strong> solo <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> orienta<strong>do</strong>.Dentre tais pessoas e aquelas aproximadas ao trono, foram procura<strong>do</strong>sos primeiros <strong>do</strong>natários.217


JURISPRUDÊNCIA“A distribuição <strong>de</strong> dádivas territoriais no Brasil tornava-se,<strong>de</strong>starte, recompensa a funcionário, assim como suposta aplicação <strong>de</strong>capitais para os que se tinham enriqueci<strong>do</strong> no Oriente. No mesmo senti<strong>do</strong>propiciava aparente generosa mercê a personagens alvos <strong>de</strong> galardõespelo Paço Real, possui<strong>do</strong>res <strong>de</strong> meios para arrotear as glebas que lhesofereciam. Dizemos aparente, porquanto não tar<strong>do</strong>u a se evi<strong>de</strong>nciar constituirempresa <strong>de</strong>masiada para simples particulares. Somente o Esta<strong>do</strong>com os seus múltiplos recursos estava em condições <strong>de</strong> arcar com tamanhosencargos, esmaga<strong>do</strong>res pela distância e prejuízo <strong>de</strong> trabalhosa navegaçãoa vela” (i<strong>de</strong>m, p. 97).A orientação levou o “Concelho” <strong>de</strong>l-rei a dividir o Brasil (entãoTerra <strong>de</strong> Santa Cruz) em quinhões. O <strong>de</strong>sconhecimento geográfico dacolônia, além da imaginária linha <strong>do</strong> meridiano <strong>de</strong> Tor<strong>de</strong>silhas acabou portornar arbitrária a divisão da costa (projetavam-se linhas retas a certasdistâncias em direção ao meridiano, <strong>de</strong>sprezan<strong>do</strong>-se aci<strong>de</strong>ntes geográficosque muito além <strong>de</strong>sse se situavam, bem como o valor <strong>do</strong> próprio solo),logo mostran<strong>do</strong> a inviabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema, como um to<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>.Não formavam as <strong>do</strong>ações maciços, mas sucessão <strong>de</strong> faixas <strong>de</strong> terras, indican<strong>do</strong>o caráter paraestatal — por assim dizer — da empresa.Mo<strong>de</strong>rnos historia<strong>do</strong>res salientam, com razão, que a terra era dadapara o <strong>do</strong>natário administrá-la como província, e não como proprieda<strong>de</strong>privada.Diz Malheiro Dias: “O governa<strong>do</strong>r hereditário não podia lesar osinteresses e direitos da população. Os impostos eram pagos em espécie.À Coroa pertencia o quinto <strong>do</strong> ouro e das pedras preciosas... o monopóliodas drogas e especiarias. Ao governa<strong>do</strong>r cabia, além da redízima dasrendas da Coroa, a vintena das pescarias, a venda <strong>do</strong> pau-brasil, o monopóliodas marinhas e o direito <strong>de</strong> barcagem. Sobre a importação e exportação,quan<strong>do</strong> em trânsito os navios portugueses não incidiam impostos(disposição <strong>de</strong>pois revogada em 5 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1571). Os direitos políticos<strong>do</strong>s colonos haviam si<strong>do</strong> salvaguarda<strong>do</strong>s, equipara<strong>do</strong>s aos que osportugueses usufruíam na metrópole... O colono, quer português ou estrangeiro,podia possuir terras em sesmarias com a única condição <strong>de</strong>professar a religião católica...”218


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998Eram direitos <strong>do</strong> capitão-mor, pois: distribuir justiça, conce<strong>de</strong>rasilo, escravizar índios e vendê-los em Portugal, <strong>do</strong>ar sesmarias a cristãos,participar <strong>do</strong>s privilégios fiscais da Coroa, transmitir a capitaniapor herança; e <strong>de</strong>veres: colonizar e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a terra e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a fé.Aos <strong>do</strong>natários era ainda veda<strong>do</strong> partir a capitania, ao que se reservavael-rei no interesse <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. “Deviam, como era natural, os <strong>do</strong>natáriosprover à sua prosperida<strong>de</strong>, porém, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a simultaneamente beneficiara Coroa onipotente e onipresente” (i<strong>de</strong>m p. 100):A posse da terra era outorgada mediante cartas <strong>de</strong> <strong>do</strong>ação ao capitão-mor.Seus direitos e os <strong>do</strong> rei eram fixa<strong>do</strong>s em forais. As sesmarias,por seu turno, pelas cartas <strong>de</strong> sesmaria.Foram inicialmente quinze as <strong>do</strong>natarias: Primeira <strong>do</strong> Maranhão(50 léguas, da abra <strong>de</strong> Diogo Leite ao cabo <strong>de</strong> To<strong>do</strong>s os Santos), Segunda<strong>do</strong> Maranhão (75 léguas, até o Rio da Cruz), Ceará (40 léguas, até aAngra <strong>do</strong>s Negros), Rio Gran<strong>de</strong> (100 léguas, até a baía da Traição),Itamaracá (30 léguas, até o Rio Igaraçu), Nova Lusitânia ou Pernambuco(60 léguas seguintes até o Rio S. Francisco), Baía <strong>de</strong> To<strong>do</strong>s os Santos (80léguas imediatas, até a Ponta <strong>do</strong> Padrão), Ilhéus (50 léguas seguintes),Porto Seguro (50 léguas, até o Rio Mucuri), Espírito Santo (50 léguas,até o Rio Itapemirim, Paraíba <strong>do</strong> Sul ou <strong>São</strong> Tomé (30 léguas, até o RioMacaé, <strong>São</strong> Vicente (100 léguas <strong>de</strong>scontínuas, distribuídas por <strong>do</strong>is lotesdistintos — um <strong>do</strong> Rio Macaé ao Juqueriquerê e outro da barra da Bertiogaaté a Ilha <strong>do</strong> Mel, na baía <strong>do</strong> Paranaguá), Santo Amaro (10 léguas, entreos <strong>do</strong>is lotes anteriores) e Santa (10 léguas, da Ilha <strong>do</strong> Mel até perto daatual Laguna (em respeito ao trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Tor<strong>de</strong>silhas). Outras se seguiram(Ilha <strong>de</strong> Itaparica, Ilha da Trinda<strong>de</strong>, por elevação <strong>de</strong> sesmaria existente).Delas, somente onze chegaram ao século XVII. E neste outrasonze foram instituídas.Quase concomitantemente (por motivos que ora não cabe discutir),instituiu-se o governo-geral com Tomé <strong>de</strong> Souza, consoante a Carta Régia<strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1549. Dele disse Serafim Leite tratar-se <strong>de</strong> “<strong>do</strong>cumentobásico, verda<strong>de</strong>ira carta magna <strong>do</strong> Brasil, e sua primeira Constituição,ten<strong>de</strong>nte à unificação jurisdicional, já com os elementos aptos para219


JURISPRUDÊNCIAuma colonização progressiva”. Assevere-se, porém, que a introdução <strong>do</strong>governo-geral não extinguiu o regime das capitanias, que perdurou até oséculo XVIII.É, pois, com tais parâmetros que se <strong>de</strong>lineia a formação da proprieda<strong>de</strong>no Brasil.Em princípio — por assim dizer — <strong>de</strong>corre o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>da Coroa portuguesa, por direito <strong>de</strong> invenção. Posteriormente ao Impérioe, por fim, à República.Não se comunga a opinião, portanto, <strong>de</strong> Carlos Castilho Cabral, cita<strong>do</strong>por Ângela Silva (Terras <strong>de</strong>volutas, <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> Direito Imobiliário,v.14, p. 43 e segs.), <strong>de</strong> que as terras brasileiras eram <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> privada<strong>do</strong> rei. Assim fosse e não haveria a instituição formal <strong>de</strong> capitanias reais.Era mesmo da Coroa, como sustenta a maioria <strong>do</strong>s autores (Ruy CirneLima, Messias Junqueira, Delmiro <strong>do</strong>s Santos, Vicente CavalcantiCysneiros, Marcos Afonso Borges). Notório o caráter público das terras,objeto sempre <strong>de</strong> concessões, como revela o regime capitanial. Disse,aliás, o Min. Aliomar Baleeiro, no RE n. 51.290: “A terra, no Brasil, originariamente,era pública; o rei <strong>de</strong>smembrou pedaços, áreas enormes, aschamadas sesmarias, e <strong>do</strong>ou-as...”.Talvez a idéia seja força <strong>de</strong> interpretação da redação <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong><strong>de</strong> Tor<strong>de</strong>silhas. Por ele se buscou traçar uma linha imaginária entre oPolo Ártico e o Antártico, situa<strong>do</strong> a 370 léguas das Ilhas <strong>de</strong> Cabo Ver<strong>de</strong>em direção ao poente. Seriam portuguesas as terras à direita <strong>de</strong> tal linhaimaginária (meridiano) e espanholas aquelas situadas à esquerda. Deleconsta:“E tu<strong>do</strong> o que até aqui tenha acha<strong>do</strong> e <strong>de</strong>scoberto e daqui emdiante se achar e <strong>de</strong>scobrir pelo dito Senhor Rei <strong>de</strong> Portugal e por seusnavios, tanto ilhas como terra firme, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a dita raia e linha dada naforma supracitada in<strong>do</strong> pela dita parte <strong>do</strong> Levante ou <strong>do</strong> Norte e <strong>do</strong> Sul<strong>de</strong>le, contanto que não seja atravessan<strong>do</strong> dita raia, que tu<strong>do</strong> seja, e fiquee pertença ao dito Senhor Rei <strong>de</strong> Portugal, e aos seus sucessores,para sempre”.220


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998Não se nega a importância jurídica <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento. Quer parecer (semembargo <strong>de</strong> abalizadas opiniões em contrário) que se lhe empresta —mesmo que admitida a origem divina <strong>de</strong>sse direito, que foi aprova<strong>do</strong> eratifica<strong>do</strong> pelo Papa Júlio II consoante a Bula “E a quae” — maior valor<strong>do</strong> que tem. Somente a existência <strong>de</strong> tais terras (em gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sconhecidas)daria a ele eficácia. Nada se <strong>de</strong>scobrisse e cairia ele no vazio. Épois, por direito <strong>de</strong> invenção, a origem da proprieda<strong>de</strong>. Na realida<strong>de</strong>, pois,só se cui<strong>do</strong>u <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir evento futuro e incerto (a <strong>de</strong>scoberta das terras —que embora em parte já se soubesse existir, ao menos no Atlântico Norte).AS TERRAS DEVOLUTASNão se tem a pretensão <strong>de</strong> formular conceito sobre terras <strong>de</strong>volutas.Até porque a tarefa certamente encontraria óbices intransponíveis, face apeculiarida<strong>de</strong>s legislativas a partir da Carta Constitucional <strong>de</strong> 1891. Esclarece-se:<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o referi<strong>do</strong> diploma, as terras <strong>de</strong>volutas não reservadas àUnião (<strong>de</strong> fronteira, marítimas etc.) passaram ao <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>sFe<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s. Daí buscou cada um <strong>de</strong>les dar a elas <strong>de</strong>stinação que julgouconveniente ao peculiar interesse <strong>de</strong> cada um, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que, a partir <strong>de</strong>então, limitou-se o conceito das terras <strong>de</strong>volutas pelo reconhecimento <strong>de</strong><strong>do</strong>mínio particular sobre elas.De toda sorte, apenas para que o tema não passe ao largo, permite-secolacionar algumas proposições <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a, quan<strong>do</strong> menos—eemcarátergenérico — extremá-las <strong>de</strong> outras.A terra <strong>de</strong>voluta é, necessariamente, uma terra pública. Seja porquenunca ingressou no <strong>do</strong>mínio particular, seja porque, pretensamente obten<strong>do</strong>essa condição, por fatores que no momento não cabe referir — acabaramvoltan<strong>do</strong> àquela situação. Aliás, e em princípio, a palavra <strong>de</strong>volutainclui o conceito <strong>de</strong> “<strong>de</strong>volvida”. No latim, a palavra <strong>de</strong>volutus é indicadacom a idéia <strong>de</strong> rolar <strong>de</strong> um lugar para outro. Salienta Antenor Nascentes,no seu Dicionário, que no latim medieval <strong>de</strong>volvere passou a significar221


JURISPRUDÊNCIApedir transferência para si <strong>de</strong> um benefício vago, sem <strong>do</strong>no. Aurélio Buarque<strong>de</strong> Holanda (Novo Dicionário, vocábulo <strong>de</strong>voluto), indica “adquiri<strong>do</strong> por<strong>de</strong>volução” e “<strong>de</strong>socupa<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sabita<strong>do</strong>, vago”. O mesmo autor indica (op.cit.) no vocábulo terra <strong>de</strong>voluta: “aquelas que não sen<strong>do</strong> próprias nemaplicadas ao uso público, não se incorporaram ao <strong>do</strong>mínio priva<strong>do</strong>”.Propõe Messias Junqueira (As terras <strong>de</strong>volutas na Reforma Agrária,<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, 1964, p. 68) interessante conceito, aomenos em face da Lei n. 601, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1850:“Terras <strong>de</strong>volutas são as que não estão incorporadas ao patrimôniopúblico, como próprios, ou aplicadas ao uso público, nem constituemobjeto <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio ou <strong>de</strong> posse particular, manifestada estaem cultura efetiva e morada habitual”.Já <strong>Paulo</strong> Garcia (Terras <strong>de</strong>volutas, Belo Horizonte: Oscar Nicolai,1958, p. 156) procura caracterizá-las como as terras que passaram ao<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s por força da Constituição <strong>de</strong> 1891 por não se acharem,em 1850, no <strong>do</strong>mínio particular.Clóvis Bevilacqua (apud <strong>Paulo</strong> Torminn Borges, Institutos básicos<strong>do</strong> direito agrário, 4. ed., <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Saraiva, 1983, p. 70) propõe <strong>de</strong>finição“mais <strong>de</strong>spretensiosa” (segun<strong>do</strong> o autor):“<strong>São</strong> as terras <strong>de</strong>socupadas, sem <strong>do</strong>no”.Não se aventura um conceito científico, certamente <strong>do</strong>s mais difíceis,como já se salientou. Até porque o exame <strong>de</strong> outros igualmente propostos(veja-se, a propósito, Ruy Cirne Lima, Terras <strong>de</strong>volutas, Porto Alegre:Globo, 1935) leva à idéia não <strong>do</strong> que seja a terra <strong>de</strong>voluta, mas, contrariamente,<strong>do</strong> que não seja particular.Bem por isso mesmo é <strong>de</strong> se propor que, por terras <strong>de</strong>volutas, seentendam aquelas assim <strong>de</strong>finidas por lei. Somente o estu<strong>do</strong> da legislação222


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998propiciará sua conceituação. E não é outro o motivo pelo qual, tentan<strong>do</strong>fazê-lo, Messias Junqueira (op. cit., p. 90-31) caiu no casuísmo legislativo!Melhor, portanto, ingressar no exame da legislação.A LEGISLAÇÃONão se tem a idéia, neste item, <strong>de</strong> examinar a legislação <strong>de</strong> cada um<strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s. Pelo contrário (e por <strong>de</strong>mandar tal estu<strong>do</strong> certo afastamento<strong>do</strong> objetivo a que se propõe esta <strong>de</strong>cisão), limitar-se-á o exame aos antece<strong>de</strong>ntesà Carta Constitucional <strong>de</strong> 1891, com apenas algumas referênciasa ela posteriores. Mas abordar-se-ão, necessariamente, questões como assesmarias e o Registro Paroquial.A contrário <strong>do</strong> que parece, remonta o estu<strong>do</strong> da legislação sobre aproprieda<strong>de</strong> não apenas à Lei <strong>de</strong> Terras <strong>de</strong> 1850, mas à legislação vigenteaté mesmo no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> centralização da monarquia portuguesa, a que jános referimos — e porisso o fizemos — ao princípio.É ela a velha lei das sesmarias (Lei <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1375), <strong>de</strong>seguinte teor:“Eu El Rei Faço saber aos que esta lei virem...To<strong>do</strong>s os que tiverem herda<strong>de</strong>s próprias, emprazadas, aforadas, oupor qualquer outro título que sobre as mesmas lhes dê direito, sejamconstrangi<strong>do</strong>s a lavrá-las e semeá-las.Se por algum motivo legítimo as não pu<strong>de</strong>rem lavrar todas, lavrema parte que lhes parecer po<strong>de</strong>m comodamente lavrar, a bem vistase <strong>de</strong>terminação <strong>do</strong>s que sobre este objeto tiverem intendência; e asmais façam-nas aproveitar por outrem pelo mo<strong>do</strong> que lhes parecermais vantajoso <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que todas venham a ser aproveitadas.(...)223


JURISPRUDÊNCIASe por negligência ou contumácia os proprietários não observaremo que fica <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, não tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> aproveitar por si ou poroutrem as suas herda<strong>de</strong>s, as Justiças territoriais, ou as pessoas quesobre isso tiverem intendência, as dêem a quem as lavre, e semeiepor certo tempo, a pensão ou quota <strong>de</strong>terminada.(...)Se os senhores das herda<strong>de</strong>s não quiserem estar por aquelearbitramento, e por qualquer maneira o embargarem por seu po<strong>de</strong>rio,<strong>de</strong>vem perdê-las para o comum, a que serão aplicadas parasempre; <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> arrecadar-se o seu rendimento a benefício comum,em cujo território forem situadas.(...)E para que venha esta Lei à notícia <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, or<strong>de</strong>no...Se registrará nos Livros da Mesa <strong>do</strong> Desembarga<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Paço, Casada Suplicação, e Porto, e nos das Relações <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s da Índia, eaon<strong>de</strong> semelhantes leis se costumam registrar. E esta própria selançará na Torre <strong>do</strong> Tombo. Da<strong>do</strong> em Lisboa, aos 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong>1375”.Importante, também, o texto relativo às sesmarias e constante dasOr<strong>de</strong>nações (Manuelinas, Lev. IV, tit. 67; Filipinas, Lev. IV, tit. 43), emborase saiba que o instituto transplanta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Portugal para o Brasil sofreuaqui significativas alterações:“Sesmarias são propriamente as dadas <strong>de</strong> terras, casaes, oupardieiros, que foram, ou são <strong>de</strong> alguns Senhorios, e que já emoutro tempo foram lavradas e aproveitadas, e agora o não são”.É também <strong>de</strong> se lembrar o Alvará <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1795, queprocurou corrigir <strong>de</strong>ficiências apresentadas no sistema das sesmarias.224


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998Merece igualmente relevo o Decreto <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1808,que permitiu a concessão <strong>de</strong> sesmarias aos estrangeiros resi<strong>de</strong>ntesno Brasil:“Sen<strong>do</strong> conveniente ao meu real serviço e ao bem público, aumentara lavoura e a população, que se acha muito diminuta neste Esta<strong>do</strong>;e por outros motivos que me foram presentes: hei por bem, queaos estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes no Brasil se possam conce<strong>de</strong>r datas <strong>de</strong>terras por sesmarias pela mesma forma, com que segun<strong>do</strong> as minhasreais or<strong>de</strong>ns se conce<strong>de</strong>m aos meus vassalos, sem embargos<strong>de</strong> quaisquer leis ou disposições em contrário. A Mesa <strong>do</strong>Desembargo <strong>do</strong> Paço o tenha assim entendi<strong>do</strong> e o faça executar”.Colaciona-se também a Resolução n. 76 <strong>do</strong> Reino (<strong>de</strong> Consulta daMesa <strong>do</strong> Desembargo <strong>do</strong> Paço <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1822, feita por ManoelJosé <strong>do</strong>s Reis), que man<strong>do</strong>u suspen<strong>de</strong>r a concessão <strong>de</strong> sesmarias futurasaté a convocação da Assembléia <strong>Geral</strong> Constituinte:“Fique o suplicante na posse das terras que tem cultiva<strong>do</strong> e suspendam-setodas as sesmarias futuras até a convocação da Assembléia<strong>Geral</strong>, Constituinte e Legislativa”.Igualmente a Lei n. 601, <strong>de</strong> 1850, instrumento fundamental para oestu<strong>do</strong> da matéria, bem como o Decreto n. 1.318, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>1854, que regulou referida lei.Não se <strong>de</strong>spreze a Lei n. 1.237, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1864, quedispôs sobre a reforma da legislação hipotecária, e seu Decreto regulamentar(n. 3.453, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1865).Também se lembre <strong>do</strong> Decreto n. 451 B, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1890, quedispôs sobre o Registro Torrens.De igual natureza fundamental é o artigo 64 da Constituição <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong>fevereiro <strong>de</strong> 1891:225


JURISPRUDÊNCIA“Artigo 64 - Pertencem aos Esta<strong>do</strong>s as minas e terras <strong>de</strong>volutassituadas nos seus respectivos territórios, caben<strong>do</strong> à União somentea porção <strong>de</strong> território que for indispensável para a <strong>de</strong>fesa dasfronteiras, fortificações, construções militares e estradas <strong>de</strong> ferrofe<strong>de</strong>rais”.A partir <strong>de</strong> tal diploma, passaram os Esta<strong>do</strong>s a legislar sobre a matéria,mas também o fez a União, sobre terras <strong>de</strong>volutas que àqueles não setransferiram. Salientam-se, ainda, em especial o Decreto n. 10.105, <strong>de</strong> 5<strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1913, o Decreto n. 22.785, <strong>de</strong> 31.5.1933, o Decreto-Lei n.9.760, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1946 e, finalmente — merece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque— o Decreto-Lei n. 1.164, <strong>de</strong> 1 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1971, que <strong>de</strong>volveu aopatrimônio da União terras <strong>de</strong>volutas situadas na faixa <strong>de</strong> cem quilômetros<strong>de</strong> largura em cada la<strong>do</strong> <strong>do</strong> eixo das ro<strong>do</strong>vias ali especificadas, porindispensáveis à segurança e ao <strong>de</strong>senvolvimento da Amazônia Legal.Já no que respeita aos Esta<strong>do</strong>s-membros (e sem qualquer pretensãoexaustiva), vale lembrar:- Alagoas (Decreto-Lei n. 3.218, <strong>de</strong> 15.10.1946);- Amazonas (Lei n. 112, <strong>de</strong> 28.12.1956);- Bahia (Decreto-Lei n. 633, <strong>de</strong> 5.11.1945);- Ceará (Decreto-Lei n. 1.676, <strong>de</strong> 20.3.1946);- Espírito Santo (Leis ns. 617, <strong>de</strong> 31.12.1951 e 1.711, <strong>de</strong> 18.2.1929);- Goiás (Lei n. 1.448, <strong>de</strong> 12.12.1956);- Maranhão (Decreto n. 385-A, <strong>de</strong> 30.7.1946);- Mato Grosso (Leis ns. 550, <strong>de</strong> 20.12.1949 e 461, <strong>de</strong> 10.12.1956);- Minas Gerais (Leis ns. 173, <strong>de</strong> 4.9.1896; 263, <strong>de</strong> 21.8.1899; 269, <strong>de</strong>25.8.1899; 378, <strong>de</strong> 11.8.1904; 455, <strong>de</strong> 11.9.1907; Decreto n. 2.860, <strong>de</strong>3.12.1909; Decreto n. 4.496, <strong>de</strong> 5.1.1916; Lei n. 675, <strong>de</strong> 12.9.1916;Lei n. 5.012, <strong>de</strong> 19.6.1918; Decreto n. 6.019, <strong>de</strong> 4.7.1924; Lei n. 988, <strong>de</strong>20.9.1927; Decreto n. 8.201, <strong>de</strong> 31.1.1928; Lei n. 1.023, <strong>de</strong> 20.9.1928;Lei n. 1.144, <strong>de</strong> 5.9.1920; Lei n. 155, <strong>de</strong> 12.9.1930; Lei n. 1.171, <strong>de</strong>7.10.1930; Lei n. 9, <strong>de</strong> 1.11.1935; Decreto n. 500, <strong>de</strong> 27.2.1936;226


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998Lei n. 171, <strong>de</strong> 20.11.1936; Lei n. 214, <strong>de</strong> 14.11.1936; Decreto-Lei n. 1.775,<strong>de</strong> 1.7.1946; Lei n. 550, <strong>de</strong> 20.12.1949 e, recentemente, Lei n. 9.681,<strong>de</strong> 12.10.1988);- Pará (Decreto n. 1.044, <strong>de</strong> 19.8.1933);- Paraíba (Constituição, <strong>de</strong> 11.6.1947);- Paraná (Lei n. 68, <strong>de</strong> 20.12.1892; Decreto n. 1, <strong>de</strong> 8.4.1892;Ato n. 35, <strong>de</strong> 28.4.1933; Decreto n. 3.060, <strong>de</strong> 26.10.1951; Decreton. 7.700, <strong>de</strong> 18.11.1952, e, recentemente, a Lei n. 7.055, <strong>de</strong> 4.12.1978,bem como seu Decreto-Lei regulamentar n. 6.414, da mesma data);- Pernambuco (Decreto n. 93, <strong>de</strong> 29.12.1949);- Piauí (Decreto n. 1.298, <strong>de</strong> 22.8.1931);- Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte (Decreto n. 351, <strong>de</strong> 1.12.1937);- Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul (Decreto n. 7.677, <strong>de</strong> 9.1.1939 e Lei n. 3.107, <strong>de</strong>8.1.1957);- Rio <strong>de</strong> Janeiro (Decreto n. 2.666, <strong>de</strong> 28.10.1931);- Santa Catarina (Decreto n. 346, <strong>de</strong> 11.6.1934);- Sergipe (Decreto n. 904, <strong>de</strong> 1.8.1925);- <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> (Lei n. 323, <strong>de</strong> 22.6.1895; Lei n. 545, <strong>de</strong> 2.8.1898; Lein. 655, <strong>de</strong> 23.8.1899; Decreto n. 734, <strong>de</strong> 5.1.1900; Decreto n. 5.133, <strong>de</strong>23.7.1931; Decreto n. 6.734, <strong>de</strong> 30.5.1934; Decreto-Lei n. 14.916, <strong>de</strong>6.8.1945; Decreto-Lei Complementar n. 9, <strong>de</strong> 31.12.1969; e, recentemente,Decreto n. 28.389, <strong>de</strong> 17.5.1988).CARACTERIZAÇÃONão é simples — como mais <strong>de</strong> uma vez já se frisou — caracterizar oque sejam terras <strong>de</strong>volutas. Porém, na oportunida<strong>de</strong>, pequena tentativa sefaz, colacionan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>utrina, legislação e jurisprudência, agora <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>enca<strong>de</strong>a<strong>do</strong>, dispensadas, porém, circunstâncias peculiares das legislaçõesestaduais. Pela natureza da causa — e por haver si<strong>do</strong> aponta<strong>do</strong> o Decreton. 14.916, <strong>de</strong> 6.8.1945 como <strong>do</strong>s mais perfeitos — e influencia<strong>do</strong>r, inclusive,<strong>do</strong> Decreto Fe<strong>de</strong>ral n. 9.760, <strong>de</strong> 5.9.1946, referir-se-á à legislaçãopaulista.227


