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Conflito entre as determinações da convenção sobre ... - Funag

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CONFLITO ENTRE AS DETERMINAÇÕES DACONVENÇÃO SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICAE AS REGRAS DO ACORDO TRIPS


MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORESMinistro de EstadoSecretário-GeralEmbaixador Celso AmorimEmbaixador Antonio de Aguiar PatriotaFUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃOPresidenteEmbaixador Jeronimo MoscardoINSTITUTO RIO BRANCODiretor-GeralEmbaixador Georges LamazièreA Fun<strong>da</strong>ção Alexandre de Gusmão, instituí<strong>da</strong> em 1971, é uma fun<strong>da</strong>ção pública vincula<strong>da</strong> aoMinistério d<strong>as</strong> Relações Exteriores e tem a finali<strong>da</strong>de de levar à socie<strong>da</strong>de civil informações<strong>sobre</strong> a reali<strong>da</strong>de internacional e <strong>sobre</strong> <strong>as</strong>pectos <strong>da</strong> pauta diplomática br<strong>as</strong>ileira. Sua missão épromover a sensibilização <strong>da</strong> opinião pública nacional para os tem<strong>as</strong> de relações internacionaise para a política externa br<strong>as</strong>ileira.Ministério d<strong>as</strong> Relações ExterioresEsplana<strong>da</strong> dos Ministérios, Bloco HAnexo II, Térreo, Sala 170170-900 Br<strong>as</strong>ília, DFTelefones: (61) 2030-6033/6034Fax: (61) 2030-9125Site: www.funag.gov.br


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHO<strong>Conflito</strong> <strong>entre</strong> <strong>as</strong> <strong>determinações</strong> <strong>da</strong>Convenção <strong>sobre</strong> a Diversi<strong>da</strong>deBiológica e <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> do AcordoTRIPSBr<strong>as</strong>ília, 2010


Copyright © Fun<strong>da</strong>ção Alexandre de GusmãoMinistério d<strong>as</strong> Relações ExterioresEsplana<strong>da</strong> dos Ministérios, Bloco HAnexo II, Térreo70170-900 Br<strong>as</strong>ília – DFTelefones: (61) 2030-6033/6034Fax: (61) 2030-9125Site: www.funag.gov.brE-mail: funag@itamaraty.gov.brCapa:Francisco Brennand - Rei LearEquipe Técnica:Maria Marta Cezar LopesCíntia Rejane Sousa Araújo GonçalvesErika Silva N<strong>as</strong>cimentoFabio Fonseca RodriguesJúlia Lima Thomaz de GodoyJuliana Corrêa de Freit<strong>as</strong>Programação Visual e Diagramação:Juliana Orem e Maria LoureiroImpressão:Gráfica e Editora IdealImpresso no Br<strong>as</strong>il 2010M19cMaia Filho, Romero Gonçalves.<strong>Conflito</strong> <strong>entre</strong> <strong>as</strong> <strong>determinações</strong> <strong>da</strong> Convenção<strong>sobre</strong> Diversi<strong>da</strong>de Biológica e <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> do AcordoTRIPS / Romero Gonçalves Maia Filho.—Br<strong>as</strong>ília : FUNAG, 2010.136 p. : il.ISBN: 978.85.7631.223-91. Diversi<strong>da</strong>de biológica. 2. Desenvolvimentosustentável - Conceito. 3. Acordos e convençõesinternacionais. I. Título.CDU: 341.24:502Depósito Legal na Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca Nacional conformeLei n° 10.994, de 14/12/2004.


AgradecimentosAgradeço o apoio e carinho recebido de meus pais e irmãos em todosos momentos <strong>da</strong> minha carreira. Agradeço também a atenção e os valiososensinamentos de meus orientadores, Embaixador Everton Vieira Varg<strong>as</strong> eSecretária Adriana Sader Tescari, que tanto me aju<strong>da</strong>ram na preparaçãodesta dissertação de conclusão do curso de formação do Instituto Rio Brancoem 2006.


Lista de Sigl<strong>as</strong>AGNUCDBCOPCTEDIPECOSOCFAOGATTGEFOMCOMPIPNUMATRIPSUNCTADUNCLOSAssembleia Geral d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong>Convenção <strong>sobre</strong> a Diversi<strong>da</strong>de BiológicaConferência d<strong>as</strong> PartesComitê de Comércio e Meio AmbienteDireito Internacional PúblicoConselho Econômico e Social d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong>Food and Agriculture OrganizationGeneral Agreement on Trade and TarifsGlobal Environment FacilityOrganização Mundial do ComércioOrganização Mundial <strong>da</strong> Proprie<strong>da</strong>de IntelectualPrograma d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong> para o Meio AmbienteTrade Related Aspects of Intellectual Property RightsagreementUnited Nations Conference on Trade and DevelopmentUnited Nations Convention on the Law of the Sea


SumárioIntrodução, 11Capítulo 1 - Sobre a evolução do ambientalismo, 151.1. Breves considerações <strong>sobre</strong> a evolução do ecologismo, 151.2. Breve histórico <strong>da</strong> evolução do Direito Internacional do MeioAmbiente, 231.2.1.A Conferência de Estocolmo, 251.2.2.A Conferência do Rio, 281.2.2.1. O conceito de desenvolvimento sustentável, 31Capítulo 2 - Sobre a diversi<strong>da</strong>de biológica e a proprie<strong>da</strong>de intelectual, 352.1. A Convenção <strong>sobre</strong> a Diversi<strong>da</strong>de Biológica, 352.1.1. A problemática <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica, 372.1.2. Dos interesses em jogo, 392.1.3. O conceito de patrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, 412.1.4. A atuação diplomática br<strong>as</strong>ileira, 45


2.1.5. B<strong>as</strong>es e princípios <strong>da</strong> CDB, 462.1.6. A Conferência d<strong>as</strong> Partes (COP), 522.2. A proprie<strong>da</strong>de intelectual no cenário internacional, 572.3. Proprie<strong>da</strong>de intelectual e diversi<strong>da</strong>de biológica, 622.4. Bioprospecção, 662.4.1. O contexto br<strong>as</strong>ileiro para a bioprospecção: oordenamento jurídico br<strong>as</strong>ileiro, 68Capítulo 3 - Sobre <strong>as</strong> relações <strong>entre</strong> países em desenvolvimento epaíses desenvolvidos no tema do meio ambiente, 733.1. A ecopolítica Norte-Sul e seus reflexos <strong>sobre</strong> a relação <strong>entre</strong> aCDB e o acordo TRIPS, 733.2. Sobre a relação <strong>entre</strong> o acordo TRIPS e a CDB, 763.2.1. Posição defendi<strong>da</strong> pelos países em desenvolvimento, 793.2.1.1. Divulgação obrigatória <strong>da</strong> fonte do materialgenético e do país de origem (disclosure ofsource and coutry of origin), 813.2.1.2. Consentimento prévio e informado d<strong>as</strong> autori<strong>da</strong>descompetentes (Prior Informed Consent), 833.2.1.3. Repartição de Benefícios, 853.2.2.Posição defendi<strong>da</strong> pelos países desenvolvidos, 883.2.2.1. Posição dos Estados Unidos, 913.2.2.2. Posição <strong>da</strong> União Europeia, 96Capítulo 4 - Sobre a existência de um conflito jurídico <strong>entre</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong><strong>da</strong> CDB e <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> do acordo TRIPS e su<strong>as</strong> consequênci<strong>as</strong>, 994.1. A Teoria Dogmática do Ordenamento Jurídico, 994.2. As antinomi<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong>, 1034.3. Sobre a relação <strong>entre</strong> a CDB e o acordo TRIPS e a propostabr<strong>as</strong>ileira, 108Conclusão, 117Bibliografia, 123


IntroduçãoO tema <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica e todos os <strong>as</strong>suntos a ela correlacionados,sejam de impacto econômico, sejam de impacto social, tomou importânciaca<strong>da</strong> vez maior desde os anos 1970, quando já podemos falar em umcapitalismo pós-industrial b<strong>as</strong>eado principalmente na informação comoprincipal meio de geração de riquez<strong>as</strong>. A geração de riquez<strong>as</strong> através doconhecimento tecnológico e científico tornou-se fun<strong>da</strong>mental com ainternacionalização d<strong>as</strong> economi<strong>as</strong> que foi gera<strong>da</strong> pela globalização, cabendoao Direito regular <strong>as</strong> relações <strong>entre</strong> os sujeitos envolvidos na obtenção doconhecimento e na forma de obtenção destes conhecimentos, principalmentepor meio d<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> de defesa <strong>da</strong> produção intelectual.A relação <strong>entre</strong> a regulação <strong>sobre</strong> a produção intelectual e <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> queorganizam a apropriação humana <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica é de grandeinteresse para a comuni<strong>da</strong>de internacional, principalmente para os países emdesenvolvimento, países que possuem grandes estoques de patrimôniogenético. Tal importância deve-se não apen<strong>as</strong> às implicações econômic<strong>as</strong>que a preservação <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica possui na comuni<strong>da</strong>deinternacional, m<strong>as</strong>, principalmente, devido ao fato de a conservação <strong>da</strong>diversi<strong>da</strong>de biológica ser um fator fun<strong>da</strong>mental para a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong>existência do equilíbrio ecológico e <strong>da</strong> própria <strong>sobre</strong>vivência humana. Estarelação fun<strong>da</strong>-se na certeza científica de que a diversi<strong>da</strong>de biológica é oprincipal elemento que possibilita a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> produção de alimentos,11


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOuma vez que a constante a<strong>da</strong>ptação e melhoria <strong>da</strong> produção, requerid<strong>as</strong> pelaativi<strong>da</strong>de agrícola, somente podem ser obtid<strong>as</strong> a partir de uma b<strong>as</strong>e de genesque sejam recombinados de forma a se alcançarem aqueles objetivos dea<strong>da</strong>ptação e melhoramento 1 .Além disso, em termos de produção econômica pura e simples, adiversi<strong>da</strong>de biológica também é recurso central para os avanços de outr<strong>as</strong>indústri<strong>as</strong>, como a indústria farmacêutica, química, de cosméticos, deperfumaria etc. Com b<strong>as</strong>e em modelos de processos já existentes na natureza,o homem é capaz de re-elaborar tais processos para criar inventos que podemmelhorar em muito a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de e gerar riquez<strong>as</strong> deenorme valor agregado.Se levarmos em consideração o impacto que a extinção de, em média,50 espécies animais e vegetais por dia causa às cadei<strong>as</strong> alimentares,prejudicando a produção de alimentos e de medicamentos, e o fato de 40%dest<strong>as</strong> espécies terem seu habitat em florest<strong>as</strong> tropicais, perceberemos aevidência de como os interesses dos países localizados na zona tropical estãoespecialmente envolvidos neste <strong>as</strong>sunto. A relação <strong>entre</strong> a Convenção <strong>sobre</strong>a Diversi<strong>da</strong>de Biológica (CDB) e o Trade Related Aspects of IntellectualProperty Rights agreement (acordo TRIPS) coloca-se como um ponto deimportância central na agen<strong>da</strong> internacional contemporânea, de grande interesseprincipalmente para os países em desenvolvimento, d<strong>entre</strong> eles, o Br<strong>as</strong>il 2 .O tema central <strong>da</strong> dissertação apresenta<strong>da</strong> é a relação <strong>entre</strong> <strong>as</strong><strong>determinações</strong> <strong>da</strong> CDB, aberta à <strong>as</strong>sinatura na Conferência d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong><strong>sobre</strong> Meio Ambiente e Desenvolvimento (Conferência do Rio), celebra<strong>da</strong>no Rio de Janeiro, em 1992, tendo entrado em vigor em 1993, e aquel<strong>as</strong> doacordo TRIPS, realizado no âmbito <strong>da</strong> Organização Mundial do Comércio1Vári<strong>as</strong> publicações científic<strong>as</strong> se referem ao <strong>as</strong>sunto, como por exemplo: Bancos Genéticos dePlant<strong>as</strong>, Animais e Microorganismos, DINIZ, Maria Fernan<strong>da</strong>, FERREIRA, Luc<strong>as</strong> Tadeu, RevistaBiotecnologia, Ciência e Desenvolvimento, edição eletrônica http://www.biotecnologia.com.br/revista/bio13/bancos.pdf, [05.12.2005], p. 34 e 35; Estado do Meio Ambiente e Retrospectiv<strong>as</strong>Polític<strong>as</strong>: 1972-2002, Instituto Br<strong>as</strong>ileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis(IBAMA), 2004, http://www2.ibama.gov.br/~geobr/geo3-port/geo3port/cap2%20_biodiversi<strong>da</strong>de.pdf, [15.11.2005], p. 130 e 131.2Para informações detalhad<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> a situação do meio ambiente no Br<strong>as</strong>il, ver o relatório GlobalEnvironment Outlook – Br<strong>as</strong>il 2002: o estado do meio ambiente no Br<strong>as</strong>il, edição eletrônicahttp://www2.ibama.gov.br/~geobr/geo3-port/geo3-port.htm, [06.12.2005]. Sobre o tema específico<strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica no Br<strong>as</strong>il, ver Global Environment Outlook – Br<strong>as</strong>il 2002: o estado domeio ambiente no Br<strong>as</strong>il, no capítulo O Estado <strong>da</strong> Biodiversi<strong>da</strong>de, na versão eletrônica http://www2.ibama.gov.br/~geobr/Livro/cap2/biodiversi<strong>da</strong>de.pdf, [06.12.2005], pp. 32/47.12


INTRODUÇÃO(OMC), que trata dos direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectual, em vigor desde1994. Tais acordos, marcos fun<strong>da</strong>mentais na regulação d<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> de quetratam, diversi<strong>da</strong>de biológica e proprie<strong>da</strong>de intelectual, respectivamente,possuem pontos de confluência que geram debates acirrados <strong>sobre</strong> aexistência ou não de conflitos <strong>entre</strong> su<strong>as</strong> <strong>determinações</strong>.O ponto principal de probabili<strong>da</strong>de de existência de conflito <strong>entre</strong> estesdois documentos internacionais está na obrigatorie<strong>da</strong>de estabeleci<strong>da</strong> pela CDBde os países signatários, respeitando os direitos soberanos dos Estados <strong>sobre</strong>seus recursos naturais, terem a permissão dos países detentores de riquez<strong>as</strong>em diversi<strong>da</strong>de biológica para que est<strong>as</strong> sejam explorad<strong>as</strong> e que os benefíciosadvindos de tal exploração sejam repartidos de modo equitativo <strong>entre</strong> <strong>as</strong>partes envolvid<strong>as</strong>, confrontado com a ausência de <strong>determinações</strong> do acordoTRIPS que contemplem est<strong>as</strong> mesm<strong>as</strong> obrigações.Partindo desta dúvi<strong>da</strong> inicial, <strong>sobre</strong> a existência ou não de um conflito<strong>entre</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> dos dois tratados em estudo, a hipótese do trabalho foifun<strong>da</strong><strong>da</strong> na existência de tal conflito. Esta hipótese fun<strong>da</strong>-se não apen<strong>as</strong> naaparência de conflito que seus textos imediatamente apresentam, m<strong>as</strong> tambémem razão do <strong>entre</strong>laçamento de tem<strong>as</strong> <strong>entre</strong> estes dois tratados, ou seja, aregulação <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual no âmbito <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica.O enfoque <strong>sobre</strong> a discussão do tema <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica dentro<strong>da</strong> OMC, pelo acordo TRIPS, se explica pel<strong>as</strong> característic<strong>as</strong> particularesdeste foro internacional. Embora a proteção ao direito <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>deintelectual seja feita por diversos instrumentos jurídicos, que não o TRIPS, edivers<strong>as</strong> enti<strong>da</strong>des internacionais, além <strong>da</strong> OMC, o trabalho se concentrouno sistema de proteção TRIPS/OMC devido à sua importância e ao grau deinfluência que seus dispositivos obtiveram desde sua criação, nos anos 1990.A limitação a este foro internacional visou a buscar contribuir para a preservaçãodos interesses br<strong>as</strong>ileiros em relação à elaboração de regr<strong>as</strong> de defesa depatrimônio genético devido à importância que esta enti<strong>da</strong>de <strong>as</strong>sume no di<strong>as</strong>atuais e à legitimi<strong>da</strong>de que su<strong>as</strong> decisões adquiriram junto à comuni<strong>da</strong>deinternacional.O método empregado na pesquisa foi o método doutrinário. A escolhado método doutrinário de pesquisa se deveu à necessi<strong>da</strong>de de os operadoresdo Direito no Br<strong>as</strong>il conhecerem a posição atual d<strong>as</strong> diferentes forç<strong>as</strong> queatuam na evolução deste tema, sabendo que a construção deste ramo dodireito é recente e permanece, em grande parte, influencia<strong>da</strong> pelos trabalhos<strong>da</strong> doutrina. Com b<strong>as</strong>e neste objetivo central, a pesquisa buscou levantar os13


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOargumentos políticos e a sustentação jurídica apresentados tanto pelos paísesdesenvolvidos, quantos pelos países em desenvolvimento, principalmente oBr<strong>as</strong>il, para defender su<strong>as</strong> respectiv<strong>as</strong> posições neste conflito <strong>entre</strong> norm<strong>as</strong>internacionais.Com o intuito de melhor estruturar a divisão do tema tratado e tornarmais fácil a sua compreensão, a presente obra foi dividi<strong>da</strong> em quatro partesprincipais. Inicialmente (Capítulo 1), nos propomos a tratar <strong>da</strong> evolução dopensamento ecológico e <strong>da</strong> visão que o próprio homem teve a respeito desua relação com a natureza. O Capítulo 1 também discute a evolução doDireito Internacional do Meio Ambiente como forma de <strong>da</strong>r subsídios aoleitor para a compreensão do estágio atual de regulação do tema no DireitoInternacional Público (DIP).No Capítulo 2, a obra analisa especificamente os tem<strong>as</strong> <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>debiológica e <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual. Neste capítulo são debatid<strong>as</strong> não apen<strong>as</strong><strong>as</strong> b<strong>as</strong>es conceituais dos objetos aqui estu<strong>da</strong>dos como também a forma comque se inserem n<strong>as</strong> relações internacionais e como estão configurados noâmbito interno do Direito Br<strong>as</strong>ileiro.O Capítulo 3 3 versará, inicialmente, <strong>sobre</strong> o conflito existente <strong>entre</strong> ospaíses em desenvolvimento e desenvolvidos nos tem<strong>as</strong> concernentes ao meioambiente. Em segui<strong>da</strong>, são apresentad<strong>as</strong> <strong>as</strong> posições atualmente defendid<strong>as</strong>tanto pelos países em desenvolvimento, quanto aquel<strong>as</strong> defendid<strong>as</strong> pelos paísesricos.O capítulo 4 discutirá os elementos jurídicos que envolvem a relação<strong>entre</strong> a CDB e o acordo TRIPS. Neste capítulo serão debatidos osmecanismos jurídicos empregados para a análise de conflitos <strong>entre</strong> norm<strong>as</strong>com b<strong>as</strong>e nos <strong>da</strong>dos trazidos pelos capítulos anteriores, sejam de caráterjurídico, político ou histórico.3As opiniões expost<strong>as</strong> neste Capítulo 3 são fruto de estudos do autor e não devem ser considerad<strong>as</strong>como opinião oficial <strong>da</strong> política externa br<strong>as</strong>ileira.14


Capítulo 1Sobre a evolução do ambientalismo1.1. Breves considerações <strong>sobre</strong> a evolução do ecologismoAs relações do homem com a natureza e a forma como se posiciona emrelação ao meio sofreram alterações importantes em dois momentos <strong>da</strong>existência humana 4 . O primeiro aconteceu no período Neolítico, quando foramdesenvolvid<strong>as</strong> a agricultura e a pecuária. O segundo momento ocorreu com a1ª Revolução Industrial, quando a união <strong>entre</strong> a ciência (especulativa) e atécnica (empírica) aumentou significativamente a capaci<strong>da</strong>de humana deintervenção na natureza. Os fatos ocorridos a partir <strong>da</strong> 1ª Revolução Industrialforam catalisadores do n<strong>as</strong>cimento do pensamento ecologista.A visão dos pensadores modernos <strong>sobre</strong> a natureza, inicialmente vistacomo o bem original e liga<strong>da</strong> a Deus, evolui até o ponto onde a naturezap<strong>as</strong>sa a ser percebi<strong>da</strong> como o estado anterior à civilização, que deve serultrap<strong>as</strong>sado para se chegar a níveis mais evoluídos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana. Namoderni<strong>da</strong>de, a relação do homem com a natureza não era fun<strong>da</strong><strong>da</strong> apen<strong>as</strong>no valor que este <strong>da</strong>va à natureza em si, m<strong>as</strong> também na ideia cristã deperceber o homem como o centro do universo. Foi no período do humanismo,4Ver ALMINO, João, Naturez<strong>as</strong> mort<strong>as</strong>: a filosofia política do ecologismo, Rio de Janeiro,Barléu Edições Lt<strong>da</strong>., 2004.15


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOna moderni<strong>da</strong>de, que essa noção foi leva<strong>da</strong> ao seu limite, pois o homemp<strong>as</strong>sava a ser visto como o elemento que determina seu próprio caminho deevolução. Os principais valores deste período p<strong>as</strong>sam a ser a autoconsciência,o controle, a vontade humana, a autofun<strong>da</strong>ção e a autonomia do homem.O antropocentrismo que marcou o racionalismo considerava a éticacomo relaciona<strong>da</strong> apen<strong>as</strong> aos contatos <strong>entre</strong> homens, excluindo todos oscontatos com o mundo não humano. O que nota-se, portanto, é umacentralização <strong>da</strong> percepção ética no homem, que p<strong>as</strong>sa a ser o parâmetropara todos os julgamentos 5 . Também se considerava que a ética somentepoderia ser usa<strong>da</strong> como parâmetro para julgar relações contemporâne<strong>as</strong>ao tempo do julgamento. A b<strong>as</strong>e em que se fun<strong>da</strong>va esta abor<strong>da</strong>gemracionalista <strong>da</strong> ética era a noção de imutabili<strong>da</strong>de do mundo, <strong>da</strong>do que arazão humana seria capaz de perceber a essência permanente <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.A observação do presente, por meio <strong>da</strong> razão, era suficiente para percebera reali<strong>da</strong>de. Atos realizados no presente que não tivessem reflexos negativospara outros homens vivendo o tempo presente não poderiam, portanto, serconsiderados antiéticos.Esta noção de emancipação humana a partir <strong>da</strong> razão começou a declinarem meados do século XIX. Os ideais iluminist<strong>as</strong> de progresso, liber<strong>da</strong>de ever<strong>da</strong>de foram progressivamente erodidos até o século XX. As du<strong>as</strong> grandesguerr<strong>as</strong> foram responsáveis pelo fim do otimismo em relação à razão humanae pelo início de um período de pessimismo que p<strong>as</strong>sou a discutir a crise queatravessava a civilização humana, no qual se insere o debate <strong>sobre</strong> o perigorepresentado pelo controle que o homem já detinha <strong>sobre</strong> a natureza. Oimenso poder alcançado pela humani<strong>da</strong>de para submeter a natureza causoualterações na ação humana <strong>sobre</strong> o meio. Est<strong>as</strong> alterações causaram efeitosna própria ética antropocêntrica, já não mais adequa<strong>da</strong> à reali<strong>da</strong>de dos avançostecnológicos do século XX. As nov<strong>as</strong> condições de vi<strong>da</strong> e a estrutura técnicaalcançad<strong>as</strong> no século XX apontavam para elementos contemporâneos que,por sua irracionali<strong>da</strong>de, colocaram em dúvi<strong>da</strong> a crença iluminista em umconstante progresso moral <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de.O ecologismo se desenvolveu a partir <strong>da</strong> crítica à visão moderna <strong>da</strong>natureza como alvo <strong>da</strong> exploração humana e do progresso como elemento5PÉRET DE SANT’ANA, Paulo José, A bioprospecção no Br<strong>as</strong>il – Contribuições para umagestão ética, Br<strong>as</strong>ília: Paralelo 15, 2002, p.26.16


SOBRE A EVOLUÇÃO DO AMBIENTALISMOinevitável <strong>da</strong> história 6 . Embora os primeiros grupos de ecologist<strong>as</strong> tenhamsurgido já na segun<strong>da</strong> metade do século XIX, apen<strong>as</strong> na segun<strong>da</strong> metade doséculo XX o movimento ecológico tomou força. A 2ª Guerra Mundial podeser toma<strong>da</strong> com o ponto de inflexão em relação aos tradicionais valores éticosdo Iluminismo, que colocavam o homem e sua razão como parâmetro centralde análise do mundo. Apen<strong>as</strong> com o abandono de certos valores <strong>da</strong> civilizaçãoindustrial ocidental, após o período de contestações de 1968, é que osconhecimentos <strong>da</strong> biologia e <strong>da</strong> economia puderam ser unidos para <strong>da</strong>rn<strong>as</strong>cimento ao ecologismo. Vale ressaltar que <strong>as</strong> crític<strong>as</strong> suscitad<strong>as</strong> peloecologismo continuaram a existir mesmo após os anos 1970 e 1980,principalmente porque propunham um novo modelo de civilização.O declínio <strong>da</strong> crença na razão humana se demonstra pela constataçãoque a plenitude humana busca<strong>da</strong> pelos racionalist<strong>as</strong> não existia. A naturezahumana p<strong>as</strong>sou a ser vista como intrinsecamente ambígua. O segundo elementodeste declínio seria exatamente a per<strong>da</strong> de significado d<strong>as</strong> premiss<strong>as</strong>fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> ética racionalista. É importante sublinhar que a falta deconhecimentos <strong>sobre</strong> os possíveis resultados que a ação humana pode gerarobrigou o homem a adotar uma atitude de humil<strong>da</strong>de, tão pouco frequente nomundo racionalista antropocêntrico, e de um comedimento responsável emsu<strong>as</strong> ações.A crítica segundo a qual o ecologismo seria um movimento sem coerênciapolítica não se sustenta, porque critica o movimento a partir de categori<strong>as</strong>polític<strong>as</strong> que o próprio movimento nega (por exemplo, a clivagem <strong>entre</strong> direitae esquer<strong>da</strong>). Para perceber o ecologismo seria necessário perceber acontribuição ideológica específica do movimento para os tempos atuais,analisando elementos não ostensivos, m<strong>as</strong> que permeiam o discurso ecologista.Em linh<strong>as</strong> gerais, o pensamento ecologista pode ser dividido em ecocêntrico(to<strong>da</strong> prática e reflexão ecológica deriva <strong>da</strong> noção de ecossistema; sublinh<strong>as</strong>ea bioética, ou seja, os direitos relacionados à natureza, não os direitos dohomem voltados para a defesa <strong>da</strong> natureza) e tecnocêntrico (enfoque <strong>da</strong>doao papel dos avanços tecnológicos na proteção do meio ambiente). Tais6O tema <strong>da</strong> ecologia foi introduzido na biologia e na economia, respectivamente, pelo biólogoalemão Ernst Haeckel, que empregou o termo pela primeira vez e estudou <strong>as</strong> relações <strong>entre</strong> ateoria <strong>da</strong> evolução d<strong>as</strong> espécies e a morfologia animal, e por Thom<strong>as</strong> Malthus, que enfocou oproblem<strong>as</strong> dos recursos esc<strong>as</strong>sos e não renováveis. Ver ALMINO, op. cit. , p. 28/29.17


