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A condenação do empresário ao pagamento de ... - Milton Campos

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOSPAULO HENRIQUE BORGES CRUVINELA CONDENAÇÃO DO EMPRESÁRIO AO PAGAMENTO DEDANO MORAL AO CONSUMIDORBelo Horizonte2012


PAULO HENRIQUE BORGES CRUVINELA CONDENAÇÃO DO EMPRESÁRIO AO PAGAMENTO DEDANO MORAL AO CONSUMIDORDissertação apresentada à Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> comorequisito parcial à obtenção <strong>do</strong> título <strong>de</strong> Mestre em Direito Empresarial.Orienta<strong>do</strong>ra: Profª. Dra. Miriam <strong>de</strong> Abreu Macha<strong>do</strong> e <strong>Campos</strong>.Belo Horizonte2012


PAULO HENRIQUE BORGES CRUVINELA CONDENAÇÃO DO EMPRESÁRIO AO PAGAMENTO DEDANO MORAL AO CONSUMIDORDissertação apresentada à Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>como requisito parcial à obtenção <strong>do</strong> título <strong>de</strong> Mestre em DireitoEmpresarial.Aprovada: ___/___/2012.___________________________________________Profª. Dra. Miriam <strong>de</strong> Abreu Macha<strong>do</strong> e <strong>Campos</strong>(Orienta<strong>do</strong>ra)___________________________________________Prof(a). Dr(a). ______________________________(membro da banca examina<strong>do</strong>ra)______________________________________________Prof(a). Dr(a). __________________________________(membro da banca examina<strong>do</strong>ra)


Dedico este estu<strong>do</strong> à minha esposa, Ana Luisa, pelo amor, pela amiza<strong>de</strong>,pela paciência, pela compreensão, por inclusive haver torna<strong>do</strong> possível arealização <strong>de</strong>ste árduo, porém gratificante trabalho.


Agra<strong>de</strong>ço a to<strong>do</strong>s aqueles que <strong>de</strong> alguma forma têm uma <strong>do</strong>se, ainda quepequena, <strong>de</strong> participação neste trabalho, o qual sem a menor dúvida não éum trabalho solitário, mas sim o produto <strong>do</strong> esforço <strong>de</strong> várias pessoas que<strong>de</strong>ram a sua parcela <strong>de</strong> colaboração, incentivan<strong>do</strong>-me, motivan<strong>do</strong>-me, dan<strong>do</strong>meseus ombros amigos nos momentos em que o horizonte tingiu-se <strong>de</strong> cinzaanuncian<strong>do</strong> a borrasca, a qual, graças justamente a estas pessoas, nunca<strong>de</strong>sabou. A todas estas pessoas o meu sincero e veemente "muito obriga<strong>do</strong>".Faço, todavia, um especial agra<strong>de</strong>cimento à Professora Doutora Miriam <strong>de</strong>Abreu Macha<strong>do</strong> e <strong>Campos</strong> por ter aceita<strong>do</strong> o encargo <strong>de</strong> me orientar nestetrabalho. Agra<strong>de</strong>ço-lhe também a paciência, a confiança, as críticas e oselogios, to<strong>do</strong>s eles extremamente necessários à conclusão <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>.


RESUMOA responsabilida<strong>de</strong> civil existe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios das civilizações humanas,quan<strong>do</strong>, então, objetivava inicialmente penalizar o causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano como forma <strong>de</strong>inibir novas ofensas. Com a evolução da socieda<strong>de</strong>, o Esta<strong>do</strong> tomou para si o po<strong>de</strong>r<strong>de</strong>ver<strong>de</strong> dirimir os conflitos entre os indivíduos com vistas a alcançar a pacificaçãosocial. Surge assim a responsabilida<strong>de</strong> civil em caráter reparatório. No âmbito dasrelações <strong>de</strong> consumo apareceram vários conflitos entre consumi<strong>do</strong>r e fornece<strong>do</strong>r, nãosó em razão da existência <strong>do</strong> dano material, mas também em razão das ofensasgera<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> dano moral. Por essa razão, faz-se necessário reforçar o caráterpunitivo <strong>do</strong> dano extrapatrimonial, sen<strong>do</strong> necessário, inclusive, haver uma análisemais criteriosa no momento <strong>de</strong> se fixar o quantum in<strong>de</strong>nizatório. Neste senti<strong>do</strong>, emmeio às gran<strong>de</strong>s transformações da socieda<strong>de</strong> e os inúmeros conflitos <strong>de</strong> interessesexistentes na relação <strong>de</strong> consumo, serão <strong>de</strong>monstradas questões acerca dareparação civil nessa sorte <strong>de</strong> relações, bem como será <strong>de</strong>monstrada a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> se dar maior ênfase às ofensas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m moral como forma <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iramentereduzir o abalo suporta<strong>do</strong> pela vítima, com o recebimento <strong>de</strong> compensação pecuniáriapela <strong>do</strong>r sofrida, <strong>de</strong>sestimulan<strong>do</strong> o empresário, fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> produtos e serviços narelação <strong>de</strong> consumo, a reincidir na prática nociva.Palavras-chave: Consumi<strong>do</strong>r. Dano moral. Empresário. Jurisprudência.Responsabilida<strong>de</strong> civil.


ABSTRACTCivil liability traces its roots to ancient times, and its original goal was to penalizewrong<strong>do</strong>ers in or<strong>de</strong>r to discourage them from committing new wrongs. As societyevolved, the State took over the authority and duty to solve conflicts amongindividuals, thus aiming at achieving social peace. Thus, civil liability took on arestorative nature. In the field of consumer relations there are many conflicts amongconsumers and suppliers, conflicts which not only originate from pecuniary injuries, butmainly from injuries causing pain and suffering. For this reason, it is necessary tostress the punitive and restorative nature of compensation for pain and suffering, andto stress the need of carrying out a more thorough analysis when estimating theamount of the compensation. In line with this, in the midst of major social changes andthe significant number of existing conflicts, this study shows one of the aspects ofcompensation for civil wrongs in consumer relations and the need of <strong>de</strong>voting moreattention to pain and suffering, as a means of truly mitigating injuries sustained by thevictim and, mainly, of discouraging the wrong<strong>do</strong>er.Keywords: Consumer. Pain and suffering. Entrepreneurs. Case law. Civil liability.


SUMÁRIOINTRODUÇÃO ........................................................................................................... 8CAPÍTULO I – CONSUMIDOR ................................................................................ 111.1 Introdução <strong>ao</strong> capítulo ........................................................................................ 111.2 Evolução histórica <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r ...................................................... 131.3 Características gerais <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r .............................. 181.4 Princípios <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r ................................................ 221.5 Política Nacional da Relação <strong>de</strong> consumo ......................................................... 251.6 Os quatro conceitos <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r no CDC. ..................................................... 281.6.1 O consumi<strong>do</strong>r em senti<strong>do</strong> estrito ..................................................................... 311.6.2 Consumi<strong>do</strong>res por equiparação ..................................................................... 321.6.2.1 O consumi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> parágrafo único <strong>do</strong> artigo 2º <strong>do</strong> CDC ................................ 331.6.2.2 O consumi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> artigo 17 <strong>do</strong> CDC .............................................................. 331.6.2.3 Pessoas expostas às práticas comerciais .................................................... 351.7 Conceito <strong>de</strong> fornece<strong>do</strong>r ...................................................................................... 361.8 Direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r à reparação por dano moral suporta<strong>do</strong> ........................... 38CAPÍTULO II - DANO MORAL ................................................................................. 432.1 Preliminares históricas ....................................................................................... 432.2 Consi<strong>de</strong>rações iniciais........................................................................................ 482.3 Dano moral e direitos da personalida<strong>de</strong> ............................................................. 512.4 Dano moral como cláusula pétrea da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 ................. .592.5 Quantificação <strong>do</strong> dano ....................................................................................... 612.6 A jurisprudência e o dano moral ....................................................................... .682.7 Dano moral compensatório e dano moral punitivo............................................. 72CAPÍTULO III – EMPRESÁRIO ............................................................................... 763.1 Evolução histórica <strong>do</strong> direito empresarial ........................................................... 763.2 Consi<strong>de</strong>rações preliminares ............................................................................... 773.3 Espécie <strong>de</strong> empresário....................................................................................... 793.4 Ativida<strong>de</strong> empresarial e direitos e garantias fundamentais <strong>do</strong> cidadão............... 803.4.1 Ativida<strong>de</strong> empresarial e direitos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r .............................................. 813.5 Ativida<strong>de</strong> empresarial e o Código Civil <strong>de</strong> 2002 ................................................ 853.5.1Empresário e função social .............................................................................. 873.5.2 Empresário e boa-fé objetiva ........................................................................... 87CAPÍTULO IV - DANO MORAL AO CONSUMIDOR PELO EMPRESÁRIO ............. 904.1 Visão <strong>do</strong>utrinária e aspectos jurispru<strong>de</strong>nciais ..................................................... 904.2 Fundamento das <strong>de</strong>cisões e valor das con<strong>de</strong>nações ........................................ .93CONCLUSÃO .......................................................................................................... 97REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 99


8INTRODUÇÃOA figura da responsabilida<strong>de</strong> civil, ou responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>corrente da prática <strong>de</strong>ato ilícito, conforme <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> no artigo 186 <strong>do</strong> Código Civil vigente, também<strong>de</strong>nominada “responsabilida<strong>de</strong> extracontratual”, ou ainda “responsabilida<strong>de</strong>aquiliana” em virtu<strong>de</strong> Lei Aquilia <strong>do</strong> Direito Romano, que tratava justamente daresponsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>corrente da prática <strong>de</strong> atos que transgrediam o direito, causan<strong>do</strong>dano, sem, contu<strong>do</strong>, configurarem infrações contratuais, já se manifestava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> osprimórdios da civilização. Entretanto, não se aflorava como meio <strong>de</strong> reparar ou <strong>de</strong>reduzir o mal causa<strong>do</strong>, mas tão-somente como instrumento <strong>de</strong> punição <strong>do</strong> ofensor.Com o passar <strong>do</strong>s anos e avanço da socieda<strong>de</strong>, o Esta<strong>do</strong> tomou para si o<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> zelar pela pacificação social, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que, a responsabilida<strong>de</strong> aquiliana,ou extracontratual, que se contrapõe à responsabilida<strong>de</strong> contratual, per<strong>de</strong>u o seucaráter <strong>de</strong> vingança e ganhou espaço o caráter <strong>de</strong> reparabilida<strong>de</strong>, ou seja, passou abuscar a <strong>de</strong>volução à vítima <strong>do</strong> status quo ante, e quan<strong>do</strong> isso não fosse possívelpelo menos reduzir a <strong>do</strong>r experimentada por ela, vítima, através <strong>do</strong> recebimento <strong>de</strong>uma quantia em dinheiro como forma <strong>de</strong> compensação pelo dano suporta<strong>do</strong>.Juntamente com este caráter reparatório, surgiu a obrigatorieda<strong>de</strong> da vítima<strong>de</strong>monstrar que o elemento culpa se fazia presente, ou seja, o elemento culpa (emsenti<strong>do</strong> amplo) tornou-se requisito para a configuração <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar. Valedizer: on<strong>de</strong> não havia a comprovação da culpa o ofensor não era responsabiliza<strong>do</strong>.Gran<strong>de</strong> era a dificulda<strong>de</strong> em se comprovar a culpa <strong>do</strong> agente, e por tal razãomuitas vezes a vítima suportava o dano sem, contu<strong>do</strong>, ser reparada. Assim, emrazão <strong>de</strong>stes obstáculos, um novo conceito <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> surgiu: aresponsabilida<strong>de</strong> objetiva, on<strong>de</strong> o elemento culpa não era mais essencial para geraro <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar. Isto implica dizer que as fontes da responsabilida<strong>de</strong> aquilianapassaram a ser não mais apenas a culpa, mas também o risco.Já no século XXI, com a edição <strong>do</strong> Código Civil <strong>de</strong> 2002, foi mantida a regra daresponsabilida<strong>de</strong> subjetiva na responsabilida<strong>de</strong> extracontratual, mas a novalegislação civil não se omitiu com relação à responsabilida<strong>de</strong> objetiva, apontan<strong>do</strong> emseus dispositivos os casos em que o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar existe in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>elemento culpa.


9Portanto, nos mol<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Código Civil em vigor acolheu-se a teoria da culpa e<strong>do</strong> risco como fontes gera<strong>do</strong>ras da responsabilida<strong>de</strong> civil, pela qual aquele quepraticar ato ilícito e causar dano a outrem está obriga<strong>do</strong> <strong>ao</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar.A fórmula jurídica através da qual se conclui se está ou não se está diante <strong>de</strong>um caso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> aquiliana é, na verda<strong>de</strong>, bastante simples. Tal fórmulapossui apenas três elementos, a saber: (a) um ato ilícito cometi<strong>do</strong> com culpa emsenti<strong>do</strong> amplo (com <strong>do</strong>lo) ou com culpa em senti<strong>do</strong> estrito (por negligência,imprudência ou imperícia), conforme estatui o Código Civil quanto àresponsabilida<strong>de</strong> subjetiva, que até o presente momento vem sen<strong>do</strong> a regra nodireito positivo, não obstante, conforme será visto, gradualmente vem per<strong>de</strong>n<strong>do</strong>espaço para a responsabilida<strong>de</strong> objetiva; ou, apenas a prática <strong>de</strong> um ato queprovoque dano a outrem diante <strong>do</strong> qual a lei imponha o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar, conformeregra da responsabilida<strong>de</strong> objetiva, que sempre foi analisada como sen<strong>do</strong> a exceçãono or<strong>de</strong>namento jurídico, embora venha ganhan<strong>do</strong> espaço cada vez mais na lei,bem como na interpretação e aplicação <strong>de</strong>sta; (b) a existência <strong>de</strong> um danoprovoca<strong>do</strong>; e por fim (c) o nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre o ato, ilícito ou não, e o dano,ou seja, o dano <strong>de</strong>ve ter si<strong>do</strong> causa<strong>do</strong> pelo ato pratica<strong>do</strong>.Com relação à responsabilida<strong>de</strong> civil, ou responsabilida<strong>de</strong> aquiliana, éimportante lembrar que esta espécie <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> prevista na lei tem porescopo a proteção não apenas <strong>do</strong> patrimônio material da pessoa, expressomonetariamente, <strong>ao</strong> qual se possa dar um valor financeiro representa<strong>do</strong> pordinheiro, mas também visa à proteção da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana,consubstanciada em sua integrida<strong>de</strong> física e psíquica (ou moral).É óbvio, contu<strong>do</strong>, que há também a responsabilida<strong>de</strong> contratual – além daresponsabilida<strong>de</strong> aquiliana abordada acima -, a qual surge quan<strong>do</strong> um <strong>do</strong>sparticipantes da relação contratual <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> cumprir alguma regra ajustada.Com a promulgação da Constituição Republicana <strong>de</strong> 1988 ficou estabeleci<strong>do</strong>pelo legisla<strong>do</strong>r constituinte que fosse elabora<strong>do</strong> um código específico para regularas relações <strong>de</strong> consumo, época em que o dano moral recebeu status constitucional.Foi inclusive, após o advento da Constituição <strong>de</strong> 1988 que a socieda<strong>de</strong> passoua buscar tutela com maior frequência quan<strong>do</strong> se via diante <strong>de</strong> dano extrapatrimonial.Por sua vez, o legisla<strong>do</strong>r <strong>ao</strong> elaborar o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r nãose esqueceu <strong>de</strong> incluir no rol <strong>de</strong> direitos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r a proteção à reparação pelodano moral.


10Cumpre salientar ainda que a reparação pelo dano moral nos termos dalegislação consumerista abrange tanto o consumi<strong>do</strong>r em senti<strong>do</strong> estrito quantoaqueles que a lei equiparou a consumi<strong>do</strong>res, os bystan<strong>de</strong>rs e as pessoas expostasàs práticas comerciais, sejam pessoas físicas ou jurídicas.Com a criação <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s Juiza<strong>do</strong>s Especiais, a socieda<strong>de</strong> cada vez maispassou a buscar a tutela <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, já que passou a haver maior flexibilida<strong>de</strong> noacesso à justiça. Entretanto, as in<strong>de</strong>nizações ali fixadas são ínfimas, não sen<strong>do</strong>capazes <strong>de</strong> reduzir o sentimento <strong>de</strong> <strong>do</strong>r suporta<strong>do</strong> pela ofensa, merecen<strong>do</strong> assimuma reflexão e uma revisão acerca <strong>de</strong>sse posicionamento quanto <strong>ao</strong> valor dareparação pecuniária <strong>do</strong>s danos morais.Muito embora o Juiz tenha que observar a razoabilida<strong>de</strong> e a proporcionalida<strong>de</strong><strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a não reduzir excessivamente o patrimônio <strong>do</strong> ofensor, não se po<strong>de</strong>esquecer que a in<strong>de</strong>nização pelo dano moral é <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> ato ilícito, capaz <strong>de</strong>gerar <strong>de</strong>sventura <strong>de</strong> difícil reparação à vida intima <strong>do</strong> indivíduo, e por tal razão há anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reforçar o caráter punitivo <strong>do</strong> dano moral, como forma <strong>de</strong> inibir ocomportamento ilícito.Dessa forma, será apresenta<strong>do</strong> um estu<strong>do</strong> no âmbito das in<strong>de</strong>nizações<strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> ato ilícito, notadamente quanto àqueles gera<strong>do</strong>res <strong>de</strong> dano moral nasrelações <strong>de</strong> consumo, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a <strong>de</strong>monstrar que é preciso tornar mais robusta aimposição <strong>ao</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar, concluin<strong>do</strong>-se pela real necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se majorar oquantum arbitra<strong>do</strong> como forma <strong>de</strong> efetivamente <strong>de</strong>sestimular o causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano.


11CAPÍTULO I – CONSUMIDOR1.1 Introdução <strong>ao</strong> capítuloPor <strong>de</strong>terminação expressa da Assembléia Nacional Constituinte <strong>de</strong> 1988 <strong>ao</strong>elaborar a Constituição vigente, ampliou-se a proteção <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r com a criação<strong>de</strong> um código específico para tutelar as relações <strong>de</strong> consumo.Cláudia Lima Marques et al (2010; p. 56) afirma que “foi somente com are<strong>de</strong>mocratização da Constituição Democrática <strong>de</strong> 1988 que o tema da proteção <strong>do</strong>consumi<strong>do</strong>r, como sujeito vulnerável, ganhou contornos sérios no Brasil”.Para melhor compreensão <strong>do</strong> tema exposto, faz-se necessária a apresentação<strong>do</strong>s personagens principais <strong>de</strong>sta relação, quais sejam: consumi<strong>do</strong>r e fornece<strong>do</strong>r.O Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, em seus artigos 2º e 3º, <strong>de</strong>fine oconsumi<strong>do</strong>r e o fornece<strong>do</strong>r da seguinte forma:Art. 2°. Consumi<strong>do</strong>r é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utilizaproduto ou serviço como <strong>de</strong>stinatário final.Art. 3°. Fornece<strong>do</strong>r é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,nacional ou estrangeira, bem como os entes <strong>de</strong>spersonaliza<strong>do</strong>s, que<strong>de</strong>senvolvem ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção, montagem, criação, construção,transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização <strong>de</strong>produtos ou prestação <strong>de</strong> serviços.A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> ambos, pelos estu<strong>do</strong>s jurídicos realiza<strong>do</strong>s sobre o Código <strong>de</strong>Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, é mais ampla e mais profunda, mas por hora fique-seapenas com os conceitos da lei, principalmente por que os conceitos serão maisaprofundadamente aborda<strong>do</strong>s adiante, em tópico próprio.Apresenta<strong>do</strong>s os conceitos <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r e fornece<strong>do</strong>r conti<strong>do</strong>s no CDC,cumpre dizer qual é o fundamento da criação da legislação consumerista.Dessa forma, verifica-se que a partir <strong>do</strong> século XX as relações <strong>de</strong> consumo seexpandiram, sen<strong>do</strong> necessária a criação <strong>de</strong> um microssistema jurídico, próprio,específico, para regulamentar, reduzir abusos, bem como dirimir os conflitosoriun<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ssa relação.Cláudia Lima Marques aduz que:


12Apesar <strong>de</strong> formalmente uma lei (Lei 8.078/90), traz ele [o CDC] em si um<strong>ao</strong>rganização codificada marcada nitidamente por uma idéia centraliza<strong>do</strong>ra, eo CDC já foi muito bem <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como um novo microssistema introduzi<strong>do</strong>no direito brasileiro. (2005; p. 595).O próprio Código comprova sua origem constitucional, através <strong>de</strong> seu artigo 1º,apontan<strong>do</strong> sua principal característica, bem como afirman<strong>do</strong> a promessa <strong>de</strong> zelarpela proteção da relação <strong>de</strong> consumo. 1Ao tratar sobre o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, Cláudia Lima Marquesassevera que:O Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r é uma Lei <strong>de</strong> função social, traznormas <strong>de</strong> direito priva<strong>do</strong>, mas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública (direito priva<strong>do</strong>indisponível), e normas <strong>de</strong> direito público. É uma lei <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m públicaeconômica (or<strong>de</strong>m pública <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação, <strong>de</strong> direção e <strong>de</strong> proibição) e lei<strong>de</strong> interesse social (a permitir a proteção coletiva <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong>sconsumi<strong>do</strong>res presentes no caso). (2010; p. 52).As normas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública e interesse social previstas no Código são <strong>de</strong>caracteres irrenunciáveis, cogentes e, portanto, <strong>ao</strong> serem elaboradas as cláusulascontratuais para qualquer relação <strong>de</strong> consumo, não se po<strong>de</strong> estipular algo quecontradiz as normas ali expressas, ou seja, <strong>de</strong>vem ser elaboradas respeitan<strong>do</strong>-se aboa-fé e <strong>de</strong>mais princípios constitucionais existentes.Como visto, o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r apresenta-se como uma lei <strong>de</strong>função social, estan<strong>do</strong> sob os auspícios da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e não estan<strong>do</strong>sujeito a alterações no que concerne à restrição <strong>de</strong> direitos da parte fraca da relação<strong>de</strong> consumo, o consumi<strong>do</strong>r.Conforme Felipe Peixoto Braga Netto:Apesar <strong>de</strong> ser lei ordinária, sujeita a alterações nas suas disposições pelocritério cronológico, o CDC não po<strong>de</strong> sofrer alterações, conforme em seuconteú<strong>do</strong> seja através <strong>de</strong> outra lei ordinária ou mesmo complementar. Issoocorre <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> <strong>ao</strong> caráter <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> função social atribuída pela Constituição,quan<strong>do</strong> trouxe o consumi<strong>do</strong>r para a sua proteção. Por essa razão, uma leiordinária, ou mesmo complementar, que objetivasse reduzir o “piso” <strong>de</strong>direitos consigna<strong>do</strong>s no CDC seria inconstitucional. (2007; p. 24).Eis, portanto, a ampla <strong>de</strong>fesa que o direito positivo brasileiro conferiu <strong>ao</strong>sdireitos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, elevan<strong>do</strong>-os inclusive <strong>ao</strong> status constitucional, e sob esse1 Art. 1º - O presente código estabelece normas <strong>de</strong> proteção e <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>mpública e interesse social, nos termos <strong>do</strong>s arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da constituição Fe<strong>de</strong>rale art. 48 <strong>de</strong> suas Disposições Transitórias.


13prisma – o da origem e <strong>do</strong> caráter constitucional <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r – é que<strong>de</strong>ve ser analisa<strong>do</strong> tal microssistema <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong>.Entretanto, é necessário primeiramente, verificar os aspectos relativos àevolução histórica <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, no Brasil e no mun<strong>do</strong>.1.2 Evolução histórica <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>rO direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r mo<strong>de</strong>rno surgiu na meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX em<strong>de</strong>corrência das gran<strong>de</strong>s transformações ocorridas na socieda<strong>de</strong>, as quais exigirammudanças no or<strong>de</strong>namento jurídico, tornan<strong>do</strong> obsoletas as normas <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong>comum que regulavam as relações <strong>de</strong> consumo vigentes à época, embora normasrelativas <strong>ao</strong> merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo já po<strong>de</strong>riam ser encontradas <strong>de</strong> maneira esparsaem outras legislações que não o direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r especificamente.Na Mesopotâmia, no Egito Antigo e na índia (século XVIII a.C.), os direitos <strong>do</strong>sconsumi<strong>do</strong>res também eram protegi<strong>do</strong>s. Neste senti<strong>do</strong>, José Franklin Sousa lembraque:O Código <strong>de</strong> Massú estabelecia pena <strong>de</strong> multa e reparação <strong>de</strong> danosàqueles que adulterassem gêneros (Lei 967), bem como se entregassemcoisa <strong>de</strong> espécie diversa e inferior à convencionada, ou bens <strong>de</strong> mesmanatureza com preços diferentes (Lei 968). (2006; p. 131).No direito romano clássico, caso o ven<strong>de</strong><strong>do</strong>r-fornece<strong>do</strong>r que, conhecen<strong>do</strong> o<strong>de</strong>feito da coisa, ainda assim a ven<strong>de</strong>sse, respondia pelos vícios nela encontra<strong>do</strong>s.Já no perío<strong>do</strong> Justinianeu o ven<strong>de</strong><strong>do</strong>r estava obriga<strong>do</strong> a in<strong>de</strong>nizar mesmo que nãotivesse conhecimento <strong>do</strong> vício.Ainda no direito romano, Altamiro José <strong>do</strong>s Santos recorda que:De forma indireta, apareceram diversas leis que também atingem oconsumi<strong>do</strong>r: a) Lei Sempcônia <strong>de</strong> 123 a.C., encarregan<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> dadistribuição <strong>de</strong> cereais abaixo <strong>de</strong> preço <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>; b) Lei Clódia <strong>do</strong> ano 58a.C., reservan<strong>do</strong> o beneficio <strong>de</strong> tal distribuição <strong>ao</strong>s indigentes; c) LeiAureliana <strong>do</strong> ano 270 da nossa era, <strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> fosse feita a distribuição<strong>do</strong> pão diretamente pelo Esta<strong>do</strong>. Eram leis ditadas pela intervenção <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> no merca<strong>do</strong> ante as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> abastecimento havidas nessaépoca <strong>de</strong> Roma. (1987; p. 78-79).


14A história <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r se esten<strong>de</strong>u por diversas legislaçõesexistentes. 2 No Brasil, a Constituição <strong>de</strong> 1988 foi a primeira a inserir em seu texto a<strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r entre os direitos e garantias fundamentais, incluin<strong>do</strong>-otambém entre os princípios gerais da or<strong>de</strong>m econômica, bem como no Ato dasDisposições Constitucionais Transitórias, on<strong>de</strong> o legisla<strong>do</strong>r fixou o prazo <strong>de</strong> 120 diaspara que fosse elabora<strong>do</strong> o Código para tratar <strong>de</strong> forma única e exclusiva dasrelações <strong>de</strong> consumo.Art. 5° (...)XXXII – O Esta<strong>do</strong> promoverá, na forma da lei, a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.Art. 170 – A or<strong>de</strong>m econômica, fundada na valorização <strong>do</strong> trabalho humanoe na livre iniciativa, tem por fim assegurar a to<strong>do</strong>s existência digna,conforme os ditames da justiça social, observa<strong>do</strong>s os seguintes princípios:(...)V- <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.Art. 48 (ADCT) – O Congresso Nacional, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cento e vinte dias dapromulgação da constituição, elaborará código <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.Verifica-se que o objetivo <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r <strong>ao</strong> incluir a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r naConstituição era o <strong>de</strong> fixar uma norma única para garantir os direitos patrimoniais emorais <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res.Corroboran<strong>do</strong> com o entendimento retro Sérgio Cavalieri Filho:O código <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r é a lei especifica e exclusiva, a lei querecebeu da Constituição a incumbência <strong>de</strong> estabelecer uma disciplina únicae uniforme para todas as relações <strong>de</strong> consumo, razão pela qual ele <strong>de</strong>veprevalecer naquilo que inovou. As leis anteriores com ele incompatíveis,gerais ou especiais, estão <strong>de</strong>rrogadas; apenas coexistem com o Código <strong>de</strong>Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r naquilo que com ele estão em harmonia. (2003; p.465).2 Segun<strong>do</strong> José Franklin Sousa (2006; p. 135-140): No direito americano o interesse pela proteção <strong>do</strong>consumi<strong>do</strong>r em face <strong>do</strong>s danos causa<strong>do</strong>s pelos produtos <strong>de</strong>feituosos veio com o surto industrial apósa Guerra Civil. Por volta <strong>de</strong> 1852, os tribunais americanos edificaram uma base <strong>de</strong>litual (tort),inverten<strong>do</strong> o ônus da prova na hipótese <strong>de</strong> negligência e passaram a admitir ações por quebra <strong>de</strong>garantia contra o fabricante.No direito francês, o artigo 1641 <strong>do</strong> Código Civil francês disciplinou a obrigação <strong>do</strong> fabricantediretamente <strong>de</strong> reparar o dano <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r. Esse dispositivo obriga o ven<strong>de</strong><strong>do</strong>r a garantir a coisavendida contra <strong>de</strong>feitos ocultos, sen<strong>do</strong> assim consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s os que tornam a coisa imprópria <strong>ao</strong> uso aque ela se <strong>de</strong>stina, ou diminuam <strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong> a sua utilida<strong>de</strong> que o consumi<strong>do</strong>r não a teria adquiri<strong>do</strong>,ou teria paga<strong>do</strong> menor preço, se tivesse conheci<strong>do</strong> os <strong>de</strong>feitos.No direito alemão, a responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> fabricante tinha natureza contratual e extracontratual, ten<strong>do</strong>ambas a culpa como fundamento, admitin<strong>do</strong> a jurisprudência além da lesão positiva <strong>do</strong> contrato,também certas garantias implícitas.Na comunida<strong>de</strong> européia, a responsabilida<strong>de</strong> civil, contratual e extracontratual, é representadas pelasteorias <strong>do</strong> contrato social e da proteção à confiança. O eventual dano sofri<strong>do</strong> por uma das partesdurante o contrato é in<strong>de</strong>nizável, e o fundamento jurídico da obrigação <strong>de</strong> fazê-lo é a confiança.


15Assim, visan<strong>do</strong> aten<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>terminação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, o Código <strong>de</strong>Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r foi sanciona<strong>do</strong> em 1990, entran<strong>do</strong> em vigor em março <strong>de</strong>1991, expressan<strong>do</strong> em seu artigo 1° que sua aplicação <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> princípios enormas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública e <strong>do</strong> interesse social.Art. 1° - O presente código estabelece normas <strong>de</strong> proteção e <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>consumi<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública e interesse social, nos termos <strong>do</strong>s arts. 5°,inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e art. 48 <strong>de</strong> suasDisposições Transitórias.Não se mostra indigno <strong>de</strong> nota registrar os encômios <strong>de</strong> Maria Helena Diniz arespeito da nova legislação que era incorporada <strong>ao</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico brasileirona década <strong>de</strong> 90:O Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil é o mais mo<strong>de</strong>rno <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,por conter normas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública, preten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> equilibrar as relaçõesentre fornece<strong>do</strong>res <strong>de</strong> produtos e serviços e consumi<strong>do</strong>res, outorgan<strong>do</strong>instrumentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa idôneos à satisfação <strong>de</strong> seus interesses,sancionan<strong>do</strong> as práticas abusivas, impon<strong>do</strong> a responsabilida<strong>de</strong> objetiva <strong>do</strong>sfornece<strong>do</strong>res. (1998; p. 351).Consumi<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o artigo 2º <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, é“toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto como <strong>de</strong>stinatário final”.O<strong>de</strong>te Novais Carneiro Queiroz (1998; p. 203) cita o conceito <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>rda<strong>do</strong> pelo Presi<strong>de</strong>nte norte-americano John Kennedy envia<strong>do</strong> <strong>ao</strong> CongressoNacional <strong>de</strong> seu país em 15 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1962: “consumi<strong>do</strong>res, por <strong>de</strong>finição, somosto<strong>do</strong>s nós, constituin<strong>do</strong> o maior grupo econômico, que, apesar disso, não éorganiza<strong>do</strong> e seus pontos <strong>de</strong> vista não são leva<strong>do</strong>s em consi<strong>de</strong>ração”.O ex-presi<strong>de</strong>nte norte-norte americano foi preciso <strong>ao</strong> informar que consumi<strong>do</strong>rsão todas as pessoas, to<strong>do</strong> ser humano, pois não há meios atualmente <strong>de</strong> secolocar à margem da relação <strong>de</strong> consumo.Até mesmo os próprios fornece<strong>do</strong>res <strong>de</strong> produtos e serviços são às vezes (naverda<strong>de</strong>, muitas vezes) consumi<strong>do</strong>res.E, se é <strong>de</strong>sta forma, realmente não há como evitar a conclusão, a qual <strong>de</strong>veser sublinhada e <strong>de</strong>stacada, <strong>de</strong> que realmente o consumi<strong>do</strong>r é o maior grupoeconômico existente na atualida<strong>de</strong>.O ex-presi<strong>de</strong>nte coloca em sua manifestação o fato <strong>de</strong> que embora oconsumi<strong>do</strong>r seja o maior grupo econômico existente, ele não possui organização eseus pontos <strong>de</strong> vista não são observa<strong>do</strong>s.