JURISPRUDÊNCIAO <strong>do</strong>mínio (como já se teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> anteriormente referir),por direito <strong>de</strong> invenção, pertencia à Coroa <strong>de</strong> Portugal.Po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>stacar três fases distintas: a primeira, on<strong>de</strong> a proprieda<strong>de</strong>era da Coroa Portuguesa; a segunda, <strong>do</strong> Império, ante a In<strong>de</strong>pendência;e a terceira, da União, com a proclamação da República.Com o passar <strong>do</strong>s tempos se transferiu, por diversas formas, a particulares,caben<strong>do</strong> lembrar, em especial, as cartas <strong>de</strong> sesmarias (emborahouvesse outras formas <strong>de</strong> transferência como, por exemplo, a venda ecompra, a <strong>do</strong>ação, concessões <strong>de</strong> data etc.).A sesmaria era forma <strong>de</strong> transferência da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>Lei promulgada em 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1375, em Portugal, por D. Fernan<strong>do</strong> I.Por ela, os proprietários <strong>de</strong> imóveis rurais recebiam as terras e tinham aobrigação <strong>de</strong> lavrá-las, sob pena <strong>de</strong> — não o fazen<strong>do</strong> — per<strong>de</strong>rem asrespectivas glebas, que seriam <strong>de</strong>stinadas a outras pessoas que quisessemtorná-las produtivas (às vezes outras obrigações se impunham e, não cumpridaspara com a Coroa, caiam em comisso). O título se chamava carta<strong>de</strong> sesmaria. Com o <strong>de</strong>scobrimento, cartas <strong>de</strong> sesmarias foram outorgadasaos nobres portugueses para efetivar a colonização. Tal regime dassesmarias vigorou até a Resolução n. 76, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1822.É conhecida a polêmica existente sobre o vocábulo sesmaria. RuyCirne Lima lembra: “Sesmaria <strong>de</strong>riva, para alguns, <strong>de</strong> sesma, medida <strong>de</strong>divisão das terras <strong>do</strong> alfoz; como, para outros, <strong>de</strong> sesma ou sesmo, quesignifica sexta parte <strong>de</strong> qualquer coisa; ou ainda, para outros, <strong>do</strong> baixolatim caesina, que quer dizer incisão. Herculano parece tê-la como proce<strong>de</strong>nte<strong>de</strong> sesmeiro, cuja filiação etimológica, entretanto, não indica”.Hélio <strong>de</strong> Alcântara Avellar (História administrativa e econômica <strong>do</strong> Brasil,cit., p. 69) refere: “A palavra (<strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> sesmo ou sexmo, isto ésexto) <strong>de</strong>signava termo ou limite, sen<strong>do</strong> sesmeiros, primitivamente, nãoos que recebiam a gleba, mas os funcionários encarrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> distribuiras terras <strong>de</strong>volutas ou cujos proprietários não as cultivassem, diretamenteou por outrem. Com o tempo, sesmeiro passou a ser beneficiário da<strong>do</strong>ação” (grifos <strong>do</strong> original). (Pequena história territorial <strong>do</strong>Brasil, p. 51).228


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998Assente-se, porém: o sistema implanta<strong>do</strong> pela lei <strong>de</strong> sesmarias emPortugal adquiriu configuração diversa ao ser transporta<strong>do</strong> para o Brasil.Lá se verificava verda<strong>de</strong>iro confisco, com caráter redistributivo, enquantono Brasil importava verda<strong>de</strong>ira <strong>do</strong>ação. Demais, o objetivo era tambémdiverso: enquanto em Portugal se buscava incremento da produçãoagropecuária, aqui se buscava a ocupação <strong>do</strong> solo. Via <strong>de</strong> regra, lá se davaem sesmaria por prazo certo (5 anos), enquanto aqui prazo não se marcava.Em consequência, os efeitos gera<strong>do</strong>s foram diametralmente opostos.Bem por isso é que em Portugal culminou com a fragmentação da proprieda<strong>de</strong>e no Brasil propiciou a formação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s latifúndios improdutivos.E a efetivação <strong>do</strong> sistema das capitanias não se fez senão pela concessãodas sesmarias. Relembre-se, mais uma vez: o capitão-mor <strong>de</strong>tinhapo<strong>de</strong>r político e não a plena proprieda<strong>de</strong> da área <strong>do</strong>ada. Aliás, era suaobrigação <strong>do</strong>ar sesmarias (não podia manter em seu po<strong>de</strong>r toda a área<strong>do</strong>ada) que, contu<strong>do</strong>, estavam sujeitas a encargo, pena <strong>de</strong> comisso.Advirta-se. Algumas áreas não se sujeitaram a tal sistema. <strong>São</strong>aquelas objeto <strong>de</strong> <strong>do</strong>ação — como em 1504 a Ilha <strong>de</strong> <strong>São</strong> João (hojeFernan<strong>do</strong> <strong>de</strong> Noronha) e aquelas <strong>do</strong>adas por Martim Afonso <strong>de</strong> Souzapor ocasião <strong>de</strong> sua expedição <strong>de</strong> 1532, antes, portanto, da instituição <strong>do</strong>regime <strong>de</strong> <strong>do</strong>natarias, em 1534. Consta da carta a ele dada por D. JoãoIII: “Dom João, por graça <strong>de</strong> Deus, Rei <strong>de</strong> Portugal e <strong>do</strong>s Algarves d’aqueme d’alem mar, em África senhor da Guiné, e da conquista, navegação,comércio da Ethiópia, Arábia, Pérsia e da Índia etc. A quantos esta minhacarta virem, faço saber que as terras que MARTIM AFONSO DESOUZA <strong>do</strong> meu Conselho, achar e <strong>de</strong>scobrir na terra <strong>do</strong> Brasil, on<strong>de</strong> oenvio por meu capitão-mor, que se possa aproveitar, por esta minha cartalhe <strong>do</strong>u po<strong>de</strong>r para que elle dito Martim Afonso <strong>de</strong> Souza possa dar àspessoas que consigo levar, e às que na dita terra quiserem viver e povoar,aquella parte das ditas terras que bem lhe parecer, e segun<strong>do</strong> lhe o merecerpor seus serviços e qualida<strong>de</strong>s, e das terras que assim <strong>de</strong>r às ditaspessoas lhes passará suas cartas, e que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>do</strong>us annos <strong>de</strong> data <strong>de</strong>cada hum aproveite a sua e que se no dito tempo assim não fizer, aspo<strong>de</strong>rá dar a outras pessoas para que as aproveitem, com a dita condição;e nas cartas que assim <strong>de</strong>r irá trasladada esta minha carta <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r parase saber a to<strong>do</strong> tempo como o fez por meu manda<strong>do</strong>, e lhe será229


JURISPRUDÊNCIAinteiramente guardada a quem a tiver: e porque me apraz, lhe man<strong>de</strong>ipassar esta minha carta por mim assinada e sellada com o meu sellopen<strong>de</strong>nte. Dada na villa <strong>do</strong> Crato da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Christo, a 20 <strong>de</strong> novembro.Francisco da Costa a fez, no anno <strong>do</strong> nascimento <strong>de</strong> Nosso SenhorJesus Christo <strong>de</strong> 1530 annos. Rei”. Diferem, portanto, as <strong>do</strong>ações assimfeitas daquelas posteriormente realizadas pela introdução <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong>capitanias, circunstância não percebida por muitos. Nestas se <strong>de</strong>via apenasaproveitar a terra no prazo fixa<strong>do</strong> (e só), enquanto nas <strong>de</strong>mais inúmerosoutros encargos se impunha.A introdução <strong>do</strong> Governo <strong>Geral</strong> ou modificações administrativasposteriores e mesmo a extinção <strong>do</strong> regime das capitanias não alterou aformação da proprieda<strong>de</strong>, pois as sesmarias continuaram a ser outorgadasaté 1822 (Resolução n. 76, já referida).Sem regulamentação a proprieda<strong>de</strong>, viveu-se perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> lacuna legal(verda<strong>de</strong>iro hiato, em que a única forma <strong>de</strong> acesso à proprieda<strong>de</strong> era atítulo <strong>de</strong> singela ocupação), provocan<strong>do</strong> verda<strong>de</strong>ira complexida<strong>de</strong> no sistema<strong>do</strong>minial; até que, em 1850, conheceu-se lei que tratou da matéria. Éa Lei n. 601, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1850, a primeira que, efetivamente,disciplinou a matéria sobre terras no Brasil.A propósito <strong>de</strong>sse hiato, escreveu <strong>Paulo</strong> Garcia: “Foi o apogeu daposse que, com o correr <strong>do</strong> tempo, passou a constituir mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> aquisição<strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio. Surgiu o sistema da ocupação. Nenhuma solicitação se faziaàs autorida<strong>de</strong>s administrativas. Foi o perío<strong>do</strong> da revanche, no qual otrabalha<strong>do</strong>r, o lavra<strong>do</strong>r, o roceiro, sempre esqueci<strong>do</strong>, sempre <strong>de</strong>sprotegi<strong>do</strong>,sempre relega<strong>do</strong>, procura fazer justiça pelas próprias mãos” (op. cit.,p. 23). (grifo <strong>do</strong> original).E já há tempos se procurava, <strong>de</strong>ntre os <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res, <strong>de</strong>finir o conceito<strong>do</strong> que seriam terras <strong>de</strong>volutas.M. P. Siqueira Campos (As terras <strong>de</strong>volutas entre os bens patrimoniais,p. 14), escrevia:“Daí se tira a conclusão <strong>de</strong> que terras <strong>de</strong>volutas são aquelas quevoltaram para o <strong>do</strong>mínio da nação, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> caducida<strong>de</strong> das230


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998concessões feitas, quer estivessem vagas, quer ocupadas. Acrescenotar que as terras que pertencem ao <strong>do</strong>mínio da nação não sãovagas no senti<strong>do</strong> jurídico <strong>do</strong> termo. E tanto não o são que Lafayette(Direito das cousas, § 33-A), tratan<strong>do</strong> da ocupação como meio <strong>de</strong>aquisição <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio das cousas sem <strong>do</strong>no ou que “foram aban<strong>do</strong>nadaspelo seu antigo <strong>do</strong>no” (vagas, portanto), excluiu <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong><strong>de</strong> aquisição “por pertencerem ao Esta<strong>do</strong>”, as terras <strong>de</strong>volutas (op.cit., § 36-D). E isso por que? Porque a Lei n. 601 <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> setembro<strong>de</strong> 1850, que criou e <strong>de</strong>finiu o instituto das terras <strong>de</strong>volutas“aboliu aquele costume e tornou <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> legitimação asposses adquiridas por ocupação primária ou havidas <strong>do</strong> primeiroocupante, até sua data. Lei n. 601, artigo 5º; Reg. n. 1.318, artigo24 (op. cit., nota I, <strong>do</strong> § 36-D).No mesmo senti<strong>do</strong> escrevia Teixeira <strong>de</strong> Freitas (Consolidação,3. ed., nota 19, <strong>do</strong> artigo 52). Afirmava que as terras públicas:“são as mesmas terras <strong>de</strong>volutas ou ainda agora <strong>de</strong>socupadas, oujá na posse <strong>de</strong> particulares”.Cabe, portanto, aqui lembrar que o artigo 1º da referida Lei n. 601/1850 dispunha que “ficam proibidas as aquisições <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas poroutro título que não seja a compra”, e que o artigo 2º, <strong>do</strong> Reg. n. 1.318, <strong>de</strong>1º <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1854 assinalava: “As pessoas estabelecidas <strong>de</strong>pois da publicação<strong>do</strong> presente regulamento não <strong>de</strong>vem ser respeitadas. Quan<strong>do</strong> osInspetores e Agrimensores encontrarem semelhantes posses, o participarãoaos Juizes Municipais para provi<strong>de</strong>nciarem na conformida<strong>de</strong> <strong>do</strong> artigo2º da Lei supra citada”.Em consequência <strong>de</strong> tais disposições, ensinava Lafayette (Pareceres,v. 1, p. 348):“A posse posterior ao Decreto n. 1.318 carece <strong>de</strong> legitimação, eque esta não se ten<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> em tempo hábil, a posse não é231


JURISPRUDÊNCIAlegítima, não po<strong>de</strong> mais ser legitimada; a terra ocupada não saiu <strong>do</strong>patrimônio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>”.Com a lei inviabilizou-se a aquisição <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas. Determinavao artigo 14 da Lei n. 601 que era requisito prévio da venda <strong>de</strong> lotes amedição, divisão e <strong>de</strong>marcação (e ainda <strong>de</strong>scrição), além <strong>de</strong> não haver nolitoral (on<strong>de</strong> se situava a maioria das pessoas interessadas) áreas disponíveis.A<strong>de</strong>mais, sujeitavam-se aos ônus constantes <strong>do</strong> artigo 16 <strong>do</strong> mesmodiploma.É também <strong>de</strong>ssa época o tão discuti<strong>do</strong> Registro Paroquial.Ocorre que as <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> posse que ali eram registradas não tinhamo condão <strong>de</strong> gerar <strong>do</strong>mínio, como se chegou — <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> nitidamenteequivoca<strong>do</strong> — a sustentar. Tais registros tinham efeitos meramente estatísticos.Claro, a propósito, o artigo 94 <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> Decreto n. 1.318:“... As <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> que tratam este e o artigo antece<strong>de</strong>nte nãoconferem direito algum aos possui<strong>do</strong>res”Aliás, era efetua<strong>do</strong> mediante <strong>de</strong>clarações <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong> (art. 93):“As <strong>de</strong>clarações para o registro serão feitas pelos possui<strong>do</strong>res, queas escreverão, ou farão escrever por outrem em <strong>do</strong>is exemplaresiguais, assinan<strong>do</strong>-os ambos, ou fazen<strong>do</strong>-os assinar pelo indivíduo,que os houver escrito, se os possui<strong>do</strong>res não souberem escrever”,ao qual não podia o vigário recusar, ainda que estranhasse a dimensão <strong>do</strong>imóvel (art. 102: “... se porém as partes insistirem no registro <strong>de</strong> suas<strong>de</strong>clarações pelo mo<strong>do</strong> por que se acharem feitas, os vigários não po<strong>de</strong>rãorecusá-las”). E para tanto cobrariam a razão <strong>de</strong> <strong>do</strong>is reais por letra (art.103, in fine).Com toda a razão, portanto, Altir <strong>de</strong> Souza Maia (Registro Paroquial,<strong>Revista</strong> <strong>de</strong> Direito Agrário, 1, arts., p. 5 e segs.), ao asseverar que,a rigor, nem mesmo posse era hábil tal registro a <strong>de</strong>monstrar.232


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998Daí porque já se <strong>de</strong>cidia no Tribunal <strong>de</strong> Apelação:“O registro <strong>do</strong> Vigário não é título <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio” (Acórdão n. 12.007— <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, v. 60, p. 86).No mesmo senti<strong>do</strong> o que vem <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> in <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais,v. 69, p. 616:“O registro paroquial <strong>de</strong> que trata o artigo 91 <strong>do</strong> Reg. n. 1.854tinha meros fins estatísticos, não sen<strong>do</strong> outra, por certo, a razãopor que Whitaker lhe nega o valor <strong>do</strong> jus in re (Terras, 3. ed., p.90, nota 2)”.Recentemente, o Egrégio Primeiro Tribunal <strong>de</strong> Alçada Civil <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, no julgamento da Apelação Cível n. 394.602-3, daComarca <strong>de</strong> El<strong>do</strong>ra<strong>do</strong> Paulista, en<strong>do</strong>ssou esse posicionamento (RT 664).O Egrégio Conselho Superior da Magistratura <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> —em sua jurisprudência administrativa — em mais <strong>de</strong> uma oportunida<strong>de</strong>ratificou a assertiva <strong>de</strong> que o Registro Paroquial não é título <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio(AC n. 993-0, da Comarca <strong>de</strong> Iguape, AC n. 3876-0, <strong>de</strong> Moji Mirim, e,recentemente, AC n. 13.148.0/5, da Comarca <strong>de</strong> Jundiaí, <strong>de</strong>ntre outras).Assim também recentemente se pronunciou referi<strong>do</strong> Colen<strong>do</strong>Órgão relativamente às cartas <strong>de</strong> sesmarias (AC n. 12.570.0/3, da Comarca<strong>do</strong> Guarujá).Não se <strong>de</strong>sconhece, e é preciso mencionar neste compasso, que emboranegan<strong>do</strong> valida<strong>de</strong> <strong>do</strong>minial a tal registro, algumas <strong>de</strong>cisões se orientaramno senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que evi<strong>de</strong>nciava ele posse apta a gerar <strong>do</strong>mínio . Isso,obviamente, em razão <strong>de</strong> legislação posteriormente surgida, e a qual, oportunamente,farei referência.Em continuida<strong>de</strong> ao breve relato, tem-se que as terras <strong>de</strong>volutas <strong>do</strong>Império, que por força das Leis ns. 2.672 e 3.348 <strong>de</strong> 1847 eram <strong>de</strong> <strong>do</strong>míniodas Províncias, por força da República, e com o advento da Constituição<strong>de</strong> 1891, passaram ao <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s.233


JURISPRUDÊNCIANo Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, a matéria esteve regulada pelas Leis ns. 323<strong>de</strong> 1895 (regulada pelo Decreto n. 734 <strong>de</strong> 1900) e 1.844 <strong>de</strong> 1921, pelosDecretos ns. 3.501 <strong>de</strong> 1922, 5.133 <strong>de</strong> 1931 e 6.473, <strong>de</strong> 1934.Este último merece especial atenção.É que nele se dispunha, em seu artigo 2º:“<strong>São</strong> terras particulares nos termos <strong>do</strong> artigo 1º, IV:a) as adquiridas por particulares por título legítimo obti<strong>do</strong> até 2 <strong>de</strong>agosto <strong>de</strong> 1878, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se data<strong>do</strong> o título <strong>de</strong> aquisição, separticular, <strong>do</strong> tempo em que, a seu respeito, se houver verifica<strong>do</strong>algum ato <strong>de</strong> fé irrecusável nos termos <strong>do</strong> direito;b) as apossadas por tempo não inferior a trinta anos, consuma<strong>do</strong>esse prazo até 2 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1889, não ten<strong>do</strong> o ocupante outrotítulo, senão sua ocupação”;c) as que ten<strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, até a promulgação <strong>do</strong> Código Civil, naposse mansa e pacífica <strong>de</strong> particulares, por tempo não inferior atrinta (30) anos, ten<strong>do</strong> nelas o possui<strong>do</strong>r cultura efetiva e moradahabitual” (os grifos são nossos).Tal legislação, repita-se, <strong>de</strong> cunho estadual.Paralelamente, e com o advento <strong>do</strong> Código Civil, vigente a partir <strong>de</strong>1º <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1917, começou-se a <strong>de</strong>finir a tese da imprescritibilida<strong>de</strong><strong>do</strong>s bens públicos, em face <strong>do</strong> que dispõe o artigo 67, <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> diploma.In verbis:“Os bens <strong>de</strong> que trata o artigo antece<strong>de</strong>nte só per<strong>de</strong>rão ainalienabilida<strong>de</strong>, que lhes é peculiar, nos casos e forma que a leiprescrever”.234


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998Ora, raciocinava-se, se o bem não po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a inalienabilida<strong>de</strong>, nãopo<strong>de</strong> ser objeto <strong>de</strong> usucapião, já que não po<strong>de</strong> sair <strong>do</strong> patrimônio públicopara o particular. A inalienabilida<strong>de</strong> impe<strong>de</strong> que o patrimônio se transfira<strong>de</strong> uma a outra pessoa.Ocorre que, com o advento <strong>do</strong> Decreto n. 22.785, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong>1933, que em seu artigo 2º dispunha não po<strong>de</strong>rem os bens públicos, qualquerque fosse sua natureza, ser objeto da usucapião, inúmeras <strong>de</strong>cisões<strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Apelação orientaram-se no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que tal <strong>de</strong>creto haviacria<strong>do</strong> direito novo.Reabriu-se a controvérsia acerca <strong>do</strong> assunto: seria mesmo direito novo,ou tinha o <strong>de</strong>creto função meramente interpretativa?Decidira, então, o Supremo Tribunal <strong>de</strong> Apelação:“Aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a que as dúvidas acerca da imprescritibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s benspúblicos <strong>de</strong>saparecem em face <strong>do</strong> artigo 2º, <strong>do</strong> Decreto n. 22.785,<strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1933, que <strong>de</strong>clarou não serem sujeitos ao mesmousucapião os bens públicos, sen<strong>do</strong> que tal disposição não é senãointerpretação <strong>do</strong> artigo 67 <strong>do</strong> Código Civil,...” (RE n. 2.755, in<strong>Revista</strong> Forense, v. 67, p. 94).É certo, e também não se <strong>de</strong>sconhece que mesmo no Pretório Excelsoa questão, posteriormente, também se tornou controvertida, existin<strong>do</strong><strong>de</strong>cisões nos <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s: a <strong>de</strong> que o Decreto n. 22.785 criou direitonovo, e <strong>de</strong> que é ele meramente interpretativo <strong>do</strong> artigo 67 <strong>do</strong> CódigoCivil.Feitas tais consi<strong>de</strong>rações, po<strong>de</strong>ríamos extrair as seguintes conclusões:a) o Registro Paroquial não é título <strong>do</strong>minial, servin<strong>do</strong>, porém,para comprovação da posse <strong>do</strong> <strong>de</strong>clarante, em algumashipóteses;235


JURISPRUDÊNCIAb) são terras particulares:b.1) aquelas com título <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio legítimo obti<strong>do</strong> até 2 <strong>de</strong> agosto<strong>de</strong> 1878;b.2) as apossadas por tempo não inferior a trinta anos, conta<strong>do</strong>esse prazo até 2 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1898, sem que haja outro título quenão a ocupação;b.3) as que estiverem na posse mansa e pacífica <strong>de</strong> particulares porprazo não inferior a 30 (trinta) anos, até a promulgação <strong>do</strong> CódigoCivil, ten<strong>do</strong> nelas o possui<strong>do</strong>r cultura efetiva e morada habitual;c) aquelas possuídas mansa e pacificamente por trinta anos, até apromulgação <strong>do</strong> Decreto n. 22.785, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1933, e, paraessa hipótese, admitida a tese da prescritibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s bens públicosmesmo após a promulgação <strong>do</strong> Código Civil, presentes, todavia,aqueles requisitos <strong>de</strong> cultura e moradia.Ressalte-se, todavia: esta interpretação (item “c”, acima) é a maisfavorável aos particulares. Em outras palavras, possível o usucapiãotrintenal se consuma<strong>do</strong> até 31 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1933. Não se perca, todavia,estar essa matéria sumulada pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (Súmulan. 340).Ocorre que, posteriormente, e em 6 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1945, surgiu — noEsta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> — o Decreto-Lei Estadual n. 14.916, que esten<strong>de</strong>u,ainda, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecimento <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio particular sobreáreas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> legitimação ou reconhecimento.Assim:“Artigo 2º - O Esta<strong>do</strong> reconhece e <strong>de</strong>clara como terras <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínioparticular in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> legitimação ou revalidação:236


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998a) as adquiridas <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a Lei n. 601, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong>1850, Decreto n. 1.318, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1854, e outras leis,<strong>de</strong>cretos e concessões <strong>de</strong> caráter fe<strong>de</strong>ral;b) as alienadas, concedidas ou como tais reconhecidas peloEsta<strong>do</strong>;c) as assim <strong>de</strong>claradas por sentença judicial com força <strong>de</strong> coisajulgada;d) as que na data em que entrar em vigor este Decreto-Lei se acharemem posse contínua e incontestável, com justo título e boa-fé,por termo não menor <strong>de</strong> vinte anos;e) as que na data em que entrar em vigor este Decreto-Lei se acharemem posse pacífica e ininterrupta por trinta anos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<strong>de</strong> justo título e boa-fé;f) ...Ressalvava o parágrafo único, <strong>do</strong> artigo 2º, <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> Decreto, quea liberalida<strong>de</strong> não se aplicava aos latifúndios.Esten<strong>de</strong>u, portanto, o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, ainda, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>reconhecimento <strong>de</strong> áreas como particulares, por força da posse (20 anoscom justo título até 1945, ou 30 anos, sem ele).E outorgou aos Municípios as terras <strong>de</strong>volutas <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> raio <strong>de</strong>8 km da se<strong>de</strong> (art. 4º, <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> Decreto n. 14.916 e Decreto-Lei Complementarn. 9, <strong>de</strong> 31.12.69 — Lei Orgânica <strong>do</strong>s Municípios).Recentemente, ainda, editou o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> o Decreton. 22.389, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1988, dispon<strong>do</strong> sobre a regularização <strong>de</strong>ocupação, que, todavia, não cabe <strong>de</strong>talhar.237