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOvertentes possuem linh<strong>as</strong> de pensamento que percorrem todo o discursoecologista, quais sejam a negação do antropocentrismo <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de(ecocentrismo) e na crítica dos padrões tecnológicos de desenvolvimento 7 .A partir dos anos 1980, surgiu uma nova corrente no ecologismo, o neohumanismo,fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em uma ética social-humana que não negava odesenvolvimento, m<strong>as</strong> criticava os erros cometidos nos avanços tecnológicosdo p<strong>as</strong>sado, propondo uma utilização racional dos recursos que tambémcontempl<strong>as</strong>se o futuro na relação humana com a natureza. O neo-humanismoenfatiza a autonomia humana em relação à natureza, o que nega tanto a noçãodeterminista do homem como mera consequência dos processos naturais,quanto a ideia deste como o senhor absoluto e autocentrado <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> noplaneta. O homem, sujeito autônomo e dotado de razão, desenvolve umahistória que é incerta, porque resulta <strong>da</strong> relação <strong>entre</strong> os condicionamentosexternos e a sua intervenção. Também não percebe a tecnologia como umfator necessariamente negativo ou positivo, m<strong>as</strong> como um dos elementos quedevem ser levados em consideração quando o meio ambiente está emdiscussão, sem dissociar a tecnologia dos fatores políticos e sociais quetambém determinam a relação humana com o meio ambiente. Fun<strong>da</strong>-se naideia de reconstrução do futuro a partir d<strong>as</strong> condições concret<strong>as</strong> do presente,por meio <strong>da</strong> expansão do campo dos direitos n<strong>as</strong>cidos com a moderni<strong>da</strong>de,como a democracia, a maior participação dos ci<strong>da</strong>dãos n<strong>as</strong> decisões doEstado e do reforço <strong>da</strong> ideia do homem como orientador do seu destinohistórico.Com o aparecimento do neo-humanismo, <strong>as</strong> noções de desenvolvimentoeconômico e equilíbrio ambiental p<strong>as</strong>saram a compor o mesmo universoconceitual, tendo sido criado o conceito de desenvolvimento sustentável 8 . Anoção de desenvolvimento sustentável n<strong>as</strong>ceu <strong>da</strong> percepção que <strong>as</strong>desigual<strong>da</strong>des sociais engendravam diferentes form<strong>as</strong> de exploração <strong>da</strong>natureza <strong>entre</strong> ricos e pobres, em razão dos tipos de tecnologia que7ALMINO, o p. cit, p.43/44.8A noção de desenvolvimento sustentável será discuti<strong>da</strong> mais detalha<strong>da</strong>mente no item 1.2.2.1desta obra. Vale mencionar, inicialmente, que o conceito de desenvolvimento sustentável,<strong>entre</strong>tanto, já vinha sendo discutido pela diplomacia br<strong>as</strong>ileira desde os anos 1970, embora semusar esta nomenclatura. Miguel Osório de Almei<strong>da</strong>, em seu artigo Desenvolvimento Econômico epreservação do Meio Ambiente já discute a relação <strong>entre</strong> a necessi<strong>da</strong>de de crescimento <strong>da</strong> economiafrente ao problema <strong>da</strong> preservação do meio ambiente. Ver Revista Br<strong>as</strong>ileira de PolíticaInternacional, vol. XIV, Março/Junho, 1971, nº 53/54, pp. 125-137.18


SOBRE A EVOLUÇÃO DO AMBIENTALISMOempregavam. Tanto os ricos quanto os pobres causariam <strong>da</strong>nos ao meioambiente, ca<strong>da</strong> grupo de sua maneira própria. Foi o Relatório Brundtland 9que consolidou uma fórmula para o conceito de desenvolvimento sustentávelque resume a noção de prevalência do desenvolvimento de longo prazo <strong>sobre</strong>os interesses de curto prazo: Desenvolvimento sustentável é odesenvolvimento que atende às necessi<strong>da</strong>des do presente semcomprometer a capaci<strong>da</strong>de d<strong>as</strong> gerações futur<strong>as</strong> de atender às su<strong>as</strong>própri<strong>as</strong> necessi<strong>da</strong>des 10 . É importante mencionar que o desenvolvimento ésustentável não apen<strong>as</strong> em termos ecológicos, m<strong>as</strong> também em termos sociais,políticos e econômicos, requerendo que se eliminem não apen<strong>as</strong> os efeitosambientais negativos gerados pela riqueza, m<strong>as</strong> também os que são produtodireto <strong>da</strong> pobreza.É a partir <strong>da</strong> perspectiva trazi<strong>da</strong> por est<strong>as</strong> correntes de pensamento quepodemos compreender a nova noção de responsabili<strong>da</strong>de do homem. Anoção de responsabili<strong>da</strong>de na ação humana diz respeito à autorrestriçãohumana em relação ao poder de controle que dispõe em relação à natureza,pois a relação ontológica <strong>entre</strong> o homem e o mundo ao seu redor deixa deser uma relação de superiori<strong>da</strong>de hierárquica 11 . As alterações que odesenvolvimento tecnológico provocaram nos padrões éticos <strong>da</strong> relaçãohumana com a natureza mostram uma noção onde a humani<strong>da</strong>de não maisestá fora <strong>da</strong> natureza, m<strong>as</strong>, sim, se encontra existencialmente uni<strong>da</strong> ao meioambiente que o envolve. Além disso, <strong>as</strong> gerações futur<strong>as</strong>, que se agregaramcomo mais um dos objetos dos efeitos d<strong>as</strong> ações human<strong>as</strong>, também se incluemno novo padrão ético, sendo considerad<strong>as</strong> como elementos vinculados àsform<strong>as</strong> de vi<strong>da</strong> que coexistem no planeta. A responsabili<strong>da</strong>de deixa de sercentra<strong>da</strong> no próprio homem e p<strong>as</strong>sa a abranger elementos extra-humanos.Esta noção de responsabili<strong>da</strong>de é caracteriza<strong>da</strong> por não estar volta<strong>da</strong>para a natureza, em razão de não ser uma responsabili<strong>da</strong>de recíproca,m<strong>as</strong> é uma responsabili<strong>da</strong>de “natural”. A responsabili<strong>da</strong>de recíproca éaquela responsabili<strong>da</strong>de qu<strong>as</strong>e “contratual” onde dois sujeitoscontemporâneos limitam su<strong>as</strong> ações para não perturbar a existência do9Os detalhes <strong>sobre</strong> o Relatório Brundtland são discutidos no item 1.2.2.10Vale ressaltar que <strong>as</strong> necessi<strong>da</strong>des d<strong>as</strong> gerações futur<strong>as</strong> devem ser percebid<strong>as</strong> com cautela. Asnecessi<strong>da</strong>des d<strong>as</strong> gerações futur<strong>as</strong> podem não apen<strong>as</strong> ser distint<strong>as</strong> <strong>da</strong>quel<strong>as</strong> necessi<strong>da</strong>des que seapresentam às gerações contemporâne<strong>as</strong>, como também podem ser <strong>da</strong>nos<strong>as</strong>, el<strong>as</strong> mesm<strong>as</strong>, aomeio ambiente.11PÉRET DE SANT’ANA, op. cit. p. 24.19


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOoutro (ideia existente na ética iluminista, onde o indivíduo limitava suaação apen<strong>as</strong> quando esta pudesse prejudicar um outro que lhe fossecontemporâneo). A nova relação de responsabili<strong>da</strong>de pode serconsidera<strong>da</strong> como uma responsabili<strong>da</strong>de “natural”, porque a existênciade direitos e deveres não pressupõe relações recíproc<strong>as</strong> e contemporâne<strong>as</strong>e porque tais relações são socialmente reconhecid<strong>as</strong>, sem que sejanecessário um consentimento prévio <strong>da</strong>queles que vincula, logo, não podeser submeti<strong>da</strong> a alterações d<strong>as</strong> obrigações que estabelece. Aresponsabili<strong>da</strong>de natural também é marca<strong>da</strong> por uma abrangência totaldos objetos <strong>sobre</strong> os quais os sujeitos têm o dever unilateral de proteção,devendo estes objetos ser observados como um todo indivisível.A responsabili<strong>da</strong>de natural está, de certa forma, b<strong>as</strong>ea<strong>da</strong> no medo emrelação aos efeitos gerados pela ação humana. Uma vez que existam dúvid<strong>as</strong><strong>sobre</strong> a extensão de tais efeitos, havendo suspeit<strong>as</strong> se o emprego de umacerta tecnologia pode pôr em risco a existência de condições adequad<strong>as</strong>para a vi<strong>da</strong> humana, não é eticamente justificável que qualquer agente humanocoloque em risco a vi<strong>da</strong> de outros para <strong>as</strong>segurar interesses individuais. Aética contemporânea d<strong>as</strong> relações do homem com a natureza é uma “ética <strong>da</strong>responsabili<strong>da</strong>de que se caracteriza por ser uma ética de nãocontemporanei<strong>da</strong>de, não utópica, secular, não antropocêntrica, b<strong>as</strong>ea<strong>da</strong> emrelações não recíproc<strong>as</strong> de natureza permanente e global, uma propostaalicerça<strong>da</strong> na explicitação de uma fun<strong>da</strong>mentação ontológica, teleológica efinalística <strong>da</strong> qual decorre uma ética <strong>da</strong> preservação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de humana e<strong>da</strong> autoafirmação do ser” 12 .A noção de responsabili<strong>da</strong>de também possui nuances diferenciad<strong>as</strong> n<strong>as</strong>relações do homem com os seus pares. Em articulação estreita com o conceitode responsabili<strong>da</strong>de natural se apresenta a noção de responsabili<strong>da</strong>descomuns, porém diferenciad<strong>as</strong> <strong>entre</strong> os diferentes países que formam acomuni<strong>da</strong>de internacional. O princípio d<strong>as</strong> responsabili<strong>da</strong>des comuns, m<strong>as</strong>diferenciad<strong>as</strong> foi inicialmente reconhecido pela Resolução 44/228, <strong>da</strong>Assembleia Geral d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong> (AGNU) 13 , sendo posteriormente12PÉRET DE SANT’ANA, op. cit. p. 26.13“Affirming that the responsibility for containing, reducing and eliminating global environmental<strong>da</strong>mage must be borne by the countries causing such <strong>da</strong>mage, must be in relation to the <strong>da</strong>magecaused and must be in accor<strong>da</strong>nce with their respective capabilities and responsibilities”, A/RES/44/228, Assembleia Geral <strong>da</strong> ONU, 22 de dezembro de 1989. Ver http://www.un.org/documents/ga/res/44/a44r228.htm, [14.12.2005].20


SOBRE A EVOLUÇÃO DO AMBIENTALISMOconfirmado pela Declaração do Rio 14 , pela Agen<strong>da</strong> 21 15 e pela Convenção-Quadro d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong> Sobre Mu<strong>da</strong>nça do Clima 16 . Tais diferenç<strong>as</strong> n<strong>as</strong>obrigações atribuíd<strong>as</strong> aos membros <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de internacional se explicampel<strong>as</strong> <strong>as</strong>simetri<strong>as</strong> existentes <strong>entre</strong> eles, causad<strong>as</strong> principalmente pel<strong>as</strong>desigual<strong>da</strong>des na participação <strong>da</strong> economia mundial, tanto hodiernamente,como em tempos p<strong>as</strong>sados. Neste sentido, os países que, historicamente,contribuíram ou que continuam a contribuir com uma maior parcela dos efeitosnegativos <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de humana <strong>sobre</strong> o meio ambiente, ou seja, os países deindustrialização antiga, são aqueles que devem ter maior responsabili<strong>da</strong>decom os custos de conservação e recuperação do meio ambiente.Esta construção tem paralelo com a noção de justiça ambiental. Enquanto anoção de moral em relação ao meio ambiente diz respeito às relações do homemcom a natureza, a ideia de uma justiça ambiental percebe <strong>as</strong> diferentes form<strong>as</strong> deapropriação <strong>da</strong> natureza pela humani<strong>da</strong>de, <strong>as</strong> diferentes form<strong>as</strong> de distribuição doscustos e benefícios ambientais. A justiça ambiental diz respeito à distribuição dosbenefícios e ônus <strong>entre</strong> todos aqueles afetados por decisões e ações de cunhoambiental, o que inclui não apen<strong>as</strong> <strong>as</strong> diferenç<strong>as</strong> <strong>da</strong> proteção ambiental <strong>entre</strong> pesso<strong>as</strong>14A Declaração do Rio foi um dos documentos elaborados durante a Conferência d<strong>as</strong> NaçõesUnid<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> Meio Ambiente e Desenvolvimento (Conferência do Rio), realiza<strong>da</strong> no Rio deJaneiro, em 1992. Segundo o Princípio 7, <strong>da</strong> Declaração do Rio: “States shall cooperate in a spiritof global partnership to conserve, protect and restore the health and integrity of the Earth’secosystem. In view of the different contributions to global environmental degra<strong>da</strong>tion, Stateshave common but differentiated responsibilities. The developed countries acknowledge theresponsibility that they bear in the international pursuit of sustainable development in view ofthe pressures their societies place on the global environment and of the technologies and financialresources they command”. Ver A/CONF.151/26 (vol.1), http://www.un.org/documents/ga/conf151/aconf15126-1annex1.htm, [14.12.2005].15Também elabora<strong>da</strong> durante a Conferência do Rio, o preâmbulo <strong>da</strong> Agen<strong>da</strong> 21 afirma: “Theprogramme are<strong>as</strong> that constitute Agen<strong>da</strong> 21 are described in terms of the b<strong>as</strong>is for action, objectives,activities and means of implementation. Agen<strong>da</strong> 21 is a dynamic programme. It will be carried outby the various actors according to the different situations, capacities and priorities of countriesand regions in full respect of all the principles contained in the Rio Declaration on Environmentand Development. It could evolve over time in the light of changing needs and circumstances.This process marks the beginning of a new global partnership for sustainable development”. Verhttp://www.un.org/esa/sustdev/documents/agen<strong>da</strong>21/english/Agen<strong>da</strong>21.pdf, [14.12.2005].16Segundo Preâmbulo <strong>da</strong> Convenção-Quadro d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong> Sobre Mu<strong>da</strong>nça do Clima,também elabora<strong>da</strong> no âmbito <strong>da</strong> Conferência do Rio: “Noting that the largest share of historicaland current global emissions of greenhouse g<strong>as</strong>es h<strong>as</strong> originated in developed countries, that percapita emissions in developing countries are still relatively low and that the share of globalemissions originating in developing countries will grow to meet their social and developmentneeds”. Ver http://unfccc.int/resource/docs/convkp/conveng.pdf, [14.12.2005].21


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOpobres e pesso<strong>as</strong> ric<strong>as</strong> dentro de uma mesma socie<strong>da</strong>de, m<strong>as</strong> também <strong>as</strong> diferenç<strong>as</strong>de acesso aos recursos naturais <strong>entre</strong> nações em desenvolvimento e naçõesdesenvolvid<strong>as</strong>. A falta de espaço de participação nos processos decisórios ou aimpossibili<strong>da</strong>de de acesso aos benefícios do meio ambiente pode ser considera<strong>da</strong>,portanto, uma forma de injustiça, uma “discriminação ambiental” 17 .A justiça ambiental apresenta du<strong>as</strong> dimensões diferenciad<strong>as</strong>. A primeiradimensão, a <strong>da</strong> justiça distributiva, diz respeito à forma de repartição dosbenefícios e dos ônus d<strong>as</strong> questões ambientais. Percebe-se que, <strong>as</strong>sim comono nível dos indivíduos, onde pesso<strong>as</strong> de diferentes etni<strong>as</strong>, pertencentes aminori<strong>as</strong> ou de diferentes cl<strong>as</strong>ses sociais suportam ônus ambientais distintos,os Estados também suportam níveis distintos de ônus ambientais e percebemform<strong>as</strong> variad<strong>as</strong> de benefícios n<strong>as</strong> questões ecológic<strong>as</strong>. Os Estadosdesindustrializados não apen<strong>as</strong> têm baixa representação nos foros globaisonde são decidid<strong>as</strong> <strong>as</strong> form<strong>as</strong> de distribuição dos benefícios relativos ao meioambiente, como também têm pouco acesso aos recursos econômicos queseus ecossistem<strong>as</strong> podem lhes possibilitar (é o c<strong>as</strong>o d<strong>as</strong> informações genétic<strong>as</strong><strong>sobre</strong> sua diversi<strong>da</strong>de biológica).Este tipo de exclusão pode ser explica<strong>da</strong> pela ação <strong>da</strong> forç<strong>as</strong> de mercado,que alocam de maneir<strong>as</strong> distint<strong>as</strong> os benefícios e os ônus <strong>da</strong> relação <strong>entre</strong> ohomem e o meio ambiente <strong>entre</strong> os diferentes agentes que participam do processode produção econômica. Uma explicação para esta forma diferencia<strong>da</strong> dealocação dos recursos seria o fato de a conjunção de níveis sociais elevados depobreza e desemprego (fatores que forçariam tais socie<strong>da</strong>des a aceitar qualquertipo de investimento que lhes alivi<strong>as</strong>se a situação de dificul<strong>da</strong>de) com baixosníveis de educação formal (fator que indicaria uma baixa pré-disposição d<strong>as</strong>ocie<strong>da</strong>de civil organiza<strong>da</strong> para contestar a execução de projetos ambientalmente<strong>da</strong>nosos) possibilitarem a instalação de plant<strong>as</strong> industriais ou de outros tipos deprojetos poluentes em países onde est<strong>as</strong> característic<strong>as</strong> estivessem presentes.Note-se que o contra-argumento comumente usado pelos investidores (estaremtrazendo divis<strong>as</strong>, emprego e progresso para tais países em situação de carênciaeconômica) não p<strong>as</strong>sa de uma “chantagem” ambiental, onde a situação depenúria econômica é usa<strong>da</strong> como instrumento para a realização de obr<strong>as</strong> deefeito negativo para a proteção do meio ambiente.17Environmental Justice, FIGUEROA, Robert, MILLS, Claudia, in A Companion to EnvironmentalPhilosophy, JAMIESON, Dale (org.), Malden, Oxford, Melbourne, Berlin: Blackwell PublishingLtd., 2003, p. 428.22


SOBRE A EVOLUÇÃO DO AMBIENTALISMOA tensão existente n<strong>as</strong> relações <strong>entre</strong> Norte e Sul concernentes aos tem<strong>as</strong>ambientais emana d<strong>as</strong> diferentes perspectiv<strong>as</strong> que estes países têm <strong>sobre</strong> amelhor maneira de resolver <strong>as</strong> ameaç<strong>as</strong> ao meio ambiente. Os paísesdesenvolvidos esperam que os países em desenvolvimento reconheçamquestões ambientais centrais que ameaçam a vi<strong>da</strong> humana (redução na cama<strong>da</strong>de ozônio, a mu<strong>da</strong>nça de clima, <strong>as</strong> chuv<strong>as</strong> ácid<strong>as</strong> e a extinção de espécies)principalmente porque consideram que o crescimento industrial destes paísese a progressiva destruição d<strong>as</strong> florest<strong>as</strong> tropicais são elementos de aceleraçãodos problem<strong>as</strong> ambientais. É importante sublinhar que a abor<strong>da</strong>gem dos paísesindustrializados leva em consideração que existe uma ameaça à vi<strong>da</strong> humana,inclusive à sua própria vi<strong>da</strong>.Os países em desenvolvimento, por sua vez, reconhecem a existência de umaresponsabili<strong>da</strong>de global para tais problem<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> defendem a redução dos níveisde consumo dos recursos naturais que atualmente é observado nos países do Nortee requerem desses países uma compensação econômica e apoio tecnológico paraque possam reduzir seus próprios níveis de consumo dos recursos naturais.1.2. Breve histórico <strong>da</strong> evolução do Direito Internacional do MeioAmbienteO meio ambiente, como sistema de relações <strong>entre</strong> biosfera e o seu meiocircun<strong>da</strong>nte, somente no século XX p<strong>as</strong>sou a ser um valor autônomo nossistem<strong>as</strong> jurídicos. No contexto internacional, durante o século XIX, <strong>as</strong> norm<strong>as</strong>relativ<strong>as</strong> ao meio ambiente concerniam, por exemplo, à soberania dos Estadospartesou a tem<strong>as</strong> como a livre navegação. Já no século XX, m<strong>as</strong> anteriormenteà 2ª Guerra, <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> de DIP <strong>sobre</strong> meio ambiente tinham carátereminentemente utilitário, dizendo respeito ao comércio mundial de animais.Os movimentos iniciais concernentes à proteção jurídica internacional do meioambiente remontam ao início do século XX, quando surgiu o que se podechamar de um “utilitarismo ambiental”, no qual a preocupação com o meioambiente enfocava principalmente os recursos naturais que tivessem algumaaplicação econômica 18 . Posteriormente, <strong>entre</strong> o início dos anos 1930 e o fim18Convenção de Paris de 1902, <strong>sobre</strong> a proteção às aves úteis para a agricultura; Convenções deW<strong>as</strong>hington de 1911 (EUA; Inglaterra; Japão e Rússia) <strong>sobre</strong> a proteção à foc<strong>as</strong> para indústria depeles; Convenção <strong>entre</strong> EUA e Inglaterra de 1909 <strong>sobre</strong> a proteção contra a contaminação dos riosfronteiriços no Canadá.23


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHO<strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra, houve o período que pode ser chamado de período <strong>da</strong>“natureza virgem”, no qual houve ênf<strong>as</strong>e à proteção <strong>sobre</strong> os espaços naturaise territórios virgens submetidos à colonização 19 .A preocupação ambiental específica se inicia ao final <strong>da</strong> 2ª Guerra,tratando principalmente <strong>da</strong> proteção d<strong>as</strong> águ<strong>as</strong> doces e dos mares 20 .Entretanto, apen<strong>as</strong> após a crise <strong>da</strong> “socie<strong>da</strong>de de consumo”, que ocorreunos anos 1960, percebe-se o n<strong>as</strong>cimento do pensamento ambiental como oconhecemos atualmente, em linh<strong>as</strong> gerais. Tal movimento social gerou umareação espontânea d<strong>as</strong> socie<strong>da</strong>des em torno de um pensamento ecológico,ou “verde”, principalmente nos Estados Unidos e na então República Federal<strong>da</strong> Alemanha, e deu origem a vários acordos internacionais de proteção aomeio ambiente 21 . O C<strong>as</strong>o <strong>da</strong> Fundição Trail (11.03.1941) pode ser apontadocomo a primeira manifestação do Direito Internacional do Meio Ambiente 22 .As primeir<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong> de caráter ambiental, propriamente dit<strong>as</strong>,surgiram, <strong>entre</strong>tanto, nos sistem<strong>as</strong> jurídicos domésticos, em meados do séculoXX, sempre em resposta a eventos cat<strong>as</strong>tróficos. A emergência do Direito19Convenção de Londres de 1933, <strong>sobre</strong> a conservação <strong>da</strong> flora e <strong>da</strong> fauna natural na África; Convençãode W<strong>as</strong>hington de 1940, <strong>sobre</strong> a proteção <strong>da</strong> flora, fauna e d<strong>as</strong> belez<strong>as</strong> panorâmic<strong>as</strong> naturais dos países<strong>da</strong> América.20Protocolo <strong>entre</strong> França, Bélgica e Luxemburgo de 1950, <strong>sobre</strong> águ<strong>as</strong> fronteiriç<strong>as</strong>; Convenções paracombater a contaminação do Rio Mosela (1956), do Lago Lemán (1962) e do Rio Reno (1963);Convenção de Londres para a prevenção <strong>da</strong> contaminação do mar por hidrocarburos (1954), que foi oprimeiro instrumento internacional de prevenção contra a contaminação causa<strong>da</strong> por navios; Tratadode W<strong>as</strong>hington <strong>sobre</strong> a Antártica (1959); Tratado de Moscou <strong>sobre</strong> a proibição de testes nucleares naatmosfera, no espaço ultra-atmosférico e abaixo d’água (1963). Também valem ser mencionad<strong>as</strong> <strong>as</strong>primeir<strong>as</strong> decisões jurisprudenciais a respeito do tema de proteção do meio ambiente: C<strong>as</strong>o FundiçãoTrail (1941); C<strong>as</strong>o Estreito de Corfu (1949); C<strong>as</strong>o Lago Lanoux (1956).21Declaração <strong>sobre</strong> a Luta contra a Contaminação do ar, 1968; Carta Europeia de Águ<strong>as</strong>, 1968;Convenção Africana <strong>sobre</strong> a Proteção <strong>da</strong> Natureza e dos Recursos Naturais, 1968; Convenção de Bonnpara a luta contra a contaminação d<strong>as</strong> águ<strong>as</strong> do mar em c<strong>as</strong>os de acidentes por hidrocarburos, 1969;Convenção de Bruxel<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> intervenção em alto mar em c<strong>as</strong>os de acidentes que causem umacontaminação por hidrocarburos, 1969; Convenção de Bruxel<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> a constituição de um fundointernacional para indenização por <strong>da</strong>nos devidos à contaminação por hidrocarburos, 1971; Convençãode Ramsar <strong>sobre</strong> a conservação de zon<strong>as</strong> úmid<strong>as</strong> de importância internacional, 1971; Convenção deLondres <strong>sobre</strong> a proteção d<strong>as</strong> foc<strong>as</strong> antártic<strong>as</strong>, 1972.22Este c<strong>as</strong>o tratou de <strong>da</strong>nos que emissões de g<strong>as</strong>es poluentes realizad<strong>as</strong> no Canadá causavam a pesso<strong>as</strong>que moravam nos Estados Unidos. A decisão prolata<strong>da</strong> determinou que nenhum Estado tem o direitode usar ou de permitir o uso de seu território de tal modo que cause <strong>da</strong>no em razão do lançamento deemanações no ou até o território de outro Estado. Tal norma do Direito Internacional do MeioAmbiente foi confirma<strong>da</strong> tanto pelo princípio 21 <strong>da</strong> Declaração de Estocolmo (1972), quanto peloprincípio 2º <strong>da</strong> Declaração do Rio (1992). Ver SOARES, Guido Fernando Silva, Direito Internacionaldo Meio Ambiente, 2ªedição, São Paulo, Atl<strong>as</strong>, 2003 p. 44.24


SOBRE A EVOLUÇÃO DO AMBIENTALISMOInternacional do Meio Ambiente, nos anos 1960, se deu em razão de diversosfatores: conscientização do mundo <strong>sobre</strong> necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> proteção e estímuloà efetivação dos direitos humanos; abertura d<strong>as</strong> discussões em forosdiplomáticos à participação <strong>da</strong> opinião pública internacional (houve umavalorização d<strong>as</strong> teses científic<strong>as</strong> em ambientes dominados pela política);democratização d<strong>as</strong> relações internacionais pela maior atuação dosParlamentos nacionais nos processos de criação e controle d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> deDIP 23 .1.2.1. A Conferência de EstocolmoFoi neste clima de preocupação com o uso <strong>da</strong>do ao meio ambiente pelohomem que a AGNU convocou a realização <strong>da</strong> Conferência Mundial <strong>sobre</strong>o Meio Humano 24 , realiza<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>de de Estocolmo, em junho de 1972(Conferência de Estocolmo). Após a recomen<strong>da</strong>ção feita pela AGNU paraque o Conselho Econômico e Social d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong> (ECOSOC)realiz<strong>as</strong>se a conferência, foram realizados intensos trabalhos, destacando-seo Painel de Peritos em Desenvolvimento e Meio ambiente (realizado emFounex, Suíça, em junho de 1971). O relatório do Painel de Especialist<strong>as</strong>serviu para consoli<strong>da</strong>r <strong>as</strong> b<strong>as</strong>es conceituais do que seria discutido naConferência de Estocolmo.Desde o princípio dos trabalhos preparatórios para a Conferência jáficara clara a divisão <strong>entre</strong> os países industrializados e em desenvolvimento.Aqueles pretendiam uma conferência que discutisse <strong>as</strong>suntos <strong>sobre</strong> poluição<strong>da</strong> água, solos e atmosfera deriva<strong>da</strong> <strong>da</strong> industrialização, o que colocava ospaíses em desenvolvimento como responsáveis pelo encargo de apresentarinstrumentos de prevenção aos desequilíbrios ambientais, já que estesmantinham grandes recursos naturais que poderiam ser destruídos com seusprocessos de industrialização. Os países em desenvolvimento, <strong>entre</strong>tanto,não aceitaram que <strong>as</strong> eventuais propost<strong>as</strong> preservacionist<strong>as</strong> dos países ricospudessem eventualmente servir como motivos para intervenções extern<strong>as</strong> em23Outros fatores que aceleraram o processo de aparecimento do Direito Internacional do MeioAmbiente foram: poluição transfronteiriça; poluição de mares e oceanos por refugos de navios, porqueima de dejetos industriais em alto-mar ou pela poluição em águ<strong>as</strong> doces usad<strong>as</strong> como depósitos deresíduos industriais. Ver SOARES, op. cit., p.45-46.24Resolução 2398(XXIII), de 3 de dezembro de 1968.25