16John F. Kennedy proferiu o seu célebre discurso em 1962 e suas palavras sãoainda atuais e verda<strong>de</strong>iras no que diz respeito à <strong>de</strong>sorganização <strong>do</strong>s grupos <strong>de</strong>consumi<strong>do</strong>res e quanto à <strong>de</strong>satenção acerca <strong>de</strong> seus pontos <strong>de</strong> vista, mas há quese dizer que <strong>de</strong> 1962 para os dias atuais, embora ainda haja um longo caminho aser palmilha<strong>do</strong> pelo consumi<strong>do</strong>r na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seus direitos em confronto com osinteresses <strong>do</strong>s fornece<strong>do</strong>res, muito foi conquista<strong>do</strong>, muito se avançou.Retornan<strong>do</strong>-se às inovações <strong>do</strong> CDC, po<strong>de</strong>-se apontar como finalida<strong>de</strong>precípua <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> Código, a proteção <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, que é a parte vulnerável darelação <strong>de</strong> consumo, bem como o restabelecimento <strong>do</strong> equilíbrio nas relaçõesconsumeristas, até mesmo como forma <strong>de</strong> se respeitar o princípio constitucional daigualda<strong>de</strong>, pois a exegese <strong>de</strong> tal princípio manda dar tratamento jurídico igualitárioàqueles que estão em situação igual, o que não é o caso da relação <strong>de</strong> consumo, aqual preconiza uma situação entre <strong>de</strong>siguais, o consumi<strong>do</strong>r e o fornece<strong>do</strong>r. Portanto,obtém-se a igualda<strong>de</strong> dan<strong>do</strong>-se tratamento <strong>de</strong>sigual, ou diferencia<strong>do</strong>, àqueles queestão em situação <strong>de</strong>sigual, equilibran<strong>do</strong>-se assim a relação.Cumpre observar, conforme já exposto e repisa<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>utrina maisautorizada, que a principal característica <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, ou seja, aquilo que oqualifica como tal é sua vulnerabilida<strong>de</strong> em relação <strong>ao</strong> fornece<strong>do</strong>r. Sobre avulnerabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r falar-se-á mais <strong>de</strong>talhadamente no tópico 1.4 aseguir, mas já <strong>de</strong> antemão fique-se com a lição <strong>de</strong> Bruno Miragem a respeito da<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> da relação <strong>de</strong> consumo em virtu<strong>de</strong> da vulnerabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r:O princípio da vulnerabilida<strong>de</strong> é o princípio básico que fundamenta aexistência e aplicação <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. O artigo 4°, I, <strong>do</strong> CDCestabelece entre os princípios informa<strong>do</strong>res da Política Nacional dasRelações <strong>de</strong> Consumo o “reconhecimento da vulnerabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>rno merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo”. A existência <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r justifica-sepelo reconhecimento da vulnerabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. É estavulnerabilida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>termina <strong>ao</strong> direito que se ocupe da proteção <strong>do</strong>consumi<strong>do</strong>rA vulnerabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r constitui presunção legal absoluta, queinforma se as normas <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong>vem ser aplicadas e como<strong>de</strong>vem ser aplicadas. Há na socieda<strong>de</strong> atual o <strong>de</strong>sequilíbrio entre os <strong>do</strong>isagentes econômicos, consumi<strong>do</strong>r e fornece<strong>do</strong>r, nas relações jurídicas queestabelecem entre si. O reconhecimento <strong>de</strong>sta situação pelo direito é quefundamenta a existência <strong>de</strong> regras especiais, uma lei ratione personae <strong>de</strong>proteção <strong>do</strong> sujeito mais fraco da relação <strong>de</strong> consumo. (2008; p. 61).Retoman<strong>do</strong>-se a linha <strong>de</strong> raciocínio acerca da evolução histórica <strong>do</strong> direito <strong>do</strong>consumi<strong>do</strong>r, cumpre mencionar a lição <strong>de</strong> Heron José Santana:


17No Brasil, com o advento da Lei nº 8.078/90, que instituiu o Código <strong>de</strong>Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, o Esta<strong>do</strong> tem procura<strong>do</strong> estabelecer a tutela daparte vulnerável na relação <strong>de</strong> consumo, reconhecen<strong>do</strong> expressamente apossibilida<strong>de</strong> daquele que tenha si<strong>do</strong> vítima <strong>de</strong> um aci<strong>de</strong>nte reclamar umareparação por dano moral <strong>ao</strong> fornece<strong>do</strong>r responsável pela ofensa aqualquer direito seu <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>. (1997; p. 22).Na visão <strong>de</strong> Roberto Senise Lisboa:O legisla<strong>do</strong>r consumerista aban<strong>do</strong>nou o metafísico e o irreal princípio daigualda<strong>de</strong> formal, que na prática outorgava vantagens para o <strong>de</strong>tentor <strong>do</strong>po<strong>de</strong>r, em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong>s interesses das massas. Em seu lugar, busca-se aigualda<strong>de</strong> real e concreta, por meio <strong>do</strong> tratamento <strong>de</strong>sigual <strong>ao</strong>s <strong>de</strong>siguaisaté o ponto em que se atinja entre eles a parida<strong>de</strong>. Substitui-se aconcepção literal clássica da autonomia plena da vonta<strong>de</strong>(consi<strong>de</strong>ravelmente resumida pelo surgimento <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são) poruma autonomia <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>limitada por normas jurídicas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>mpública e <strong>de</strong> interesse social a serem observadas pelo predisponente emcaráter substitutivo da própria vonta<strong>de</strong> das partes <strong>de</strong> fixação total <strong>do</strong>conteú<strong>do</strong> da avença. Deu-se <strong>ao</strong> consensualismo um senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>responsável para a celebração <strong>do</strong> negócio jurídico e uma segurança jurídicamais estável. Relativizou-se ainda mais a eficácia <strong>do</strong>s contratos, a fim <strong>de</strong>que o negócio jurídico padroniza<strong>do</strong> pu<strong>de</strong>sse sofrer a oponibilida<strong>de</strong> externa<strong>de</strong> terceiros <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s, por meio das entida<strong>de</strong>s legitimadas para propora ação civil pública, nos termos <strong>do</strong> artigo 82 da Lei n° 8.078/90, mesmodaqueles que ainda não chegaram a contratar com o predisponente, porémestão expostas às suas práticas. (2001; p. 17).Acerca <strong>do</strong> princípio da igualda<strong>de</strong> – repita-se - este possui duas acepções, umaacepção formal e uma acepção material.A primeira se apresenta como sen<strong>do</strong> aquela que reivindica tratamentoigualitário a pessoas que se encontrem em uma mesma categoria ou situaçãojurídica, e quanto à segunda, verifica-se que esta se apresenta como sen<strong>do</strong> aquelaque pleiteia buscar a realização da igualda<strong>de</strong> daqueles que estão em categoria ousituação jurídica <strong>de</strong>sigual. Sobre o princípio da igualda<strong>de</strong>, José Afonso da Silvaleciona:Aristóteles vinculou a idéia <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> à idéia <strong>de</strong> justiça, mas, nele, tratase<strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> justiça relativa que dá a cada um o seu, uma igualda<strong>de</strong>– como nota Chomé – impensável sem a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> complementar e queé satisfeita se o legisla<strong>do</strong>r tratar <strong>de</strong> maneira igual os iguais e <strong>de</strong> maneira<strong>de</strong>sigual os <strong>de</strong>siguais. Cuida-se <strong>de</strong> uma justiça e <strong>de</strong> uma igualda<strong>de</strong> formais,tanto que não seria injusto tratar diferentemente o escravo e seuproprietário; sê-lo-ia, porém, se os escravos, ou seus senhores, entre si,fossem trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sigualmente. No fun<strong>do</strong>, prevalece, nesse critério <strong>de</strong>igualda<strong>de</strong>, uma injustiça real. Essa verificação impôs a evolução <strong>do</strong> conceito<strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> justiça, a fim <strong>de</strong> se ajustarem às concepções formais ereais ou materiais.A justiça formal consiste em “um princípio <strong>de</strong> ação, segun<strong>do</strong> o qual os seres<strong>de</strong> uma categoria essencial <strong>de</strong>vem ser trata<strong>do</strong>s da mesma forma”. Aí ajustiça formal se i<strong>de</strong>ntifica com a igualda<strong>de</strong> formal. A justiça concreta ou


18material seria, para Perelman, a especificação da justiça formal, indican<strong>do</strong> acaracterística constitutiva da categoria essencial, chegan<strong>do</strong>-se às formas: acada um segun<strong>do</strong> a sua necessida<strong>de</strong>; a cada um segun<strong>do</strong> seus méritos; acada um a mesma coisa. Porque existem <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, e que se aspira àigualda<strong>de</strong> real ou material que busque realizar a igualização das condições<strong>de</strong>siguais, <strong>do</strong> que se extrai que a lei geral, abstrata e impessoal que inci<strong>de</strong>em to<strong>do</strong>s igualmente, levan<strong>do</strong> em conta apenas a igualda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s indivíduose não a igualda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s grupos, acaba por gerar mais <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s epropiciar a injustiça, daí por que o legisla<strong>do</strong>r, sob “o impulso das forçascria<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> direito [como nota Georges Sarotte], teve progressivamente <strong>de</strong>publicar leis setoriais para po<strong>de</strong>r levar em conta diferenças nas formações enos grupos sociais: o direito <strong>do</strong> trabalho é um exemplo típico [...]”. (2001; p.216-217).Não há dúvida, pois, que o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r é, sim, umalegislação elaborada também como instrumento <strong>de</strong> garantia <strong>do</strong> princípio em apreço,o da igualda<strong>de</strong>, pois certo é que fornece<strong>do</strong>r e consumi<strong>do</strong>r são categorias distintas,que estão em situação materialmente <strong>de</strong>sigual, caben<strong>do</strong> à lei dar tratamentodiferencia<strong>do</strong> a estas duas categorias como forma <strong>de</strong> se obter um equilíbrio entreelas sob o ponto <strong>de</strong> vista legal, garantin<strong>do</strong>-se, pois, a igualda<strong>de</strong>.Portanto, salutar a iniciativa da Assembléia Nacional Constituinte encarregada<strong>de</strong> elaborar a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 estabelecen<strong>do</strong> a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>Congresso Nacional criar um código específico que promovesse a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>consumi<strong>do</strong>r, fazen<strong>do</strong> com que em março <strong>de</strong> 1991 entrasse em vigor o CDC,conferin<strong>do</strong> a tutela específica <strong>de</strong>sse segmento <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> (o consumi<strong>do</strong>r), da partevulnerável da relação <strong>de</strong> consumo, o qual até então não possuía tutela diferenciadana lei, o que provocava muitas vezes situações <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s injustiças.Aborda<strong>do</strong>s os aspectos históricos <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, necessário se faz aapresentação das “características gerais <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r”, o queserá feito no tópico seguinte.1.3 Características gerais <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>rO Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r guarda características próprias <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> atutelar as relações <strong>de</strong> consumo, tal como ficou estabeleci<strong>do</strong> pela Constituição daRepública <strong>de</strong> 1988. Dentre as várias características, faz-se necessário elucidar asprincipais: o uso da técnica legislativa das “normas genéricas” (ou cláusulas gerais)


19e das normas principiológicas; a vocação <strong>de</strong> expansão; o diálogo das fontes; e airrelevância <strong>do</strong>s aspectos formais.Quanto às cláusulas gerais, isto é, normas genéricas contidas na legislaçãocarentes <strong>de</strong> preenchimento com valorações pelo Juiz no momento <strong>de</strong> aplicar odireito <strong>ao</strong> caso concreto, visan<strong>do</strong> à constante atualização <strong>do</strong> direito pelo seuintérprete, conforme Claus-Wilhelm Canaris (1996, p. 143), sua utilização po<strong>de</strong> serobservada quan<strong>do</strong> o CDC a<strong>do</strong>ta, exempli gratia, princípios como os da boa-fé (porexemplo, no artigo 4º, III), bem como teorias como a da lesão e a da base (cf. artigo6º, V, primeira e segunda parte, respectivamente).Realmente a utilização <strong>de</strong>ssa técnica legislativa, isto é, das cláusulas gerais,permite uma maior realização <strong>do</strong> direito em favor <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, eis que o Juiz teráa discricionarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> preencher a norma com sua valoração subjetiva <strong>do</strong> caso,observan<strong>do</strong> obviamente a unida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, quesomente admite a interpretação favorável a este, fazen<strong>do</strong> efetivamente a justiçadiante <strong>de</strong> cada caso concreto.O diálogo das fontes, teoria i<strong>de</strong>alizada pelo comparativista alemão Erik Jayme,e importada para o Brasil por Cláudia Lima Marques, sustenta, resumidamente,conforme José Ricar<strong>do</strong> Alvarez Viana, em seu artigo “a teoria <strong>do</strong> diálogo das fontes”,a prevalência das normas gerais mais benéficas sobre as leis especiais que foramcriadas para dar tratamento distinto e privilegia<strong>do</strong> a certas categorias (conforme é ocaso <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r), isto como forma <strong>de</strong> se garantircoerência <strong>do</strong> sistema.As normas principiológicas previstas no Código em exame estabelecem o fim aque se <strong>de</strong>seja alcançar através <strong>de</strong> seus dispositivos, já que inserem <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>svalores, sen<strong>do</strong> suas normas adaptáveis a qualquer tempo, o que possibilita a<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cláusulas abusivas, contraditórias <strong>ao</strong>s ditames aliestabeleci<strong>do</strong>s.Anteriormente à entrada em vigor <strong>do</strong> CDC havia maior liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pactuar, ouseja, a vonta<strong>de</strong> das partes, <strong>do</strong>s contratantes se sobrepunha <strong>ao</strong> texto legal, servin<strong>do</strong>a lei tão somente como garanti<strong>do</strong>ra <strong>de</strong>ssas relações. Neste senti<strong>do</strong>, Cláudia LimaMarques recorda que:A função das leis referentes a contratos era, portanto, somente a <strong>de</strong>proteger esta vonta<strong>de</strong> cria<strong>do</strong>ra e <strong>de</strong> assegurar a realização <strong>do</strong>s efeitosqueri<strong>do</strong>s pelos contratantes. A tutela jurídica limita-se a possibilitar a


20estruturação pelos indivíduos <strong>de</strong>stas relações jurídicas própriasasseguran<strong>do</strong> uma teórica autonomia, igualda<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong> no momento <strong>de</strong>contratar, e <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> por completo a situação econômica e social<strong>do</strong>s contraentes. (2005; p. 52).Diante da então <strong>de</strong>nominada autonomia vonta<strong>de</strong> os contratos firma<strong>do</strong>s nãorespeitavam o equilíbrio entre os participantes e, por tal razão, o Esta<strong>do</strong> passou aintervir nessas relações.No Brasil, essa intervenção se afirmou através da Constituição Fe<strong>de</strong>ral que<strong>de</strong>terminou a elaboração <strong>de</strong> um código específico para tratar acerca das relações <strong>de</strong>consumo, limitan<strong>do</strong>, pois, a “autonomia da vonta<strong>de</strong>” - segun<strong>do</strong> nomenclatura daépoca -, que, grosso mo<strong>do</strong>, perfaz a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estatuir to<strong>do</strong>s os termos <strong>do</strong>contrato.A seguir, a autonomia da vonta<strong>de</strong> evoluiu para o conceito <strong>de</strong> autonomiaprivada, esta limitan<strong>do</strong> aquela no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> contratar, emborarealmente exista e seja tutelada pela lei, foi restringida através da redução dacapacida<strong>de</strong> das partes <strong>de</strong> criarem leis através <strong>do</strong> contrato – se observa<strong>do</strong> que ocontrato faz lei entre as partes -, ou <strong>de</strong> estabelecer livremente o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>scontratos. Tal evolução se <strong>de</strong>u, obviamente, como forma <strong>de</strong> se garantir igualda<strong>de</strong>real entre consumi<strong>do</strong>r e fornece<strong>do</strong>r.Outra característica própria <strong>do</strong> CDC é a vocação <strong>de</strong> expansão, o que significadizer que o seu conteú<strong>do</strong> abarca outras esferas jurídicas.Com a revogação <strong>do</strong> Código Civil <strong>de</strong> 1916 e, consequente entrada em vigor <strong>do</strong>Código <strong>de</strong> 2002, as inovações feitas pelo CDC ficaram ainda mais evi<strong>de</strong>ntes. Comoexemplo, cite-se o instituto da boa-fé objetiva elenca<strong>do</strong> pelo Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong>Consumi<strong>do</strong>r e reforça<strong>do</strong> pelos artigos 113, 187 e 422 <strong>do</strong> novo Código Civil. 3Desta forma, fica clara a relação entre o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r e os<strong>de</strong>mais setores jurídicos existentes. Essa idéia <strong>de</strong> expansão <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> diploma,continua em <strong>de</strong>staque <strong>ao</strong> permitir a utilização <strong>de</strong> outras normas para por termo <strong>ao</strong>sconflitos, o que se <strong>de</strong>nomina diálogo das fontes, previsto expressamente no artigo 7º<strong>do</strong> CDC:3 Art. 113 - Os negócios jurídicos <strong>de</strong>vem ser interpreta<strong>do</strong>s conforme a boa-fé e os usos <strong>do</strong> lugar <strong>de</strong>sua celebração.Art. 187 - Também comete ato ilícito o titular <strong>de</strong> um direito que, <strong>ao</strong> exercê-lo, exce<strong>de</strong> manifestamenteos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.Art. 422. Os contratantes são obriga<strong>do</strong>s a guardar, assim na conclusão <strong>do</strong> contrato, como em suaexecução, os princípios <strong>de</strong> probida<strong>de</strong> e boa-fé.


21Art. 7º - Os direitos previstos neste código não excluem outros <strong>de</strong>correntes<strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s ou convenções internacionais <strong>de</strong> que o Brasil seja signatário, dalegislação interna ordinária, <strong>de</strong> regulamentos expedi<strong>do</strong>s pelas autorida<strong>de</strong>sadministrativas competentes, bem como <strong>do</strong>s que <strong>de</strong>rivem <strong>do</strong>s princípiosgerais <strong>do</strong> direito, analogia, costumes e equida<strong>de</strong>.Ao tratar sobre esta característica própria <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r,Cláudia Lima Marques explica <strong>de</strong> maneira clara o porquê da nomenclatura “diálogo”,veja-se:“Diálogo” porque há influência recíproca, “diálogos” porque a aplicaçãoconjunta <strong>de</strong> duas normas <strong>ao</strong> mesmo tempo e <strong>ao</strong> mesmo caso, sejacomplementarmente, seja subsidiariamente, seja permitin<strong>do</strong> a opção pelafonte prevalente ou mesmo permitin<strong>do</strong> uma opção por uma das leis emconflito abstrato – uma solução flexível e aberta, <strong>de</strong> interpenetração, oumesmo a solução mais favorável <strong>ao</strong> mais fraco da relação (tratamentodiferente <strong>do</strong>s diferentes). (2010; p. 109).Insta salientar ainda que o Po<strong>de</strong>r Judiciário a<strong>do</strong>tou o uso <strong>do</strong> diálogo das fontescomo forma <strong>de</strong> dirimir e garantir a solução <strong>do</strong> conflito, conforme assegura CláudiaLima Marques:Assim, po<strong>de</strong>mos afirmar que o e. Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, os TribunaisEstaduais, os Juízes <strong>de</strong> primeira instância e os JECs consolidaram o uso <strong>do</strong>méto<strong>do</strong> <strong>do</strong> dialogo das fontes como caminho para – em casos difíceis –assegurar prevalência <strong>do</strong> princípio pro homine e <strong>de</strong>sta eficácia horizontal<strong>do</strong>s direitos fundamentais por aplicação <strong>do</strong> CDC às relações privadas.(2010; p. 112).Assim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que em consonância com os ditames constitucionais, é possívela aplicação <strong>de</strong> outras normas para dirimir os conflitos oriun<strong>do</strong>s da relação <strong>de</strong>consumo.Com relação à irrelevância <strong>do</strong>s aspectos formais previsto na Lei nº 8.078/1990,significa dizer que os fatos verda<strong>de</strong>iramente ocorri<strong>do</strong>s terão maior relevância <strong>do</strong> quea lei propriamente dita, ou seja, privilegia-se a matéria em <strong>de</strong>trimento da forma.O estu<strong>do</strong> das características gerais <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r é <strong>de</strong>extrema importância, conforme visto acima. Todavia, ele <strong>de</strong>ve ser complementan<strong>do</strong>pelo estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> outro tema, qual seja: a análise <strong>do</strong>s princípios, ou as linhas mestras,que informam o CDC, sua interpretação e sua aplicação.


221.4 Princípios <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>rOs princípios gerais presentes no or<strong>de</strong>namento jurídico pátrio permite <strong>ao</strong>sintérpretes da lei uma visão ampliada das normas existentes, ou seja, têm porfinalida<strong>de</strong> direcionar, harmonizar os acontecimentos da socieda<strong>de</strong> com o direito.Kildare Gonçalves Carvalho, por exemplo, lecionan<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong>s princípiosfundamentais da Constituição, afirma que:Os princípios fundamentais da Constituição <strong>de</strong> 1988 <strong>de</strong>sempenhamrelevante função no texto constitucional (função teleológica ou diretiva), pororientar a ação <strong>do</strong>s Po<strong>de</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (Legislativo, Executivo e Judiciário),<strong>de</strong>marcan<strong>do</strong> seus limites e sua atuação. (2006; p. 434).Para Carlos Ari Sundfeld (2008; p. 143) os princípios “são as idéias centrais <strong>de</strong>um sistema, <strong>ao</strong> qual dão senti<strong>do</strong> lógico, harmonioso, racional, permitin<strong>do</strong> acompreensão <strong>de</strong> seu mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organizar-se”.Kildare Gonçalves Carvalho citan<strong>do</strong> Walter Claudius Rothenburg comproprieda<strong>de</strong> escreve que:Os princípios são úteis em primeiro lugar para dirimir as dúvidasinterpretativas <strong>ao</strong> ajudar a esclarecer o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada disposição<strong>de</strong> norma. Contu<strong>do</strong>, a singularida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s princípios no campo dainterpretação é que eles servem <strong>de</strong> guia para sua própria aplicação. Issoacontece porque os próprios princípios carecem <strong>de</strong> interpretação, e oagente jurídico terá que primeiramente interpretar os princípios retores <strong>de</strong>sua interpretação.Os Princípios cumprem ainda a função <strong>de</strong> limitação da interpretação <strong>ao</strong>restringir a discricionarieda<strong>de</strong> judicial. A referência obrigatória <strong>ao</strong>s mesmosnos casos difíceis e duvi<strong>do</strong>sos torna o processo <strong>de</strong> interpretação-aplicação<strong>do</strong> direito mais controlável e racional, porquanto evita que o opera<strong>do</strong>rjurídico invoque valores subjetivos não ampara<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma explicita ouimplícita no or<strong>de</strong>namento jurídico. (2006; p. 435)Por sua vez, Humberto Ávila afirma que:Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamenteprospectivas e com pretensão <strong>de</strong> complementarieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> parcialida<strong>de</strong>,para cuja aplicação se <strong>de</strong>manda uma avaliação da correlação entre oesta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas a ser promovi<strong>do</strong> e os efeitos <strong>de</strong>correntes da condutahavida como necessária à sua promoção. (2006; p. 78-79).Conforme menciona<strong>do</strong> alhures, diversos são os princípios presente no Código<strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, <strong>de</strong>ntre eles, merecem <strong>de</strong>staque os da vulnerabilida<strong>de</strong>,


23boa-fé, <strong>do</strong> equilíbrio e da informação, caben<strong>do</strong> agora enumerá-los e abordá-los <strong>de</strong>forma mais <strong>de</strong>talhada.Assim, tem-se que o princípio da vulnerabilida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca na medida emque traduz o fim maior <strong>do</strong> Código em questão, qual seja a proteção <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r,a qual foi reconhecida pelo Constituição da República, objetivan<strong>do</strong> alcançar oequilíbrio nas relações <strong>de</strong> consumo, nos termos <strong>do</strong> artigo 4º, I da Lei 8.078/1990.Cláudia Lima Marques sobre a vulnerabilida<strong>de</strong> aduz que:A vulnerabilida<strong>de</strong> é mais um esta<strong>do</strong> da pessoa, um esta<strong>do</strong> inerente <strong>ao</strong> riscoou um sinal <strong>de</strong> confrontação excessiva <strong>de</strong> interesses i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s nomerca<strong>do</strong>, é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva,que fragiliza, enfraquece o sujeito <strong>de</strong> direitos, <strong>de</strong>sequilibran<strong>do</strong> a relação. Avulnerabilida<strong>de</strong> não é, pois, o fundamento das regras <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong> sujeitomais fraco, é apenas a “explicação” <strong>de</strong>stas regras ou da atuação <strong>do</strong>legisla<strong>do</strong>r, é a técnica para a sua boa aplicação, é a noção instrumental queguia e ilumina a aplicação <strong>de</strong>stas normas protetivas e reequilibra<strong>do</strong>ras, àprocura <strong>do</strong> fundamento da igualda<strong>de</strong> e da justiça. (2005; p. 320).Po<strong>de</strong>-se dizer ainda quanto à vulnerabilida<strong>de</strong>, conforme tem orienta<strong>do</strong> a<strong>do</strong>utrina mais abalizada, que esta po<strong>de</strong> ser apresentada através <strong>de</strong> quatro formas,quais sejam: (a) a vulnerabilida<strong>de</strong> técnica, que po<strong>de</strong>rá ser constatada quan<strong>do</strong>houver <strong>de</strong>sconhecimento técnico por parte <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r a respeito <strong>do</strong> bem queestá adquirin<strong>do</strong>; (b) a vulnerabilida<strong>de</strong> jurídica (também chamada científica), queestará presente quan<strong>do</strong> o consumi<strong>do</strong>r estiver <strong>ao</strong> <strong>de</strong>samparo <strong>de</strong> conhecimentojurídico, contabilista ou econômico a respeito da relação negocial à qual estará sesubmeten<strong>do</strong>; (c) a vulnerabilida<strong>de</strong> fática (ou socioeconômica), que é aquela em queo fornece<strong>do</strong>r, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> seu po<strong>de</strong>rio econômico ou da essencialida<strong>de</strong> ouexclusivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> produto ou serviço que presta, está em posição <strong>de</strong> extremasuperiorida<strong>de</strong> em relação <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r, e, quanto à vulnerabilida<strong>de</strong> fática, ousócio-econômica, po<strong>de</strong>-se apontar também o caso <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r efetivamentepobre, <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong> <strong>de</strong> recursos financeiros, em relação <strong>ao</strong> qual, segun<strong>do</strong> ajurisprudência firmada, presume-se sua vulnerabilida<strong>de</strong>; e (d) a vulnerabilida<strong>de</strong>informacional, que é efetivamente a característica principal <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, ou seja,o déficit <strong>de</strong> informação que possui a respeito <strong>do</strong> produto ou serviço que contrata ouutiliza. O fornece<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> profissional, conhece a fun<strong>do</strong> o seu produto ou serviço,possuin<strong>do</strong>, assim, todas as informações <strong>do</strong> objeto <strong>de</strong> seu trabalho, notadamentecom relação às implicações jurídicas, econômicas e técnicas <strong>de</strong>ste, <strong>ao</strong> passo que oconsumi<strong>do</strong>r não <strong>de</strong>tém tais informações, daí sua vulnerabilida<strong>de</strong> informacional.


24Já o princípio da boa-fé correspon<strong>de</strong>, em síntese, à vonta<strong>de</strong> espontânea <strong>de</strong> seagir corretamente, e está expresso nos artigos 4º, III e 51, I <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong>Consumi<strong>do</strong>r.Segun<strong>do</strong> Leonar<strong>do</strong> Roscoe Bessa et al (2010; p. 323) a boa-fé objetiva é“princípio nortea<strong>do</strong>r <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong> e não apenas <strong>do</strong> direito contratual, emboraseja neste campo seu maior <strong>de</strong>senvolvimento e aplicação”.A boa-fé se refere <strong>ao</strong> compromisso <strong>do</strong>s sujeitos em agir com lealda<strong>de</strong>, boaconduta em todas as fases <strong>do</strong> contrato, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a não exercer ou frustrar qualquerdireito <strong>de</strong> outrem, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> previsão legal.O Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r <strong>ao</strong> dispor sobre o princípio <strong>do</strong> equilíbrionas prestações e transparência - como por exemplo no artigo 46 -, o fez porenten<strong>de</strong>r que o consumi<strong>do</strong>r hipossuficiente po<strong>de</strong>rá contrair negócio jurídicoprejudicial a si próprio por <strong>de</strong>sconhecimento, ou até mesmo pela errônea forma <strong>de</strong>abordagem no momento da efetivação <strong>do</strong> contrato.Por tal razão, <strong>de</strong>ve haver transparência e equilíbrio no momento em que estásen<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> um contrato, e caso não o seja, as referidas cláusulas serãoconsi<strong>de</strong>rada nulas, conforme <strong>de</strong>termina o inciso IV <strong>do</strong> artigo 51 <strong>do</strong> Código emestu<strong>do</strong>. Veja-se, pois, que o referi<strong>do</strong> dispositivo legal <strong>de</strong>termina que “são nulas <strong>de</strong>pleno direito as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consi<strong>de</strong>radasiníquas, abusivas, que coloquem o consumi<strong>do</strong>r e <strong>de</strong>svantagem exagerada ou quesejam incompatíveis com a boa-fé ou a equida<strong>de</strong>”.Também se observa no Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r a a<strong>do</strong>ção da teoriada lesão, bem como a a<strong>do</strong>ção da teoria da base.A primeira refere-se <strong>ao</strong> prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão <strong>de</strong> um atonegocial resultante da <strong>de</strong>sproporção existente entre as prestações das duas partes(artigo 6º, V).A segunda isto é, a teoria da base <strong>do</strong> negócio jurídico, pensada por KarlLarenz, também a<strong>do</strong>tada pelo Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r no artigo 6º, V,segun<strong>do</strong> Gretchen Luckeroth Novaes 4 :4 Igualmente neste senti<strong>do</strong> a jurisprudência: “Agravo <strong>de</strong> instrumento - contrato <strong>de</strong> compra e venda -relação <strong>de</strong> consumo - possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisão das cláusulas contratuais - arbitragem - onerosida<strong>de</strong>excessiva <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r. Em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> relação <strong>de</strong> consumo, é possível que se modifiquem ascláusulas que <strong>de</strong>stoem das disposições <strong>do</strong> CDC (ART. 6º, V), mormente as que estabeleçamobrigações consi<strong>de</strong>radas iníquas, abusivas, que coloquem o consumi<strong>do</strong>r em <strong>de</strong>svantagem exagerad<strong>ao</strong>u que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüida<strong>de</strong> (ART. 51, IV <strong>do</strong> CDC). Nos contratos <strong>de</strong>a<strong>de</strong>são, é nula <strong>de</strong> pleno direito cláusula contratual que prevê arbitragem compulsória (ART. 51, VII <strong>do</strong>CDC).” Disponível em: www.tjmg.jus.br/jurispru<strong>de</strong>ncia.Acesso em 17/09/2011.


25Procura construir uma teoria que seja completa e a<strong>de</strong>quada para solucionaros problemas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> um contrato cujas circunstâncias tenhamsofri<strong>do</strong> alteração superveniente, permitin<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong>-juiz intervir nocontrato. A teoria da base investiga justamente a base <strong>do</strong> negócio jurídico,ou seja, as circunstâncias subjetivas e objetivas que envolveram arealização <strong>do</strong> negócio, bem como investiga o <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong>ssascircunstâncias (da base <strong>do</strong> negócio) permitin<strong>do</strong>, assim, a intervenção estatalno contrato.O princípio da informação, que se encontra disposto nos artigos 6º e 8º <strong>do</strong>CDC, prescreve uma garantia <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r, qual seja: a <strong>de</strong> ser informa<strong>do</strong> clara ea<strong>de</strong>quadamente sobre o serviço a ele presta<strong>do</strong> ou o produto por ele adquiri<strong>do</strong>, bemcomo sobre o risco que este produto oferece.Por sua vez, o artigo 9º <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> diploma obriga o fornece<strong>do</strong>r a prestarinformações precisas quan<strong>do</strong> o produto ou o serviço a ser presta<strong>do</strong> oferecer riscos àintegrida<strong>de</strong> física <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r 5 .Pelos princípios acima relata<strong>do</strong>s, verifica-se que o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong>Consumi<strong>do</strong>r visa <strong>de</strong> todas as formas equilibrar as relações <strong>de</strong> consumo, seja nomomento em que permite a utilização <strong>de</strong> outras normas para a solução <strong>do</strong> litígio,seja quan<strong>do</strong>, juntamente com os princípios <strong>do</strong> direito, interpreta sistematicamente alei, que, sozinha, muita vezes apresenta limitações.Mas para obter esse fim, ou seja, o <strong>de</strong> equilibrar as relações <strong>de</strong> consumo, oCDC não lançou mão apenas <strong>de</strong> seus princípios, foi necessário também estatuiruma “política nacional da relação <strong>de</strong> consumo”.1.5 Política Nacional da Relação <strong>de</strong> ConsumoPreferiu o legisla<strong>do</strong>r <strong>de</strong>dicar capítulo próprio para <strong>de</strong>monstrar a melhor maneira<strong>de</strong> tornar concretos os ditames conti<strong>do</strong>s no Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r,5 Civil e Processual Civil - Apelação - Ação <strong>de</strong> rescisão <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> telefonia - CDC - Aplicação -Vício <strong>de</strong> serviço - inobservância <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> informar - Rescisão contratual - Possibilida<strong>de</strong> -Restituição <strong>de</strong> valores pagos a maior - Deferimento - Manutenção da sentença - Recurso não provi<strong>do</strong>.É <strong>de</strong>ver <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> serviços informar previamente <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong> todas as características<strong>do</strong> serviço contrata<strong>do</strong>. Haven<strong>do</strong> falha no <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> informar a existência <strong>de</strong> diferenciação entre tarifastelefônicas locais e <strong>de</strong> longa distância, bem como <strong>de</strong> seus valores, é direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r a rescisãocontratual e a <strong>de</strong>volução <strong>do</strong>s valores pagos a maior. -Recurso conheci<strong>do</strong> e não provi<strong>do</strong>. (Apelação.Processo nº: 1.0433.08.251765-0/001(1). Relatora Des.(a) Márcia <strong>de</strong> P<strong>ao</strong>li Balbino. Disponível emtjmg.jus.br./jurispru<strong>de</strong>ncia. Acesso em 17/09/2011.


26indican<strong>do</strong> em apenas <strong>do</strong>is artigos os objetivos, princípios que norteiam o CDC 6 , bemcomo <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> através <strong>de</strong> rol exemplificativo os instrumentos que o Po<strong>de</strong>rPúblico <strong>de</strong>tém para efetivação e concretização da política nacional <strong>do</strong> referi<strong>do</strong>Código 7 .Sobre a política nacional da relação <strong>de</strong> consumo, Cláudia Lima Marques <strong>ao</strong>tratar <strong>do</strong> tema, que se encontra no capítulo II <strong>do</strong> CDC, proferiu o seguinteentendimento a respeito <strong>do</strong> artigo 4º <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> Código:O artigo 4º <strong>do</strong> CDC é uma norma narrativa, para <strong>de</strong>screver estas normasrenova<strong>do</strong>ras e abertas, que trazem objetivos e princípios, e evitar <strong>de</strong>chamá-las <strong>de</strong> normas-programa ou normas programáticas, que não tinhameficácia prática e por isso não eram usadas. Note-se que o artigo 4º <strong>do</strong> CDCé um <strong>do</strong>s artigos mais cita<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ste Código, justamente porque resumeto<strong>do</strong>s os direitos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r e sua principiologia em um só artigovalorativo e que traz os objetivos <strong>do</strong> CDC. As “normas narrativas”, como oartigo 4º, são usadas para interpretar e guiar, melhor dizen<strong>do</strong>, “iluminar”todas as outras normas <strong>do</strong> microssistema. Elas aplicam-se como inspiração,guia, teleologia, indican<strong>do</strong> o caminho, o objetivo. Daí a importância <strong>do</strong> artigo4º <strong>do</strong> CDC. (2010; p. 65).Pela leitura <strong>do</strong> artigo 4º <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r verifica-se queinicialmente o legisla<strong>do</strong>r propõe o alcance da harmonia na relação consumi<strong>do</strong>rfornece<strong>do</strong>rjá que estes estão intimamente liga<strong>do</strong>s.6 Art. 4º - A Política Nacional das Relações <strong>de</strong> Consumo tem por objetivo o atendimento dasnecessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res, o respeito à sua dignida<strong>de</strong>, saú<strong>de</strong> e segurança, a proteção <strong>de</strong> seusinteresses econômicos, a melhoria da sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, bem como a transparência e harmoniadas relações <strong>de</strong> consumo, atendi<strong>do</strong>s os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilida<strong>de</strong><strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo; II - ação governamental no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> proteger efetivamenteo consumi<strong>do</strong>r: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> associaçõesrepresentativas; c) pela presença <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo; d) pela garantia <strong>do</strong>s produtos eserviços com padrões a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, segurança, durabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sempenho. III -harmonização <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong>s participantes das relações <strong>de</strong> consumo e compatibilização daproteção <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico e tecnológico, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>a viabilizar os princípios nos quais se funda a or<strong>de</strong>m econômica (art. 170, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral),sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumi<strong>do</strong>res e fornece<strong>do</strong>res; IV -educação e informação <strong>de</strong> fornece<strong>do</strong>res e consumi<strong>do</strong>res, quanto <strong>ao</strong>s seus direitos e <strong>de</strong>veres, comvistas à melhoria <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo; V - incentivo à criação pelos fornece<strong>do</strong>res <strong>de</strong> meioseficientes <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e segurança <strong>de</strong> produtos e serviços, assim como <strong>de</strong> mecanismosalternativos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos <strong>de</strong> consumo; VI - coibição e repressão eficientes <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s osabusos pratica<strong>do</strong>s no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo, inclusive a concorrência <strong>de</strong>sleal e utilização in<strong>de</strong>vida <strong>de</strong>inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possamcausar prejuízos <strong>ao</strong>s consumi<strong>do</strong>res; VII - racionalização e melhoria <strong>do</strong>s serviços públicos; VIII -estu<strong>do</strong> constante das modificações <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo.7 Art. 5° - Para a execução da Política Nacional das Relações <strong>de</strong> Consumo, contará o po<strong>de</strong>r públicocom os seguintes instrumentos, entre outros: I - manutenção <strong>de</strong> assistência jurídica, integral e gratuitapara o consumi<strong>do</strong>r carente; II - instituição <strong>de</strong> Promotorias <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, noâmbito <strong>do</strong> Ministério Público; III - criação <strong>de</strong> <strong>de</strong>legacias <strong>de</strong> polícia especializadas no atendimento <strong>de</strong>consumi<strong>do</strong>res vítimas <strong>de</strong> infrações penais <strong>de</strong> consumo; IV - criação <strong>de</strong> Juiza<strong>do</strong>s Especiais <strong>de</strong>Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução <strong>de</strong> litígios <strong>de</strong> consumo; V - concessão <strong>de</strong>estímulos à criação e <strong>de</strong>senvolvimento das Associações <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r.


27No tocante à vulnerabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, como já menciona<strong>do</strong> em tópicoanterior, o Código buscou reforçar a dignida<strong>de</strong> daquele que sempre se mostrou aparte mais frágil da relação <strong>de</strong> consumo, isto é, o consumi<strong>do</strong>r. O consumi<strong>do</strong>r, antesda entrada em vigor <strong>do</strong> CDC, na maior parte <strong>do</strong> tempo não possuía – como aindanão possui - o exato conhecimento sobre o meio <strong>de</strong> produção, não haven<strong>do</strong> naqueleperío<strong>do</strong> anterior à codificação amparo específico <strong>de</strong>ntro da relação <strong>de</strong> consumo quelhe <strong>de</strong>sse a ampla e necessária guarida.Assim, vale mencionar que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>ao</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e incentivar alivre iniciativa e a livre concorrência fixou no seu artigo 170 a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.Também por essa razão torna-se indiscutível a necessida<strong>de</strong> da proteção <strong>ao</strong>consumi<strong>do</strong>r.A educação e informação também estão contidas na política nacional <strong>de</strong>consumo, objetivan<strong>do</strong> que escolas, cursos, bem como universida<strong>de</strong> disponibilizemdisciplinas ligadas <strong>ao</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.Acerca <strong>do</strong> controle <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e mecanismos <strong>de</strong> atendimento <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r,estes po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem ser trabalha<strong>do</strong>s através das próprias empresas, que possuemo <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> administrar diligentemente priman<strong>do</strong> pela qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s produtos queoferecem no merca<strong>do</strong>.Por fim, cuida o artigo 5º <strong>do</strong> CDC, através <strong>de</strong> rol exemplificativo, da maneiracomo se dará a disponibilização <strong>do</strong>s instrumentos das políticas nacionais dasrelações <strong>de</strong> consumo, que na verda<strong>de</strong> trata-se <strong>de</strong> órgãos regulamenta<strong>do</strong>res emgeral.A política nacional <strong>de</strong> relação <strong>de</strong> consumo visa, obviamente, traçar um planogovernamental <strong>de</strong> proteção <strong>ao</strong> principal personagem <strong>do</strong> CDC, aquele que éjustamente o foco da proteção da legislação consumerista: o consumi<strong>do</strong>r.Faz-se necessário, portanto, analisar quem é, afinal, o <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>consumi<strong>do</strong>r.O CDC na verda<strong>de</strong> não possui apenas um conceito <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r, conformeassente na <strong>do</strong>utrina, mas sim quatro, e estes serão apresenta<strong>do</strong>s a seguir.