JURISPRUDÊNCIAOriente-se, portanto, como parâmetro final: sempre que <strong>de</strong> título justonão se dispuser, estiveram as ocupações — para reconhecimento <strong>de</strong> suavalida<strong>de</strong> aptas a gerar <strong>do</strong>mínio — vinculadas à moradia e cultura habituale limitadas pelas dimensões da área. Vale dizer, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então já se avizinhavaa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecimento da função social da proprieda<strong>de</strong>.Promulgada a Lei <strong>de</strong> Terras, <strong>de</strong>ver-se-ia ter inicia<strong>do</strong> processo paraseparação das terras particulares daquelas públicas. Dispunha o artigo 10,da Lei n. 601:“O Governo promoverá o mo<strong>do</strong> prático <strong>de</strong> extremar o <strong>do</strong>míniopúblico <strong>do</strong> particular, segun<strong>do</strong> as regras acima estabelecidas, incumbin<strong>do</strong>sua execução às autorida<strong>de</strong>s que julgar mais convenientes,ou a comissários especiais, os quais proce<strong>de</strong>rão administrativamente,fazen<strong>do</strong> <strong>de</strong>cidir por árbitros as questões e dúvidas <strong>de</strong>fato, e dan<strong>do</strong> <strong>de</strong> suas próprias <strong>de</strong>cisões recurso para o Presi<strong>de</strong>nteda Província, <strong>do</strong> qual o haverá também para o Governo”.Essa, por assim dizer, é a primeira lei que cui<strong>do</strong>u da discriminação <strong>de</strong>terras no Brasil.Entraves e dificulda<strong>de</strong>s por ela cria<strong>do</strong>s (medição, <strong>de</strong>marcação) tornaraminoperante o sistema. A rigor, portanto, somente a partir da Repúblicaé que cuidaram os Esta<strong>do</strong>s-membros <strong>de</strong> iniciar a extremação <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínioparticular daquele público.<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> parece ter si<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> que mais adiantou-se na tarefa. Jáno início <strong>do</strong> século foram tomadas inúmeras providências nesse senti<strong>do</strong>,sen<strong>do</strong> <strong>de</strong> se renovar lembrança à Lei n. 323, <strong>de</strong> 22.6.1895, e ao Decreton. 734, <strong>de</strong> 5.1.1900, a que já nos referimos.Cumpre ainda por ora consignar que tais disposições guardavamsintonia com a Lei <strong>de</strong> Terras (n. 601, <strong>de</strong> 1850), e previam discriminaçãoadministrativa, aos mol<strong>de</strong>s, aliás, <strong>do</strong> que dispunham os artigos 30 e seguintes<strong>de</strong> seu regulamento (n. 1.318, <strong>de</strong> 30.1.1854), através <strong>de</strong> JuízesComissários.238


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998A discriminação administrativa era aquela feita pelo ente Público e osparticulares interessa<strong>do</strong>s, que culminava com o reconhecimento (quan<strong>do</strong>o caso) <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio particular, e conseqüente formalização <strong>de</strong> títulos. NoEsta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, por exemplo, pelo Decreto n. 734/1900, a discriminaçãoadministrativa estava sujeita a homologação, embora haja entendimento<strong>de</strong> sua ineficácia (a propósito, cf. Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello,Terra <strong>de</strong>voluta, <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> Direito Imobiliário, v. 4, p. 57e segs.).Disse o Des. Euler Bueno no voto proferi<strong>do</strong> e transcrito na ACn. 254.716, da Comarca <strong>de</strong> Itanhaém, em 15 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1977: “poucoimporta que uma das mencionadas discriminatórias —a<strong>do</strong>18ºPerímetro<strong>de</strong> Peruíbe — se haja caracteriza<strong>do</strong> como meramente administrativa,nos termos <strong>do</strong> Regulamento Estadual n. 734, <strong>de</strong> 1900, cuja Decisão,apenas homologatória, não se valoriza com a força da coisa julgada;<strong>de</strong>sse processo administrativo também <strong>de</strong>corre uma presunção, juristantum, com a <strong>do</strong> registro imobiliário, que à autora cumpria enfrentarcom provas, que não completou”.Nada obstante, a discriminação administrativa tem si<strong>do</strong> contempladasucessivamente em diplomas legislativos, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se mencionar o Decreton. 9.760, <strong>de</strong> 5.9.1946, bem como a Lei vigente, que a mantém expressamente(Lei n. 6.383 <strong>de</strong> 7.12.76, art. 2º e segs). E <strong>de</strong>termina o artigo13 <strong>de</strong> tal diploma se promova ao registro (o registro <strong>de</strong> áreas discriminadasadministrativamente segue a regra constante da Lei n. 5.972, <strong>de</strong>11.12.73, <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> duvi<strong>do</strong>sa, porém, com as alterações <strong>de</strong>correntesda Lei n. 6.282, <strong>de</strong> 9.12.75). Bem por isso, aliás, tem ti<strong>do</strong> sua vigênciaprorrogada sucessivamente (Leis ns. 6.584, <strong>de</strong> 24.10.78 e 7.699 <strong>de</strong> 20.12.98— até 31.12.98).Tem essa discriminação, todavia, alcance limita<strong>do</strong>. É que presente adivergência entre o ente Público e o particular, a solução será o recurso àvia judicial. A<strong>de</strong>mais, não se po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> excluir <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário qualquerviolação <strong>do</strong> direito individual, não se excluiu a possibilida<strong>de</strong>, porexemplo, <strong>de</strong> questionar judicialmente a conclusão administrativa.239


JURISPRUDÊNCIAReafirma-se, portanto e novamente, o <strong>de</strong>scabimento <strong>de</strong> preliminar já afastada<strong>de</strong> coisa julgada. O título <strong>de</strong>corrente da ação judicial, este sim, nãoestá sujeito a tais limitações.A ação discriminatória foi o caminho utiliza<strong>do</strong> largamente pelo Esta<strong>do</strong><strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. Preferiu-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>do</strong> século, a via judicial para<strong>de</strong>sate da extremação <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio. Também o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Goiás, ao que sesabe, perfilhou idêntico caminho. Outros Esta<strong>do</strong>s teriam preferi<strong>do</strong> a venda,inclusive em hasta pública, ou reconheci<strong>do</strong> a valida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s títulos. Eoutros teriam omiti<strong>do</strong> a discussão <strong>do</strong>minial. De toda a sorte, a eficácia das<strong>de</strong>cisões assim proferidas é <strong>de</strong> capital importância para o registro, atéporque o título daí gera<strong>do</strong> é — uma vez inscrito — condição <strong>de</strong> disponibilida<strong>de</strong>das terras <strong>de</strong>volutas (assim <strong>de</strong>claradas por sentença), e, principalmente,o lastro da futura ação reivindicatória das áreas.É bem verda<strong>de</strong> que outrora se enten<strong>de</strong>u não ser necessário o prévioregistro das terras em favor <strong>do</strong> ente Público. Nem que se sustente serdispensável a exigência <strong>do</strong> registro imobiliário <strong>do</strong>s bens <strong>de</strong> uso comum <strong>do</strong>povo <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio público em razão <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>stinação (Hely Lopes Meirelles,Direito municipal brasileiro, 5. ed. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais,1985, p. 231). Ou que escapam ao registro os imóveis da União, Esta<strong>do</strong>s,Municípios e Territórios (Pontes <strong>de</strong> Miranda, Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito priva<strong>do</strong>,3. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Borsoi, 1971, v. 11, p. 219). Ou mesmo que o <strong>do</strong>míniopúblico não se confun<strong>de</strong> com a proprieda<strong>de</strong>, já que uma das formas dasoberania, e por isso não sujeita a registro (Valter Ceneviva, Manual <strong>do</strong>registro <strong>de</strong> imóveis, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Freitas Bastos, 1988, p. 53).Advertia porém <strong>Paulo</strong> Garcia: “Assim, enquanto tais formalida<strong>de</strong>snão se cumprirem, o Po<strong>de</strong>r Público não po<strong>de</strong>rá ven<strong>de</strong>r as terras. Se ofizer, estará agin<strong>do</strong> ilegalmente, pratican<strong>do</strong> um ato cuja nulida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ráser argüída por qualquer interessa<strong>do</strong>. As vendas <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas queos Esta<strong>do</strong>s estão fazen<strong>do</strong> a partir da data da publicação da Lei n. 3081,sem observância <strong>do</strong> que dispõe a lei, são ilegais”. (Terras <strong>de</strong>volutas, op.cit., p. 205). Dir-se-ia, a rigor, que antes mesmo assim já o era.240


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998Já porém <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a vigência <strong>do</strong> Decreto n. 14.916, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong>1945, tal <strong>de</strong>ver à Fazenda se impunha no Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> (art. 57). Ea Lei n. 3.081 espancou <strong>de</strong> vez qualquer discussão que ainda a respeito sepu<strong>de</strong>sse travar (art. 10).A atual — finalmente — Lei contém dispositivo ainda mais liberal:confere à <strong>de</strong>cisão judicial eficácia imediata (pois ao recurso atribui efeito<strong>de</strong>volutivo e permite a execução provisória [art. 21]) e atribui à <strong>de</strong>marcaçãoassim realizada “efeitos <strong>de</strong> registro, como título <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> (art.22). A <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a lei revogada já obe<strong>de</strong>cia aos dispositivos dalegislação processual comum. Impe<strong>de</strong> ela, ainda, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início até mesmo<strong>do</strong> processo administrativo, a prática <strong>de</strong> atos pelo Oficial <strong>de</strong> Registro<strong>de</strong> Imóveis relativamente àqueles bens que se situem — total ou parcialmente— <strong>de</strong>ntro da área discriminada (art. 16), inclusive com sanção penalao registra<strong>do</strong>r (parágrafo único).Embora se veja vantagem na edição <strong>de</strong> dispositivos que permitamuma rápida solução a tais ações [especialmente pelas inúmeras conseqüênciasfundiárias (em princípio <strong>de</strong>vem as terras <strong>de</strong>volutas — ou <strong>de</strong>veriam— art. 188, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral) — ser utilizadas para realizaçãoda chamada reforma agrária], po<strong>de</strong>m eles causar situações concretasirreversíveis, com dano irreparável.E mesmo a valida<strong>de</strong> da ca<strong>de</strong>ia <strong>do</strong>minial existente, como no caso concreto,apresenta também dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> outra natureza, porque, ao longo<strong>do</strong>s tempos, a prática <strong>do</strong> registro levou a situações <strong>de</strong> pouco controle.Lembra Afrânio <strong>de</strong> Carvalho, citan<strong>do</strong> Teixeira <strong>de</strong> Bastos e Lafayette,que no sistema da Lei n. 1.864, nem mesmo o princípio <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>era <strong>de</strong> ser observa<strong>do</strong>, pois quan<strong>do</strong> “se instituiu esse registro, para darpublicida<strong>de</strong> à transmissão e à oneração <strong>do</strong>s imóveis, ficaram isentos <strong>de</strong>leas transmissões causa mortis e os atos judiciais, por se enten<strong>de</strong>r que asprimeiras dispensavam a publicida<strong>de</strong> por não ensejarem frau<strong>de</strong>s e os segun<strong>do</strong>spor já a conterem em si mesmos em grau suficiente, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> aoformalismo que os cercava”. (Registro <strong>de</strong> imóveis, p. 306).241


JURISPRUDÊNCIAEra da Lei n. 1.237, <strong>de</strong> 24.9.1864, que o registro geral se <strong>de</strong>stinavaa transcrição (então efetuada no Livro 4, Transcrição das transmissões,com 900 ditas — art. 13) <strong>do</strong>s títulos da transmissão <strong>do</strong>s imóveissuscetíveis <strong>de</strong> hipoteca e a instituição <strong>de</strong> ônus reais, bem como à inscriçãoda hipoteca (art. 7º). E a transcrição aos atos entre vivos por títulooneroso ou gratuito (<strong>do</strong>s bens suscetíveis <strong>de</strong> hipoteca), assim como ainstituição <strong>do</strong>s ônus reais (art. 8º). Assim também o Decreto n. 3.452, <strong>de</strong>26.4.1865, que man<strong>do</strong>u observar o regulamento hipotecário, em seusartigos 256 (“Não opera seus efeitos a respeito <strong>de</strong> terceiros senão pelatranscrição e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a data <strong>de</strong>la a transmissão entre vivos por título onerosoou gratuito <strong>do</strong>s imóveis suscetíveis <strong>de</strong> hipoteca”) e 259 (“<strong>São</strong> sujeitosà transcrição para que possam valer contra os terceiros conforme os artigosantece<strong>de</strong>ntes; § 1º. A compra e venda pura ou condicional. § 2º. Apermuta. § 3º. A dação em pagamento. § 4º. A transferência que o sóciofaz <strong>de</strong> um imóvel à socieda<strong>de</strong> como contingente <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> social. § 5º. A<strong>do</strong>ação entre vivos. § 6º. O <strong>do</strong>te estima<strong>do</strong>. § 7º. Toda a transação a qualresulte a <strong>do</strong>ação, ou a transmissão <strong>do</strong> imóvel. § 8º. Em geral, to<strong>do</strong>s os<strong>de</strong>mais contratos translativos <strong>de</strong> imóveis susceptíveis <strong>de</strong> hipoteca). E rematavao artigo 260: “Não estão sujeitos à transcrição as transmissõescausa mortis ou por testamento, e nem também os atos judiciários”.Não lhe alterou o sistema o Decreto n. 169A, <strong>de</strong> 19.1.1890, queigualmente limitou a transcrição aos atos entre vivos (art. 8º) ou seuregulamento — Decreto n. 370, <strong>de</strong> 2.5.1890. As transcrições (agora já oLivro 3, conforme o art. 11), conforme o artigo 236 <strong>de</strong>stinavam-se a:§ 1º. A compra e venda pura ou condicional. § 2º. A permutação. § 3º. Adação em pagamento. § 4º. A transferência que o sócio faz <strong>de</strong> um imóvelà socieda<strong>de</strong> como contingente <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> social. § 5º. A <strong>do</strong>ação entre vivos.§ 6º. O <strong>do</strong>te estima<strong>do</strong>. § 7º. Toda a transação, da qual resulte a<strong>do</strong>ação, ou a transmissão <strong>do</strong> imóvel. § 8º. Em geral, to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>maiscontratos translativos <strong>de</strong> imóveis susceptíveis <strong>de</strong> hipoteca. E o artigo 237repetiu a regra: “Não estão sujeitos à transcrição as transmissões causamortis ou por testamento, e nem também os atos judiciários”.A alteração se <strong>de</strong>u com o revoga<strong>do</strong> Decreto n. 4.857 (art. 178,“b”, itens V, VI, VII, VIII, IX e X, com a redação que lhe <strong>de</strong>u o Decreton. 5.318, <strong>de</strong> 29.2.40).Parece em muito auxiliar a apreciação <strong>do</strong> feito, ainda, a questão relativaà natureza <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> aquisição da proprieda<strong>de</strong>. Via <strong>de</strong> regra, é ela242


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998originária ou <strong>de</strong>rivada. É mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> aquisição originária da proprieda<strong>de</strong>,segun<strong>do</strong> a lei civil (art. 530, II a IV), a acessão, a usucapião e o direitohereditário. E a estas po<strong>de</strong>-se, sem sombra <strong>de</strong> dúvida, acrescer a <strong>de</strong>sapropriaçãoe a discriminação das terras <strong>de</strong>volutas.Isso tenho salienta<strong>do</strong> em pareceres ofereci<strong>do</strong>s a propósito <strong>do</strong> tema,na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Juiz Auxiliar da Correge<strong>do</strong>ria <strong>Geral</strong> da Justiça. Tu<strong>do</strong> oque se colacionou acerca da formação da proprieda<strong>de</strong> imobiliária no Brasilleva à inegável conclusão <strong>de</strong> que as terras <strong>de</strong>volutas ou bem nunca entraramno <strong>do</strong>mínio particular ou bem <strong>de</strong>le se <strong>de</strong>spojaram pelo comisso[rectius: pensa particularmente este subscritor — ao menos atualmente,em posição, reconheça-se, não <strong>de</strong>finitivamente firmada — que as <strong>do</strong>ações<strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> regime das sesmarias não se assemelham ao quehoje se enten<strong>de</strong> por <strong>do</strong>ação modal (com encargo), ou que se trate <strong>de</strong>proprieda<strong>de</strong> resolúvel (pelo implemento — ou não — <strong>de</strong> algumas condições)].Aliás, e a rigor, seguramente os sesmeiros jamais cumpriram asobrigações que se lhes impunha a carta <strong>de</strong> sesmaria. Sem que o mérito sea<strong>de</strong>ntre <strong>de</strong> tais encargos (reconhecidamente <strong>de</strong> impossível cumprimento,em alguns casos), e em especial pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> futura confirmaçãodaquelas “dadas”, inclina-se a orientar posição no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que jamais<strong>do</strong>ação alguma se fez (salvo aquelas <strong>de</strong>correntes da Carta <strong>de</strong> D. João IIIa Martim Afonso <strong>de</strong> Souza, em 1530) — ou pelo menos se preten<strong>de</strong>ufazer. Limitaram-se a configurar elas meras concessões. Domínio priva<strong>do</strong>,a rigor, só se estabeleceu quan<strong>do</strong> outro foi o título (venda e compra,por exemplo).Constituem, assim, tais mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> aquisição, exceção à regra contempladano artigo 228 da Lei <strong>de</strong> Registro Públicos, segun<strong>do</strong> a qual a matrículaserá efetuada “mediante os elementos constantes <strong>do</strong> título apresenta<strong>do</strong>e <strong>do</strong> registro anterior nele menciona<strong>do</strong>”. <strong>São</strong> <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s os mo<strong>do</strong>s quesupõem a existência prévia <strong>do</strong> direito inscrito e sua transmissão. É o casotípico <strong>do</strong>s títulos <strong>de</strong> legitimação, bem como outros a ele assemelha<strong>do</strong>s.Bem <strong>de</strong> ver, portanto, que a discriminação é mo<strong>do</strong> originário, enquantoa legitimação é mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>riva<strong>do</strong> (como também a <strong>do</strong>ação, a vendae compra, a dação etc.). Lembra Jacy <strong>de</strong> Assis (Ação discriminatória. Rio<strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1978, p. 32):243


JURISPRUDÊNCIA“E por isso a sentença não atribuía <strong>do</strong>mínio algum ao autor dadiscriminatória; este preexistia à propositura da ação, e era <strong>de</strong>lapressuposto; era a eficácia <strong>de</strong>la meramente <strong>de</strong>claratória <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínioestatal” (grifo nosso).No mesmo senti<strong>do</strong> pronunciou-se Altir <strong>de</strong> Souza Maia:“... pois em realida<strong>de</strong> trata-se <strong>de</strong> ação tipicamente <strong>de</strong>claratória,positiva ou negativa; se o Juiz reconhece e <strong>de</strong>clara o <strong>do</strong>mínioestatal, obviamente afasta a pretensão <strong>do</strong> particular, ou, a contrariosensu, se reconhece e <strong>de</strong>clara o <strong>do</strong>mínio particular afasta apretensão estatal. Em ambas as hipóteses, a sentença não cria <strong>do</strong>mínioalgum, mas somente <strong>de</strong>clara o <strong>do</strong>mínio preexistente...” (Daação discriminatória, <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> Direito Agrário, INCRA, n. 4,p. 17 e segs). (grifos <strong>do</strong> original).Ora, se o esboço leva à inequívoca conclusão <strong>de</strong> que a discriminaçãoé mo<strong>do</strong> originário <strong>de</strong> aquisição da proprieda<strong>de</strong>, o registro <strong>do</strong> título <strong>de</strong>laexpedi<strong>do</strong> merece ingresso imediato no sistema predial. Se a <strong>de</strong>cisão concluiser <strong>de</strong>voluta a área, <strong>de</strong>strói — <strong>de</strong> pronto — título particular eventualmenteinscrito e antinômico. Vale dizer, não se sujeita o título judicialexpedi<strong>do</strong> em ação discriminatória aos princípios quer <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>,quer <strong>de</strong> especialida<strong>de</strong>.Daí <strong>de</strong>correr o cancelamento <strong>de</strong> simples <strong>de</strong>terminação <strong>do</strong> juízodiscriminatório, sen<strong>do</strong> efeito <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>.Nem há se perquirir, aqui, <strong>de</strong> eventuais limites subjetivos da coisajulgada, nas medida em que as legislações que cuidaram da matéria continhamdisposições expressas no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> serem convoca<strong>do</strong>s, por edital,to<strong>do</strong>s os interessa<strong>do</strong>s. Estes, aliás, <strong>de</strong>viam ocorrer ao chamamento. Assimos Decretos Fe<strong>de</strong>rais ns. 10.105, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1913, 10.320, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong>julho <strong>de</strong> 1913 (suspensos ambos, <strong>de</strong>pois, por aquele <strong>de</strong> n. 11.485, <strong>de</strong> 10<strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1945), a Lei Fe<strong>de</strong>ral n. 9.760, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1946, opróprio Decreto paulista n. 14.916, a Lei n. 3.081, <strong>de</strong> 22.12.56 eaLei244


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998vigente n. 6.383/76). Exceção só se fazia ao Decreto n. 1.318, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong>janeiro <strong>de</strong> 1854, que não previu o processo discriminatório, autorizan<strong>do</strong>apenas a medição das terras <strong>de</strong>volutas (art. 18), com possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reclamação<strong>do</strong>s proprietários ou posseiros (art. 19), mediante embargos aojuiz comissário.Ainda a propósito da Ação Discriminatória preleciona Mauro AfonsoBorges citan<strong>do</strong>, inclusive, Couture:“Meditan<strong>do</strong>, especificamente, sobre a discriminatória, po<strong>de</strong>mosassertar que ela não po<strong>de</strong> ser meramente <strong>de</strong>claratória. Essas açõesobjetivam, segun<strong>do</strong> os <strong>do</strong>utos, exclusivamente a <strong>de</strong>claração ou não<strong>de</strong> uma relação jurídica, ou <strong>de</strong> um fato jurídico, o que não ocorrena discriminatória, porque, tenha havi<strong>do</strong> ou não contestação, o ato<strong>de</strong>cisório que julga proce<strong>de</strong>nte a ação e, consequentemente, reconheceo <strong>do</strong>mínio estatal sobre o trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> terras, além <strong>de</strong> conteruma <strong>de</strong>claração, modifica a situação jurídica <strong>do</strong>s litigantes.Ambos pelejam como proprietários. Com a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> feito, aquiloque estava incerto, mal <strong>de</strong>limita<strong>do</strong>, torna-se bem caracteriza<strong>do</strong>,com lin<strong>de</strong>s precisos e estremes <strong>de</strong> dúvidas.Como magistralmente preleciona Couture: “En estos casos, el<strong>de</strong>recho preexiste, indudablemente, a la sentencia, y el juez seapresura a <strong>de</strong>clararlo. Pero es fallo hacer cesar su esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>in<strong>de</strong>terminación, sustituyén<strong>do</strong>lo por otro <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> y específico,regulan<strong>do</strong> las formas concretas <strong>de</strong> su ejercicio”. (Processojudicial da ação discriminatória. Belém: CEJUP, 1985, p. 49 esegs.).De tu<strong>do</strong> quanto previamente se trouxe aqui, como orientação para a<strong>de</strong>cisão, po<strong>de</strong>mos já chegar às seguintes conclusões:1. A origem da proprieda<strong>de</strong> brasileira remonta, a rigor, a sistema prece<strong>de</strong>nteaté mesmo à formação <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> português;245


JURISPRUDÊNCIA2. O sesmarialismo — <strong>de</strong>corrente da introdução <strong>do</strong> regime capitanial— instituí<strong>do</strong> no Brasil dissociou-se daquele existente em Portugal, <strong>de</strong> talsorte que, na quase totalida<strong>de</strong> das cartas respectivas não tem o condão <strong>de</strong>gerar direito real em favor <strong>do</strong> particular, e contribuiu — fundamentalmente— para a distorção fundiária que hoje se verifica;3. As cartas <strong>de</strong> sesmarias ou registros paroquiais [nem os que lhesejam filia<strong>do</strong>s] não são títulos que mereçam ingresso no sistema tabular,sugestivos, quan<strong>do</strong> muito, <strong>de</strong> simples posse <strong>de</strong> seu titular;4. Só é admissível a prescritibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bens públicos se anterior —na melhor das hipóteses — até a vigência <strong>do</strong> Decreto n. 22.785, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong>maio <strong>de</strong> 1933, e se se tratar <strong>de</strong> posse qualificada (ressalva<strong>do</strong> o usucapiãoespecial);5. A discriminação é mo<strong>do</strong> originário <strong>de</strong> aquisição da proprieda<strong>de</strong>,daí porque se dispensa o prévio cancelamento <strong>do</strong>s registros porventuraexistentes em favor <strong>do</strong>s particulares;6. Proce<strong>de</strong>nte a ação, a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> cancelamento <strong>de</strong>ve necessariamenteser <strong>de</strong>terminada pelo juízo discrimina<strong>do</strong>r, relativamente aos imóveisinsertos em área que se reconheceu <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio público;7. Por fim, a existência <strong>de</strong> imóvel inscrito, por força <strong>de</strong> usucapião ou<strong>de</strong>sapropriação, em favor da mesma pessoa jurídica <strong>de</strong> direito público,não é impeditiva <strong>do</strong> ajuizamento da ação discriminatória, resultan<strong>do</strong> efeitoapenas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m in<strong>de</strong>nizatória.Passo, agora, ao tema da li<strong>de</strong> principal.É matéria inconteste e, sem qualquer dúvida ou contrarieda<strong>de</strong>, a circunstância<strong>de</strong> que to<strong>do</strong>s os títulos apresenta<strong>do</strong>s pelos réus nos autos têmuma única filiação, e são <strong>de</strong>smembra<strong>do</strong>s <strong>do</strong> imóvel Fazenda Pirapó-SantoAnastácio, cujo registro tem origem em Registro Paroquial.246