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOseus <strong>as</strong>suntos internos. Além disso, se opuseram à não consideração doscustos que tais polític<strong>as</strong> de preservação acarretariam para su<strong>as</strong> economi<strong>as</strong>,enquanto os benefícios por el<strong>as</strong> trazidos seriam mundialmente aproveitados.O desenvolvimento seria, portanto, para os países desenvolvidos, a causa <strong>da</strong>degra<strong>da</strong>ção ambiental, enquanto que, para os países em desenvolvimento, apobreza seria a causa do mau uso do meio ambiente.Este debate foi reflexo de um outro, que vinha sendo desenvolvido nosanos anteriores, concernente à chama<strong>da</strong> Nova Ordem EconômicaInternacional. Desde a criação <strong>da</strong> United Nations Conference on Tradeand Development (UNCTAD), em 1964, este foro internacional serviu comoespaço para discussão do lançamento de nov<strong>as</strong> b<strong>as</strong>es para <strong>as</strong> relaçõeseconômic<strong>as</strong> internacionais. Est<strong>as</strong> relações não deveriam ser fun<strong>da</strong>d<strong>as</strong> na ideiado General Agreement on Trade and Tarifs (GATT), ou seja, liber<strong>da</strong>decomercial, igual<strong>da</strong>de e reciproci<strong>da</strong>de de tratamento, m<strong>as</strong> na ideia de liber<strong>da</strong>desoma<strong>da</strong> ao reconhecimento <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> os países desenvolvidos epaíses em desenvolvimento e à ideia <strong>da</strong> não reciproci<strong>da</strong>de no tratamento<strong>entre</strong> eles 25 .A recusa dos países em desenvolvimento em tornarem-se como que“santuários ambientais”, enquanto que os países desenvolvidos continu<strong>as</strong>semsu<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> ecologicamente <strong>da</strong>nos<strong>as</strong> (dentro dos debates <strong>da</strong> formulação <strong>da</strong>Nova Ordem Econômica Internacional), soma<strong>da</strong> à preocupação internacional<strong>da</strong> opinião pública causa<strong>da</strong> pel<strong>as</strong> prov<strong>as</strong> científic<strong>as</strong> do ritmo des<strong>as</strong>troso <strong>da</strong>degra<strong>da</strong>ção ambiental e à pressão internacional <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> diplomaci<strong>as</strong> dospaíses para que fossem tomad<strong>as</strong> providênci<strong>as</strong> em favor <strong>da</strong> proteção do meioambiente foram os elementos que indicaram <strong>as</strong> nov<strong>as</strong> preocupações surgid<strong>as</strong>a partir dos debates <strong>da</strong> Conferência de Estocolmo.Juridicamente, os instrumentos elaborados pela Conferência deEstocolmo não possuem caráter vinculante, tendo força meramentedeclarativa ou recomen<strong>da</strong>tória. Isto se explica pelo fato de os debates<strong>sobre</strong> os tem<strong>as</strong> estarem apen<strong>as</strong> se iniciando, tornando o momento maisapropriado para avaliações <strong>da</strong> situação mundial do meio ambiente epara determinação de diretrizes polític<strong>as</strong>. Segundo SOARES, aDeclaração de Estocolmo pode ser considera<strong>da</strong> como um documentode DIP de igual valor que a Declaração Universal dos Direitos do25SOARES, op. cit., p.70.26


SOBRE A EVOLUÇÃO DO AMBIENTALISMOHomem, pois ambos servem como gui<strong>as</strong> de parâmetros mínimos quedevem ser adotados pel<strong>as</strong> legislações doméstic<strong>as</strong> dos Estados 26 .D<strong>entre</strong> os documentos elaborados na Conferência de Estocolmo, omais importante é a Declaração <strong>da</strong> Conferência d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong><strong>sobre</strong> o Meio Humano (Declaração de Estocolmo), que traçou princípios<strong>sobre</strong> os fun<strong>da</strong>mentos d<strong>as</strong> ações a serem realizad<strong>as</strong>, <strong>sobre</strong> os objetivosa serem atingidos, <strong>sobre</strong> a interconexão dos problem<strong>as</strong> ambientais comoutros problem<strong>as</strong> (como <strong>as</strong> dispari<strong>da</strong>des de desenvolvimento <strong>entre</strong> ospaíses e os problem<strong>as</strong> com a proteção dos direitos humanos), <strong>sobre</strong> osinstrumentos de política ambiental e a necessi<strong>da</strong>de de cooperaçãointernacional para a solução dos problem<strong>as</strong> ambientais 27 .A Conferência de Estocolmo teve enorme importância para odesenvolvimento do Direito Internacional do Meio Ambiente,principalmente em relação à elaboração de instrumentos de caráter nãoobrigatório, nem por isso menos importantes, que marcaram os primeiroslimites d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> que regem estes ramo do Direito. Além disso, diversosacordos especializados foram firmados com força vinculante para regularprogressivamente os diversos setores do meio ambiente que precisavamde proteção.Apesar dos avanços possibilitados pela Conferência de Estocolmo, aofinal dos anos 1980, a deterioração do meio ambiente e <strong>as</strong> ameaç<strong>as</strong> à boaquali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> do homem continuavam crescentes. O contexto internacionalde que<strong>da</strong> do bloco soviético possibilitou o desvio d<strong>as</strong> atenções do mundo parao grave problema <strong>da</strong> crise ecológica que atravessava o planeta. Com o fim <strong>da</strong>26No Br<strong>as</strong>il, um dos efeitos mais significativos <strong>da</strong> realização <strong>da</strong> Conferência de Estocolmo foi acriação <strong>da</strong> Secretaria Especial do Meio Ambiente em 1974. Ver SOARES, op. cit., p. 55.27Outro importante documento elaborado pela Conferência de Estocolmo foi o Plano de Açãopara o Meio Ambiente, que se guiava por três eixos fun<strong>da</strong>mentais: avaliação dos problem<strong>as</strong>(executado através do Earth Watch, que se b<strong>as</strong>eava em análises, investigações, vigilância, intercâmbiode informações e cooperação em escala internacionais); medid<strong>as</strong> de gerenciamento (os principaistem<strong>as</strong> cujos problem<strong>as</strong> de gerenciamento foram abor<strong>da</strong>dos concernem a poluição em geral, <strong>as</strong>substânci<strong>as</strong> tóxic<strong>as</strong> e perigos<strong>as</strong>, limitação de ruídos, contaminação alimentar, proteção dos meiosmarinhos); medid<strong>as</strong> de apoio (<strong>as</strong> principais medid<strong>as</strong> discutid<strong>as</strong> foram a promoção <strong>da</strong> informação,<strong>da</strong> educação ambiental, <strong>da</strong> formação de especialist<strong>as</strong> e <strong>da</strong> criação de instituições internacionais quevisem a atender aos objetivos <strong>da</strong> Declaração de Estocolmo). Além destes documentos, a Conferênciade Estocolmo foi responsável pela criação do Programa d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong> para o Meio Ambiente(PNUMA), por meio <strong>da</strong> Resolução 2997(XXVII) adota<strong>da</strong> pela AGNU em 15 de dezembro de1972.27


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOGuerra Fria, os tem<strong>as</strong> do desenvolvimento dos povos periféricos e <strong>da</strong> proteçãoao meio ambiente emergiram como debates centrais na agen<strong>da</strong> internacional 28 .A preocupação <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de internacional com o tema do meioambiente, já discutid<strong>as</strong> durante a Conferência de Estocolmo, p<strong>as</strong>saram a serca<strong>da</strong> vez mais debatid<strong>as</strong> e estu<strong>da</strong>d<strong>as</strong> ao final do anos 1980, quando se iniciavamos primeiros trabalhos para uma nova conferência, que viria a ser realiza<strong>da</strong>no Br<strong>as</strong>il, em 1992.No que tange o problema específico <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica, em 1987, oUNEP (United Nations Environment Program) convocou diversos grupos detrabalho de especialist<strong>as</strong> para debater o tema do valor econômico <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>debiológica e <strong>da</strong> sustentabili<strong>da</strong>de no seu uso. Os trabalhos se iniciaram em 1988,pelo Grupo de Trabalho Ad Hoc de Especialist<strong>as</strong> em Diversi<strong>da</strong>de Biológica. Em1990, a UNEP criou um Grupo de Trabalho Ad Hoc de Especialist<strong>as</strong> Técnicos eJurist<strong>as</strong> para preparar um novo instrumento jurídico internacional <strong>sobre</strong> aconservação e o uso <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica. O texto final do projeto de<strong>convenção</strong>, enviado para a Conferência do Rio, foi elaborado em Nairóbi, em22 de maio de 1992 (Ata de Nairóbi) 29 . A Ata de Nairóbi constitui-se de quatroresoluções: arranjos financeiros provisórios; cooperação internacional <strong>sobre</strong> aconservação <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica; relação <strong>entre</strong> a diversi<strong>da</strong>de biológica e aagricultura sustentável; agradecimentos ao Governo do Quênia 30 .1.2.2. A Conferência do RioObserva-se que a perspectiva dos estudos preparatórios para a realização<strong>da</strong> Conferência do Rio deu uma maior atenção aos diversos pontos de vista28Vale notar que <strong>as</strong> expressões país em desenvolvimento e país desenvolvido deixaram de ser deuso apen<strong>as</strong> profissional n<strong>as</strong> reuniões diplomátic<strong>as</strong> e p<strong>as</strong>saram a integrar alguns dos acordosjurídicos internacionais, como é o c<strong>as</strong>o do preâmbulo <strong>da</strong> UNCLOS (United Nations Conventionon the Law of the Sea), elabora<strong>da</strong> em 1982, antes do final <strong>da</strong> Guerra Fria. D<strong>entre</strong> os documentoselaborados na Conferência do Rio, destaca-se a Convenção-quadro <strong>sobre</strong> Mu<strong>da</strong>nça do Clima, noart. 4º, §§ 3º, 4º e 5º.29The Foun<strong>da</strong>tions of the Convention on Biological Diversity, CBD News (special edition), TheConvention on Biological Diversity: from conception to implmentation, CBD/UNEP/UN, 2002,p. 4.30Handbook of the Convention on Biological Diversity, Section IX – Nairobi Final act of theConference for the adoption of the agreed text of the Convention on Biological Diversity, 3ª edição,pp.399-408. Ver em versão eletrônica no endereço: http://www.biodiv.org/handbook/default.<strong>as</strong>p,[05.12.2005].28


SOBRE A EVOLUÇÃO DO AMBIENTALISMOenvolvidos nos <strong>as</strong>suntos de meio ambiente, descentralizando e globalizando osdebates. Em 1985, a AGNU decidiu <strong>da</strong>r início aos estudos preparatórios paraa Conferência do Rio e estabeleceu uma Comissão Mundial <strong>sobre</strong> MeioAmbiente e Desenvolvimento (presidi<strong>da</strong> pela Primeira-Ministra <strong>da</strong> Noruega,Gro Harlem Brundtland). O relatório <strong>da</strong> Comissão, conhecido como RelatórioBrundtland, foi apresentado à AGNU em 1987, contendo o levantamento dosmais graves problem<strong>as</strong> ambientais de então e <strong>da</strong>ndo sugestões para sua solução.A partir d<strong>as</strong> conclusões do Relatório Brundtland, deu-se início a um movimentointernacional inspirado na ideia do eco-desenvolvimento, ou seja, a conciliação<strong>entre</strong> o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente. Essemovimento culminou com a Conferência d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> Meio Ambientee Desenvolvimento (Conferência do Rio), realiza<strong>da</strong> no Rio de Janeiro, em 1992 31 .Vale ressaltar que a posição br<strong>as</strong>ileira, para a realização <strong>da</strong> Conferência no Br<strong>as</strong>il,foi concerta<strong>da</strong> com a dos demais países <strong>da</strong> América Latina e Caribe através <strong>da</strong>chama<strong>da</strong> Plataforma de Tlatelolco <strong>sobre</strong> Meio Ambiente e Desenvolvimento 32 .Os trabalhos preparatórios para a Conferência do Rio foram realizadospor um comitê preparatório, chamado PrepCom. As decisões do PrepComeram tomad<strong>as</strong> por consenso, uma maneira de conseguir apoio geral <strong>sobre</strong> <strong>as</strong>decisões adotad<strong>as</strong>.Durante a realização <strong>da</strong> Conferência do Rio, percebeu-se a formaçãode três grupos principais de países:1) Grupo 1: Países em Desenvolvimento (PED).O grupo formado pelo Grupo dos 77 (na ver<strong>da</strong>de, formado por mais de137 Estados) atuou de maneira coordena<strong>da</strong> através de uma estratégia bemplaneja<strong>da</strong>, cujo método era a liderança de certos países em tem<strong>as</strong> ou emsetores geográficos específicos e a existência de dois países como articuladoresprincipais 33 . Entretanto, percebeu-se uma certa divisão <strong>entre</strong> os países em31Resolução 44/228, de 22 de dezembro de 1989.32O documento foi elaborado, sob a égide <strong>da</strong> CEPAL, na Ci<strong>da</strong>de do México, <strong>entre</strong> 4 e 7 de marçode 1991. Os principais tópicos que foram concertados foram: proteção <strong>da</strong> atmosfera e alteraçõesclimátic<strong>as</strong>; biodiversi<strong>da</strong>de; florest<strong>as</strong> e degra<strong>da</strong>ção dos solos, oceanos e zon<strong>as</strong> costeir<strong>as</strong>; pobreza e<strong>as</strong>sentamentos urbanos; quali<strong>da</strong>de e suprimento de água; resíduos perigosos; meio ambienteurbano.33A Índia (era o porta-voz d<strong>as</strong> reinvidicações gerais dos países em desenvolvimento no que tocaa uma melhor divisão d<strong>as</strong> riquez<strong>as</strong> existentes no planeta) e a Malásia (representante dos interessesdos países em desenvolvimento em <strong>as</strong>suntos onde houvesse contradição <strong>entre</strong> <strong>as</strong> necessi<strong>da</strong>des deproteção do meio ambiente e <strong>as</strong> exigênci<strong>as</strong> prioritári<strong>as</strong> de desenvolvimento econômico).29


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOdesenvolvimento em alguns tem<strong>as</strong> específicos 34 . A este grupo de <strong>as</strong>sociou aChina, embora este país tenha mantido uma identi<strong>da</strong>de distinta, o que fezcom que os países em desenvolvimento p<strong>as</strong>s<strong>as</strong>sem a ser referidos como Grupodos 77 e China.2) Grupo 2: Países Industrializados (PI)O grupo formado pelos países industrializados também atuou intensamentena defesa de seus interesses, m<strong>as</strong> foram formados diversos sub-grupos quedefendiam interesses muit<strong>as</strong> vezes conflitantes <strong>entre</strong> si 35 .3) Grupo 3: Economi<strong>as</strong> em Transição (PET)Este grupo foi formado pelos países então recém-saídos do blocosoviético. Sua principal preocupação na Conferência do Rio foi conseguir oreconhecimento de sua situação particular, logrando um tratamento favorávelque os excluiria <strong>da</strong> obrigação de cumprir com cert<strong>as</strong> obrigações econômic<strong>as</strong>que seriam cumprid<strong>as</strong> pelos países industrializados.A Declaração do Rio foi elabora<strong>da</strong> como uma declaração <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>deinternacional <strong>sobre</strong> os princípios que deveriam ser seguidos pelos países noque concerne à proteção do meio ambiente, constituindo um p<strong>as</strong>so de grandevalor para a evolução do Direito Internacional do Meio Ambiente (<strong>as</strong>simcomo a Declaração de Estocolmo, a Declaração do Rio é uma norma decaráter programático 36 ), pois apresenta avanços importantes na criação de34Enfretamento <strong>entre</strong> os países produtores de petróleo e os países insulares, em razão doconstante consumo de combustíveis fósseis provocar um aquecimento na temperatura global quecoloca em risco os territórios de muitos Estados insulares.35Eram os seguintes grupos:1. União Europeia: atuou de maneira protagônica, defendendo postur<strong>as</strong> progressist<strong>as</strong> do pontode vista ambiental e muit<strong>as</strong> vezes apoiando <strong>as</strong> posições defendid<strong>as</strong> pelos países emdesenvolvimento;2. Estados Unidos: a potência manteve uma atitude distante e intransigente em relação aosinteresses dos demais participantes <strong>da</strong> Conferência do Rio;3. Países nórdicos: adotaram uma posição relativamente independente em relação a outros paísesdesenvolvidos, sempre defendendo <strong>as</strong> medid<strong>as</strong> mais profund<strong>as</strong> em relação à proteção ao meioambiente;4. Sub-grupo CANZ: formado pelo Canadá, Austrália e Nova Zelândia, este grupo visava a agirem conjunto para ganhar um maior protagonismo e maior peso específico nos trabalhos <strong>da</strong>Conferência;5. Japão: o país, apesar de sua importância na economia mundial, não teve atuação representativana Conferência do Rio, tendo mantido um perfil de baixa exposição.36As norm<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong> podem ser cl<strong>as</strong>sificad<strong>as</strong>, segundo um critério de finali<strong>da</strong>de, em norm<strong>as</strong> decomportamento ou norm<strong>as</strong> programátic<strong>as</strong>. “Existem norm<strong>as</strong> que regulam de forma vinculante ocomportamento. Digamos que sua finali<strong>da</strong>de é discipliná-lo diretamente, qualificando su<strong>as</strong> condi30


SOBRE A EVOLUÇÃO DO AMBIENTALISMOinstitutos que servirão como instrumentos para a proteção do meio ambiente.É interessante notar que a Declaração do Rio, embora repita diversosprincípios já mencionados na Declaração de Estocolmo, deu ao DireitoInternacional do Meio Ambiente uma conotação inovadora de preocupaçãocom a dispari<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> os níveis de desenvolvimento d<strong>as</strong> nações, sendo seutexto permeado pelo novo conceito de desenvolvimento sustentável. Noteseque até mesmo <strong>as</strong> denominações <strong>da</strong> Conferência de Estocolmo(Conferência d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> o Ambiente Humano) e <strong>da</strong>Conferência do Rio (Conferência d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> Meio Ambientee Desenvolvimento) indicam <strong>as</strong> diferenç<strong>as</strong> de preocupações destes doismomentos <strong>da</strong> evolução do Direito Internacional do Meio Ambiente.1.2.2.1. O conceito de desenvolvimento sustentávelO avanço mais notório <strong>da</strong> Declaração do Rio foi a consoli<strong>da</strong>ção do conceitode desenvolvimento sustentável 37 . A ideia de sustentabili<strong>da</strong>de n<strong>as</strong>ceu com apercepção de que a exaustão dos recursos e dos sumidouros naturais, a poluiçãoca<strong>da</strong> vez maior dos ecossistem<strong>as</strong> e os demais impactos causados pela açãohumana poderiam impossibilitar a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> própria ativi<strong>da</strong>de econômica.O confronto <strong>entre</strong> a necessi<strong>da</strong>de de proteção do meio ambiente e a necessi<strong>da</strong>dede crescimento econômico foi conciliado pelo Relatório Brundtland. Segundoo Relatório, <strong>as</strong> necessi<strong>da</strong>des dos mais pobres seriam melhor atendid<strong>as</strong> pelapreservação <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de do meio ambiente de gerar recursos. O RelatórioBrundtland não abandona a noção de crescimento econômico, m<strong>as</strong> prevê oções de exercício e os fatos com ele relacionados. São norm<strong>as</strong> de comportamento ou de conduta.M<strong>as</strong> há outr<strong>as</strong> que apen<strong>as</strong> expressam diretrizes, intenções, objetivos. São <strong>as</strong> chamad<strong>as</strong> norm<strong>as</strong>programátic<strong>as</strong>. (...) Discute-se se est<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> são jurídic<strong>as</strong> ou apen<strong>as</strong> expressões de intenções.Está em jogo o caráter vinculante (relação autori<strong>da</strong>de sujeito, relação meta-complementar). Adoutrina não é pacífica a respeito. (...) Uma norma programática <strong>da</strong> Constituição não obriga oEstado no sentido de que se lhe possa impor uma sanção por não fornecer a educação para todos.Não obstante, pode-se ver nel<strong>as</strong> algo de vinculante. Afinal, se o Estado se desvia dos planos oudos program<strong>as</strong>, estatuindo de forma oposta aos objetivos, pode-se impugnar o ato desviante. Oprograma vincula de modo negativo, pois se não obriga ao ato programado, pode impedir o atoque o inviabiliza”. Ver FERRAZ JR., Tércio Sampaio, Introdução ao estudo de direito: técnica,decisão, dominação, 2ª ed., São Paulo, Atl<strong>as</strong>, 1994, p. 131.37Sustainability, HOLLAND, Alan, in A Companion to Environmental Philosophy, JAMIESON,Dale (org.), Malden, Oxford, Melbourne, Berlin: Blackwell Publishing Ltd., 2003. Ver tambémDesenvolvimento Econômico e preservação do Meio Ambiente, ALMEIDA, Miguel Ozório de,Revista Br<strong>as</strong>ileira de Política Internacional, vol. XIV, Março/Junho, 1971, nº 53/54, pp. 125-137.31


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOaparecimento de uma nova era de crescimento para que seja aliviado o problema<strong>da</strong> pobreza, cuja marca principal é a manutenção <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de ambiental.O valor central que sustenta o princípio do desenvolvimento sustentávelfun<strong>da</strong>menta-se na ideia de justiça, neste contexto percebi<strong>da</strong> como umaarticulação <strong>entre</strong> a prosperi<strong>da</strong>de econômica e o bem-estar social. No que tocaa prosperi<strong>da</strong>de econômica e o bem-estar social, a proteção ambiental somentese vincula diretamente a estes tem<strong>as</strong> c<strong>as</strong>o seja entendi<strong>da</strong> como a manutenção<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de do meio ambiente de servir <strong>as</strong> necessi<strong>da</strong>des human<strong>as</strong>.A noção de justiça do princípio do desenvolvimento sustentável temalcance intergeracional, ou seja, abrange <strong>as</strong> gerações vindour<strong>as</strong> ao consideraros interesses envolvidos, podendo ser descrito como sustentável aqueledesenvolvimento que não gera declínios no consumo per capita dos recursosnaturais. Ain<strong>da</strong> com relação à justiça, o princípio do desenvolvimentosustentável também protege os interesses d<strong>as</strong> gerações futur<strong>as</strong>. O problemacentral que devemos li<strong>da</strong>r neste contexto é a questão dos custos deoportuni<strong>da</strong>de envolvidos no processo de proteção do meio ambiente,principalmente <strong>sobre</strong> os reais benefícios auferidos com a restauração e apreservação ambiental, seja por estratos sociais mais elevados ou por gruposde maiores necessi<strong>da</strong>des econômic<strong>as</strong>.A principal crítica do Relatório Brundtland é ao modelo dedesenvolvimento criado pela Revolução Industrial, no século XIX, ecentrado na ideia de que os recursos naturais são uma externali<strong>da</strong>de naativi<strong>da</strong>de econômica. A noção de desenvolvimento proposta pelo princípiodo desenvolvimento sustentável é fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na ideia de expansão d<strong>as</strong>capaci<strong>da</strong>des dos povos, de sua autonomia e do seu bem-estar, o que implicaa inclusão d<strong>as</strong> preocupações ambientais como parte <strong>da</strong> ideia de bem-estarhumano.A avaliação <strong>da</strong> sustentabili<strong>da</strong>de do desenvolvimento é feita, em parte, comb<strong>as</strong>e em critérios econômicos. O critério econômico determina que ca<strong>da</strong> geraçãodeve legar para <strong>as</strong> gerações vindour<strong>as</strong> no mínimo a mesma quanti<strong>da</strong>de de capitalnatural que recebeu de seus antep<strong>as</strong>sados. A noção de capital natural compreendetodos os recursos orgânicos e inorgânicos que ocorrem na natureza, inclusive osrecursos não físicos, como informações genétic<strong>as</strong>, diversi<strong>da</strong>de biológica,ecossistem<strong>as</strong> e sumidouros, ou seja, traduz todo o mundo natural percebido pelohomem como um ativo econômico. Este tipo de abor<strong>da</strong>gem possui vantagens,como a constatação de que a proteção ambiental importa em custos e ônuseconômicos, a comparação <strong>entre</strong> os benefícios <strong>da</strong> conservação ambiental frente32


SOBRE A EVOLUÇÃO DO AMBIENTALISMOaos benefícios gerados pela exploração dos recursos e a avaliação <strong>sobre</strong> aefetivi<strong>da</strong>de d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> de proteção ambiental.Entretanto, a perspectiva econômica não deve ser a única a orientar a adequaçãode uma ativi<strong>da</strong>de econômica às exigênci<strong>as</strong> de sustentabili<strong>da</strong>de ambiental. Outrosparâmetros, como o histórico e o político, são necessários para que se perceba acomplexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> inserção do homem no meio ambiente como um todo. No c<strong>as</strong>odo legado deixado pel<strong>as</strong> gerações presentes às gerações futur<strong>as</strong>, é evidente que hádiferenç<strong>as</strong> <strong>entre</strong> <strong>as</strong> situações de gerações que, atualmente, vivem em condiçõeseconômic<strong>as</strong> e padrões de consumo de países ricos <strong>da</strong>quel<strong>as</strong> gerações que enfrentam<strong>as</strong> adversi<strong>da</strong>des característic<strong>as</strong> dos países em desenvolvimento. As populaçõesdos países em desenvolvimento necessitam do acesso aos seus recursos naturais eaos serviços ambientais para que possam melhorar sua quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> e a situaçãoque <strong>as</strong> própri<strong>as</strong> gerações futur<strong>as</strong> encontrarão n<strong>as</strong> su<strong>as</strong> socie<strong>da</strong>des.Além do desenvolvimento sustentável como um direito intergeracional, aDeclaração do Rio também previu regr<strong>as</strong> dirigid<strong>as</strong> às relações <strong>entre</strong> os Estados.Em razão d<strong>as</strong> diferentes contribuições <strong>da</strong>d<strong>as</strong> historicamente pelos Estados àsituação de degra<strong>da</strong>ção ambiental que atravessa o planeta, e com b<strong>as</strong>e naideia de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de mundial, estabeleceu-se o princípio d<strong>as</strong>responsabili<strong>da</strong>des comuns, m<strong>as</strong> diferenciad<strong>as</strong> <strong>entre</strong> os Estados. Através desteprincípio, Estados historicamente responsáveis por maiores índices de poluiçãoe degra<strong>da</strong>ção do meio ambiente têm maiores responsabili<strong>da</strong>des na suaproteção no momento presente. Outros princípios importantes estabelecidospela Declaração do Rio são princípio do poluidor-pagador 38 , <strong>da</strong> prevenção,<strong>da</strong> integração <strong>da</strong> proteção do meio ambiente em tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> esfer<strong>as</strong> <strong>da</strong> políticados Estados, <strong>da</strong> aplicação dos estudos de impacto ambiental e <strong>da</strong> internalizaçãode custos externos.A partir destes princípios se articulam <strong>as</strong> noções de necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>manutenção <strong>da</strong> paz e <strong>da</strong> erradicação <strong>da</strong> pobreza como elementosfun<strong>da</strong>mentais para o desenvolvimento sustentável. A tod<strong>as</strong> est<strong>as</strong> exigênci<strong>as</strong>generalizantes são apresentados meios de sua implementação, principalmenteatravés do critério <strong>da</strong> precaução no tratamento de <strong>as</strong>suntos relacionados ao38Segundo SOARES, a internalização dos custos externos são <strong>as</strong> medid<strong>as</strong> legais tendentes a fazercom que os custos derivados <strong>da</strong> produção de bens e serviços e que onerem a socie<strong>da</strong>de como umtodo deixem de ser vistos como “custos externos”, suscetíveis de serem tolerados e pagos porto<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de, m<strong>as</strong>, antes, p<strong>as</strong>sem a ser ressarcidos diretamente pela fonte poluidora, que,<strong>as</strong>sim, os “internalizaria”. Op. cit., p.80.33


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOmeio ambiente, do princípio do poluidor-pagador e <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de dosestudos de impacto ambiental para realização de obr<strong>as</strong> de grande porte 39 .39Dois pontos na Declaração do Rio são criticados por RUIZ por serem considerados comoretrocessos no processo de avanço do Direito Internacional do Meio Ambiente. O autor afirmaque um destes retrocessos seria a recuperação <strong>da</strong> priori<strong>da</strong>de <strong>da</strong><strong>da</strong> à soberania no tratamento dosrecursos naturais, embora contrapesa<strong>da</strong> pela responsabili<strong>da</strong>de <strong>sobre</strong> ativi<strong>da</strong>des que causem <strong>da</strong>nosa outros Estados. Além disso, os compromissos em relação à contenção demográfica são esc<strong>as</strong>sos,sendo vag<strong>as</strong> demais <strong>as</strong> referênci<strong>as</strong> <strong>da</strong> Declaração do Rio à sua necessi<strong>da</strong>de. Vale ressaltar que osdois pontos criticados são elementos caros aos países do mundo em desenvolvimento, pois nãoapen<strong>as</strong> lutaram para que seus patrimônios nacionais não se torn<strong>as</strong>sem de proprie<strong>da</strong>de internacional,como também se esforçaram para af<strong>as</strong>tar <strong>da</strong> agen<strong>da</strong> internacional o enfoque apen<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> ocontrole demográfico, sem levar em consideração os problem<strong>as</strong> de pobreza. Ver Derechointernacional del medio ambiente, RUIZ, José Juste, Madri, McGraw Hill, 1999, p. 25.34