281.6 Os quatro conceitos <strong>de</strong> Consumi<strong>do</strong>r no CDC.Po<strong>de</strong>-se dizer acerca <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong> atual que este se apresenta <strong>de</strong> formatríplice, haven<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> tal raciocínio, um direito geral, o direito civil, e <strong>do</strong>isdireitos especiais, o direito comercial (ou direito <strong>de</strong> empresa) e o direito <strong>do</strong>consumi<strong>do</strong>r.A incidência <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>stes direitos sobre os fatos jurídicos por elesregula<strong>do</strong>s <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> uma análise quanto <strong>ao</strong> aspecto subjetivo da relaçãojurídica, isto é, <strong>de</strong>ver-se-á investigar os sujeitos <strong>de</strong> direitos e obrigações envolvi<strong>do</strong>snas relações para, caracterizan<strong>do</strong>-os, i<strong>de</strong>ntificar qual ramo <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong> <strong>de</strong>veráincidir, se o geral ou se o especial, e, no caso <strong>de</strong>ste último, se o direito <strong>de</strong> empres<strong>ao</strong>u se o direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.O direito civil (direito geral) será reclama<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> houver na relação jurídicaa presença <strong>de</strong> civis, em senti<strong>do</strong> estrito, nos <strong>do</strong>is pólos da relação jurídica (sujeitopassivo e sujeito ativo da relação).Se a relação jurídica contiver, entretanto, a presença <strong>de</strong> apenas comerciantesnos <strong>do</strong>is pólos da relação, ou seja, se o sujeito ativo da relação for comerciante e seo sujeito passivo também for comerciante, então a situação fática reclama a atuação<strong>de</strong> um <strong>do</strong>s ramos especiais <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong>, o direito <strong>de</strong> empresa.Mas haverá ainda fatos jurídicos, contratuais ou extracontratuais, <strong>ao</strong>n<strong>de</strong> sei<strong>de</strong>ntificará em um <strong>do</strong>s pólos da relação jurídica a presença <strong>de</strong> um civil e no outropólo a presença <strong>de</strong> um comerciante. Nesta hipótese, o ramo <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong> queregulará o fato concreto apresenta<strong>do</strong> será o direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, on<strong>de</strong> o civilmenciona<strong>do</strong> será trata<strong>do</strong> por consumi<strong>do</strong>r e o empresário (ou comerciante) será<strong>de</strong>signa<strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> produtos ou serviços. Deve-se apenas fazer a ressalva,quanto a um <strong>do</strong>s sujeitos presentes nesta relação jurídica, o empresário, quanto <strong>ao</strong>fato <strong>de</strong> que, conforme será visto, o CDC amplia o conceito <strong>de</strong> fornece<strong>do</strong>r,esten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-o também a pessoas consi<strong>de</strong>radas não empresárias pelo Código Civil,como, por exemplo, os profissionais liberais.O direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r é, portanto, um direito cujo campo <strong>de</strong> incidência éverifica<strong>do</strong> em “razão da pessoa” e é um direito “relacional”. Isto porque suaincidência e aplicação somente ocorrerão nas relações jurídicas em que houver apresença <strong>de</strong> duas pessoas, o consumi<strong>do</strong>r e o fornece<strong>do</strong>r, e é um direito relacional


29porque o conceito <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r não prescin<strong>de</strong> <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> fornece<strong>do</strong>r, e viceversa,ou seja, só haverá consumi<strong>do</strong>r quan<strong>do</strong> houver fornece<strong>do</strong>r, e somente haveráeste na presença daquele. Se numa <strong>de</strong>terminada relação jurídica houverhipoteticamente um consumi<strong>do</strong>r (em um contrato <strong>de</strong> compra e venda, por exemplo),mas no outro pólo da relação jurídica não houver um fornece<strong>do</strong>r, conforme <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>pelo CDC, então não se estará diante <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong> consumo e, pois, não seestará diante <strong>de</strong> um fato jurídico que reclame a incidência <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.Estar-se-á, neste caso, na verda<strong>de</strong>, diante <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> fato que cobra oregramento <strong>do</strong> direito civil geral.Do mesmo mo<strong>do</strong>, se o fato jurídico tem em um <strong>do</strong>s pólos da relação jurídicauma pessoa, física ou jurídica, caracterizada pelo CDC como fornece<strong>do</strong>r, e se nooutro pólo da relação há igualmente outro fornece<strong>do</strong>r, então a hipótese subsume-senão <strong>ao</strong> campo <strong>de</strong> incidência <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, mas sim <strong>ao</strong> campo <strong>do</strong> direito<strong>de</strong> empresa. Esta é a regra. Entretanto, conforme será visto adiante, ajurisprudência, acompanhan<strong>do</strong> a <strong>do</strong>utrina, a qual já <strong>de</strong> muito vem se posiciona<strong>do</strong>nesse senti<strong>do</strong>, vem mitigan<strong>do</strong> tal entendimento, amplian<strong>do</strong> um pouco mais o campo<strong>de</strong> abrangência <strong>do</strong> direito consumi<strong>do</strong>r para aplicá-lo em situação em que, mesmohaven<strong>do</strong> <strong>do</strong>is empresários nos pólos antagônicos da relação jurídica, haja a principalcaracterística <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, que é a vulnerabilida<strong>de</strong>.De qualquer forma, com a entrada em vigor <strong>do</strong> CDC, as correntesacadêmicas que se <strong>de</strong>bruçaram sobre a nova lei que ingressava no or<strong>de</strong>namentojurídico pátrio <strong>de</strong>fendiam, a princípio, duas teorias a respeito <strong>do</strong> campo <strong>de</strong>abrangência da Lei Consumerista, com base no conceito <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r: uma que<strong>de</strong>fendia a teoria finalista e a outra, que <strong>de</strong>fendia a teoria maximalista.Para se chegar a tais conclusões acerca <strong>do</strong> campo <strong>de</strong> abrangência <strong>do</strong> CDCfoi necessário consi<strong>de</strong>rar-se que tal or<strong>de</strong>namento jurídico tinha - e é claro quecontinua ten<strong>do</strong> - por escopo a proteção <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r frente <strong>ao</strong> po<strong>de</strong>rio econômicoe técnico, notadamente, <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo, ou seja, <strong>ao</strong>n<strong>de</strong>houvesse um consumi<strong>do</strong>r frente a um fornece<strong>do</strong>r, haveria também a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>se convocar o CDC para dizer o direito no caso concreto, que é, aliás, o que estáassenta<strong>do</strong> tanto na lei quanto na <strong>do</strong>utrina.Mas, pela leitura <strong>do</strong> exposto, conclui-se que para se <strong>de</strong>limitar o campo <strong>de</strong>ação <strong>do</strong> Código em exame haveria <strong>de</strong> se <strong>de</strong>finir quem é afinal o consumi<strong>do</strong>r.


30Neste ponto é que surge primeiramente uma corrente finalista, postulan<strong>do</strong>uma interpretação restrita da expressão “<strong>de</strong>stinatário final” contida no artigo 2º,caput, <strong>do</strong> CDC, <strong>do</strong>n<strong>de</strong>, conforme Cláudia Lima Marques, <strong>de</strong>stinatário final(consumi<strong>do</strong>r) seria o “<strong>de</strong>stinatário fático e econômico <strong>do</strong> bem ou serviço, sejapessoa jurídica ou física”, o que implica dizer que para a configuração <strong>de</strong>consumi<strong>do</strong>r não basta a retirada <strong>do</strong> produto ou <strong>do</strong> serviço da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> produção ou<strong>do</strong> comércio, é necessário também que essa retirada não se dê com o intuito <strong>de</strong> sereven<strong>de</strong>r ou transferir o produto ou serviço ou <strong>de</strong> utilizá-lo profissionalmente.Segun<strong>do</strong> essa corrente restringir o campo <strong>de</strong> aplicação <strong>do</strong> CDC nãosignificaria restringir a proteção <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r, <strong>ao</strong> contrário, aliás, significariaampliar tal proteção, pois fazen<strong>do</strong> incidir este ramo <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong> apenas paraaquelas pessoas que realmente necessitariam <strong>de</strong> sua tutela, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> as <strong>de</strong>maisprotegidas pelo direito civil geral, a proteção seria específica e, portanto, maior.Em contraposição à teoria finalista surgiu a teoria maximalista, a qual<strong>de</strong>fendia uma interpretação ampla <strong>do</strong> artigo 2º <strong>do</strong> CDC, no que se refere àcaracterização <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r pela leitura da expressão “<strong>de</strong>stinatário final” nelecontida.Para esta corrente o CDC configurava um novo regulamento <strong>de</strong> to<strong>do</strong> omerca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo nacional, e não apenas uma norma voltada tão-somente paraproteger o consumi<strong>do</strong>r, excluin<strong>do</strong>-se aqueles que, embora também consumissem, ofaziam em caráter “profissional”, isto é, para reutilizarem o produto ou o serviçocomo insumo <strong>de</strong> sua faina habitual ou como o próprio objeto <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong>econômica. Segun<strong>do</strong> Cláudia Lima Marques, para a corrente maximalista o Código<strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r seria “código geral sobre o consumo”, engloban<strong>do</strong>,portanto, to<strong>do</strong>s os agentes <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>.Todavia, embora durante algum tempo a teoria finalista tenha prevaleci<strong>do</strong> noentendimento <strong>do</strong>s tribunais pátrios, atualmente há que se consi<strong>de</strong>rar, até mesmopela leitura <strong>do</strong> entendimento jurispru<strong>de</strong>ncial construí<strong>do</strong> no Superior Tribunal <strong>de</strong>Justiça, que atualmente houve um abrandamento da teoria finalista pura, crian<strong>do</strong>-seuma terceira corrente sobre o campo <strong>de</strong> aplicação <strong>do</strong> CDC, à qual se <strong>de</strong>u o nome <strong>de</strong>finalismo aprofunda<strong>do</strong>.Mas o que é, afinal, o finalismo aprofunda<strong>do</strong>?Tal expressão significa a própria teoria finalista obtemperada, contu<strong>do</strong>, com oentendimento <strong>de</strong> que haverá casos em que o conceito <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong>verá ser


31amplia<strong>do</strong>, excepcionalmente – e frise-se a palavra “excepcionalmente” -, quan<strong>do</strong> seestiver diante <strong>de</strong> uma relação jurídica em que embora ambas as partes sejamcomerciantes, e uma <strong>de</strong>las não seja consumi<strong>do</strong>r no senti<strong>do</strong> restrito <strong>do</strong> caput <strong>do</strong>artigo 2º <strong>do</strong> CDC, uma <strong>de</strong>las apresenta a principal característica <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>rfrente à outra: a vulnerabilida<strong>de</strong>.Portanto, nesses casos em que a relação <strong>de</strong> consumo se <strong>de</strong>senvolva entre<strong>do</strong>is comerciantes, ambos fornece<strong>do</strong>res a princípio, mas on<strong>de</strong> um <strong>de</strong>les se encontreem posição <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> (principal característica <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r) em relação<strong>ao</strong> outro, o direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong>verá ser chama<strong>do</strong> a incidir sobre tal fato jurídico.Eis aí, portanto, o finalismo aprofunda<strong>do</strong>.Desta forma, explicitadas as teorias que procuraram <strong>de</strong>finir quem é a pessoaque adquire ou utiliza produto ou serviço como “<strong>de</strong>stinatário final” para efeitos <strong>de</strong>incidência <strong>do</strong> CDC, passa-se então à apresentação <strong>do</strong>s quatro conceitos <strong>de</strong>consumi<strong>do</strong>r havi<strong>do</strong>s na Lei Consumerista, sen<strong>do</strong> o primeiro <strong>de</strong>les o consumi<strong>do</strong>r emsenti<strong>do</strong> estrito.1.6.1 O consumi<strong>do</strong>r em senti<strong>do</strong> estritoO caput <strong>do</strong> artigo 2º <strong>do</strong> CDC estatui que “consumi<strong>do</strong>r é toda pessoa física oujurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como <strong>de</strong>stinatário final”.Conforme <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> anteriormente, quan<strong>do</strong> o CDC entrou em vigor duascorrentes acadêmicas se postaram frente a frente <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> pontos <strong>de</strong> vistaantagônicos e, portanto, cada uma tentan<strong>do</strong> impor o seu entendimento acerca <strong>de</strong>quem seria o consumi<strong>do</strong>r para efeito <strong>de</strong> aplicação <strong>do</strong> Código. Ficou assente que oconsumi<strong>do</strong>r, para efeitos <strong>do</strong> CDC, seria apenas aquela pessoa física ou jurídica queadquire ou utiliza o produto ou serviço como <strong>de</strong>stinatário final, ou seja, que nãoadquire o produto para reutilizá-lo na sua ativida<strong>de</strong>, ou como insumo <strong>de</strong>la, ou paraproduzir outro produto, ou ainda para promover a sua circulação no merca<strong>do</strong>(ativida<strong>de</strong> própria <strong>do</strong> comércio).Acabou <strong>de</strong>rrotada a teoria maximalista que pretendia esten<strong>de</strong>r o campo <strong>de</strong>abrangência <strong>do</strong> CDC a outras relações jurídicas que na verda<strong>de</strong> possuíam tutelaprópria e específica no direito civil geral ou no direito comercial especial.


32Desta feita, atualmente consumi<strong>do</strong>r em senti<strong>do</strong> estrito, conforme previsto nocaput <strong>do</strong> artigo 2º <strong>do</strong> CDC é tão-somente quem se apresenta como sen<strong>do</strong>efetivamente o <strong>de</strong>stinatário final, último, <strong>do</strong> produto ou serviço adquiri<strong>do</strong>, o qual não<strong>de</strong>ve ser adquiri<strong>do</strong> ou utiliza<strong>do</strong> com fins profissionais (teoria finalista), bem comoaquele que ainda que adquira ou utilize o produto ou serviço em caráter profissionalpossua situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> em relação <strong>ao</strong> fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ste produto ouserviço (finalismo aprofunda<strong>do</strong>).Cumpre dizer que além <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r em senti<strong>do</strong> estrito, menciona<strong>do</strong> nestetópico, o CDC previu também a figura <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>res por equiparação. Isto implicadizer que houve uma ampliação <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r, e, por isso mesmo, umaampliação <strong>do</strong> campo <strong>de</strong> incidência <strong>do</strong> Código em questão.Três são as espécies <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>res por equiparação, sen<strong>do</strong> elas, primeiro,o consumi<strong>do</strong>r previsto no parágrafo único <strong>do</strong> artigo 2° <strong>do</strong> CDC; segun<strong>do</strong>, oconsumi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> artigo 17; e, terceiro, as pessoas expostas às práticas comerciais.Veja-se, portanto, o que diz a lei a respeito <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res porequiparação.1.6.2 Consumi<strong>do</strong>res por equiparaçãoAlém <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r em senti<strong>do</strong> estrito, o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong>Consumi<strong>do</strong>r prevê e conceitua o “consumi<strong>do</strong>r por equiparação”, ou bystan<strong>de</strong>rs(especta<strong>do</strong>res), <strong>ao</strong> qual a Codificação esten<strong>de</strong>u o seu braço protetor.Tais consumi<strong>do</strong>res, os bystan<strong>de</strong>rs, conforme já afirma<strong>do</strong>, são <strong>de</strong> três or<strong>de</strong>ns:o consumi<strong>do</strong>r conceitua<strong>do</strong> e previsto no parágrafo único <strong>do</strong> artigo 2º <strong>do</strong> Código; oconsumi<strong>do</strong>r previsto no artigo 17; e o consumi<strong>do</strong>r previsto no artigo 29, que previuas pessoas expostas às práticas comerciais.


331.6.2.1 O consumi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> parágrafo único <strong>do</strong> artigo 2º <strong>do</strong> CDCO parágrafo único <strong>do</strong> artigo 2º <strong>do</strong> CDC prescreveu mais uma espécie <strong>de</strong>consumi<strong>do</strong>r, o consumi<strong>do</strong>r por equiparação.Referi<strong>do</strong> dispositivo <strong>de</strong> lei consigna que “equipara-se a consumi<strong>do</strong>r acoletivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas, ainda que in<strong>de</strong>termináveis, que haja intervin<strong>do</strong> nasrelações <strong>de</strong> consumo”.Aqui, consi<strong>de</strong>ra-se também consumi<strong>do</strong>r a coletivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas, mesmoquan<strong>do</strong> in<strong>de</strong>termináveis que hajam intervin<strong>do</strong> na relação <strong>de</strong> consumo, como, porexemplo, titulares <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que embora não o tenham efetivamenteutiliza<strong>do</strong> ou <strong>de</strong>le necessita<strong>do</strong> por estarem sãos, têm interesse potencial em que um<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> procedimento cirúrgico não seja excluí<strong>do</strong> da cobertura <strong>do</strong> plano emvirtu<strong>de</strong> da obscurida<strong>de</strong> da cláusula contratual sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suarealização ou não.Portanto, o que preten<strong>de</strong>u o parágrafo único <strong>do</strong> artigo 2º <strong>do</strong> CDC foi incluir norol <strong>de</strong> proteção também o consumi<strong>do</strong>r indireto, isto é, aquele que embora não tenhaesta<strong>do</strong> diretamente na relação <strong>de</strong> consumo, <strong>de</strong>la participa indiretamente e, portanto,possui interesses potenciais nessas relações.Além <strong>de</strong>sse consumi<strong>do</strong>r por equiparação, o <strong>do</strong> parágrafo único, <strong>do</strong> artigo 2°<strong>do</strong> CDC, há também o consumi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> artigo 17 <strong>do</strong> mesmo Código. Veja-se, pois, aseguir, quem é ele.1.6.2.2 O consumi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> artigo 17 <strong>do</strong> CDCDeve-se observar ab initio que o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r não érepetitivo <strong>ao</strong> conceituar o consumi<strong>do</strong>r, uma vez que o artigo 17 não trata da<strong>de</strong>stinação final, mas sim assegura o direito <strong>de</strong> terceiro ser in<strong>de</strong>niza<strong>do</strong> por relaçãoda qual tenha participa<strong>do</strong> efetivamente.A<strong>de</strong>mais, fazen<strong>do</strong> uma análise apenas <strong>do</strong> conceito geral <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>rprevisto no artigo 2º, o terceiro expecta<strong>do</strong>r não po<strong>de</strong>ria ser repara<strong>do</strong> pelo causa<strong>do</strong>r<strong>do</strong> evento.


34Mas através <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> artigo 17 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r oterceiro prejudica<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>, inclusive, buscar reparação <strong>de</strong> forma direta <strong>ao</strong> fornece<strong>do</strong>rresponsável pelos danos suporta<strong>do</strong>s 8 .Importante mencionar que a pessoa jurídica, bem como o intermediário, aindaque não sejam <strong>de</strong>stinatários finais, equiparam-se a consumi<strong>do</strong>res, caso sejamvítimas <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> consumo.Neste senti<strong>do</strong>, Sanseverino cita<strong>do</strong> por Benjamin anota que:O CDC, neste ponto, fez uma abstração <strong>do</strong> elemento teleológico, abrin<strong>do</strong>mão <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> não profissionalida<strong>de</strong> (<strong>de</strong>stinatário final), amparan<strong>do</strong>sujeitos que, <strong>de</strong>cididamente, não seriam consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res sob osparâmetros estreitos <strong>do</strong> artigo 2º, caput. São exemplos, um <strong>de</strong>feito naprestação <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> energia elétrica que danifique a re<strong>de</strong> <strong>de</strong>computa<strong>do</strong>res <strong>de</strong> uma empresa, ou a queda <strong>de</strong> um avião sobre uma gran<strong>de</strong>indústria. Nos <strong>do</strong>is casos, a pessoa jurídica aparece como vítima <strong>de</strong> umaci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> consumo, merecen<strong>do</strong> proteção com base na regra <strong>do</strong> art. 17 <strong>do</strong>CDC. (2002; p. 209-210).Portanto, está claro que o terceiro, sen<strong>do</strong> pessoa física ou jurídica, quesuportar dano causa<strong>do</strong> por outrem na relação <strong>de</strong> consumo, <strong>de</strong>verá ser merece<strong>do</strong>r daguarida ofertada pelo Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r.E, por fim, também está previsto no CDC a figura <strong>de</strong> uma quarta espécie <strong>de</strong>consumi<strong>do</strong>r (terceira espécie <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r por equiparação), que são as pessoasexpostas às práticas comerciais. É o que informa o tópico seguinte.8 Veja-se, nesse senti<strong>do</strong>, o seguinte julga<strong>do</strong>: “exceção <strong>de</strong> incompetência -- relação jurídica <strong>de</strong>consumo - terceiro equipara<strong>do</strong> <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r - inteligência <strong>do</strong> art. 17, <strong>do</strong> código <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>consumi<strong>do</strong>r - aplicabilida<strong>de</strong> da regra especial <strong>de</strong> competência inserida no art. 101, inc. i, <strong>do</strong> CPC. OCódigo <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r preocupa<strong>do</strong> com a figura <strong>do</strong>s "terceiros", também <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>sbystan<strong>de</strong>rs, ou seja, aquelas pessoas estranhas à relação <strong>de</strong> consumo, mas que sofreram prejuízoem razão <strong>do</strong>s <strong>de</strong>feitos intrínsecos ou extrínsecos <strong>do</strong> produto ou serviço, mediante o preceito legalinseri<strong>do</strong> em seu artigo 17, assegurou o ressarcimento <strong>do</strong>s danos causa<strong>do</strong>s às vítimas <strong>de</strong> vícios <strong>de</strong>qualida<strong>de</strong>. Logo, basta ser 'vítima' <strong>de</strong> um produto ou serviço para ser privilegia<strong>do</strong> com a posição <strong>de</strong>consumi<strong>do</strong>r legalmente protegi<strong>do</strong> pelas normas sobre responsabilida<strong>de</strong> objetiva pelo fato <strong>do</strong> produtopresentes no CDC. Trata-se <strong>de</strong> novo âmbito <strong>de</strong> tutela <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r: a vítima <strong>do</strong> aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>consumo que, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> disposto no artigo 17, <strong>do</strong> CDC, passa a ser equiparada <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r.Desconsi<strong>de</strong>ra-se, a partir <strong>de</strong>sse momento, se o tutela<strong>do</strong>, ora consumi<strong>do</strong>r, qualifica-se como<strong>de</strong>stinatário final <strong>do</strong> produto ou serviço; se houve a sua participação na relação <strong>de</strong> consumo ou não.Mostra-se suficiente que a vítima, para que seja equiparada <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r, tenha si<strong>do</strong> atingida emsua esfera jurídica pelos efeitos <strong>do</strong> aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> consumo, interessan<strong>do</strong> a perquirição que ora sealmeja, o conhecimento <strong>de</strong> que a pessoa foi atingida em sua incolumida<strong>de</strong> físico-psíquica ou em suaincolumida<strong>de</strong> econômica. A norma legal consumerista prevista no art. 101, inc. I, possibilita <strong>ao</strong>consumi<strong>do</strong>r ajuizar ação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização contra o fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> produtos ou serviços no foro <strong>do</strong> seu<strong>do</strong>mícilio. Com tais consi<strong>de</strong>rações, <strong>do</strong>u provimento <strong>ao</strong> recurso, para o fim <strong>de</strong> reforman<strong>do</strong> a r. <strong>de</strong>cisãoagravada, <strong>de</strong>clarar competente o Juízo da 16ª Vara Cível da Comarca <strong>de</strong>sta Capital para ojulgamento da ação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização por dano moral ajuizada pelo ora agravante, observan<strong>do</strong>-se,assim, a regra especial <strong>de</strong> competência inserida no art. 101, inc. I, <strong>do</strong> CDC”. Disponível em:www.tjmg.jus.br/jurispru<strong>de</strong>ncia. Acesso em 18/09/2011.


351.6.2.3 Pessoas expostas às práticas comerciaisDe forma a abranger todas as pessoas como consumi<strong>do</strong>res, o Código <strong>de</strong>Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r elenca em seu texto - repita-se - quatro conceitos diferentes<strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r.O primeiro <strong>de</strong>les trata-se <strong>do</strong> conti<strong>do</strong> no artigo 2º <strong>do</strong> CDC, sen<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r,conforme já salienta<strong>do</strong>, toda pessoa física ou jurídica que adquire produto ou serviçocomo <strong>de</strong>stinatário final.Por meio <strong>do</strong> parágrafo único <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> artigo faz referência à coletivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>sconsumi<strong>do</strong>res.Por sua vez o artigo 17 já especifica<strong>do</strong> em tópico anterior protege os terceirosque são vítimas <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> consumo, <strong>do</strong> qual não tenha contribuí<strong>do</strong> para oevento.Falta tratar, portanto, <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r previsto no artigo 29, o qual equipara “<strong>ao</strong>sconsumi<strong>do</strong>res todas as pessoas <strong>de</strong>termináveis ou não, expostas às práticascomerciais”, ou seja, são os chama<strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res por equiparação que estan<strong>do</strong>expostos às práticas comerciais merecem ver aplicada a disciplina <strong>do</strong> Códigoenfoca<strong>do</strong>.Os legisla<strong>do</strong>res <strong>do</strong> CDC enten<strong>de</strong>ram por bem ampliar o conceito <strong>de</strong>consumi<strong>do</strong>r como forma <strong>de</strong> proteger todas as relações contratuais.O artigo 29 <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> diploma supera to<strong>do</strong>s os limites da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>consumi<strong>do</strong>r, vin<strong>do</strong>, conforme assevera Marques (2010; p. 98), “para harmonizar osinteresses presentes no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo, para reprimir eficazmente os abusos<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r econômico, para proteger os interesses econômicos <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>resfinais”.Assim, mesmo não sen<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>res strictu sensu esses tais utilizam asnormas especiais <strong>do</strong> CDC, bem como, ainda conforme Marques (2010; p. 98), seusprincípios, sua ética <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> social no merca<strong>do</strong>, sua nova or<strong>de</strong>mpública, combaten<strong>do</strong> as práticas comerciais abusivas.Portanto, dúvida não resta quanto <strong>ao</strong> fato <strong>de</strong> que as pessoas expostas àspráticas abusivas também integram o conceito <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> a proteçãorecebida pelos consumi<strong>do</strong>res naturais, i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s no artigo 2º <strong>do</strong> Código,estendida <strong>ao</strong>s consumi<strong>do</strong>res por equiparação, caracteriza<strong>do</strong>s no artigo 29.


36Além da figura <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r abordada no Código, há também o outro polo darelação jurídica que se <strong>de</strong>senvolve através da relação <strong>de</strong> consumo. Este outro poloda relação é representa<strong>do</strong> pelo fornece<strong>do</strong>r.Necessário, portanto, dizer, da mesma forma que se disse a respeito <strong>do</strong>consumi<strong>do</strong>r, quem é o fornece<strong>do</strong>r, afinal é ele quem suporta os direitos <strong>do</strong>consumi<strong>do</strong>r previstos no CDC.1.7 Conceito <strong>de</strong> fornece<strong>do</strong>rJá se mencionou que o conceito <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r é um conceito relacional,ten<strong>do</strong> em vista que a presença, ou existência, <strong>de</strong>ste, <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, somente seráobservada na presença da outra parte da relação jurídica <strong>de</strong> consumo, o fornece<strong>do</strong>r.Dessa forma, cumpre conceituar essa outra figura da relação <strong>de</strong> consumo, ofornece<strong>do</strong>r, que é aquele que se mostra a parte mais forte da relação, lembran<strong>do</strong>que o direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r regula relações jurídicas entre <strong>de</strong>siguais.O artigo 3º <strong>do</strong> CDC estatui que “fornece<strong>do</strong>r é toda pessoa física ou jurídica,pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes <strong>de</strong>spersonaliza<strong>do</strong>s,que <strong>de</strong>senvolvem ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção, montagem, criação, construção,transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização <strong>de</strong> produtosou prestações <strong>de</strong> serviços”.Observa-se que o conceito da<strong>do</strong> pelo Código é bastante <strong>de</strong>talha<strong>do</strong> <strong>ao</strong> <strong>de</strong>finirquem é o fornece<strong>do</strong>r (“toda pessoa”, “física ou jurídica”, “pública ou privada”,“nacional ou estrangeira”, “entes <strong>de</strong>spersonaliza<strong>do</strong>s”).Tal <strong>de</strong>talhamento induz o intérprete a concluir que a intenção <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r foia <strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fora nenhum profissional, pessoa física ou jurídica, que pu<strong>de</strong>ssese apresentar como fornece<strong>do</strong>r na relação <strong>de</strong> consumo.E Isto se <strong>de</strong>u justamente em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> caráter protecionista <strong>do</strong> CDC, ou seja,se o conceito <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>r é relacional <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que para caracterizá-lo énecessário que haja no outro pólo da relação um fornece<strong>do</strong>r, então amplian<strong>do</strong>-se orol <strong>de</strong> pessoas consi<strong>de</strong>radas fornece<strong>do</strong>res, amplia-se também consequentemente ocampo <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, já que maior o número <strong>de</strong> relações jurídicas queserão consi<strong>de</strong>radas como sen<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo.


37O <strong>de</strong>talhamento <strong>do</strong> artigo 3º <strong>do</strong> Código também se aplica à caracterizaçãodas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fornecimento <strong>de</strong> produtos ou <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços que po<strong>de</strong>mser <strong>de</strong>senvolvidas pelo fornece<strong>do</strong>r (“produção”, “montagem”, “criação”, “construção”,“transformação”, “importação”, “exportação”, “distribuição”, “comercialização”).Com relação <strong>ao</strong> <strong>de</strong>talhamento das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas pelo fornece<strong>do</strong>rigual raciocínio se aplica a elas quanto <strong>ao</strong> <strong>de</strong>talhamento da própria pessoa <strong>do</strong>fornece<strong>do</strong>r, ou seja, tal <strong>de</strong>talhamento ocorre para que não se invoque ainaplicabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Código diante <strong>de</strong> certas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> forma a contornar o CDCcom o fito <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o consumi<strong>do</strong>r <strong>ao</strong> <strong>de</strong>sabrigo <strong>de</strong> seu manto protetor.Portanto, percebe-se pela leitura <strong>do</strong> artigo 3º <strong>do</strong> CDC que o espectro <strong>de</strong>abrangência <strong>do</strong> Código no tocante à caracterização <strong>de</strong> quem seja fornece<strong>do</strong>r ébastante amplo, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> dizer inclusive que a uma primeira leitura <strong>de</strong> tal artigo, umaleitura inicialmente perfunctória, salta <strong>ao</strong>s olhos que fornece<strong>do</strong>r é o empresário, oucomerciante, tanto aquele <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> à ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção (indústria) quantoaquele <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> à ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> circulação (comércio).Mas, em uma segunda leitura <strong>do</strong> artigo em questão, <strong>de</strong>ssa vez mais <strong>de</strong>tida,percebe-se que há a limitação <strong>do</strong> campo <strong>de</strong> abrangência <strong>do</strong> Código <strong>ao</strong> empresárioe, portanto, pessoas, físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, nacionais ouestrangeiras, que <strong>de</strong>senvolvam ativida<strong>de</strong>s que a lei não consi<strong>de</strong>ra comoempresárias, que são as ativida<strong>de</strong>s civis simples, também estão sob a tutela <strong>do</strong>Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r.E, aprofundan<strong>do</strong>-se mais ainda no estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> fornece<strong>do</strong>r conti<strong>do</strong>no CDC, percebe-se que, lançan<strong>do</strong> mão da interpretação sistemática <strong>do</strong> Código, acaracterização <strong>de</strong> fornece<strong>do</strong>r não está apenas no artigo 3º, mas também em outrosdispositivos, como, por exemplo, no parágrafo 4º <strong>do</strong> artigo 14, que <strong>de</strong>ixa claro que oprofissional liberal está sujeito <strong>ao</strong>s ditames da Lei Consumerista.Não se po<strong>de</strong>ria concluir este tópico, que se <strong>de</strong>bruça sobre a conceituação <strong>de</strong>fornece<strong>do</strong>r, sem se mencionar a teoria pensada por Leonar<strong>do</strong> Bessa, citada emCláudia Lima Marques et al (2010; p. 83), que postula a existência <strong>de</strong> um“fornece<strong>do</strong>r por equiparação”.Tal teoria <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que meros intervenientes em contratos <strong>de</strong> relação <strong>de</strong>consumo entre terceiros, estes sim consumi<strong>do</strong>r e fornece<strong>do</strong>r, <strong>de</strong>veriam ser tambémconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s fornece<strong>do</strong>res por equiparação, por tratarem diretamente com o


38consumi<strong>do</strong>r ou por estarem <strong>de</strong> alguma forma liga<strong>do</strong>s à relação <strong>de</strong> consumo,<strong>de</strong>ven<strong>do</strong>, portanto, assumir responsabilida<strong>de</strong>s.Exemplo <strong>de</strong> tais fornece<strong>do</strong>res por equiparação seria o <strong>do</strong> patrão que contrataseguro <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para seus funcionários. Segun<strong>do</strong> Leonar<strong>do</strong> Bessa, se a segura<strong>do</strong>ra(neste exemplo) infringir disposições contratuais ou <strong>do</strong> próprio CDC vin<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssaforma a prejudicar os beneficiários, o interveniente também po<strong>de</strong>ria serresponsabiliza<strong>do</strong> solidariamente, eis que a solidarieda<strong>de</strong> é a regra <strong>do</strong> CDC,excepcionan<strong>do</strong>-se as hipóteses <strong>de</strong> <strong>de</strong>feitos <strong>do</strong> produto (artigos 12 e 13).Conceitua<strong>do</strong>s tanto o consumi<strong>do</strong>r quanto o fornece<strong>do</strong>r, cumpre abordar aquestão <strong>do</strong> direito que o consumi<strong>do</strong>r possui em face <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r, <strong>de</strong>corrente <strong>do</strong>direito positivo pátrio, à reparação por danos morais que este po<strong>de</strong>, na relação <strong>de</strong>consumo, causar àquele.1.8 Direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r à reparação por dano moral suporta<strong>do</strong>O vocábulo “responsabilida<strong>de</strong>” advém <strong>do</strong> latim respon<strong>de</strong>re, que, conformeassevera Pláci<strong>do</strong> e Silva (1978; p. 1367), significa “garantir, assegurar, assumir o<strong>pagamento</strong> <strong>do</strong> que se obrigou ou <strong>do</strong> ato que praticou”.Por sua vez, a responsabilida<strong>de</strong> civil existe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios dahumanida<strong>de</strong>, e, como exemplo, há a Lei <strong>de</strong> Talião, fundada na idéia <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver <strong>ao</strong>ofensor na mesma proporção a ofensa que tenha pratica<strong>do</strong>, ou seja, reparação <strong>do</strong>mal com o mal.Eduar<strong>do</strong> Augusto Zenun, afirma que:No Código <strong>de</strong> Hamurabi foi <strong>de</strong>scoberto pelo arqueólogo Jacques Morgan,na Pérsia, grava<strong>do</strong> em diorito negro, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Souza, no capítulo XIII,disposições <strong>de</strong> caráter extrapatrimonial como a <strong>do</strong> artigo 241: “Se umhomem livre tomou um boi como garantia <strong>de</strong> uma dívida, pesará um terço<strong>de</strong> uma mina <strong>de</strong> prata como multa”. (1994; p. 7).Com o passar <strong>do</strong> tempo, as sanções pessoais ficaram <strong>de</strong> la<strong>do</strong> e a reparaçãopelo ilícito cometi<strong>do</strong> passou a ser sanada através <strong>de</strong> sanções patrimoniais.


39Na própria Bíblia Sagrada, no Deuteronômio (22:13,19 - Bíblia), é possívelencontrar soluções para a reparação por dano moral a vítima que tenha sofri<strong>do</strong>gran<strong>de</strong> humilhação, através <strong>de</strong> sanção patrimonial, in verbis:Se um homem <strong>de</strong>sposar uma mulher e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> coabitar com ela, aaborrecer, e lhe imputar <strong>de</strong>litos vergonhosos, e contra ela divulgar má fama,dizen<strong>do</strong>: Tomei esta mulher, e me cheguei a ela, porém não a achei virgem,os pais da moça tomarão as provas da virginda<strong>de</strong> <strong>de</strong>la, e as levarão <strong>ao</strong>sanciãos da cida<strong>de</strong>, à porta. O pai da moça dirá <strong>ao</strong>s anciãos: Dei minha filhapor mulher a este homem, porém ele a aborreceu, e lhe imputou <strong>de</strong>litosvergonhosos dizen<strong>do</strong>: Não achei tua filha virgem. Então os pais esten<strong>de</strong>rãoa roupa <strong>de</strong>la diante <strong>do</strong>s anciãos da cida<strong>de</strong>, os quais tomarão aquele homeme o castigarão. Con<strong>de</strong>ná-lo-ão em cem ciclos <strong>de</strong> prata, e o entregarão <strong>ao</strong>pai da moça, porque divulgou má fama sobre uma virgem <strong>de</strong> Israel. Elacontinuará a ser sua mulher e ele não po<strong>de</strong>rá mandá-la embora enquantoviver.Contu<strong>do</strong>, mesmo diante da mudança com relação <strong>ao</strong> méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> reparação,não se po<strong>de</strong> dizer que o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento se dá por gran<strong>de</strong>s saltos,mas sim <strong>de</strong> forma gradual e, em consequência, em uma nova fase histórica sempreserá possível encontrar princípios e regras das fases anteriores.A ação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização surge quan<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> toma para si a ação repressivacom o objetivo <strong>de</strong> compensar a vítima pelo dano suporta<strong>do</strong>, bem como <strong>de</strong> punir oofensor com o intuito <strong>de</strong> se evitar que novas ofensas sejam repetidas.O Código Civil <strong>de</strong> 1916 já previa o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar quan<strong>do</strong> se praticava atoilícito contra outrem, inteligência <strong>do</strong> artigo 159, atual artigo 186 <strong>do</strong> CC/2002 (“aqueleque, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, oucausar prejuízo a outrem, fica obriga<strong>do</strong> a reparar o dano”).Assim, o direito brasileiro admite a reparação não só pelo dano material, mastambém pelo dano moral, sen<strong>do</strong> estes cumuláveis, inclusive, a teor da Súmula 37 <strong>do</strong>Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça 9 .Não é <strong>de</strong>mais citar também o entendimento <strong>de</strong> Caio Mário da Silva Pereira aesse respeito:O fundamento da reparabilida<strong>de</strong> pelo dano moral está em que, a par <strong>do</strong>patrimônio em senti<strong>do</strong> técnico, o individuo é titular <strong>de</strong> direitos integrantes <strong>de</strong>sua personalida<strong>de</strong>, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> conformar-se a or<strong>de</strong>m jurídica em quesejam impunemente atingi<strong>do</strong>s. Colocan<strong>do</strong> a questão em termos <strong>de</strong> maioramplitu<strong>de</strong>, Savatier oferece uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> dano moral como “qualquersofrimento humano que não é causa<strong>do</strong> por uma perda pecuniária”, e9 Súmula 37 <strong>do</strong> STJ - São cumuláveis as in<strong>de</strong>nizações por dano material e dano moral oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong>mesmo fato.