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998Segun<strong>do</strong> a Fazenda, esse Registro Paroquial, leva<strong>do</strong> a efeito em <strong>São</strong>João Batista <strong>do</strong> Rio Ver<strong>de</strong>, hoje Itaporanga, é falso, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> falsificadaa letra e a firma <strong>do</strong> Frei Pacífico <strong>de</strong> Monte Falco, então vigário daquelaParóquia, cuja firma foi reconhecida, por abono, trinta anos após o seufalecimento, ou seja, 1893.Diz mais a Fazenda, ainda, que em outras ações discriminatórias,perícia gráfica realizada em <strong>do</strong>cumentos e livros referentes àquele registroparoquial, concluiu pela sua imprestabilida<strong>de</strong>, pois consta ali como posseiraAna Joaquina <strong>de</strong> Souza e não Antônio José <strong>de</strong> Gouveia. Salienta,ainda, que além da falsida<strong>de</strong> da aquisição originária, é sem valor a aquisição<strong>de</strong> Joaquim Alves <strong>de</strong> Lima, pois seu título aquisitivo não estava revesti<strong>do</strong>das formalida<strong>de</strong>s legais exigidas à época, pois ausente os reconhecimentosdas firmas e prova <strong>do</strong> pagamento da sisa. Aduz, também, que noinventário <strong>de</strong> Joaquim esse imóvel não foi objeto <strong>de</strong> partilha, pois nemmesmo referi<strong>do</strong> havia si<strong>do</strong>. Diz se tratar <strong>de</strong> “grilo”, já reconheci<strong>do</strong> porsentença <strong>de</strong>finitiva, inclusive pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (RecursoExtraordinário n. 6.097).Essas alegações são corretas e absolutamente proce<strong>de</strong>ntes. Toda aca<strong>de</strong>ia <strong>do</strong>minial <strong>do</strong>s imóveis insertos no perímetro discriminan<strong>do</strong> são fragmentaçõesda Fazenda Pirapó-Santo Anastácio, <strong>de</strong> sorte que sem valorjurídico.Em outras palavras, toda a ca<strong>de</strong>ia filiatória pa<strong>de</strong>ce <strong>de</strong> vício <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>absoluta, por força <strong>do</strong> princípio da continuida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s registros. Tal princípio,como salienta Afrânio <strong>de</strong> Carvalho (op. cit., p. 304):“... quer dizer que, em relação a cada imóvel, a<strong>de</strong>quadamenteindividua<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ve existir uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong>s à vista da qualsó se fará a inscrição <strong>de</strong> um direito se o outorgante <strong>de</strong>le aparecerno registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões,que <strong>de</strong>rivam uma das outras, asseguram sempre a preexistência <strong>do</strong>imóvel no patrimônio <strong>do</strong> transferente”247


JURISPRUDÊNCIAPois bem. Assenta<strong>do</strong> esse princípio <strong>de</strong> enca<strong>de</strong>amento, a<strong>de</strong>sconstituição <strong>do</strong> registro pretérito importa, automaticamente, no cancelamento<strong>do</strong>s que lhe são subsequentes e <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s.Não se <strong>de</strong>sconhece que essa prova não foi feita nestes autos. Mas játen<strong>do</strong> si<strong>do</strong> feita em várias outras ações discriminatórias, po<strong>de</strong> servir comoemprestada, até mesmo porque não fizeram quaisquer <strong>do</strong>s coréus prova<strong>de</strong> sua inveracida<strong>de</strong>.Pesem os argumentos colaciona<strong>do</strong>s com as inúmeras contestaçõesoferecidas, o certo é que a ca<strong>de</strong>ia <strong>do</strong>minial contém vício em sua origem,que se transfere e contamina to<strong>do</strong>s aqueles posteriores.O que todavia po<strong>de</strong>r-se-ia argumentar, admitia que é a tese daprescritibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s bens públicos anteriormente ao Código Civil, é <strong>de</strong>eventual <strong>do</strong>mínio particular por força da usucapião.Assim porque em relação a alguns <strong>do</strong>s adquirentes, po<strong>de</strong>r-se-ia imaginarjusto título, <strong>de</strong>corrente da presunção <strong>de</strong> eficácia <strong>do</strong> registro.Mas usucapião requer posse. É conheci<strong>do</strong> e antigo o adágio <strong>de</strong> que“sine possessione usucapio contigere non potest”.Exclui-se eventual posse <strong>de</strong> João Evangelista Lima junto ao JuizComissário <strong>de</strong> <strong>São</strong> José <strong>do</strong>s Campos Novos, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1886. Aliafirma que se encontra instalada com posse a cultura, mas seu pedi<strong>do</strong> foinega<strong>do</strong> pelo então Governa<strong>do</strong>r da Província, Pru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Morais, manifestasas irregularida<strong>de</strong>s. Jamais seria possível, àquela época, mantivesse,qualquer pessoa, posse sobre tão vasta e extensa área. Lembre-se queposse é fato. Nem se perca que a existência efetiva <strong>de</strong>ssas áreas e suaefetiva ocupação só começaram com expedições <strong>de</strong>sbrava<strong>do</strong>ras a partir<strong>de</strong> 1906. Tal a veracida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa assertiva que admitida até peloscontestantes (a propósito, cf. fls. 1655, 8. vol.). Se o rio ali indica<strong>do</strong> somentenessa época foi <strong>de</strong>scoberto, como po<strong>de</strong>riam ter os supostosproprietários sobre ele exerci<strong>do</strong> posse anteriormente?248


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998Isso também afasta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atribuir-se valida<strong>de</strong> à permutarealizada por João Evangelista <strong>de</strong> Lima e Manoel Pereira Goulart, cujalegitimação foi negada. Daí afastar-se reconhecimento ao registro feitoem 1908 na Comarca <strong>de</strong> Campos Novos <strong>de</strong> Paranapanema, nem mesmo asimples título <strong>de</strong> posse.Quer isto dizer que nem mesmo admitida a tese da prescritibilida<strong>de</strong><strong>do</strong>s bens públicos até a vigência <strong>do</strong> Decreto n. 22.785, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong>1933, e será possível a quaisquer <strong>do</strong>s contestantes <strong>de</strong>monstrar possetrintenária.Ora, se a posse não se <strong>de</strong>monstrou — a permitir eventual caracterização<strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio particular —eseatitulação das áreas pa<strong>de</strong>ce <strong>de</strong> vícioinsanável como já <strong>de</strong>monstrou a Fazenda, a única solução que resta mesmoem <strong>de</strong>cisão é concluir pela natureza <strong>de</strong>voluta das áreas em questão.Nem há se afirmar haja o Esta<strong>do</strong> permiti<strong>do</strong> a comprovação <strong>de</strong> posseem perío<strong>do</strong> posterior a esse já indica<strong>do</strong> (maio <strong>de</strong> 1933), por força <strong>do</strong> quedispõe o Decreto Estadual n. 14.916/45. Assim porque seu artigo 2º expressamenteexcluía <strong>de</strong>ssa possibilida<strong>de</strong> as áreas que constituíam latifúndios,como é o caso <strong>do</strong>s imóveis objeto <strong>de</strong>ssa ação discriminatória.Em outras palavras, e ressalva<strong>do</strong> o esforço e brilho das inúmerascontestações oferecidas, é o perímetro integralmente <strong>de</strong>voluto.De toda sorte passo ao exame <strong>de</strong> cada uma das <strong>de</strong>fesas apresentadas,ainda que sinteticamente, para que omissão não se alegue.Fls. 214. Imóveis to<strong>do</strong>s vincula<strong>do</strong>s àquele registro inváli<strong>do</strong>. Ausência<strong>de</strong> prova apta a gerar usucapião. A rigor referem registro da década <strong>de</strong>40. E remotamente aquele <strong>de</strong> número 740, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1892, <strong>de</strong>Campos Novos <strong>do</strong> Paranapanema, cuja valida<strong>de</strong> se afastou.Fls. 283. Examinada a titulação, verifica-se que a origem é a aquisição<strong>de</strong> João Evangelista <strong>de</strong> Lima , cuja valida<strong>de</strong> também já se excluiu.249


JURISPRUDÊNCIAFls. 326. É também título vincula<strong>do</strong> àquela transcrição acima indicada,incidin<strong>do</strong>, sobre ela, a mesma conclusão. Nem prova apta a usucapião seconseguiu <strong>de</strong>monstrar não obstante a extensão da <strong>de</strong>fesa. Respeitada aopinião constante <strong>do</strong>s substanciosos pareceres, a realida<strong>de</strong> é que o títulonão é hábil a revelar <strong>do</strong>mínio, sen<strong>do</strong> a aquisição, nitidamente, feita a não<strong>do</strong>mínio. Nem mesmo afasta o <strong>do</strong>cumento <strong>de</strong> fls. Ou mesmo aquele <strong>de</strong>fls. Note-se, outrossim, que nem a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> fls. afeta essa conclusão.Fls. 766. É o próprio contestante quem filia seus títulos às aquisiçõesjá inquinadas <strong>de</strong> nulas, sen<strong>do</strong> equivocada a conclusão <strong>de</strong> fls. Nem há sefalar em posse apta a gerar <strong>do</strong>mínio por força <strong>do</strong> Decreto n. 14.916, comose alegou, porque esse dispositivo não se aplicava aos latifúndios. E contratopara assentamento <strong>de</strong> imigrante não se presta a provar <strong>do</strong>mínio. Detoda sorte, a origem é sempre a mesma.Fls. 926. Reporta-se o contestante à contestação oposta por AgápitoLemos, já aqui apreciada ao início.Fls. 936. Aplicam-se aos imóveis ali consigna<strong>do</strong>s as mesmas restriçõesjá indicadas, a excluir <strong>do</strong>mínio. Assim também às fls.Fls. 1.000, 1.005, 1.009 e 1.014. As mesmas observações po<strong>de</strong>m serfeitas. Aliás, essas aquisições são mais recentes e a filiação remonta aomesmo título.Fls. 1.020. Essa aquisição é <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> outra já apreciada (Imobiliáriae Coloniza<strong>do</strong>ra Camargo Corrêa), o que impe<strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong>valida<strong>de</strong> aos títulos <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio ou reconhecimento <strong>de</strong> posse apta a gerar<strong>do</strong>mínio.Fls. 1.065. <strong>São</strong> várias aquisições também vinculadas àquela origem,cuja valida<strong>de</strong> se afastou. Prova <strong>de</strong> posse inexiste apta a gerar usucapião.250


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998Fls. 1.119. <strong>São</strong> os próprios contestantes que indicam tratar-se <strong>de</strong> aquisiçãovinculada à Fazenda Pirapó-Santo Anastácio, dispensan<strong>do</strong> renovação<strong>de</strong> argumentos.Fls. 1.163. A aquisição remonta à mesma origem, não servin<strong>do</strong>, a<strong>de</strong>cisão ali colacionada e proce<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, porque se referiaà divisão e <strong>de</strong>marcação, com embargos opostos. Solveu aquela <strong>de</strong>manda,assim, apenas relações entre particulares, sem que se apreciasse ounão o caráter <strong>de</strong>voluto. A simples afirmação <strong>de</strong> que Manoel Pereira Goulartera proprietário estava necessariamente vinculada à idêntica apreciaçãoda matéria <strong>de</strong>duzida. Isso não era o tema <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, pelo que coisa julgadainexiste. A<strong>de</strong>mais, e mesmo que o fosse, não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> a autora parte naação, os efeitos da <strong>de</strong>cisão não po<strong>de</strong>riam a ela ser opostos.Fls. 1.306. O fato <strong>de</strong> haver a Fazenda <strong>de</strong>sapropria<strong>do</strong> imóvel no perímetrodiscriminan<strong>do</strong>, não afasta a natureza eventualmente pública da área,como anteriormente já se expôs.Fls. 1.398. As alegações acerca da natureza particular e da eficácia<strong>do</strong> registro ali <strong>de</strong>duzidas, já se encontram suficientemente rebatidas pelosargumentos. A só inaplicabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s dispositivos <strong>do</strong> Decreto n. 14.916aos latifúndios, afasta tal incidência.Fls. 1.516. É a aquisição <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> outra já anteriormente indicada(Luis Prieto Fernan<strong>de</strong>s), renovan<strong>do</strong>-se os argumentos.Fls. 1.544. A <strong>de</strong>cisão ali colacionada não apreciou o mérito. Pelocontrário, concluiu pela carência, o que afasta a coisa julgada. E quantoao mérito, nada <strong>de</strong> novo foi colaciona<strong>do</strong> que já não estivesse com os argumentosanteriormente <strong>de</strong>duzi<strong>do</strong>s, excluí<strong>do</strong>.Fls. 1.559. É aditamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa já oferecida, com argumentos,embora respeitáveis, sem o condão <strong>de</strong> afastar a nulida<strong>de</strong> da aquisição originária<strong>de</strong> Manuel Goulart e sem elementos que permitam <strong>de</strong>monstrar251


JURISPRUDÊNCIAposse apta à usucapião, renovan<strong>do</strong>-se a assertiva da inaplicabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>Decreto n. 14.916, até porque se trata <strong>de</strong> latifúndio.Fls. 1.609. É também aditamento à contestação, com os mesmos argumentosora afasta<strong>do</strong>s. Domínio está excluí<strong>do</strong> por invalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> título eposse apta a gerar usucapião também.Fls. 1.646. Longe estão os <strong>do</strong>cumentos <strong>de</strong> fls. <strong>de</strong> revelar posseválida.Fls. 1.687. A matéria já foi apreciada, pois se trata <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong>rivada(Luis Prieto Fernan<strong>de</strong>s), sen<strong>do</strong> renova<strong>do</strong>s os óbices já colaciona<strong>do</strong>s.Fls. 1.703 e 1.706. Aquisições <strong>de</strong>rivadas, uma das quais <strong>de</strong> merocompromissário compra<strong>do</strong>r, sem que se houvesse <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> título váli<strong>do</strong>ou posse hábil a gerar usucapião. O mesmo se diga em relação a fls.Fls. 1.847. <strong>São</strong> <strong>do</strong>cumentos junta<strong>do</strong>s referentes à Fazenda RibeirãoBonito, acompanhada <strong>de</strong> quadro sinótico <strong>de</strong> fls., mas que não comprovamposse. Relembre-se que posse é fato e isso em tempo algum se <strong>de</strong>monstrou,ao menos em prazo apto a gerar a usucapião.Fls. 2.089. Renova a contestante <strong>do</strong>cumentação já anteriormente oferecida,nada colacionan<strong>do</strong> <strong>de</strong> novo que pu<strong>de</strong>sse alterar as conclusões sobrea natureza <strong>de</strong>voluta da área em questão.Fls. 2.120. É a aquisição <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> outra já apreciada anteriormentenesta <strong>de</strong>cisão, e com origem nas mesmas transcrições inquinadas <strong>de</strong>nulida<strong>de</strong>. O mesmo se diga em relação aos co-réus <strong>de</strong> fls.Fls. 2.178. Referida co-ré transacionou com a Fazenda Pública. Masem relação à porção menor que outorgou posse a esta, é inequívoca tambéma natureza <strong>de</strong>voluta, seja pela nulida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s títulos e <strong>do</strong>mínio, sejapela ausência <strong>de</strong> posse apta a gerar usucapião.252


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998Fls. 2.202. É aquisição <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> outra já apreciada anteriormente,renovan<strong>do</strong>-se os argumentos. O mesmo se diga em relação aos contestantes<strong>de</strong> fls.Fls. 2.289. A aquisição <strong>de</strong>corre daquela anteriormente feita por EnioPipino & Carvalho, cuja contestação fora apresentada e o teor da <strong>de</strong>fesa jáafasta<strong>do</strong> também <strong>do</strong> curso <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>cisão.Fls. 2.338. As aquisições <strong>de</strong>rivam daquela feita por Socieda<strong>de</strong>Anonyma Companhia Imobiliária e Agrícola Sul Americana, que já ofereceraa <strong>de</strong>fesa, sem que <strong>de</strong>monstrasse título hábil ou posse apta a gerarusucapião. Aliás, a transcrição originária <strong>de</strong> referida socieda<strong>de</strong> é <strong>de</strong> 1936,posterior até mesmo ao Decreto n. 22.785/33.Fls. 2.412. Os contestantes adquiriram o imóvel, que, anteriormente,é filia<strong>do</strong> à transcrição da Companhia Sul Americana. Valem, portanto, osmesmos argumentos já colaciona<strong>do</strong>s, renovan<strong>do</strong>-se em face <strong>de</strong> alegação,por mais uma vez, a inaplicabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Decreto n. 14.916 aos latifúndios.O mesmo se diga em relação aos contestantes <strong>de</strong> fls.Fls. 2.451. A aquisição é <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> outras já afastadas na <strong>de</strong>cisão, oque dispensa renovação <strong>de</strong> argumentos. Remotamente, vincula-se àstranscrições cujos antigos titulares já haviam contesta<strong>do</strong> anteriormente opedi<strong>do</strong>.Fls. 2.541. A prova da filiação revela aquisição <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> outras jáafastadas no curso da sentença, o que impe<strong>de</strong> se reconheça sobre as áreasem questão <strong>do</strong>mínio particular.Fls. 2.636. A interessada é sucessora <strong>de</strong> Antônio Viana Silva, cujacontestação e argumento já foram aprecia<strong>do</strong>s.Fls. 2.657. É também parte da área <strong>de</strong> Antônio Viana Silva, dispensan<strong>do</strong>novas consi<strong>de</strong>rações. O mesmo se diga em relação a fls. (cuja prova<strong>de</strong> posse, em tempo algum se mostra hábil a gerar usucapião).253


JURISPRUDÊNCIAFls. 2.722. Os contestantes têm aquisição <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> outras já apreciadasnos autos, o mesmo caben<strong>do</strong> afirmar em relação àquela <strong>de</strong> fls.Fls. 2.784. É aquisição remotamente oriunda daquela feita pela CompanhiaSul Americana, o que dispensa reiteração.Fls. 2.719, 2.807, 2.816, 2.865, 2.899 e 2.910. To<strong>do</strong>s sucessores <strong>de</strong>Antônio Viana Silva, dispensan<strong>do</strong> novas consi<strong>de</strong>rações.Fls. 2.940. <strong>São</strong> aquisições <strong>de</strong>rivadas da mesma Companhia Sul Americana,dispensan<strong>do</strong> se renovem os argumentos que afastam <strong>do</strong>mínio particular.O mesmo se diga em relação aos contestantes <strong>de</strong> fls.Fls. 3.018, 3.047, 3.064 e 3.089. <strong>São</strong> aquisições também <strong>de</strong>correntesdaquela realizada pela Companhia Sul Americana, renovan<strong>do</strong>-se os argumentos.Fls. 3.307. O próprio teor da <strong>de</strong>fesa afasta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se reconhecer<strong>do</strong>mínio particular sobre a área. E renova-se que o Decreton. 14.916, a chamada Lei Morato, não se aplica aos latifúndios.Fls. 3.349. Superadas as preliminares, já anteriormente apreciadas, aalegação <strong>do</strong> mérito já está afastada no corpo <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>cisão. A invalida<strong>de</strong><strong>do</strong>s títulos é incontroversa e posse apta a gerar usucapião inexiste, pese oesforço da brilhante <strong>de</strong>fesa. É <strong>de</strong> se lembrar que a presunção <strong>de</strong>corrente<strong>do</strong> registro é relativa e não absoluta, pelo que po<strong>de</strong> ser afastada diante daprova <strong>de</strong> melhor direito.Fls. 3.405 e 3.541. Os contestantes são sucessores <strong>de</strong> Peter Sykora,<strong>de</strong> sorte que a <strong>de</strong>fesa já foi anteriormente apreciada, nada haven<strong>do</strong>a acrescentar.Fls. 3.583. O contestante tem sua aquisição vinculada a outra já apreciadae, a rigor, nessa peça ataca, em aditamento, questões meramenteprocessuais.254


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998Todas as contestações até aqui referidas são anteriores ao primitivojulgamento <strong>do</strong> processo. Passo agora ao exame, também, daquelas posteriores,<strong>de</strong>correntes da adaptação <strong>de</strong>terminada em razão da <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong>Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, e que foram juntadas a partir da audiência<strong>de</strong> fls.Designada audiência <strong>de</strong> instrução e julgamento, positivou-se irregularida<strong>de</strong>haven<strong>do</strong> <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> nova publicação <strong>do</strong>s editais, em atendimentoàs postulações formuladas e, realiza<strong>do</strong> o ato, seguiram-se <strong>de</strong>fesas.Fls. 4.511. Renovam os interessa<strong>do</strong>s as preliminares, to<strong>do</strong>s já afastadas,asseveran<strong>do</strong>, acerca <strong>do</strong> mérito, haver o Esta<strong>do</strong> reconheci<strong>do</strong> <strong>do</strong>mínioparticular. A discriminação ali colacionada é administrativa, já ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong>a matéria afastada nesta <strong>de</strong>cisão.Quanto à alegação <strong>de</strong> que o Esta<strong>do</strong> recebeu os valores relativos aosimpostos <strong>de</strong> transmissão, reconhecen<strong>do</strong>, pois, <strong>do</strong>mínio particular, é conclusãoequivocada. Presente a existência <strong>de</strong> registros em nome <strong>do</strong>s particulares(e pouco importa aqui saber se o início da ca<strong>de</strong>ia filiatória eraregular ou não, ao menos para efeito <strong>de</strong> solução <strong>de</strong>ssa alegação), disso<strong>de</strong>corria presunção <strong>de</strong> eficácia, pelo que não se po<strong>de</strong>ria obstar que osinteressa<strong>do</strong>s transferissem eventuais direitos que ostentavam, ao menosex tabula. Não haveria como, sem or<strong>de</strong>m judicial, impedir a autora que astransferências se operassem. O fato <strong>de</strong> haver recebi<strong>do</strong> os tributos relativoslhe era compulsória e disso não se extrai a conclusão <strong>de</strong> que reconheceu<strong>do</strong>mínio particular. Até porque no momento <strong>do</strong> recolhimento <strong>de</strong>sses tributos,nenhuma apreciação po<strong>de</strong>ria mesmo a Fazenda efetuar. Aliás, bastavaao interessa<strong>do</strong> — ou ao próprio notário — promover esse pagamento,muitas vezes diretamente, sem qualquer tipo <strong>de</strong> intervenção.O que disso <strong>de</strong>corre (e tanto é circunstância diversa) é permitir-seaos interessa<strong>do</strong>s, respeita<strong>do</strong> o limite prescricional, repetir da Fazenda oque in<strong>de</strong>vidamente recolheram. E não extrair a conclusão <strong>de</strong> que reconheceua Autora a existência <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio particular.255


JURISPRUDÊNCIAE o mais alega<strong>do</strong> já se encontra aprecia<strong>do</strong> no corpo da <strong>de</strong>cisão.Fls. 4.637, 4.662, 4.679, 4.708, 4.722, 4.739, 4.753, 4.769, 4.803,4.808, 4.822, 4.839 e 4.857: são todas contestações em ratificação àquelajá oferecida a fls., já apreciada, renovan<strong>do</strong>-se, em relação a elas, os argumentosjá ofereci<strong>do</strong>s.Fls. 4.876. As preliminares <strong>de</strong> incompetência ali formuladas já foramafastadas. O mesmo se diga em relação àquela <strong>de</strong> coisa julgada, <strong>do</strong> mesmomo<strong>do</strong>. No mérito, alega que a existência <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio particular <strong>de</strong>corre<strong>do</strong>s registros, pelo que <strong>do</strong>mínio público não há. Pese a referência a princípiosregistrais, a presunção <strong>de</strong>le <strong>de</strong>corrente não é absoluta, mas relativa,visto haver a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> o sistema registral brasileiro àquele francês e nãoalemão, <strong>de</strong> sorte que a presunção é passível <strong>de</strong> ser afastada, diante <strong>de</strong>melhor direito. Nem revelam tais contestantes aquela posse trintenal aptaa gerar usucapião <strong>de</strong> bens públicos. Até porque, repita-se e insista-se pormais uma vez, toda a filiação da área em questão tem origem viciada,como amplamente a Fazenda tem <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> em outras açõesdiscriminatórias e também nessa, por prova emprestada.O <strong>do</strong>mínio não é particular, seja pela ilegitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s registros, sejapela ausência <strong>de</strong> prova <strong>de</strong> posse apta a permitir a usucapião.Fls. 5.249, 5.251 e 5.252: traduzem mera ratificação <strong>de</strong> contestaçãoanteriormente oferecida e já afastada.Fls. 5.253. Renova<strong>do</strong>s os argumentos quanto ao mérito, verifica-seque o imóvel (Fazenda Quatá), remotamente, é filia<strong>do</strong> à aquisição feitapela Companhia Sul Americana e cuja invalida<strong>de</strong>, por mais uma vez, já foiafirmada. É portanto, <strong>de</strong>voluto.Fls. 5.269. É ratificação <strong>de</strong> contestação que já ofereceram tais interessa<strong>do</strong>sem outra oportunida<strong>de</strong>, aditada com pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização. Aspreliminares ali argüidas já foram afastadas.256


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998E <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização não cabe cogitar nesta oportunida<strong>de</strong>. Ainda quereconheci<strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio público, somente após regular registro da área emnome da Fazenda po<strong>de</strong>rá ela reivindicar. Neste pedi<strong>do</strong>, então, é que discutiráacerca <strong>de</strong> eventual in<strong>de</strong>nização.Fls. 5.274. As preliminares <strong>de</strong> coisa julgada, carência e prescrição jáforam afastadas e não revela ali o interessa<strong>do</strong> por si ou antecessores, posseapta a gerar a usucapião.Fls. 5.283: Referida contestante transacionou com a autora, <strong>de</strong> sorteque a matéria alegada nessa contestação está prejudicada.Fls. 5.289: As preliminares ali colacionadas já foram afastadas, nãohaven<strong>do</strong> se falar em prescrição, quer extintiva quer aquisitiva. Renove-seque a transcrição <strong>de</strong> 1902 não <strong>de</strong>monstra, isoladamente, posse. Reafirmese,e mais uma vez ainda, que posse é fato e jamais po<strong>de</strong>ria Manuel PereiraGoulart ter, efetivamente, exerci<strong>do</strong> posse sobre tão extensa área <strong>de</strong> terras.E quanto à legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio, embora respeita<strong>do</strong>s os substanciososargumentos ali colaciona<strong>do</strong>s, sucumbe à melhor apreciação, <strong>de</strong>monstradajudicialmente a invalida<strong>de</strong> da origem.Fls. 5.366. Os argumentos ali colaciona<strong>do</strong>s são absolutamente idênticos.E quanto ao mais que ali se noticia, em especial a ação e divisão entreas Companhias <strong>do</strong>s Fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, União e Esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Paranáe Mato Grosso, por óbvio, não tem o efeito que se preten<strong>de</strong> dar. Primeiro,porque na ação divisória e <strong>de</strong>marcatória não se discute a valida<strong>de</strong> <strong>do</strong>stítulos senão para efeito <strong>de</strong> sua extensão. Segun<strong>do</strong>, e mesmo que assimnão fosse, não foi a autora parte em referida ação, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que não po<strong>de</strong>ser atingida pelos efeitos da <strong>de</strong>cisão, pois além <strong>do</strong>s limites subjetivos dacoisa julgada.Fls. 5.744, 5.778. <strong>São</strong> ratificações <strong>de</strong> contestações anteriormenteoferecidas, com preliminares também já apreciadas, ausentes novos argumentosque mereçam apreciação.257