Capítulo 2Sobre a diversi<strong>da</strong>de biológica e a proprie<strong>da</strong>deintelectual2.1. A Convenção <strong>sobre</strong> a Diversi<strong>da</strong>de BiológicaA CDB foi um documento de importância fun<strong>da</strong>mental para o DireitoInternacional do Meio Ambiente, tendo entrado em vigor em 29 de dezembrode 1993, após a ratificação de 30 países.Segundo o art.2, § 1º <strong>da</strong> CDB, a expressão diversi<strong>da</strong>de biológic<strong>as</strong>ignifica a variabili<strong>da</strong>de de organismos vivos de tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> origens,compreendendo, d<strong>entre</strong> outros, os ecossistem<strong>as</strong> terrestres, marinhose outros ecossistem<strong>as</strong> aquáticos e os complexos ecológicos de quefazem parte; compreendendo ain<strong>da</strong> a diversi<strong>da</strong>de dentro de espécies,<strong>entre</strong> espécies e de ecossistem<strong>as</strong>. A diversi<strong>da</strong>de biológica pode serentendi<strong>da</strong>, em termos mais concisos, como a totali<strong>da</strong>de dos genes, d<strong>as</strong>espécies e dos ecossistem<strong>as</strong> do planeta, incluindo aqueles alteradosatravés dos tempos pela ação humana 40 .40O termo totali<strong>da</strong>de de genes significa a variação dos genes dentro de uma mesma espécie. Otermo totali<strong>da</strong>de de espécies significa a varie<strong>da</strong>de de espécies existentes em uma determina<strong>da</strong>região. A diversi<strong>da</strong>de de ecossistem<strong>as</strong> é de mais difícil verificação devido à intercomunicaçãoexistente <strong>entre</strong> os ecossistem<strong>as</strong>, o que impede a definição precisa de onde começam e ondeterminam. Ver RUIZ, op. cit., p. 412/413.35


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOVale ressaltar, <strong>entre</strong>tanto, que a proteção à diversi<strong>da</strong>de biológica nãopode levar em consideração apen<strong>as</strong> a diversi<strong>da</strong>de de composição do meioambiente (genes; espécies; ecossistem<strong>as</strong>), m<strong>as</strong> também deve perceber adiversi<strong>da</strong>de na estrutura de funcionamento do meio ambiente 41 .A diversi<strong>da</strong>de biológica é um recurso econômico valorizado tanto pelospaíses em desenvolvimento, detentores <strong>da</strong> maior parte dos recursos dediversi<strong>da</strong>de biológica, como pelos países industrializados, detentores d<strong>as</strong>tecnologi<strong>as</strong> capazes de lhes <strong>da</strong>r uma aplicação comercial. O valor econômicoque se agregou à diversi<strong>da</strong>de biológica conferiu às negociações <strong>da</strong> CDB amarca do conflito de interesses <strong>entre</strong> o Norte desenvolvido e o Sul emdesenvolvimento. Os principais interesses em conflito envolviam o desejod<strong>as</strong> nações do Norte, consumidor<strong>as</strong> de diversi<strong>da</strong>de biológica, de preservar adiversi<strong>da</strong>de biológica <strong>da</strong> crescente degra<strong>da</strong>ção que estava sofrendo contra anecessi<strong>da</strong>de d<strong>as</strong> nações do Sul, detentor<strong>as</strong> de patrimônios de diversi<strong>da</strong>debiológica, de obter benefícios econômicos que melhor<strong>as</strong>sem a quali<strong>da</strong>de devi<strong>da</strong> dos seus povos, reduzindo os custos <strong>da</strong> preservação <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>debiológica.Os antecedentes que explicam os conflitos de interesses observados naépoca <strong>da</strong> Conferência do Rio em 1992 remontam ao início dos anos 1970 e1980. Na Conferência de Estocolmo, como antes mencionado, a necessi<strong>da</strong>dede crescimento econômico dos países em desenvolvimento alia<strong>da</strong> àconservação do meio ambiente mostrava que uma nova concepção <strong>sobre</strong> osrecursos naturais já começava a se delinear. No anos 1980, dois documentosforam importantes no processo de formação dos novos conceitosinternacionais <strong>sobre</strong> a gestão do meio ambiente: o Compromisso Internacional<strong>sobre</strong> Recursos Fitogenéticos, de 1983, e o Relatório Brundtland, que difundiuo conceito de desenvolvimento sustentável.O efeito destes documentos foi a constatação pela comuni<strong>da</strong>deinternacional <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de efetuar esforços em conjunto para apreservação, a conservação e o uso sustentável <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica,principalmente através <strong>da</strong> criação de instrumentos jurídicos que abrangessemtodos os <strong>as</strong>pectos relativos ao tema. O PNUMA convocou pesquisadores erepresentantes dos governos para elaborar um projeto de <strong>convenção</strong> que41Por exemplo, abundância relativa de espécies; estrutur<strong>as</strong> de i<strong>da</strong>des d<strong>as</strong> populações; estruturad<strong>as</strong> comuni<strong>da</strong>des em uma região; variação <strong>da</strong> composição d<strong>as</strong> estrutur<strong>as</strong> d<strong>as</strong> comuni<strong>da</strong>des aolongo do tempo; processos ecológicos como depre<strong>da</strong>ção, mutualismo, par<strong>as</strong>itismo etc.36


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUALincluísse tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> questões relacionad<strong>as</strong> com a diversi<strong>da</strong>de biológica. O projetode <strong>convenção</strong> negociado pelos Estados sob os auspícios do PNUMA seguiuum princípio de conservação d<strong>as</strong> espécies e de uso sustentável d<strong>as</strong> riquez<strong>as</strong><strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica com o objetivo de reagrupar e reforçar algum<strong>as</strong>outr<strong>as</strong> convenções internacionais em torno de um marco único 42 .2.1.1. A problemática <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológicaA grande riqueza do mundo contemporâneo, desde a chama<strong>da</strong> TerceiraRevolução Industrial, ou Tecnológica, é a informação. A informação queimporta à ativi<strong>da</strong>de econômica atual é aquela que possibilita aos agentes <strong>da</strong>economia que se diferenciem dos demais agentes. Isto significa que <strong>as</strong> form<strong>as</strong>de apropriação <strong>da</strong> informação se tornaram fun<strong>da</strong>mentais para a compreensãode como se desenvolvem os fluxos econômicos e mesmo como se articulamos interesses políticos na atuali<strong>da</strong>de.Juridicamente, a apropriação <strong>da</strong> informação é feita pelos sistem<strong>as</strong> deproprie<strong>da</strong>de intelectual, que constituem uma reestruturação dos regimesjurídicos, criados pelos países industrializados, para regular <strong>as</strong> relaçõeshuman<strong>as</strong> ligad<strong>as</strong> às criações <strong>da</strong> mente 43 . Os países industrializados possuemos meios tecnológicos para ter acesso aos recursos <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica,m<strong>as</strong> não possuem tal diversi<strong>da</strong>de em seus territórios, em razão do usodescontrolado de seus recursos naturais no p<strong>as</strong>sado. Isso fez com que taispaíses regul<strong>as</strong>sem o acesso à biotecnologia em seus sistem<strong>as</strong> jurídicos internose depois incentiv<strong>as</strong>sem os países em desenvolvimento a adotar o sistema poreles criados. Seu principal interesse era o de ter livre acesso aos recursos <strong>da</strong>diversi<strong>da</strong>de biológica e impedir o acesso à biotecnologia, que já detinham.A importância dos recursos genéticos não está propriamente n<strong>as</strong> plant<strong>as</strong>,animais ou microorganismos em si mesmos, enquanto cois<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> n<strong>as</strong>informações genétic<strong>as</strong> que podem fornecer para a produção de um42Tais convenções eram, por exemplo: Convenção <strong>sobre</strong> Zon<strong>as</strong> Úmid<strong>as</strong> de ImportânciaInternacional Especialmente como Habitat de Aves Aquátic<strong>as</strong>, Ramsar (1971); a Convençãorelativa à Proteção do Patrimônio Natural e Cultural Mundial, Paris (1972); a Convenção <strong>sobre</strong> oComércio Internacional de Espécies <strong>da</strong> Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção, W<strong>as</strong>hington(1973); a Convenção para a Conservação d<strong>as</strong> Espécies Migratóri<strong>as</strong> <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> Selvagem, Bonn(1979). Note-se que <strong>as</strong> convenções de Ramsar e de W<strong>as</strong>hington tinham como princípio fun<strong>da</strong>mentala noção que a diversi<strong>da</strong>de biológica era uma patrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, portanto, de livreacesso para todos. PÉRET DE SANT’ANA, op. cit., p. 41.43Ver http://www.wto.org/english/tratop_e/TRIPS_e/intel1_e.htm., [01.11.2005]37


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOdeterminado efeito, depois de analisad<strong>as</strong> e transferid<strong>as</strong> para outrosorganismos. Tais efeitos decorrentes <strong>da</strong> recombinação de genes ou <strong>da</strong> suaaplicação para elaboração de substânci<strong>as</strong>, por não existirem na natureza,podem ser objeto de patenteamento. O patenteamento, portanto, funcionacomo o modo de apropriação d<strong>as</strong> informações genétic<strong>as</strong> contid<strong>as</strong> nadiversi<strong>da</strong>de biológica 44 .O termo “diversi<strong>da</strong>de biológica” foi usado inicialmente por Elliot R. Norse(significando não apen<strong>as</strong> <strong>as</strong> espécies, m<strong>as</strong> também os níveis genético eecossistêmico) e por Thom<strong>as</strong> E. Lovejoy (significando a riqueza de espécies),ambos no início dos anos 1980. A expressão “biodiversi<strong>da</strong>de” foi cunha<strong>da</strong>em 1985 com para a realização do National Forum of BioDiversity(W<strong>as</strong>hington, em 1986) 45 .O processo de negociação <strong>da</strong> CDB levou à adoção <strong>da</strong> definição, no art.2 <strong>da</strong> CDB, do termo diversi<strong>da</strong>de biológica como “a variabili<strong>da</strong>de deorganismos vivos de tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> origens e os complexos ecológicos de quefazem parte: compreendendo ain<strong>da</strong> a diversi<strong>da</strong>de dentro d<strong>as</strong> espécies, <strong>entre</strong>espécies e de ecossistem<strong>as</strong>”. O conceito de biodiversi<strong>da</strong>de variou, portanto,<strong>da</strong> mera varie<strong>da</strong>de de espécies para abranger a diversi<strong>da</strong>de genética eambiental de todo o conjunto de seres vivos. Além disso, após a Conferênciado Rio, a comuni<strong>da</strong>de internacional deixou de lado o paradigmapreservacionista, que protegia cert<strong>as</strong> espécies e ambientes exóticos, e p<strong>as</strong>soupara a abor<strong>da</strong>gem sustentável de meio ambiente, que insere a questãoecológica no contexto social global, além de interesses meramente internosdos países. O advento do conceito de desenvolvimento sustentável constituia imposição do padrão ético <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de natural à comuni<strong>da</strong>decientífica, que deve seguir os limites <strong>da</strong> nova ética para <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de aodesenvolvimento técnico.A diversi<strong>da</strong>de biológica possui uma dupla inserção na vi<strong>da</strong> políticados países. Inicialmente, representa o elemento essencial de suporte àvi<strong>da</strong> e fator de equilíbrio ambiental, não apen<strong>as</strong> para <strong>as</strong> geraçõespresentes, m<strong>as</strong> para <strong>as</strong> gerações futur<strong>as</strong>. É uma fonte de precios<strong>as</strong>44SANTOS, Laymert Garcia dos, A difícil questão dos acesso aos recursos genéticos, em MeioAmbiente, Direito e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, ALVES, Alaôr Café, BRUNA, Gil<strong>da</strong> Collet, PHILIPPI JR.,Arlindo, ROMÉRO, Marcelo de Andrade (org.), Núcleo de Informações em Saúde Ambiental <strong>da</strong>Universi<strong>da</strong>de de São Paulo (NISAM-USP), São Paulo, Signus Editora, 2002, p. 81-87.45Biodiversity, ROLSTON III, Holmes, in A Companion to Environmental Philosophy,JAMIESON, Dale (org.), Malden, Oxford, Melbourne, Berlin: Blackwell Publishing Ltd., 2003.38


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUALinformações para a melhoria do bem-estar do homem através do avanço<strong>da</strong> técnica científica. Esta fonte de informações também se coloca comoativo nos recursos estratégicos dos Estados n<strong>as</strong> questões de geopolítica.Além de ser um elemento diretamente ligado à vi<strong>da</strong> humana, adiversi<strong>da</strong>de biológica vincula com <strong>as</strong> relações polític<strong>as</strong> porque é objetode estratégi<strong>as</strong> que se projetam <strong>sobre</strong> os territórios e, logo, de conflitos<strong>entre</strong> Estados.Se considerarmos o conceito de “recurso” como todo elementocapaz de ser útil para alguma finali<strong>da</strong>de humana, servindo cominstrumento dinâmico para o desenvolvimento, a diversi<strong>da</strong>de biológica,enquanto varie<strong>da</strong>de total d<strong>as</strong> form<strong>as</strong> de vi<strong>da</strong>, desde o nível genéticosaté o nível de ecossistema, é obviamente um recurso de enorme valor.Entretanto, o que se percebe é que a busca constante de melhorescondições de vi<strong>da</strong> empreendi<strong>da</strong> pelo homem não tem observado adiversi<strong>da</strong>de biológica como b<strong>as</strong>e de sustentação para o própriodesenvolvimento, em razão do consumo desplanejado de espaços e derecursos que acaba por erodir a riqueza <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica. Asolução para este problema está na escolha que será feita pelahumani<strong>da</strong>de <strong>sobre</strong> o modelo de crescimento que deseja implementar e<strong>sobre</strong> a evolução dos circuitos econômicos que se permitirá quedeterminem os rumos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> no planeta. Tais escolh<strong>as</strong>, em razão <strong>da</strong>abor<strong>da</strong>gem contemporânea <strong>da</strong> relação do homem com a natureza, nãose restringem aos espaços dos Estados-nação, m<strong>as</strong> devem ser tomad<strong>as</strong>em conjunto por to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong>de internacional.2.1.2. Dos interesses em jogoOs organismos que compõem os diversos ecossistem<strong>as</strong> formadores <strong>da</strong>diversi<strong>da</strong>de biológica são geradores de uma grande varie<strong>da</strong>de de serviçosambientais: regulação <strong>da</strong> composição g<strong>as</strong>osa <strong>da</strong> atmosfera; proteção de zon<strong>as</strong>costeir<strong>as</strong>; regulação de ciclos hidrológicos e do clima; geração e conservaçãode solos férteis; dispersão e decomposição de resíduos; polinização deplantações; absorção de poluentes. Estima-se que o valor econômico de taisserviços para o homem varia <strong>entre</strong> US$ 16 trilhões e US$ 54 trilhões porano. Além dos serviços ambientais diretamente prestados ao homem, adiversi<strong>da</strong>de biológica é responsável por cerca de 75% d<strong>as</strong> matéri<strong>as</strong> prim<strong>as</strong>para a produção farmacêutica mundial, variando o valor comercializado total39


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOdestes medicamentos <strong>entre</strong> US$ 75 bilhões e US$ 150 bilhões por ano 46 . Adiversi<strong>da</strong>de biológica também é a b<strong>as</strong>e para a segurança alimentar do mundo,devido à manutenção dos fluxos que dão sustentam os ciclos biológicos e,consequentemente, à vi<strong>da</strong> humana 47 .Na discussão do projeto CDB, os países em desenvolvimento, tendopercebido que a diversi<strong>da</strong>de biológica seria um instrumento para viabilizar oseu crescimento econômico, demonstraram interesse de que a <strong>convenção</strong>não se limit<strong>as</strong>se à mera conservação dos recursos de diversi<strong>da</strong>de biológica,m<strong>as</strong> que se fund<strong>as</strong>se em um regime de pagamento de rend<strong>as</strong> (royalties) pelospaíses consumidores dos recursos aos países em desenvolvimento detentoresdestes recursos. Estes países não interpretavam a diversi<strong>da</strong>de biológica comoum patrimônio <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, m<strong>as</strong> como patrimônio nacional. O acesso aosrecursos, portanto, não seria livre, devendo os países detentores dos recursosser indenizados, em termos monetários, pelo seu uso. Do lado oposto, ospaíses ricos interpretavam o acesso à diversi<strong>da</strong>de biológica como devendoser livre em razão de serem recursos naturais mundiais e essenciais ao futuro<strong>da</strong> agricultura e d<strong>as</strong> biotecnologi<strong>as</strong>.O Br<strong>as</strong>il participou nos trabalhos de elaboração do projeto do textopara uma Convenção <strong>sobre</strong> Proteção <strong>da</strong> Biodiversi<strong>da</strong>de, que resultou naCDB. O projeto de texto originário, elaborado pela Food and AgricultureOrganization (FAO), pelo PNUMA e pela União Internacional deConservação <strong>da</strong> Natureza, refletia a interpretação existente em certos acordosinternacionais, elaborados nos anos 1970 (antes <strong>da</strong> criação d<strong>as</strong> nov<strong>as</strong>biotecnologi<strong>as</strong>), <strong>sobre</strong> a diversi<strong>da</strong>de biológica como um patrimônio comum<strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. O Br<strong>as</strong>il se opôs a esta conceituação <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica,tendo percebido que os componentes <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica eram insumosvaliosos para a indústria de b<strong>as</strong>e biotecnológica e que os produtos realizadosatravés <strong>da</strong> biotecnologia eram p<strong>as</strong>síveis de patenteamento.É interessante notar que a interpretação <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Br<strong>as</strong>il à natureza jurídica<strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica encontrou imens<strong>as</strong> resistênci<strong>as</strong> não apen<strong>as</strong> nos paísesdesenvolvidos, m<strong>as</strong> também junto aos países em desenvolvimento. Aresistência explicava-se porque a representação inicial do grupo que trabalhava46Para informações mais detalhad<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> a relação <strong>entre</strong> a diversi<strong>da</strong>de biológica e a indústriafarmacêutica, ver O Contexto Br<strong>as</strong>ileiro para a Bioprospecção: A Competência CientíficotecnológicaBr<strong>as</strong>ileira, SANT’ANA, Paulo José Péret de, ASSAD, Ana Lúcia, edição eletrônicaRevista Biotecnologia, Ciência e Desenvolvimento, http://www.biotecnologia.com.br/revista/bio29/contexto.pdf, [15.11.2005], pp. 32/37.47Estado do Meio Ambiente e Retrospectiv<strong>as</strong> Polític<strong>as</strong>: 1972-2002, op. cit., p. 130 e 131.40


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUALjunto ao PNUMA era essencialmente preservacionista, não tendo tratado detem<strong>as</strong> de biotecnologia. Além disso, <strong>as</strong> empres<strong>as</strong> de biotecnologia tinhamgrandes interesses em jogo nesta negociação. Inicialmente, apen<strong>as</strong> Índia eChina eram solidári<strong>as</strong> à posição br<strong>as</strong>ileira de que os recursos <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>debiológica, <strong>as</strong>sim como quaisquer outros recursos naturais, fossem parte dopatrimônio do Estado-nação em cujo território se localiz<strong>as</strong>sem. Junto com oBr<strong>as</strong>il, estes dois países, além de deterem grandes recursos de diversi<strong>da</strong>debiológica, também possuem meios relativamente desenvolvidos de exploraros recursos genéticos que possuem.2.1.3. O conceito de patrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>deA importância <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica para o desenvolvimento científicoe para a ativi<strong>da</strong>de econômica conjuga<strong>da</strong> com o caráter transfronteiriço quemarca os ciclos biológicos, ou seja, a convergência de interesses políticoeconômicoscom os traços que definem materialmente a diversi<strong>da</strong>de biológica,podem causar erros na cl<strong>as</strong>sificação jurídica <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica. Adiversi<strong>da</strong>de biológica é um dos elementos que se integram ao patrimônio dosEstados-nacionais em cujo território se localizam os recursos biológicos, sendodireito soberano dos Estados submeter tais recursos às polític<strong>as</strong> ambientaisnacionais 48 . Além do caráter jurídico de submissão a uma única soberania, <strong>as</strong>razões polític<strong>as</strong> subjacentes a este instituto também a diferenciam de outrosinstitutos de DIP, como é o c<strong>as</strong>o do patrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de.A ideia principal que perp<strong>as</strong>sa a noção de patrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>deé a noção de justiça, o que confere ao instituto um caráter eminentemente valorativo.A ideia de justiça, liga<strong>da</strong> ao patrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, relaciona-se, porum lado, com a ideia de igual<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> <strong>as</strong> nações e com a noção deinterdependência. Por outro lado, relaciona-se com <strong>as</strong> noções de soberania e desubdesenvolvimento. O instituto do patrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de possui,portanto, um conteúdo teleológico intrínseco, configurado na diminuição <strong>da</strong>distância <strong>entre</strong> os países industrializados e os países em desenvolvimento 49 .48Art.3, <strong>da</strong> CDB: “States have, in accor<strong>da</strong>nce with the Charter of the United Nations and theprinciples of international law, the sovereign right to exploit their own resources pursuant to theirown environmental policies, and the responsibility to ensure that activities within their jurisdictionor control do not cause <strong>da</strong>mage to the environment of other States or of are<strong>as</strong> beyond the limitsof national jurisdiction”.49IMBIRIBA, Maria de Nazaré Oliveira, Do princípio do patrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de,São Paulo: s.ed., 1980, p.110.41


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOAs noções de soberania e de não intervenção, n<strong>as</strong>cid<strong>as</strong> no contextoeurocêntrico do século XVII, se caracterizam por terem sido exclusiv<strong>as</strong> deum pequeno grupo de Estados, então centrais n<strong>as</strong> relações internacionais,que precisava manter a estabili<strong>da</strong>de de su<strong>as</strong> relações. Su<strong>as</strong> b<strong>as</strong>es se remetemao instituto <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de jurídica formal <strong>entre</strong> os Estados, princípio quecontinuou a ser fun<strong>da</strong>mento d<strong>as</strong> relações internacionais nos séculos seguintes,sendo depois aplicado às nações descolonizad<strong>as</strong> criad<strong>as</strong> no século XX. Noteseque, com o movimento de descolonização, que permitiu aos membros d<strong>as</strong>ocie<strong>da</strong>de internacional discutir efetivamente o status de igual<strong>da</strong>de jurídicaque existia apen<strong>as</strong> em termos formais, a própria existência <strong>da</strong> ideia de soberaniafoi rediscuti<strong>da</strong>.A noção de igual<strong>da</strong>de jurídica <strong>entre</strong> os Estados precisava sofrer umareforma que a a<strong>da</strong>pt<strong>as</strong>se às nov<strong>as</strong> reali<strong>da</strong>des apresentad<strong>as</strong> no contextointernacional. Este processo de reforma originou <strong>as</strong> b<strong>as</strong>es <strong>da</strong> ideia depatrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. O DIP p<strong>as</strong>sou a ser revisto para se queadequ<strong>as</strong>se à reali<strong>da</strong>de de desigual<strong>da</strong>des materiais <strong>entre</strong> os países. A origemdo processo de reformulação do DIP foi, portanto, a constatação, por partedos países recém-descolonizados e <strong>da</strong> América Latina, <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de urgentede uma reforma nos institutos clássicos para que deix<strong>as</strong>sem de servir comoinstrumento de submissão de alguns países aos interesses de outros.A interação ca<strong>da</strong> vez maior <strong>entre</strong> os Estados observa<strong>da</strong> a partir do final doséculo XIX evidenciou ain<strong>da</strong> mais o nível de desigual<strong>da</strong>de existente <strong>entre</strong> eles. São<strong>as</strong> desigual<strong>da</strong>des materiais na socie<strong>da</strong>de internacional que originaram uma buscapor uma maior cooperação internacional. A cooperação internacional era percebi<strong>da</strong>,em termos materiais, como a transferência de tecnologi<strong>as</strong> e conhecimentosnecessários ao bom desenvolvimento econômico dos países periféricos.Os fun<strong>da</strong>mentos do instituto jurídico <strong>da</strong> soberania e <strong>da</strong> política decooperação internacional se diferenciam, portanto, quando verificados a partirde uma perspectiva material: enquanto que a ideia de soberania tem plenofuncionamento <strong>entre</strong> Estados em condições materiais relativamente iguais, anoção de cooperação internacional parte do pressuposto de uma desigual<strong>da</strong>dematerial <strong>entre</strong> os Estados 50 .50Isto não significa que <strong>as</strong> noções de soberania e cooperação internacional se reduzam a parâmetroseconômicos para a sua análise, pois seus conceitos também se estruturam por elementos sóciopolíticose históricos.A cooperação internacional, por exemplo, pode ser realiza<strong>da</strong> <strong>entre</strong> países demesmo patamar econômico, inclusive com grandes vantagens para o desenvolvimento mútuo d<strong>as</strong>partes.42


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUALOs países em desenvolvimento, à medi<strong>da</strong> que tomaram consciência dograu de desigual<strong>da</strong>de econômica a que estavam submetidos, p<strong>as</strong>saram areinvidicar ca<strong>da</strong> vez mais a cooperação internacional, ao mesmo tempo quereafirmavam e ressaltam a manutenção de sua soberania. A busca por umamaior cooperação internacional visava a diminuir a distância material <strong>entre</strong> ospaíses centrais e os países periféricos, de forma a consoli<strong>da</strong>r o exercício d<strong>as</strong>oberania destes últimos através de uma melhor situação material para esteexercício.A ideia de criação de áre<strong>as</strong> que seriam um patrimônio comum <strong>da</strong>humani<strong>da</strong>de se explica pela capaci<strong>da</strong>de desigual de acesso aos recursosecológicos. C<strong>as</strong>o fossem considerados como uma parte do patrimônio dospaíses que a eles inicialmente tivessem acesso, ou que os explor<strong>as</strong>sem, <strong>as</strong>áre<strong>as</strong> atualmente considerad<strong>as</strong> como patrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de seriamde exclusivo uso dos países desenvolvidos. O desenvolvimento tecnológicodestes países os possibilitaria, portanto, ter acesso a bens que certamente ostornariam ain<strong>da</strong> mais fortes em termos econômicos. Isto alijaria ain<strong>da</strong> mais ospaíses periféricos <strong>da</strong> distribuição global de riquez<strong>as</strong>, uma vez que seu estadode pouco desenvolvimento tecnológico se agravaria ain<strong>da</strong> mais pelaimpossibili<strong>da</strong>de de contato com os recursos disponíveis em tais áre<strong>as</strong>.O debate para a criação do instituto do patrimônio comum <strong>da</strong>humani<strong>da</strong>de não apen<strong>as</strong> evitou que recursos de áre<strong>as</strong> internacionais fossemindevi<strong>da</strong>mente apropriados, como garantiu aos países em desenvolvimentoafirmar sua soberania <strong>sobre</strong> os recursos naturais localizados em seusterritórios. Este processo se explica porque “a soberania ain<strong>da</strong> mantémseu papel defensivo no que diz respeito à própria existência do fenômenohistórico do Estado, pois há Estado enquanto há certo grau de soberania.M<strong>as</strong> além dessa necessi<strong>da</strong>de mínima de soberania que envolve a próprianoção de Estado, o movimento soberania-cooperação identificado emdomínios comuns _ como é o c<strong>as</strong>o dos Direitos do Mar – tem umajustificativa mais profun<strong>da</strong> para os países em desenvolvimento”. Asoberania é interpreta<strong>da</strong> pelos países em desenvolvimento como umelemento de proteção: “a noção de soberania permanente <strong>sobre</strong> osrecursos naturais, por exemplo, é vista e entendi<strong>da</strong> pelos subdesenvolvidoscomo uma defesa contra a exploração por parte dos países industrializadose de su<strong>as</strong> empres<strong>as</strong>” 51 .51IMBIRIBA, op. cit., p. 12443


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOA atenção na defesa <strong>da</strong> soberania por parte dos países emdesenvolvimento parte, portanto, do reconhecimento d<strong>as</strong> relações dedesigual<strong>da</strong>de no cenário internacional. A ideia de soberania p<strong>as</strong>sou portransformações que lhe alteraram cert<strong>as</strong> característic<strong>as</strong> observad<strong>as</strong> no DIPclássico. A primeira alteração foi que a soberania tornou-se um caminhopara a igual<strong>da</strong>de, absorvendo noções de justiça e de equi<strong>da</strong>de. A segun<strong>da</strong>alteração está na noção de que a soberania deve ser considera<strong>da</strong> como meiode conservação, existência e afirmação do Estado, m<strong>as</strong> não deve serexacerba<strong>da</strong> a ponto de af<strong>as</strong>tar valor imprescindível <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> osEstados, para a superação d<strong>as</strong> desigual<strong>da</strong>des.O instituto do patrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de deve ser interpretadosegundo esta perspectiva. Existem quatro característic<strong>as</strong> centrais que oconformam:a) Ausência de proprie<strong>da</strong>de.O fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> ausência <strong>da</strong> noção de proprie<strong>da</strong>de 52 nos espaçosinternacionais regulados está no paralelismo existente <strong>entre</strong> a proprie<strong>da</strong>de eo exercício do poder pelos Estados no cenário internacional. O caráterindividualista, que é inerente à noção de proprie<strong>da</strong>de, em termos gerais, nãoé adequado à finali<strong>da</strong>de principal do instituto do patrimônio comum <strong>da</strong>humani<strong>da</strong>de, que é a distribuição equitativa de recursos econômicos comvist<strong>as</strong> à diminuição d<strong>as</strong> desigual<strong>da</strong>des <strong>entre</strong> os povos.b) Fins pacíficos.c) Gestão internacional e institucionalização.A consideração <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica como uma parte do patrimôniocomum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de é um erro evidente, portanto. Em primeiro lugar, adiversi<strong>da</strong>de biológica não se caracteriza pela ausência de proprie<strong>da</strong>de, m<strong>as</strong>,sim, pela pertinência ao patrimônio dos países em cujo território se localiza.Além disso, não está submeti<strong>da</strong> a nenhum tipo de gestão internacional dos seusrecursos, m<strong>as</strong> aos objetivos d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> ambientais nacionais deste países.Em segundo lugar, estender a noção de patrimônio comum <strong>da</strong>humani<strong>da</strong>de à diversi<strong>da</strong>de biológica seria uma distorção de interpretação52“A proprie<strong>da</strong>de é um direito complexo, se bem que unitário, consistindo num feixe de direitosconsubstanciados n<strong>as</strong> facul<strong>da</strong>des de usar, gozar, dispor e reinvidicar a coisa que lhe serve deobjeto”, GOMES, Orlando, Direitos Reais, Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999, p. 97.44