40abrange to<strong>do</strong> atenta<strong>do</strong> à reputação da vítima, à sua autorida<strong>de</strong> legítima, <strong>ao</strong>seu pu<strong>do</strong>r, à sua segurança e tranqüilida<strong>de</strong>, <strong>ao</strong> seu amor próprio estético, áintegrida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua inteligência, a suas afeições. (1985; p. 61).A<strong>de</strong>mais, o dano moral ganhou status <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> <strong>ao</strong> ser inseri<strong>do</strong> noTítulo II, no inciso V <strong>do</strong> artigo 5º da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, o qual dispõe que“é assegura<strong>do</strong> o direito <strong>de</strong> resposta, proporcional <strong>ao</strong> agravo, além da in<strong>de</strong>nizaçãopor dano material, moral ou à imagem”.Como anteriormente <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, a reparação pelo dano moral já eracontemplada no or<strong>de</strong>namento jurídico pátrio. Todavia, foi somente com a garantiaestabelecida pela CF/88 que surgiu um maior interesse pelo assunto, bem comosomente após a proteção dada pelo texto constitucional é que a socieda<strong>de</strong> passou abuscar com maior freqüência a tutela <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se torna vítima <strong>de</strong> ofensacapaz <strong>de</strong> ensejar in<strong>de</strong>nização por dano moral.Ora, o homem no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> sua vida constrói um patrimônio material, e nestemesmo perío<strong>do</strong> consolida sua moral perante os <strong>de</strong>mais membros da socieda<strong>de</strong>.Deste mo<strong>do</strong>, ter o seu patrimônio moral, sua honra, sua imagem perante asocieda<strong>de</strong>, seu prestígio, o seu bom nome, achincalha<strong>do</strong> por qualquer motivo seria<strong>de</strong>masiadamente injusto, principalmente se não houvesse a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>reparação. Pelas normas <strong>do</strong> direito positivo, esta reparação <strong>de</strong>ve dar-se emdinheiro.É claro que tal reparação em pecúnia não é capaz <strong>de</strong> anular a <strong>do</strong>r pela ofensa,sen<strong>do</strong> capaz apenas <strong>de</strong> minorá-la. Mas certo é que, mesmo não sen<strong>do</strong> oinstrumento i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> se estabelecer a justiça, o equilíbrio e a pacificação social,ainda assim tal instrumento se mostra salutar diante da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se mitigar a<strong>do</strong>r sofrida pela vítima, dan<strong>do</strong>-lhe substrato para material para que possa compensaro dissabor pela obtenção <strong>de</strong> um prazer.Caberá, pois, <strong>ao</strong> Esta<strong>do</strong> usar <strong>do</strong> seu po<strong>de</strong>r-<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> punir para obstar <strong>ao</strong>corrência <strong>de</strong>ssas ofensas, bem como aplicar <strong>ao</strong> causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano uma reprimendacomo forma <strong>de</strong> se reparar o dano sofri<strong>do</strong>.Como anteriormente <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, o artigo 2° da lei mencionada <strong>de</strong>fine oconsumi<strong>do</strong>r como sen<strong>do</strong> a pessoa natural ou jurídica que adquire ou utiliza o produtoou serviço como <strong>de</strong>stinatário final. Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> pessoa jurídica incluem-setambém neste conceito os entes <strong>de</strong>spersonaliza<strong>do</strong>s, o con<strong>do</strong>mínio, a massa falida eo espólio.


41Neste senti<strong>do</strong>, cumpre esclarecer que apesar <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong>Consumi<strong>do</strong>r haver acolhi<strong>do</strong> a chamada teoria finalista (ou minimalista) quanto àcaracterização <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, isto é, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong> este como sen<strong>do</strong> apenas oconsumi<strong>do</strong>r final, o artigo 17 esten<strong>de</strong>u a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reparação a outros quenão sejam consumi<strong>do</strong>res finais <strong>ao</strong> disciplinar que para os efeitos <strong>de</strong>responsabilida<strong>de</strong> pelo fato <strong>de</strong> produto ou serviço todas as vítimas <strong>do</strong> evento danosoequiparam-se a consumi<strong>do</strong>res. 10Com relação à responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>corrente da legislação consumerista,verifica-se que esta será solidária se houver mais <strong>de</strong> um ofensor, inteligência <strong>do</strong>parágrafo único <strong>do</strong> artigo 7° <strong>do</strong> CDC:Art. 7º - Os direitos previstos neste código não excluem outros <strong>de</strong>correntes<strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s ou convenções internacionais <strong>de</strong> que o Brasil seja signatário, dalegislação interna ordinária, <strong>de</strong> regulamentos expedi<strong>do</strong>s pelas autorida<strong>de</strong>sadministrativas competentes, bem como <strong>do</strong>s que <strong>de</strong>rivem <strong>do</strong>s princípiosgerais <strong>do</strong> direito, analogia, costumes e eqüida<strong>de</strong>.Parágrafo único. Ten<strong>do</strong> mais <strong>de</strong> um autor a ofensa, to<strong>do</strong>s respon<strong>de</strong>rãosolidariamente pela reparação <strong>do</strong>s danos previstos nas normas <strong>de</strong>consumo.Por fim, vale mencionar no tocante à reparação <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r por danosmorais sofri<strong>do</strong>s a possibilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da pessoa jurídica, prevista noartigo 28, que ocorrerá sempre que constituir um obstáculo para a satisfação <strong>do</strong>direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, inclusive quanto à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reparação por dano moral.Art. 28. O juiz po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar a personalida<strong>de</strong> jurídica da socieda<strong>de</strong>quan<strong>do</strong>, em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, houver abuso <strong>de</strong> direito, excesso <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação <strong>do</strong>s estatutos oucontrato social. A <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração também será efetivada quan<strong>do</strong> houverfalência, esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> insolvência, encerramento ou inativida<strong>de</strong> da pessoajurídica provoca<strong>do</strong>s por má administração.Desta feita, há a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> haver a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da personalida<strong>de</strong>jurídica com vistas à reparação <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r, ou tutela <strong>ao</strong>s direitos <strong>de</strong>ste sempreque a personalida<strong>de</strong> jurídica servir <strong>de</strong> óbice à satisfação <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r,atingin<strong>do</strong> bens particulares <strong>do</strong>s sócios, pessoas físicas e jurídicas. Contu<strong>do</strong>, aincidência <strong>de</strong>sse dispositivo vincula-se inicialmente pela ocorrência <strong>de</strong> dano <strong>ao</strong>consumi<strong>do</strong>r, bem como <strong>ao</strong> fato <strong>de</strong> que a empresa responsável obste a in<strong>de</strong>nização,utilizan<strong>do</strong> sua própria existência, com evi<strong>de</strong>nte abuso <strong>do</strong> direito, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser10 Vi<strong>de</strong> item 1.6.2.2.


42aplicada também nos casos <strong>de</strong> falência, insolvência, encerramento ou inativida<strong>de</strong>provoca<strong>do</strong> pela má administração.Portanto, a proteção dada pela lei <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r no tocante à reparação <strong>de</strong>danos morais é ampla e severa e, conforme sugeri<strong>do</strong> no presente trabalho, orecru<strong>de</strong>scimento <strong>de</strong>ssa proteção pela majoração <strong>do</strong>s valores das in<strong>de</strong>nizaçõesfixadas pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário apresentar-se-á salutar, uma vez que com o aumentohaverá ainda mais o <strong>de</strong>sestímulo <strong>do</strong> ofensor e a consequente ampliação da proteção<strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r.A seguir serão aborda<strong>do</strong>s alguns aspectos básicos relativos <strong>ao</strong> dano moral, <strong>de</strong>forma sucinta é claro, eis que o tema é muito amplo e o terreno <strong>de</strong> sua exegese éextremamente fértil, não sen<strong>do</strong> “dano moral”, genericamente dizen<strong>do</strong>, o tema central<strong>de</strong>ste trabalho, mas sim o dano moral específico que é causa<strong>do</strong> pelo empresário,consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r nos termos <strong>do</strong> CDC, <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r.


43CAPÍTULO II – DANO MORAL2.1 Preliminares históricasHistoricamente, os primeiros indícios sobre a questão <strong>do</strong>s danos morais surgiuno Código <strong>de</strong> Hamurabi e no Código <strong>de</strong> Manu. Por volta <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> milênio antes<strong>de</strong> Cristo, vigorava no Código <strong>de</strong> Hamurabi o axioma <strong>de</strong> Talião “olho por olho e<strong>de</strong>nte por <strong>de</strong>nte”. Contu<strong>do</strong>, em algumas situações se conferia <strong>ao</strong> lesa<strong>do</strong> o direito àreparação aplican<strong>do</strong> <strong>ao</strong> ofensor uma pena econômica, com o objetivo <strong>de</strong>proporcionar à vítima a atenuação <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>r pelo sofrimento experimenta<strong>do</strong>. Vê-seque apesar <strong>de</strong> vigorar o sentimento <strong>de</strong> vingança <strong>ao</strong> permitir que se pagasse o malcom o mal, a pena econômica constituía forma alternativa <strong>de</strong> reparação <strong>do</strong> danocom o objetivo não só <strong>de</strong> compensar a vítima, mas principalmente <strong>de</strong> coibir abusos ereprimir o uso da vingança privada. Neste senti<strong>do</strong>, valioso transcrever asconsi<strong>de</strong>rações feitas pelo professor Wilson Melo da Silva:Não obstante, já encontramos, nesse mesmo Código, certos preceitos que,estabelecen<strong>do</strong> uma exceção <strong>ao</strong> direito da vindita, or<strong>de</strong>nava, em favor davítima, o <strong>pagamento</strong> <strong>de</strong> uma in<strong>de</strong>nização, o que <strong>de</strong>nuncia um começo daidéia <strong>de</strong> que resultou mo<strong>de</strong>rnamente a chamada teoria da compensaçãoeconômica, satisfatória <strong>do</strong>s danos extrapatrimoniais. (1983; p. 15).O Código <strong>de</strong> Manu apesar <strong>de</strong> guardar gran<strong>de</strong> semelhança com o Código <strong>de</strong>Hamurabi suprimiu a violência física, impon<strong>do</strong>, em contrapartida, <strong>ao</strong>s ofensores,penalida<strong>de</strong>s pecuniárias com o objetivo <strong>de</strong> compensar a vítima pelo dano sofri<strong>do</strong> eevitar que o ofensor fosse alvo da fúria vingativa <strong>de</strong>ssa mesma vítima.Na civilização grega, a reparação pelo dano moral constituía uma verda<strong>de</strong>iratradição, e esta se dava através <strong>de</strong> <strong>pagamento</strong> em pecúnia, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com asnormas instituídas pelo Esta<strong>do</strong>, conforme recorda Clayton Reis (1994; 16).Já na legislação romana, ainda segun<strong>do</strong> Clayton Reis (1994; p. 16) “to<strong>do</strong> atoconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> lesivo <strong>ao</strong> patrimônio e a honra <strong>de</strong> alguém implicava numa reparaçãopecuniária”.Acerca da existência <strong>de</strong> reparação moral na Roma antiga, Clayton Reisacrescenta que:


44A responsabilida<strong>de</strong> civil no antigo Direito Romano subdivi<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>ntro daseguinte cronologia: A Lei das XII Tábuas, no ano 452 a.C.; a Lex Aquilia,no ano <strong>de</strong> 286 a.C. e a legislação Justiniana, no ano <strong>de</strong> 528/534 a.C. que,por sua vez, subdividia-se em As Institutas, o Co<strong>de</strong>x Justinianus e o Digestoou Pan<strong>de</strong>ctas. (1994; p. 17).Afirma ainda que:O fundamento da legislação na antiga Roma asseverava-se na reparação<strong>do</strong> dano através <strong>de</strong> pena pecuniária, aceitan<strong>do</strong> primariamente, a reparação<strong>do</strong> dano moral. Sen<strong>do</strong> essa noção <strong>de</strong> reparação moral encontrada no § 9ºda Lei das XII Tábuas, on<strong>de</strong> se evi<strong>de</strong>ncia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reparar umdano ofensivo à moral <strong>de</strong> uma pessoa, através <strong>de</strong> pena econômica. (1994;p. 19).Corroboran<strong>do</strong> o entendimento retro <strong>de</strong>duzi<strong>do</strong>, Wilson Melo da Silva ensina que:Os cidadãos romanos para forrarem-se da injúria, em senti<strong>do</strong> estrito, contrasi levada a efeito, dispunham a vítima da ação pretoriana a que se<strong>de</strong>nominava injuriarum aestimatoria e pela qual podiam reclamar umareparação consistente sempre em uma soma <strong>de</strong> dinheiro, pru<strong>de</strong>ntementearbitrada pelo Juiz. (1983; p. 21).Faz-se necessário apresentar também a seguinte lição <strong>de</strong> Clayton Reis arespeito da abordagem histórica <strong>do</strong> dano moral:O estimulo à vingança, previsto na lei <strong>de</strong> Talião, foi rechaça<strong>do</strong> no Código <strong>de</strong>Manu, que a<strong>do</strong>tou a reparação <strong>do</strong> dano pelo <strong>pagamento</strong> <strong>de</strong> um valorpecuniário.Por sua vez, os romanos, objetivan<strong>do</strong> a renúncia <strong>ao</strong> direito <strong>de</strong> vingançasobre o corpo <strong>do</strong> ofensor, a<strong>do</strong>taram a reparação <strong>do</strong> dano pela pecuniacomo forma <strong>de</strong> pena.Assim, a existência <strong>de</strong> danos, causa<strong>do</strong>s pela ação <strong>de</strong> terceiros, sempreesteve presente nos povos, em virtu<strong>de</strong> das <strong>de</strong>ficiências <strong>do</strong> espírito humanoe sempre foram objeto <strong>de</strong> preocupantes questionamentos <strong>do</strong>s reis emonarcas, em seu perío<strong>do</strong> histórico. (1994; p. 25).No direito alemão, com a vigência <strong>do</strong> Código Civil (BGB), as reparações pelasofensas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m moral se constituíram <strong>de</strong> maneira precisa e unificada, preven<strong>do</strong> oartigo 847 <strong>do</strong> BGB que “no caso <strong>de</strong> lesão <strong>do</strong> corpo ou da saú<strong>de</strong>, assim como nocaso <strong>de</strong> privação da liberda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong> o lesa<strong>do</strong>, também quanto <strong>ao</strong> dano que não sejapatrimonial, exigir uma equitativa satisfação em dinheiro”.Já no Brasil, o Código Penal <strong>de</strong> 1830 dispunha que a in<strong>de</strong>nização seria a maiscompleta possível, sem tratar <strong>de</strong> maneira específica sobre a reparação pelo danomoral.


45Em 1890 o Código Penal inovou <strong>ao</strong> trazer expressamente em seu artigo 276que a “prestação pecuniária satisfatória <strong>de</strong> dano moral, nos casos <strong>de</strong> atenta<strong>do</strong>contra a honra da mulher”.Não obstante, o vetusto Código <strong>de</strong>terminava em seu artigo 70 que nos <strong>de</strong>maiscasos a in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>veria ser regulada pelo direito civil.O Código Civil <strong>de</strong> 1916 também não repelia a reparação pelo dano moral,dispon<strong>do</strong> em seu artigo 159 que “aquele que, por ação ou omissão voluntária,negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obriga<strong>do</strong>a reparar o dano”.Consi<strong>de</strong>rava ainda em seu artigo 1.538 a in<strong>de</strong>nização pelo dano estético,sen<strong>do</strong> este consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dano moral.Art. 1.538. No caso <strong>de</strong> ferimento ou outra ofensa à saú<strong>de</strong>, o ofensorin<strong>de</strong>nizará o ofendi<strong>do</strong> das <strong>de</strong>spesas <strong>do</strong> tratamento e <strong>do</strong>s lucros cessantesaté o fim da convalescença, além <strong>de</strong> lhe pagar a importância da multa nograu médio da pena criminal correspon<strong>de</strong>nte.Muitas legislações especiais expressaram em seus textos a reparabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>sdanos morais.Neste senti<strong>do</strong>, a Lei nº 5.250/1967 que regula a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestação <strong>do</strong>pensamento e informação prescreve claramente em seu inciso I <strong>do</strong> artigo 49 que:Art. 49. Aquele que no exercício <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e manifestação <strong>do</strong>pensamento e <strong>de</strong> informação, com <strong>do</strong>lo ou culpa, viola ou causa prejuízo <strong>ao</strong>utrem, fica obriga<strong>do</strong> a reparar o dano.I – Os danos morais e materiais nos casos previstos nos artigos 16,números II e IV, no artigo 18 e seguintes <strong>de</strong> calúnia, injúria e difamação.A Lei nº 4.737/1965 que instituiu o Código Eleitoral, através <strong>de</strong> seu artigo 244,trata <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ressarcir a vítima pelo dano moral.Art. 244. É assegura<strong>do</strong> <strong>ao</strong>s parti<strong>do</strong>s poliíticos registra<strong>do</strong>s os direitos <strong>de</strong>,in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da licença da autorida<strong>de</strong> pública e <strong>do</strong> <strong>pagamento</strong> <strong>de</strong> qualquercontribuição:§ 1º - O ofendi<strong>do</strong> por calúnia ou injúria, sem prejuízo e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte daação penal correspon<strong>de</strong>nte, po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>mandar no juízo cível a reparação <strong>do</strong>dano moral respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> por esta o ofensor e, solidariamente, o parti<strong>do</strong>político <strong>de</strong>ste, quan<strong>do</strong> responsável por ação ou omissão, e quem quer que,favoreci<strong>do</strong> pelo crime, haja <strong>de</strong> qualquer mo<strong>do</strong> contribuí<strong>do</strong> para ele;§ 1º - No que couber, aplicar-se-ão na reparação <strong>do</strong> dano moral, referi<strong>do</strong> noparágrafo anterior, os artigos 81 a 88 da Lei nº 4.117/1962.


46Não foi diferente quanto a Lei nº 4.117/1962 que instituiu o Código Brasileiro <strong>de</strong>Telecomunicações (CBT), dispon<strong>do</strong> expressamente em seus artigos 81 a 88 areparação <strong>do</strong>s danos morais.Ainda com relação <strong>ao</strong> CBT dispôs em seu artigo 84 claramente a maneira quea in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>veria ser arbitrada, in verbis:Art. 84. Na estimação <strong>do</strong> dano moral, o juiz terá em conta, notadamente, aposição social ou política <strong>do</strong> ofendi<strong>do</strong>, a situação econômica <strong>do</strong> ofensor, aintensida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ânimo <strong>de</strong> ofen<strong>de</strong>r, a gravida<strong>de</strong> e a repercussão da ofensa.Não é <strong>de</strong>mais mencionar a Lei nº 5.988/1973 que regula os direitos autorais edá outras providências, dispon<strong>do</strong> em seus artigos 25 a 28 e incisos, <strong>de</strong>finições <strong>do</strong>sdireitos morais <strong>ao</strong> autor.Tal lei, em seu artigo 126 <strong>de</strong>terminou <strong>de</strong> forma clara e precisa que:Art. 126. Quem na utilização, por qualquer meio ou processo <strong>de</strong> obraintelectual, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> indicar ou anunciar, como tal, nome, pseudônimo ousinal convencional <strong>do</strong> autor, intérprete ou executante, além <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>rpor danos morais, está obriga<strong>do</strong> a divulgar-lhe a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.Desse mo<strong>do</strong>, observa-se que é robusta a proteção <strong>ao</strong>s danos morais, a qual seencontra em diversos textos legais brasileiros.Contu<strong>do</strong>, nem sempre foi assim, pois antes da promulgação <strong>do</strong> CC/1916,apesar <strong>do</strong> artigo 21 da Lei n.º 2.681/1912, regular a responsabilida<strong>de</strong> civil nasestradas <strong>de</strong> ferro, a reparabilida<strong>de</strong> por danos morais só era reconhecida nos casos<strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes ferroviários.O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por sua vez, <strong>ao</strong> <strong>de</strong>cidir questões relativas a essesfatos, não fundamentava suas <strong>de</strong>cisões no artigo 1.538 <strong>do</strong> Código Civil, mas sim noartigo 21 caput da Lei n.º 2.681/12, negan<strong>do</strong> <strong>ao</strong>s familiares das vítimas ain<strong>de</strong>nização por danos morais.O artigo 21 da Lei nº 2.681/12 assim dispunha:Art. 21. No caso <strong>de</strong> lesão corpórea ou <strong>de</strong>formida<strong>de</strong>”, além das perdas edanos, das <strong>de</strong>spesas <strong>do</strong> tratamento da vítima e <strong>do</strong>s lucros cessantes, o juiz<strong>de</strong>ve arbitrar “uma in<strong>de</strong>nização conveniente.


47Algumas <strong>de</strong>cisões consi<strong>de</strong>ravam não ser in<strong>de</strong>nizável o valor afetivo exclusivo,<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> o dano moral só se tornaria in<strong>de</strong>nizável caso a lesão produzisse reflexospatrimoniais para o ofendi<strong>do</strong> 11 .Com o passar <strong>do</strong> tempo, a socieda<strong>de</strong> foi se modifican<strong>do</strong>, exigin<strong>do</strong> mudançasquanto a matéria ora discutida, e em razão da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se evoluir, as tesesacadêmicas, bem como a jurisprudência paulatinamente foram se modifican<strong>do</strong>,objetivan<strong>do</strong> alcançar os avanços sociais.Em 1988 com a promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, qualquer dúvida aindaexistente sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reparação por dano moral foi sanada, pois ain<strong>de</strong>nização foi incluída como garantia <strong>do</strong>s direitos individuais, conforme incisos V eX <strong>do</strong> artigo 5º:Art. 5º. To<strong>do</strong>s são iguais perante a lei, sem distinção <strong>de</strong> qualquer natureza,garantin<strong>do</strong>-se <strong>ao</strong>s brasileiros e <strong>ao</strong>s estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes no País ainviolabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> direito à vida, à liberda<strong>de</strong>, à igualda<strong>de</strong>, à segurança e àproprieda<strong>de</strong>, nos termos seguintes:[...]V – é assegura<strong>do</strong> o direito <strong>de</strong> proporcionalmente <strong>ao</strong> agravo, além dain<strong>de</strong>nização por dano material, moral ou à imagem. [...]X – são invioláveis a intimida<strong>de</strong>, a vida privada, a honra e a imagem daspessoas, assegura<strong>do</strong> o direito a in<strong>de</strong>nização pelo dano material ou moral<strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> sua violação. [...]Reafirman<strong>do</strong> o entendimento atual, o Código Civil em seu artigo 186 prevê apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reparação por danos morais, <strong>ao</strong> transcrever que “aquele que, poração ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar danoa outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.Atualmente, o dano moral é claramente reconheci<strong>do</strong> e aplica<strong>do</strong> pela maioria<strong>do</strong>s or<strong>de</strong>namentos jurídicos, pois o patrimônio moral <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os seres humanosconstitui um complexo <strong>de</strong> bens e valores que representa a base sobre a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>viver e progredir.Apresentadas as consi<strong>de</strong>rações históricas a respeito <strong>do</strong> tema, passa-se àapresentação <strong>de</strong> algumas consi<strong>de</strong>rações preliminares sobre o dano moral que sefazem necessárias.11 I - Responsabilida<strong>de</strong> civil. Aci<strong>de</strong>nte ferroviário. In<strong>de</strong>nização. Dano estético. II - apesar <strong>do</strong>fornecimento <strong>de</strong> aparelhos ortopedicos, po<strong>de</strong> justificar con<strong>de</strong>nação pelo dano estetico. Aquelespo<strong>de</strong>m "amenizar" o mal sofri<strong>do</strong>, não arrebatam a <strong>do</strong>r moral, a qual, na mulher solteira e jovem,merece repara<strong>do</strong>. Aplicação <strong>do</strong> art. 21 <strong>do</strong> <strong>de</strong>creto n. 2.681/1912. Prece<strong>de</strong>ntes <strong>do</strong> supremo tribunalfe<strong>de</strong>ral. III - recurso extr<strong>ao</strong>rdinário conheci<strong>do</strong>, mas não provi<strong>do</strong>. Disponível emwww.stf.jus.br/portal/jurisprudência. Acessa<strong>do</strong> em 13 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2010.


482.2 Consi<strong>de</strong>rações iniciaisA palavra “dano” po<strong>de</strong> ser conceituada como o mal sofri<strong>do</strong> pelo indivíduo, oprejuízo (patrimonial ou moral), a lesão, o estrago, a <strong>de</strong>terioração <strong>de</strong> um bem.Segun<strong>do</strong> António Menezes <strong>de</strong> Cor<strong>de</strong>iro (2000; p. 213) “o dano correspon<strong>de</strong> àsupressão <strong>de</strong> uma vantagem, actual ou previsível, atribuída pelo Direito”.A idéia, pois, <strong>de</strong> dano <strong>de</strong>corre da noção <strong>de</strong> lesão a um bem jurídico, que vem aser aquele tutela<strong>do</strong> pelo direito positivo. Para o direito, “bem”, é sabi<strong>do</strong>, tem osignifica<strong>do</strong> muito mais amplo que o <strong>de</strong> “coisa”, sen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os bens jurídicosprotegi<strong>do</strong>s pelo or<strong>de</strong>namento jurídico, ou seja, tanto aqueles que tenham umaexpressão pecuniária, ou, ainda, aqueles cujo valor possa ser expresso em moeda,quanto os que são caros <strong>ao</strong> ser humano, mas que não tenham uma expressão (pelomenos direta) em dinheiro, como, por exemplo, a inviolabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> lar, a integrida<strong>de</strong>física e psíquica, a vida, a saú<strong>de</strong> e a liberda<strong>de</strong>.O Código Civil Brasileiro <strong>de</strong> 2002, conforme é reconheci<strong>do</strong> e aceito atualmente,não promoveu o fim da chamada dicotomia <strong>do</strong> Direito Priva<strong>do</strong>.Acerca disso, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u-se a princípio, com a entrada em vigor <strong>do</strong> Código Civilvigente, que o Direito Comercial teria <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> <strong>de</strong> existir como disciplina autônoma, jáque a nova Or<strong>de</strong>nação Civil revogou a Primeira Parte <strong>do</strong> Código Comercial <strong>de</strong> 1850e a incorporou em seu corpo com a rubrica “Direito <strong>de</strong> Empresa”.Mas tal afirmação não prevaleceu na <strong>do</strong>utrina. O que ficou consolida<strong>do</strong> foi ofato <strong>de</strong> que o Código Civil unificou, na verda<strong>de</strong>, as obrigações civis e comerciais,nos mol<strong>de</strong>s aponta<strong>do</strong>s pelo próprio presi<strong>de</strong>nte da Comissão elabora<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Código,o Professor Miguel Reale.Desta feita, o Código Civil passou a <strong>de</strong>finir quatro fontes gera<strong>do</strong>ras <strong>de</strong>obrigações civis e comerciais, que são os contratos, os atos unilaterais, os títulos <strong>de</strong>crédito e os atos ilícitos.Quanto <strong>ao</strong>s contratos, <strong>ao</strong>s atos unilaterais e <strong>ao</strong>s títulos <strong>de</strong> crédito, cumpreobservar que estes configuram fatos jurídicos classifica<strong>do</strong>s pela <strong>do</strong>utrina como atosjurídicos humanos (ou atos jurídicos em senti<strong>do</strong> amplo), e <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s atos jurídicoshumanos, os contratos são classifica<strong>do</strong>s como negócios jurídicos, os quais sãoampara<strong>do</strong>s pela lei, ou seja, são fatos jurídicos que nascem pela vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong>sindivíduos conforme a lei.


49Quanto <strong>ao</strong>s atos ilícitos, estes po<strong>de</strong>m ser qualifica<strong>do</strong>s como fatos jurídicosgera<strong>do</strong>res <strong>de</strong> obrigações <strong>de</strong>correntes não <strong>de</strong> atos realiza<strong>do</strong>s conforme o Direito,mas <strong>de</strong>correntes justamente da transgressão <strong>de</strong>ste, <strong>de</strong> forma intencional (ou <strong>do</strong>losa)ou com infringência <strong>ao</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> que <strong>de</strong>ve orientar a conduta da pessoa emsocieda<strong>de</strong>, isto é, culposamente.Quanto a isso, observa-se que as obrigações <strong>de</strong>correntes da prática <strong>de</strong> atoilícito são apuradas conforme uma equação simples: a) a prática <strong>de</strong> um ato jurídicotransgressor da or<strong>de</strong>m jurídica, ou contrário a esta (ato ilícito); b) um danoprovoca<strong>do</strong> a outrem, ou à vítima <strong>do</strong> ato ilícito (dano); e c) a relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>,ou <strong>de</strong> causa e efeito, entre o primeiro e o segun<strong>do</strong> (nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>).Conforme <strong>do</strong>utrina clássica, a regra estatuída pela Lei Civil é a chamadaresponsabilida<strong>de</strong> subjetiva, on<strong>de</strong> aquele que postula <strong>de</strong>ve comprovar o elementosubjetivo <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar, ou seja, <strong>de</strong>verá provar que o ato ilícito tenh<strong>ao</strong>corri<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma intencional (por <strong>do</strong>lo) ou <strong>de</strong> forma não intencional, mas gera<strong>do</strong>ra<strong>de</strong> consequências jurídicas (culpa em senti<strong>do</strong> estrito); e a exceção a esta regra é aresponsabilida<strong>de</strong> objetiva, na qual não se perquire o <strong>do</strong>lo ou a culpa <strong>do</strong> agente, masapenas a prática <strong>de</strong> ato causa<strong>do</strong>r <strong>de</strong> dano e o nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre o ato e odano 12 .Assim, o Direito impõe que os danos causa<strong>do</strong>s pela prática <strong>de</strong> ato ilícito <strong>de</strong>vamser in<strong>de</strong>niza<strong>do</strong>s ou repara<strong>do</strong>s conforme sua natureza, isto é, se o dano é <strong>de</strong>natureza material (ou patrimonial) ou se o dano é <strong>de</strong> natureza moral.Portanto, chega-se <strong>ao</strong> ponto em que se faz necessária a elucidação dadistinção entre as duas espécies <strong>de</strong> dano contempladas pela <strong>do</strong>utrina: os danosmateriais (ou patrimoniais) e os danos morais (ou extrapatrimoniais, conforme algunsautores).As diferenças entre as duas espécies <strong>de</strong> dano (o material e o moral) sãoinúmeras, mas <strong>de</strong>staca-se por hora a distinção havida no momento da in<strong>de</strong>nizaçãoou da reparação <strong>de</strong> um e <strong>de</strong> outro, conforme – repita-se – seja o dano material oumoral.Na esfera da in<strong>de</strong>nização, tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> dano material, o ofensor conseguirárepor o bem lesiona<strong>do</strong> <strong>ao</strong> seu status anterior, ou ainda, po<strong>de</strong>rá possibilitar à vítima a12 An<strong>de</strong>rson Schreiber aponta “a erosão <strong>do</strong>s filtros da reparação” mencionan<strong>do</strong> a culpa como oprimeiro filtro tradicional da responsabilida<strong>de</strong> civil que vem realmente se <strong>de</strong>sgastan<strong>do</strong> em virtu<strong>de</strong> das“presunções <strong>de</strong> culpa, as alterações no méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> aferição da culpa, a ampliação <strong>do</strong>s <strong>de</strong>veres <strong>de</strong>comportamento em virtu<strong>de</strong> da boa-fé objetiva”. Além <strong>do</strong> <strong>de</strong>sgaste da culpa como filtro da reparaçãopor danos morais, tal autor menciona também a flexibilização <strong>do</strong> nexo causal (2011, p.51).


50aquisição <strong>de</strong> um bem semelhante <strong>ao</strong> <strong>de</strong>struí<strong>do</strong>. Isto porque a lesão <strong>ao</strong> patrimônio<strong>de</strong>corrente da prática <strong>de</strong> ato ilícito é muito bem <strong>de</strong>finida e po<strong>de</strong> ter sua extensão<strong>de</strong>monstrada, mensurada e provada.Já com relação <strong>ao</strong> dano moral sua reparação se dará através <strong>de</strong> <strong>pagamento</strong>em dinheiro (ou reparação), em valor que será fixa<strong>do</strong> pelo Juiz, possibilitan<strong>do</strong> <strong>ao</strong>lesa<strong>do</strong> apenas a mitigação da <strong>do</strong>r por ele sofrida.Dano moral, para António Menezes Cor<strong>de</strong>iro (2000; p. 214), “correspon<strong>de</strong>ria àsupressão <strong>de</strong> vantagens não patrimoniais”.Para Antônio Chaves (1985; p. 607) o dano moral é “a <strong>do</strong>r resultante daviolação <strong>de</strong> um bem juridicamente tutela<strong>do</strong> sem repercussão patrimonial, seja a <strong>do</strong>rfísica, nascida <strong>de</strong> uma lesão material; seja a <strong>do</strong>r moral – <strong>de</strong> sentimento, <strong>de</strong> causamaterial”.Na visão <strong>de</strong> Wilson Melo da Silva (1983; p. 01), danos morais são “lesõessofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural <strong>de</strong> direito em seu patrimônio i<strong>de</strong>al,enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se por patrimônio i<strong>de</strong>al, em contraposição <strong>ao</strong> material, o conjunto <strong>de</strong>tu<strong>do</strong> aquilo que não seja suscetível <strong>de</strong> valor econômico”.Pelas <strong>de</strong>finições apresentadas não resta dúvida acerca da existência <strong>do</strong>patrimônio moral e, em consequência, <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparação em caso <strong>de</strong> dano,embora haja aqueles que negam a existência <strong>de</strong>sta espécie, bem como <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong>in<strong>de</strong>nizar.Não obstante tais objeções, a verda<strong>de</strong> é que a vida <strong>do</strong> indivíduo é composta,sim, <strong>de</strong> valores que o impulsiona a constituir sua vida em socieda<strong>de</strong>, e a tais valoresnão se po<strong>de</strong> atribuir apenas um caráter pecuniário, ou patrimonial. É evi<strong>de</strong>nte queexistem também valores extrapatrimoniais, que igualmente são bens da vida e queaté mesmo possuem um valor superior àqueles <strong>de</strong> natureza econômica, e se éassim, <strong>ao</strong> direito cabe protegê-los.Cumpre dizer, ainda, que o direito à reparação <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> danos moraissofri<strong>do</strong>s guarda íntima relação com os direitos da personalida<strong>de</strong>. Todavia, quanto aeste aspecto, da<strong>do</strong> sua complexida<strong>de</strong> e relevância, <strong>de</strong>ver-se-á abordá-lo mais<strong>de</strong>talhadamente em tópico próprio.


512.3 Dano moral e direitos da personalida<strong>de</strong>Direitos da personalida<strong>de</strong>, conforme Otto Gierke cita<strong>do</strong> por César Fiúza (2008;p. 167), “são direitos atinentes à tutela da pessoa humana, essenciais a suadignida<strong>de</strong>”.Direitos da personalida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s, ainda, conforme Pontes <strong>de</strong>Miranda cita<strong>do</strong> por Francisco Amaral (2006; p. 247), como sen<strong>do</strong> “bens e valoresessenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual”.Ingo Wolfgang Sarlet lecionou a respeito da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana daseguinte forma:Por sua vez, passan<strong>do</strong> a centrar a nossa atenção na dignida<strong>de</strong> da pessoahumana, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo há <strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacar que a íntima e, por assim dizer,indissociável – embora altamente complexa diversificada – vinculação entrea dignida<strong>de</strong> pessoa humana e os direitos fundamentais já constitui, porcerto, um <strong>do</strong>s postula<strong>do</strong>s nos quais assenta o direito constitucionalcontemporâneo. (2004; p. 25-26).A proteção <strong>do</strong>s direitos da personalida<strong>de</strong> encontra-se na legislação penal ecivil, mas tem o seu princípio fundamental – a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana –prevista na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no artigo 1º, III, sen<strong>do</strong> sua proteção, portanto,também constitucional.Há que se mencionar que a tutela <strong>do</strong>s direitos da personalida<strong>de</strong> foiprimeiramente observada no Direito Público, como, por exemplo, na Magna Cartainglesa <strong>de</strong> 1215, na Declaração <strong>de</strong> Direitos <strong>de</strong> 1689, na Declaração americana <strong>de</strong>1776, na Declaração francesa e na Declaração Universal da ONU <strong>de</strong> 1948.Visava a princípio a proteção <strong>do</strong> cidadão contra o Esta<strong>do</strong>, principalmente <strong>de</strong>sua integrida<strong>de</strong> física, e estabelecia também outras garantias políticas.A inserção <strong>do</strong>s direitos da personalida<strong>de</strong> no direito priva<strong>do</strong> ocorreu após aSegunda Guerra Mundial, com a evolução <strong>do</strong> capitalismo, quan<strong>do</strong> se observounesse perío<strong>do</strong> a substituição <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Liberal para o Esta<strong>do</strong> Social,intervencionista e protetor <strong>do</strong> mais fraco frente à força <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r econômico e político<strong>do</strong>s mais fortes.Eis, portanto, o momento histórico em que o direito priva<strong>do</strong> aceita eefetivamente contempla a entrada <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s direitos da personalida<strong>de</strong> em seurol <strong>de</strong> tutela. Mas a inserção <strong>de</strong>sses direitos no plano <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong> não excluiu


52sua previsão e tutela pelo direito público, o que leva à <strong>de</strong>fesa da concepção <strong>do</strong>sdireitos da personalida<strong>de</strong> como sen<strong>do</strong> instituto tanto <strong>do</strong> direito público quanto <strong>do</strong>priva<strong>do</strong>.Mas o direito priva<strong>do</strong> trata <strong>do</strong>s direitos da personalida<strong>de</strong> com essa mesmaterminologia (direitos da personalida<strong>de</strong>), conforme i<strong>de</strong>alizada por Otto Gierke,enquanto o direito público os aborda com a nomenclatura <strong>de</strong> “direitos humanos”,“direitos fundamentais”, fazen<strong>do</strong>-se necessário apenas esclarecer que o tratamentoda<strong>do</strong> pelo direito público é mais amplo, pois contempla também as garantiaspolíticas 13 .Os direitos da personalida<strong>de</strong> no direito priva<strong>do</strong> português são protegi<strong>do</strong>satravés da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se exigir <strong>do</strong> agente causa<strong>do</strong>r <strong>de</strong> dano a <strong>de</strong>vidaresponsabilização civil (conforme ocorre também no direito brasileiro), bem como nodireito <strong>do</strong> ofendi<strong>do</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r requerer providências específicas, a<strong>de</strong>quadas àscircunstâncias <strong>do</strong> caso concreto, visan<strong>do</strong> evitar a efetiva ocorrência <strong>de</strong> uma ameaç<strong>ao</strong>u <strong>de</strong> mitigar as conseqüências <strong>de</strong> uma ofensa já ocorrida.Rabindranath V. A. Capelo <strong>de</strong> Sousa informa que:O vigente Código Civil português incorpora no art. 70º uma cláusula <strong>de</strong>tutela geral da personalida<strong>de</strong> humana, pela qual ‘a lei protege os indivíduoscontra qualquer ofensa ilícita ou ameaça <strong>de</strong> ofensa à sua personalida<strong>de</strong>física ou moral’, tutela civil esta que se consubstancia quer no direito <strong>de</strong>exigir <strong>do</strong> infractor responsabilida<strong>de</strong> civil nos termos <strong>do</strong>s arts. 483º e segs. <strong>do</strong>Código Civil quer ainda no direito <strong>de</strong> ‘requerer as providências a<strong>de</strong>quadasàs circunstâncias <strong>do</strong> caso, com o fim <strong>de</strong> evitar a consumação da ameaça ouatenuar os efeitos da ofensa já cometida”, através <strong>do</strong>s meios processuaisprevistos nos arts. 1474º e seg. <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil. (1995; p. 104).Com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 (art. 5º, inc. X), os direitos dapersonalida<strong>de</strong> têm sua garantia ampliada quan<strong>do</strong> a Constituição dispõe que “sãoinvioláveis a intimida<strong>de</strong>, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,assegura<strong>do</strong> o direito a in<strong>de</strong>nização pelo dano material ou moral <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> suaviolação”.13 An<strong>de</strong>rson Schreiber informa que ‘direitos humanos’, ‘direitos fundamentais’ e ‘direitos dapersonalida<strong>de</strong>’, tratam <strong>do</strong>s atributos da personalida<strong>de</strong> humana merece<strong>do</strong>res <strong>de</strong> proteção jurídica,mas que quanto <strong>ao</strong> primeiro (direitos humanos), esta terminologia é utilizada no plano internacionalpara tratar da matéria; quanto <strong>ao</strong> segun<strong>do</strong> (direitos fundamentais), usa-se tal expressão para sereferir a direitos previstos na Constituição <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>; e quanto à última expressão(direitos da personalida<strong>de</strong>) esta é usada para se fazer “alusão <strong>ao</strong>s atributos humanos que exigemespecial proteção no campo das relações privadas". De qualquer forma, o autor conclui dizen<strong>do</strong> que“trata-se, como se vê, <strong>do</strong> mesmíssimo fenômeno encara<strong>do</strong> por facetas variadas. O valor tutela<strong>do</strong> éidêntico e unitário: a dignida<strong>de</strong> humana”. (2011, p. 13).