JURISPRUDÊNCIAOs memoriais ofereci<strong>do</strong>s pelas partes reiteram anterioresposicionamentos já firma<strong>do</strong>s em contestação, sen<strong>do</strong> pois <strong>de</strong>snecessáriovoltar a rebatê-los.Preclusa a prova testemunhal por força da <strong>de</strong>cisão proferida emaudiência realizada em 30.11.1989, seguiram-se, a partir <strong>de</strong> então, exclusivamenteas <strong>de</strong>nunciações, com novas <strong>de</strong>nunciações daí <strong>de</strong>correntes.DENUNCIAÇÃO DA LIDEPasso, finalmente, ao exame da Li<strong>de</strong> Secundária.Conquanto hajam si<strong>do</strong> provi<strong>do</strong>s os agravos interpostos contra <strong>de</strong>cisõesque in<strong>de</strong>feriram as <strong>de</strong>nunciações, volto a ressalvar o posicionamento<strong>de</strong> que é ele incabível em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação discriminatória.Quer parecer que a pretexto <strong>de</strong> se garantir eventual direito <strong>de</strong> regressopela perda da coisa (evicção), antecipou-se o conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssadiscussão.Não se <strong>de</strong>sconhece que a ação discriminatória tem, efetivamente,natureza real. Ou mesmo que em razão <strong>de</strong>la possa ocorrer a perda<strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio.Em princípio, portanto, seria cabível. No dizer <strong>de</strong> Pontes <strong>de</strong> Miranda:“Riscos da evicção são os riscos da perda da coisa ou <strong>do</strong> direitoreal, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentença. Na espécie, risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r aproprieda<strong>de</strong>, ou a posse, ou a tença, ou o direito real, quan<strong>do</strong> ojuiz proferir a sentença em que o litis<strong>de</strong>nunciante é réu”. (Comentários...,2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, v. 2, p. 182).Todavia, na ação discriminatória nenhuma execução se fará, senão aextremação das áreas <strong>de</strong>claradas <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio público. Para eventualmente258


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998imitir-se na posse, <strong>de</strong>verá a autora reivindicar as áreas que enten<strong>de</strong>r a<strong>de</strong>quadas.Daí que melhor se afeiçoa ao exercício <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> regresso queele se efetive na oportunida<strong>de</strong> da reivindicação.Nem se perca, outrossim, que embora nestes autos <strong>de</strong>ferida a<strong>de</strong>nunciação da li<strong>de</strong>, a matéria não é absoluta e tranqüila.Tramitan<strong>do</strong> perante a Comarca <strong>de</strong> Teo<strong>do</strong>ro Sampaio semelhante pedi<strong>do</strong>discriminatório, e aprecian<strong>do</strong> igual pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciação, contrariamentejá <strong>de</strong>cidiu o próprio E. Primeiro Tribunal <strong>de</strong> Alçada.No julgamento <strong>do</strong> Agravo <strong>de</strong> Instrumento n. 397.334/2, da Comarcareferida, Relator o Juiz Castilho Barbosa (em 4.10.88), restou expressoque:“É razoável, outrossim, o entendimento <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>nunciação dali<strong>de</strong> não teria cabimento dada a natureza meramente <strong>de</strong>claratóriada ação discriminatória; e obrigatória, com certeza, não é, vistoque, por ora, não há qualquer reivindicação da área, o que po<strong>de</strong>ráocorrer posteriormente, uma vez <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> o caráter <strong>de</strong> terra<strong>de</strong>voluta. Daí a inexistência <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> regresso. Apropósito, confira-se a seguinte jurisprudência: “O direito que oadquirente per<strong>de</strong>, nos termos <strong>do</strong> artigo 1.116 <strong>do</strong> Código Civil, quan<strong>do</strong>não <strong>de</strong>nuncia o litígio ao alienante, éo<strong>de</strong>tornar inexeqüível,contra este a sentença con<strong>de</strong>natória. Mas não fica impedi<strong>do</strong> <strong>de</strong>pedir, em ação própria, in<strong>de</strong>nização por perdas e danos contra quemlhe ven<strong>de</strong>u coisa alheia” (Alexandre <strong>de</strong> Paula, O processo civil àluz da jurisprudência, n. 2.053) (grifos não constam <strong>do</strong>original).Acrescente-se, a<strong>de</strong>mais, que a razão <strong>de</strong> ser <strong>do</strong> dispositivo que autorizaa <strong>de</strong>nunciação é, sem dúvida, a economia processual.259


JURISPRUDÊNCIAPois bem. Se a reivindicação só posteriormente se fará, certamentenessa oportunida<strong>de</strong> é que a matéria <strong>de</strong>verá ser <strong>de</strong>batida. A discussão aquié <strong>de</strong>nonada.A rigor, seria caso <strong>de</strong> se julgar extinto os pedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciação, atémesmo por ausência <strong>de</strong> interesse processual, entendi<strong>do</strong> este como a necessida<strong>de</strong>e a<strong>de</strong>quação <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong>. Em outras palavras, e inexistin<strong>do</strong> areivindicação, não haveria como, nestes autos, exercer qualquer direito <strong>de</strong>regresso.Todavia, reconheci<strong>do</strong> o <strong>do</strong>mínio público sobre to<strong>do</strong> o perímetro discriminan<strong>do</strong>e, como conseqüência, isso possibilitará o cancelamento <strong>do</strong>sregistros existentes em nome <strong>do</strong>s particulares, por certo per<strong>de</strong>rão o <strong>do</strong>mínio,embora não a posse.Isso traduz, necessariamente, uma diminuição patrimonial, até porqueestarão impedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> dispor da coisa. Quan<strong>do</strong> muito, po<strong>de</strong>rãotransacionar a posse que lhes restou.Ressalve-se, <strong>de</strong> toda sorte: a evicção é o direito <strong>de</strong> haver <strong>do</strong> alienanteo valor da coisa perdida, com os consectários respectivos. Se a extensão<strong>de</strong>ssa perda só se avaliará no pedi<strong>do</strong> reivindicatório, não há como mensurar,em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciação, quanto <strong>de</strong>verão os <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong>s ressarcir.Mas não <strong>de</strong>sconhecen<strong>do</strong> o entendimento <strong>de</strong> que o não exercício <strong>de</strong>ssedireito po<strong>de</strong>ria conduzir à sua perda, diante da interpretação que se temda<strong>do</strong> à expressão obrigatória (constante <strong>do</strong> art. 70, <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> ProcessoCivil), melhor é não concluir pela extinção.Salienta Pontes <strong>de</strong> Miranda que:“Se o réu não <strong>de</strong>nunciou à li<strong>de</strong> o alienante em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> ação<strong>de</strong> reivindicação (art. 70, I), há preclusão <strong>de</strong> seu direito à evicção”.(op. cit., p. 180).260


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998No mesmo senti<strong>do</strong> Celso Agrícola Barbi (Comentários..., Rio <strong>de</strong> Janeiro:Forense, v. 1, t. 2, p. 344), que, após criticar a expressão utilizada,conclui que“... a falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciação nos casos previstos no artigo 70 leva àperda <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> garantia ou <strong>de</strong> regresso”.Com essas consi<strong>de</strong>rações, o julgamento das li<strong>de</strong>s secundárias limitarse-á,exclusivamente, a ressalvar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>nunciaçãoseja novamente formulada quan<strong>do</strong> reivindicada a coisa. Em outras palavras,afastar a alegação <strong>de</strong> que <strong>de</strong>caíram <strong>do</strong> direito por não o haveremexerci<strong>do</strong>.Volto a insistir que a <strong>de</strong>nunciação, nesta ação discriminatória, é <strong>de</strong>to<strong>do</strong> ina<strong>de</strong>quada e, concretamente, <strong>de</strong> nenhum efeito.Baliza<strong>do</strong> o julgamento por essas premissas, só seriam improce<strong>de</strong>ntesas <strong>de</strong>nunciações quan<strong>do</strong> o título aquisitivo excluísse, eventualmente, responsabilida<strong>de</strong>spela evição. E, como lembra Sidney Sanches:“No Direito Civil Brasileiro, a responsabilida<strong>de</strong> pela evicção existesempre para o transmitente <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio, <strong>de</strong> posse ou <strong>de</strong> uso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>que se trate <strong>de</strong> contrato oneroso (art. 1.107), a menos que hajacláusula excluin<strong>do</strong> a garantia. E, mesmo nesse caso, o evicto tem odireito à restituição <strong>do</strong> preço, que pagou pela coisa evicta, se nãosoube <strong>do</strong> risco da evicção, ou, <strong>de</strong>le informa<strong>do</strong>, o não assumiu(art. 1.108)”. (Denunciação da li<strong>de</strong> no direito processual brasileiro,<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, p. 71)E nenhum <strong>do</strong>s contestantes <strong>de</strong>monstrou a exclusão <strong>de</strong>ssa responsabilida<strong>de</strong>,<strong>de</strong> sorte que são parcialmente proce<strong>de</strong>ntes as <strong>de</strong>nunciaçõesformuladas. Parcialmente porque, reinsista-se, a extensão ou eventual valor<strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação <strong>do</strong>s <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong>s não po<strong>de</strong> ser apura<strong>do</strong> nesta ação.Limitar-se-á a procedência parcial da <strong>de</strong>nunciação, portanto, a garantiro exercício <strong>de</strong>sse direito <strong>de</strong> regresso na ação reivindicatória (e mais261


JURISPRUDÊNCIAuma vez se afirma a inutilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>nunciação, en<strong>do</strong>ssan<strong>do</strong> posicionamentocontrário a ela, porque disso não necessitariam os <strong>de</strong>nunciantes, na medidaem que, quan<strong>do</strong> reivindicada a coisa, po<strong>de</strong>riam exercer esse direito).Aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, <strong>de</strong>starte, a que dúvidas po<strong>de</strong>riam surgir nessa oportunida<strong>de</strong>,melhor <strong>de</strong>ixar esse direito aqui expressamente ressalva<strong>do</strong>.Finalmente, po<strong>de</strong>r-se-ia questionar se é cabível ou não na presenteação a discussão sobre a natureza da posse exercida pelos particulares.Assim para os efeitos <strong>de</strong> que dispõe os artigos 510 e 511 <strong>do</strong> CódigoCivil.Acentua<strong>do</strong>, porém, que nesta ação não po<strong>de</strong>rá a Fazenda reivindicara área, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> fazê-lo mediante ação autônoma, certamente àquela oportunida<strong>de</strong>relegar-se-á tal apreciação.Atente-se, <strong>de</strong> toda sorte: ajuizada a ação discriminatória, ao menosem relação àqueles que adquiriram os imóveis posteriormente, é poucorazoável a alegação <strong>de</strong> que a posse, eventualmente <strong>de</strong> boa fé até então,ostente ainda essa natureza. Se o possui<strong>do</strong>r com justo título tem por si apresunção <strong>de</strong> boa fé (parágrafo único, art. 490, Código Civil), e a posse setransmite com os mesmos caracteres aos her<strong>de</strong>iros e legatários (art. 495),menos certo não é que o ajuizamento da ação discriminatória bem po<strong>de</strong>caracterizar a circunstância <strong>de</strong> que trata o artigo 491 <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> diploma.A matéria, <strong>de</strong> toda sorte, será melhor apreciada na oportunida<strong>de</strong> emque houver reivindicação da coisa. Isto apenas foi referi<strong>do</strong> para que senão alegue omissão <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>.Em suma: ainda que com algum resvalo na regularida<strong>de</strong> procedimental,atingiu o processo seu fim e permitiu, a to<strong>do</strong>s que a tanto se interessaram,o pleno exercício <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. Todas as citações eventualmenteainda pen<strong>de</strong>ntes acabaram superadas com a publicação <strong>do</strong> último edital,meio através <strong>do</strong> qual a lei prevê o chamamento <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s262


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):211-264, jan./<strong>de</strong>z. 1998atualmente. Todas as preliminares foram apreciadas expressamente ou,pelo conteú<strong>do</strong> da fundamentação, acabaram rejeitadas. A nulida<strong>de</strong> <strong>do</strong> títuloque originou toda a ca<strong>de</strong>ia filiatória, ao qual, remotamente, estãovincula<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os contestantes, acabou <strong>de</strong>monstrada, seja pela provaemprestada, seja pelas próprias conclusões aqui firmadas. E nenhum <strong>do</strong>scontestantes conseguiu <strong>de</strong>monstrar posse apta a gerar usucapião, mesmoadmitida, em favor <strong>do</strong>s particulares, a tese mais favorável, ou seja, a <strong>de</strong>que é ele possível, se trintenário, até a data <strong>do</strong> Decreto n. 27.785/33. ODecreto n. 14.916/45, também conheci<strong>do</strong> por Lei Morato, não se aplica aquaisquer <strong>do</strong>s contestantes, porque a liberalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> não atinge oslatifúndios. E esse conceito não é o que atualmente lhe empresta o Estatutoda Terra (art. 4º, V, letras “a” e “b”, Lei n. 40.504/64 e art. 22, II, letras“a” e “b”, <strong>do</strong> Decreto n. 84.685, <strong>de</strong> 6.5.80), <strong>de</strong> natureza geodésica e econômica,até porque o referi<strong>do</strong> <strong>de</strong>creto é anterior à legislação indicada.Daí se tratar <strong>de</strong> conceito restrito e não amplo, como atualmente seoferta.Diante <strong>do</strong> exposto e pelo mais que <strong>do</strong>s autos consta:a) Julgo proce<strong>de</strong>nte a presente ação discriminatória para <strong>de</strong>clarar<strong>de</strong>voluta — e portanto pertencente ao <strong>do</strong>mínio da autora — toda a áreaque compõe o 15º Perímetro <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Wenceslau (observa<strong>do</strong> omemorial <strong>de</strong>scritivo constante <strong>do</strong>s autos), exceção feita apenas em relaçãoàquelas áreas que a Fazenda, por força <strong>de</strong> transação anteriormentehomologada, renunciou ao direito <strong>de</strong> discriminar, e que expressamenteestão consignadas no corpo da <strong>de</strong>cisão;b) Julgo parcialmente proce<strong>de</strong>ntes os pedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciaçãoformula<strong>do</strong>s, exclusivamente para o fim <strong>de</strong> garantir que seja eleconcretamente exerci<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> reivindicadas as áreas ora <strong>de</strong>claradas <strong>de</strong><strong>do</strong>mínio público, prejudicada eventual con<strong>de</strong>nação ou limites <strong>de</strong> suaextensão.Ante o princípio da sucumbência, pagarão os réus as custas e honoráriosadvocatícios a favor da autora, que, na forma <strong>do</strong> § 4º, <strong>do</strong> artigo 20,263


JURISPRUDÊNCIA<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, fixo em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais),que serão ratea<strong>do</strong>s entre to<strong>do</strong>s os réus contestantes, exceção feita apenasàqueles que transacionaram com a Fazenda (Vicar S/A Comercial e Pastorile Imobiliária Vilandra Ltda.).Em atenção ao mesmo princípio, <strong>de</strong>nunciantes e <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong>s, to<strong>do</strong>sparcialmente sucumbentes, arcarão com os honorários <strong>de</strong> seus respectivospatronos e com as custas que <strong>de</strong>sembolsaram em relação à <strong>de</strong>nunciação.A fixação aten<strong>de</strong> o trabalho realiza<strong>do</strong>, a natureza da causa, o tempo <strong>de</strong>corri<strong>do</strong>,e outros que interessam a justificação <strong>do</strong> valor.Após, <strong>de</strong>verá ter início a segunda fase da presente ação, isto é, a<strong>de</strong>marcatória, com nomeação <strong>de</strong> agrimensor e arbitra<strong>do</strong>res, que <strong>de</strong>veráser realizada nas formas <strong>do</strong>s artigos 959 a 966 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> ProcessoCivil, agora aplicáveis por força da Lei n. 6.383/76 (art. 22, parágrafoúnico). Observo que <strong>de</strong>verão as co-rés Vicar S/A Comercial e Pastoril eImobiliária Vilandra Ltda., na parte que lhes aproveitar a perícia a serrealizada, e, pro rata, arcar com os ônus <strong>de</strong>la <strong>de</strong>correntes.Nada obstante a ressalva que se fez no dispositivo <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>cisão (item“a”), a <strong>de</strong>cisão é inteiramente favorável à Fazenda, pelo que não há secogitar <strong>de</strong> aplicação <strong>do</strong> disposto no artigo 475, II, <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> ProcessoCivil.Oportunamente serão expedi<strong>do</strong>s os manda<strong>do</strong>s para cancelamento.Oficie-se, todavia, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, ao Serviço <strong>de</strong> Registro <strong>de</strong> Imóveis eAnexos da Comarca <strong>de</strong> Teo<strong>do</strong>ro Sampaio, dan<strong>do</strong> ciência da presente <strong>de</strong>cisão,para ali ser arquivada a título <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>.P. R. e Int.Cumpra-se.Mirante <strong>do</strong> Paranapanema, 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1996Vito José Guglielmi, Juiz <strong>de</strong> Direito264


ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇADO ESTADO DE SÃO PAULO NOS AUTOS DOAGRAVO DE INSTRUMENTO N. 10.265-4/1RELATOR DESEMBARGADOR LINNEU CARVALHO265


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R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):265-272, jan./<strong>de</strong>z. 1998AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 10.265-4/1PRESIDENTE VENCESLAUACÓRDÃOVistos, relata<strong>do</strong>s e discuti<strong>do</strong>s estes autos <strong>de</strong> Agravo <strong>de</strong> Instrumenton. 10.265-4/1, da Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Venceslau, em que são agravantesAntonio Carlos Hortencio Coelho e outro, sen<strong>do</strong> agravada a Fazenda<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>:Acordam, em Segunda Câmara <strong>de</strong> Direito Priva<strong>do</strong> <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong>Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, por votação unânime, negar provimentoao recurso.Trata-se <strong>de</strong> agravo <strong>de</strong> instrumento tira<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão que <strong>de</strong>feriu opedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> tutela antecipada, em parte, em ação reivindicatória movidapela Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> contra Antonio Carlos HortêncioCoelho e João Coelho Neto, imitin<strong>do</strong>-a na posse <strong>de</strong> 30% da área da FazendaTupanciretá, situada no município <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Venceslau, 4º Perímetro.Irresigna<strong>do</strong>s, agravam <strong>de</strong> instrumento os réus, alegan<strong>do</strong>, em síntese,que, segun<strong>do</strong> a legislação pertinente à matéria, quan<strong>do</strong> da prolação dasentença que reconheceu aquelas terras como <strong>de</strong>volutas, asseguran<strong>do</strong>, noentanto, os direitos previstos em lei <strong>do</strong>s então posseiros e ocupantes daárea, já eram legitima<strong>do</strong>s, mas o Esta<strong>do</strong> não os convi<strong>do</strong>u para o processoadministrativo <strong>de</strong> legitimação, <strong>de</strong>scumprin<strong>do</strong> o Decreto-Lei Estadualn. 14.916/45 e, posteriormente, a Lei n. 3.962/57.A Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> vem se utilizan<strong>do</strong>, inutilmente, <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s osmeios para se apo<strong>de</strong>rar <strong>de</strong> terras da região, como bizarras execuções <strong>de</strong>sentenças, <strong>de</strong>sapropriações, todas repelidas, pelo que agora surgiu a novaidéia <strong>de</strong> reivindicá-las, que, sem embargo <strong>do</strong> <strong>de</strong>scabimento da ação, já267


JURISPRUDÊNCIAprescrita, pleiteou, outrossim, a antecipação da tutela, concedida erroneamente,pois a providência constitui exceção ao direito da cognição completae, no caso, estão ausentes os pressupostos para tanto, funda<strong>do</strong> receio<strong>de</strong> dano irreparável, ou abuso <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa com manifestopropósito protelatório.Não basta, como <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>, a nomeação <strong>de</strong> um oficial <strong>de</strong> justiça para<strong>de</strong>screver as benfeitorias, que <strong>de</strong>vem ser objeto <strong>de</strong> perícia técnica e, além,a liminar implicará em sérios e irreparáveis transtornos para os agravantes,pelo que pleitearam o efeito suspensivo ao recurso.O r. <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> fls., atribuiu o efeito suspensivo ao agravo <strong>de</strong> instrumento.Às fls., a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> requereu a reconsi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>spacho,aduzin<strong>do</strong> que a área é terra <strong>de</strong>voluta, pertencente a ela, regularmenteregistrada no competente Cartório, sen<strong>do</strong> a tutela antecipada medida <strong>de</strong>rigor, pois <strong>do</strong> contrário o plano estadual <strong>de</strong> assentamento <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s“sem terra” seria retarda<strong>do</strong>, com evi<strong>de</strong>ntes problemas, causan<strong>do</strong> clima <strong>de</strong>tensão e provável conflito entre aqueles e os que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m as terras comose suas fossem, estan<strong>do</strong> presentes o <strong>do</strong>mínio da gleba por parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,a verossimilhança <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> e o funda<strong>do</strong> receio <strong>de</strong> dano irreparável,consistente na quase certa e iminente invasão.Na resposta, como preliminar, argüiu-se o não cumprimento <strong>do</strong> artigo526, não requeri<strong>do</strong> na petição <strong>do</strong> agravo, tornan<strong>do</strong> impossível a <strong>de</strong>fesa,que apenas foi feita <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à estrutura da <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>Geral</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,tornan<strong>do</strong>-se intempestivo o recurso e, no mérito, que a <strong>de</strong>cisão é correta,comprova<strong>do</strong> que está o caráter <strong>de</strong>voluto da gleba, <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> queos apelantes a ocupam sem justo título e a tutela foi <strong>de</strong>ferida consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>a verossimilhança <strong>de</strong> suas alegações e a existência <strong>de</strong> graves conflitosfundiários na região <strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> Paranapanema, além da morosida<strong>de</strong>própria da ação proposta, diga-se, fundada em título hábil, a transcriçãoem Cartório.268


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):265-272, jan./<strong>de</strong>z. 1998Sem procedência o argumento <strong>do</strong>s apelantes <strong>de</strong> que já eram legitima<strong>do</strong>spor ocasião da sentença que reconheceu como <strong>de</strong>volutas as terras,pois inaplicável para eles o artigo 2º, <strong>do</strong> Decreto n. 14.916/45, assim comoa Lei n. 3.962/57, pois nunca tiveram a posse mansa e pacífica ininterruptadas mesmas, motivo pelo qual não foram convoca<strong>do</strong>s pela administraçãopara a legitimação que não têm direito, ato discricionário, sen<strong>do</strong> dispensávelprocedimento administrativo, inexistin<strong>do</strong> interesse <strong>de</strong> fazê-lo para eles,porquanto prevalece o interesse social <strong>de</strong> assentar os trabalha<strong>do</strong>res rurais.Sobre o pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> reconsi<strong>de</strong>ração manifestaram-se os apelantes, reportan<strong>do</strong>-se,na prática, à inicial, acrescentan<strong>do</strong> que na região as invasõesforam repelidas pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário, não haven<strong>do</strong> perigo <strong>de</strong> conflitos.É o relatório.Preliminarmente <strong>de</strong> se afastar a prejudicial <strong>de</strong> mérito levantada pelaFazenda Pública, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, como ela mesma admite, teve condições pararespon<strong>de</strong>r ao recurso, suprin<strong>do</strong> a falha que se trata <strong>de</strong> mera irregularida<strong>de</strong>.Por outro la<strong>do</strong>, embora não argumentada como tal pelos apelantes,pois também seria matéria a ser examinada anteriormente ao mérito, <strong>de</strong> seafastar a aventada prescrição da ação reivindicatória, a uma porque taispretensões são imprescritíveis, não atingidas pelo artigo 177, <strong>do</strong> CódigoCivil, que no dizer <strong>de</strong> Darci <strong>de</strong> Arruda Miranda, “...contempla outros direitosreais, e não a proprieda<strong>de</strong>. É que esta perdura até que outrem adquirao <strong>do</strong>mínio por força da prescrição aquisitiva, pois não se compreendacomo possa alguém per<strong>de</strong>r um direito sem que outra pessoa o substitua”(Anotações ao Código Civil brasileiro, 4. ed., <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>: Saraiva,v. 1, p. 144); a duas porque os bens públicos são imprescritíveis, por força<strong>do</strong> artigo 67, da lei substantiva civil.Neste senti<strong>do</strong>, a Súmula n. 340, <strong>do</strong> Egrégio Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,“Des<strong>de</strong> a vigência <strong>do</strong> Código Civil, os bens <strong>do</strong>miniais como os <strong>de</strong>maisbens públicos não po<strong>de</strong>m ser adquiri<strong>do</strong>s por usucapião”.269