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUALque frustraria os objetivos <strong>da</strong> CDB. Ao pretender reformar os institutosclássicos de DIP para reduzir a submissão dos países periféricos aosinteresses dos países centrais, os países em desenvolvimento buscaram evitarque recursos naturais que estariam fora dos territórios de algum Estadonacionalcaíssem na proprie<strong>da</strong>de de países que, já desenvolvidos, seriamos únicos a terem recursos para ter acesso a tais riquez<strong>as</strong>. A inclusão <strong>da</strong>diversi<strong>da</strong>de biológica ao patrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de inverteria oreal fun<strong>da</strong>mento deste, pois permitiria o acesso dos países desenvolvidos arecursos que se localizam nos territórios de alguns países, e que deles sãopatrimônio, m<strong>as</strong> aos quais tais países têm dificul<strong>da</strong>de de acesso em razãode óbices estruturais, como a fragili<strong>da</strong>de institucional, <strong>as</strong> carênci<strong>as</strong>tecnológic<strong>as</strong> e de recursos humanos, <strong>as</strong>sim como a ausência de recursosfinanceiros adequados.Em terceiro lugar, tal comparação contradiz a noção de soberania quesurgiu no século XX, após a descolonização. Não se limitando a uma igual<strong>da</strong>deformal, a soberania p<strong>as</strong>sou a ser percebi<strong>da</strong> como um meio para que fossealcançado um melhor grau de equi<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> os membros <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>deinternacional. A soberania dos Estados-nação <strong>sobre</strong> os seus recursos dediversi<strong>da</strong>de biológica é a garantia do acesso de seus povos a bens quepossibilitem seu desenvolvimento econômico e social. O patrimônio comum<strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, criado para defender os interesses dos países emdesenvolvimento contra <strong>as</strong> injustiç<strong>as</strong> <strong>da</strong> apropriação indevi<strong>da</strong> de áre<strong>as</strong> comunspelos países desenvolvidos, c<strong>as</strong>o mal interpretado de forma a abranger anoção de diversi<strong>da</strong>de biológica, p<strong>as</strong>saria a ser fun<strong>da</strong>mento para que, maisuma vez, se perpetu<strong>as</strong>se a exploração <strong>da</strong> periferia pelo centro. A noção depatrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de somente pode ser aplica<strong>da</strong> nos camposespecíficos do Direito do Mar e nos tem<strong>as</strong> relativos ao espaço extraatmosférico.2.1.4. A atuação diplomática br<strong>as</strong>ileiraA questão do status jurídico <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica ultrap<strong>as</strong>sou os<strong>as</strong>pectos econômicos de um conflito <strong>entre</strong> os países do Norte e do Sul,tomando contornos de geopolítica que podem ser percebidos pelos distintosapoios que se formaram durante <strong>as</strong> negociações. Os países nórdicos, porexemplo, apoiaram sistematicamente a posição br<strong>as</strong>ileira em razão deperceberem na diversi<strong>da</strong>de biológica um instrumento geopolítico de redução45


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOd<strong>as</strong> enormes diferenç<strong>as</strong> existentes <strong>entre</strong> os países do Norte desenvolvido edo Sul em desenvolvimento.A diplomacia br<strong>as</strong>ileira, sensível à preocupação nacional <strong>sobre</strong> o <strong>as</strong>sunto,adotou uma postura ativa n<strong>as</strong> negociações <strong>da</strong> CDB. As principais linh<strong>as</strong> deação <strong>da</strong> diplomacia br<strong>as</strong>ileira tiveram por eixo:1. definição d<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> concernentes ao intercâmbio de materiais einformações científic<strong>as</strong> <strong>entre</strong> países detentores de diversi<strong>da</strong>de biológica epaíses detentores de biotecnologi<strong>as</strong>;2. definição de regr<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> a natureza jurídica <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológicano que diz respeito à titulari<strong>da</strong>de dos direitos <strong>sobre</strong> esta riqueza;3. definições de regr<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> obrigações dos Estados a respeito depolític<strong>as</strong> protecionist<strong>as</strong> dos recursos de diversi<strong>da</strong>de biológica;4. definição d<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> de proprie<strong>da</strong>de intelectual <strong>sobre</strong> biotecnologia;5. financiamento internacional para a implementação <strong>da</strong> CDB.O Br<strong>as</strong>il considerou que a fórmula de conciliação encontra<strong>da</strong>, ao finald<strong>as</strong> negociações, <strong>entre</strong> os países possuidores <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica e ospaíses detentores de tecnologi<strong>as</strong> foi equilibra<strong>da</strong>, pois possibilitou o acessofacilitado, embora regulamentado, aos recursos naturais <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>debiológica e, ao mesmo tempo, garantiu que os fornecedores de tais materiaisfossem justa e equitativamente beneficiados pelos ganhos, comerciais ou não,derivados de tais riquez<strong>as</strong>.Segundo SOARES, uma análise dos termos finais <strong>da</strong> Convenção<strong>sobre</strong> a Diversi<strong>da</strong>de Biológica revela que, na maioria dos c<strong>as</strong>os, <strong>as</strong>reinvidicações br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> foram atendid<strong>as</strong>, graç<strong>as</strong> à atuação competentede sua diplomacia, que soube posicionar-se num exercício de conseguiros melhores resultados para o país 53 .2.1.5. B<strong>as</strong>es e princípios <strong>da</strong> CDB.O primeiro elemento que ressalta <strong>da</strong> CDB é seu caráter não preservacionista,pois vincula a conservação <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica ao seu uso sustentável, de acordocom <strong>as</strong> necessi<strong>da</strong>des presentes <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de e segundo os limites necessários para53Ver op. cit., p.93.46


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUALque seja usa<strong>da</strong> por gerações futur<strong>as</strong>. Aqui cabe ressaltar o objetivos visados pelacomuni<strong>da</strong>de internacional quando <strong>da</strong> elaboração <strong>da</strong> CDB: a conservação <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>debiológica, o uso sustentável dos seus componentes e a repartição justa e equitativa dosbenefícios gerados pelo uso dos recursos genéticos (art. 1, CDB).O texto <strong>da</strong> CDB consagrou o reconhecimento <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica comoparte do direito soberano dos Estados <strong>sobre</strong> os seus recursos biológicos, ao mesmotempo que constituem uma “preocupação” comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Desta maneira,embora fazendo parte dos interesses soberanos dos Estados-nação onde se localizam,os recursos de diversi<strong>da</strong>de biológica são objeto <strong>da</strong> preocupação de todos os povospor serem elementos essenciais à vi<strong>da</strong> no planeta. A noção de preocupação comum<strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de também tem por efeito gerar o dever moral dos países ricos detransferir aos países em desenvolvimento recursos técnicos e financeiros para queestes possam não apen<strong>as</strong> preservar a diversi<strong>da</strong>de biológica, m<strong>as</strong> usá-la de maneir<strong>as</strong>ustentável para fomentar seu desenvolvimento econômico e social. Oreconhecimento pelos países desenvolvidos de su<strong>as</strong> responsabili<strong>da</strong>des diferenciad<strong>as</strong>,em relação aos países em desenvolvimento, os vincula diretamente ao cumprimentod<strong>as</strong> obrigações de efetivo financiamento e transferência de tecnologi<strong>as</strong>, reconhecendoque os objetivos primordiais destes últimos são a erradicação <strong>da</strong> pobreza e apromoção do seu desenvolvimento econômico e social 54 .À luz dos argumentos expostos anteriormente, a CDB, no preâmbulo, §4º epelos arts. 3 e 15, definiu que a natureza jurídica dos recursos <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>debiológica não pode ser confundi<strong>da</strong> com o conceito de recursos naturaiscompartilhados, nem com a noção de patrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Aosrecursos <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica se aplica o princípio <strong>da</strong> soberania permanentedos Estados <strong>sobre</strong> os recursos naturais e do direito de ca<strong>da</strong> Estado de possuí-lose utilizá-los livremente, como ficou estabelecido na CDB 55 . O acesso aos recursosbiológicos, de que fala o art.15 <strong>da</strong> CDB, não chega a configurar um direito aos54RUIZ, op. cit., p. 410-411.55Outros documentos internacionais já haviam determinado a natureza jurídica dos recursosnaturais como elementos submetidos à soberania dos Estados. Segundo a Resolução 1803 (XVII),de 1962, <strong>da</strong> AGNU, dentro do contexto geral de determinação <strong>da</strong> soberania dos Estados <strong>sobre</strong>seus recursos naturais, ficou determinado que the rigths of peoples and nations to permanentsovereingty over their natural wealth and resources must be exercised in the interest of theirnational development and of the well-eing of the people of the State concerned. Outro documentointernacional que reconhece a soberania dos Estados <strong>sobre</strong> os seus recursos naturais é a CartaMundial para a Natureza, integra<strong>da</strong> ao sistema onusiano pela Resolução 37/7, de 28 de outubrode 1982, <strong>da</strong> AGNU, segundo a qual taking fully into account the sovereignty of States over theirnatural resources, each State shall give effect to the provisions of the present Charter through itscompetent organs and in co-operation with other.47


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOpaíses que interessados em obter os recursos <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica de paísesonde estes recursos se encontram. Estes últimos estão obrigados apen<strong>as</strong> a criar<strong>as</strong> condições adequad<strong>as</strong> para facilitar o acesso, à sua diversi<strong>da</strong>de biológica, d<strong>as</strong>outr<strong>as</strong> partes na CDB. Tais condições, vale ressaltar, são determinad<strong>as</strong> pelalegislação interna dos países que autorizam o acesso.O direito soberano <strong>sobre</strong> os recursos <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica não é, porém,ilimitado, pois não apen<strong>as</strong> a recusa por um Estado em <strong>da</strong>r acesso aos seusrecursos deve estar de acordo com o princípio de conservação e uso sustentável<strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica, como também a exploração destes recursos não podeser prejudicial ao meio ambiente em áre<strong>as</strong> situad<strong>as</strong> fora de sua jurisdição nacional.A afirmação do preâmbulo <strong>da</strong> Declaração do Rio que a conservação <strong>da</strong>diversi<strong>da</strong>de biológica é um interesse comum de to<strong>da</strong> a humani<strong>da</strong>de não significaa internacionalização de sua natureza jurídica. O conceito de interesse comum<strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de supõe o reconhecimento de que a humani<strong>da</strong>de tem o direitoe o dever de adotar <strong>as</strong> iniciativ<strong>as</strong> pertinentes para a prevenção e reparaçãodos problem<strong>as</strong> que afetem a conservação <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica, implicandoem uma obrigação de todos os indivíduos e povos, presentes e futuros, departicipar na conservação do patrimônio genético 56 .A noção de repartição justa e equitativa dos benefícios derivados <strong>da</strong>exploração dos recursos de diversi<strong>da</strong>de biológica está diretamente liga<strong>da</strong> àsubmissão dos recursos naturais à soberania do Estado em cujo território seencontram. Dado que os recursos <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica, em grande parte,estão localizados em países em desenvolvimento, o direito destes países àrepartição justa e equitativa dos benefícios auferidos com a sua exploração éefetivado pela vinculação do acesso a tais recursos à autorização <strong>da</strong><strong>da</strong> pelospaíses em desenvolvimento para que seja realiza<strong>da</strong> a bioprospecção 57 . Como o56Segundo RUIZ, al igual que ocurre con él interes por el respeto de los derechos humanos, suponereconocer que la gestión por un Estado de propio medio ambiente y de sus propios recursosgenéticos es una materia en la que todos los Estados, al menos tod<strong>as</strong> l<strong>as</strong> Partes Contratantes en elConvenio de Río de Janeiro, gozan de un ius standi ante l<strong>as</strong> instanci<strong>as</strong> internacionales de soluciónde controversi<strong>as</strong>, incluso en el c<strong>as</strong>o de que estos Estados no hayan sido directamente perjudicadospor alguna utilización incorrecta de estos recursos. En consecuencia, el principio de la soberaniapermanente <strong>sobre</strong> los recursos biológicos ya no pude seguir serviendo de b<strong>as</strong>e para la exclusión deotros Estados, sino que implica un conpromisso de cooperar para el beneficio de la comuni<strong>da</strong>dinternacional en su conjunto.Ver RUIZ, ob. cit., p. 414.57Conceito de bioprospecção: “A bioprospecção é a exploração <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica porrecursos genéticos e bioquímicos de valor comercial e que, eventualmente, pode fazer uso doconhecimento de comuni<strong>da</strong>des indígen<strong>as</strong> ou tradicionais”. PÉRET DE SANT’ANA, op. cit., p 11.48


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUALacesso aos recursos <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica somente é possível com a autorizaçãodos países onde está localiza<strong>da</strong>, em razão de sua soberania <strong>sobre</strong> os recursosnaturais em seus territórios, apen<strong>as</strong> por meio de acordos <strong>entre</strong> <strong>as</strong> partes interessad<strong>as</strong>é possível que seja realiza<strong>da</strong> a exploração <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de (embora os signatários<strong>da</strong> CDB tenham o direito soberano de determinar que tal acesso é livre), o quepossibilita que os países em desenvolvimento <strong>as</strong>segurem sua participação nosbenefícios auferidos 58 .A CDB também diferencia <strong>as</strong> noções jurídic<strong>as</strong> de conservação ambientale de uso sustentável. O art. 2 <strong>da</strong> CDB define o uso sustentável como autilização de componentes <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica de modo e em ritmostais que não levem, no longo prazo, à diminuição <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>debiológica, mantendo <strong>as</strong>sim seu potencial para atender <strong>as</strong> necessi<strong>da</strong>dee <strong>as</strong>pirações d<strong>as</strong> gerações presentes e futur<strong>as</strong> 59 . O mesmo artigoapresenta du<strong>as</strong> definições de conservação: a conservação ex situ, quesignifica a conservação de componentes <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica fora deseus habitats naturais 60 ; e a conservação in situ, que significa a conservaçãode ecossistem<strong>as</strong> e habitats naturais e a manutenção e recuperação depopulações viáveis de espécies em seus meios naturais e, no c<strong>as</strong>o de espécies58Vale ressaltar que a CDB não estabelece nenhum mecanismo obrigatório de solução decontrovérsi<strong>as</strong> que possa determinar se o acordo <strong>sobre</strong> a participação nos benefícios é efetivamentejusto e equitativo. Ver RUIZ, ob, cit., p 418.59O art. 10 <strong>da</strong> CDB determina que <strong>as</strong> partes, na medi<strong>da</strong> do possível e com o objetivo de consoli<strong>da</strong>ro uso sustentável dos recursos, devem: incorporar o exame <strong>da</strong> conservação e utilização sustentávelde recursos biológicos no processo decisório nacional; adotar medid<strong>as</strong> relacionad<strong>as</strong> à utilização derecursos biológicos para evitar ou minimizar impactos negativos na diversi<strong>da</strong>de biológica; protegere encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos de acordo com prátic<strong>as</strong> culturaistradicionais compatíveis com <strong>as</strong> exigênci<strong>as</strong> de conservação ou utilização sustentável; apoiarpopulações locais na elaboração e aplicação de medid<strong>as</strong> corretiv<strong>as</strong> em áre<strong>as</strong> degra<strong>da</strong>d<strong>as</strong> onde adiversi<strong>da</strong>de biológica tenha sido reduzi<strong>da</strong>; e estimular a cooperação <strong>entre</strong> su<strong>as</strong> autori<strong>da</strong>desgovernamentais e seu setor privado na elaboração de métodos de utilização sustentável de recursosbiológicos.60Segundo o art. 2 <strong>da</strong> CDB, o termo “Conservação ex situ” significa a conservação de componentes<strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica fora dos seus habit<strong>as</strong> naturais. São exemplos de medid<strong>as</strong> de conservaçãoex situ (art.9, CDB): a criação de instalações para a conservação ex situ e para a pesquisa deplant<strong>as</strong>, animais e microorganismos, preferivelmente no país de origem dos recursos genéticos; arecuperação e reabilitação d<strong>as</strong> espécies ameaçad<strong>as</strong> e a sua re-introdução em seus habitats naturaisem condições apropriad<strong>as</strong>; a regulamentação e administração <strong>da</strong> coleta dos recursos biológicospara conservação ex situ, de forma a não ameaçar <strong>as</strong> populações existentes in situ. Para informaçõesmais detalhad<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> a conservação de material genético, ver Conservação de Germopl<strong>as</strong>ma “invitro”, VIEIRA, Maria Lúcia Carneiro, edição eletrônica Revista Biotecnologia, Ciência eDesenvolvimento, http://www.biotecnologia.com.br/revista/bio14/conserva.pdf, [14.10.2005], pp.18 a 20.49


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOdomesticad<strong>as</strong> ou cultivad<strong>as</strong>, nos meios onde tenham desenvolvido su<strong>as</strong>proprie<strong>da</strong>des característic<strong>as</strong> 61 .As obrigações derivad<strong>as</strong> <strong>da</strong> noção de uso sustentável e deconservação <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica estão estreitamente relacionad<strong>as</strong>com o princípio d<strong>as</strong> responsabili<strong>da</strong>des comuns, m<strong>as</strong> diferenciad<strong>as</strong>dos Estados, que perp<strong>as</strong>sa to<strong>da</strong> a CDB (o emprego <strong>da</strong> expressão namedi<strong>da</strong> do possível e conforme o c<strong>as</strong>o em vários artigos <strong>da</strong> CDBevidencia a importância do princípio para o acordo). Este princípio,por razões do uso histórico que os diversos países no mundo deramaos seus recursos naturais, faz uma diferença <strong>entre</strong> os paísesdesenvolvidos e os países em desenvolvimento, determinando que su<strong>as</strong>obrigações e seus direitos sejam diferenciados. O art. 6 <strong>da</strong> CDB deixaclaro que <strong>as</strong> obrigações d<strong>as</strong> Partes devem ser cumprid<strong>as</strong> segundo su<strong>as</strong>própri<strong>as</strong> condições e capaci<strong>da</strong>des. Além disso, o cumprimento d<strong>as</strong>obrigações por parte dos países em desenvolvimento está vinculado aocumprimento por parte dos países industrializados d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> obrigaçõesna CDB 62 .O choque <strong>entre</strong> o objetivo inicial dos países industrializados de conservarespécies com aquele dos interesses dos países em desenvolvimento detransferência de tecnologi<strong>as</strong> em troca do acesso aos recursos genéticos alterou61Segundo o art. 2 <strong>da</strong> CDB, o termo “Condições in situ” significa <strong>as</strong> condições n<strong>as</strong> quais osrecursos genéticos existem dentro dos ecossistem<strong>as</strong> e habitats naturais e, no c<strong>as</strong>o d<strong>as</strong> espéciesdomesticad<strong>as</strong> ou cultivad<strong>as</strong>, em meios onde tenham desenvolvido <strong>as</strong> su<strong>as</strong> proprie<strong>da</strong>des específic<strong>as</strong>.São exemplos de medid<strong>as</strong> de conservação in situ (art. 8 <strong>da</strong> CDB): o estabelecimento de áre<strong>as</strong>protegid<strong>as</strong>; a regulamentação dos recursos biológicos importantes para a conservação <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>debiológica, tanto dentro como fora d<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> protegid<strong>as</strong>; a proteção de ecossistem<strong>as</strong> e habitatsnaturais e a manutenção de populações viáveis de espécies nos seus entornos naturais; a reabilitaçãoe restauração de ecossistem<strong>as</strong> degra<strong>da</strong>dos e a recuperação d<strong>as</strong> espécies ameaçad<strong>as</strong>; a proibiçãode introdução de espécies exótic<strong>as</strong> a um ecossistema, <strong>as</strong>sim como o controle e a erradicação<strong>da</strong>quel<strong>as</strong> que ameacem um ecossistema; desenvolvimento sustentável d<strong>as</strong> regiões adjacentes àsáre<strong>as</strong> de proteção; a regulamentação, administração e controle dos riscos advindos <strong>da</strong> utilizaçãoou liberação de organismos vivos que tenham sido modificados pela biotecnologia; o respeito, apreservação e a manutenção dos conhecimentos, d<strong>as</strong> inovações e d<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> d<strong>as</strong> comuni<strong>da</strong>desindígen<strong>as</strong> e locais que detenham estilos tradicionais de vi<strong>da</strong> que se relacionem com a conservaçãoe o uso sustentável <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica; fomento à repartição dos benefícios derivados do usodestes conhecimentos.62Art. 20.4 <strong>da</strong> CDB: O grau de efetivo cumprimento dos compromissos <strong>as</strong>sumidos sob estaConvenção d<strong>as</strong> Partes países em desenvolvimento dependerá do cumprimento efetivo dos compromissos<strong>as</strong>sumidos sob esta Convenção pel<strong>as</strong> Partes países industrializados, no que se referea recursos financeiros e transferência de tecnologia, e levará plenamente em conta o fato de queo desenvolvimento econômico e social e a erradicação <strong>da</strong> pobreza são <strong>as</strong> priori<strong>da</strong>des primordiaise absolut<strong>as</strong> d<strong>as</strong> Partes países em desenvolvimento.50


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUAL<strong>as</strong> característic<strong>as</strong> do projeto <strong>da</strong> CDB. A CDB não se tornou uma <strong>convenção</strong>sistematizadora conservacionista, tendo estabelecido princípios e regr<strong>as</strong> gerais<strong>sobre</strong> o emprego <strong>da</strong> noção de desenvolvimento sustentável à conservaçãodos recursos biológicos. Segundo Sant’Ana, a CDB é uma <strong>convenção</strong>-quadroem dois sentidos: 1. Estabelece princípios gerais e objetivos globais que criamum parâmetro para <strong>as</strong> polític<strong>as</strong> globais de proteção <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica(a CDB não apresenta list<strong>as</strong> de espécies ameaçad<strong>as</strong> ou traz anexos comáre<strong>as</strong> protegid<strong>as</strong>, cabendo aos Estados-nacionais e maioria d<strong>as</strong> decisões<strong>sobre</strong> a diversi<strong>da</strong>de biológica); 2. Iniciou um processo de estabelecimentode acordos internacionais <strong>sobre</strong> tem<strong>as</strong> de menor amplitude e maiordetalhamento, m<strong>as</strong> relacionados ao arcabouço normativo determinado pelaConvenção 63 . Em linh<strong>as</strong> gerais, o texto final <strong>da</strong> CDB consagrou princípiosnormativos que podem ser <strong>as</strong>sim resumidos 64 :1. Consoli<strong>da</strong>ção do princípio de proteção dos interesses d<strong>as</strong> geraçõespresentes e futur<strong>as</strong>;2. Fixação dos princípios b<strong>as</strong>ilares para a efetivação de uma políticaambiental com abrangência global, levando em consideração principalmenteos imperativos do Direito ao Desenvolvimento;3. Em decorrência dos mencionados princípios básicos, consagram aluta contra a pobreza e recomen<strong>da</strong>m uma política demográfica;4. Reconhecimento do fato de os países industrializados serem osprincipais causadores dos <strong>da</strong>nos já realizados ao meio ambiente global.Os principais avanços <strong>da</strong> CDB foram:1. A afirmação de que a conservação <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica constituium interesse comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de;2. A consideração dos seus componentes como um recurso naturalsubmetido à soberania dos Estados-nacionais;3. O condicionamento do acesso aos recursos biológicos de um país aoconsentimento prévio de seu Governo;63São exemplos, a criação de grupos de trabalho, dentro <strong>da</strong> COP para: regulação do art.8 (j);regulação de acesso e divisão de benefícios; revisão do processo de implementação <strong>da</strong> CDB;regulação de áre<strong>as</strong> protegid<strong>as</strong>.64SOARES, op. cit., p. 79.51


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHO4. A necessi<strong>da</strong>de de realizar transferência de tecnologia para os paísesem desenvolvimento com vist<strong>as</strong> à melhor exploração dos recursos naturaisbiológicos;5. A participação justa e equitativa dos Estados-partes nos benefíciosderivados <strong>da</strong> utilização dos recursos genéticos;6. A obrigação dos países industrializados de proporcionar recursosfinanceiros novos e adicionais para que os países em desenvolvimentopossam suportar os custos adicionais que incorram com a implementação<strong>da</strong> CDB;7. A abrangência total <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica (não em pontosespecíficos, como mar, aves, vegetais de cert<strong>as</strong> áre<strong>as</strong> etc);8. A inclusão de tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> form<strong>as</strong> de manejo <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica:conservação in situ, conservação ex situ, uso sustentável e biotecnologia.2.1.6. A Conferência d<strong>as</strong> Partes (COP)A elaboração dos instrumentos jurídicos específicos, segundo aestrutura geral do quadro normativo formado pela CDB, ficou sob aresponsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Conferência d<strong>as</strong> Partes. Estabeleci<strong>da</strong> pelo art.23 <strong>da</strong>CDB, a Conferência d<strong>as</strong> Partes (COP) é o seu órgão máximo, onde sãoelaborados os documentos que detalham a CDB. Participam <strong>da</strong> COP <strong>as</strong>delegações de todos os Estados-membros, além de poderem participarcomo observadores Estados que não sejam membros ou organismos,governamentais ou não governamentais, que tenham relação com o tema<strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica.A reunião <strong>da</strong> COP realiza<strong>da</strong> em Buenos Aires foi marca<strong>da</strong> peloesforço d<strong>as</strong> partes em definir uma agen<strong>da</strong> futura para o órgão, delinearseu relacionamento com outros regimes internacionais, <strong>as</strong>sim comoestabelecer <strong>as</strong> diretrizes para a ação de um certo número de <strong>as</strong>suntosessenciais. As decisões mais importantes tomad<strong>as</strong> nessa reunião foram:1. A elaboração de um trabalho realista <strong>sobre</strong> a diversi<strong>da</strong>de agrícola e ummais limitado <strong>sobre</strong> a diversi<strong>da</strong>de florestal; 2. Negociar um memorandode entendimento com o Global Environment Facility (GEF), órgão queservia interinamente como mecanismo financeiro <strong>da</strong> CDB; 3. Realizar umaanálise em grupo <strong>sobre</strong> o art.8j <strong>da</strong> CDB, a respeito de conhecimentos,inovações e prátic<strong>as</strong> de comuniddes indígen<strong>as</strong> ou locais; 4. Nomear umsecretário-executivo para acompanhar a atuação do Comitê <strong>sobre</strong>52


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUALComércio e Meio Ambiente <strong>da</strong> OMC; 5. Fazer uma declaração <strong>da</strong> CDB<strong>sobre</strong> a revisão <strong>da</strong> implementação <strong>da</strong> Agen<strong>da</strong> 21.A decisão III/15 <strong>da</strong> 3ª reunião <strong>da</strong> COP tratou <strong>da</strong> questão do acessoaos recursos genéticos e <strong>da</strong> repartição dos benefícios resultantes <strong>da</strong> suautilização. A decisão requereu com veemência que governos, organizaçõesregionais de integração econômica, o GEF e organizações, regionais ounacionais, competentes dessem suporte ou implement<strong>as</strong>sem program<strong>as</strong>de capacitação institucional e de recursos humanos adequados aosgovernos, às organizações não governamentais e às comuni<strong>da</strong>des indígen<strong>as</strong>ou locais, de forma que estes agentes tenham meios de implantar de maneirabem sucedi<strong>da</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> polític<strong>as</strong>, administrativ<strong>as</strong> e legislativ<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> oacesso aos recursos genéticos, onde se incluem <strong>as</strong> habili<strong>da</strong>des e capaci<strong>da</strong>decientífic<strong>as</strong>, técnic<strong>as</strong>, comerciais, legais e administrativ<strong>as</strong>. Também se lhessolicitou que analis<strong>as</strong>sem <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> de medid<strong>as</strong> e <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> polític<strong>as</strong>,administrativ<strong>as</strong> e legislativ<strong>as</strong> concernentes aos recursos genéticos,disseminando-<strong>as</strong> amplamente para que <strong>as</strong> demais partes tivessem acessoao conteúdo dest<strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> e dest<strong>as</strong> norm<strong>as</strong>. A reunião <strong>da</strong> COPtambém os encorajou a desenvolver norm<strong>as</strong> e prátic<strong>as</strong> que garantissembenefícios mútuos aos provedores e aos usuários d<strong>as</strong> medid<strong>as</strong> de acesso.A COP3 resultou em uma decepção para os representantes d<strong>as</strong>ocie<strong>da</strong>de civil ali presentes, em razão do desinteresse d<strong>as</strong> delegaçõespor tem<strong>as</strong> por eles considerados fun<strong>da</strong>mentais, como a regulação doacesso aos recursos biológicos, a repartição dos benefícios decorrentesde sua exploração comercial e a proteção dos conhecimentostradicionais 65 dos povos indígen<strong>as</strong> e locais. Foi critica<strong>da</strong> a forma comoforam encaminhados os trabalhos <strong>da</strong> COP3. Enquanto <strong>as</strong> discussões <strong>sobre</strong>o art. 8(j) <strong>da</strong> CDB foram alvo de protelações constantes, tendo evoluídomuito lentamente, os debates <strong>sobre</strong> os tem<strong>as</strong> concernentes ao biocomércio(implementação de mecanismos regulatórios para o comércio de recursosgenéticos e seus derivados) avançaram em ritmo acelerado. Esta diferençade ritmos nos trabalhos <strong>da</strong> COP3 deveu-se a uma preferência <strong>da</strong><strong>da</strong> a65Segundo a Organização Mundial para a Proprie<strong>da</strong>de Intelectual (OMPI), conhecimentostradicionais são aqueles desenvolvidos, sustentados e transmitidos pel<strong>as</strong> sucessiv<strong>as</strong> gerações deuma comuni<strong>da</strong>de, podendo fazendo parte de sua própria identi<strong>da</strong>de cultural. Ver IntellectualProperty and Traditional Knowledge, vol. 2, edição eletrônica http://www.wipo.int/freepublications/en/tk/920/wipo_pub_920.pdf, [25.11.2005], pp. 4/6.53