53Juntamente com essa proteção, a Constituição da República <strong>de</strong>terminou areparação através <strong>de</strong> pecúnia às vítimas que tenham suporta<strong>do</strong> danos morais,conforme anteriormente <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>.Conclui-se, portanto, que os direitos da personalida<strong>de</strong> estão inseri<strong>do</strong>s não sóno inciso X, <strong>do</strong> artigo 5º, mas também em outras passagens <strong>de</strong>ste artigo. A título <strong>de</strong>exemplo, veja-se o caput, <strong>ao</strong> tratar <strong>do</strong> direito à vida, à liberda<strong>de</strong>; os incisos V (direitoà honra e direito à imagem); IX (direito moral <strong>do</strong> autor <strong>de</strong>corrente da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>expressão da ativida<strong>de</strong> intelectual, artística e científica); XII (direito <strong>ao</strong> sigilo <strong>de</strong>correspondências e comunicações); IXVI (proibição da pena <strong>de</strong> morte e das <strong>de</strong>caráter perpétuo); LIV (<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal); LX (a restrição da publicida<strong>de</strong> <strong>ao</strong>satos processuais está vinculada a <strong>de</strong>fesa da intimida<strong>de</strong> ou quan<strong>do</strong> o interesse socialo exigir); LXXV (direito à in<strong>de</strong>nização por erro <strong>do</strong> judiciário, bem como o direito <strong>ao</strong>preso <strong>de</strong> receber in<strong>de</strong>nização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> caso fique preso mais tempo <strong>do</strong> que ofixa<strong>do</strong> em sentença).Ainda, po<strong>de</strong>m ser cita<strong>do</strong>s outros dispositivos constitucionais garanti<strong>do</strong>res <strong>do</strong>sdireitos da personalida<strong>de</strong>. São eles: o artigo 199, § 4º (que veda a comercialização<strong>de</strong> órgãos, teci<strong>do</strong>s e substâncias humanas, garantin<strong>do</strong> mais uma vez a integrida<strong>de</strong>física); o artigo 225, § 1º, V (garantin<strong>do</strong> o direito à vida em <strong>de</strong>corrência da produção,comercialização e emprego <strong>de</strong> técnicas, méto<strong>do</strong>s e substâncias); o artigo 227, caput(<strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> à proteção <strong>do</strong> direito a vida, a integrida<strong>de</strong> física e o direito a liberda<strong>de</strong>das crianças e <strong>do</strong>s a<strong>do</strong>lescentes); o § 6º <strong>de</strong>ste último artigo (<strong>ao</strong> proteger ài<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal <strong>do</strong>s filhos, sem discriminação, havi<strong>do</strong>s ou não da relação <strong>de</strong>casamento ou por a<strong>do</strong>ção); e por fim o artigo 230 (garantin<strong>do</strong> a vida e a honra <strong>do</strong>si<strong>do</strong>sos).Importante mencionar também o valioso escólio <strong>de</strong> Francisco Amaral arespeito <strong>do</strong>s direitos da personalida<strong>de</strong>:Caracterizam-se os direitos da personalida<strong>de</strong> por ser essenciais, inatos epermanentes, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que, sem eles, não se configura apersonalida<strong>de</strong>, nascen<strong>do</strong> com a pessoa e acompanhan<strong>do</strong>-a por toda aexistência. São inerentes à pessoa, intransmissíveis, inseparáveis <strong>do</strong> titular,e por isso se chamam, também, personalíssimos, pelo que se extinguemcom a morte <strong>do</strong> titular. Consequentemente, são absolutos, indisponíveis,irrenunciáveis, imprescritíveis e extrapatrimoniais. Absolutos, porqueeficazes contra to<strong>do</strong>s (erga omnes), admitin<strong>do</strong>-se, porém, direitos dapersonalida<strong>de</strong> relativos, como os direitos subjetivos públicos, que permitemexigir <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> uma <strong>de</strong>terminada prestação, como ocorre,exemplificadamente, com o direito à saú<strong>de</strong>, <strong>ao</strong> trabalho, à educação e àcultura, à segurança e <strong>ao</strong> ambiente. Indisponíveis, porque insuscetíveis <strong>de</strong>


54alienação, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o titular a eles renunciar, por inerentes à pessoa,ou até limitá-los, salvo nos casos previstos na lei. Essa indisponibilida<strong>de</strong>não é, porém, absoluta, admitin<strong>do</strong>-se, por exemplo, acor<strong>do</strong> que tenha porobjeto direito da personalida<strong>de</strong>, como ocorre no caso <strong>de</strong> cessão <strong>do</strong> direito<strong>de</strong> imagem para fins <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>, ou ainda a disposição gratuita <strong>de</strong>teci<strong>do</strong>s, órgãos e partes <strong>do</strong> corpo humano (rim, pulmão, sangue, materialgenético), em vida ou post-mortem, para fins <strong>de</strong> transplante e tratamento,ou ainda o corte e a venda <strong>de</strong> cabelos. Também é válida a disposiçãogratuita <strong>do</strong> próprio corpo para <strong>de</strong>pois da morte (CC, art. 14). Inadmissível,todavia, a penhora, por um cre<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> um direito da personalida<strong>de</strong>. Poroutro la<strong>do</strong>, algumas limitações po<strong>de</strong>rão impor-se, <strong>ao</strong> interesse geral, como avacinação obrigatória. Imprescritíveis, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que não há prazo par<strong>ao</strong> seu exercício. Não se extinguem pelo não uso, assim como sua aquisiçãonão resulta <strong>do</strong> curso <strong>do</strong> tempo. E extrapatrimoniais, porque não avaliáveisem dinheiro, salvo os direitos <strong>de</strong> autor e <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> industrial, que têmregime próprio. (2006; p. 250).O Código Civil por sua vez, na esfera <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong>, tratou <strong>do</strong>s direitos dapersonalida<strong>de</strong> nos artigos 11 <strong>ao</strong> 21. Nestes, o Código <strong>de</strong> 2002 buscou tratar <strong>do</strong>direito <strong>ao</strong> próprio corpo, direito <strong>ao</strong> nome, o direito à honra, o direito à imagem e odireito à privacida<strong>de</strong>.Cumpre mencionar, nesse ponto, a crítica que An<strong>de</strong>rson Schreiber faz comrelação às disposições legais que o legisla<strong>do</strong>r fez inserir no Código Civil a respeito<strong>do</strong>s direitos da personalida<strong>de</strong>.O cita<strong>do</strong> professor da UERJ elogia a iniciativa da comissão elabora<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>Código em questão <strong>de</strong> fazer inserir em sua Parte Geral os direitos da personalida<strong>de</strong>,afastan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa forma o matiz patrimonial com que o assunto era trata<strong>do</strong> no CódigoCivil <strong>de</strong> 1916.Entretanto, critica o mo<strong>do</strong> “rígi<strong>do</strong> e puramente estrutural” com que os direitosda personalida<strong>de</strong> foram trata<strong>do</strong>s no Código, trazen<strong>do</strong> “soluções absolutas,<strong>de</strong>finitivas, fechadas”, que não se ajustam à realida<strong>de</strong> contemporânea e à próprianatureza <strong>do</strong>s direitos da personalida<strong>de</strong> (2011; p. 12).An<strong>de</strong>rson Schreiber, contu<strong>do</strong>, convida “o estudante, o advoga<strong>do</strong>, o juiz, ointérprete da norma, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral” a corrigir os <strong>de</strong>svios <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r, “por meio <strong>de</strong>uma interpretação construtiva que permita dar solução a<strong>de</strong>quada <strong>ao</strong>s inúmerosconflitos envolven<strong>do</strong> <strong>do</strong>s direitos da personalida<strong>de</strong>”.E é exatamente isso que ocorreu em um caso concreto julga<strong>do</strong> pelo STJ, emque o relator <strong>do</strong> recurso especial foi o Ministro Ari Pargendler (Recurso Especial1.063.304/SP), cita<strong>do</strong> pelo próprio An<strong>de</strong>rson Schreiber (2011, p. 14), no qual oTribunal em questão reconheceu que os direitos da personalida<strong>de</strong> estão conti<strong>do</strong>s emum rol aberto (<strong>ao</strong> contrário da forma como o tema foi trata<strong>do</strong> no Código Civil,


55conforme visto), reconhecen<strong>do</strong> a existência <strong>de</strong> um direito da personalida<strong>de</strong>consubstancia<strong>do</strong> no direito à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal, o qual não está previsto no CódigoCivil.Trata-se <strong>de</strong> um caso em que um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> jornal paulista publicou a foto <strong>de</strong>um advoga<strong>do</strong> abraça<strong>do</strong> a um amigo, informan<strong>do</strong> na sequência que certa localida<strong>de</strong>da capital paulista era tida como local <strong>de</strong> encontro e procura pelo <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>público GLS (sigla para <strong>de</strong>signar “gays”, “lésbicas” e “simpatizantes”).O advoga<strong>do</strong> fotografa<strong>do</strong> ajuizou ação judicial e efetivamente saiu vitorioso,ten<strong>do</strong> o Po<strong>de</strong>r Judiciário reconheci<strong>do</strong> não apenas a ofensa a um direito dapersonalida<strong>de</strong> (direito à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal), mas também ofensa <strong>ao</strong> direito <strong>de</strong>imagem.Importante frisar que o advoga<strong>do</strong> não se insurgiu contra o fato <strong>de</strong> haver si<strong>do</strong>reputa<strong>do</strong> homossexual, o que não é, ou não <strong>de</strong>veria ser motivo <strong>de</strong> dano a direito dapersonalida<strong>de</strong>, mas sim contra o fato <strong>de</strong> que sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal foi atingida, jáque ele foi apresenta<strong>do</strong> publicamente como algo que na verda<strong>de</strong> não é.Além <strong>de</strong>ste exemplo, cumpre mencionar também o caso <strong>do</strong> direito àintegrida<strong>de</strong> psíquica ou <strong>do</strong> direito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão, como tanto outros, quenão foram incluí<strong>do</strong>s no Código Civil <strong>de</strong> 2002, mas que sem dúvida alguma <strong>de</strong>vemser tutela<strong>do</strong>s pela or<strong>de</strong>m jurídica. E tal tutela <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> uma cláusula geral que dáguarida à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, que é o artigo 1°, III, da ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral.De to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>, percebe-se, que o direito da personalida<strong>de</strong> está intimamenteliga<strong>do</strong> à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ressarcimento pelo dano moral suporta<strong>do</strong>, já que taisdireitos abrangem os elementos conti<strong>do</strong>s na dignida<strong>de</strong> humana.Nas palavras <strong>de</strong> An<strong>de</strong>rson Schreiber:A consagração da dignida<strong>de</strong> humana como valor fundamental nascontribuições <strong>do</strong> último século, associada à aplicação direta das normasconstitucionais às relações privadas, veio exigir com força irresistível aressarcibilida<strong>de</strong>, até então discutida, <strong>do</strong> dano extrapatrimonial. (2011; p. 89).Contu<strong>do</strong>, não se po<strong>de</strong> esquecer que a reparação <strong>de</strong>ve ser feita com muitacautela, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que a punição não ultrapasse o razoável, capaz <strong>de</strong> afetar asubsistência <strong>do</strong> ofensor.Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> violação <strong>ao</strong> direito da pessoa jurídica, ou melhor, quanto àpossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta (a pessoa jurídica) po<strong>de</strong>r ou não po<strong>de</strong>r sofrer dano moral,


56cumpre mencionar que gran<strong>de</strong>s discussões acerca <strong>de</strong>ssa possibilida<strong>de</strong> (ouimpossibilida<strong>de</strong>) existiram e ainda continuam a existir.A corrente que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a possibilida<strong>de</strong> da pessoa jurídica sofrer dano moralampara-se, basicamente, no artigo 52 <strong>do</strong> Código Civil, que <strong>de</strong>termina a aplicação àspessoas jurídicas, no que couber, a proteção <strong>do</strong>s direitos da personalida<strong>de</strong>, etambém na Súmula 227 <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, a qual contempla o danomoral para os entes jurídicos, esten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> tal prerrogativa até para os entes<strong>de</strong>spersonifica<strong>do</strong>s, ou seja, o con<strong>do</strong>mínio, o espólio, a herança jacente, a massafalida, o consórcio, a família, a empresa <strong>de</strong> fato, a empresa individual e outros.Segun<strong>do</strong> essa corrente, a pessoa jurídica exerce direitos da personalida<strong>de</strong> esua violação <strong>de</strong>verá acarretar a compensação através <strong>do</strong> instituto da reparação. Ospartidários <strong>de</strong>ssa <strong>do</strong>utrina postulam que, por exemplo, se uma socieda<strong>de</strong>empresarial tiver sua imagem <strong>de</strong>negrida <strong>de</strong> forma injustificada ou se sua reputaçãofor atingida, não haveria outro caminho senão compensá-la com o <strong>pagamento</strong> <strong>de</strong>danos morais pelo ofensor.Neste exemplo, é a personalida<strong>de</strong> da própria pessoa jurídica, segun<strong>do</strong><strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m os que crêem na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reparação por danos morais à pessoajurídica, que foi afetada e não o direito das pessoas físicas que lhe representam.É possível citar ainda outra possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> violação <strong>ao</strong> direito da pessoajurídica, os quais acarretariam <strong>pagamento</strong> <strong>de</strong> dano moral a ela, que é aquela em quehá a violação <strong>do</strong> sigilo <strong>de</strong> suas correspondências.Certo é que a pessoa jurídica po<strong>de</strong> buscar <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário arbitramento <strong>de</strong>reparação por dano moral <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> suposta violação <strong>de</strong> seus direitos <strong>de</strong>personalida<strong>de</strong>, e certo é também que em muitos <strong>de</strong>sses pleitos a pessoa jurídica saivence<strong>do</strong>ra da li<strong>de</strong> 14 .Não se po<strong>de</strong>ria passar <strong>ao</strong> largo da menção, também no tocante à possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> reparação por danos morais à pessoa jurídica, à proteção legal que a14 Leia-se a esse respeito o seguinte julga<strong>do</strong>: “Civil. Responsabilida<strong>de</strong> civil. Danos morais. Pessoajurídica. Possibilida<strong>de</strong>. Honra objetiva. Doutrina. Prece<strong>de</strong>ntes <strong>do</strong> tribunal. Recurso provi<strong>do</strong> paraafastar a carência da ação por impossibilida<strong>de</strong> jurídica. A evolução <strong>do</strong> pensamento jurídico, no qualconvergiram jurisprudência e <strong>do</strong>utrina, veio a afirmar, inclusive nessa Corte, on<strong>de</strong> o entendimento temsi<strong>do</strong> unânime, que a pessoa jurídica po<strong>de</strong> ser vitima também <strong>de</strong> danos morais, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s essescomo valores <strong>de</strong> sua honra objetiva”. REsp nº 134.993/MA. Ministro Relator Sávio <strong>de</strong> Figueire<strong>do</strong>Teixeira. 4ª Turma. Publica<strong>do</strong> em 16/03/98. www.stj.jus.br/jurispru<strong>de</strong>ncia. Acesso em 13 <strong>de</strong> novembro<strong>de</strong> 2010.


57Constituição Fe<strong>de</strong>ral dá à preservação <strong>do</strong> seu nome e boa reputação no merca<strong>do</strong>.Veja-se, nesse senti<strong>do</strong>, o disposto no inciso XXIX, <strong>do</strong> artigo 5º 15 :Art. 5º [...]XXIX – A lei assegurará <strong>ao</strong>s autores <strong>de</strong> investimentos industriais privilégiotemporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais,à proprieda<strong>de</strong> das marcas, <strong>ao</strong>s nomes <strong>de</strong> empresas e a outros signosdistintos, ten<strong>do</strong> em vista o interesse social e o <strong>de</strong>senvolvimento tecnológicoe econômico <strong>do</strong> País. [...]Neste diapasão, o dano moral remeteria à idéia <strong>de</strong> violação <strong>do</strong>s direitos dapersonalida<strong>de</strong> tanto da pessoa natural quanto da pessoa jurídica, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> emambos os casos haver a respectiva reparação pelos danos morais suporta<strong>do</strong>s.Entretanto, a questão quanto à possibilida<strong>de</strong> da pessoa jurídica sofrer danosmorais ainda é controvertida e merece maiores <strong>de</strong>bates a seu respeito.A tese favorável à reparação amparada no menciona<strong>do</strong> artigo 52 <strong>do</strong> CódigoCivil merece uma reflexão e também uma revisão em sua conclusão, pois o artigo 52é sem a menor dúvida <strong>de</strong> uma imprecisão abissal <strong>ao</strong> dispor “no que couber”, não sepo<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong>le extrair conclusão que leve a crer que o “no que couber” signifique quea pessoa jurídica possa sofrer dano peculiar à pessoa humana.Não se po<strong>de</strong>ria conferir à pessoa jurídica, enquanto criação <strong>do</strong> direito (e nãoefetivamente uma pessoa real, embora se respeite os <strong>de</strong>fensores da <strong>de</strong>nominada“teoria da realida<strong>de</strong> objetiva ou teoria voluntarista”), direitos que são próprios dapessoa humana (e grife-se a palavra “humana”), pois a cláusula geral <strong>de</strong> tutela <strong>ao</strong>sdireitos da personalida<strong>de</strong>, qual seja, a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana (art. 1˚, inc. III,da Constituição Fe<strong>de</strong>ral) refere-se tão-somente à pessoa humana, e não à pessoajurídica.E realmente outro não po<strong>de</strong>ria ser o entendimento extraí<strong>do</strong> da leitura <strong>do</strong>menciona<strong>do</strong> artigo 1˚, inciso III, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, pois o abalo íntimo, osofrimento interior, o <strong>de</strong>sgosto, o dissabor, a amargura, a melancolia e angústiaexperimenta<strong>do</strong>s em um episódio causa<strong>do</strong>r <strong>de</strong> dano moral são manifestações muitopróprias da pessoa humana, <strong>do</strong> ser humano, não se po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> arguir, portanto, que a15 Neste senti<strong>do</strong> o entendimento jurispru<strong>de</strong>ncial: “In<strong>de</strong>nização – Dano moral – Pessoa Jurídica – Art.5º, X da CF – Consoante melhor exegese <strong>do</strong> art. 5º, X da CF, po<strong>de</strong> a pessoa jurídica preten<strong>de</strong>rin<strong>de</strong>nização por dano moral em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> protesto in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> <strong>de</strong> título, por constituir injustaagressão à imagem e <strong>ao</strong> bom nome comercial no meio em que exerce suas ativida<strong>de</strong>s”. Ac. 4ªCâmara Cível <strong>do</strong> TAMG, na Apelação Cível nº 198.505-1 <strong>de</strong> 1995. Disponível em:www.tjmg.jus.br/jurispru<strong>de</strong>ncia. Acesso em 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2010.


58pessoa jurídica, realida<strong>de</strong> apenas para o direito, possa experimentar taissentimentos.É claro que nos exemplos da<strong>do</strong>s alhures, supostamente passíveis <strong>de</strong> causaremdanos morais às pessoas jurídicas, tais como o vilipêndio <strong>ao</strong> seu bom nome,violação <strong>do</strong> sigilo <strong>de</strong> suas correspondências, não são fatos estranhos <strong>ao</strong> direito,sen<strong>do</strong>, pois, fatos jurídicos que provoquem repercussão no or<strong>de</strong>namento jurídico,reclaman<strong>do</strong> sua aplicação.Mas o processo <strong>de</strong> subsunção a equacionar a questão não passa pelaaplicação <strong>do</strong> instituto <strong>do</strong> dano moral, mas sim pela aplicação <strong>do</strong> instituto dain<strong>de</strong>nização por danos materiais, ou o <strong>do</strong> regime das perdas e danos, eis que asorte <strong>de</strong> danos que tais episódios ensejam são, realmente, danos <strong>de</strong> naturezapatrimonial.Com relação à Súmula 227 <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça e as <strong>de</strong>maisjurisprudências colacionadas acima, faz-se necessário advertir que a orientaçãojurispru<strong>de</strong>ncial <strong>do</strong>s tribunais pátrios <strong>de</strong>ve ser respeitada por óbvio, eis que perfazemuma valiosa contribuição <strong>ao</strong> estu<strong>do</strong> e à interpretação <strong>do</strong> Direito, mas <strong>de</strong>ve-sepon<strong>de</strong>rar, entretanto, que a jurisprudência é fonte indireta, ou fonte <strong>de</strong> interpretação(e não <strong>de</strong> integração) <strong>do</strong> Direito, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que suas conclusões <strong>de</strong>vem ser avaliadascom cautela, conferin<strong>do</strong>-lhe um caráter apenas <strong>de</strong> contribuição acadêmica <strong>ao</strong> direito,não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong>, dar-lhe foros <strong>de</strong> fonte direta <strong>do</strong> direito, <strong>de</strong> caráter obrigatório,impositivo, vinculante.Aliás, no sistema jurídico <strong>do</strong> direito romano-germânico é à lei e às outras fontesdiretas <strong>do</strong> direito, chamadas <strong>de</strong> fontes <strong>de</strong> integração (analogia, costumes eprincípios gerais <strong>do</strong> direito) que se <strong>de</strong>ve emprestar caráter obrigatório e vinculante,<strong>ao</strong> passo que a jurisprudência, ou o prece<strong>de</strong>nte, assume esse caráter apenas nospaíses que se filiam <strong>ao</strong> sistema <strong>do</strong> common law.E não é inoportuno observar que a jurisprudência caduca, per<strong>de</strong> força emalguns casos na medida em que o entendimento acaba se apresentan<strong>do</strong>ultrapassa<strong>do</strong> ou equivoca<strong>do</strong>, <strong>ao</strong> contrário <strong>do</strong> que ocorre com a lei, que somente éretirada <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico através <strong>de</strong> processo legislativo <strong>de</strong>mocrático ecomplexo.Portanto, respeita-se o entendimento daqueles que enten<strong>de</strong>m po<strong>de</strong>r a pessoajurídica sofrer dano moral com base na Súmula 227 <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça,ressalvan<strong>do</strong>-se, contu<strong>do</strong>, que mesmo diante da existência <strong>de</strong> uma súmula <strong>de</strong> um


59respeita<strong>do</strong> tribunal superior, merece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os encômios, a jurisprudênciapo<strong>de</strong>, sim, infelizmente, conter equívocos, sen<strong>do</strong> o teor <strong>do</strong> famigera<strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong> um<strong>de</strong>les, passível, portanto, <strong>de</strong> ser revisto.Tal dúvida quanto à possibilida<strong>de</strong> da pessoa jurídica po<strong>de</strong>r sofrer ou não danomoral, também não se justifica porque o texto constitucional, <strong>ao</strong> contrário <strong>do</strong> CódigoCivil, não é confuso quanto à referência <strong>ao</strong>s direitos da personalida<strong>de</strong> apenas par<strong>ao</strong>s seres humanos, não contemplan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa forma a violação <strong>do</strong> direito à vida, àintegrida<strong>de</strong> física, psíquica, e a privação da liberda<strong>de</strong> da pessoa jurídica, poisobviamente impossível. O assunto “dano moral da pessoa jurídica” será novamenteaborda<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma mais <strong>de</strong>talhada no tópico 2.5 <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>.Cumpre salientar também que a compensação pecuniária percebida pelo danomoral, não extingue a violação <strong>do</strong> direito da personalida<strong>de</strong>, pois estes não po<strong>de</strong>mser mensura<strong>do</strong>s economicamente. Tal compensação tem caráter apenas mitiga<strong>do</strong>r<strong>do</strong> sofrimento experimenta<strong>do</strong>, daí não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> referir-se a ele como in<strong>de</strong>nização,termo etimologicamente liga<strong>do</strong> à idéia <strong>de</strong> supressão <strong>do</strong> patrimônio, mas sim comoreparação, da<strong>do</strong> seu caráter meramente compensatório.Tais entendimentos <strong>de</strong>correm da interpretação <strong>do</strong> principal estatuto jurídico <strong>do</strong>País, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e no tocante <strong>ao</strong> dano moral cumpre dizer que esteadvém <strong>de</strong>la, Constituição da República, como cláusula pétrea, o que será visto aseguir.2.4 Dano moral como cláusula pétrea da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988A dignida<strong>de</strong> da pessoa humana é a base <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito, oque significa dizer que o Esta<strong>do</strong> através <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r-<strong>de</strong>ver <strong>de</strong>ve garantir vida dignaa to<strong>do</strong>s os cidadãos que vivem sob sua égi<strong>de</strong>.Neste senti<strong>do</strong> Jorge Miranda:A Constituição confere uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>, <strong>de</strong> valor e <strong>de</strong> concordânciaprática <strong>ao</strong> sistema <strong>do</strong>s direitos fundamentais. E ele repousa na dignida<strong>de</strong> dapessoa humana, ou seja, na concepção que faz da pessoa fundamento efim da socieda<strong>de</strong> e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. (1998; p. 166).


60Para tanto, a Constituição da República, situada no ápice da pirâmi<strong>de</strong>concebida por Kelsen acerca da hierarquia das leis, estatuiu as <strong>de</strong>nominadasgarantias e direitos fundamentais.A reforma <strong>do</strong> texto da Constituição está submetida a sua própria vonta<strong>de</strong>,sen<strong>do</strong> realizada através <strong>de</strong> emenda constitucional pelo po<strong>de</strong>r constituinte <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>.Contu<strong>do</strong>, há alguns dispositivos que o legisla<strong>do</strong>r optou por dar maior proteção,impossibilitan<strong>do</strong> que fossem excluí<strong>do</strong>s ou altera<strong>do</strong>s. A título <strong>de</strong> ilustração <strong>de</strong>ssesdispositivos que gozam <strong>de</strong> proteção mais renhida, po<strong>de</strong>m ser cita<strong>do</strong>s os chama<strong>do</strong>s“direitos fundamentais”, os quais possuem importância ímpar no or<strong>de</strong>namentojurídico brasileiro, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser reduzi<strong>do</strong>s pelo po<strong>de</strong>r constituinte reforma<strong>do</strong>r.Tais normas foram <strong>de</strong>nominadas cláusulas pétreas, e são aquelas previstas noartigo 60, § 4º, I, II, III, IV, da Constituição da República.Art. 60 – A constituição po<strong>de</strong>rá ser emendada mediante proposta:[...]§ 4º - Não será objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação a proposta <strong>de</strong> emenda ten<strong>de</strong>nte aabolir:I – a forma fe<strong>de</strong>rativa <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>;II – o voto direto, secreto, universal e periódico;III – a separação <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res;IV – os direitos e garantias individuais.As cláusulas pétreas são as <strong>de</strong>terminações constitucionais rígidas epermanentes, as quais não po<strong>de</strong>m ser objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação, nem tampouco seremmodificadas.Segun<strong>do</strong> o Professor Maurício Antônio Ribeiro Lopes 16 :As cláusulas pétreas, ou ainda, <strong>de</strong> garantia, traduzem, em verda<strong>de</strong>, umesforço <strong>do</strong> constituinte para assegurar a integrida<strong>de</strong> da constituição,16 Sobre o tema “cláusulas pétreas”, relaciona<strong>do</strong> com os <strong>do</strong>s danos morais, o Supremo TribunalFe<strong>de</strong>ral, através <strong>de</strong> voto proferi<strong>do</strong> pelo Ministro Cezar Peluso, relator <strong>do</strong> RE 447.584-7/RJ, em 28 <strong>de</strong>novembro <strong>de</strong> 2006, se posicionou da seguinte forma: “O direito à incolumida<strong>de</strong> moral pertence àclasse <strong>do</strong>s direitos absolutos, encontran<strong>do</strong>-se positiva<strong>do</strong>s pela conjugação <strong>de</strong> preceitosconstitucionais elenca<strong>do</strong>s no rol <strong>do</strong>s direitos e garantias individuais da Carta da República (CF/88, art.5º, V e X), erigi<strong>do</strong>s, portanto, <strong>ao</strong> status cláusula pétrea (CF/88, art. 60, § 4º), merecen<strong>do</strong> ser<strong>de</strong>vidamente tutela<strong>do</strong> nos casos concretos aprecia<strong>do</strong>s pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário. Quantum in<strong>de</strong>nizatório –fixação em parâmetros condizentes com o caso concreto – majoração <strong>do</strong> estipêndio fixa<strong>do</strong> emprimeiro grau. Conforme já assentou a jurisprudência <strong>do</strong> STF, “[…] o valor da in<strong>de</strong>nização há <strong>de</strong> sereficaz, vale dizer, <strong>de</strong>ve, perante as circunstâncias históricas, entre as quais avulta a capacida<strong>de</strong>econômica <strong>de</strong> cada responsável, guardar uma força <strong>de</strong>sencorajada <strong>de</strong> nova violação ou violações,sen<strong>do</strong> como tal perceptível <strong>ao</strong> ofensor, e, <strong>ao</strong> mesmo tempo, <strong>de</strong> significar, para a vítima, segun<strong>do</strong> suasensibilida<strong>de</strong> e condição sociopolítica, uma forma heterogênea <strong>de</strong> satisfação psicológica da lesãosofrida. Os bens i<strong>de</strong>ais da personalida<strong>de</strong>, como a honra, a imagem, a intimida<strong>de</strong> da vida privada, nãosuportam critério objetivo, com pretensões <strong>de</strong> vali<strong>de</strong>z universal, <strong>de</strong> mensuração <strong>do</strong> dano à pessoa.”Disponível em: www.stf.jus.br/jurispru<strong>de</strong>ncia. Acesso em 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2010.


61obstan<strong>do</strong> a que eventuais reformas provoquem a <strong>de</strong>struição, oenfraquecimento ou impliquem profundas mudanças <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Taiscláusulas <strong>de</strong>vem impedir qualquer reforma que altere os elementos <strong>de</strong> suai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> histórica. (1993; p. 100).Assim, ten<strong>do</strong> em vista a previsão constitucional - artigo 5º da CF/88, que trata<strong>do</strong>s direitos e garantias fundamentais - quanto à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reparação pordanos morais, não há dúvidas quanto <strong>ao</strong> fato <strong>de</strong> que o direito à reparação por estacategoria <strong>de</strong> danos constitui cláusula pétrea da Constituição, já que o próprio textolegal assim o incluiu, sen<strong>do</strong> um direito e garantia individual <strong>do</strong> cidadão, contempla<strong>do</strong>como dispositivo imutável <strong>do</strong> Texto Constitucional.Cumpre dizer, contu<strong>do</strong>, que quanto à possibilida<strong>de</strong> da reparação <strong>de</strong>sta sorte <strong>de</strong>danos dúvidas não pairam a esse respeito. Mas a dificulda<strong>de</strong> da questão resi<strong>de</strong>,todavia, é na quantificação <strong>do</strong> dano moral, o que vem sen<strong>do</strong> <strong>ao</strong> longo <strong>do</strong>s tempos atravessia <strong>do</strong> Rubicão para os juristas.2.5 Quantificação <strong>do</strong> dano moralNo âmbito da reparação civil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a fase em que a violência física foisuprimida, a principal dificulda<strong>de</strong> encontrada por intérpretes, <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res eaplica<strong>do</strong>res <strong>do</strong> direito se encontrava no momento da fixação <strong>do</strong> valor em dinheirocorrespon<strong>de</strong>nte à reparação por danos morais.O parágrafo único <strong>do</strong> artigo 953 <strong>do</strong> Código Civil <strong>de</strong>termina que o Juiz fixe ovalor da reparação sopesan<strong>do</strong> o caso concreto. Veja-se, portanto:Art. 953. A in<strong>de</strong>nização por injúria, difamação ou calúnia consistirá nareparação <strong>do</strong> dano que <strong>de</strong>las resulte <strong>ao</strong> ofendi<strong>do</strong>.Parágrafo único. Se o ofendi<strong>do</strong> não pu<strong>de</strong>r provar prejuízo material, caberá<strong>ao</strong> juiz fixar equitativamente, o valor da in<strong>de</strong>nização, na conformida<strong>de</strong> dascircunstâncias <strong>do</strong> caso.Clayton Reis (1994; p. 17) <strong>ao</strong> tratar da reparação <strong>do</strong> dano moral na épocaromana informa que a “actio injuriarum objetivava uma pena que o Juiz <strong>de</strong>via fixarmediante pon<strong>de</strong>ração <strong>do</strong> que lhe parecesse justo, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se ascircunstâncias <strong>do</strong> caso concreto”.


62Apesar da Constituição, bem como a legislação civil ordinária, proteger a vítimaque tenha sofri<strong>do</strong> ofensa em sua honra, moral, imagem, por exemplo, <strong>de</strong>terminan<strong>do</strong>que o ofensor pague a <strong>de</strong>vida compensação pelo dano pratica<strong>do</strong>, acertadamenteemu<strong>de</strong>ceu quanto fixação <strong>do</strong> valor com critério objetivo, porém estático, dan<strong>do</strong> <strong>ao</strong>Juiz po<strong>de</strong>r para analisar cada caso concreto para que, após, arbitre o quantum justo<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> <strong>ao</strong> ofendi<strong>do</strong>.Neste senti<strong>do</strong>, afirma An<strong>de</strong>rson Schreiber:Deve-se ter em mente que a norma vem proteger o responsável <strong>de</strong> um ônusexcessivo, em conformida<strong>de</strong> com o espírito <strong>de</strong> equida<strong>de</strong>, que exige que origor da solução jurídica seja tempera<strong>do</strong> à luz das circunstâncias <strong>do</strong> casoconcreto. [...] (2011; p. 45).A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> a legislação contemplar dispositivos legais que visem “tarifar” areparação <strong>do</strong> dano moral, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral se posiciona –acertadamente, diga-se <strong>de</strong> passagem - <strong>de</strong> forma contrária, pois é <strong>ao</strong> Juiz, diante dapeculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada caso concreto, que cabe fixar com cautela, prudência e bomsenso o quantum compensatório, sem torná-la injusta e insuportável <strong>ao</strong> ofensor.Em senti<strong>do</strong> contrário a este entendimento, cite-se o § 1º <strong>do</strong> artigo 84 <strong>do</strong> CódigoBrasileiro <strong>de</strong> telecomunicações e os artigos 51 e 52 da Lei <strong>de</strong> Imprensa (Lei nº.5.250/1967), que <strong>de</strong>terminam o valor mínimo e o máximo que <strong>de</strong>vem ser fixa<strong>do</strong>scomo meio <strong>de</strong> reparação civil. 17Embora os dispositivos legais acima menciona<strong>do</strong>s imponham um parâmetroobjetivo, tarifa<strong>do</strong>, para a fixação <strong>do</strong> valor da in<strong>de</strong>nização por dano moral, cumpre17 Art. 84 – Na estimação <strong>do</strong> dano moral, o Juiz terá em conta, notadamente, a posição social oupolítica <strong>do</strong> ofendi<strong>do</strong>, a situação econômica <strong>do</strong> ofensor, a intensida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ânimo <strong>de</strong> ofen<strong>de</strong>r, agravida<strong>de</strong> e repercussão da ofensa.§ 1º - O montante da reparação terá o mínimo <strong>de</strong> 5 (cinco) e o máximo <strong>de</strong> 100 (cem) vezes o maiorsalário-mínimo vigente no País. Revoga<strong>do</strong> pelo Decreto-lei nº 236, <strong>de</strong> 28.2.1967.Art. 51 – A responsabilida<strong>de</strong> civil <strong>do</strong> jornalista profissional que concorre para o dano por negligência,imperícia ou imprudência, é limitada, em cada escrito, transmissão ou notícia:I - a 2 salários-mínimos da região, no caso <strong>de</strong> publicação ou transmissão <strong>de</strong> notícia falsa, oudivulgação <strong>de</strong> fato verda<strong>de</strong>iro trunca<strong>do</strong> ou <strong>de</strong>turpa<strong>do</strong> (art. 16, ns. II e IV).II - a cinco salários-mínimos da região, nos casos <strong>de</strong> publicação ou transmissão que ofenda adignida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>coro <strong>de</strong> alguém;III - a 10 salários-mínimos da região, nos casos <strong>de</strong> imputação <strong>de</strong> fato ofensivo à reputação <strong>de</strong>alguém;IV - a 20 salários-mínimos da região, nos casos <strong>de</strong> falsa imputação <strong>de</strong> crime a alguém, ou <strong>de</strong>imputação <strong>de</strong> crime verda<strong>de</strong>iro, nos casos em que a lei não admite a exceção da verda<strong>de</strong> (art. 49, §1º).Art. 52 - A responsabilida<strong>de</strong> civil da empresa que explora o meio <strong>de</strong> informação ou divulgação élimitada a <strong>de</strong>z vezes as importâncias referidas no artigo anterior, se resulta <strong>de</strong> ato culposo <strong>de</strong>algumas das pessoas referidas no art. 50.