JURISPRUDÊNCIANo mérito, cuida-se da aplicação <strong>do</strong> disposto no artigo 273, I, <strong>do</strong>Código <strong>de</strong> Processo Civil, com a redação dada pela Lei n. 8.952, <strong>de</strong>13.12.94, antecipação da tutela, em ação reivindicatória, proposta pelaFazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, contra os apelantes, fulcrada em título<strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio e alegação <strong>de</strong> que eles a possuem sem justo título, não interessan<strong>do</strong>à Administração Pública legitimá-los, pela prevalência <strong>do</strong> social <strong>de</strong>assentar os trabalha<strong>do</strong>res rurais, conheci<strong>do</strong>s como “sem terra”, em fazendada região <strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> Paranapanema.Inescusável o reconhecimento <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio da Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> nasituação atual da gleba, <strong>de</strong>corrente da r. sentença transitada em julga<strong>do</strong>,que a reconheceu <strong>de</strong>voluta, com título transcrito e registra<strong>do</strong> no Cartório<strong>de</strong> Registro <strong>de</strong> Imóveis local.Inegável, também, à vista <strong>do</strong> amplo noticiário <strong>do</strong>s órgãos <strong>de</strong> informaçãosobre o assunto, a <strong>de</strong>licada situação em que se encontra a região, emvirtu<strong>de</strong> da ação <strong>do</strong> <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> “Movimento <strong>do</strong>s Sem Terra” no Pontal<strong>do</strong> Paranapanema, conjuntura que vem perduran<strong>do</strong> há muito tempo, culminan<strong>do</strong>com recentes e insuportáveis invasões a exigir solução <strong>de</strong> emergênciae rápida que venha a tranqüilizar e levar a paz ao território.Da mesma forma, claro está que os dispositivos invoca<strong>do</strong>s pelos apelantespara justificar sua legitimação, artigo 49 <strong>do</strong> Decreto-Lei Estadualn. 14.916/45 e artigos 2º, II, 8º e 9º, da Lei Estadual n. 3.962/57, não seaplicam a eles, porquanto não atendiam ao estabeleci<strong>do</strong> no artigo 2º, “d”e “e”, <strong>do</strong> primeiro diploma referi<strong>do</strong>, qual seja, “posse contínua eincontestada, com justo título e boa fé, por termo não menor <strong>de</strong> vinteanos”, ou “posse pacífica e ininterrupta por trinta anos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>justo título e boa fé”.Com efeito, não se há falar em posse pacífica se, em mea<strong>do</strong>s da década<strong>de</strong> trinta, a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> promoveu ação <strong>de</strong> discriminação, visan<strong>do</strong>as terras em questão, feito julga<strong>do</strong> proce<strong>de</strong>nte, para reconhecer o caráter<strong>de</strong>voluto da gleba, em 27.7.44, não ocorren<strong>do</strong> portanto o lapso temporal,em nenhuma das duas hipóteses previstas no cita<strong>do</strong> Decreto-Lei.270


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):265-272, jan./<strong>de</strong>z. 1998Por seu turno, a Lei Estadual n. 3.962/57, expressamente se refereaos possui<strong>do</strong>res na forma <strong>do</strong> Decreto-Lei Estadual n. 14.916/45, alijan<strong>do</strong>,<strong>de</strong>starte, os apelantes.O direito na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> reclama pela celerida<strong>de</strong> da prestaçãojurisdicional, sem o que, a justiça tardia <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> o ser, para, embora vencidaa <strong>de</strong>manda, tornar-se injustiça, muitas vezes, pelo passar <strong>do</strong> tempo.Por isto que os processualistas contemporâneos, como Cândi<strong>do</strong>Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe, Humberto Theo<strong>do</strong>ro Júnior, J.J.Calmon <strong>de</strong> Passos <strong>de</strong>ntre outros, to<strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s por José Marcelo MenezesVigliar em brilhante artigo publica<strong>do</strong> na <strong>Revista</strong> <strong>do</strong> Instituto <strong>de</strong> Pesquisase Estu<strong>do</strong> — Divisão Judiciária — da Instituição Tole<strong>do</strong> <strong>de</strong> Ensino, <strong>de</strong>Bauru, n. 13, p. 169, “A efetivida<strong>de</strong> da tutela jurisdicional e a reforma <strong>do</strong>Código <strong>de</strong> Processo Civil”, enten<strong>de</strong>m que a tutela antecipada é a maisimportante inovação no processo, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser prestigiada como um substancialavanço à prestação jurisdicional, aplicada sempre que presentes osrequisitos <strong>do</strong> artigo 273, I e II, <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, com a redaçãoconferida pela Lei n. 8.952, <strong>de</strong> 13.12.94, existin<strong>do</strong> prova inequívoca,verossimilhança da alegação, funda<strong>do</strong> receio <strong>de</strong> dano irreparável ou <strong>de</strong>difícil reparação, ou fique caracteriza<strong>do</strong> o abuso <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa ou omanifesto propósito protelatório <strong>do</strong> réu.No mesmo estu<strong>do</strong>, o autor, com Cândi<strong>do</strong> Rangel Dinamarco, concluique o dispositivo <strong>de</strong>ve ser interpreta<strong>do</strong> sopesan<strong>do</strong> aparente incongruênciaentre os termos “prova inequívoca” e “verossimilhança”, para chegar-seao <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>r comum <strong>de</strong> “probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> êxito”.Como visto, há prova inequívoca <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio das terras pela Fazenda<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (transcrição registrada) e funda<strong>do</strong> receio <strong>de</strong> dano irreparável(enorme possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conflitos arma<strong>do</strong>s entre os interessa<strong>do</strong>s), presente,pois, a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> êxito, <strong>de</strong> vitória no feito, ação reivindicatória,sabidamente morosa, impon<strong>do</strong>-se, portanto, a prestação jurisdicional antecipada,sob pena <strong>de</strong> imprevisíveis acontecimentos durante a <strong>de</strong>manda.271


JURISPRUDÊNCIAAcrescente-se, finalmente, que a tutela foi para a imissão na posse <strong>de</strong>apenas 30% da área e após a verificação das benfeitorias, o que além <strong>de</strong>ressalvar eventuais direitos, não impe<strong>de</strong> os apelantes <strong>de</strong> exercerem suasativida<strong>de</strong>s nos outros 70%.Posto isso, nega-se provimento ao recurso, restabelecen<strong>do</strong>-se a tutelaantecipada <strong>de</strong>ferida pelo r. <strong>de</strong>spacho impugna<strong>do</strong>.Participaram <strong>do</strong> julgamento os Desembarga<strong>do</strong>res Theo<strong>do</strong>ro Guimarães(Presi<strong>de</strong>nte) e Lino Macha<strong>do</strong>.<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1996Linneu Carvalho, Relator272


ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇADO ESTADO DE SÃO PAULO NOS AUTOS DOMANDADO DE SEGURANÇA N. 005.260-4/7RELATOR DESEMBARGADORORLANDO PISTORESI273


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R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):273-280, jan./<strong>de</strong>z. 1998MANDADO DE SEGURANÇA N. 005.260-4/7 - SÃO PAULOACÓRDÃOManda<strong>do</strong> <strong>de</strong> segurança. Objetivo. Obtenção <strong>de</strong> efeito suspensivoa recurso <strong>de</strong>le <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong>. Fumus Boni iuris não <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>.Segurança <strong>de</strong>negada.Vistos, relata<strong>do</strong>s e discuti<strong>do</strong>s estes autos <strong>de</strong> Manda<strong>do</strong> <strong>de</strong> Segurançan. 005.260-4/7, da Comarca <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, em que são impetrantes MarleneFioravante e outro e impetrada MM. Juíza <strong>de</strong> Direito da Comarca <strong>de</strong>Mirante <strong>do</strong> Paranapanema:Acordam, em Quarta Câmara <strong>de</strong> Direito Priva<strong>do</strong> <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, por votação unânime, <strong>de</strong>negar a segurança,<strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com o relatório e voto <strong>do</strong> Relator, que ficam fazen<strong>do</strong>parte <strong>do</strong> acórdão.O julgamento teve a participação <strong>do</strong>s Desembarga<strong>do</strong>res Cunha Cintra(Presi<strong>de</strong>nte, sem voto), José Osório e Barbosa Pereira, com votos vence<strong>do</strong>res.<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 27 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1996Orlan<strong>do</strong> Pistoresi, RelatorVOTO DO RELATORTrata-se <strong>de</strong> manda<strong>do</strong> <strong>de</strong> segurança impetra<strong>do</strong> por Marlene Fioravantee Ernesto Fioravante objetivan<strong>do</strong> conferir efeito suspensivo a recurso <strong>de</strong>agravo <strong>de</strong> instrumento interposto contra respeitável <strong>de</strong>cisão que, em autos<strong>de</strong> ação reivindicatória intentada pela Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>em face <strong>do</strong>s ora impetrantes, <strong>de</strong>feriu tutela jurisdicional antecipada,conferin<strong>do</strong> a posse ao Esta<strong>do</strong> no equivalente a 25% <strong>de</strong> uma área <strong>de</strong>951,2558 hectares <strong>de</strong> terras da Fazenda Flor Roxa, <strong>de</strong>claradas <strong>de</strong>volutas e275


JURISPRUDÊNCIAque a<strong>de</strong>ntram o 11º Perímetro <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong> Paranapanema, on<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>assentar 1.050 famílias <strong>de</strong> auto-<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s “sem-terra”.Sustentam os impetrantes, em suma, que as terras <strong>do</strong> 11º Perímetro<strong>de</strong> Santo Anastácio, hoje Mirante <strong>do</strong> Paranapanema, foram <strong>de</strong>claradas<strong>de</strong>volutas em 16.12.47, por V. Acórdão da Colenda Segunda Câmara <strong>de</strong>steTribunal, nos autos da Apelação n. 35.131, da Comarca <strong>de</strong> SantoAnastácio e que <strong>de</strong>terminou, na mesma oportunida<strong>de</strong>, o prosseguimento<strong>do</strong> processo discriminatório, ocorren<strong>do</strong> que a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> nelesomente prosseguiu até a sentença homologatória da <strong>de</strong>marcação e suarespectiva transcrição na Circunscrição Imobiliária da situação <strong>do</strong> imóvel,<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> <strong>de</strong> ensejar o exercício da faculda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s possui<strong>do</strong>res, <strong>de</strong>ntre osquais os impetrantes e seus antecessores, <strong>de</strong> requererem a legitimação <strong>de</strong>suas posses, nos termos <strong>do</strong> que dispõe o artigo 49 <strong>do</strong> Decreto Lei Estadualn. 14.916 <strong>de</strong> 1945.E <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> <strong>de</strong> prosseguir no processo administrativo <strong>de</strong> legitimação<strong>de</strong> posse que já havia enceta<strong>do</strong>, a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> passou a reclamaressas terras através <strong>de</strong> vários expedientes, consistin<strong>do</strong> o primeiro <strong>de</strong>les empromover execução <strong>de</strong> sentença ten<strong>do</strong> como alvo terras <strong>do</strong> 10º Perímetro,cuja ação discriminatória fora julgada proce<strong>de</strong>nte em 1941, confirmadaem Segun<strong>do</strong> Grau, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> rechaçada a execução pela Colenda SextaCâmara <strong>do</strong> Primeiro Tribunal <strong>de</strong> Alçada Civil, exatamente por não haversi<strong>do</strong> exauri<strong>do</strong> o processo administrativo para a legitimação da posse <strong>do</strong>socupantes; o segun<strong>do</strong> expediente consistiu na <strong>de</strong>sapropriação através <strong>do</strong>Decreto n. 22.033, <strong>de</strong> 23.3.84, que <strong>de</strong>clarou algumas fazendas <strong>do</strong> Pontal<strong>do</strong> Paranapanema <strong>de</strong> interesse social para fins <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação, o quetambém resultou repeli<strong>do</strong> por V. Acórdão <strong>de</strong>ste Tribunal em Manda<strong>do</strong> <strong>de</strong>Segurança n. 3.533-0, à consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> que o que pretendia o Governo<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> era uma verda<strong>de</strong>ira reforma agrária, para cuja execução a Fazenda<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> era incompetente; o terceiro expediente consistiu em aFazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> requisitar fazendas, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> pressuposto <strong>de</strong> que asterras eram suas, como ocorreu com a edição <strong>do</strong> Decreto n. 33.404, <strong>de</strong> 21<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1991, pretensão que igualmente não obteve sucesso, posto276


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):273-280, jan./<strong>de</strong>z. 1998que <strong>de</strong>negada pela E. Primeira Vice-Presidência <strong>de</strong>ste Tribunal aoapreciar o Manda<strong>do</strong> <strong>de</strong> Segurança n. 13.421-0/1.Repeli<strong>do</strong>s aqueles expedientes, a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> intentou açãoreivindicatória objetivan<strong>do</strong> as terras <strong>do</strong>s impetrantes, procedimento <strong>de</strong>scabi<strong>do</strong>,seja porque aos impetrantes foi facultada a legitimação <strong>de</strong> suasposses, seja porque ocorreu a prescrição, encobrin<strong>do</strong> o expediente orautiliza<strong>do</strong> <strong>do</strong> inconfessável propósito <strong>de</strong> arrecadar terras para distribuí-lasaos “sem-terra”.A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> <strong>de</strong>scabida a ação, a autorida<strong>de</strong> impetrada conce<strong>de</strong>u atutela antecipada, que também é <strong>de</strong>scabida, porque a MM. Juíza é absolutamenteincompetente para dirimir conflitos fundiários, nos termos <strong>do</strong> artigo126, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e porque não estão presentes os pressupostospara a pretendida antecipação, não sen<strong>do</strong> suficiente para justificálaa afirmação <strong>de</strong> que ela se mostra necessária para que “milhares <strong>de</strong> “semterra”possam ser assenta<strong>do</strong>s, eis que tais assentamentos se inserem napolítica <strong>de</strong> reforma agrária e que incumbe exclusivamente à União, além<strong>do</strong> que inexiste abuso <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, uma vez que os <strong>de</strong>manda<strong>do</strong>snão foram cita<strong>do</strong>s para contestar a ação, ou risco <strong>de</strong> dano irreparável ou<strong>de</strong> difícil reparação.Sustentam por fim, que a antecipação da tutela encontra óbice nodisposto no § 2º <strong>do</strong> artigo 273 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, porquantoefetiva<strong>do</strong> o assentamento a situação será irreversível, com previsível <strong>de</strong>struição<strong>de</strong> pastos, benfeitorias e sistema <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> energia elétricae hidráulica, sen<strong>do</strong> imprescindível a tomada <strong>de</strong> providências pelosimpetrantes antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>socupar a área, tais como a remoção <strong>de</strong> 800 cabeças<strong>de</strong> bovinos, procura <strong>de</strong> pasto para o apascentamento <strong>do</strong>s semoventes,confecção <strong>de</strong> cercas, por isso que o r. <strong>de</strong>spacho concessivo da tutela antecipadanão <strong>de</strong>ve prevalecer, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser revoga<strong>do</strong>, impon<strong>do</strong>-se a suspensãoliminar <strong>do</strong>s efeitos <strong>do</strong> r. <strong>de</strong>spacho ataca<strong>do</strong>, até julgamento final <strong>do</strong>presente mandamus.Deferida a liminar, em 6.2.96, pela Egrégia Terceira Vice-Presidência,veio para os autos comunicação, via telex, <strong>de</strong> respeitável <strong>de</strong>cisão da277


JURISPRUDÊNCIAE. Presidência <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça que suspen<strong>de</strong>u a liminaraqui concedida, sen<strong>do</strong> prestadas as informações pela digna autorida<strong>de</strong>impetrada, com os <strong>do</strong>cumentos <strong>de</strong> fls., intervin<strong>do</strong> a litisconsorte às fls.,com parecer da <strong>do</strong>uta <strong>Procura<strong>do</strong>ria</strong> <strong>Geral</strong> <strong>de</strong> Justiça pela concessão dasegurança, juntan<strong>do</strong>-se, às fls., cópia da <strong>de</strong>cisão que suspen<strong>de</strong>u a liminarconcedida pela E. Terceira Vice-Presidência.É o relatório.Dispõe o artigo 126 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral que, para dirimir conflitosfundiários, o Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>signará juizes <strong>de</strong> entrância especial,com competência exclusiva para questões agrárias.Doutrina Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a propósito, que “Apreocupação com os litígios agrários, entre proprietários e posseiros ou“grileiros”, que não raro <strong>de</strong>scambam para a violência, inspira esse preceito.A boa intenção não escusa, porém, a improprieda<strong>de</strong> da redação”. Eprossegue: “É óbvio que a lei <strong>de</strong> organização judiciária, <strong>de</strong> iniciativa <strong>do</strong>Tribunal <strong>de</strong> Justiça, prevista no artigo 125, § 1º (v. supra), é que po<strong>de</strong>ráinstituir juízos especializa<strong>do</strong>s em questões agrárias. Por isso, a norma emexame nada significa senão que, para esses juízos, po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>sjuizes <strong>de</strong> entrância especial, mesmo que essas varas não tenham na lei essaposição”.A hipótese em exame, como se percebe <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> da interpretação,não cuida <strong>de</strong> conflito fundiário, mas <strong>de</strong> pleito reivindicatório envolven<strong>do</strong>,<strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, fundamentada nofato <strong>de</strong> serem <strong>de</strong>volutas as terras objeto da ação, e, <strong>de</strong> outro, os possui<strong>do</strong>res,cuja resistência preten<strong>de</strong> sustentar-se na circunstância <strong>de</strong> exerceremposse justa e no fato <strong>de</strong> lhes haver si<strong>do</strong> subtraída a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> obterema legitimação da posse, sem conotação, pois, com conflito fundiário, senãopor via reflexa, a tornar ininvocável aquele preceito constitucional.E não há como conce<strong>de</strong>r-se a segurança pleiteada.278


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):273-280, jan./<strong>de</strong>z. 1998Tem-se admiti<strong>do</strong> a concessão <strong>de</strong> manda<strong>do</strong> <strong>de</strong> segurança para dar efeitosuspensivo a recurso que normalmente não o tem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que comprova<strong>do</strong>so fumus boni iuris eopericulum in mora, <strong>de</strong> forma a impedir danoimediato, relega<strong>do</strong> o exame da matéria <strong>de</strong>le objeto para a oportunida<strong>de</strong>em que for aprecia<strong>do</strong> o recurso interposto.Na hipótese vertente, os impetrantes, réus em ação reivindicatóriaque lhes move a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> e ten<strong>do</strong> por objetoterras <strong>de</strong>volutas, preten<strong>de</strong>m que se tenha por configura<strong>do</strong> o fumus boniiuris diante <strong>do</strong> fato <strong>de</strong> ser a reivindicatória um expediente a mais <strong>de</strong>ntre asfrustradas medidas tomadas pela Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>de</strong>corren<strong>do</strong>daí que seria <strong>de</strong>scabida a ação, porque aos impetrantes foi facultadaa legitimação <strong>de</strong> suas posses.Todavia, é o próprio V. Acórdão proferi<strong>do</strong> nos autos <strong>do</strong> Agravo <strong>de</strong>Instrumento n. 339.156, da Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Venceslau, relator oJuiz Men<strong>do</strong>nça <strong>de</strong> Barros, pelos impetrantes invoca<strong>do</strong>, na parte que lhesinteressava, mas que, a propósito <strong>do</strong> exaurimento <strong>do</strong> processo administrativoinstaura<strong>do</strong> em face da Lei n. 3.962/57, <strong>de</strong>ixou expressamente assenta<strong>do</strong>que “...não há duas Fazendas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, uma no âmbito administrativoe outra procuran<strong>do</strong> em juízo. Ambas são uma só. Assim, no momentoem que, inequivocadamente, a Fazenda intentou, pelo menos contraos agravantes, a expedição <strong>de</strong> manda<strong>do</strong> <strong>de</strong> imissão na posse, a<strong>de</strong>quadaou ina<strong>de</strong>quadamente, não interessa, manifestou sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter para sio imóvel. Portanto, com relação a eles, o procedimento administrativoestá encerra<strong>do</strong>”. E acrescenta o julga<strong>do</strong>: “Pouco importa a intenção iniciale seqüente <strong>de</strong> <strong>de</strong>ferir-lhes legitimação, pois o que realmente interessa é aintenção final, e esta se manifestou, como já dito, em senti<strong>do</strong> contrário,pois a Fazenda pediu as terras. E isto era permissível porque o ato administrativoé motiva<strong>do</strong> por conveniência, oportunida<strong>de</strong> e justiça, à inteiradiscrição da Administração e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não havia e nem há direito públicosubjetivo à legitimação” (<strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, n. 601, p. 114).Tais consi<strong>de</strong>rações, aplicáveis às inteiras à hipótese <strong>do</strong>s autos, evi<strong>de</strong>nciama inexistência <strong>do</strong> requisito <strong>do</strong> fumus boni iuris, já que, <strong>do</strong> fato279


JURISPRUDÊNCIAinvoca<strong>do</strong> para justificá-lo, não <strong>de</strong>correm as conseqüências entrevistas naimpetração, o que, por si só, revela-se suficiente para afastar a concessão<strong>do</strong> writ.Por outro la<strong>do</strong>, a <strong>de</strong>cisão concessiva da tutela antecipada encontrase<strong>de</strong>vidamente fundamentada nos elementos <strong>de</strong> convicção existentes, peloque não se po<strong>de</strong> falar em ilegalida<strong>de</strong> e, quanto à reparabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s danosse existentes, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m meramente patrimonial ou passíveis <strong>de</strong> conversãoa tanto, já resultou ressalvada, na própria <strong>de</strong>cisão monocrática, não sepatentean<strong>do</strong>, pois, o periculum in mora, até porque, mesmo que fosseacolhível a pretensão mandamental, a medida não po<strong>de</strong>ria, aqui, ser <strong>de</strong>plano executada.Acrescente-se, por pertinente, que, no respeitável <strong>de</strong>spacho concessivo<strong>de</strong> suspensão da liminar concedida nestes autos, observou-se que “Conquantoo Po<strong>de</strong>r Judiciário não possa <strong>de</strong>scurar <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>,<strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, por outra parte <strong>de</strong>ve estar atento aos reflexos no contextosocial que suas <strong>de</strong>cisões provocam”, consignan<strong>do</strong> ainda o Ministro Bueno<strong>de</strong> Souza que “Eis porque, convicto <strong>de</strong> que os elementos <strong>de</strong> fato autorizamconcluir que a retirada das famílias já assentadas e a própria paralisação<strong>do</strong> programa <strong>de</strong> assentamento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> e <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>,conspiram contra a paz social daquela região, com real possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>grave risco <strong>de</strong> comprometimento da or<strong>de</strong>m e da segurança públicas, a par<strong>de</strong> acarretar in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> cerceamento à ação governamental concernente aoemprego <strong>de</strong> terras <strong>de</strong> seu <strong>do</strong>mínio, a fim <strong>de</strong> conjurar os males advin<strong>do</strong>s da<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada dispersão <strong>de</strong> ruralistas, hei por bem <strong>de</strong>ferir o pedi<strong>do</strong>, parafim <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a suspensão das medidas liminares concedidas nos autos<strong>do</strong>s Manda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Segurança n. 5.108-4/4, 5.259-4 e 5.260-4, emtramitação perante o Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, até queo mérito seja aprecia<strong>do</strong> e a <strong>de</strong>cisão eventualmente concessiva <strong>do</strong> writ transiteem julga<strong>do</strong> (art. 4º, Lei n. 4.348/64)”.Pelo exposto, <strong>de</strong>nega-se a segurança.Orlan<strong>do</strong> Pistoresi, Relator280


ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇADO ESTADO DE SÃO PAULO NOS AUTOS DOAGRAVO DE INSTRUMENTO N. 22.655-4/4RELATOR DESEMBARGADOR OLAVO SILVEIRA281


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R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):281-287, jan./<strong>de</strong>z. 1998AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 022.655-4/4MIRANTE DO PARANAPANEMAACÓRDÃOReivindicatória. Pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> tutela, parcial, antecipada. Possibilida<strong>de</strong>.CPC artigo 273. Terras consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong>volutas. Domínio<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Eficácia <strong>do</strong>s títulos registra<strong>do</strong>s. Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> parteda área para assentamento rural. Liminar concedida. Recursoimprovi<strong>do</strong>.Vistos, relata<strong>do</strong>s e discuti<strong>do</strong>s estes autos <strong>de</strong> Agravo <strong>de</strong> Instrumenton. 022.655-4/4, da Comarca <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong> Paranapanema, em que sãoagravantes Vitor Leal Fillizola e sua mulher, sen<strong>do</strong> agravada a Fazenda <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>:Acordam, em Quarta Câmara <strong>de</strong> Direito Priva<strong>do</strong> <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, por votação unânime, negar provimento aorecurso, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com o relatório e voto <strong>do</strong> Relator, que ficamfazen<strong>do</strong> parte <strong>do</strong> acórdão.O julgamento teve a participação <strong>do</strong>s Desembarga<strong>do</strong>res Cunha Cintra(Presi<strong>de</strong>nte, sem voto), Orlan<strong>do</strong> Pistoresi e Barbosa Pereira, com votosvence<strong>do</strong>res.<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 22 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1996Olavo Silveira, RelatorVOTO DO RELATOR1. Agravo <strong>de</strong> instrumento, tira<strong>do</strong> <strong>do</strong>s autos <strong>de</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> tutela antecipada,apensa<strong>do</strong> aos <strong>de</strong> ação reivindicatória, on<strong>de</strong> concedida liminar paraocupação <strong>de</strong> trinta por cento da área total, em que a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> preten<strong>de</strong> o imóvel <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Fazenda Canaan, no283