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOuma perspectiva mercadológica e privatista <strong>da</strong> CDB, em detrimento deuma visão mais publicista. Isso ocorreu em razão de pressões exercid<strong>as</strong>pel<strong>as</strong> indústri<strong>as</strong> farmacêutic<strong>as</strong> dos países do Norte junto às su<strong>as</strong>delegações para que est<strong>as</strong> não aceit<strong>as</strong>sem restrições ao acesso aosrecursos genéticos e bloque<strong>as</strong>sem os debates <strong>sobre</strong> repartição posteriorde benefícios (seu interesse maior era que o pagamento necessário paraque realiz<strong>as</strong>sem a bioprospecção fosse realizado a priori).A quarta reunião <strong>da</strong> COP, em Bratislava, convidou <strong>as</strong> organizaçõesrelevantes e o setor privado a participar dos esforços d<strong>as</strong> partes contratantesna CDB para o desenvolvimento e a promoção de medid<strong>as</strong> legais, polític<strong>as</strong> eadministrativ<strong>as</strong> que facilitem a distribuição dos recursos provenientes do usode elementos de diversi<strong>da</strong>de biológica, segundo termos mutuamenteacor<strong>da</strong>dos. Representantes dos setores público e privado, ao lado derepresentantes de comuni<strong>da</strong>des indígen<strong>as</strong> e locais, reuniram-se em 1999, emSão José, Costa Rica, para implementar a medi<strong>da</strong>. Os quatro tem<strong>as</strong> principaisdiscutidos foram: <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> de acesso e de divisão dos bens com finscientíficos e comerciais; revisão de medid<strong>as</strong> nacionais e regionais; revisão deprocedimentos regulatórios e medid<strong>as</strong> de incentivo; capacitação. As conclusões<strong>as</strong> quais chegaram os especialist<strong>as</strong> em São José foram remetid<strong>as</strong> à 5ª Reunião<strong>da</strong> COP.Na reunião de Bratislava também foi acerta<strong>da</strong> a criação de um grupo adhoc intersessional para discutir a implementação do art. 8(j), <strong>sobre</strong> osconhecimentos tradicionais. O grupo de trabalho criado reuniu-se em Madri,em 2000 66 . Outro ponto que também foi abor<strong>da</strong>do pela COP4 foi anecessi<strong>da</strong>de de <strong>as</strong>segurar-se a implementação consistente <strong>da</strong> CDB com outrosacordos <strong>da</strong> OMC, <strong>entre</strong> eles o acordo TRIPS, como forma de promover omútuo apoio e integração d<strong>as</strong> preocupações com a diversi<strong>da</strong>de biológica e aproteção dos direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectual 67 .Para que o desequilíbrio nos ritmos de trabalho, observados na COP3,não ocorresse novamente, a socie<strong>da</strong>de civil presente na COP4 propôs a66Embora em sua deliberações perceba-se uma divisão n<strong>as</strong> concepções <strong>sobre</strong> a proteção aosconhecimentos tradicionais, seja em relação ao direito cultural, seja em relação ao direito econômico,<strong>as</strong>sim como divergênci<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> a repartição equitativa de benefícios, <strong>sobre</strong> a disseminação deinformação e <strong>sobre</strong> a proteção de sistem<strong>as</strong>, <strong>as</strong> conclusões deste GT foram enviad<strong>as</strong> à COP deNairóbi.67COP 4, decisão IV/15, §§ 9 e 10, http://www.biodiv.org/decisions/default.<strong>as</strong>px?m=COP-04&id=7138&lg=0, [11.08.2005].54


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUALcriação de mecanismo que equilibr<strong>as</strong>sem <strong>as</strong> negociações segundo os múltiplosinteresses ali envolvidos. Na COP4 vári<strong>as</strong> delegações expressaram sua opiniãode que <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> de proprie<strong>da</strong>de intelectual do TRIPS não eram compatíveiscom os objetivos <strong>da</strong> CDB, propondo que <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> desta <strong>convenção</strong>prevalecessem <strong>sobre</strong> aquel<strong>as</strong>. Entretanto, a <strong>da</strong> União Europeia impediu quea COP solicit<strong>as</strong>se expressamente à OMC este tipo de hierarquia <strong>entre</strong> <strong>as</strong>norm<strong>as</strong> internacionais, tendo sugerido, ademais, que a OMC fosse chama<strong>da</strong>a resolver controvérsi<strong>as</strong> na relação <strong>entre</strong> a CDB e o TRIPS (o que foiprontamente recusado pelos países em desenvolvimento).Vale aqui ressaltar a posição <strong>da</strong> delegação <strong>da</strong> Malásia. Este país expressousua preocupação com a implementação do acordo TRIPS, em razão dos <strong>da</strong>nosque su<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> causariam ao esforço internacional de proteção dos recursosbiológicos que constituía a CDB, requerendo à COP5 que solicit<strong>as</strong>seenfaticamente à OMC que tom<strong>as</strong>se medid<strong>as</strong> apropriad<strong>as</strong> para a harmonizaçãodo TRIPS às regr<strong>as</strong> do CDB (posição apoia<strong>da</strong> pelo Grupo Africano).A reunião <strong>da</strong> COP realiza<strong>da</strong> em Nairóbi (COP5) tratou principalmentedo tema do acesso aos recursos biológicos e <strong>da</strong> repartição de recursoseconômicos auferidos de sua exploração. A COP5 decidiu criar um grupode trabalho para tratar o tema mais detalha<strong>da</strong>mente, com o objetivo deelaborar regr<strong>as</strong> para o <strong>as</strong>sunto do acesso e <strong>da</strong> repartição de recursos 68 .Vale ressaltar que a criação deste grupo de trabalho foi controversa, tendosido critica<strong>da</strong> por ser mais um processo que retar<strong>da</strong>ria o estabelecimentode decisões e ações concret<strong>as</strong> para solucionar os problem<strong>as</strong> relativos aeste <strong>as</strong>sunto. A reunião foi considera<strong>da</strong> insatisfatória, não apen<strong>as</strong> pelospaíses em desenvolvimento, como também pel<strong>as</strong> ONGs, pelo fato denão ter <strong>da</strong>do continui<strong>da</strong>de aos debates <strong>sobre</strong> a relação <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>deintelectual com <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> <strong>da</strong> CDB, principalmente no que concerne oacesso e a repartição de benefícios, debate somente retomado na reunião<strong>da</strong> COP em Haia.A reunião <strong>da</strong> COP5 decidiu convi<strong>da</strong>r a OMC a reconhecer aimportância d<strong>as</strong> <strong>determinações</strong> <strong>da</strong> CDB, <strong>as</strong>sim como a reconhecer que68O man<strong>da</strong>to deste grupo de trabalho incluía: consideração <strong>sobre</strong> o consentimento préviofun<strong>da</strong>mentado, ou prior informed consent, e dos termos de acordo mútuo; questões relacionad<strong>as</strong>à conservação in situ e ex situ; mecanismos para a repartição de benefícios; meios para <strong>as</strong>seguraro respeito, a preservação e a manutenção dos conhecimentos, inovações e prátic<strong>as</strong> de comuni<strong>da</strong>desindígen<strong>as</strong>.55


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOo acordo TRIPS e a CDB são inter-relacionados e a explorar maisdetalha<strong>da</strong>mente esta relação 69 . Tal decisão foi considera<strong>da</strong> insuficientepor muitos delegados presentes na COP5, em razão de não consideraros sérios efeitos do acordo TRIPS <strong>sobre</strong> a conservação e o usosustentável dos recursos biológicos, <strong>as</strong>sim como <strong>sobre</strong> a repartiçãoequitativa dos benefícios. Com relação ao acesso e à repartição debenefícios, a COP5 limitou-se a mencionar a existência de umanecessi<strong>da</strong>de específica de melhor esclarecimento d<strong>as</strong> definições dostermos “acesso e repartição de benefícios” 70 .A COP6, realiza<strong>da</strong> na Haia (2002), teve como uma de su<strong>as</strong> principaisconquist<strong>as</strong> a adoção d<strong>as</strong> Diretrizes de Bonn 71 . As Diretrizes de Bonn foramreconhecid<strong>as</strong> como um primeiro p<strong>as</strong>so para o processo de implementaçãod<strong>as</strong> <strong>determinações</strong> <strong>da</strong> CDB em relação ao acesso a recursos genéticos erepartição de benefícios. As diretrizes são um guia para que os paísesmembros desenvolvam uma estratégia geral de acesso e repartição debenefícios.Em 2003, o Grupo de Trabalho Ad Hoc <strong>sobre</strong> Acesso e Repartiçãode Benefícios analisou <strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> obtid<strong>as</strong> com a implementaçãod<strong>as</strong> Diretrizes de Bonn, segundo informações dos países membros. OGrupo de Trabalho preparou recomen<strong>da</strong>ções, relativ<strong>as</strong> às Diretrizes,que foram analisad<strong>as</strong> na COP7, realiza<strong>da</strong> em 2004, em Kuala Lumpur 72 .A COP7 reconheceu a importância d<strong>as</strong> Diretrizes de Bonn para aefetivação dos objetivos <strong>da</strong> CDB, embora alguns países tenhamencontrado dificul<strong>da</strong>de em aplicar <strong>as</strong> diretrizes devido a problem<strong>as</strong> dea<strong>da</strong>ptação de su<strong>as</strong> legislações nacionais 73 .69COP5, decisão V/26, http://www.biodiv.org/decisions/default.<strong>as</strong>px?m=COP-05&id=7168&lg=0, [11.08.2005].70Biodiversity Handbook, Sessão VI – Guia d<strong>as</strong> Decisões, edição eletrônica http://www.biodiv.org/doc/handbook/cbd-hb-06-en.pdf, [10.10.2005].71Decisão VI/24, COP6, Handbook of the Convention on Biological Diversity, 3ª edição, disponívelna internet no endereço eletrônico http://www.biodiv.org/handbook/default.<strong>as</strong>p, [11.08.2005].72Sobre <strong>as</strong> recomen<strong>da</strong>ções feit<strong>as</strong> à COP7, ver o relatório preparado pelo Grupo de Trabalho nodocumento UNEP/CDB/COP/7/6, de 1012.2003, disponível em versão eletrônica http://www.biodiv.org/doc/meetings/cop/cop-07/official/cop-07-06-en.pdf, [10.08.2005].73Decisão VII/19, COP7, Handbook of the Convention on Biological Diversity, 3ª edição,disponível na internet no endereço eletrônico http://www.biodiv.org/doc/handbook/cbd-hb-10-07-en.pdf, [11.08.2005].56


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUAL2.2. A proprie<strong>da</strong>de intelectual no cenário internacionalA noção de proprie<strong>da</strong>de intelectual é claramente determina<strong>da</strong> pela Convenção<strong>da</strong> Organização Mundial <strong>da</strong> Proprie<strong>da</strong>de Industrial (OMPI): a soma dos direitosrelativos às obr<strong>as</strong> literári<strong>as</strong>, artístic<strong>as</strong> e científic<strong>as</strong>, às interpretações dos artist<strong>as</strong> eàs execuções d<strong>as</strong> obr<strong>as</strong>, aos fonogram<strong>as</strong> e às emissões de radiodifusão, àsinvenções em todos os domínios <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de humana, às descobert<strong>as</strong> científic<strong>as</strong>,aos desenhos e modelos industriais, às marc<strong>as</strong> industriais, comerciais e de serviçobem como às firm<strong>as</strong> comerciais e denominações comerciais, à proteção contra aconcorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à ativi<strong>da</strong>de intelectualnos domínios industrial, científico, literário e artístico 74 .A complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de industrializa<strong>da</strong> apresentou aos operadoresdo Direito a necessi<strong>da</strong>de de tutelar interesses individuais n<strong>as</strong>cidos <strong>da</strong> produçãoindustrial. O Direito precisava proteger a ativi<strong>da</strong>de inventiva de indivíduoscontra a apropriação indevi<strong>da</strong> dos seus inventos ou criações. Note-se que aapropriação indébita que o Direito busca evitar é considera<strong>da</strong> como relativaà coletivi<strong>da</strong>de porque est<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> são realizad<strong>as</strong> no mais completoanonimato, embora sejam praticad<strong>as</strong> el<strong>as</strong> mesm<strong>as</strong> por indivíduos que buscamapen<strong>as</strong> seus interesses egoísticos.É o fenômeno <strong>da</strong> criação imaterial, cujo objeto é incorpóreo, intelectual,que o Direito é chamado a regular. Tal regulação <strong>as</strong>segura a proteção de interessesdiferentes (aqueles dos criadores e aqueles dos usuários), m<strong>as</strong> não contrários,e concilia o binômio proprie<strong>da</strong>de-liber<strong>da</strong>de (a proprie<strong>da</strong>de que cria uma relaçãodireta com a coisa e a liber<strong>da</strong>de de cessão <strong>da</strong> coisa ao uso por terceiros).Existem algum<strong>as</strong> disposições que integram a noção de proprie<strong>da</strong>de <strong>sobre</strong> aprodução intelectual: respeito aos bons costumes; respeito à vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong> deterceiros e aos direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de; respeito ao segredo profissional;respeito à liber<strong>da</strong>de d<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> pelos autores de program<strong>as</strong> de computador;respeito aos princípios norteadores dos atos lícitos 75 .74Texto original em Convention Establishing the World Intellectual Property Organization(Stockholm, 07.14.1967). Art. 2. Definitions. For the purposes of this Convention: (viii) “intellectualproperty” shall include the rights relating to: literary, artistic and scientific works, performancesof performing artists, phonograms, and broadc<strong>as</strong>ts, inventions in all fields of human endeavor,scientific discoveries, industrial designs, trademarks, service marks, and commercial names anddesignations, protection against unfair competition, and all other rights resulting from intellectualactivity in the industrial, scientific, literary or artistic fields.75BASSO, Maristela, O Direito Internacional <strong>da</strong> Proprie<strong>da</strong>de Intelectual, Porto Alegre, Livrariado Advogado, 2000, p. 52-56.57


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOEmbora a proprie<strong>da</strong>de intelectual tenha a especifici<strong>da</strong>de de referir aos direitosdos sujeitos <strong>sobre</strong> bens imateriais, guar<strong>da</strong> <strong>as</strong> mesm<strong>as</strong> característic<strong>as</strong> econômic<strong>as</strong><strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de em geral. “As característic<strong>as</strong> econômic<strong>as</strong> <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de serão,<strong>as</strong>sim, o controle <strong>sobre</strong> o bem (inclusive o bem-serviço ou o bem-oportuni<strong>da</strong>de)e a possibili<strong>da</strong>de de excluir sua utilização por outrem” 76 . E <strong>as</strong>sim como aproprie<strong>da</strong>de <strong>sobre</strong> bens materiais, a proprie<strong>da</strong>de intelectual também se caracterizapor ser, essencialmente, fruto de decisões polític<strong>as</strong> d<strong>as</strong> socie<strong>da</strong>des.Nos últimos anos, tem-se relacionado a teoria d<strong>as</strong> falh<strong>as</strong> de mercado(market failure) com a noção de direito <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual 77 .Considerando um regime econômico ideal, <strong>as</strong> forç<strong>as</strong> de mercado atuariamlivremente na distribuição natural dos recursos e proveitos. No c<strong>as</strong>o dos bensregulados pela proprie<strong>da</strong>de intelectual, bens intangíveis, há, porém, uma imediatadispersão destes bens no momento em que entram no mercado. Esta falha demercado deve ser corrigi<strong>da</strong> com outra falha de mercado: a restrição de direitos.O Direito torna, portanto, indisponível, fechado e reservado o bem quenaturalmente tenderia à dispersão no mercado ideal livre.A consequência <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> teoria do market failure ao direito <strong>da</strong>proprie<strong>da</strong>de intelectual é a constatação <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de primária <strong>da</strong> atuação doEstado para regular o problema. “A criação <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual é –completa e exclusivamente – uma elaboração <strong>da</strong> lei, que não resulta de qualquerdireito imanente anterior a tal legislação. O direito de exclusiva aos bensintelectuais é <strong>da</strong>do de acordo com a vontade e a conveniência <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Éum movimento <strong>da</strong> política, e de política econômica acima de tudo” 78 . O direitode proprie<strong>da</strong>de intelectual encontra-se na esfera de direitos relativos à searaeconômica, não sendo um direito inerente à condição humana 79 . Isto significaque, também no âmbito do DIP, o Direito <strong>da</strong> Proprie<strong>da</strong>de Intelectual é resultadode uma decisão política <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de internacional.76BARBOSA, Denis Borges, Uma Introdução à Proprie<strong>da</strong>de Intelectual, Rio de Janeiro, EditoraLúmen Júris, 2003, 2ª edição, rev. e atual.77Idem, p. 70-72.78Ibidem, pp. 89-90.79José Afonso <strong>da</strong> Silva critica a inserção do direito à proprie<strong>da</strong>de intelectual <strong>entre</strong> os incisos doart. 5º <strong>da</strong> Constituição Federal de 1988. Segundo o autor: “O dispositivo que a define e <strong>as</strong>seguraestá <strong>entre</strong> os direitos individuais, sem razão plausível para isso, pois evidentemente não temnatureza de direito fun<strong>da</strong>mental do homem. Caberia <strong>entre</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> de ordem econômica”. VerCurso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Editora Malheiros, 1997, 14 ª edição, p.269.58


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUALO âmbito internacional é especialmente importante neste ramo doDireito, em razão do alto grau de internacionalização que <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> deproprie<strong>da</strong>de intelectual possuem. Independentemente do modeloconceitual adotado, os direitos que se originam na produção intelectualtêm caráter imaterial e são essencialmente internacionais. Isto se explicaporque qualquer obra do intelecto é, antes de ter uma nacionali<strong>da</strong>de,fruto do gênio humano, logo, deve ser internacionalmente protegi<strong>da</strong>. “Aproprie<strong>da</strong>de intelectual não conhece barreir<strong>as</strong>, já que os limites não foramfeitos para <strong>as</strong> criações <strong>da</strong> inteligência (criações imateriais). Est<strong>as</strong>, pel<strong>as</strong>ua própria natureza, não se submetem a contenções e têm uma tendênciairresistível a cruzar fronteir<strong>as</strong>” 80 .A explicação para a necessi<strong>da</strong>de de um sistema internacional deproprie<strong>da</strong>de intelectual também está no próprio modelo econômico ora emvigor: c<strong>as</strong>o um país conce<strong>da</strong> um monopólio de exploração ao titular de uminvento, estará em desvantagem em relação àquele país que não conceder omesmo monopólio, pois enquanto os seus consumidores pagam um preçomonopolístico pelo invento, os consumidores do outro país pagarão um preçode livre concorrência (mais baixo). A internacionalização também é capaz deracionalizar a distribuição física dos centros produtores, já que os inventosp<strong>as</strong>sarão a ser produzidos nos países que apresentarem condições maiscompetitiv<strong>as</strong> e poderão ser vendidos no mundo inteiro com a proteção <strong>da</strong>proprie<strong>da</strong>de intelectual.Também vale ressaltar alguns fatores históricos que, após os anos 1970,indicaram a necessi<strong>da</strong>de de uma maior uniformização d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> <strong>sobre</strong>proprie<strong>da</strong>de intelectual <strong>entre</strong> os países 81 :1. homogeneização de mercados pela padronização <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>;2. redução de barreir<strong>as</strong> ao comércio de bens físicos e fim d<strong>as</strong> polític<strong>as</strong>de substituição de importações;3. aperfeiçoamento d<strong>as</strong> telecomunicações e <strong>da</strong> informática;4. aumento <strong>da</strong> competição <strong>entre</strong> mercados;5. custos altos de pesquisa apen<strong>as</strong> sustentados por mercados com escalamundial.80BASSO, op. cit., p.23.81BARBOSA, Denis Borges, Proprie<strong>da</strong>de Intelectual: A Aplicação do Acordo TRIPS, Rio deJaneiro, Editora Lúmen Júris, 2003, pp.6-7.59


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOA regulação internacional <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual é feita, principalmente,no âmbito <strong>da</strong> OMC 82 . Existem du<strong>as</strong> razões fun<strong>da</strong>mentais para a integração doTRIPS ao GATT. Primeiramente, o interesse de completar <strong>as</strong> deficiênci<strong>as</strong> dosistema de proteção de proprie<strong>da</strong>de intelectual <strong>da</strong> OMPI. Uma vez que estaorganização não tem poderes para emanar resoluções que se apliquemdiretamente aos Estados, sua ativi<strong>da</strong>de de harmonização d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> <strong>sobre</strong>proprie<strong>da</strong>de intelectual acaba se restringindo a <strong>as</strong>pecto técnicos, sendo ausentesquaisquer mecanismos de verificação do adimplemento d<strong>as</strong> obrigações. Emsegundo lugar, a vinculação dos direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectual com ocomércio internacional. Somente após os anos 1970 ficou evidente a importânciado desenvolvimento tecnológico e do aumento dos investimentos estrangeirosdiretos como elementos estratégicos para o desenvolvimento industrial dospaíses.O texto do GATT original já previa norm<strong>as</strong> de proteção a marc<strong>as</strong> eregr<strong>as</strong> de origem. Em 1982, os Estados Unidos propuseram aos demaismembros do GATT que se us<strong>as</strong>se o acordo de maneira coativa parareprimir a contrafação, através do arresto de bens produzidos porcontrafação ou outros meios de supressão dos benefícios econômicosdos contrafatores. Já no lançamento <strong>da</strong> Ro<strong>da</strong><strong>da</strong> Uruguai, em 1986, sobforte pressão dos Estados Unidos, foi criado um grupo de negociaçãoquanto aos <strong>as</strong>pectos dos direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectual que afetamo comércio internacional, inclusive o comércio de bens contrafeitos.Embora relutantes, os países em desenvolvimento aceitaram que o GATTfosse constituído como o foro de regulação dos padrões internacionais <strong>da</strong>proprie<strong>da</strong>de intelectual. Durante os debates, três concepções de proprie<strong>da</strong>deintelectual surgiram 83 :82A OMC não é, <strong>entre</strong>tanto, o único foro internacional que li<strong>da</strong> com a proprie<strong>da</strong>de intelectual.Outros tratados internacionais são de grande importância para o <strong>as</strong>sunto, por exemplo: o Convênio<strong>da</strong> União de Paris para a proteção <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual (1883), tendo o Br<strong>as</strong>il, um dossignatários originais, ratificado a Convenção em 1992, após a Revisão de Estocolmo (1967); oConvênio de Berna para a Proteção d<strong>as</strong> Obr<strong>as</strong> Literári<strong>as</strong> e Artístic<strong>as</strong> (Paris, 09.10.1886, revistaem 24.07.1971 e emen<strong>da</strong><strong>da</strong> em 28.09.1979); a Convenção Internacional para a Proteção de Nov<strong>as</strong>Varie<strong>da</strong>des de Plant<strong>as</strong> (1961, Paris), que criou a UPOV (International Union for the Protection ofNew Varieties of Plants), tendo sido revista em 1972, 1978 e 1991 (o Br<strong>as</strong>il é membro <strong>da</strong> UPOVdesde 23.05.1999); a Convenção estabelecendo a Organização Mundial <strong>da</strong> Proprie<strong>da</strong>de Intelectual(OMPI, Estocolmo, 14.07.1967), <strong>da</strong> qual o Br<strong>as</strong>il é membro desde 20.03.1975 (a OMPI realizouacordo de cooperação com a OMC em 22.12.1995).83BASSO, op. cit., pp.159-165.60


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUAL1. posição norte-americana: usar a proprie<strong>da</strong>de intelectual como uminstrumento de favorecimento de inovações, de invenções e de transferênciade tecnologia, independentemente do nível de desenvolvimento econômicodos países;2. posição <strong>da</strong> União Europeia e do Japão: usar a proprie<strong>da</strong>de intelectualcomo um instrumento para <strong>as</strong>segurar a proteção d<strong>as</strong> criações human<strong>as</strong> deforma a evitar abusos no exercício destes direitos e outr<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> queimpedissem o comércio legítimo;3. posição dos países em desenvolvimento: considerando <strong>as</strong> <strong>as</strong>simetri<strong>as</strong><strong>entre</strong> Norte e Sul em relação às capaci<strong>da</strong>des de geração de tecnologia, aproprie<strong>da</strong>de intelectual seria um instrumento para favorecer a difusão detecnologia mediante mecanismos formais e informais de transferência.Em 1991, o então diretor-geral do GATT, Arthur Dunkel, apresentouum projeto de acordo, conhecido como “Dunkel Draft”, que, após vári<strong>as</strong>alterações, foi aprovado em 15.04.1994. Resultado de diversos interessesconflitantes, o acordo TRIPS, em seus arts. 7, 8 e 69, não consagrou umabsolutismo <strong>da</strong> noção liberal <strong>sobre</strong> os direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectual,equilibrando os interesses de busca de inovação tecnológica com anecessi<strong>da</strong>de de difusão <strong>da</strong> transferência de tecnologia.O acordo TRIPS constitui-se de parâmetros mínimos de proteção, tendoher<strong>da</strong>do do GATT os princípios do tratamento nacional, o de nação maisfavoreci<strong>da</strong> e de princípio geral de não discriminação. O acordo faz parte dosistema geral <strong>da</strong> OMC, tendo entrado em vigor logo após a vigência doAcordo de Marraqueche, que criou a OMC (art. 65.1 do acordo TRIPS).Isto significa que o mecanismo de solução de controvérsi<strong>as</strong> <strong>da</strong> OMC podeser usado em relação ao acordo TRIPS (art. 64, acordo TRIPS). É importantesublinhar que, para a aplicação do acordo TRIPS, o GATT e o AcordoGeral <strong>da</strong> OMC constituem o que a Convenção de Viena chama de acordosrelativos ao tratado e feitos <strong>entre</strong> tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> partes por oc<strong>as</strong>ião <strong>da</strong>conclusão do tratado (art.31.2.a, Convenção de Viena), ou seja, devemser usados como elementos integrantes na interpretação do sistemainternacional de proteção à proprie<strong>da</strong>de intelectual.O acordo TRIPS fun<strong>da</strong>-se na ideia de que <strong>as</strong> obrigações nele contid<strong>as</strong>constituem um piso mínimo de norm<strong>as</strong> a serem estabelecid<strong>as</strong> pelos paísesmembros. Est<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> não são diretamente aplicáveis <strong>sobre</strong> os signatáriosdo acordo TRIPS, devendo ser inserid<strong>as</strong> por ca<strong>da</strong> país nos ordenamentos61