63dizer que tais dispositivos regulam fatos jurídicos específicos (o direito <strong>de</strong>informação da imprensa e suas limitações), e que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,todavia – repita-se –, não acolhe a tese da “tarifação” <strong>do</strong> dano moral 18 .Também <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que se <strong>de</strong>ve ter em mente, <strong>ao</strong> sefixar o valor da reparação, que o dano moral não <strong>de</strong>ve ser fonte <strong>de</strong> lucro, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>,portanto, o valor ser arbitra<strong>do</strong> <strong>de</strong> maneira que se possa reparar o dano suporta<strong>do</strong>,sem, contu<strong>do</strong>, importar o enriquecimento ilícito da vítima.Outro ponto a ser observa<strong>do</strong> no momento <strong>do</strong> arbitramento <strong>do</strong> quantum<strong>de</strong>beatur refere-se <strong>ao</strong> princípio da razoabilida<strong>de</strong>.A reparação pelo dano moral <strong>de</strong>ve ser sempre arbitrada utilizan<strong>do</strong> a lógica darazoabilida<strong>de</strong>, que é o sensato, o mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>, o comedi<strong>do</strong>, o proporcional.Sobre o tema, pertinente o posicionamento <strong>de</strong> Caio Mário da Silva Pereira:Na reparação por dano moral estão conjuga<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is motivos, ou duasconcausas: I – punição <strong>ao</strong> infrator pelo fato <strong>de</strong> haver ofendi<strong>do</strong> um bemjurídico da vitima, posto que imaterial; II – pôr nas mãos <strong>do</strong> ofendi<strong>do</strong> umasoma que não é pretium <strong>do</strong>loris, porém o meio <strong>de</strong> lhe oferecer oportunida<strong>de</strong><strong>de</strong> conseguir uma satisfação <strong>de</strong> cunho material, o que po<strong>de</strong> ser obti<strong>do</strong> no‘fato’ <strong>de</strong> saber que esta soma em dinheiro po<strong>de</strong> amenizar a amargura d<strong>ao</strong>fensa e <strong>de</strong> qualquer maneira o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança (...). Esse arbitramento<strong>de</strong>ve ser mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> e equitativo, para que não se converta o sofrimento emmóvel <strong>de</strong> captação <strong>de</strong> lucro (o lucro capien<strong>do</strong>). (2003; p. 315-316).Como visto, não há qualquer valor prefixa<strong>do</strong> para que o juiz arbitre o valor dareparação pelo dano moral, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> o magistra<strong>do</strong> analisar o caso concreto, combom senso e mo<strong>de</strong>ração para se arbitrar o quantum <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à vítima.Wilson Melo da Silva <strong>ao</strong> tratar sobre o papel <strong>do</strong> Juiz disserta com segurançaque 19 :18 O que ficou assente no julgamento <strong>do</strong> Recurso Extr<strong>ao</strong>rdinário nº 172.720, cujo relator, MinistroMarco Aurélio Mello, rejeita a reparação tarifada prevista na Convenção <strong>de</strong> Varsóvia, <strong>ao</strong> se discutir afixação <strong>de</strong> um valor a título <strong>de</strong> dano moral, in verbis: “In<strong>de</strong>nização - dano moral - extravio <strong>de</strong> mala emviagem aérea - convenção <strong>de</strong> varsóvia - observação mitigada - constituição fe<strong>de</strong>ral - supremacia. Ofato <strong>de</strong> a Convenção <strong>de</strong> Varsóvia revelar, como regra, a in<strong>de</strong>nização tarifada por danos materiais nãoexclui a relativa <strong>ao</strong>s danos morais. Configura<strong>do</strong>s esses pelo sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto, <strong>de</strong>constrangimento, aborrecimento e humilhação <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> extravio <strong>de</strong> mala, cumpre observar aCarta Política da República - incisos V e X <strong>do</strong> artigo 5º, no que se sobrepõe a trata<strong>do</strong>s e convençõesratifica<strong>do</strong>s pelo Brasil.” Disponível em: www.stf.jus.br/jurispru<strong>de</strong>ncia. Acesso em 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong>2010.19 O Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo, por exemplo, <strong>ao</strong> apreciar a Apelação Cível nº 6.303-4/1 <strong>de</strong>cidiuque: “O arbitramento <strong>do</strong> dano moral é aprecia<strong>do</strong> <strong>ao</strong> inteiro arbítrio <strong>do</strong> Juiz, quem não obstante, emcada caso, <strong>de</strong>verá aten<strong>de</strong>r à repercussão econômica <strong>de</strong>le, à prova da <strong>do</strong>r e <strong>ao</strong> grau <strong>de</strong> <strong>do</strong>lo ou culpa<strong>do</strong> ofensor.”


64É prepon<strong>de</strong>rante, na reparação <strong>do</strong>s danos morais, o papel <strong>do</strong> Juiz. A ele, oseu pru<strong>de</strong>nte arbítrio, compete medir as circunstâncias, pon<strong>de</strong>rar oselementos probatórios, inclinar-se sobre as almas e perscrutar ascoincidências em busca da verda<strong>de</strong>, separan<strong>do</strong> sempre o joio <strong>do</strong> trigo, asaspirações justas das miragens <strong>do</strong> lucro, preferidas por Dernburg. (1983; p.630-631).A fixação <strong>do</strong> quantum conforme José Roberto Parizatto:Somente mediante a análise fática <strong>de</strong> cada caso, alia<strong>do</strong> às condições daspartes, a gravida<strong>de</strong> da lesão e respectiva repercussão é que o Juiz po<strong>de</strong>ráfixar um valor compensatório a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> a não se permitir lesão <strong>de</strong> igualnatureza a outrem. (2001; p. 187).Para An<strong>de</strong>rson Schreiber (2011; p. 46) “cumpre <strong>ao</strong> juiz temperar a aplicação <strong>do</strong>princípio da reparação integral, atribuin<strong>do</strong> a in<strong>de</strong>nização mais ampla possível àvítima, mas sem privar o réu <strong>de</strong> um ‘patrimônio mínimo’, necessário à manutenção<strong>de</strong> uma vida digna”.Como <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, cada ofensa é diferente da outra, cada uma tem o seuvalor. A <strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma mãe que per<strong>de</strong> um filho, por exemplo, não po<strong>de</strong> ser quantificadada mesma forma que uma pessoa que vê o seu nome <strong>de</strong>negri<strong>do</strong> após tê-lo incluí<strong>do</strong>in<strong>de</strong>vidamente em cadastros <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> proteção <strong>ao</strong> crédito.Cumpre dizer, ainda, que a reparação <strong>do</strong> dano moral não tem como finalida<strong>de</strong>única e precípua a compensação da <strong>do</strong>r da vítima, mas também perfaz um meio <strong>de</strong>se punir o ofensor, servin<strong>do</strong> tal punição como exemplo para que o ato ilícito nãovenha a se repetir, ou seja, além <strong>do</strong> caráter compensatório <strong>do</strong> dano moral, estetambém se presta a <strong>de</strong>sestimular a prática gera<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> dano.Contu<strong>do</strong>, mesmo assim o arbitramento <strong>de</strong>veria dar-se com base nos princípioda proporcionalida<strong>de</strong> e razoabilida<strong>de</strong>, contrapon<strong>do</strong>-se as condições econômicas <strong>do</strong>ofensor, <strong>do</strong> ofendi<strong>do</strong> e observan<strong>do</strong>-se também o bem jurídico lesa<strong>do</strong>.Em tese, a equação proposta tanto pela <strong>do</strong>utrinária quanto pela jurisprudênciapara se chegar a uma in<strong>de</strong>nização justa, isto é, a avaliação das condiçõesfinanceiras <strong>do</strong> ofensor, as da vítima e o bem jurídico lesa<strong>do</strong>, e ainda a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> se reparar o dano sem, contu<strong>do</strong>, implicar o enriquecimento sem causa da vítima,apresenta-se, a uma leitura <strong>de</strong>savisada e perfunctória, como tema que passa <strong>ao</strong>largo <strong>de</strong> qualquer crítica.Entretanto, tal equação, salvo melhor aviso, apresenta-se como um jogo <strong>de</strong>palavras bem escolhidas, <strong>de</strong> talhe elegante, mas que têm por propósito claro


65escon<strong>de</strong>r a ausência <strong>de</strong> uma solução clara e objetiva para a questão da fixação <strong>do</strong>valor <strong>do</strong> dano moral.Não é absur<strong>do</strong> afirmar que a forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>slin<strong>de</strong> da questão acerca <strong>do</strong>arbitramento <strong>do</strong> valor <strong>do</strong> dano moral apresentada anteriormente carece, na verda<strong>de</strong>,<strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>, configuran<strong>do</strong> termos vazios, <strong>de</strong>stituí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> contornos objetivos.Nas relações <strong>de</strong> consumo muitas vezes confrontam-se um consumi<strong>do</strong>r e umpequeno empresário on<strong>de</strong> suas condições financeiras se equivalem (embora avulnerabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> primeiro em relação <strong>ao</strong> segun<strong>do</strong> seja presumida legalmente,conforme visto anteriormente). Mas outras vezes estão frente a frente, umconsumi<strong>do</strong>r economicamente muito pobre, <strong>de</strong> parcos recursos financeiros, e umagran<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> empresária, um grupo econômico que <strong>de</strong>senvolve suas ativida<strong>de</strong>sem to<strong>do</strong> território nacional e até mesmo no exterior.Como, nesses casos, arbitrar uma reparação por danos morais que <strong>ao</strong> mesmotempo corresponda a uma punição <strong>ao</strong> empresário fornece<strong>do</strong>r, mas que não acarreteo enriquecimento sem causa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r?E se o valor das con<strong>de</strong>nações a <strong>pagamento</strong> <strong>de</strong> danos morais <strong>ao</strong>sconsumi<strong>do</strong>res, por se apresentarem ínfimos, são repassa<strong>do</strong>s nos preços pratica<strong>do</strong>spelo empresário <strong>ao</strong>s próprios consumi<strong>do</strong>res, assim como é repassa<strong>do</strong> <strong>ao</strong>consumi<strong>do</strong>r o valor que o empresário arca com insumos, mão-<strong>de</strong>-obra, tributos etc?O Direito cumpriria nesses casos o seu papel <strong>de</strong> instrumento estatal garanti<strong>do</strong>rda justiça social?Insofismável que nas relações <strong>de</strong> consumo quan<strong>do</strong> se <strong>de</strong>frontam consumi<strong>do</strong>r efornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> produtos e serviços, no tocante <strong>ao</strong>s danos morais sofri<strong>do</strong>s peloprimeiro, <strong>do</strong>is direitos igualmente tutela<strong>do</strong>s pelo Direito, inclusive em se<strong>de</strong>constitucional, também se <strong>de</strong>frontam: a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana (e <strong>de</strong>ve serressalta<strong>do</strong> que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reparação por danos morais pertence à seara datutela <strong>do</strong>s direitos da personalida<strong>de</strong>) e o livre exercício da ativida<strong>de</strong> econômica, aqual é pressuposto <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e da própria pessoa humana.Entretanto, a satisfação da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana é valor jurídicoabsoluto e não comporta transigência. Vale dizer: quan<strong>do</strong> a dignida<strong>de</strong> da pessoahumana entrar em conflito com qualquer outro direito ou princípio jurídico, ainda quetambém constitucionalmente garanti<strong>do</strong>, <strong>de</strong>verá prevalecer o primeiro.Portanto, é necessário que se afaste qualquer argumentação jurídica, ouginástica intelectual, que vise vilipendiar o entendimento esposa<strong>do</strong>, ou que vise


66resguardar um direito que diretamente apresenta-se como <strong>de</strong> natureza econômica,patrimonial, em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> um direito da personalida<strong>de</strong>, notadamente aquele quese refere à própria dignida<strong>de</strong> da pessoa.Não há como negar o fato <strong>de</strong> que em alguns casos haverá conflito <strong>de</strong>interesses que envolvam sujeitos <strong>de</strong> direitos que se encontram em situação <strong>de</strong> fatoextremamente <strong>de</strong>sigual, e não há como se negar o fato <strong>de</strong> que quan<strong>do</strong> isso ocorrer,as soluções dispostas na lei e na jurisprudência para supostamente se alcançar umasolução justa não satisfazem o escopo <strong>de</strong> justiça <strong>do</strong> direito.Isto porque tais soluções legais e jurispru<strong>de</strong>nciais apresentam-se na verda<strong>de</strong>como amarras que atam as mãos <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>, impedin<strong>do</strong>-o <strong>de</strong> realizar a justiça,pois – pergunta-se – como esta po<strong>de</strong>rá ser alcançada, pela fixação <strong>de</strong> um valor atítulo <strong>de</strong> danos morais, diante, por exemplo, <strong>de</strong> um caso em que uma pessoa naturalpaupérrima é injustamente acusada publicamente em um supermerca<strong>do</strong>, porprepostos da socieda<strong>de</strong> empresária multimilionária e multinacional (osupermerca<strong>do</strong>), <strong>de</strong> haver pratica<strong>do</strong> um furto no interior da loja?Como o juiz encarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> analisar tal caso concreto, on<strong>de</strong> a vítima (a pessoanatural) <strong>de</strong>duz um pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> reparação por danos morais, irá conseguir obter ajustiça ten<strong>do</strong> que avaliar as condições econômicas da vítima e <strong>do</strong> ofensor e arbitraruma reparação, nesse caso específico, que represente <strong>ao</strong> mesmo tempo um<strong>de</strong>sestímulo <strong>ao</strong> ofensor e o não enriquecimento sem causa da vítima?A solução está na análise <strong>do</strong> princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, e, noexemplo analisa<strong>do</strong>, a agressão sofrida pela vítima configura muito mais <strong>de</strong>srespeitoà dignida<strong>de</strong> da pessoa humana <strong>do</strong> que o suposto <strong>de</strong>srespeito <strong>ao</strong> direito <strong>do</strong>supermerca<strong>do</strong> <strong>de</strong> proteger, inclusive lançan<strong>do</strong> mão da autotutela, seu patrimônio, oque também, em tese e muito remotamente, teria algo relaciona<strong>do</strong> à dignida<strong>de</strong> dapessoa <strong>do</strong>s sócios e <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s da pessoa jurídica que <strong>de</strong>la extraem o seusustento.Assim, pois, já que a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana <strong>de</strong>verá ser observada – eesta sempre <strong>de</strong>verá ser observada -, e, no exemplo da<strong>do</strong>, ela realmente foivilipendiada, <strong>ao</strong> magistra<strong>do</strong> <strong>ao</strong> qual recair a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir o casooptan<strong>do</strong> ou por uma fixação da reparação <strong>do</strong> dano moral que, dada a capacida<strong>de</strong>econômica das partes envolvidas, tiver que representar um hipotéticoenriquecimento sem causa da vítima (no caso <strong>de</strong> se arbitrar um valor queefetivamente represente um <strong>de</strong>sestímulo <strong>ao</strong> ofensor), ou por um valor que


67represente uma reparação à vítima, mas que <strong>de</strong> forma alguma represente umapunição <strong>ao</strong> ofensor, então, nesse caso, <strong>de</strong>ver-se-á observar a dignida<strong>de</strong> da pessoahumana, punin<strong>do</strong>-se o ofensor <strong>de</strong> forma exemplar para que se sinta <strong>de</strong>sestimula<strong>do</strong> apraticar novamente o ato danoso.Aliás, a nova sistemática escolhida pelo legisla<strong>do</strong>r relativa à hermenêuticajurídica a ser observada na interpretação <strong>do</strong> Código Civil <strong>de</strong> 2002, notadamente noque se refere <strong>ao</strong> uso <strong>de</strong> cláusulas gerais, favorece sobremaneira a aplicação <strong>do</strong>entendimento aqui postula<strong>do</strong>, pois tais cláusulas gerais conferem maior liberda<strong>de</strong> emaior po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cisório <strong>ao</strong> juiz, a<strong>de</strong>quan<strong>do</strong> a lei <strong>ao</strong>s casos concretos, observan<strong>do</strong>-seos princípios gerais <strong>do</strong> direito como forma <strong>de</strong> obtenção da justiça, fim precípuo <strong>do</strong>direito.Neste senti<strong>do</strong>, importante trazer à baila lição <strong>de</strong> Fabiano Menke <strong>ao</strong> trataracerca da interpretação das cláusulas gerais, através <strong>de</strong> texto da revista <strong>de</strong> direito<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r nº 50 – abril – junho <strong>de</strong> 2004, in verbis:As cláusulas gerais constituem técnica <strong>de</strong> legislar baseada noestabelecimento <strong>de</strong> normas carece<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> valoração a serem preenchidaspelo intérprete, caracterizam-se também pela vagueza, por serem sempreexpressas e por promoverem um reenvio a outros espaços <strong>do</strong> sistema [...].As cláusulas gerais também impõem limites <strong>ao</strong> julga<strong>do</strong>r, que não po<strong>de</strong>rápreenchê-las apenas com base no seu livre arbítrio; <strong>ao</strong> invés disso, exige-se<strong>do</strong> magistra<strong>do</strong> fundamentação racional e convincente para a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>afastar os abusos. (2004; p. 32-33).De acor<strong>do</strong> com Min. Ruy Rosa<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aguiar Júnior cita<strong>do</strong> por Fabiano Menke:No trato das cláusulas gerais o Juiz <strong>de</strong>ve fundamentar as suas <strong>de</strong>cisõesainda mais <strong>do</strong> que nos outros casos, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> explicitar às partes e àcomunida<strong>de</strong> jurídica as razões <strong>do</strong> seu convencimento. Salienta que ummo<strong>do</strong> <strong>de</strong> controle é a própria tramitação <strong>do</strong> processo, com o possívelaviamento <strong>de</strong> recursos a serem examina<strong>do</strong>s pelas instâncias superiores.Outrossim, segun<strong>do</strong> afirma, a informação está hoje cada vez mais acessívelpela comunida<strong>de</strong> jurídica, comprovan<strong>do</strong> essa afirmação com o da<strong>do</strong> <strong>de</strong> queapenas a página na internet <strong>do</strong> STJ é acessada mais <strong>de</strong> 200 mil vezes pordia. Conclui o seu raciocínio afirman<strong>do</strong> que “é <strong>de</strong> natureza social aresponsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Juiz que emprega mal os po<strong>de</strong>res que lhe conce<strong>de</strong> acláusula geral, ou que não a usa nos casos em que <strong>de</strong>veria fazê-lo”. (2004;p. 30).Assim, através <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> e seguimento das disposições contidas nas cláusulasgerais po<strong>de</strong>rá o Juiz oferecer maior segurança a socieda<strong>de</strong> no momento em queestiver proferin<strong>do</strong> suas <strong>de</strong>cisões, na medida em que através da utilização <strong>de</strong>steméto<strong>do</strong> quem julga não fica adstrito à limitação da lei, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, portanto, a<strong>de</strong>quar o


68direito positivo a cada caso concreto, individualizan<strong>do</strong> os casos, e principalmenteobservan<strong>do</strong> os princípios constitucionais reconheci<strong>do</strong>s pela Carta Maior,notadamente quanto <strong>ao</strong>s danos morais.Veja-se, <strong>de</strong>sta feita, o que os tribunais pátrios vêm enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong>sdanos extrapatrimoniais.2.6 A jurisprudência e dano moralComo anteriormente <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, inicialmente as leis não consagravam <strong>de</strong>maneira expressa o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar o dano moral.No Brasil, várias leis especiais, o Código Civil e principalmente a ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral há muito já entendiam ser in<strong>de</strong>nizável a ofensa suportada pela pessoafísica, bem como pela pessoa jurídica.A Súmula 227 <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça já <strong>de</strong>ixou claro o posicionamentoda jurisprudência pátria a respeito da possibilida<strong>de</strong> da pessoa jurídica sofrer danomoral 20 .Portanto, o entendimento atual <strong>do</strong>s tribunais brasileiros é também pelapossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reparação por dano moral à pessoa jurídica que tenha sofri<strong>do</strong>algum tipo <strong>de</strong> ofensa, embora tal posicionamento seja questionável, conforme jáaborda<strong>do</strong> anteriormente no tópico 2.2 <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>.É claro que para a edição da súmula 227 <strong>do</strong> STJ foi necessária a apreciação<strong>de</strong> diversas questões semelhantes e após a sua edição, não restam dúvidas sobre apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reparação pelo dano suporta<strong>do</strong> pela pessoa jurídica 21 .20 E, no mesmo senti<strong>do</strong> da Súmula 227 mencionada, e até mesmo em respeito a ela, também os<strong>de</strong>mais tribunais pátrios já pacificaram a questão, conforme <strong>de</strong>monstra o aresto abaixo:“INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – FIXAÇÃO – PESSOA JURIDICA – A pessoa jurídica, cujaimagem e bom nome <strong>de</strong>vem ser tutela<strong>do</strong>s, po<strong>de</strong> pedir reparação <strong>do</strong> dano moral, quan<strong>do</strong> for vítima <strong>de</strong>injusta acusação <strong>de</strong> emissão <strong>de</strong> cheques sem fun<strong>do</strong>s, com o conseqüente registro no SERASA. Nafixação <strong>do</strong> quantum <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a título <strong>de</strong> dano moral, <strong>de</strong>ve-se atentar para as condições das partes,principalmente o potencial econômico-social <strong>do</strong> lesante, a gravida<strong>de</strong> da lesão, sua repercussão e ascircunstâncias fáticas.” Ac. 2ª Câmara Cível <strong>do</strong> TAMG, na Apelação Cível nº 210.491-8 <strong>de</strong> 1996.Disponível em: www.tjmg.jus.br/jurispru<strong>de</strong>ncia. Acesso em 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2010.21 Veja-se, ainda, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> da pessoa jurídica sofrer dano moral, trecho <strong>do</strong> acórdãoproferi<strong>do</strong> em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> Recurso Especial nº 129428/RJ pelo colen<strong>do</strong> STJ: “Responsabilida<strong>de</strong> civil.Imprensa. Dano moral. Pessoa jurídica. A pessoa jurídica po<strong>de</strong> sofrer dano moral. Prece<strong>de</strong>nte.Ilegitimida<strong>de</strong> não prequestionada. Cabimento. Pessoa jurídica. Hipótese. Jornal. Publicação. Matéria.Ocorrência. Dano. Reputação. Empresa. Ofensa a honra. Honra objetiva. Trata-se <strong>de</strong> ação <strong>de</strong>in<strong>de</strong>nização c/c obrigação <strong>de</strong> fazer promovida por Tinturaria e Lavan<strong>de</strong>ria <strong>do</strong> Matoso LTDA em


69Quanto à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reparação à pessoa jurídica por danos morais,cumpre dizer que para os entusiastas da tese, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral em nenhummomento teria distingui<strong>do</strong> a pessoa física da jurídica. Assim – segun<strong>do</strong> os<strong>de</strong>fensores da tese em questão - não se <strong>de</strong>veria restringir o que a Constituição nãorestringiu.Todavia, quan<strong>do</strong> a Constituição da República trata da “dignida<strong>de</strong> da pessoahumana”, princípio síntese e princípio máximo <strong>do</strong>s direitos da personalida<strong>de</strong>, ela, aConstituição, refere-se especificamente e exclusivamente à “pessoa humana” (e<strong>de</strong>staque-se a palavra “humana”), não se referin<strong>do</strong> a outra pessoa que não seja ahumana, como, por exemplo, a jurídica.É por esse motivo que o entendimento jurispru<strong>de</strong>ncial ora aborda<strong>do</strong>, <strong>de</strong> que apessoa jurídica possa sofrer dano moral, é passível <strong>de</strong> ser questiona<strong>do</strong>, até mesmoporque - embora a corrente acadêmica vitoriosa na questão da <strong>de</strong>finição da naturezajurídica da pessoa jurídica haver si<strong>do</strong> a que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a pessoa jurídica comorealida<strong>de</strong> jurídica, e não como ficção - na realida<strong>de</strong>, nos fatos (e não no direito), ésensato verificar que há fatos jurídicos que só po<strong>de</strong>m ter a pessoa humana comosujeito <strong>de</strong> direitos e obrigações, e um <strong>de</strong>sses fatos jurídicos é o dano moral, pois aesfera íntima, psíquica, emocional, só po<strong>de</strong> ser observada na pessoa humana.Acrescente-se ainda que a posição apresentada não <strong>de</strong>spreza o fato <strong>de</strong> que apessoa jurídica não possa sofrer dano <strong>ao</strong> seu patrimônio quan<strong>do</strong>, por exemplo, temum título <strong>de</strong> crédito por ela emiti<strong>do</strong> in<strong>de</strong>vidamente protesta<strong>do</strong>. Contu<strong>do</strong>, este fatojurídico que na pessoa natural provoca, além <strong>de</strong> danos materiais, também danosmorais, na pessoa jurídica é passível <strong>de</strong> provocar apenas danos materiais, os quaissão passíveis <strong>de</strong> serem in<strong>de</strong>niza<strong>do</strong>s.Em um caso, por exemplo, <strong>de</strong> publicação em jornal <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação <strong>de</strong>informações <strong>de</strong>sabona<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong> empresarial (vi<strong>de</strong> anota <strong>de</strong> rodapé 19 na página anterior), informações que tiveram o claro propósito <strong>de</strong><strong>de</strong>negrir o bom nome, imagem e a reputação da empresa, restan<strong>do</strong> <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>que um dano efetivamente ocorreu. Todavia, não se po<strong>de</strong> reputar tal dano comosen<strong>do</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m moral, na esteira <strong>do</strong> entendimento esposa<strong>do</strong>.<strong>de</strong>sfavor <strong>de</strong> Liane Vasconcelos Gonçalves, isto por esta ter publica<strong>do</strong> no jornal “o globo” matéria que<strong>de</strong>negriu o conceito da empresa Autora no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> roupashospitalares perante órgãos públicos <strong>de</strong> âmbito fe<strong>de</strong>ral, Estadual, Municipal e Autárquico, impedin<strong>do</strong>,inclusive, o seu direito <strong>de</strong> resposta. Acórdão: por unanimida<strong>de</strong>, conhecer <strong>do</strong> recurso, mas lhe negarprovimento.” Disponível em: www.stj.jus.br/jurispru<strong>de</strong>ncia. Acesso em 04 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2010.


70Com certeza a ofensa perpetrada, no exemplo acima, gera prejuízo <strong>de</strong> or<strong>de</strong>mpatrimonial através da perda da credibilida<strong>de</strong> perante os clientes e outras empresas,pois se sentiriam inseguros em contratar com a empresa vítima 22 .Em senti<strong>do</strong> contrário, contu<strong>do</strong>, corroboran<strong>do</strong> o entendimento da possibilida<strong>de</strong>da pessoa jurídica sofrer dano moral, Rui Stocco:A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>ao</strong> garantir in<strong>de</strong>nização por dano moral não fezqualquer distinção entre pessoas físicas ou jurídicas, não se po<strong>de</strong>n<strong>do</strong><strong>de</strong>slembrar da parêmia no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que on<strong>de</strong> a lei não distingue não cabe<strong>ao</strong> intérprete distinguir. E mais, <strong>de</strong>ixou a Carta Magna palmar no artigo 5º,inciso V e X, que a ofensa moral está intimamente ligada às agressões edanos causa<strong>do</strong>s à intimida<strong>de</strong>, à vida privada, à honra, à imagem daspessoas e outras hipóteses. Não se po<strong>de</strong> negar que a honra e a imagemestão intimamente ligadas <strong>ao</strong> bom nome das pessoas (seja físicas oujurídicas); <strong>ao</strong> conceito que projetam exteriorida<strong>de</strong>. Do que se conclui quenão se protegeu a <strong>do</strong>r ou os danos da alma. A verda<strong>de</strong>ira questão não estáem adre<strong>de</strong> incluir ou excluir pessoas jurídicas da reparação por dano moral,mas verificar, caso a caso, os efeitos e conseqüência <strong>de</strong>ssa ofensa. Grifosnosso. (1994; p. 272).Entretanto, em que pese às teses e os posicionamentos jurispru<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong>escol existentes favoravelmente à possibilida<strong>de</strong> da pessoa jurídica po<strong>de</strong>r sofrer danomoral, a questão ainda não é pacífica e, nos termos da fundamentação já exposta,merece ser revista.Além da questão da possibilida<strong>de</strong> da pessoa jurídica sofrer dano moral, há quese acrescer com relação a essa sorte <strong>de</strong> danos e com relação à jurisprudênciapátria, que após o advento da Lei nº 9.099/95 houve significativo aumento <strong>de</strong> açõesobjetivan<strong>do</strong> a percepção <strong>de</strong> reparação por dano moral. Isso porque a socieda<strong>de</strong>passou a ter maior acesso à informação, maior conhecimento acerca <strong>de</strong> seusdireitos, bem como em razão <strong>do</strong> fácil acesso a justiça.Entretanto, as in<strong>de</strong>nizações fixadas pelos magistra<strong>do</strong>s, tanto nos Juiza<strong>do</strong>sEspeciais quanto na Justiça comum, não são capazes <strong>de</strong> reduzir o mal suporta<strong>do</strong>,nem tampouco <strong>de</strong> coibir novas condutas ilícitas.Cabe, por óbvio, <strong>ao</strong> julga<strong>do</strong>r observar a razoabilida<strong>de</strong> e a proporcionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>forma a não acarretar a insolvência ou falência <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>va suportar os efeitos da22 O Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo, no julgamento <strong>do</strong> recurso <strong>de</strong> apelação nº 9063143-49.1996.8.26.0000, por unanimida<strong>de</strong>, negou provimento <strong>ao</strong> recurso avia<strong>do</strong> pelo UNIBANCO – União<strong>de</strong> Bancos Brasileiros S/A contra sentença que julgou proce<strong>de</strong>nte o pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização pleitea<strong>do</strong>por Solfesta Turismo LTDA por ter o Banco Apelante realiza<strong>do</strong> protesto cambiário in<strong>de</strong>vidamente:“In<strong>de</strong>nização – Responsabilida<strong>de</strong> civil – dano moral – protesto cambiário – <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prova<strong>de</strong> dano patrimonial – verba <strong>de</strong>vida e arbitrável – artigo 5º, inciso X da Constituição Fe<strong>de</strong>ral –sentença mantida – recurso improvi<strong>do</strong>.” Disponível em: www.tj.sp.gov.br/Servico/ConsultaProcessos.Acesso em 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2010.


71sentença con<strong>de</strong>natória em responsabilida<strong>de</strong> civil, isto é, o agente causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano.Todavia, o instituto da responsabilida<strong>de</strong> civil surgiu e se evoluiu para reparar o malsuporta<strong>do</strong> pela vítima e, por tal razão, é necessário reforçar-lhe o caráter punitivo <strong>de</strong>forma a inibir o comportamento ilícito.Cite-se como exemplo o caso ocorri<strong>do</strong> no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> umacidadã que ajuizou ação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização por dano moral e material, em razão <strong>de</strong> tercaí<strong>do</strong> no interior <strong>do</strong> ônibus <strong>de</strong> transporte coletivo, por ter o motorista <strong>do</strong> ônibus como intuito <strong>de</strong> se aproveitar <strong>do</strong> sinal amarelo, frea<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma brusca, o que causou aqueda da autora, ferin<strong>do</strong>-a. Apesar <strong>de</strong> seu pleito ter si<strong>do</strong> <strong>de</strong>feri<strong>do</strong>, este não foraacolhi<strong>do</strong> na sua melhor forma, visto que o quantum fixa<strong>do</strong> (quatro mil reais) nãorepresenta na sua origem o abalo suporta<strong>do</strong> 23 .Apesar <strong>de</strong> ter havi<strong>do</strong> o reconhecimento <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar diante <strong>do</strong> abalosuporta<strong>do</strong> pela vítima, o julga<strong>do</strong>r se pren<strong>de</strong>u apenas à análise perfunctória e poucoprofícua da razoabilida<strong>de</strong>, sem, contu<strong>do</strong>, observar se houve ou não a <strong>de</strong>vidacompensação à vítima e <strong>ao</strong> mesmo tempo a punição <strong>do</strong> agente causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano.Portanto, as <strong>de</strong>cisões que envolvem quantificação <strong>do</strong> dano moral encontram-sesem a <strong>de</strong>vida cautela no tocante à efetiva reparação da vítima <strong>de</strong> ofensaextrapatrimonial, e, principalmente, no tocante <strong>ao</strong> <strong>de</strong>sestímulo <strong>ao</strong> ofensor 24 .23 Apelação cível. Ação in<strong>de</strong>nizatória. Rito sumário. Queda no interior <strong>de</strong> Coletivo. Responsabilida<strong>de</strong>civil Objetiva da empresa <strong>de</strong> ônibus. Pessoa jurídica <strong>de</strong> direito priva<strong>do</strong>, Presta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> serviço público.Risco administrativo. In<strong>de</strong>nização Devida, fixada em R$ 4.000,00, com observância <strong>do</strong>s princípios daproporcionalida<strong>de</strong> e razoabilida<strong>de</strong>. O dano moral, também conheci<strong>do</strong> como dano imaterial, reflete-sesobre os direitos da personalida<strong>de</strong>, como, entre outros, a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, sen<strong>do</strong> certo erazoável presumir-se a ocorrência <strong>de</strong> abalo psicológico sofri<strong>do</strong> pela vítima, que além da <strong>do</strong>r física,teve que se dirigir a 3 (três) hospitais públicos até que fosse <strong>de</strong>vidamente atendida. É evi<strong>de</strong>nte quelevar uma queda <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um coletivo causada por uma freada brusca, gera transtorno que vai além,em muito, <strong>do</strong>s que normalmente nos <strong>de</strong>paramos no dia a dia, merecen<strong>do</strong> reparo capaz <strong>de</strong> amenizar aangústia experimentada, saben<strong>do</strong>-se, porém, que total compensação é impossível. Sentença quenão merece reparo. Desprovimento <strong>do</strong>s recursos. Por tais fundamentos, nego provimento <strong>ao</strong>srecursos, na forma <strong>do</strong> art. 557, caput, <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, para manter na íntegra asentença <strong>de</strong> 1ª instância. (Apelação Cível nº 226724920098190206 – Des. Relator Carlos Azere<strong>do</strong> <strong>de</strong>Araujo) Disponível em www.tjrj.jus.br/jurispru<strong>de</strong>ncia. Acesso em 18/09/2011.24O Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso <strong>de</strong> apelação nº 0009912-76.2010.8.26.0032, Des. Relator Dirceu Cintra da 36ª Câmara <strong>de</strong> Direito Priva<strong>do</strong>, veja-se: “Seguro <strong>de</strong>vida com cobertura para consulta médica. Ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> inexistência <strong>de</strong> débito cumulada comin<strong>de</strong>nização por danos material e moral julgada parcialmente proce<strong>de</strong>nte. Apelo <strong>do</strong> autor. Negativa <strong>de</strong>expedição <strong>de</strong> guia para exame médico comprovada. Recibos que comprovam a alegação <strong>de</strong>cobrança <strong>de</strong> débito já pago. Dano moral <strong>de</strong> pequena monta. Configuração. Fixação em R$ 2.000,00.Apelo provi<strong>do</strong> para julgar proce<strong>de</strong>nte a ação. A situação lhe causou constrangimento, embaraçou-ono exercício <strong>de</strong> seu direito e o <strong>de</strong>srespeitou como consumi<strong>do</strong>r, que constitui prejuízo moral, embora<strong>de</strong> pequena monta. E tal dano <strong>de</strong>correu <strong>de</strong> negligência da ré no registro <strong>do</strong>s <strong>pagamento</strong>s. Presentes,pois, os pressupostos - ato ilícito, dano e relação entre um e outro, é caso <strong>de</strong> fixar a reparação.”Disponível em: www.tjsp.jus.br/jurispru<strong>de</strong>ncia. Acesso em 18/09/2011.


72Em outro caso, também a título <strong>de</strong> exemplo, em que uma empresa <strong>de</strong> plano <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> negou-se a expedir a guia competente para a realização <strong>de</strong> exame médico(nota <strong>de</strong> rodapé 22 abaixo), o dano moral é presumi<strong>do</strong>, pois o mesmo fato repercute<strong>de</strong> forma mais intensa ou menos intensa em pessoas distintas, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, diantedisso, ser mensurada sua extensão. I<strong>de</strong>ntificar se o dano é <strong>de</strong> pequena ou gran<strong>de</strong>monta não compete <strong>ao</strong> juiz, eis que impossível essa apuração. Cabe, todavia, <strong>ao</strong>juiz i<strong>de</strong>ntificar se houve ou não o dano. E, uma vez que se <strong>de</strong>cida pela existência <strong>do</strong>dano, é necessário compensar efetivamente a vítima, o que no caso concretoanalisa<strong>do</strong>, diante das informações fornecidas, não é possível concluir se houve ounão a compensação, e é necessário também impor uma penalida<strong>de</strong> <strong>ao</strong> ofensorcomo forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestimulá-lo a reincidir na prática causa<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> dano 25 .Assim, verifica-se que os valores <strong>de</strong>feri<strong>do</strong>s a título <strong>de</strong> reparação por danomoral, são <strong>de</strong> toda forma ínfimos, não sen<strong>do</strong> capazes <strong>de</strong> repararem o malsuporta<strong>do</strong>, nem tampouco - e principalmente - causarem receio <strong>ao</strong> ofensor comoforma <strong>de</strong> inibir o ato ilícito.Impõe-se, portanto, uma releitura <strong>do</strong> entendimento acerca <strong>do</strong> valor dacon<strong>de</strong>nação por danos morais, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-lhe o seu caráter punitivo - sem<strong>de</strong>sprezar por óbvio o caráter compensatório já consagra<strong>do</strong> na <strong>do</strong>utrina ejurisprudência - como forma <strong>de</strong> efetivamente <strong>de</strong>sestimular o ofensor na reincidênciada prática danosa.2.7 Dano moral compensatório e dano moral punitivoAs teorias acerca <strong>do</strong> caráter da con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> agentes causa<strong>do</strong>res <strong>de</strong> danosmorais <strong>ao</strong> <strong>pagamento</strong> em pecúnia pela prática <strong>de</strong>ssa sorte <strong>de</strong> ilícitos se dividiramentre em três, a saber: aquela que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o caráter punitivo da con<strong>de</strong>nação <strong>ao</strong><strong>pagamento</strong> <strong>de</strong> quantia em dinheiro <strong>ao</strong> ofendi<strong>do</strong>, como forma <strong>de</strong> penalizar o ofensorpelo mal causa<strong>do</strong>, bem como <strong>de</strong>sestimulá-lo (e <strong>ao</strong>s outros também) a reincidir naprática; a teoria que, por repudiar a “vingança” incompatível com os nobres eeleva<strong>do</strong>s princípios jurídicos contida no caráter punitivo, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o caráter25 No caso em exame verifica-se que o valor <strong>de</strong> R$ 2.000,00 mostrou-se ínfimo para se perpetrar umapena <strong>ao</strong> plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> (que é o réu da ação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização), que diante disso, muito provavelmenterepassará o valor da con<strong>de</strong>nação <strong>ao</strong>s clientes e persistirá na prática lamentável.