JURISPRUDÊNCIAmunicípio e comarca <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong> Paranapanema, objeto da Transcriçãon. 12.851, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1958, <strong>do</strong> Cartório <strong>do</strong> Registro <strong>de</strong> Imóveis <strong>de</strong>Santo Anastácio e matrícula n. 7.364 <strong>do</strong> Cartório <strong>do</strong> Registro <strong>de</strong> Imóveis<strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong> Paranapanema, resultante <strong>do</strong> termo <strong>de</strong> convençãoadministrativa <strong>de</strong> regularização <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas <strong>do</strong> 11º perímetro <strong>de</strong>Mirante <strong>do</strong> Paranapanema.Alegam os recorrentes a total ausência <strong>do</strong>s requisitos <strong>do</strong> artigo 273<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil para a concessão da tutela antecipada, porqueos aponta<strong>do</strong>s prejuízos, se existentes, seriam <strong>do</strong>s agravantes e não daFazenda, inatendi<strong>do</strong>s ou resolvi<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> qualquer mo<strong>do</strong>, os afirma<strong>do</strong>s problemassociais da região, sen<strong>do</strong> impossível a exploração <strong>do</strong>s restantes setentapor cento da área rural, por absoluta falta <strong>de</strong> garantia e segurançaaos proprietários, ausente por parte <strong>de</strong>les qualquer abuso <strong>de</strong> direito. Afirmamfalta <strong>de</strong> motivação da <strong>de</strong>cisão, a inexistência <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>sucesso da reivindicatória, e falta <strong>de</strong> citação, e não reconhecimento <strong>do</strong><strong>do</strong>mínio.Sustentam irreversível o provimento antecipa<strong>do</strong>, com danosirreparáveis, ausente levantamento e <strong>de</strong>scrição das benfeitorias, inviáveleventual <strong>de</strong>sapropriação por interesse social para fins <strong>de</strong> reforma agrária,por parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e que a <strong>de</strong>cisão foi ultra petita, na medida em queconce<strong>de</strong>u a entrega <strong>do</strong> bem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> pagamento prévio dasbenfeitorias existentes, sem ao menos constatação prévia, atribuin<strong>do</strong> mais<strong>do</strong> que a sentença po<strong>de</strong>rá conce<strong>de</strong>r na ação principal, em face da inegávelboa fé <strong>do</strong>s recorrentes, funda<strong>do</strong>s no justo título que ostentam.Recurso tempestivo, respondi<strong>do</strong>, mantida a <strong>de</strong>cisão.2. A Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ajuizou ação reivindicatória <strong>de</strong> área <strong>de</strong> terras,<strong>de</strong>nominada Fazenda Canaan, localizada <strong>de</strong>ntro da <strong>de</strong>marcação <strong>do</strong>11º Perímetro <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong> Paranapanema, que foi objeto <strong>de</strong> açãodiscriminatória que tramitou pela Comarca <strong>de</strong> Santo Anastácio, <strong>de</strong>finitivamentejulgada por acórdão <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1947 da Segunda284


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):281-287, jan./<strong>de</strong>z. 1998Câmara Civil <strong>de</strong>ste Tribunal, <strong>de</strong>claran<strong>do</strong> <strong>de</strong>volutas aquelas terras, sen<strong>do</strong>os trabalhos <strong>de</strong>marcatórios homologa<strong>do</strong>s por sentença <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> novembro<strong>de</strong> 1955, o que justificou e autorizou o registro da sentença, atravésda Transcrição n. 12.851, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1958, no Cartório <strong>de</strong> Registro<strong>de</strong> Imóveis <strong>de</strong> Santo Anastácio e, posteriormente, a abertura da Matrículan. 7.364 <strong>do</strong> Cartório <strong>de</strong> Registro <strong>de</strong> Imóveis <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong>Paranapanema.Em princípio, portanto, a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> comprova ser titular <strong>do</strong><strong>do</strong>mínio, com título <strong>de</strong>vidamente registra<strong>do</strong>, <strong>do</strong> imóvel reivindican<strong>do</strong>. E,bem por isso, impossível, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, e autos <strong>de</strong> agravo tira<strong>do</strong> <strong>de</strong> pedi<strong>do</strong><strong>de</strong> tutela antecipada, discutir-se questão <strong>de</strong> maior relevânciaconsubstanciada na verificação da legalida<strong>de</strong> ou ilegalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> título, que,enquanto não anula<strong>do</strong>, se presume váli<strong>do</strong> e eficaz.Verifica-se que a área reivindicanda está bem <strong>de</strong>marcada, e igualmentebem <strong>de</strong>finida a parcela <strong>de</strong> 30% <strong>do</strong> to<strong>do</strong>, que foi objeto <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong>tutela antecipada, concedida pelo <strong>de</strong>spacho recorri<strong>do</strong>, incluin<strong>do</strong>-se, semdúvida, <strong>de</strong>ntro daquele acervo <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas.Dispon<strong>do</strong> a Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> título <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio registra<strong>do</strong>, abrangen<strong>do</strong>área <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>claradas <strong>de</strong>volutas e objetivadas em processodiscriminatório, inegável o seu direito <strong>de</strong> reivindicá-las, sem prejuízo <strong>do</strong><strong>de</strong>bate, nesses autos, das questões relacionadas com a valida<strong>de</strong> e eficácia<strong>do</strong>s títulos exibi<strong>do</strong>s pela autora e pelos réus.Não importa saber, agora, porque, durante largo perío<strong>do</strong>, omitiu-se aFazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em reclamar os seus direitos, até porque, em se tratan<strong>do</strong><strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas, <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, inocorrente o risco da prescrição.O fato, público e notório, é que, <strong>de</strong> tempos a esta parte, a região<strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> Paranapanema, como outras <strong>de</strong>ste vasto país continente,tornou-se objeto <strong>de</strong> conflitos fundiários, dada a formação <strong>de</strong> grupos <strong>do</strong>s<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s movimentos <strong>do</strong>s Sem-Terra, com sérios riscos à manutençãoda or<strong>de</strong>m pública e social porque, à cada invasão verificada, não raro,opera-se a reação <strong>do</strong>s fazen<strong>de</strong>iros e proprietários rurais, na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>seus direitos.285


JURISPRUDÊNCIAAo Esta<strong>do</strong>, até por força <strong>de</strong> imperativo constitucional, cabe o <strong>de</strong>ver<strong>de</strong> impedir que ocorrências <strong>de</strong>sta natureza possam avolumar e gerarsituações que acabem por escapar ao seu controle, tornan<strong>do</strong>-seincontornáveis, e a obrigarem ao uso da força para o restabelecimento daor<strong>de</strong>m e <strong>do</strong> império da lei.Reconhece-se que não é <strong>de</strong> hoje a omissão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, remontan<strong>do</strong>os erros e <strong>de</strong>sacertos e <strong>de</strong>sencontros em matéria fundiária aos tempos dascapitanias hereditárias, sem que jamais se cuidasse <strong>de</strong> estabelecer os princípios<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s e precisos <strong>de</strong> uma política agrária, que jamais existiu,tornan<strong>do</strong> contraditórias as tantas proposições <strong>do</strong>s impropriamente <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>sprojetos <strong>de</strong> reforma agrária, pois evi<strong>de</strong>nte que é impossível reformaro que nunca existiu.A formulação <strong>de</strong> uma a<strong>de</strong>quada política agrária, que rompa com aobsoleta tradição latifundiária improdutiva, é tarefa <strong>de</strong> ontem, que nãopo<strong>de</strong> ficar restrita aos po<strong>de</strong>res da União ou <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s, mas é obrigação<strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong>, parecen<strong>do</strong> inaceitável a invocação <strong>de</strong> dispositivosconstitucionais que atribuam a exclusivida<strong>de</strong> à União, incapaz <strong>de</strong> disciplinálaem toda a vastíssima extensão territorial <strong>do</strong> país.Oportuno lembrar e ressaltar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se eliminar, <strong>de</strong> umavez por todas, a errônea e <strong>de</strong>magógica teoria <strong>de</strong> que a solução <strong>do</strong> problemaagrário consistiria apenas em dar terras a quem possa torná-las produtivas,sem a prévia existência <strong>de</strong> uma correta e <strong>de</strong>finida política <strong>de</strong> infraestrutura,em mol<strong>de</strong>s cooperativos mo<strong>de</strong>rnos, que possa assegurar a fixação<strong>do</strong> homem à terra, em condições <strong>de</strong> explorá-la, <strong>de</strong> fazê-la produzir,dispon<strong>do</strong> <strong>de</strong> segurança quanto às garantias <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o plantio até acomercialização final.Dessa forma, e por tais razões, não se po<strong>de</strong> obstar as tentativas <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> sérias, em contribuir para superação <strong>do</strong> problema,toman<strong>do</strong> a iniciativa <strong>de</strong> dispor das terras que supõe e sustenta integraremo seu <strong>do</strong>mínio, para nelas provi<strong>de</strong>nciar o assentamento <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>resque se disponham, efetivamente, a explorá-las, mesmo nas condiçõesinsatisfatórias <strong>do</strong> <strong>de</strong>ficiente sistema vigorante, on<strong>de</strong> o produtor rural é286


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):281-287, jan./<strong>de</strong>z. 1998sempre o per<strong>de</strong><strong>do</strong>r, venci<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> não pelos infortúnios da natureza,pela ação <strong>de</strong> atravessa<strong>do</strong>res ou imposição <strong>do</strong> sistema econômico efinanceiro.Não se po<strong>de</strong>, via <strong>de</strong> conseqüência, como bem assinalou o <strong>de</strong>spacho<strong>do</strong> Exmo. Sr. Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, nos autos <strong>do</strong>pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> suspensão da liminar concedida em manda<strong>do</strong> <strong>de</strong> segurançaimpetra<strong>do</strong> pelos aqui agravantes, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> reconhecer a plausibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>direito da Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, garanti<strong>do</strong> o direito à in<strong>de</strong>nização, e a permanência<strong>do</strong>s recorrentes em setenta por cento da área, asseguran<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ssemo<strong>do</strong>, uma convivência razoável, <strong>de</strong> forma a não <strong>de</strong>sprestigiar o invoca<strong>do</strong>direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, mas contribuin<strong>do</strong> para atenuar os efeitos <strong>do</strong>sproblemas sociais aflora<strong>do</strong>s e que o assentamento, ainda que em parte,<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res sem terra, serve como elemento <strong>de</strong> apoio e sustentaçãoda or<strong>de</strong>m e da segurança públicas.E, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste contexto, não se há <strong>de</strong> admitir violação <strong>do</strong> texto <strong>do</strong>artigo 273 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, nem se po<strong>de</strong> reconhecer a presença<strong>de</strong> prejuízo irreparável para os agravantes, ainda mesmo na ausência<strong>de</strong> levantamento e <strong>de</strong>finição das benfeitorias, porque respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> oEsta<strong>do</strong> por eventuais in<strong>de</strong>nizações <strong>de</strong>correntes.Nem se po<strong>de</strong>, <strong>de</strong> outra parte, admitir que a <strong>de</strong>cisão recorrida possaser <strong>de</strong>finida como ultra petita, porque, reservan<strong>do</strong> setenta por cento daárea, com preservação da se<strong>de</strong> e das benfeitorias principais <strong>de</strong> posse <strong>do</strong>sréus, ora agravantes.Ressalva-se, no entanto, a critério da ilustre magistrada, conforme a conveniênciae oportunida<strong>de</strong>, e para eventual resguar<strong>do</strong> futuro, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>imediata constatação ou verificação das benfeitorias, existentes ou queexistiam, e sua avaliação, <strong>de</strong>ntro da área correspon<strong>de</strong>nte aos trinta por cento,objeto da tutela antecipada, valen<strong>do</strong>-se, se necessário, <strong>de</strong> perito <strong>de</strong> suaconfiança, o que não importa em modificação da <strong>de</strong>cisão, mas apenas emobservação e complementação <strong>de</strong> providências <strong>de</strong>la <strong>de</strong>correntes.Ante o exposto, nego provimento ao recurso.Olavo Silveira, Relator287


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ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇADO ESTADO DE SÃO PAULO NOS AUTOS DOAGRAVO DE INSTRUMENTO N. 29.722-4/1RELATOR DESEMBARGADOR BARBOSA PEREIRA289


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R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):289-295, jan./<strong>de</strong>z. 1998AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 29.722-4/1PRESIDENTE BERNARDESACÓRDÃOTutela antecipada. Requerida em ação reivindicatória <strong>de</strong> terras<strong>de</strong>volutas e ocupadas pelos réus para o assentamento <strong>de</strong> rurículasque já se encontram acampa<strong>do</strong>s em gran<strong>de</strong> número esperan<strong>do</strong>uma área. Receio <strong>de</strong> conflitos e novas invasões. RecursoProvi<strong>do</strong>.Vistos, relata<strong>do</strong>s e discuti<strong>do</strong>s estes autos <strong>de</strong> Agravo <strong>de</strong> Instrumenton. 29.722-4/1, da Comarca <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Bernar<strong>de</strong>s, em que é agravanteFazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, sen<strong>do</strong> agrava<strong>do</strong>s Espólio <strong>de</strong> MercedinaDurães Teixeira, representada por seu inventariante, João Teixeira Filho eeste também por si:Acordam, em Quarta Câmara <strong>de</strong> Direito Priva<strong>do</strong> <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, por votação unânime, dar provimento aorecurso, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com o relatório e voto <strong>do</strong> Relator, que ficamfazen<strong>do</strong> parte <strong>do</strong> acórdão.O julgamento teve a participação <strong>do</strong>s Desembarga<strong>do</strong>res Cunha Cintra(Presi<strong>de</strong>nte) e Fonseca Tavares, com votos vence<strong>do</strong>res.<strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1996Barbosa Pereira, RelatorVOTO N. 10.708Ação <strong>de</strong> reivindicação foi ajuizada pela Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><strong>Paulo</strong>, com pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> tutela antecipada, relacionada com terras <strong>de</strong>volutas,ocupadas pelos réus em gran<strong>de</strong> área <strong>do</strong> 12º Perímetro, a qual se <strong>de</strong>nominaFazenda Santa Izabel.291


JURISPRUDÊNCIASegun<strong>do</strong> constou da inicial da reivindicatória, os requisitos previstosno artigo 273 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil encontram-se presentes, pois aautora tem necessida<strong>de</strong> premente <strong>de</strong> obter a posse da área reivindicada, aqual será <strong>de</strong>stinada à solução <strong>de</strong> problemas sociais <strong>de</strong> conhecimento público;está amplamente <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> o direito <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> àárea discutida; o perigo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mora acha-se patentea<strong>do</strong>, diante da tramitaçãonormal <strong>do</strong> processo reivindicatório, que levará um provimento jurisdicional<strong>de</strong>finitivo, que trará dano irreparável ou <strong>de</strong> difícil reparação; salta aosolhos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que haja o assentamento <strong>do</strong>s rurícolas, o que somentepo<strong>de</strong>rá ocorrer se a Autora, legítima proprietária das áreas componentes<strong>do</strong> referi<strong>do</strong> 12º Perímetro, conseguir <strong>de</strong> imediato ingressar na possedas referidas áreas, ainda que parcialmente.O pedi<strong>do</strong> foi in<strong>de</strong>feri<strong>do</strong> pelo Magistra<strong>do</strong>, fls., que em síntese afirmouinexistir nos dias <strong>de</strong> hoje conflitos entre os Sem-Terra e os Fazen<strong>de</strong>iros.No pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> reconsi<strong>de</strong>ração formula<strong>do</strong> pela Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> visan<strong>do</strong>esclarecimento quanto à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tutela antecipada que po<strong>de</strong>ser concedida e revogada até a sentença, ficou salienta<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta formapermanece o clima <strong>de</strong> tensão social, da<strong>do</strong> o gran<strong>de</strong> contingente <strong>de</strong> acampa<strong>do</strong>sa espera <strong>de</strong> uma área para serem assenta<strong>do</strong>s. Esta situação, infelizmente,levará a novas invasões e conflitos, por tais razões, torna-se imperiosaa obtenção <strong>de</strong> novas áreas capazes <strong>de</strong> permitir o assentamento dasfamílias obreiras, especialmente quan<strong>do</strong> será assegurada a infra estruturanecessária aos assenta<strong>do</strong>s para o <strong>de</strong>sempenho da ativida<strong>de</strong> agrícola, através<strong>de</strong> estradas, divisão das áreas em lotes, educação, saú<strong>de</strong>, financiamentopor meio <strong>do</strong> Procera, além <strong>de</strong> outros benefícios <strong>de</strong>vidamente elenca<strong>do</strong>sno relatório anexo”.Pelo magistra<strong>do</strong> foi então proferida a seguinte manifestação, àsfls. — “o pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> fls. 129/31 será aprecia<strong>do</strong> após a juntada dacontestação” (em 7.8.96, sen<strong>do</strong> publica<strong>do</strong> na imprensa oficial em 15.8.96).292


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):289-295, jan./<strong>de</strong>z. 1998A contestação somente foi ofertada em 25 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1996.A <strong>de</strong>cisão que manteve o in<strong>de</strong>ferimento da tutela antecipada foi proferidaem 21 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1996.O agravo <strong>de</strong> instrumento com pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> tutela antecipada foi interpostoperante o Tribunal <strong>de</strong> Justiça em 9 <strong>de</strong> setembro <strong>do</strong> corrente ano.Daí contar <strong>do</strong> final <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> — está <strong>de</strong>monstrada a necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong><strong>de</strong>ferimento da tutela antecipada <strong>de</strong> 30% da área reivindica”.Segun<strong>do</strong> Cândi<strong>do</strong> Dinamarco — o requerimento da tutela antecipadaserá feito por petição, nos autos <strong>do</strong> processo, sem a abertura <strong>de</strong> apenso.Nada obsta que, na própria inicial, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> o pressuposto <strong>do</strong> caput<strong>do</strong> inciso I, o autor requeira <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo a antecipação. O juiz, todavia, emnenhuma hipótese a conce<strong>de</strong>rá liminarmente, ou sem audiência <strong>do</strong> réu,que terá oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se manifestar sobre o pedi<strong>do</strong>, na contestação,caso ele tenha si<strong>do</strong> formula<strong>do</strong> na inicial. É o caso <strong>do</strong>s autos.Embora inicialmente correta a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>, foi o pedi<strong>do</strong>formula<strong>do</strong> diretamente ao tribunal.Aprova<strong>do</strong> o projeto <strong>de</strong> lei que prevê interposição <strong>do</strong> agravo <strong>de</strong> instrumentodiretamente perante o tribunal — que po<strong>de</strong>rá dar-lhe efeitosuspensivo — po<strong>de</strong>-se prognosticar o fim <strong>do</strong> manda<strong>do</strong> <strong>de</strong> segurança contraatos judiciais sujeitos a recurso. No caso, verificou-se a <strong>de</strong>mora nosenti<strong>do</strong> da oferta da contestação a colocar em riscos as medidas pretendidaspela Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Des<strong>de</strong> que presentes os pressupostos legais,a antecipação com base no inciso I po<strong>de</strong>rá ser concedida em qualquer fase<strong>do</strong> processo, inclusive na segunda instância, na fase recursal.A concessão da tutela antecipada po<strong>de</strong> ocorrer em qualquer tempo,por <strong>de</strong>cisão interlocutória que <strong>de</strong>cidir o recurso <strong>de</strong> agravo contra ela interposto,revelan<strong>do</strong>, assim, a natureza provisória e precária da medida.293


JURISPRUDÊNCIANo caso, nega<strong>do</strong> pelo magistra<strong>do</strong> e face à <strong>de</strong>mora na manifestação daparte contrária, foi o pedi<strong>do</strong> formula<strong>do</strong> perante o tribunal, ten<strong>do</strong> este relatorconcedi<strong>do</strong> efeito suspensivo, sem interposição <strong>de</strong> qualquer recurso.Não há que se falar em intempestivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso.Conforme salienta<strong>do</strong> pelo Des. Olavo Silveira, no Agravo <strong>de</strong> Instrumenton. 22.655-4/4-00, Mirante <strong>do</strong> Paranapanema — Oportuno ressaltare lembrar que a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se eliminar, <strong>de</strong> uma vez por todas, a erroniae <strong>de</strong>magógica teoria <strong>de</strong> que a solução <strong>do</strong> problema consistiria apenas emdar terras a quem possa torná-las produtivas, sem a prévia e <strong>de</strong>finida política<strong>de</strong> infra estrutura, em mol<strong>de</strong>s cooperativos mo<strong>de</strong>rnos, que possaassegurar a fixação <strong>do</strong> homem à terra, em condição <strong>de</strong> explorá-la, <strong>de</strong> fazêlaproduzir, dispon<strong>do</strong> <strong>de</strong> segurança quanto às garantias, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o plantioaté comercialização final. Dessa forma, e por tais razões, não se po<strong>de</strong>obstar as tentativas, quan<strong>do</strong> sérias, <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em contribuir para a superação<strong>do</strong> problema, tornan<strong>do</strong> a iniciativa <strong>de</strong> dispor das terras que supõe esustenta integrarem seu <strong>do</strong>mínio, para nela provi<strong>de</strong>nciar assentamento <strong>de</strong>trabalha<strong>do</strong>res, que se disponham a explorá-las mesmo nas condiçõesinsatisfatórias <strong>do</strong> sistema vigorante, on<strong>de</strong> o produtor rural é sempre oper<strong>de</strong><strong>do</strong>r venci<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> não pelos infortúnios da natureza, pela ação<strong>do</strong>s atravessa<strong>do</strong>res ou imposição <strong>do</strong> sistema financeiro econômico”.Existente a plausibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> direito da Fazenda <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em garantiro direito à in<strong>de</strong>nização, bem como a permanência <strong>do</strong>s possui<strong>do</strong>res em70% da área, aplicável se torna entendimento esposa<strong>do</strong> pelo Exmo. Sr.Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> STJ, Min. Bueno <strong>de</strong> Souza — “conquanto o Po<strong>de</strong>r Judiciárionão possa <strong>de</strong>scurar <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, por outraparte <strong>de</strong>ve estar atento aos reflexos <strong>do</strong> contexto social que suas <strong>de</strong>cisõesprovocam... Eis porque, convicto <strong>de</strong> que os elementos <strong>de</strong> fato autorizamconcluir que a paralisação <strong>do</strong> programa <strong>de</strong> assentamento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> e <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>pelo Esta<strong>do</strong>, conspiram contra a paz social daquela região,com real possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> grave risco <strong>de</strong> comprometimento da or<strong>de</strong>m e dasegurança pública, a par <strong>de</strong> acarretar in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> cerceamento à ação governamentalconcernente ao emprego <strong>de</strong> terras <strong>de</strong> seu <strong>do</strong>mínio, a fim <strong>de</strong>294


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):289-295, jan./<strong>de</strong>z. 1998conjurar os males advin<strong>do</strong>s da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada dispersão <strong>de</strong> ruralistas, heipor bem <strong>de</strong>ferir o pedi<strong>do</strong>...”Dessa forma, a preocupação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é louvável, pois, realmenteexiste a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dano irreparável ou <strong>de</strong> difícil reparação, razãopela qual as medidas preventivas com o assentamento <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res<strong>de</strong>vem ser a<strong>do</strong>tadas antes <strong>do</strong> <strong>de</strong>sfecho <strong>do</strong> final da li<strong>de</strong>.Observa, ainda, que o <strong>de</strong>ferimento da tutela antecipada <strong>de</strong> 30% não<strong>de</strong>verá cair sobre a parte nobre da fazenda, ou seja, sobre o local on<strong>de</strong> seencontram as benfeitorias como se<strong>de</strong>, silos, barracões, casa <strong>de</strong> emprega<strong>do</strong>se outras. Deverá ser observa<strong>do</strong> ainda, a critério <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>, a verificação<strong>de</strong> benfeitorias existentes ou que existiam e sua avaliação, <strong>de</strong>ntroda área correspon<strong>de</strong>nte aos 30%, valen<strong>do</strong>-se, se necessário, <strong>de</strong> perito <strong>de</strong>sua confiança, com complementação das providências <strong>de</strong>correntes da concessão<strong>de</strong> tutela antecipada.Diante <strong>do</strong> exposto, <strong>do</strong>u provimento ao recurso interposto pela Fazenda<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> para, ratifican<strong>do</strong> <strong>de</strong>cisão anterior, conce<strong>de</strong>ra tutela antecipada requerida na inicial.Barbosa Pereira, Relator295


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DECISÃO PROFERIDA PELO MINISTRO BUENO DESOUZA, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA,NOS AUTOS DO PEDIDO DE SUSPENSÃODE SEGURANÇA N. 450-SP297


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R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):297-302, jan./<strong>de</strong>z. 1998PEDIDO DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA N. 450 - SPRequerente: Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>Advoga<strong>do</strong>s: Marcio Sotelo Felippe e outrosRequeren<strong>do</strong>: Desembarga<strong>do</strong>r Terceiro Vice-Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong>Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>Impetrantes: Vitor Leal Filizzola e CônjugeAdvoga<strong>do</strong>s: Lamartine Maciel <strong>de</strong> Go<strong>do</strong>y e outrosImpetrante: José FurlanettiAdvoga<strong>do</strong>s: Daniel Schwenck e outroImpetrantes: Marlene Fioravante e outroDECISÃOO Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> aforou ação reivindicatória cumulada compedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> tutela antecipada perante o D. Juízo da Comarca <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong>Paranapanema, com base em título <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> obti<strong>do</strong> em processojudicial discriminatório, mediante sentença que transitou em julga<strong>do</strong> e que<strong>de</strong>clarou <strong>de</strong>voluta a área consistente <strong>do</strong> 11º perímetro daquele Município.Chamou a juízo fazen<strong>de</strong>iros que, a <strong>de</strong>speito disso, segun<strong>do</strong> se alega, insistemem ocupar tais terras. Aduziu, ainda, que a <strong>de</strong>manda tem por escopoassegurar o assentamento <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>res ruraisnaquela área, através <strong>de</strong> programa <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelo Governo estadual.Após audiência na qual compareceram ambas as partes, a cautelaprovisória foi <strong>de</strong>ferida pela Dra. Juíza <strong>de</strong> Direito da Comarca, no tocante,tão-somente, ao correspon<strong>de</strong>nte a 30% <strong>do</strong> total da área reivindicada, garantida,assim, a ativida<strong>de</strong> produtiva <strong>do</strong>s fazen<strong>de</strong>iros nos restantes 70% daárea objeto <strong>do</strong> litígio, sem prejuízo <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização aos requeri<strong>do</strong>s,em caso <strong>de</strong> improcedência da ação.Contra essa <strong>de</strong>cisão monocrática foram interpostos agravos <strong>de</strong> instrumentopelos prejudica<strong>do</strong>s e, simultaneamente, impetra<strong>do</strong>s três manda<strong>do</strong>s<strong>de</strong> segurança, no intuito <strong>de</strong> emprestar efeito suspensivo a tais recursos.Referi<strong>do</strong>s mandamus obtiveram <strong>de</strong>creto liminar da lavra <strong>do</strong> ilustre299