73meramente compensatório à vítima; e aquela teoria, chamada teoria mista, que<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o duplo caráter da con<strong>de</strong>nação, isto é, tanto o punitivo, como forma <strong>de</strong>punição e <strong>de</strong>sestímulo <strong>ao</strong> ofensor, quanto o caráter compensatório à vítima.A teoria <strong>do</strong> caráter punitivo foi abraçada pelos países <strong>de</strong> tradição anglo-saxã,on<strong>de</strong> a con<strong>de</strong>nação <strong>ao</strong> <strong>pagamento</strong> <strong>de</strong> danos morais adquiriu o nome <strong>de</strong> punitivedamages, ou exemplary damages, expressões que <strong>de</strong>vem ser traduzidas como“in<strong>de</strong>nização punitiva”.Os países <strong>de</strong> tradição romano-germânica, ou a<strong>de</strong>ptos <strong>do</strong> civil law, a<strong>do</strong>taramem seus or<strong>de</strong>namentos jurídicos ou o caráter compensatório <strong>do</strong> dano moral, ou ocaráter misto (punitivo e compensatório), conforme ocorreu aqui no Brasil.Judith Martins-Costa e Mariana Pargendler informam o seguinte a respeito dasduas teorias:Distinguiam-se, assim, no Direito clássico, duas vias sanciona<strong>do</strong>ras para atutela <strong>de</strong> situações jurídicas relevantes, a punitiva e a restitutória ouressarcitória, duplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vias que, <strong>ao</strong> longo <strong>do</strong>s tempos, não cessou <strong>de</strong>ser aprofundada.Os fatores que conduziram <strong>ao</strong> aprofundamento da nítida cisão <strong>do</strong>s planosressarcitório e punitivo foram múltiplos, não caben<strong>do</strong> aqui ser inventaria<strong>do</strong>s.Basta lembrar, por sua especial importância <strong>ao</strong> vigente Direito brasileiro –pela consagração, no Código Civil, e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>utrinário dafigura <strong>do</strong> enriquecimento sem causa – a influência <strong>do</strong>s i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> justiçacomutativa propugna<strong>do</strong>s por São Tomás <strong>de</strong> Aquino (pelos quais se baniaqualquer transferência injustificada <strong>de</strong> riqueza <strong>de</strong> um sujeito a outro). Taisi<strong>de</strong>ias sugeriam a limitação da obrigação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar <strong>ao</strong> meroressarcimento <strong>do</strong> dano efetivamente infligi<strong>do</strong>, então se lançan<strong>do</strong> as bases<strong>do</strong> princípio hoje acolhi<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma expressa no caput <strong>do</strong> art. 944 <strong>do</strong> CódigoCivil brasileiro.É fato inconteste na <strong>do</strong>utrina pátria o duplo caráter <strong>do</strong> dano moral: ocompensatório e o punitivo. Compensatório, na medida em que se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> danomoral o ofensor não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>volver a vítima o seu status quo ante, caben<strong>do</strong>-lhe tãosomenteprestar uma compensação pecuniária à vítima como forma <strong>de</strong> minimizar osefeitos <strong>do</strong> ato danoso. Já o caráter punitivo é admiti<strong>do</strong> como forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestimular oofensor (ou até mesmo terceiros que tomem ciência <strong>do</strong> comportamento ilícito) arepetir a ação danosa.Ou seja, enquanto o caráter punitivo visa intimidar o agente, evitan<strong>do</strong>-se areincidência no ato lesivo, o caráter compensatório <strong>de</strong>stina-se a proporcionar àvítima a compensação <strong>de</strong> seu sofrimento, proporcionan<strong>do</strong>-lhe meios <strong>de</strong>experimentar momentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>leite e <strong>de</strong> prazer que mitiguem a <strong>do</strong>r causada pel<strong>ao</strong>fensa.


74Neste senti<strong>do</strong>, Caio Mário da Silva Pereira cita<strong>do</strong> por An<strong>de</strong>rson Schreiberrecorda que:Quan<strong>do</strong> se cuida <strong>do</strong> dano moral, o fulcro <strong>do</strong> conceito ressarcitório acha-se<strong>de</strong>sloca<strong>do</strong> para a convergência <strong>de</strong> duas forças: caráter punitivo para que ocausa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano, pelo fato da con<strong>de</strong>nação se veja castiga<strong>do</strong> pela ofensaque praticou, e o caráter compensatório para a vítima, que receberá umasoma que lhe proporcione prazeres como contrapartida <strong>do</strong> mal sofri<strong>do</strong>.(2011; p. 209).Correto, portanto, afirmar que o caráter compensatório correspon<strong>de</strong> à forma <strong>de</strong>assegurar o abrandamento da <strong>do</strong>r experimentada pela vítima, enquanto que ocaráter punitivo implica a forma <strong>de</strong> compelir o ofensor a enten<strong>de</strong>r que ofen<strong>de</strong>uoutrem lhe causan<strong>do</strong> dano, bem como implica a forma <strong>de</strong> exortá-lo a não repetir aação ilícita e danosa.An<strong>de</strong>rson Schreiber (2011; p. 210) <strong>de</strong> forma clara e incisiva aponta quatrocritérios usualmente utiliza<strong>do</strong> pelos tribunais pátrios no momento da quantificação <strong>do</strong>dano moral, quais sejam: “gravida<strong>de</strong> <strong>do</strong> dano, capacida<strong>de</strong> econômica da vítima, grau<strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> ofensor e a capacida<strong>de</strong> econômica <strong>do</strong> ofensor”.Assim, po<strong>de</strong>-se afirmar que os <strong>do</strong>is primeiros critérios supramenciona<strong>do</strong>sreferem-se <strong>ao</strong> caráter reparatório, enquanto os <strong>de</strong>mais <strong>ao</strong> caráter punitivo.Vale dizer nessa esteira que a união entre o caráter ressarcitório e o punitivoda con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> dano moral não po<strong>de</strong> ser encarada como uma duplapenalização <strong>ao</strong> ofensor, uma vez que a principal característica da responsabilida<strong>de</strong>civil, que visa à reparação <strong>de</strong> danos, ainda que morais, causa<strong>do</strong>s em <strong>de</strong>corrência daprática <strong>de</strong> ato ilícito, é a proteção da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana. E com relação àdignida<strong>de</strong> humana observe-se que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 a coloca nonúcleo <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico, protegen<strong>do</strong>-os com maior rigor.Deve-se, pois, <strong>ao</strong> analisar-se um caso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil, on<strong>de</strong> o danocausa<strong>do</strong> tem natureza extrapatrimonial, dar maior ênfase à proteção da dignida<strong>de</strong> dapessoa humana em <strong>de</strong>trimento da proteção <strong>do</strong> patrimônio material <strong>do</strong> ofensor, ten<strong>do</strong>em vista o grau <strong>de</strong> relevância da dignida<strong>de</strong> humana em confronto com o direito <strong>de</strong>proprieda<strong>de</strong>, que sem dúvida alguma se posiciona <strong>de</strong> forma privilegiada no direitopositivo.Desta forma, não resta dúvida quanto <strong>ao</strong> fato <strong>do</strong>s tribunais pátrios estaremcorretos <strong>ao</strong> levarem em consi<strong>de</strong>ração o caráter punitivo e o compensatório nomomento <strong>de</strong> atribuir <strong>ao</strong> ofensor o múnus <strong>de</strong> reparar a vítima, fazen<strong>do</strong>-se apenas a


75ressalva quanto à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se recru<strong>de</strong>scer ainda mais o caráter punitivo,aumenta<strong>do</strong>, portanto, o valor das con<strong>de</strong>nações em danos morais como forma <strong>de</strong>efetivamente <strong>de</strong>sestimular os ofensores, notadamente o ofensor empresário,fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> produtos e serviços na relação <strong>de</strong> consumo.


76CAPÍTULO III: DO EMPRESÁRIO3.1 Evolução histórica <strong>do</strong> direito empresarialNa visão <strong>de</strong> REQUIÃO (1995; p. 8) o direito comercial “surgiu,fragmentariamente na Ida<strong>de</strong> Média, pela imposição <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> tráficomercantil”.Para Fábio Ulhôa Coelho:A história <strong>do</strong> direito comercial é normalmente dividida em quatro perío<strong>do</strong>s.No primeiro, entre a segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XII e a segunda <strong>do</strong> séculoXVI, o direito comercial é o direito aplicável <strong>ao</strong>s integrantes <strong>de</strong> umaespecifica corporação <strong>de</strong> oficio, a <strong>do</strong>s comerciantes. (....). A terceira fasesurge em 1807, com o co<strong>de</strong> <strong>de</strong> comerce da França (...). E a quarta nascecom o advento <strong>do</strong> Código Civil Italiano em 1942. (1999; p. 13).Des<strong>de</strong> há muito já existiam relações entre pessoas que configuravam ocomércio, contu<strong>do</strong> tais relações não se apresentavam <strong>de</strong> forma bastantedisseminada, configuran<strong>do</strong> característica apenas <strong>de</strong> algumas culturas e povos.Por sua vez, na Ida<strong>de</strong> Média, com o surgimento das corporações <strong>de</strong> ofício <strong>do</strong>smerca<strong>do</strong>res que exerciam a ativida<strong>de</strong> comercial nos burgos, fora <strong>do</strong>s muros dasproprieda<strong>de</strong>s feudais, o direito empresarial caracterizou-se como um direitocostumeiro, internacional e corporativo, difundin<strong>do</strong>-se por to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> civiliza<strong>do</strong>.Neste senti<strong>do</strong>, novamente Fábio Ulhôa Coelho:Durante o renascimento comercial, na Europa, artesãos e comercianteseuropeus reuniam-se em corporações <strong>de</strong> ofício, po<strong>de</strong>rosas entida<strong>de</strong>sburguesas que gozavam <strong>de</strong> significativa autonomia em face <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r real e<strong>do</strong>s senhores feudais. Nas corporações <strong>de</strong> ofício, como expressão <strong>de</strong>ssaautonomia, foram paulatinamente surgin<strong>do</strong> normas <strong>de</strong>stinadas a disciplinaras relações entre os seus filia<strong>do</strong>s. (2005; p. 6).Com o Esta<strong>do</strong> Mo<strong>de</strong>rno, no século XVI as corporações per<strong>de</strong>m os privilégios eos monopólios, dan<strong>do</strong> lugar às leis editadas pelos monarcas.Em 1808 entra em vigor o Código Comercial francês, que substituiu o direitocomum <strong>do</strong>s comerciantes e a<strong>do</strong>tou a chamada teoria <strong>do</strong>s atos <strong>de</strong> comércio, ou seja,o direito comercial <strong>de</strong>ssa época procurou focar-se não no aspecto subjetivo da


77relação comercial, caracterizan<strong>do</strong> o empresário, sujeito das relações jurídicas objeto<strong>do</strong> direito comercial, mas no aspecto objetivo, isto é, nos fatos jurídicos a elarelativos - os atos <strong>de</strong> comércio.Neste diapasão, Fábio Ulhôa Coelho <strong>de</strong>screve:No início <strong>do</strong> século XIX, em França, Napoleão, com a ambição <strong>de</strong> regular atotalida<strong>de</strong> das relações sociais, patrocina a edição <strong>de</strong> <strong>do</strong>is monumentaisdiplomas jurídicos: O Código Civil (1804) e o Comercial (1808). Inaugura-seum sistema para disciplinar as ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s cidadãos que repercutirá emto<strong>do</strong>s os países da tradição romana, inclusive o Brasil. (2005; p. 7).Já no Brasil, o direito comercial evoluiu por influência <strong>do</strong> Código francês com apromulgação <strong>do</strong> Código Comercial em 1850.Contu<strong>do</strong>, a teoria <strong>do</strong>s atos <strong>de</strong> comércio não foi suficiente para <strong>de</strong>limitar o objeto<strong>do</strong> direito comercial, haven<strong>do</strong>, pois, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se substituir este sistema.Assim, em 1942 na Itália surge o sistema <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> teoria da empresa pararegular as ativida<strong>de</strong>s econômicas <strong>do</strong>s entes priva<strong>do</strong>s, impulsionan<strong>do</strong> os legisla<strong>do</strong>resà edição <strong>de</strong> novas leis.Apesar <strong>de</strong>ssa evolução, a teoria da empresa somente surgiu formalmente noor<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro no Código Civil <strong>de</strong> 2002. Contu<strong>do</strong>, não se po<strong>de</strong>negar que apesar da <strong>de</strong>mora <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r brasileiro em mo<strong>de</strong>rnizar a legislaçãocomercial, o Legislativo pátrio já se espelhava no sistema italiano, e não mais nofrancês, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> citar, a título <strong>de</strong> exemplo legislativo em que o legisla<strong>do</strong>r pátrioacolheu a teoria da empresa, o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong> 1990.Feitas essa breve explanação da evolução histórica <strong>do</strong> direito empresarial, farse-áalgumas consi<strong>de</strong>ração preliminares necessárias como introdução <strong>ao</strong> temapropriamente dito.3.2 Consi<strong>de</strong>rações preliminaresA empresa, tratada juridicamente, não se confun<strong>de</strong> com “estabelecimentocomercial”. Estabelecimento comercial é o objeto da ativida<strong>de</strong> empresarial, ou seja,é bem jurídico, enquanto a empresa é uma ativida<strong>de</strong>, notadamente a ativida<strong>de</strong>econômica que tem por finalida<strong>de</strong> produzir bens e prestar serviços.


78Desta forma, po<strong>de</strong>-se afirmar que o empresário, o qual exerce a ativida<strong>de</strong>empresarial, é sujeito <strong>de</strong> direito que exerce a ativida<strong>de</strong> em questão com fimlucrativo.Por sua vez, o artigo 966 <strong>do</strong> Código Civil consi<strong>de</strong>ra que “empresário é quemexerce profissionalmente ativida<strong>de</strong> econômica organizada para a produção oucirculação <strong>de</strong> bens ou <strong>de</strong> serviços”.Para um melhor entendimento <strong>do</strong> conceito legal, é necessário fazer umaanálise individual <strong>de</strong> algumas expressões que o integra. Nesse senti<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>-seconsi<strong>de</strong>rar o seguinte:“Empresário” é a pessoa, física ou jurídica, ou seja, é o sujeito <strong>de</strong> direitos eobrigações. “Ativida<strong>de</strong>” é aquela que se apresenta como sen<strong>do</strong> “profissional”, isto é,aquela exercida com habitualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma não esporádica, não eventual, ou nãodiletante; “econômica” é a ativida<strong>de</strong> que é exercida com o fito <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> lucro;“organizada” é a ativida<strong>de</strong> que reúne os fatores <strong>de</strong> produção: capital, trabalho,insumos e tecnologia; “para a produção” representa a ativida<strong>de</strong> industrial, <strong>de</strong>manufatura, <strong>de</strong> confecção, <strong>de</strong> criação, <strong>de</strong> transformação da matéria-prima em umbem ou <strong>de</strong> um bem em outro; “circulação” é a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aproximação <strong>do</strong>compra<strong>do</strong>r, consumi<strong>do</strong>r, <strong>do</strong> bem produzi<strong>do</strong>, ou seja, perfaz a facilitação <strong>do</strong> acesso<strong>ao</strong>s bens <strong>de</strong> consumo, sen<strong>do</strong>, pois, o comércio.A ativida<strong>de</strong> empresarial po<strong>de</strong> ser exercida por aqueles que estiverem em plenogozo da capacida<strong>de</strong> civil e que não forem impedi<strong>do</strong>s por lei, inteligência <strong>do</strong> artigo972 <strong>do</strong> CC/2002.Por estabelecimento comercial, contu<strong>do</strong>, enten<strong>de</strong>-se a reunião organizada <strong>de</strong>bens corpóreos e incorpóreos para o exercício da empresa pelo empresário(individual ou socieda<strong>de</strong> comercial).Desta feita, empresa, empresário e estabelecimento, embora sejam institutosdistintos uns <strong>do</strong>s outros, estão intimamente liga<strong>do</strong>s entre si, não sen<strong>do</strong> equivoca<strong>do</strong>afirmar que um <strong>de</strong>corra <strong>do</strong> outro.Neste senti<strong>do</strong>, Ricar<strong>do</strong> Negrão:Relacionam-se o empresário, o estabelecimento e a empresa <strong>de</strong> formaintima: o sujeito <strong>de</strong> direito que exercita (empresário), através <strong>do</strong> objeto <strong>de</strong>direito (estabelecimento) e os atos jurídicos <strong>de</strong>correntes (empresa). (1999;p. 75).


79Necessário, portanto, esclarecer inicialmente tais distinções e, uma vezesclarecidas, passa-se à análise <strong>de</strong> quem é, afinal, o empresário, o que se fazatravés da investigação <strong>de</strong> suas espécies.3.3 Espécies <strong>de</strong> empresárioComo anteriormente menciona<strong>do</strong> o empresário é conceitua<strong>do</strong> pela legislaçãocomo aquele profissional que “exerce ativida<strong>de</strong> econômica organizada para aprodução ou a circulação <strong>de</strong> bens e serviços”, conforme artigo 966 <strong>do</strong> CC/2002.Classificam-se duas espécies <strong>de</strong> empresário: o individual e a socieda<strong>de</strong>empresária.Quanto <strong>ao</strong> empresário individual, <strong>de</strong>ve-se observar que a Lei nº 12.441/11, queinseriu o artigo 980-A no Código Civil, criou uma nova figura <strong>de</strong>sta espécie <strong>de</strong>empresário, que é o empresário individual <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> limitada, <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>pela sigla EIRELI (Empresário Individual <strong>de</strong> Responsabilida<strong>de</strong> Limitada).Assim, hodiernamente há duas espécies <strong>de</strong> empresário individual: oempresário individual propriamente dito e o empresário individual <strong>de</strong>responsabilida<strong>de</strong> limitada (EIRELI).Tem-se por empresário individual propriamente dito aquele que exerce aativida<strong>de</strong> empresarial através <strong>de</strong> firma individual, conforme prevê o artigo 966 <strong>do</strong>Código Civil, assumin<strong>do</strong> ilimitadamente os riscos pela ativida<strong>de</strong>, ou seja, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> oseu patrimônio particular ser atingi<strong>do</strong> para quitar dívidas oriundas <strong>de</strong> sua empresa.Por empresário individual <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> limitada tem-se aqueleempresário que, embora exerça a empresa individualmente, o seu patrimôniopessoal não respon<strong>de</strong> pelas obrigações sociais, contrariamente <strong>ao</strong> que ocorre com opatrimônio <strong>do</strong> empresário individual propriamente dito.Ao contrário <strong>do</strong> empresário individual, a socieda<strong>de</strong> empresária exerce ativida<strong>de</strong>por meio <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas que unem seus esforços, laborais oueconômicos, com o fito <strong>de</strong> alcançar objetivos comuns, que, no caso, é o lucro.A lei, além <strong>de</strong> diferenciar os tipos <strong>de</strong> empresários, <strong>de</strong>termina expressamente osrequisitos que <strong>de</strong>vem ser preenchi<strong>do</strong>s para o exercício da ativida<strong>de</strong>, maisprecisamente o artigo 972 dispõe que “po<strong>de</strong>m exercer a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresário os


80que estiverem em pleno gozo da capacida<strong>de</strong> civil e não forem legalmenteimpedi<strong>do</strong>s”.A ativida<strong>de</strong> empresarial é, portanto, ativida<strong>de</strong> reconhecida pela or<strong>de</strong>m jurídicaàqueles que gozem <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> e não estiverem impedi<strong>do</strong>s pela lei. Preenchi<strong>do</strong>stais requisitos, esta ativida<strong>de</strong> empresarial é reconhecida pela or<strong>de</strong>m jurídica emcaráter elevadíssimo <strong>de</strong> direito e garantia fundamental <strong>do</strong> cidadão.3.4 Ativida<strong>de</strong> empresarial e direitos e garantias fundamentais <strong>do</strong> cidadãoOs direitos e as garantias fundamentais estão dispostos na ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral, nos artigos 5º <strong>ao</strong> 17, e constituem cláusulas pétreas, conforme disposto noinciso IV, § 4º <strong>do</strong> artigo 60.Vi<strong>de</strong>, portanto:Art. 60. A Constituição po<strong>de</strong>rá ser emendada mediante proposta:[...]§ 4º - Não será objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação a proposta <strong>de</strong> emenda ten<strong>de</strong>nte aabolir:[...]IV - os direitos e garantias individuaisTratan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s direitos previstos no art. 5º, verifica-se que estes sãoirrenunciáveis e inalienáveis.E, ainda, prevê o inciso XIII, <strong>do</strong> artigo 5º, da CF/88 que “é livre o exercício <strong>de</strong>qualquer trabalho, oficio ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que alei estabelecer”.Deste mo<strong>do</strong>, o livre exercício da ativida<strong>de</strong> empresarial, que é ativida<strong>de</strong> lícita, jáque possui amparo no or<strong>de</strong>namento jurídico, configura direito e garantia fundamentalconstante na Constituição Fe<strong>de</strong>ral.Mas a ativida<strong>de</strong> empresarial reputa-se livre, contu<strong>do</strong>, no momento em que apessoa natural ou jurídica passa a exercê-la, contrain<strong>do</strong> para si direitos e obrigaçõesque <strong>de</strong>vem ser respeita<strong>do</strong>s.E, no momento em que o empresário assume tais obrigações, <strong>de</strong>ve tambémobservar os direitos e garantias fundamentais <strong>do</strong>s outros sujeitos <strong>de</strong> direito com osquais se relaciona.


81Vale dizer: o exercício da ativida<strong>de</strong> empresarial é direito e garantiafundamental, mas também cabe <strong>ao</strong> empresário observar e respeitar esses mesmosdireitos e garantias fundamentais, não bastan<strong>do</strong> tão-somente conhecê-los ouquantificá-los, mas sim agir <strong>de</strong> forma a não violá-los.Os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Fe<strong>de</strong>ralpossuem efeitos erga omnes, ou seja, oponível contra to<strong>do</strong>s aqueles que vivem noEsta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>, portanto, serem respeita<strong>do</strong>s por to<strong>do</strong>s,inclusive por aquele que exerce ativida<strong>de</strong> empresarial.É inegável consi<strong>de</strong>rar que os empresários estão também vincula<strong>do</strong>s àobservância <strong>do</strong>s direitos e garantias fundamentais previstos na ConstituiçãoRepublicana.Isto, aplica<strong>do</strong> à relação <strong>de</strong> consumo, implica dizer que uma vez que oempresário <strong>de</strong>tenha po<strong>de</strong>r econômico e técnico eleva<strong>do</strong> em relação à outra parte(<strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r), cabe a ele, empresário, portanto, zelar pelos direitos e garantiasfundamentais <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, os quais se encontram tutela<strong>do</strong>s constitucionalmente.3.4.1 Ativida<strong>de</strong> empresarial e direitos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>rAs relações <strong>de</strong> consumo são regidas pela Lei nº 8.078/90 – Código <strong>de</strong> Defesa<strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r. Contu<strong>do</strong>, nem sempre foi assim, pois antes da vigência <strong>de</strong>steCódigo as relações contratuais <strong>de</strong> consumo eram disciplinadas pelas normas <strong>de</strong>direito civil ou comercial comum.O Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r rege o merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo, ten<strong>do</strong> comoobjetivo primordial a proteção <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res, e a partir da sua promulgação asrelações e contratos <strong>de</strong> consumo passaram a ter regime jurídico próprio.A relação <strong>de</strong> consumo será caracterizada sempre que houver em um <strong>do</strong>s pólosfornece<strong>do</strong>r e consumi<strong>do</strong>r, vale dizer: sempre que houver uma relação entre aqueleque exerce ativida<strong>de</strong> econômica e aquele que a recebe, adquirin<strong>do</strong> produto oureceben<strong>do</strong> serviço como <strong>de</strong>stinatário final.Não haven<strong>do</strong> relação entre fornece<strong>do</strong>r e consumi<strong>do</strong>r nos termos acimaexplicita<strong>do</strong>s, a relação jurídica reger-se-á pelas normas contidas no Código Civil.


82Cite-se como exemplo, a compra e venda <strong>de</strong> veículos pela concessionária juntoà fábrica, on<strong>de</strong> a relação não será <strong>de</strong> consumo, pois não houve compra para<strong>de</strong>stinatário final.O Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r enumera diversos aspectos a que estásubmetida à relação <strong>de</strong> consumo, tais como direitos e <strong>de</strong>veres <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r e <strong>do</strong>consumi<strong>do</strong>r; prazos, garantias, cláusulas <strong>do</strong> contrato, etc.Assim, é correto afirmar sem qualquer receio <strong>de</strong> erro que a figura <strong>do</strong>empresário está intimamente ligada à <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r, e, <strong>de</strong>ssa forma, as obrigaçõese direitos elenca<strong>do</strong>s no CDC para os fornece<strong>do</strong>res são aplicáveis <strong>ao</strong>s empresáriosquan<strong>do</strong> exercem relações com consumi<strong>do</strong>res.Portanto, os empresários serão responsabiliza<strong>do</strong>s sempre que <strong>de</strong>srespeitaremos direitos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r previstos na Lei nº 8.078/90, como, por exemplo, pelofornecimento perigoso, <strong>de</strong>feituoso e vicia<strong>do</strong> <strong>de</strong> produtos, conforme está disposto noCDC. Veja-se nesse senti<strong>do</strong> o teor <strong>do</strong> artigo 12, 14 e 18 <strong>do</strong> Código em questão:Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e oimporta<strong>do</strong>r respon<strong>de</strong>m, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da existência <strong>de</strong> culpa, pelareparação <strong>do</strong>s danos causa<strong>do</strong>s <strong>ao</strong>s consumi<strong>do</strong>res por <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong>correntes<strong>de</strong> projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,apresentação ou acondicionamento <strong>de</strong> seus produtos, bem como porinformações insuficientes ou ina<strong>de</strong>quadas sobre sua utilização e riscos.Art. 14. O fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> serviços respon<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente daexistência <strong>de</strong> culpa, pela reparação <strong>do</strong>s danos causa<strong>do</strong>s <strong>ao</strong>s consumi<strong>do</strong>respor <strong>de</strong>feitos relativos à prestação <strong>do</strong>s serviços, bem como por informaçõesinsuficientes ou ina<strong>de</strong>quadas sobre sua fruição e riscos.Art. 18. Os fornece<strong>do</strong>res <strong>de</strong> produtos <strong>de</strong> consumo duráveis ou não duráveisrespon<strong>de</strong>m solidariamente pelos vícios <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> ou quantida<strong>de</strong> que ostornem impróprios ou ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s <strong>ao</strong> consumo a que se <strong>de</strong>stinam ou lhesdiminuam o valor, assim como por aqueles <strong>de</strong>correntes da disparida<strong>de</strong>, comas indicações constantes <strong>do</strong> recipiente, da embalagem, rotulagem oumensagem publicitária, respeitadas as variações <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> suanatureza, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o consumi<strong>do</strong>r exigir a substituição das partes viciadas.Extrai-se da leitura <strong>do</strong>s artigos acima transcritos também o fato <strong>de</strong> que a regra<strong>do</strong> CDC é a da responsabilida<strong>de</strong> objetiva (in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> culpa) <strong>do</strong>fornece<strong>do</strong>r que violar direitos <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res, não haven<strong>do</strong> como se acolher tesena qual o consumi<strong>do</strong>r não será protegi<strong>do</strong> pelo Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, ouque o empresário não po<strong>de</strong>rá ser responsabiliza<strong>do</strong> estan<strong>do</strong> ausente a culpa, emsenti<strong>do</strong> amplo (<strong>do</strong>lo ou culpa em senti<strong>do</strong> estrito), pois a responsabilida<strong>de</strong> prevista no


83Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r é – repita-se - a objetiva, conferin<strong>do</strong>, pois, amplaproteção <strong>ao</strong> sujeito <strong>de</strong> direito a que visa dar guarida.Além disso, há no CDC a previsão <strong>de</strong> responsabilização solidária <strong>de</strong> outrosempresários envolvi<strong>do</strong>s na produção ou circulação <strong>de</strong> produtos ou serviços, aindaque não diretamente liga<strong>do</strong>s à relação última com o consumi<strong>do</strong>r. É o que se<strong>de</strong>preen<strong>de</strong> <strong>do</strong> artigo 13 <strong>do</strong> CDC.Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos <strong>do</strong> artigoanterior, quan<strong>do</strong>:I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importa<strong>do</strong>r não pu<strong>de</strong>rem seri<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s;II - o produto for forneci<strong>do</strong> sem i<strong>de</strong>ntificação clara <strong>do</strong> seu fabricante,produtor, construtor ou importa<strong>do</strong>r;III - não conservar a<strong>de</strong>quadamente os produtos perecíveis. [...]Vários são os princípios que informam a relação entre a ativida<strong>de</strong> empresarial eo consumi<strong>do</strong>r, a gran<strong>de</strong> maioria expressos no CDC. Assim, como principais,verificam-se os seguintes princípios: a irrenunciabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos; o equilíbriocontratual, a transparência; bem como a interpretação favorável <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r.Pelo princípio da irrenunciabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos apresenta-se como correto oentendimento <strong>de</strong> que o consumi<strong>do</strong>r não po<strong>de</strong> renunciar <strong>ao</strong>s seus direitos emnenhuma hipótese, e, haven<strong>do</strong> cláusula contratual neste senti<strong>do</strong>, esta será nula,conforme inteligência <strong>do</strong> inciso I, <strong>do</strong> artigo 51, <strong>do</strong> Código. Neste caso, cite-se, comoexemplo, a cláusula contratual que permite <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r optar (ou não) pelainversão <strong>do</strong> ônus probante a seu favor.Art. 51. São nulas <strong>de</strong> pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuaisrelativas <strong>ao</strong> fornecimento <strong>de</strong> produtos e serviços que:I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>rpor vícios <strong>de</strong> qualquer natureza <strong>do</strong>s produtos e serviços ou impliquemrenúncia ou disposição <strong>de</strong> direitos. Nas relações <strong>de</strong> consumo entre ofornece<strong>do</strong>r e o consumi<strong>do</strong>r pessoa jurídica, a in<strong>de</strong>nização po<strong>de</strong>rá serlimitada, em situações justificáveis. [...]Neste senti<strong>do</strong>, Fábio Ulhôa Coelho (2005; p. 101) leciona que “não temvalida<strong>de</strong> qualquer disposição contratual, mesmo que indubitavelmente assinada peloconsumi<strong>do</strong>r, que importe na limitação ou frustração <strong>do</strong> exercício <strong>de</strong> direitolegalmente reconheci<strong>do</strong>”.Como o próprio nome indica, pelo princípio <strong>do</strong> equilíbrio contratual enten<strong>de</strong>-seque o consumi<strong>do</strong>r, por ser a parte vulnerável da relação, não po<strong>de</strong> ficar em posição


84inferior a <strong>do</strong> empresário. Tal <strong>de</strong>terminação encontra respal<strong>do</strong> nos incisos VII, VIII, X,XI, XII, XIII, também <strong>do</strong> artigo 51 supracita<strong>do</strong>.[...]VII - <strong>de</strong>terminem a utilização compulsória <strong>de</strong> arbitragem;VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negóciojurídico pelo consumi<strong>do</strong>r;X – permitam <strong>ao</strong> fornece<strong>do</strong>r, direta ou indiretamente, variação <strong>do</strong> preço <strong>de</strong>maneira unilateral;XI - autorizem o fornece<strong>do</strong>r a cancelar o contrato unilateralmente, sem queigual direito seja conferi<strong>do</strong> <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r;XII - obriguem o consumi<strong>do</strong>r a ressarcir os custos <strong>de</strong> cobrança <strong>de</strong> su<strong>ao</strong>brigação, sem que igual direito lhe seja conferi<strong>do</strong> contra o fornece<strong>do</strong>r;XIII - autorizem o fornece<strong>do</strong>r a modificar unilateralmente o conteú<strong>do</strong> ou aqualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> contrato, após sua celebração; [...]Por sua vez, o princípio da transparência <strong>de</strong>termina que as relações pactuadasentre empresário e consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong>vem ser feitas <strong>de</strong> maneira clara, com o únicoobjetivo <strong>de</strong> proteger o consumi<strong>do</strong>r, bem como <strong>de</strong> permitir <strong>ao</strong> menos que conheça d<strong>ao</strong>brigação que está contrain<strong>do</strong> naquele momento, conforme a inteligência <strong>do</strong>sdispositivos legais a seguir <strong>de</strong>monstra.Art. 30. Toda informação ou publicida<strong>de</strong>, suficientemente precisa, veiculadapor qualquer forma ou meio <strong>de</strong> comunicação com relação a produtos eserviços ofereci<strong>do</strong>s ou apresenta<strong>do</strong>s, obriga o fornece<strong>do</strong>r que a fizerveicular ou <strong>de</strong>la se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebra<strong>do</strong>.Art. 46. Os contratos que regulam as relações <strong>de</strong> consumo não obrigarão osconsumi<strong>do</strong>res, se não lhes for dada a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar conhecimentoprévio <strong>de</strong> seu conteú<strong>do</strong>, ou se os respectivos instrumentos forem redigi<strong>do</strong>s<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a dificultar a compreensão <strong>de</strong> seu senti<strong>do</strong> e alcance.Art. 54. Contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são é aquele cujas cláusulas tenham si<strong>do</strong>aprovadas pela autorida<strong>de</strong> competente ou estabelecidas unilateralmentepelo fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> produtos ou serviços, sem que o consumi<strong>do</strong>r possadiscutir ou modificar substancialmente seu conteú<strong>do</strong>.[...]§ 3º - Os contratos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são escritos serão redigi<strong>do</strong>s em termos claros ecom caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não seráinferior <strong>ao</strong> corpo <strong>do</strong>ze, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a facilitar sua compreensão peloconsumi<strong>do</strong>r. (Redação dada pela nº 11.785, <strong>de</strong> 2008)§ 4° As cláusulas que implicarem limitação <strong>de</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r<strong>de</strong>verão ser redigidas com <strong>de</strong>staque, permitin<strong>do</strong> sua imediata e fácilcompreensão.Como visto, to<strong>do</strong>s os princípios anteriormente cita<strong>do</strong>s visam proteger oconsumi<strong>do</strong>r, não sen<strong>do</strong> diferente com relação <strong>ao</strong> princípio da interpretação maisfavorável a este, pelo qual haven<strong>do</strong> no contrato diversos entendimentos <strong>de</strong>verá seraplica<strong>do</strong> aquele mais favorável <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r (artigo 47 <strong>do</strong> CDC).


85Analisa<strong>do</strong>s os princípios mais importantes da relação entre ativida<strong>de</strong>empresarial e consumi<strong>do</strong>r, resta mencionar a publicida<strong>de</strong>, advertin<strong>do</strong> quanto a essaque o empresário <strong>de</strong>ve ser cauteloso no momento que veicula sua publicida<strong>de</strong>, poiscaso a faça <strong>de</strong> maneira abusiva, enganosa ou ainda por simulação po<strong>de</strong>rá serresponsabiliza<strong>do</strong> tanto civilmente quanto administrativamente, e, ainda, penalmente.As informações prestadas pelo empresário vinculam e obrigam <strong>ao</strong> cumprimento<strong>do</strong> que foi anuncia<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o consumi<strong>do</strong>r exigir o cumprimento <strong>de</strong> taisinformações. Veja-se, pois:Art. 35. Se o fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> produtos ou serviços recusar cumprimento àoferta, apresentação ou publicida<strong>de</strong>, o consumi<strong>do</strong>r po<strong>de</strong>rá, alternativamentee à sua livre escolha:I - exigir o cumprimento força<strong>do</strong> da obrigação, nos termos da oferta,apresentação ou publicida<strong>de</strong>;II - aceitar outro produto ou prestação <strong>de</strong> serviço equivalente;III - rescindir o contrato, com direito à restituição <strong>de</strong> quantia eventualmenteantecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.Conforme <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r editou diversosdispositivos com o objetivo primordial <strong>de</strong> proteger o consumi<strong>do</strong>r nas relações com osempresários, vinculan<strong>do</strong> suas obrigações com sanções em caso <strong>de</strong><strong>de</strong>scumprimento, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser menciona<strong>do</strong> ainda o fato <strong>de</strong> que o CDC permite a<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da pessoa jurídica para a satisfação <strong>do</strong>s anseios <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.Todavia, a disciplina normativa geral da ativida<strong>de</strong> empresarial <strong>de</strong>correatualmente das disposições <strong>do</strong> Código Civil, que absorveu o Direito <strong>de</strong> Empresa <strong>ao</strong>revogar a Primeira Parte <strong>do</strong> Código Comercial <strong>de</strong> 1850, o que também <strong>de</strong>ve seranalisa<strong>do</strong>, além da relação <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong> com o Direito <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r.3.5 Ativida<strong>de</strong> empresarial e o Código Civil <strong>de</strong> 2002O atual Código Civil <strong>de</strong>dica livro próprio à ativida<strong>de</strong> empresarial, e logo noprimeiro artigo <strong>do</strong> Livro II apresenta o conceito <strong>de</strong> empresário, conforme expostoalhures.Pelo conceito <strong>de</strong> empresário tem-se que este é o responsável pela atuaçãojurídica da empresa ou pela ativida<strong>de</strong> empresarial.


86Contu<strong>do</strong>, no parágrafo único <strong>do</strong> artigo 966 <strong>do</strong> Código Civil, o legisla<strong>do</strong>renten<strong>de</strong>u por bem não consi<strong>de</strong>rar como empresário aquele que exerce “profissãointelectual, <strong>de</strong> natureza cientifica, literária ou artística, ainda com o concurso <strong>de</strong>auxiliares ou colabora<strong>do</strong>res, salvo se o exercício da profissão constituir elemento <strong>de</strong>empresa”.Neste diapasão, observa-se que os profissionais cita<strong>do</strong>s no parágrafo anteriorexercem ativida<strong>de</strong>s econômicas civis, o que significa dizer que estes não têm suaativida<strong>de</strong> regulada pelos princípios <strong>do</strong> direito empresarial, mas sim pelos <strong>do</strong> direitocivil geral, já que tais ativida<strong>de</strong>s, embora tenham como objetivo a obtenção <strong>de</strong> lucro,não são consi<strong>de</strong>radas pelo Código Civil como sen<strong>do</strong> empresárias.O Código Civil dispõe sobre as duas espécies <strong>de</strong> empresário, conforme jámenciona<strong>do</strong> em tópico anterior.Mas o Capítulo III <strong>do</strong> Livro II <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> Código, por sua vez, trata <strong>do</strong>sprepostos <strong>do</strong> empresário, mais precisamente em seus artigos 1.169 a 1.178, figurasmuito importantes na atuação da ativida<strong>de</strong>.Os prepostos são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s funcionários <strong>do</strong> empresário, e to<strong>do</strong>s os atosrealiza<strong>do</strong>s por aqueles obrigam o empresário preponente. Todavia, os prepostosrespon<strong>de</strong>rão quan<strong>do</strong> agirem com culpa, bem como pelos atos pratica<strong>do</strong>s comterceiro.Os atos pratica<strong>do</strong>s pelos gerentes po<strong>de</strong>m ser limita<strong>do</strong>s pelo empresáriopreponente, e com relação <strong>ao</strong>s contabilistas estes são responsáveis pelos livroscontábeis da empresa.Assim, po<strong>de</strong>-se concluir que o Código Civil <strong>de</strong>dicou livro próprio para regular asativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s empresários, por ser esta <strong>de</strong> suma importância para a o crescimentoe <strong>de</strong>senvolvimento da economia, sem, contu<strong>do</strong>, esquecer-se o postula<strong>do</strong>fundamental que orientou a elaboração <strong>do</strong> Código Civil vigente, bem como orientasua interpretação e aplicação, que é a função social.


873.5.1 Empresário e função socialVários são os princípios que norteiam a ativida<strong>de</strong> empresarial, e nesse senti<strong>do</strong>é importante citar a função social, a qual tem ligação íntima com a or<strong>de</strong>meconômica, prevista no artigo 170, III da Constituição Fe<strong>de</strong>ral 26 .Pela norma mencionada acima, tem-se que <strong>ao</strong> empresário cabe não apenasobter lucro, mas também satisfazer as necessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s cidadãos, ou seja, prover oconsumi<strong>do</strong>r, além <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s, também <strong>de</strong> informações básicas como,preço, qualida<strong>de</strong>, riscos, indicação <strong>de</strong> uso etc, respeitan<strong>do</strong> assim a função social <strong>de</strong>sua proprieda<strong>de</strong>, isto é, da ativida<strong>de</strong> por ele <strong>de</strong>senvolvida.A ativida<strong>de</strong> <strong>do</strong> empresário é <strong>de</strong> suma importância na órbita econômica <strong>do</strong> País,e agin<strong>do</strong> em obediência <strong>ao</strong> princípio da função social estará contribuin<strong>do</strong> para o<strong>de</strong>senvolvimento e preservação da relação entre fornece<strong>do</strong>r e consumi<strong>do</strong>r.A<strong>de</strong>mais, não cumprin<strong>do</strong> o empresário a função social <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> a estepo<strong>de</strong>rá reputar-se a pecha <strong>de</strong> ser apenas aquele que compra mais barato e ven<strong>de</strong>mais caro com o propósito único <strong>de</strong> alcançar a maior percepção <strong>de</strong> lucro, nãoassumin<strong>do</strong> qualquer responsabilida<strong>de</strong> social.E, além da função social, é claro que o empresário também está adstrito, assimcomo qualquer outro cidadão, a respeito da outra diretriz informativa <strong>do</strong> Código Civil,à boa-fé objetiva.3.5.2 Empresário e boa-fé objetivaEstabelece o artigo 422 <strong>do</strong> Código Civil que “os contratantes são obriga<strong>do</strong>s aguardar, assim na conclusão <strong>do</strong> contrato, como em sua execução, os princípios <strong>de</strong>probida<strong>de</strong> e boa-fé”, ou seja, a lei expressamente optou por <strong>de</strong>terminar que to<strong>do</strong>s osatos realiza<strong>do</strong>s pelos empresários <strong>de</strong>vam observar, obrigatoriamente, o princípio daboa-fé.26 Art. 170. A or<strong>de</strong>m econômica, fundada na valorização <strong>do</strong> trabalho humano e na livre iniciativa, tempor fim assegurar a to<strong>do</strong>s existência digna, conforme os ditames da justiça social, observa<strong>do</strong>s osseguintes princípios:(...)III - função social da proprieda<strong>de</strong>. (...)


88Apesar da gran<strong>de</strong> importância <strong>de</strong>ste princípio nas relações jurídicas, não sepo<strong>de</strong> afirmar que todas as normas <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico pátrio são oriundas<strong>de</strong>ste. Contu<strong>do</strong>, é certo afirmar que este é um <strong>do</strong>s princípios mais relevantes naórbita jurídica.Por sua vez, a <strong>do</strong>utrina compreen<strong>de</strong> <strong>do</strong>is mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> boa-fé: a boa-fé objetivae a boa-fé subjetiva. Neste senti<strong>do</strong> Judith Martins-Costa assevera que:A boa-fé guarda em si uma antiga e (hoje) notória distinção entre achamada boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva. Aquela, consi<strong>de</strong>rada como aconcepção na qual o sujeito ignora o caráter ilícito <strong>de</strong> seu ato, esta, umpouco mais exigente, consi<strong>de</strong>ra-se como a que não protege o sujeito queopera em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> um erro ou <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> ignorância o seucomportamento não é o mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> conforme a diligência socialmenteexigível. (2000; p. 16).A boa-fé subjetiva refere-se a elementos psicológicos, enquanto a boa-féobjetiva refere-se às normas <strong>de</strong> conduta.A boa-fé existe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos romanos e gradativamente seu conceito foievoluin<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> reconheci<strong>do</strong> como princípio constitucional pelo legisla<strong>do</strong>r <strong>de</strong> 1988,ten<strong>do</strong> aplicação em to<strong>do</strong>s os ramos no or<strong>de</strong>namento jurídico, seja <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> avalorizar a palavra empenhada, seja <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> honrar o contrato estabeleci<strong>do</strong>.Cabe, portanto, a to<strong>do</strong>s os empresários no momento <strong>de</strong> firmarem seuscontratos, veicularem sua publicida<strong>de</strong>, apresentarem suas propostas, exerceremsuas ativida<strong>de</strong>s, enfim, agirem <strong>de</strong> forma ética, íntegra e moral, em obediência <strong>ao</strong>sditames <strong>do</strong> princípio em questão.Desta feita, está claro que o empresário não po<strong>de</strong> abster-se <strong>de</strong> observar oprincípio da boa-fé, seja nas relações com outros empresários, seja, principalmente,nas relações com os consumi<strong>do</strong>res da<strong>do</strong> serem estes a parte vulnerável da relação<strong>de</strong> consumo.E, portanto, quan<strong>do</strong> o empresário faltar com o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> boa-fé, incidin<strong>do</strong>, porexemplo, em práticas comerciais abusivas, <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> sua ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> ainfligir tormento e dano moral <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r, a ele <strong>de</strong>verá ser imposto não apenas o<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparação, mas obviamente também uma reprimenda, uma sanção, um<strong>de</strong>sestímulo à reincidência.A prática <strong>de</strong> ato ilícito <strong>de</strong> natureza civil, a ser apurada conforme regras daresponsabilida<strong>de</strong> subjetiva ou objetiva, não acarreta a imposição <strong>de</strong> pena <strong>de</strong>


89natureza penal, isto é, privação da liberda<strong>de</strong> ou multa, exceto no caso <strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r <strong>de</strong>prestação alimentícia.Aliás, é salutar que seja <strong>de</strong>ssa forma, pois a supressão da liberda<strong>de</strong>, um <strong>do</strong>sbens jurídicos mais caros <strong>ao</strong> homem, perfaz uma medida extrema e, por que nãodizer, <strong>de</strong>sumana, não sen<strong>do</strong> absur<strong>do</strong> afirmar que o direito evoluirá para encontraralternativas a ela, suprimin<strong>do</strong>-a <strong>de</strong> vez <strong>do</strong>s or<strong>de</strong>namentos.Desta forma, não haven<strong>do</strong> pena <strong>de</strong> prisão para aquele que pratica ilícito <strong>de</strong>natureza civil, verifica-se que em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> empresário <strong>ao</strong><strong>pagamento</strong> <strong>de</strong> dano moral <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r, ante o <strong>de</strong>srespeito à legislação peloprimeiro em relação <strong>ao</strong> segun<strong>do</strong>, <strong>de</strong>verá a fixação <strong>do</strong> valor da reparação serarbitra<strong>do</strong> observan<strong>do</strong>-se muito mais o aspecto da punição <strong>do</strong> agente causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong>dano (o empresário) que a reparação <strong>ao</strong> consumi<strong>do</strong>r.Tal medida configuraria efetivamente um <strong>de</strong>sestímulo à reincidência na prática<strong>do</strong> ato causa<strong>do</strong>r <strong>de</strong> dano, protegen<strong>do</strong> realmente o consumi<strong>do</strong>r e impon<strong>do</strong>-se <strong>ao</strong>bservância <strong>ao</strong> princípio da boa-fé.


90CAPÍTULO IV: DANO MORAL AO CONSUMIDOR PELOEMPRESÁRIO4.1 Visão <strong>do</strong>utrinária e aspectos jurispru<strong>de</strong>nciaisPrevê o artigo 927 <strong>do</strong> Código Civil que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e187), causar dano a outrem, fica obriga<strong>do</strong> a repará-lo”.Por sua vez, o artigo 931 <strong>do</strong> Código Civil <strong>de</strong> 2002 prevê expressamente aresponsabilida<strong>de</strong> objetiva <strong>do</strong>s empresários individuais e das empresas pelos danoscausa<strong>do</strong>s pelos produtos postos em circulação.Não seria diferente daquilo que se encontra previsto no Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong>Consumi<strong>do</strong>r, já que a figura <strong>do</strong> empresário tem relação íntima com a <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r.Assim, o empresário, <strong>ao</strong> exercer suas ativida<strong>de</strong>s, está sujeito às normas contidas noCódigo <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r. 27A <strong>do</strong>utrina leciona que somente os danos materiais <strong>de</strong>vem ser efetivamentecomprova<strong>do</strong>s, e que os danos morais, em virtu<strong>de</strong> da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer suaprova, <strong>de</strong>vam ser presumi<strong>do</strong>s.Todavia, tal entendimento foi mitiga<strong>do</strong> <strong>ao</strong> longo <strong>do</strong>s anos diante <strong>do</strong>s abusosque se observaram na análise <strong>do</strong>s casos concretos, quan<strong>do</strong> a suposta vítima <strong>de</strong>dano moral, acreditan<strong>do</strong>-se amparada pelo or<strong>de</strong>namento jurídico para requerer areparação por qualquer dissabor sofri<strong>do</strong> em seu cotidiano, ajuizava ações abusivase arbitrárias absolutamente <strong>de</strong>stituídas <strong>de</strong> fundamento passível <strong>de</strong> configurar o<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparação.Assim, para que não haja excesso, a reparação somente <strong>de</strong>verá ser <strong>de</strong>feridase houver <strong>do</strong>r, humilhação, vexame <strong>de</strong> maneira a interferir no íntimo <strong>do</strong> individuo,visto que to<strong>do</strong>s os indivíduos estão sujeitos <strong>ao</strong>s aborrecimentos <strong>do</strong> cotidiano, nãosen<strong>do</strong> estes consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s perpétuos.Para corroborar o entendimento retro apresenta<strong>do</strong>, a jurisprudência pátriainforma, conforme se vê <strong>do</strong> trecho <strong>do</strong> acórdão da Apelação Cível nº 0002353-27 Vi<strong>de</strong> item 3.4.1


9177.2009.8.26.0396 da 6ª Câmara <strong>de</strong> Direito Priva<strong>do</strong> <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> SãoPaulo <strong>de</strong> 24/03/2011, o seguinte:Responsabilida<strong>de</strong> Civil – In<strong>de</strong>nização por dano moral - Dano moral nãocaracteriza<strong>do</strong> - Aborrecimentos que fogem à figura <strong>do</strong> dano moral, postoque há dissabores recíprocos - Sentença mantida - Recurso improvi<strong>do</strong>. (...)Não há responsabilização civil sem a <strong>de</strong>vida comprovação <strong>do</strong> nexo causalentre a conduta ilícita e o dano sofri<strong>do</strong>. Para que se possibilite ain<strong>de</strong>nização por dano moral, é necessário que ocorram os pressupostos daresponsabilida<strong>de</strong> civil. Assim é que o dano moral in<strong>de</strong>nizável exige provainequívoca da relação <strong>de</strong> causa e efeito entre a conduta e o resulta<strong>do</strong>, alémda conjugação <strong>de</strong> fatores (dano, ilicitu<strong>de</strong> e nexo causal). Nem se alegue quea prova testemunhal, colhida em audiência, tenha o condão <strong>de</strong> autorizar apretensão in<strong>de</strong>nizatória, caben<strong>do</strong> assinalar que as testemunhas arroladaspelas partes e ouvida em Juízo nada acrescentaram <strong>ao</strong>s autos, se limitan<strong>do</strong>a confirmar a versão dada por cada parte (fls. 82/85, 86/88 e 89/90). Amatéria foi corretamente avaliada. Os fatos narra<strong>do</strong>s não configuram a <strong>do</strong>rmoral suficiente para embasar con<strong>de</strong>nação a título <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização,tratan<strong>do</strong>-se antes <strong>de</strong> meros dissabores da vida mo<strong>de</strong>rna. No caso concreto,a sentença bem assinalou as versões conflitantes e opostas das partes,com ofensas recíprocas, além <strong>do</strong> que os ora apelantes, não se<strong>de</strong>sincumbiram <strong>do</strong> ônus <strong>do</strong> provar o intenso sofrimento ou eventual abalosofri<strong>do</strong> em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> ocorri<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> certo que remanesceu o débito, nãosalda<strong>do</strong> e que objeto <strong>de</strong> ação própria (certidão <strong>de</strong> fls. 48). Desse mo<strong>do</strong>, taisaborrecimentos fogem à figura <strong>do</strong> dano moral. Nesse senti<strong>do</strong> é oensinamento <strong>do</strong>utrinário <strong>do</strong> Desembarga<strong>do</strong>r José Osório <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> Júniorque, em sua obra: "Dano Moral e Sua Avaliação", publicada na Revista <strong>do</strong>sAdvoga<strong>do</strong>s n° 49, <strong>de</strong>z. <strong>de</strong> 96, AASP, pág. 11, on<strong>de</strong> afirma: Apelação Cíveln° 002353.77.2009.8.26.0396 "Convém lembrar que não é qualquer danomoral que é in<strong>de</strong>nizável. Os aborrecimentos, percalços, pequenas ofensas,não geram o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar. O nobre instituto não tem por objetivoamparar as suscetibilida<strong>de</strong>s exageradas e prestigiar os chatos".Continua o relator da apelação cível, Desembarga<strong>do</strong>r José Percival AlbanoNogueira Júnior cita<strong>do</strong> por Sérgio Cavalieri Filho (2004;98):Só <strong>de</strong>ve ser reputa<strong>do</strong> como dano moral a <strong>do</strong>r, vexame, sofrimento ouhumilhação que, fugin<strong>do</strong> à normalida<strong>de</strong>, interfira intensamente nocomportamento psicológico <strong>do</strong> indivíduo, causan<strong>do</strong>-lhe aflições, angústia e<strong>de</strong>sequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimentos, mágoa,irritação ou sensibilida<strong>de</strong> exacerbada estão fora da órbita <strong>do</strong> dano moral,porquanto, além <strong>de</strong> fazerem parte da normalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> nosso dia-a-dia, notrabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, taissituações não são intensas e dura<strong>do</strong>uras, a ponto <strong>de</strong> romper o equilíbriopsicológico <strong>do</strong> indivíduo. Se assim não se enten<strong>de</strong>r, acabaremos porbanalizar o dano moral, ensejan<strong>do</strong> ações judiciais em busca <strong>de</strong>in<strong>de</strong>nizações pelos mais triviais aborrecimentos.O Desembarga<strong>do</strong>r supra menciona<strong>do</strong> encerra seu voto citan<strong>do</strong> outros julga<strong>do</strong>ssobre a matéria. Veja-se:


92Os aborrecimentos e contrarieda<strong>de</strong>s fazem parte <strong>do</strong> cotidiano. A vida écomposta por prazeres e <strong>de</strong>sprazeres. (...). E, nem por isso, se pensará em,a cada um <strong>de</strong>sses pequenos aborrecimentos, movimentar a máquinajudiciária para obtenção <strong>de</strong> ressarcimento. In<strong>de</strong>nizável é o dano moral sério,aquele capaz <strong>de</strong>, em uma pessoa normal, o assim <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> 'homemmédio', provocar uma perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilida<strong>de</strong>,nos sentimentos e nos afetos". (TJSP, ApCív n° 101.697-4/0-00, rei. Des.Elliot Akel);Danos Morais. Ofensa moral. Ausência <strong>de</strong> comprovação efetiva sobre aevolução <strong>do</strong>s <strong>de</strong>sentendimentos. Impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se verificar, comsegurança, qual a dinâmica <strong>do</strong>s fatos narra<strong>do</strong>s, apta a atribuir a prática <strong>de</strong>ato ilícito pelo requeri<strong>do</strong>. In<strong>de</strong>nização in<strong>de</strong>vida. Inversão <strong>do</strong>s ônus dasucumbência. Recurso provi<strong>do</strong>'". (ApCív n° 609.496-4/7, Comarca <strong>de</strong> SãoPaulo, rei. Des. Maia da Cunha).Não seria diferente com o posicionamento da jurisprudência mineira. Veja-senesse senti<strong>do</strong> trecho <strong>do</strong> acórdão referente à Apelação Cível nº 4649931-87.2008.8.13.0145 – Relator Des. Eduar<strong>do</strong> Mariné da Cunha, publica<strong>do</strong> em11/02/2011.Apelação - Ação <strong>de</strong> reparação <strong>de</strong> danos morais e materiais - Produção ecomercialização <strong>de</strong> produto vicia<strong>do</strong> - Frango congela<strong>do</strong> com adição <strong>de</strong> água(gelo) - Consumi<strong>do</strong>r - Danos Materiais - Devolução <strong>do</strong> preço pago peloproduto - Danos Morais – Não -Configuração - Recurso provi<strong>do</strong> em parte.Restan<strong>do</strong> <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> que o produto adquiri<strong>do</strong> pelo autor apresentou vício,<strong>de</strong>corrente, <strong>ao</strong> que tu<strong>do</strong> indica, da prática fraudulenta e odiosa - mas,infelizmente, cada vez mais comum na atualida<strong>de</strong> - <strong>de</strong> se adicionar água(ou gelo) no interior das aves comercializadas congeladas, no intuito <strong>de</strong>ludibriar o consumi<strong>do</strong>r e auferir maior lucro, faz ele jus a in<strong>de</strong>nização pordanos materiais, em valor equivalente <strong>ao</strong> preço <strong>do</strong> produto adquiri<strong>do</strong> e,posteriormente, <strong>de</strong>volvi<strong>do</strong> no supermerca<strong>do</strong>-requeri<strong>do</strong> (R$5,83, cf.<strong>do</strong>cumento <strong>de</strong> f. 11). Para que se con<strong>de</strong>ne alguém <strong>ao</strong> <strong>pagamento</strong> <strong>de</strong>in<strong>de</strong>nização por dano moral, é preciso que se configurem os pressupostosou requisitos da responsabilida<strong>de</strong> civil, que são o dano, a culpa <strong>do</strong> agente,em caso <strong>de</strong> responsabilização subjetiva, e o nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre aatuação <strong>de</strong>ste e o prejuízo. No presente caso, ainda que a conduta <strong>do</strong>fornece<strong>do</strong>r seja reprovável <strong>ao</strong> extremo, o simples fato <strong>de</strong> autor ter sesenti<strong>do</strong> lesa<strong>do</strong> ou engana<strong>do</strong>, fican<strong>do</strong> "chatea<strong>do</strong> e um pouco nervoso com oaconteci<strong>do</strong>", conforme atestou a prova testemunhal (f. 71), não é suficientepara afetar direitos <strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong>, constituin<strong>do</strong> meros transtornos ouaborrecimentos a que to<strong>do</strong>s nós estamos sujeitos e que não se confun<strong>de</strong>mou se equiparam <strong>ao</strong>s danos morais. Na espécie, a frustração <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>rnão é capaz <strong>de</strong> produzir, a nosso aviso, sentimento <strong>de</strong> <strong>do</strong>r ou tristezaprofunda, com ofensa à honra e ou à dignida<strong>de</strong>, não sen<strong>do</strong> passível,portanto, <strong>de</strong> compensação moral. Disponível emwww.tjmg.jus.br/jurispru<strong>de</strong>ncia. Acesso em 25/02/2011.Assim é que já está pacifica<strong>do</strong> tanto na <strong>do</strong>utrina quanto na jurisprudência oentendimento <strong>de</strong> que o dano moral <strong>de</strong>va ser presumi<strong>do</strong>, prescindin<strong>do</strong>, portanto, <strong>de</strong>prova, não obstante haja também o entendimento <strong>de</strong> que o juiz <strong>de</strong>va, <strong>ao</strong> analisar ocaso concreto, ater-se <strong>ao</strong>s fatos que <strong>de</strong>monstrem ter ocorri<strong>do</strong> uma ofensa real <strong>ao</strong>foro íntimo da vítima, isto é, se houve realmente <strong>do</strong>r, humilhação, para que se coíba


93o aforamento <strong>de</strong> ações judiciais <strong>de</strong>stituídas <strong>de</strong> base fática que dê ensejo àreparação por danos morais.Salutar tal posicionamento, eis que visa evitar o surgimento e propagaçãodaquilo a que se <strong>de</strong>nominou a “indústria <strong>do</strong> dano moral”, que vem a ser a utilização<strong>de</strong>ste instituto jurídico como forma <strong>de</strong> enriquecimento e obtenção <strong>de</strong> vantagempecuniária in<strong>de</strong>vida e arbitrária.Mas, embora tal posicionamento esteja pacifica<strong>do</strong>, o fundamento das<strong>de</strong>cisões e valor das con<strong>de</strong>nações fixadas a título <strong>de</strong> danos morais ainda perfaz umaseara espinhosa tanto na <strong>do</strong>utrina quanto na jurisprudência, ante a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>encontrar uma fundamentação satisfatória para a configuração <strong>do</strong> dano moral, ou àsvezes para a sua <strong>de</strong>sconfiguração, bem como ante a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se encontrar afundamentação satisfatória para a fixação valor da con<strong>de</strong>nação, até mesmo emvirtu<strong>de</strong> da ausência <strong>de</strong> critério objetivo traça<strong>do</strong> na lei para isso.4.2 Fundamentos das <strong>de</strong>cisões e valor das con<strong>de</strong>naçõesNo <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>monstrou-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se responsabilizaro empresário pelos danos causa<strong>do</strong>s contra consumi<strong>do</strong>res.As normas cíveis tratam <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar o dano moral sofri<strong>do</strong>, caben<strong>do</strong> <strong>ao</strong>juiz o julgamento <strong>de</strong>stas questões, bem como sobre o arbitramento <strong>do</strong> quantumin<strong>de</strong>nizatório.Contu<strong>do</strong>, antes <strong>do</strong> arbitramento o juiz <strong>de</strong>ve estudar o caso, observar os fatosrelata<strong>do</strong>s, bem como as provas.Os elementos para a configuração <strong>do</strong> dano <strong>de</strong>vem estar presentes, a conduta<strong>do</strong> sujeito <strong>de</strong>ve ser suficiente para atingir, ferir o ego, causar ofensa à honra.Ao juiz cabe fazer um juízo <strong>de</strong> valor, e <strong>ao</strong> sentenciar apontar a existência <strong>do</strong>dano efetivamente comprova<strong>do</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a não onerar a vida econômica daqueleque está sofren<strong>do</strong> a sanção.O dano moral é bastante subjetivo, e em razão disso o juiz se <strong>de</strong>para commomentos difíceis para proferir <strong>de</strong>cisão, já que um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> comportamentopo<strong>de</strong> ser interpreta<strong>do</strong> <strong>de</strong> várias formas. O que para uns compreen<strong>de</strong> dano à honra,


94para outros são meros aborrecimentos <strong>do</strong> cotidiano e que não têm o condão <strong>de</strong>gerar o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar.Sobre o tema, Cristiano <strong>de</strong> Almeida <strong>do</strong> Valle cita<strong>do</strong> por Wilson Melo da Silvaaduz que:O arbítrio <strong>do</strong> Juiz na reparação <strong>do</strong>s danos morais não é maior <strong>do</strong> que oarbítrio <strong>do</strong> mesmo Juiz <strong>ao</strong> estabelecer o valor <strong>do</strong>s prejuízos incertos, comosói acontecer nos casos <strong>de</strong> abalo <strong>de</strong> crédito. 91994; p. 67)Continua dizen<strong>do</strong> que:O po<strong>de</strong>r discricionário <strong>do</strong> Juiz é uma necessida<strong>de</strong> inelutável, que <strong>de</strong>corre danecessida<strong>de</strong> da incessante mobilida<strong>de</strong> da vida social, cujas contingênciasnão quadram fatal e inevitavelmente com as previsões legislativas. Se oreconhecimento <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>r fosse um mal, seria pois, um mal necessário.A única forma <strong>de</strong> reparação pelo dano moral é o <strong>pagamento</strong> em pecúnia<strong>de</strong>vidamente arbitra<strong>do</strong> pelo juiz <strong>de</strong> forma a reduzir o sofrimento suporta<strong>do</strong>.Neste senti<strong>do</strong>, valioso mencionar trecho <strong>do</strong> voto <strong>do</strong> Des. José Affonso da CostaCôrtes <strong>ao</strong> julgar a apelação cível nº: 9370399-35.2008.8.13.0024, publica<strong>do</strong> em05/10/2010.Tenho o entendimento <strong>de</strong> que a in<strong>de</strong>nização por danos morais tem porfinalida<strong>de</strong> a recomposição extrapatrimonial, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> mitigar o<strong>de</strong>sconforto psicológico, a <strong>do</strong>r, a tristeza, "porque o patrimônio moral<strong>de</strong>corre <strong>do</strong>s bens da alma e os danos que <strong>de</strong>le se originam seriamsingelamente, danos da alma para usar a expressão <strong>do</strong> Evangelista SãoMateus, lembra<strong>do</strong> por Fischer e reproduzida por Aguiar Dias". O mesmoAguiar Dias (Responsabilida<strong>de</strong> Civil, 8ª edição, p. 852) relembran<strong>do</strong> Minozziem sua obra Studio sul Danno no Patrimoniale (Estu<strong>do</strong> sobre o dano nãoPatrimonial) afirma que: "não é o dinheiro, nem coisa comercialmentereduzida a dinheiro, mas a <strong>do</strong>r, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúriafísica ou moral, em geral uma <strong>do</strong>lorosa sensação experimentada pelapessoa, atribuída à palavra <strong>do</strong>r o mais largo significa<strong>do</strong>". Disponível em: Acesso em: 25/02/2011.Os danos morais são somente aqueles que não afetam o patrimônioeconômico, mas não se po<strong>de</strong> esquecer que os danos morais afetam diretamente apsiquê das pessoas po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, inclusive, causar danos irreparáveis.Portanto, para o arbitramento <strong>do</strong> dano moral <strong>de</strong>ve se consi<strong>de</strong>rar algunscritérios, que são os seguintes: a satisfação em pecúnia não po<strong>de</strong> causarenriquecimento ilícito; as circunstâncias fáticas <strong>de</strong>vem ser analisadas; há que secomprovarem efetivamente os danos alega<strong>do</strong>s; é necessário levar em contar a


95posição social <strong>do</strong> ofensor; cumpre sopesar a intensida<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ofen<strong>de</strong>r; porfim, <strong>de</strong>ve-se também levar em conta a gravida<strong>de</strong> da ofensa.Comprovada a existência <strong>do</strong> dano, passa-se a pensar no quantum a serarbitra<strong>do</strong> como forma <strong>de</strong> reduzir o mal suporta<strong>do</strong>. Neste senti<strong>do</strong>, João RobertoParizatto:O Juiz <strong>de</strong>ve se atentar especialmente para as particularida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> caso subjudice, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a se fixar um valor que possa amenizar a situação vexatóriaexperimentada pela vítima. Com os <strong>do</strong>cumentos acosta<strong>do</strong>s pelas partes e<strong>de</strong> testemunhas, estará o Juiz habilita<strong>do</strong> a fixar uma quantia a título <strong>de</strong>ressarcimento pelo dano moral que possa satisfazer a <strong>do</strong>r sentida pelavítima, servin<strong>do</strong>, ainda, <strong>de</strong> meio <strong>de</strong> se dissuadir, <strong>de</strong> igual e novo atenta<strong>do</strong> <strong>ao</strong>fensa <strong>do</strong> autor. (2001; p. 183).É também o entendimento da jurisprudência. Veja-se nesse senti<strong>do</strong> trecho <strong>do</strong>acórdão <strong>do</strong> Des. Relator Elias Camilo no julgamento da apelação cível nº 2257840-03.2007.8.13.0313, publica<strong>do</strong> em 18.03.2011.É que, <strong>de</strong> fato, os contratempos ordinariamente causa<strong>do</strong>s pelo envio <strong>de</strong>cobrança <strong>ao</strong> autor em função <strong>de</strong> conta <strong>de</strong> energia sequer instalada pela réem sua residência, a meu ver, não torna por si só, presumível o dano moral,porquanto, nesse caso, não se vislumbra qualquer violação à honra e àreputação, ou mesmo sofrimento e <strong>do</strong>r <strong>de</strong> tal monta que justifique oreconhecimento <strong>de</strong> dano moral passível <strong>de</strong> reparação.Isso porque, o dano moral é a lesão a um interesse não patrimonial, seja em<strong>de</strong>corrência da ofensa a um bem jurídico extrapatrimonial (dano moraldireto), ou em função <strong>de</strong> uma afronta a um bem jurídico patrimonial (danomoral indireto).A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> dano moral para Savatier é <strong>de</strong> "qualquer sofrimento humanoque não é causa<strong>do</strong> por uma perda pecuniária e abrange to<strong>do</strong> atenta<strong>do</strong> àreputação da vítima, à sua autorida<strong>de</strong> legítima, <strong>ao</strong> seu pu<strong>do</strong>r, à suasegurança e tranqüilida<strong>de</strong>, <strong>ao</strong> seu amor-próprio estético. À integrida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sua inteligência, as suas afeições, etc" (in, Traité <strong>de</strong> la responsabilité civile,Vol. II, n. 525 ).Assim, tal dano evi<strong>de</strong>ncia-se na <strong>do</strong>r, sofrimento, no abalo psicológico, noconstrangimento ou na indignação por uma ofensa sofrida, não restan<strong>do</strong>caracteriza<strong>do</strong> pelo simples aborrecimento, dissabor, frustração ou <strong>de</strong>sgasteemocional <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> excessiva sensibilida<strong>de</strong> ou irritabilida<strong>de</strong>.Por isso, o dano moral apenas prescin<strong>de</strong> <strong>de</strong> comprovação nos casos emque <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> atos ou fatos potencialmente danosos, como a morte <strong>de</strong> umfilho, acusações caluniosas, uma injúria, o protesto in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> <strong>de</strong> título ou ain<strong>de</strong>vida inscrição em cadastros <strong>de</strong> inadimplentes.Assim, a avaliação <strong>do</strong> dano moral não <strong>de</strong>ve se seguir uma simples soma,<strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser fixa<strong>do</strong> por critérios justos, <strong>de</strong> forma a não tornar a in<strong>de</strong>nizaçãoinsignificante a ponto <strong>de</strong> não minorar o sofrimento, nem tampouco muito altageran<strong>do</strong> enriquecimento ilícito e colocan<strong>do</strong> o ofensor em situação <strong>de</strong> extremapobreza.


96É esta, pois, a equação que <strong>de</strong>ve ser levada em conta <strong>ao</strong> se arbitrar o valor <strong>do</strong>dano moral, conforme já explicita<strong>do</strong> alhures.E é realmente esse critério que <strong>de</strong>ve prevalecer no foro íntimo <strong>do</strong> juiz, <strong>ao</strong>formar o seu convencimento. Todavia, o que se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> é, respeitan<strong>do</strong> a fórmulaconstruída na <strong>do</strong>utrina e na jurisprudência, o recru<strong>de</strong>scimento <strong>do</strong> aspecto punitivo dareparação por danos morais, mitigan<strong>do</strong>-se a atenção quanto <strong>ao</strong> aspecto reparatório,pois o que se verifica atualmente nas <strong>de</strong>cisões, seja da Justiça Comum, seja <strong>do</strong>sJuiza<strong>do</strong>s Especiais, é o <strong>de</strong>sprestígio <strong>do</strong> instituto, o que po<strong>de</strong> levar inclusive <strong>ao</strong> seuesvaziamento.


97CONCLUSÃOConforme <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> <strong>ao</strong> longo <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>, o instituto da responsabilida<strong>de</strong>civil era perceptível <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios da civilização, sen<strong>do</strong> lapidada <strong>ao</strong> longo <strong>do</strong>tempo.Com o advento da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong>Consumi<strong>do</strong>r, bem como da atual legislação civil, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar daquele quecausa dano a outrem restou sedimentada, não haven<strong>do</strong> que se questionar o <strong>de</strong>ver<strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar por dano moral.No âmbito da reparação, a dificulda<strong>de</strong> se mostra no momento em que é feita aquantificação <strong>do</strong> dano moral suporta<strong>do</strong>, isto porque por ser este imaterial,envolven<strong>do</strong> o íntimo <strong>do</strong> indivíduo, a única forma <strong>de</strong> tentar reduzir o mal sofri<strong>do</strong> épelo percebimento <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização pecuniária.Antes <strong>de</strong> se fixar o quantum in<strong>de</strong>nizatório <strong>de</strong>ve-se ter em mente não só arazoabilida<strong>de</strong> e a proporcionalida<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong>ve ser realiza<strong>do</strong> pelos julga<strong>do</strong>res juízo<strong>de</strong> valor, análise <strong>do</strong>s fatos apresenta<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que a in<strong>de</strong>nização seja fixada porcritérios justos, sem <strong>de</strong>scaracterizar o objetivo <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a nãocausar o enriquecimento ilícito, mas também <strong>de</strong> forma a não permitir que esta sejaarbitrada com valores ínfimos incapazes <strong>de</strong> minorar o sofrimento, ou, pior, não<strong>de</strong>sestimular a prática nociva, causa<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> danos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m moral.Cabe <strong>ao</strong> juiz <strong>ao</strong> formar seu convencimento, levar em consi<strong>de</strong>ração os da<strong>do</strong>sacima menciona<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a seguir os ditames previstos na legislação vigente,bem como os conceitos construí<strong>do</strong>s pela <strong>do</strong>utrina e pela jurisprudência, já que o fimespecífico da responsabilida<strong>de</strong> civil não é apenas o caráter reparatório, mas tambémo efeito punitivo <strong>do</strong> agente causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano, que, repita-se, somente é possívelatravés <strong>de</strong> recebimento <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização pecuniária, a qual, portanto, sen<strong>do</strong> fixada <strong>de</strong>forma muito singela, não <strong>de</strong>sestimula o ofensor.Além <strong>do</strong>s aspectos <strong>do</strong>utrinários acerca da questão, também foram analisa<strong>do</strong>s<strong>ao</strong> longo <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> diversos julga<strong>do</strong>s, visan<strong>do</strong> com isso apresentar uma visão sobrea aplicação <strong>do</strong> direito <strong>ao</strong>s casos concretos que envolvam consumi<strong>do</strong>r, empresáriofornece<strong>do</strong>r,e dano moral <strong>de</strong>corrente da relação <strong>de</strong> consumo, on<strong>de</strong> foi possívelconcluir que os julga<strong>do</strong>s têm possibilita<strong>do</strong> o vilipêndio <strong>do</strong> instituto <strong>do</strong> dano moral, namedida em que não o trata com o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>.


98A responsabilida<strong>de</strong> civil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu surgimento apresenta <strong>do</strong>is objetivos, quaissejam: o <strong>de</strong> reparar, <strong>de</strong> reduzir o abalo suporta<strong>do</strong> pela vítima, com o recebimento <strong>de</strong>in<strong>de</strong>nização em pecúnia; e o <strong>de</strong> punir o agente causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano, como forma <strong>de</strong>inibir novos comportamentos ilícitos, o que na atualida<strong>de</strong> não vem sen<strong>do</strong> observa<strong>do</strong>.Assim, pelo que se expôs, verifica-se que há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reforçar, nasrelações <strong>de</strong> consumo, o caráter punitivo, sen<strong>do</strong> necessário, inclusive, haver umaanálise mais criteriosa no momento <strong>de</strong> se fixar o quantum in<strong>de</strong>nizatório,notadamente no que diz respeito à majoração <strong>do</strong>s valores fixa<strong>do</strong>s a título <strong>de</strong>reparação.


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