JURISPRUDÊNCIATerceiro Vice-Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,Desembarga<strong>do</strong>r Luís <strong>de</strong> Mace<strong>do</strong>.Daí porque, em face da paralisação <strong>do</strong> plano <strong>de</strong> assentamento governamentale da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retirar as famílias já assentadas, sustentaagora o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, ao pedir a suspensão <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>cretosliminares, grave lesão à or<strong>de</strong>m e segurança públicas, mercê <strong>do</strong> espíritobeligerante que se instalou naquela localida<strong>de</strong>, fruto da insatisfação <strong>do</strong>seventuais beneficiários da providência obstada pela <strong>de</strong>cisão judicial.Preliminarmente, começo por reconhecer a competência da Presidência<strong>de</strong>sta Corte para o exame <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> suspensão, ten<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>raçãoque, tanto nas <strong>de</strong>cisões ora invectivadas como nos manda<strong>do</strong>s <strong>de</strong>segurança aos quais se vinculam, sem embargo da referência a inúmerosoutros dispositivos <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral (v.g. art. 508, 516 e 524 <strong>do</strong> Código Civil,744 <strong>do</strong> CPC e Lei n. 3.962/52), controverteu-se, com inegável e suficienteprimazia, para a <strong>de</strong>limitação da natureza da tutela jurisdicional pretendida(assim consi<strong>de</strong>rada sob o enfoque <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> e da causa petendi), sobre aaplicação <strong>do</strong> artigo 273 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, ou seja, <strong>do</strong> novelinstituto da cautela antecipada.E tal assertiva ainda mais se evi<strong>de</strong>ncia pelo tópico central da <strong>de</strong>cisãoora hostilizada, verbis:“Segun<strong>do</strong> consta, a reivindicatória tem por fundamento o fato <strong>de</strong>as terras serem <strong>de</strong>volutas; e a <strong>de</strong>fesa, por sua vez, centra-se basicamentena tese <strong>de</strong> que a posse <strong>do</strong>s <strong>de</strong>manda<strong>do</strong>s é justa, certo que ospossui<strong>do</strong>res ainda não tiveram oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> legitimar suasposses.Assim sen<strong>do</strong>, o convencimento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> prova e discussão, nãoparecen<strong>do</strong> a<strong>de</strong>quada a antecipação <strong>de</strong> tutela, ainda que relativa aapenas 30% das terras, ten<strong>do</strong> em vista os requisitos exigi<strong>do</strong>s peloartigo 273 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil.”300


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):297-302, jan./<strong>de</strong>z. 1998Assim, futuras <strong>de</strong>cisões colegiadas a serem proferidas nas açõesmandamentais, certamente darão ensejo a recurso ordinário ou especialen<strong>de</strong>reça<strong>do</strong> ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (art. 25, Lei n. 8.038/90).Em pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> suspensão <strong>de</strong> liminar não se consentem disquisiçõesquanto ao fun<strong>do</strong> da controvérsia objeto da <strong>de</strong>manda, a envolver adiantamento<strong>de</strong> juízo sobre o mérito da impetração, circunscreven<strong>do</strong>-se os limitescognitivos à verificação <strong>de</strong> qualquer das hipóteses elencadas no artigo4º da Lei n. 4.348/64 (STF, Pleno, Ag. Rg. na SS n. 471-DF, Rel. Min.Sydney Sanches, DJU, <strong>de</strong> 4.6.93, entre outros).O assim chama<strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> Paranapanema tornou-se, em época recente,palco nacionalmente conheci<strong>do</strong> por conflitos agrários ali ocorri<strong>do</strong>s,envolven<strong>do</strong> movimento <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> pessoas que se auto-intitulam “semterra”.A D. Magistrada, por sua vez, ao prestar informações nos referi<strong>do</strong>smanda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> segurança impetra<strong>do</strong>s contra sua <strong>de</strong>cisão, alertou para apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> invasão maciça da área litigiosa, com graves e imprevisíveisconseqüências.Como Relator da Intervenção Fe<strong>de</strong>ral n. 11-3-SC, que cuidava <strong>de</strong>hipótese <strong>de</strong> reintegração na posse <strong>de</strong> terras particulares no Município <strong>de</strong>Abelar<strong>do</strong> Luz, invadidas naquela oportunida<strong>de</strong> por grupo congênere ao<strong>do</strong> caso presente, a pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> então Governa<strong>do</strong>r catarinense Dr. AntônioCarlos Kon<strong>de</strong>r Reis (que temia <strong>de</strong>rramamento <strong>de</strong> sangue no cumprimentoda or<strong>de</strong>m judicial <strong>de</strong> reintegração), com a honrosa e unânime aprovação<strong>de</strong> meus <strong>do</strong>utos Pares, suspendi o feito por sessenta dias, visan<strong>do</strong> soluçãoamigável <strong>do</strong> conflito, que efetivamente foi obtida (sessão <strong>de</strong> 12.5.94).De igual mo<strong>do</strong> proce<strong>de</strong>u, durante o recesso forense, o eminente MinistroWilliam Patterson, então no exercício eventual da Presidência <strong>de</strong>staCorte, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>feriu requerimento <strong>de</strong> suspensão formula<strong>do</strong> pelo Município<strong>de</strong> Vila Velha-ES firme e forte nos seguintes fundamentos que, porsua explicitu<strong>de</strong>, trago à transcrição:301


JURISPRUDÊNCIA“Conquanto o Po<strong>de</strong>r Judiciário não possa <strong>de</strong>scurar <strong>do</strong> direito <strong>de</strong>proprieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, por outra parte <strong>de</strong>ve estar atento aosreflexos no contexto social que suas <strong>de</strong>cisões provocam. Na espécie,afirma a Municipalida<strong>de</strong> o propósito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriar a áreaobjeto <strong>de</strong> litígio, afetan<strong>do</strong>-a para tal fim via Decreto n. 202/95(f. 19/20). Nessa moldura, a prudência recomenda evitar o usoaçoda<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> impacto, como a que se contém na liminar<strong>de</strong> imissão imediata na posse.” (SS n. 444-ES, DJU, <strong>de</strong> 1º.2.96)Eis porque, convicto <strong>de</strong> que os elementos <strong>de</strong> fato autorizam concluirque a retirada das famílias já assentadas e a própria paralisação <strong>do</strong> programa<strong>de</strong> assentamento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> e <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong> conspiram contraa paz social daquela região, com real possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> grave risco <strong>de</strong>comprometimento da or<strong>de</strong>m e da segurança públicas, a par <strong>de</strong> acarretarin<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> cerceamento à ação governamental concernente ao emprego <strong>de</strong>terras <strong>de</strong> seu <strong>do</strong>mínio, a fim <strong>de</strong> conjurar os males advin<strong>do</strong>s da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadadispersão <strong>de</strong> ruralistas, hei por bem <strong>de</strong>ferir o pedi<strong>do</strong>, como ora faço, parao fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a suspensão das medidas liminares concedidas nosautos <strong>do</strong>s Manda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Segurança ns. 5.108-4/4, 5.259-4 e 5.260-4, emtramitação perante o Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, até queo mérito seja aprecia<strong>do</strong> e a <strong>de</strong>cisão eventualmente concessiva <strong>do</strong> writ transiteem julga<strong>do</strong> (art. 4º, Lei n. 4.348/64).Comunique-se, com urgência, via telex e, <strong>de</strong>pois, por ofícios.Publique-se e intimem-se.Brasília, 22 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996Ministro Bueno <strong>de</strong> Souza, Presi<strong>de</strong>nte302


DECISÃO PROFERIDA PELO MINISTRO BUENO DESOUZA, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA,NOS AUTOS DA MEDIDA CAUTELAR N. 535-SP303


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R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):303-312, jan./<strong>de</strong>z. 1998MEDIDA CAUTELAR N. 535 - SÃO PAULORelator: Ministro Bueno <strong>de</strong> SouzaRequerente: Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>Requeri<strong>do</strong>: Agropecuária SRM S/AAdvoga<strong>do</strong>s: Drs. Marcio Sotelo Felippe e outrosDESPACHOO Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> aforou ação cautelar inominada com pedi<strong>do</strong><strong>de</strong> liminar, a fim <strong>de</strong> obter a concessão <strong>de</strong> efeito suspensivo a recurso especialinterposto contra v. acórdão da Segunda Câmara <strong>de</strong> Direito Priva<strong>do</strong><strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça daquela Unida<strong>de</strong> da Fe<strong>de</strong>ração, o qual <strong>de</strong>u provimentoa agravo <strong>de</strong> instrumento interposto pela empresa Agropecuária SRMS/A, para o fim <strong>de</strong> revogar tutela antecipada concedida pela D. Juíza <strong>de</strong>Direito da Comarca <strong>de</strong> Pontal <strong>do</strong> Paranapanema.Prossegue a requerente, em petição subscrita pelo Procura<strong>do</strong>r-<strong>Geral</strong><strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, historian<strong>do</strong> a controvérsia, nestes termos; verbis:“Trata o presente <strong>de</strong> questão atinente à reivindicação <strong>de</strong> terraspúblicas (<strong>de</strong>volutas), na região <strong>de</strong>nominada “Pontal <strong>do</strong>Paranapanema”, para o assentamento <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>resrurais “sem-terra”.O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, com vista a pacificar a região, vem reivindican<strong>do</strong>terras públicas estaduais (<strong>de</strong>volutas), e requeren<strong>do</strong> a concessão<strong>de</strong> tutela antecipada parcial, para assumir, <strong>de</strong> imediato, 30%da posse da área.O Esta<strong>do</strong> propôs, no inicio <strong>de</strong>ste ano, ação reivindicatória em faceda ré, que se põe como ocupante ilegítima da área <strong>de</strong> terra pública(<strong>de</strong>voluta), localizada na região <strong>do</strong> “Pontal <strong>do</strong> Paranapanema”. Talárea é <strong>de</strong>nominada fazenda King Meat, conta com 1100 hectares,aproximadamente, e se localiza em área <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> tensão socialpor conflitos fundiários.305


JURISPRUDÊNCIATal área é reconhecidamente pública, conforme sentença transitadaem julga<strong>do</strong> da área discriminatória <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1940, eisque a terra por ela ocupada insere-se integralmente no referi<strong>do</strong> 11ºPerímetro <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong> Paranapanema — vi<strong>de</strong> <strong>do</strong>cs, <strong>de</strong> f. 152-154, 155-169 <strong>do</strong>s autos — cópia, em anexo, e Mapa ilustrativo.Especificadamente na área <strong>do</strong> 11º Perímetro, foi já concluí<strong>do</strong> to<strong>do</strong>o processo judicial discriminatório, haven<strong>do</strong> sentença transitadaem julga<strong>do</strong> em 1947, <strong>de</strong>claran<strong>do</strong>-o como <strong>de</strong>voluto. Desta forma aárea é constituída <strong>de</strong> terras públicas, conforme consta <strong>de</strong> matricula<strong>do</strong> Cartório <strong>de</strong> Registro <strong>de</strong> Imóveis competente.”Impen<strong>de</strong>, por primeiro, observar que o recurso especial interposto,fundamenta<strong>do</strong> na alínea “a” <strong>do</strong> permissivo constitucional, está ainda sujeitoao juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> no Tribunal prolator <strong>do</strong> acórdão que senoticia recorri<strong>do</strong>, muito embora a certidão carreada aos autos não <strong>de</strong>ixedúvidas sobre a sua tempestivida<strong>de</strong>.A orientação jurispru<strong>de</strong>ncial promanada <strong>do</strong>s diversos órgãos judicantescomponentes das Seções <strong>de</strong>ste Tribunal somente admitem a apreciação <strong>de</strong>medida cautelar, antes <strong>de</strong> formalmente admiti<strong>do</strong> o recurso especial, emcircunstâncias excepcionais, sob o amês <strong>de</strong> acontecimentos incoercíveis(MC n. 266-SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJU, <strong>de</strong> 15.4.96; MCn. 311-SP, Rel. Min. Humberto Gomes <strong>de</strong> Barros, DJU, <strong>de</strong> 5.2.96, MCn. 170-RS, Rel. Min. César Astor Rocha, DJU, <strong>de</strong> 16.10.95, entreoutros).Na espécie, tenho como ocorrente situação <strong>de</strong> absolutaexcepcionalida<strong>de</strong>, a par da impostergabilida<strong>de</strong> da prestação da tutelajurisdicional pelo Juízo competente (art. 800, parágrafo único, CPC), razãopela qual aceito a medida cautelar e passo a examiná-la.O litígio e seus contornos são assaz conheci<strong>do</strong>s por esta Presidência,eis que <strong>de</strong>le já me ocupei em duas diferentes oportunida<strong>de</strong>s, por ocasião306


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):303-312, jan./<strong>de</strong>z. 1998<strong>do</strong>s pedi<strong>do</strong>s formula<strong>do</strong>s nas SS ns. 450-SP e 452-SP 1 , ten<strong>do</strong> <strong>de</strong>feri<strong>do</strong> asuspensão almejada em ambos os casos, sob os seguintes fundamentos:“O assim chama<strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> Paranapanema tornou-se, em épocarecente, palco nacionalmente conheci<strong>do</strong> por conflitos agrários aliocorri<strong>do</strong>s, envolven<strong>do</strong> movimento <strong>de</strong> grupo <strong>de</strong> pessoas que se autointitulam“sem-terra”.A D. Magistrada, por sua vez, ao prestar informações nos referi<strong>do</strong>smanda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> segurança impetra<strong>do</strong>s contra sua <strong>de</strong>cisão, alertoupara a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> invasão maciça da área litigiosa com gravese imprevisíveis conseqüências.Como Relator da Intervenção Fe<strong>de</strong>ral n. 11-3-SC, que cuidava <strong>de</strong>hipótese <strong>de</strong> reintegração na posse <strong>de</strong> terras particulares no Município<strong>de</strong> Abelar<strong>do</strong> Luz, invadidas naquela oportunida<strong>de</strong>, por grupocongênere ao <strong>do</strong> caso presente; a pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> então Governa<strong>do</strong>rcatarinense Dr. Antônio Carlos Kon<strong>de</strong>r Reis (que temia <strong>de</strong>rramamento<strong>de</strong> sangue no cumprimento da or<strong>de</strong>m judicial <strong>de</strong> reintegração),com a honrosa e unânime aprovação <strong>de</strong> meus <strong>do</strong>utos Pares,suspendi o feito por sessenta dias, visan<strong>do</strong> solução amigável <strong>do</strong>conflito, que efetivamente foi obtida (sessão <strong>de</strong> 12.5.94).De igual mo<strong>do</strong> proce<strong>de</strong>u, durante o recesso forense, o eminenteMinistro William Patterson, então no exercício eventual da Presidência<strong>de</strong>sta Corte, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>feriu requerimento <strong>de</strong> suspensão formula<strong>do</strong>pelo Município <strong>de</strong> Vila Velha-ES firme e forte nos seguintesfundamentos que, por sua explicitu<strong>de</strong>, trago à transcrição:“Conquanto o Po<strong>de</strong>r Judiciário não possa <strong>de</strong>scurar <strong>do</strong> direito <strong>de</strong>proprieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, por outra parte <strong>de</strong>ve estar atento aosreflexos no contexto social que suas <strong>de</strong>cisões provocam.1. Ver a íntegra da SS n. 450-SP, à p. 299.307


JURISPRUDÊNCIANa espécie, afirma a Municipalida<strong>de</strong> o propósito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriara área objeto <strong>de</strong> litígio, afetan<strong>do</strong>-a para fim via Decreton. 202/95 (f. 19/20). Nessa moldura, a prudência recomenda evitaro uso açoda<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> impacto, como a que se contém naliminar <strong>de</strong> imissão imediata na posse.” (SS n. 444-ES, DJU,<strong>de</strong>1º.2.96).Eis porque, convicto <strong>de</strong> que os elementos <strong>de</strong> fato autorizam concluirque a retirada das famílias já assentadas e a própria paralisação<strong>do</strong> programa <strong>de</strong> assentamento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> e <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelopróprio Esta<strong>do</strong>, conspiram contra a paz social daquela região, comreal possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> grave risco <strong>de</strong> comprometimento da or<strong>de</strong>m eda segurança públicas, a par <strong>de</strong> acarretar in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> cerceamento àação governamental concernente ao emprego <strong>de</strong> terras <strong>de</strong> seu <strong>do</strong>mínio,a fim <strong>de</strong> conjurar os males advin<strong>do</strong>s da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada dispersão<strong>de</strong> ruralistas, hei por bem em <strong>de</strong>ferir o pedi<strong>do</strong>...”Diversos, contu<strong>do</strong>, os limites cognitivos da presente medida cautelar,impon<strong>do</strong>-se a verificação da ocorrência <strong>do</strong> fumus boni iuris e, bem assim,<strong>do</strong> periculum in mora para a concessão da liminar.Refluo, assim, ao tempo da concessão da tutela antecipada pela D.Juíza <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong> Paranapanema, Dra. Catarina Sílvia Ruybal da SilvaEstimo, <strong>de</strong> cuja r. <strong>de</strong>cisão extraio os seguintes tópicos:“O propósito da Fazenda Estadual é a obtenção <strong>de</strong> 30% (trinta porcento) da área das fazendas contra as quais foi ajuizada a açãoreivindicatória, para ter lugar um assentamento <strong>de</strong> pessoas cadastradaspelo próprio governo, após prévia seleção pelos órgãos <strong>do</strong>Po<strong>de</strong>r Executivo, com a intenção <strong>de</strong> buscar a paz social para, emum segun<strong>do</strong> momento, cuidar <strong>de</strong> discutir os valores a serem pagospelas benfeitorias cuja in<strong>de</strong>nização merece agasalho pela lei, toman<strong>do</strong>-secomo base inicial os valores aponta<strong>do</strong>s pelos técnicos<strong>do</strong> ITESP, à falta <strong>de</strong> outros elementos.”308


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):303-312, jan./<strong>de</strong>z. 1998E ainda:“Assim, a concessão <strong>de</strong>sta liminar po<strong>de</strong>rá ocorrer, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sejamrespeita<strong>do</strong>s os limites da proprieda<strong>de</strong> em questão, antecipan<strong>do</strong>-sea posse ao Esta<strong>do</strong>, na área <strong>de</strong>marcada na inicial (f. 10), on<strong>de</strong> segun<strong>do</strong>informações <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s oito sócios, nada está sen<strong>do</strong> produzi<strong>do</strong>.Por outro la<strong>do</strong>, ao fazen<strong>de</strong>iro fica garanti<strong>do</strong> o exercício <strong>de</strong> qualquerativida<strong>de</strong> produtiva nos restantes setenta por cento <strong>de</strong> suaárea, enquanto caminhe a li<strong>de</strong> reivindicatória, até final <strong>de</strong>cisão, protegi<strong>do</strong>o direito <strong>de</strong> ampla <strong>de</strong>fesa e <strong>de</strong>mais princípios abraça<strong>do</strong>s pornossa Carta Magna.........................................................................................................Cumpre observar que em caso <strong>de</strong> improcedência da ação principal,assistirá aos requeri<strong>do</strong>s a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acionar a Fazenda Estadual,para fins <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> perdas sofridas, com a concessão <strong>de</strong>staliminar.”Por sua vez, o acórdão impugna<strong>do</strong> pelo recurso especial, para afastaro cabimento da tutela antecipada concedida, alicerçou-se, com prepon<strong>de</strong>rância,neste ponto:“É certo o processamento da ação discriminatória a proclamar anatureza <strong>de</strong>voluta <strong>do</strong> bem ou da parte <strong>de</strong>le; ainda falta, porém,cabal <strong>de</strong>monstração <strong>do</strong> procedimento <strong>de</strong> legitimação assegura<strong>do</strong>pelo Decreto-Lei Estadual n. 11.096/40, circunstância ten<strong>de</strong>nte aexigir prova e disceptações incompatíveis com a antecipação or<strong>de</strong>nada.Assim, aliás, <strong>de</strong>liberou o Exmo. Des. Luís <strong>de</strong> Mace<strong>do</strong>, DD.3º Vice-Presi<strong>de</strong>nte, nos manda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> segurança impetra<strong>do</strong>s emsituações idênticas.”309


JURISPRUDÊNCIAOra, assim como <strong>de</strong>scabe nesta se<strong>de</strong> avançar qualquer juízo sobrequestão <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> da <strong>de</strong>manda, mormente aquelas veiculadas no recursoespecial, parece-me, com as mais re<strong>do</strong>bradas vênias <strong>do</strong> órgão julga<strong>do</strong>rprolator <strong>do</strong> acórdão recorri<strong>do</strong>, que o <strong>de</strong>slin<strong>de</strong> <strong>de</strong> referida matéria mais seaconselha a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mérito da ação reivindicatória, no necessário contraste<strong>do</strong>s títulos <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio exibi<strong>do</strong>s pelas partes.Assim, não se po<strong>de</strong> olvidar, até ampla e posterior cognição, com fielobservância <strong>do</strong> contraditório (quiçá com indispensável concurso <strong>de</strong> provatécnica) a existência da coisa julgada em benefício <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>,<strong>de</strong>claran<strong>do</strong> <strong>de</strong>volutas a área <strong>do</strong> 11º Perímetro <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong>Paranapanema.A<strong>de</strong>mais, o recurso especial sustenta maltrato aos novéis dispositivos<strong>do</strong>s artigos 526 e 273 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil.Há que se <strong>de</strong>stacar a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entendimento existente no próprioTribunal paulista.Inafastável, portanto, torna-se reconhecer, com suficiência, a existênciada fumaça <strong>do</strong> bom direito.Com relação ao segun<strong>do</strong> requisito, concernente ao perigo na <strong>de</strong>mora<strong>do</strong> provimento judicial, convicto estou que incumbe ao Juiz, sobretu<strong>do</strong>nos dias atuais, proce<strong>de</strong>r a um realístico sopesamento da situação e seusindiscutíveis <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos.Nesta conjuntura, a quebra da paz social e o inegável perigo à segurança<strong>de</strong> pessoas e coisas, no caso vertente, dispensa maiores argumentos.Contu<strong>do</strong>, o que mais preocupa é a incerteza e talvez a impossívelreparabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s danos causa<strong>do</strong>s às famílias <strong>de</strong> agricultores assentadas,no caso <strong>de</strong> eventual provimento <strong>do</strong> recurso especial pela Turma.310


R. Proc. <strong>Geral</strong> Est. <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, (49/50):303-312, jan./<strong>de</strong>z. 1998De fato, não escapa nem mesmo ao conhecimento <strong>do</strong> homem citadino,que as ativida<strong>de</strong>s rurais exigem uma diuturna <strong>de</strong>dicação, eis que sesujeitam aos mais diversos acontecimentos e perío<strong>do</strong>s impostos pelanatureza.Como recompor e até mesmo mensurar os prejuízos que serão sofri<strong>do</strong>spor cerca <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> famílias rurícolas assentadas há mais <strong>de</strong> umsemestre, constitui tarefa que <strong>de</strong>safia o intelecto.O eminente Ministro Sálvio <strong>de</strong> Figueire<strong>do</strong>, a quem couberam os autospor distribuição, com a autorida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>tém no campo <strong>do</strong> DireitoProcessual, com a unânime aprovação <strong>de</strong> seus d. Pares, por ocasião <strong>do</strong>referendum à liminar concedida na Medida Cautelar n. 47-RJ, em sessão<strong>de</strong> 27.6.94 (DJU, <strong>de</strong> 5.9.94), pontificou na consonância <strong>do</strong> que foi resumi<strong>do</strong>na ementa gerada para o respectivo acórdão, <strong>de</strong>ste teor.“Processual Civil, Cautelar. Vinculação a recurso ordinário em manda<strong>do</strong><strong>de</strong> segurança. Liminar concedida e referendada. Unânime.Constitui jurisprudência assente na corte que não se <strong>de</strong>ve prodigalizara concessão <strong>de</strong> cautelares para comunicação <strong>de</strong> efeitosuspensivo a recursos a ela <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tal eficácia.Não menos certo também e, no entanto, que a medida mereceabrigo quan<strong>do</strong> presentes os pressupostos jurídicos <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>ferimento,especialmente quan<strong>do</strong> satisfatóriamente <strong>de</strong>monstradas circunstânciasfáticas que induvi<strong>do</strong>samente po<strong>de</strong>m ensejar lesão <strong>de</strong>incerta reparação.”A premência da medida ainda mais se evi<strong>de</strong>ncia, quan<strong>do</strong> se verificaque a <strong>de</strong>socupação está marcada para amanhã, dia 10 <strong>de</strong> julho.A concessão liminar requerida, a meu sentir, constitui providênciaque, a par <strong>de</strong> preservar a paz social, se qualifica como menos danosa aosinteresses das partes, tanto quanto à eficácia prática da <strong>de</strong>cisão a sercertamente proferida por esta Corte em questão que, por não ter si<strong>do</strong>311


JURISPRUDÊNCIAainda enfrentada, convém preservada até o julgamento <strong>do</strong> recursoespecial interposto.Eis porque <strong>de</strong>firo o pedi<strong>do</strong>, ad referendum da egrégia Quarta Turma,para o fim <strong>de</strong> emprestar efeito suspensivo ao recurso especial interpostoem face <strong>do</strong> acórdão proferi<strong>do</strong> pela Segunda Câmara <strong>de</strong> Direito Priva<strong>do</strong> noAI n. 005.448.4/5, junto ao eg. Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><strong>Paulo</strong> (art. 34, VI, RISTJ).Comunique-se, com urgência, por telex e ofícios, ao Tribunal a quoe, bem assim, ao D. Juízo da Comarca <strong>de</strong> Mirante <strong>do</strong> Paranapanema-SP.Cite-se a requerida, através <strong>de</strong> carta <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, para que, queren<strong>do</strong>,conteste o pedi<strong>do</strong> no prazo <strong>de</strong> cinco (5) dias.Oficie-se à eg. Presidência <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><strong>Paulo</strong>, solicitan<strong>do</strong>-lhe brevida<strong>de</strong> no Juízo <strong>de</strong> prelibação <strong>do</strong> recurso especial.Publique-se e intimem-se.Fin<strong>do</strong> o recesso forense, sejam os autos presentes ao vero Relator.Brasília, 9 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1998Ministro Bueno <strong>de</strong> Souza, Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Superior Tribunal<strong>de</strong> Justiça312


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