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOjurídicos nacionais. Da análise do art.1.1 do acordo TRIPS é possível concluirseque:1. O alcance d<strong>as</strong> obrigações é estabelecer padrões mínimos. Emconsequência, os países membros não estão obrigados a legislar uma proteçãomais ampla que a prevista no acordo e <strong>as</strong> disposições previst<strong>as</strong> no acordonão são auto-aplicáveis, ou seja, apen<strong>as</strong> obrigam os países membros a legislar<strong>sobre</strong> o <strong>as</strong>sunto segundo os parâmetros determinados. “El Acuerdo noconstituye de forma alguna una ley uniforme” 84 ;2. Os países devem aplicar o acordo por meio de norm<strong>as</strong> intern<strong>as</strong> deimplementação. Su<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> são dirigid<strong>as</strong> aos Estados, não aos indivíduos,logo, apen<strong>as</strong> Estados podem reclamar <strong>sobre</strong> o inadimplemento de obrigações;3. Ca<strong>da</strong> país membro tem liber<strong>da</strong>de <strong>sobre</strong> o método de implementaçãod<strong>as</strong> disposições do Acordo TRIPS dentro do seu sistema jurídico.Os requisitos estabelecidos para a proteção de patentes são os clássicos:novi<strong>da</strong>de, inventivi<strong>da</strong>de, aplicação industrial. O TRIPS não permite que ospaíses membros excluam quaisquer áre<strong>as</strong> <strong>da</strong> tecnologia do campo de proteçãopatentária, a não ser nos c<strong>as</strong>os de violação à ordem pública ou morali<strong>da</strong>de,de métodos de diagnósticos ou tratamento médico, de animais e plant<strong>as</strong> quenão sejam microorganismos e de processos essencialmente biológicos deprodução de animais e plant<strong>as</strong>. Os titulares de patentes terão o direito exclusivode evitar que terceiros, sem seu consentimento, produzam, usem, coloquemà ven<strong>da</strong>, ven<strong>da</strong>m ou importem, com estes propósitos, estes bens ou processos.Seus deveres são divulgar de forma suficientemente clara a invenção de maneiraque um técnico especializado possa reproduzir o invento e divulgar a melhorforma possível de produção do invento.2.3. Proprie<strong>da</strong>de intelectual e diversi<strong>da</strong>de biológicaA relação do sistema de proteção <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual <strong>da</strong> OMCcom <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> imperativ<strong>as</strong> <strong>da</strong> CDB é um c<strong>as</strong>o paradigmático do difícilrelacionamento <strong>entre</strong> o objetivo de liberalização do comércio internacional ea necessi<strong>da</strong>de de proteção do meio ambiente.O acordo TRIPS é a b<strong>as</strong>e jurídica que define os direitos de proprie<strong>da</strong>deintelectual dentro <strong>da</strong> OMC. Com relação à diversi<strong>da</strong>de biológica, o artigo84CORREA, Carlos M., Acuerdo TRIPS: régimen internacional de la propie<strong>da</strong>d intelectual,Buenos Aires, Ediciones Ciu<strong>da</strong>d Argentina, 1996, pp. 33-40.62


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUAL27.3 (b) 85 deste acordo determina que os países membros devem protegermicroorganismos e processos biológicos por meio de patentes, sendo possívela exclusão de animais e plant<strong>as</strong>. Entretanto, <strong>as</strong> varie<strong>da</strong>des de plant<strong>as</strong> devemser protegid<strong>as</strong> com títulos de proprie<strong>da</strong>de intelectual, seja através de umsistema de patentes, ou de outro meio de proteção que seja efetivo.A OMC possui dois órgãos que têm relação com o problema do meioambiente: o Conselho para o acordo TRIPS e o Comitê de Comércio eMeio Ambiente (CTE). Este último órgão é a principal interface <strong>da</strong> OMCcom a COP. Os principais tem<strong>as</strong> debatidos <strong>entre</strong> <strong>as</strong> du<strong>as</strong> instânci<strong>as</strong>internacionais são: a proteção dos direitos <strong>sobre</strong> os recursos biológicos; apartilha dos benefícios provenientes do patenteamento de produtos derivadosdesses recursos; acesso e transferência de tecnologi<strong>as</strong> ambientalmenteadequad<strong>as</strong> 86 .Como acima discutido, durante <strong>as</strong> negociações <strong>da</strong> Ro<strong>da</strong><strong>da</strong> Uruguai, quecriou a OMC, houve um conflito de interesses <strong>entre</strong> os países do norte,principalmente os Estados Unidos, pressionados por sua indústriafarmacêutica, e os países do sul a respeito <strong>da</strong> criação de um conjunto deregr<strong>as</strong> de proprie<strong>da</strong>de intelectual que deveria ser seguido por todos os paísesmembros. Os países em desenvolvimento se opuseram à inclusão dest<strong>as</strong> regr<strong>as</strong>no âmbito de norm<strong>as</strong> <strong>da</strong> OMC porque consideravam que os diferentes grausde desenvolvimento econômico requereriam diferentes form<strong>as</strong> de85Article 27. Patentable Subject Matter:1. Subject to the provisions of paragraphs 2 and 3, patents shall be available for any inventions,whether products or processes, in all fields of technology, provided that they are new, involve aninventive step and are capable of industrial application. Subject to paragraph 4 of Article 65,paragraph 8 of Article 70 and paragraph 3 of this Article, patents shall be available and patentrights enjoyable without discrimination <strong>as</strong> to the place of invention, the field of technology andwhether products are imported or locally produced.2. Members may exclude from patentability inventions, the prevention within their territory ofthe commercial exploitation of which is necessary to protect ordre public or morality, includingto protect human, animal or plant life or health or to avoid serious prejudice to the environment,provided that such exclusion is not made merely because the exploitation is prohibited by theirlaw.3. Members may also exclude from patentability:(a) diagnostic, therapeutic and surgical methods for the treatment of humans or animals;(b) plants and animals other than micro-organisms, and essentially biological processes for theproduction of plants or animals other than non-biological and microbiological processes. However,Members shall provide for the protection of plant varieties either by patents or by an effectivesui generis system or by any combination thereof. The provisions of this subparagraph shall bereviewed four years after the <strong>da</strong>te of entry into force of the WTO Agreement.86PÉRET DE SANT’ANA, op. cit., p.34.63


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOregulamentação <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual, de forma a incentivar o n<strong>as</strong>cimentode indústri<strong>as</strong> e de criação de tecnologia nos países do sul. A uniformização,considera<strong>da</strong> benéfica apen<strong>as</strong> para <strong>as</strong> transnacionais dos países ricos, acabouprevalecendo, sob a pressão dos EUA.Até mesmo <strong>entre</strong> os países desenvolvidos, a questão <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>deintelectual não era pacífica. Enquanto os EUA desejavam uma proteçãopatentária total <strong>sobre</strong> tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> áre<strong>as</strong> <strong>da</strong> tecnologia, os europeus entendiamque <strong>as</strong> patentes <strong>sobre</strong> plant<strong>as</strong> e animais deveriam ser proibid<strong>as</strong>, <strong>as</strong>sim comodeveria ser proibido o patenteamento de processos essencialmente biológicosde produção de animais e plant<strong>as</strong>. A posição europeia prevaleceu comosolução intermediária e foi incorpora<strong>da</strong> ao TRIPS no artigo 27.3 (b), tendosido acor<strong>da</strong>do que seria feita uma revisão d<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> em 1999.Esta revisão era espera<strong>da</strong> devido aos diversos problem<strong>as</strong> que seapresentaram após a re<strong>da</strong>ção do art.27.3 (b). O primeiro deles concerne àimprecisão do termo “sistema sui generis efetivo” para proteger varie<strong>da</strong>desde plant<strong>as</strong> e animais. Além disso, muitos países deixaram claro que tantogenes quanto os processos biológicos não eram invenções, logo, não poderiamser patenteados. A ausência de um sistema de repartição de benefícios noacordo era critica<strong>da</strong> por ser considera<strong>da</strong> como um estímulo ao exercício <strong>da</strong>biopirataria. O maior problema, <strong>entre</strong>tanto, estava no choque <strong>entre</strong> <strong>as</strong>obrigações <strong>as</strong>sumid<strong>as</strong> no acordo TRIPS e aquel<strong>as</strong> anteriormente <strong>as</strong>sumid<strong>as</strong>na CDB. A revisão do acordo, porém, não correspondeu às expectativ<strong>as</strong>dos países em desenvolvimento, que esperavam uma reforma que torn<strong>as</strong>se oacordo mais compatível com os seus interesses. A <strong>da</strong>ta de efetivaimplementação do acordo TRIPS, 1º de janeiro de 2000, chegou antes quequaisquer conclusões pudessem ser produzid<strong>as</strong> a respeito <strong>da</strong> revisão doacordo.Em reunião de debates realiza<strong>da</strong> em setembro de 2000, novamenteficaram divididos os países do norte e do sul. O grupo formado por Br<strong>as</strong>il,Índia e Grupo Africano apresentou propost<strong>as</strong> no sentido de pressionar oConselho a considerar questões como diversi<strong>da</strong>de biológica, conhecimentostradicionais, repartição de benefícios, direito de melhorist<strong>as</strong> (particulares queintroduzem melhori<strong>as</strong> genétic<strong>as</strong> em plant<strong>as</strong>) e o conteúdo ético dopatenteamento d<strong>as</strong> form<strong>as</strong> de vi<strong>da</strong>. Em posição contrária, os EUA defendiamque, c<strong>as</strong>o houvesse alguma forma de repartição de benefícios, esta deveri<strong>as</strong>er feita no momento inicial <strong>da</strong> exploração dos materiais biológicos, não depoisde realizad<strong>as</strong> <strong>as</strong> nov<strong>as</strong> invenções.64


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUALO desejo dos países em desenvolvimento, preocupados com a nãoconsideração do acordo TRIPS dos conhecimentos tradicionais, de que aOMC inici<strong>as</strong>se debates profundos <strong>sobre</strong> a revisão do acordo para que oeste se adequ<strong>as</strong>se à CDB também encontrou forte oposição dos EUA. Aposição norte-americana de defender a concessão total de patentes a plant<strong>as</strong>e animais se explica, vale ressaltar, pela forte pressão <strong>da</strong> poderosa indústrianorte-americana (farmacêutica, de cosméticos, química etc). Embora sejampossuidores de grande diversi<strong>da</strong>de biológica, os EUA defendem a concessãototal de patentes porque seu desenvolvido parque industrial tenderia a absorvertod<strong>as</strong> <strong>as</strong> possibili<strong>da</strong>des de pesquis<strong>as</strong> e de elaboração de novos produtos apartir <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica norte-americana.O Br<strong>as</strong>il apresentou uma proposta para que fossem criados novosrequisitos <strong>sobre</strong> concessão de patentes, estes relacionados à identificação <strong>da</strong>origem do material genético e à identificação do conhecimento tradicionalusado, além do dever de provar a repartição justa e equitativa dos benefíciosauferidos e que a patente candi<strong>da</strong>ta recebeu consentimento prévio e informadodo governo ou d<strong>as</strong> comuni<strong>da</strong>des locais ou indígen<strong>as</strong> de onde o material foiobtido 87 .Apesar do conflito de posições existente <strong>entre</strong> países que consideram <strong>as</strong>norm<strong>as</strong> existentes na CDB incompatíveis com <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> do acordo TRIPS,<strong>entre</strong> eles, o Br<strong>as</strong>il, e aqueles países que consideram os dois acordosinternacionais compatíveis, foi acor<strong>da</strong>do que <strong>as</strong> discussões <strong>sobre</strong> diversi<strong>da</strong>debiológica continuariam dentro do âmbito <strong>da</strong> revisão do acordo TRIPS.A posição europeia <strong>sobre</strong> a relação <strong>entre</strong> a CDB e o acordo TRIPS é deentender <strong>as</strong> preocupações dos países em desenvolvimento em relação aoreferido artigo do acordo, m<strong>as</strong> considerar que a solução do problema nãoestá na alteração do artigo, m<strong>as</strong>, sim, no desenvolvimento de instrumentosinternacionais adequados para a implementação de ambos os acordosinternacionais, a CDB e o TRIPS. Também percebem como solução a efetivacooperação técnica com os países em desenvolvimento e possíveisnegociações <strong>sobre</strong> medid<strong>as</strong> dentro do sistema de proprie<strong>da</strong>de intelectual.Assim como outros países membros, o Br<strong>as</strong>il está sendo avaliado pelaOMC em relação à sua lei de proteção de patentes e à implementação doacordo TRIPS. A posição br<strong>as</strong>ileira é a de defender a compatibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>87O <strong>as</strong>sunto será discutido em profundi<strong>da</strong>de no Capítulo 3 desta obra.65


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOimplementação do acordo com os imperativos determinados pela CDB. Issosignifica que no ato <strong>da</strong> concessão <strong>da</strong> patente de um microorganismo énecessário que se identifique sua origem e que se divi<strong>da</strong> com o país de origemos benefícios <strong>da</strong> exploração comercial dos produtos realizados a partir domicroorganismo. Efetivamente, a legislação br<strong>as</strong>ileira permite a recusa doreconhecimento ou <strong>da</strong> concessão <strong>da</strong> patente c<strong>as</strong>o os responsáveis pelapesquisa não compartilhem com o Governo br<strong>as</strong>ileiro, ou com <strong>as</strong> comuni<strong>da</strong>desindígen<strong>as</strong>, por exemplo, os ganhos com a comercialização do recurso que sedeseja patentear.As negociações para a verificação <strong>da</strong> relação <strong>entre</strong> a CDB e oacordo TRIPS foram reforçad<strong>as</strong> na declaração do lançamento <strong>da</strong>Ro<strong>da</strong><strong>da</strong> Doha, que coloca o tema como uns dos capítulos de negociação<strong>da</strong> nova ro<strong>da</strong><strong>da</strong>. Est<strong>as</strong> negociações, certamente, dividirão os países emgrupos de interesse que pode ser delineado, em termos gerais, comouma divisão norte-sul. Ao lado do Br<strong>as</strong>il estão, por exemplo, a Índia eos países africanos, que também defendem a conformi<strong>da</strong>de d<strong>as</strong> regr<strong>as</strong>do TRIPS com os ditames <strong>da</strong> CDB. Além disso, a entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> China naOMC tende a agregar força à posição br<strong>as</strong>ileira, em razão <strong>da</strong> imensadiversi<strong>da</strong>de biológica e dos grandes conhecimentos em medicinatradicional detidos pelo país 88 .2.4. BioprospecçãoA ativi<strong>da</strong>de de bioprospecção 89 está historicamente inseri<strong>da</strong> na relação<strong>entre</strong> os países industrializados e países em desenvolvimento. Desde o período<strong>da</strong> ocupação inicial d<strong>as</strong> Améric<strong>as</strong> pelos colonizadores europeus, se percebeo fluxo de exploração d<strong>as</strong> riquez<strong>as</strong> <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica existentes nospaíses do Sul pelo países do Norte, fortemente ligado às diferenç<strong>as</strong> de graude desenvolvimento d<strong>as</strong> du<strong>as</strong> regiões. A exploração atual <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>debiológica continua a seguir a lógica d<strong>as</strong> diferenç<strong>as</strong> de desenvolvimentotecnológico.Depois que a diversi<strong>da</strong>de biológica foi percebi<strong>da</strong> como um valoreconômico importante para a ativi<strong>da</strong>de industrial, a indústria farmacêutica,através dos avanços na área <strong>da</strong> biotecnologia, p<strong>as</strong>sou por uma f<strong>as</strong>e de88PÉRET DE SANT’ANA, op. cit., p. 39.89Ver conceito na nota de ro<strong>da</strong>pé 56.66


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUALsubstituição do antigo método de screening de extratos de plant<strong>as</strong> pormétodos mais avançados de elaboração de drog<strong>as</strong>.Entretanto, percebeu-se que a biotecnologia ain<strong>da</strong> não tinha condiçõesde comparar-se com o processo natural de formação de molécul<strong>as</strong> para aativi<strong>da</strong>de terapêutica. Foi retomado, então, o uso de modelos <strong>da</strong> naturezacomo b<strong>as</strong>e para a criação de nov<strong>as</strong> drog<strong>as</strong>, combinando <strong>as</strong> técnic<strong>as</strong> avançad<strong>as</strong>de processamento de nov<strong>as</strong> drog<strong>as</strong> com o método de screening <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>debiológica. Este novo processo de elaboração de drog<strong>as</strong> gerou um aumentoexponencial <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> por exemplares de plant<strong>as</strong> coletad<strong>as</strong> principalmenten<strong>as</strong> regiões tropicais.A bioprospecção significa um esforço conjunto tanto <strong>da</strong> indústriafarmacêutica e <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de acadêmica, quanto pelos países emdesenvolvimento, principais depositários <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica, podendofazer uso dos conhecimentos tradicionais d<strong>as</strong> comuni<strong>da</strong>des indígen<strong>as</strong> e locais.Para que a ativi<strong>da</strong>de esteja de acordo com os princípios <strong>da</strong> CDB, é necessárioque todos os atores envolvidos no processo tenham ganhos com a exploraçãoe comercialização <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica, de forma que ao seu usosustentável se some a repartição equânime e justa dos resultados.O desembolso amplo dos benefícios obtidos ao longo do processo depesquisa e desenvolvimento é o meio mais eficaz de se gerar efeitos econômicose sociais decorrentes <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de de bioprospecção 90 . Tais benefícios não90Podemos citar como exemplos de benefícios resultantes <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de de bioprospecção: aarreca<strong>da</strong>ção de fundos para disput<strong>as</strong> legais relacionad<strong>as</strong> aos direitos <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> terr<strong>as</strong>; a melhoria degeração de ren<strong>da</strong> a partir de recursos florestais por meio de program<strong>as</strong> sociais de fornecimentosustentável; a <strong>as</strong>sistência com o estabelecimento de indústri<strong>as</strong> de valor adicionado, incluindo oprocessamento de estratos de plant<strong>as</strong> para o uso local ou regional e melhores condições de acessoa mercados; o desembolso de fundos de <strong>as</strong>sistência para infraestrutura, tais como a construção deestrad<strong>as</strong> e escol<strong>as</strong>, serviços médicos e suprimento médicos essenciais; a captação de recursoshumanos em parataxonomia (coleta, seleção e identificação de plant<strong>as</strong>); o treinamento administrativo,científico, legal e gerencial útil ao desenvolvimento de futur<strong>as</strong> colaborações comerciais; oestabelecimento de um fundo comunitário para necessi<strong>da</strong>des futur<strong>as</strong> determinad<strong>as</strong> pela comuni<strong>da</strong>de;a formação e o treinamento em técnic<strong>as</strong> laboratoriais e de coleta; o uso comum de resultadoslaboratoriais por program<strong>as</strong> de pesquisa institucional, incluindo aqueles que possam ter uso localimediato; tais como a padronização <strong>da</strong> medicina tradicional local, a transferência de tecnologia econstrução de infraestrutura institucional; a contribuição de pessoal especializado e informaçãopara os program<strong>as</strong> de pesquisa institucional, tais como flor<strong>as</strong> nacionais, b<strong>as</strong>e de <strong>da</strong>dos nacionaise depósito de espécimes em herbários locais e nacionais, o fornecimento de equipamento decampo e laboratorial, o fornecimento de literatura científica, material educacional, troca de pesquis<strong>as</strong>com instituições acadêmic<strong>as</strong> e empres<strong>as</strong>; a colaboração em programa de pesquisa que estimulecientist<strong>as</strong> a participar de maneira mais ampla com a comuni<strong>da</strong>de científica internacional,67


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOsão apen<strong>as</strong> de caráter monetário. É necessário que a comuni<strong>da</strong>de científicados países em desenvolvimento e <strong>as</strong> comuni<strong>da</strong>des indígen<strong>as</strong> e locais estruturemseus acordos com empres<strong>as</strong> de bioprospecção estrangeira para que os ganhosauferidos não se limitem aos <strong>as</strong>pectos comerciais <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica,que podem ou não surgir ao final <strong>da</strong> f<strong>as</strong>e de elaboração d<strong>as</strong> nov<strong>as</strong> drog<strong>as</strong> 91 .2.4.1. O contexto br<strong>as</strong>ileiro para a bioprospecção: o ordenamentojurídico br<strong>as</strong>ileiro.O Br<strong>as</strong>il é um país que constitui alvo fácil para a ação de biopirataria,principalmente devido aos atrativos de diversi<strong>da</strong>de biológica que a imensa extensãoterritorial br<strong>as</strong>ileira oferece. Tais facili<strong>da</strong>des se devem não apen<strong>as</strong> à esc<strong>as</strong>sez derecursos para a fiscalização de áre<strong>as</strong> megadivers<strong>as</strong>, como também à falta deconscientização d<strong>as</strong> populações locais <strong>sobre</strong> a importância dos recursos biogenéticos.O ordenamento jurídico br<strong>as</strong>ileiro, antes mesmo <strong>da</strong> CDB, já dispunhade mecanismos de defesa do patrimônio genético nacional, <strong>as</strong>sim como <strong>as</strong>discussões <strong>sobre</strong> projetos de leis que tratavam de tem<strong>as</strong> ligados à CDB jáhaviam sido iniciad<strong>as</strong>. O melhor exemplo <strong>da</strong> precoci<strong>da</strong>de do sistema jurídicobr<strong>as</strong>ileiro na busca <strong>da</strong> defesa do patrimônio genético é a Lei n. 7.347, de 23de julho de 1985, <strong>sobre</strong> a Ação Civil Pública. Este instrumento jurídico visaa evitar e a reprimir <strong>da</strong>nos aos interesses <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de como um todo, d<strong>entre</strong>eles, a proteção ao meio ambiente e ao patrimônio cultural e público 92 .incluindo viagens a conferênci<strong>as</strong>, coautoria em publicações, troca de pesquisa com outr<strong>as</strong>instituições tropicais; <strong>as</strong> contribuições para a ciência relaciona<strong>da</strong> à diversi<strong>da</strong>de biológica, inventáriosgerenciamentos de áre<strong>as</strong> protegid<strong>as</strong>, <strong>as</strong> contribuições científic<strong>as</strong> na área de pesquisa de plant<strong>as</strong>medicinais que possam ser aplicad<strong>as</strong> nos program<strong>as</strong> de saúde básica, muitos dos quais b<strong>as</strong>eadosem conhecimentos de plant<strong>as</strong> medicinais locais, a <strong>as</strong>sistência com pesquisa <strong>sobre</strong> doenç<strong>as</strong> tropicaisdo país; a licença para a produção de ven<strong>da</strong> de produtos comerciais dentro do país ou região; adistribuição de drog<strong>as</strong> a preço de custo ou como parte de um programa de doação; a transferênciade tecnologia e pessoal especializado útil para o desenvolvimento d<strong>as</strong> capaci<strong>da</strong>des nacionais depesquisa e indústri<strong>as</strong> que utilizem a diversi<strong>da</strong>de biológica local;e os fundos para os sistem<strong>as</strong> deáre<strong>as</strong> protegid<strong>as</strong> e program<strong>as</strong> de conservação e de desenvolvimento sustentável.91Vale ressaltar que, segundo ONGs de importância internacional, como a World Wide Fund forNature (WWF), o pagamento de rend<strong>as</strong> (royalties) após terem sido realizad<strong>as</strong> tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> f<strong>as</strong>es doprocesso de elaboração de uma nova droga, em média dez anos depois de terem sido iniciados ostrabalhos de extração, não teria os efeitos desejados.92“É o instrumento processual destinado a evitar ou reprimir <strong>da</strong>nos aos interesses difusos outransindividuais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, d<strong>entre</strong> os quais: meio ambiente, patrimônio cultural, patrimôniopúblico e social, criança e adolescente, investidores no mercado de capitais, consumidores,portadores de deficiência física”. Ver MEDAUAR, Odete, Direito Administrativo Moderno - deacordo com a E.C. 18/98, 3ª ed. ver. e atual., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1999, p.446.68


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUALCaracteriza-se por ser um instrumento que pode ser usado antes de sercausado o <strong>da</strong>no, como forma de evitar perd<strong>as</strong> irreparáveis.Além <strong>da</strong> ação civil pública, outr<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> do sistema jurídico br<strong>as</strong>ileirotêm relação direta com a preservação <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica.A Lei 9.279, de 14 de maio de 1996, ou Lei de Proprie<strong>da</strong>deIndustrial, dispõe <strong>sobre</strong> a proprie<strong>da</strong>de industrial e intelectual no Br<strong>as</strong>il.Esta lei não reconhece o patenteamento de animais ou de plant<strong>as</strong>, sejatotal ou parcial, com exceção aos microorganismos transgênicos. Estespodem ser patenteados c<strong>as</strong>o aten<strong>da</strong>m aos três requisitos depatenteabili<strong>da</strong>de (novi<strong>da</strong>de; ativi<strong>da</strong>de inventiva; aplicação industrial).Os organismos transgênicos são definidos como “organismos, exceto otodo ou parte de plant<strong>as</strong> ou de animais, que expressem, medianteintervenção humana direta em sua composição genética, umacaracterística normalmente não alcançável pela espécie em condiçõesnaturais” 93 . A Lei de Proprie<strong>da</strong>de Industrial foi alvo de intensos debatestanto dentro quanto fora do Br<strong>as</strong>il, tendo sido uma reação às constantesobservações internacionais <strong>sobre</strong> a ausência de uma legislação conformeos padrões internacionais <strong>sobre</strong> a proprie<strong>da</strong>de intelectual e os reflexosdesta ausência n<strong>as</strong> exportações br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong>.Alguns pontos foram polêmicos quando dos debates <strong>sobre</strong> aaprovação dessa lei. A polêmica inicial concernia ao temor de algunsgrupos de pressão <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> dificul<strong>da</strong>des que a nova lei poderia causarà entra<strong>da</strong> de empres<strong>as</strong> br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> no mercado de biotecnologia emoposição à argumentação de outros grupos que consideravam que aaprovação de lei poderia melhorar <strong>as</strong> relações internacionais do Br<strong>as</strong>ile facilitar o acesso a tecnologi<strong>as</strong> de ponta. Esta última posiçãoprevaleceu, inclusive com a possibili<strong>da</strong>de do pipeline 94 . Outro pontoque suscitou controvérsi<strong>as</strong> foram os c<strong>as</strong>os em que a Lei de Proprie<strong>da</strong>deIndustrial torna possível a quebra <strong>da</strong> patente (abuso de poder econômicoe c<strong>as</strong>os de não fabricação do produto no território br<strong>as</strong>ileiro após trêsanos <strong>da</strong> concessão <strong>da</strong> patente; c<strong>as</strong>os de emergência internacional), o93Lei 9.279, art. 18, parágrafo único.94Pipeline é o reconhecimento automático, com retroativi<strong>da</strong>de de cinco anos, d<strong>as</strong> patentesestrangeir<strong>as</strong> concedid<strong>as</strong> antes <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> nova lei br<strong>as</strong>ileira para produtos em f<strong>as</strong>e dedesenvolvimento e ain<strong>da</strong> não comercializados, pelo prazo de proteção que restar no país onde apatente foi registra<strong>da</strong> (com limite de vinte anos). Ver PERET SANT’ANA, ob. cit, p. 132.69


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOchamado “licenciamento compulsório” 95 . Esta figura jurídica não apareceno Acordo TRIPS, embora seu artigo 31 permita o uso <strong>da</strong> patente semautorização quando anteriormente tenham sido feitos esforços razoáveispara a obtenção voluntária <strong>da</strong> licença.A Lei 9.456, de 25 de abril de 1997 trata dos cultivares 96 e <strong>da</strong> natureza jurídica<strong>da</strong> proteção <strong>da</strong><strong>da</strong> a est<strong>as</strong> inovações agrícol<strong>as</strong> 97 . A proteção concedi<strong>da</strong> pela lei,também conheci<strong>da</strong> como Lei de Cultivares, não se confunde com proteção <strong>da</strong><strong>da</strong>pela Lei de Proprie<strong>da</strong>de Industrial, uma vez que os direitos de exclusivi<strong>da</strong>de por elagarantidos não impedem que terceiros usem um determinado cultivar para fins depesquisa, sendo possível que se obtenha um novo cultivar, mesmo sem a autorizaçãodo detentor dos direitos <strong>sobre</strong> o cultivar usado como b<strong>as</strong>e para a pesquisa. OCertificado de Proteção de Cultivar confere ao seu detentor o direito de impedir aprodução para fins comerciais, o oferecimento à ven<strong>da</strong> ou à comercialização, feitospor terceiros, apen<strong>as</strong> <strong>da</strong> varie<strong>da</strong>de vegetal que especifica. É importante mencionarque a Lei de Cultivares determina a licença compulsória, nos c<strong>as</strong>os em que o detentordo Certificado de Proteção de Cultivar não mantenha um fornecimento regular <strong>da</strong>varie<strong>da</strong>de vegetal no mercado, e seu uso público restrito 98 para atender às95Lei 9.279/96, art. 68: O titular ficará sujeito a ter a patente licencia<strong>da</strong> compulsoriamente seexercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de podereconômico, comprovado nos termos <strong>da</strong> lei, por decisão administrativa ou judicial.§ 1º Ensejam,igualmente, licença compulsória: I - a não exploração do objeto <strong>da</strong> patente no território br<strong>as</strong>ileiropor falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ain<strong>da</strong>, a falta de uso integraldo processo patenteado, ressalvados os c<strong>as</strong>os de inviabili<strong>da</strong>de econômica, quando será admiti<strong>da</strong>a importação; ou II - a comercialização que não satisfizer às necessi<strong>da</strong>des do mercado. Art.71: Nos c<strong>as</strong>os de emergência nacional ou interesse público, declarados em ato do Poder ExecutivoFederal, desde que o titular <strong>da</strong> patente ou seu licenciado não aten<strong>da</strong> a essa necessi<strong>da</strong>de,poderá ser concedi<strong>da</strong>, de ofício, licença compulsória, temporária e não exclusiva, para a exploração<strong>da</strong> patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular.96Cultivar é uma varie<strong>da</strong>de de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramentedistinguível de outr<strong>as</strong> cultivares conhecid<strong>as</strong> por margem mínima de descritores, por sua denominaçãoprópria, que seja homogênea e estável quanto aos descritores através de geraçõessucessiv<strong>as</strong> e seja de espécie p<strong>as</strong>sível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicaçãoespecializa<strong>da</strong> disponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos(Lei 9.456/97, art. 3, IV). O melhorista é a pessoa física que obtiver cultivar e estabelecerdescritores que a diferenciem d<strong>as</strong> demais (Lei 9.456/97, art.3, I).97Os direitos de exclusivi<strong>da</strong>de <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> cultivares são considerados bens móveis para todos osefeitos legais (Lei 9.456/97, art.2.)98Considera-se de uso público restrito a cultivar que, por ato do Ministro <strong>da</strong> Agricultura e doAb<strong>as</strong>tecimento, puder ser explora<strong>da</strong> diretamente pela União Federal ou por terceiros por eladesignados, sem exclusivi<strong>da</strong>de, sem autorização de seu titular, pelo prazo de três anos, prorrogávelpor iguais períodos, desde que notificado e remunerado o titular na forma a ser defini<strong>da</strong> emregulamento (Lei 9.456/97, art. 36, parágrafo único).70


SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA E A PROPRIEDADE INTELECTUALnecessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> política agrícola nacional, nos c<strong>as</strong>os de emergência nacional, deabuso de poder econômico ou de outr<strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong> de extrema urgência e emc<strong>as</strong>os de uso público não comercial 99 .O Decreto-Lei 98.830/90 e a Portaria 55/90 (Ministério <strong>da</strong> Ciência eTecnologia) regulam a coleta de informações e de materiais científicos noBr<strong>as</strong>il, sendo, portanto, diretamente ligados à ativi<strong>da</strong>de de bioprospecção.Os instrumentos legais do sistema jurídico br<strong>as</strong>ileiro, que buscavam mais limitaro deslocamento de indivíduos ou a ativi<strong>da</strong>de de instituições científic<strong>as</strong> noterritório br<strong>as</strong>ileiro (Decreto 65.057/69), trataram de facilitar oestabelecimento de cooperação científica através de procedimentos maisflexíveis, que priorizam o controle <strong>da</strong> coleta do material que integra ospatrimônios natural e cultural br<strong>as</strong>ileiros (vale ressaltar que esta evolução foianterior à aprovação <strong>da</strong> CDB).A Medi<strong>da</strong> Provisória 2.186, de 26 de julho de 2001, trata <strong>da</strong>regulamentação do acesso ao patrimônio genético br<strong>as</strong>ileiro, a proteção e oacesso ao conhecimento tradicional a ele <strong>as</strong>sociado e a transferência detecnologia para sua conservação e utilização. Entre outr<strong>as</strong> <strong>determinações</strong>,estabelece que o acesso ao patrimônio genético br<strong>as</strong>ileiro será feito comautorização <strong>da</strong> União, o reconhecimento dos direitos d<strong>as</strong> comuni<strong>da</strong>desindígen<strong>as</strong> e locais <strong>sobre</strong> seus conhecimentos tradicionais e a proteção <strong>da</strong><strong>da</strong> aestes conhecimentos como parte do patrimônio cultural br<strong>as</strong>ileiro, a criaçãodo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, no âmbito do Ministério doMeio Ambiente, <strong>as</strong> condições gerais <strong>da</strong> transferência de tecnologia a partirde instituições estrangeir<strong>as</strong> e os termos que devem constar no contrato 100 ,<strong>entre</strong> outr<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> 101 .99Lei 9.456/97, art. 36, caput.100Medi<strong>da</strong> Provisória 2.186/2001, Art.28. São cláusul<strong>as</strong> essenciais do Contrato de Utilização doPatrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, na forma do regulamento, sem prejuízo Odeoutr<strong>as</strong>, <strong>as</strong> que disponham <strong>sobre</strong>: I - objeto, seus elementos, quantificação <strong>da</strong> amostra e usopretendido; II - prazo de duração; III - forma de repartição justa e equitativa de benefícios e,quando for o c<strong>as</strong>o, acesso à tecnologia e transferência de tecnologia; IV - direitos e responsabili<strong>da</strong>desd<strong>as</strong> partes; V - direito de proprie<strong>da</strong>de intelectual; VI - rescisão; VII - penali<strong>da</strong>des; VIII -foro no Br<strong>as</strong>il. Parágrafo único. Quando a União for parte, o contrato referido no caput desteartigo reger-se-á pelo regime jurídico de direito público.101No momento em que este trabalho foi escrito, o Poder Executivo discutia a elaboração de umanteprojeto de lei, para enviar ao Congresso, que substituiria, se aprovado, a Medi<strong>da</strong> Provisória.As discussões intern<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> o anteprojeto revelaram-se muito difíceis, em razão d<strong>as</strong> divergênci<strong>as</strong><strong>entre</strong> o Ministério do Meio ambiente e o Ministério <strong>da</strong> Agricultura, Pecuária e Ab<strong>as</strong>tecimento, oMinistério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e o Ministério de Ciência e Tecnologia.71


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOTambém são dign<strong>as</strong> de nota a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, ouLei de Crimes Ambientais, e a Lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973, oEstatuto do Índio. A Lei de Crimes Ambientais inovou ao determinar aaplicação de pen<strong>as</strong> alternativ<strong>as</strong> (não privativ<strong>as</strong> de liber<strong>da</strong>de) aos infratoresd<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> ambientais, como, por exemplo, prestação de serviços àcomuni<strong>da</strong>de, interdição temporária de direitos, suspensão parcial ou total deativi<strong>da</strong>des, prestação pecuniária ou recolhimento domiciliar. O Estatuto doÍndio é caracterizado por uma perspectiva anacrônica <strong>da</strong> política indigenista,principalmente se observarmos os avanços obtidos pelos povos indígen<strong>as</strong>com a Constituição Federal de 1988. Vale ressaltar que, desde 1991, tramitano Poder Legislativo o Projeto de Lei 2.057, o chamado Estatuto d<strong>as</strong>Socie<strong>da</strong>des Indígen<strong>as</strong>. Seus objetivos mais amplos dizem respeito à situaçãod<strong>as</strong> comuni<strong>da</strong>des indígen<strong>as</strong>, a proteção de seus costumes, de sua cultura edos seus direitos territoriais, <strong>as</strong>sim como o direito à proteção de sua herançaindígena e à proprie<strong>da</strong>de intelectual 102 .102Para maiores informações <strong>sobre</strong> a legislação concernente ao acesso ao patrimônio genético e àstecnologi<strong>as</strong> <strong>as</strong>sociad<strong>as</strong>, ver o sítio eletrônico do Ministério <strong>da</strong> Ciência e Tecnologia do Br<strong>as</strong>il:http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/8039.htm?Tema=Patrimônio72


Capítulo 3Sobre <strong>as</strong> relações <strong>entre</strong> países emdesenvolvimento e países desenvolvidos no temado meio ambiente 1033.1. A ecopolítica Norte-Sul e seus reflexos <strong>sobre</strong> a relação <strong>entre</strong>a CDB e o acordo TRIPSA análise <strong>da</strong> relação existente <strong>entre</strong> a CDB e o acordo TRIPS deve levarem consideração algum<strong>as</strong> premiss<strong>as</strong>. Inicialmente, o foco de interpretaçãodeve ser b<strong>as</strong>eado na perspectiva neo-humanista do pensamento ecologista,<strong>da</strong>do que esta corrente conseguiu abor<strong>da</strong>r o binômio homem/natureza semcometer os exageros do antropocentrismo racionalista, nem a falta depercepção política do ecocentrismo. A visão neo-humanista interpreta ohomem como um animal histórico, cujo desenvolvimento, incerto, se b<strong>as</strong>eian<strong>as</strong> relações do homem com <strong>as</strong> condicionantes extern<strong>as</strong> que a natureza lheimpõe. São <strong>as</strong> condições concret<strong>as</strong> do presente que permitem a construçãode um futuro, sem que este futuro exclua o desenvolvimento tecnológico comofator central para a erradicação <strong>da</strong> pobreza e <strong>da</strong> exclusão social 104 .Segundo a visão neo-humanista, portanto, uma d<strong>as</strong> fortes condicionantesque atualmente determinam <strong>as</strong> relações do homem com a natureza está nosistema internacional, principalmente n<strong>as</strong> estrutur<strong>as</strong> de poder existentes n<strong>as</strong>103As opiniões expost<strong>as</strong> neste Capítulo 3 são fruto de estudos do autor e não devem ser considerad<strong>as</strong>como opinião oficial <strong>da</strong> política externa br<strong>as</strong>ileira.104Ver ALMINO, op. cit., p. 45-46.73


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOrelações <strong>entre</strong> os países. As relações <strong>entre</strong> os países desenvolvidos e ospaíses em desenvolvimento estão estreitamente ligad<strong>as</strong> aos grandes problem<strong>as</strong>ambientais. O tema do meio ambiente se tornou palco para <strong>as</strong> reinvidicaçõesdos países em desenvolvimento com vist<strong>as</strong> à construção de uma ordeminternacional mais igualitária e menos injusta para os seus interesses.Segundo LE PRESTRE 105 , <strong>as</strong> posições dos países do Sul em forosinternacionais <strong>sobre</strong> proteção do meio ambiente podem ser resumid<strong>as</strong> nopleito por maior cooperação financeira internacional e maior transferência detecnologia, n<strong>as</strong> reiterad<strong>as</strong> reclamações a respeito <strong>da</strong> imposição <strong>da</strong> agen<strong>da</strong>internacional pelos países desenvolvidos, na não aceitação de nov<strong>as</strong> obrigaçõesinternacionais em situação de desigual<strong>da</strong>de relativa com o Paísesdesenvolvidos e defesa do princípio <strong>da</strong> soberania <strong>sobre</strong> os seus recursosnaturais.As posições dos países do Norte podem ser resumid<strong>as</strong> na tentativa deextensão dos regimes ambientais adotados em seus sistem<strong>as</strong> internos a todosos outros países <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de internacional, na recusa constante de aceitara criação de nov<strong>as</strong> instituições internacionais que propiciem a concessão derecursos financeiros complementares (a não ser quando estes recursos puderemser controlados pelos doadores) e na tentativa de impor um sentimento deresponsabili<strong>da</strong>des comuns <strong>entre</strong> todos os países.O diálogo existente <strong>entre</strong> os dois blocos possui pontos que demonstramuma continui<strong>da</strong>de nos debates ocorridos nos anos 1960 e 1970, principalmenteno âmbito <strong>da</strong> UNCATD, enquanto outros vieram à tona nos últimos anos.Observa-se uma linha de ação constante de defesa do objetivo dedesenvolvimento econômico e social paralelamente à defesa <strong>da</strong> soberaniaque os países têm <strong>sobre</strong> os seus recursos naturais. Em contraparti<strong>da</strong>, apreocupação com que a opinião pública internacional p<strong>as</strong>sou a observar otema do meio ambiente gerou uma circunstância política favorável aosurgimento de novos conceitos <strong>sobre</strong> a matéria ambiental que acabaram portransformar o tema em um meio de articular outros objetivos que não apen<strong>as</strong>o ambientais.O primeiro ponto de continui<strong>da</strong>de que se observa no discurso dos paísesem desenvolvimento é a priori<strong>da</strong>de concedi<strong>da</strong> ao desenvolvimento. O centrodos esforços dos países em desenvolvimento é evitar que o meio ambiente se105LE PRESTRE, Philippe, Ecopolítica Internacional, tradução Jacob Gorender, São Paulo: Ed.Senac, 2000, p. 245.74


SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E PAÍSES DESENVOLVIDOStorne um tema que fun<strong>da</strong>mente o abandono dos objetivos do desenvolvimento,seja através <strong>da</strong> diminuição <strong>da</strong> cooperação internacional ou pela criação debarreir<strong>as</strong> não-tarifári<strong>as</strong> de fundo ambiental que objetivem dissimular intençõespuramente comerciais. Embora admitam a gravi<strong>da</strong>de do problema <strong>da</strong>degra<strong>da</strong>ção do meio ambiente, os países em desenvolvimento sabem quesua participação no processo de degra<strong>da</strong>ção é muito inferior àquela que têmos países industrializados, principalmente em termos históricos.Outro princípio igualmente defendido pelos países em desenvolvimentoao longo dos debates <strong>sobre</strong> o meio ambiente é a defesa <strong>da</strong> soberania <strong>sobre</strong>seus recursos naturais, refutando qualquer tipo de ingerência internacional decaráter ecológico. Vale ressaltar que o sexto princípio <strong>da</strong> Declaração Ministerialde Pequim declara que “a cooperação internacional no domínio <strong>da</strong> proteçãoambiental deveria b<strong>as</strong>ear-se no princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> Estadossoberanos” 106 .Alguns elementos do debate atual <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> questões do meio ambientesurgiram apen<strong>as</strong> nos últimos anos, principalmente após a Conferência doRio. Além <strong>da</strong> consoli<strong>da</strong>ção de conceitos inovadores, como o dedesenvolvimento sustentável, e do aparecimento de uma consciência ecológicamundial, percebemos que os discursos <strong>sobre</strong> a questão ambiental tendem,atualmente, a se b<strong>as</strong>ear na ideia de diferenciação d<strong>as</strong> obrigações <strong>entre</strong> ospaíses e no emprego do tema do meio ambiente como instrumento paracatalisar outros interesses na agen<strong>da</strong> internacional. É interessante notar que oprincípio <strong>da</strong> soberania <strong>sobre</strong> os recursos naturais p<strong>as</strong>sou a ser defendidotambém por países ricos, como o Canadá, pelo temor <strong>da</strong> per<strong>da</strong> de suacapaci<strong>da</strong>de de explorar seus recursos naturais de maneira autônoma.Após a derroca<strong>da</strong> do bloco comunista, em 1989, alguns dos principaisefeitos <strong>da</strong> que<strong>da</strong> do Muro de Berlim para os países em desenvolvimentoforam a per<strong>da</strong> relativa de importância no jogo de poder <strong>entre</strong> <strong>as</strong> potênci<strong>as</strong>mundiais, a per<strong>da</strong> de legitimi<strong>da</strong>de de regimes políticos nacionais de caráterautoritário, a constatação de frac<strong>as</strong>sos políticos evidencia<strong>da</strong> pelo fim <strong>da</strong> euforiacausa<strong>da</strong> pela descolonização, <strong>as</strong> fortes reações ao movimento liberal de106Unced, Preparatory Commitee for the United Nations Conference on Environment andDevelopment, Third Session, 1991, Beijing Ministerial Declaration on Environment andDevelopment. Adotado na Ministerial Conference of Developing Countries on Environment anddevelopment, 19 de julho de 1991. Nações Unid<strong>as</strong>, 13 de agosto de 1991 (A/CONF.151/PC/85).Este acordo foi elaborado n<strong>as</strong> discussões preparatóri<strong>as</strong> dos países <strong>as</strong>iáticos para a Conferência doRio.75


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOuniformização ideológica (observado na economia, na política e n<strong>as</strong>socie<strong>da</strong>des) e o aumento d<strong>as</strong> migrações em m<strong>as</strong>sa.São estes os elementos histórico-políticos que explicam, em grande parte,<strong>as</strong> razões <strong>da</strong> contra-ofensiva dos países industrializados ao final do séculoXX, quando p<strong>as</strong>saram a questionar o que os países em desenvolvimentoestavam efetivamente concretizando em termos de proteção ao meio ambiente.Esta inversão de “cobranç<strong>as</strong>” contribuiu para deslegitimar, em um primeiromomento, <strong>as</strong> perspectiv<strong>as</strong> do Sul no plano mundial. A diplomacia br<strong>as</strong>ileira,<strong>entre</strong>tanto, foi capaz de buscar “relegitimar” a visão do Sul na ordeminternacional, através de sua capaci<strong>da</strong>de de a<strong>da</strong>ptação criativa <strong>da</strong> sua visãode futuro. A diplomacia br<strong>as</strong>ileira buscou, dentro de sua tradição de atuaçãocom b<strong>as</strong>e na defesa do multilateralismo e dos valores democráticos n<strong>as</strong> relaçõesinternacionais, fazer valer os valores dos países em desenvolvimento emconsonância com <strong>as</strong> necessi<strong>da</strong>des contemporâne<strong>as</strong> de defesa dos direitoshumanos e do meio ambiente 107 .É a partir <strong>da</strong> perspectiva neo-humanista e no contexto do pós-GuerraFria que deve ser feita a leitura d<strong>as</strong> relações <strong>entre</strong> a CDB e o acordo TRIPS,<strong>as</strong>sim como d<strong>as</strong> diferentes posições adotad<strong>as</strong> pelos países n<strong>as</strong> discussões<strong>sobre</strong> o tema.3.2. Sobre a relação <strong>entre</strong> o acordo TRIPS e a CDBEm 2001, na Quarta Reunião Ministerial <strong>da</strong> OMC, realiza<strong>da</strong> em Doha,Catar, foi lança<strong>da</strong> uma nova ro<strong>da</strong><strong>da</strong> de negociações no âmbito <strong>da</strong> organização(Ro<strong>da</strong><strong>da</strong> de Doha), tendo sido elabora<strong>da</strong> uma declaração (Declaração deDoha) <strong>sobre</strong> os tem<strong>as</strong> a serem negociados durante a ro<strong>da</strong><strong>da</strong>. O parágrafo19 108 <strong>da</strong> Declaração de Doha determinou que o Conselho para Assuntos107LAFER, Celso, Perspectiv<strong>as</strong> e possibili<strong>da</strong>des <strong>da</strong> inserção internacional do Br<strong>as</strong>il, in PolíticaExterna, Vol. 1, Nº 3, Dezembro/Janeiro/Fevereiro 1992/19993, São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1993,pp. 100-121.108We instruct the Council for TRIPS, in pursuing its work programme including under thereview of Article 27.3(b), the review of the implementation of the TRIPS Agreement under Article 71.1and the work foreseen pursuant to paragraph 12 of this declaration, to examine, inter alia, therelationship between the TRIPS Agreement and the Convention on Biological Diversity, the protectionof traditional knowledge and folklore, and other relevant new developments raised by memberspursuant to Article 71.1. In undertaking this work, the TRIPS Council shall be guided by theobjectives and principles set out in Articles 7 and 8 of the TRIPS Agreement and shall take fullyinto account the development dimension.76


SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E PAÍSES DESENVOLVIDOSRelacionados a Aspectos <strong>da</strong> Proprie<strong>da</strong>de Intelectual (Conselho TRIPS)realiz<strong>as</strong>se uma comparação <strong>entre</strong> a CDB e o acordo TRIPS, de forma arever o processo de implementação deste último e tomando por b<strong>as</strong>e osobjetivos e princípios dos arts. 7 109 e 8 110 do acordo TRIPS.O primeiro problema que se apresenta na relação <strong>entre</strong> estes doisinstrumentos internacionais é se existe ou não, efetivamente, umaincompatibili<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> seus dispositivos, e o que deveria ser feito para garantirque ambos fossem aplicados em consonância de maneira a se apoiaremmutuamente. O que se observa são três grupos de respost<strong>as</strong> diferentes noâmbito <strong>da</strong> OMC 111 .O primeiro grupo (o Grupo Africano) defende que existe um conflitoinerente <strong>entre</strong> estes dois instrumentos. Tal incompatibili<strong>da</strong>de se explicaria pelapossibili<strong>da</strong>de, dentro do acordo TRIPS, de apropriação de recursos genéticospor agentes privados, o que seria conflitante com os poderes soberanos dospaíses <strong>sobre</strong> seus recursos naturais, como estabelecido na CDB 112 . Segundoeste grupo, o acordo TRIPS também conflita com <strong>as</strong> obrigações impost<strong>as</strong>pela CDB por não exigir o consentimento prévio dos países detentores dosrecursos genéticos, nem a repartição dos benefícios auferidos com o empregocomercial dos recursos genéticos. Defende que todos os tipos de form<strong>as</strong> devi<strong>da</strong>, ou su<strong>as</strong> partes, devem ser considerad<strong>as</strong> como não patenteáveis, <strong>as</strong>sim109Article 7:Objectives: The protection and enforcement of intellectual property rights shouldcontribute to the promotion of technological innovation and to the transfer and dissemination oftechnology, to the mutual advantage of producers and users of technological knowledge and in amanner conducive to social and economic welfare, and to a balance of rights and obligations.110Article 8: Principles:1. Members may, in formulating or amending their laws and regulations, adopt me<strong>as</strong>ures necessaryto protect public health and nutrition, and to promote the public interest in sectors of vitalimportance to their socio-economic and technological development, provided that such me<strong>as</strong>uresare consistent with the provisions of this Agreement.2. Appropriate me<strong>as</strong>ures, provided that they are consistent with the provisions of this Agreement,may be needed to prevent the abuse of intellectual property rights by right holders or the resort topractices which unre<strong>as</strong>onably restrain trade or adversely affect the international transfer oftechnology.111Ver The Relationship between the TRIPS Agreement and the Convention on the BiologicalDiversity: Summary of Issues Raised and Points Made, World Trade Organization, Council forTrade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, 8 de agosto de 2002 (IP/C/W/368).112CDB, art.3: States have, in accor<strong>da</strong>nce with the Charter of the United Nations and the principlesof international law, the sovereign right to exploit their own resources pursuant to their ownenvironmental policies, and the responsibility to ensure that activities within their jurisdiction orcontrol do not cause <strong>da</strong>mage to the environment of other States or of are<strong>as</strong> beyond the limits ofnational jurisdiction.77


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOcomo quaisquer invenções b<strong>as</strong>ead<strong>as</strong> em conhecimentos tradicionais de povosindígen<strong>as</strong> ou comuni<strong>da</strong>des locais.O segundo grupo (países industrializados) defende que não existe nenhumaincompatibili<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> os dois acordos internacionais. Argumentam que aCDB e o acordo TRIPS tratam de tem<strong>as</strong> diferentes e têm objetivos distintos.Além disso, a conformi<strong>da</strong>de de patentes concedid<strong>as</strong> segundo o acordo TRIPSnão é contrária aos direitos soberanos dos países <strong>sobre</strong> seus recursosgenéticos, nem conflita com o dever de obtenção de consentimento prévio ede repartição de benefícios auferidos com a comercialização de produtosb<strong>as</strong>eados em recursos genéticos. Além disso, afirmam que não existem c<strong>as</strong>osconcretos de conflitos <strong>entre</strong> os dois instrumentos.O terceiro grupo (em termos gerais, países em desenvolvimento, como Br<strong>as</strong>il,China, Indonésia e boa parte dos países <strong>da</strong> América Latina) defende que, emboranão exista um conflito inerente <strong>entre</strong> estes dois instrumentos, o grau de interação<strong>entre</strong> seus objetos indica para a necessi<strong>da</strong>de de uma ação internacional orienta<strong>da</strong>para a aplicação conjunta de seus preceitos de maneira complementar.É importante sublinhar que a própria CDB menciona a existência de umconflito <strong>entre</strong> os objetivos de proteção dos direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectuale aqueles de conservação <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica no seu art. 16.5 113 .Entretanto, a CDB ressalta que os direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectual devemser respeitados 114 , o que demonstra que os dois acordos não necessariamentesão absolutamente incompatíveis, e determina que os direitos e obrigaçõesexistentes emanados de outr<strong>as</strong> convenções não sejam afetados, a não serque coloquem em sério perigo a diversi<strong>da</strong>de biológica 115 .113CDB, art. 16.5: The Contracting Parties, recognizing that patents and other intellectual propertyrights may have an influence on the implementation of this Convention, shall cooperate in thisregard subject to national legislation and international law in order to ensure that such rights aresupportive of and do not run counter to its objectives.114CDB, art.16.2: Access to and transfer of technology referred to in paragraph 1 above todeveloping countries shall be provided and/or facilitated under fair and most favourable terms,including on concessional and preferential terms where mutually agreed, and, where necessary,in accor<strong>da</strong>nce with the financial mechanism established by Articles 20 and 21. In the c<strong>as</strong>e oftechnology subject to patents and other intellectual property rights, such access and transfer shallbe provided on terms which recognize and are consistent with the adequate and effective protectionof intellectual property rights. The application of this paragraph shall be consistent with paragraphs3, 4 and 5 below.115CDB, art. 22.1: The provisions of this Convention shall not affect the rights and obligations ofany Contracting Party deriving from any existing international agreement, except where theexercise of those rights and obligations would cause a serious <strong>da</strong>mage or threat to biologicaldiversity.78


SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E PAÍSES DESENVOLVIDOS3.2.1. Posição defendi<strong>da</strong> pelos países em desenvolvimentoA posição central que orienta a ação diplomática <strong>da</strong> maior parte dospaíses em desenvolvimento nos debates acerca <strong>da</strong> relação <strong>entre</strong> o acordoTRIPS e a CDB é a defesa <strong>da</strong> aplicação destes dois instrumentosinternacionais de forma complementar e de maneira a promover o usosustentável dos recursos genéticos. Para tanto, sustentam que são necessári<strong>as</strong>alterações no texto do acordo TRIPS, de forma que os objetivos dos doisacordos internacionais tenham sua efetiva implementação garanti<strong>da</strong> 116 .Uma d<strong>as</strong> principais crític<strong>as</strong> dos países em desenvolvimento em relação aoacordo TRIPS está liga<strong>da</strong> ao problema <strong>da</strong> biopirataria. O TRIPS permite aagentes privados, em um certo país, reclamar direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectual<strong>sobre</strong> recursos genéticos que estão submetidos à soberania de outros países(como, por exemplo, o c<strong>as</strong>o <strong>da</strong> Banisteriopsis caapi, ou “ayahu<strong>as</strong>ca”, umaplanta usa<strong>da</strong> como medicamento pelos povos indígen<strong>as</strong> <strong>da</strong> Amazônia Ocidental;a planta foi patentea<strong>da</strong> nos Estados Unidos e é usa<strong>da</strong> comercialmente poragentes privados estrangeiros, sem qualquer repartição de benefícios ou respeitopelos conhecimentos tradicionais ou direitos soberanos <strong>sobre</strong> a planta). Alémdisso, o acordo TRIPS não dispõe de mecanismos que permitem aos membrosreclamar junto aos demais membros a justa repartição de recursos advindosdo emprego comercial de recursos genéticos sob sua soberania. Tais lacun<strong>as</strong>permitem a prática de biopirataria e constituem o ponto central de conflitosistemático com <strong>as</strong> provisões <strong>da</strong> CDB. Para que os dois acordos possamtrabalhar em consonância, é necessário que o TRIPS seja reformulado demaneira a reconhecer o direito soberano d<strong>as</strong> partes aos seus recursos genéticos,a confirmar os objetivos de repartição de benefícios e de autorização préviados países detentores dos recursos genéticos e a garantir a proteção dosconhecimentos tradicionais 117 .116Principalmente os arts. 1, 3, 15, 8 (j) e 16.5 <strong>da</strong> CDB (respectivamente, <strong>sobre</strong> conservação <strong>da</strong>diversi<strong>da</strong>de biológica, soberania <strong>sobre</strong> recursos naturais, repartição de benefícios, preservação erespeito de conhecimentos tradicionais e observação dos direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectual) e osarts. 7 e 8 do TRIPS (respectivamente, <strong>sobre</strong> emprego <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual como meio degarantir o bem-estar e a igual<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> os povos e como meio de promover o bem comum).117Ver The Relationship between the TRIPS Agreement and the Convention on Biological Diversityand the Protection of Traditional Knowledge, WTO, Council for Trade-Related Aspects ofIntellectual Property Rights, 24.06.2002 (IP/C/W/356), submetido pel<strong>as</strong> delegações do Br<strong>as</strong>il,China, Cuba, República Dominicana, Equador, India, Paquistão, Tailândia, Venezuela, Zâmbia eZimbábue.79


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOA reformulação do acordo TRIPS para que se conforme às provisões<strong>da</strong> CDB representa a criação de um sistema internacional efetivo que garantaa obediência aos direitos dos países em desenvolvimento. Para que o problema<strong>da</strong> biopirataria e <strong>da</strong> apropriação ilegítima de conhecimentos tradicionais sej<strong>as</strong>olucionado, é necessária a criação de mecanismos, dentro do DireitoInternacional <strong>da</strong> Proprie<strong>da</strong>de Intelectual, que consolidem aqueles direitosestabelecidos pela CDB. Este sistema não apen<strong>as</strong> <strong>as</strong>segurará a legitimi<strong>da</strong>dedo sistema patentário, como também o fortalecerá. Vale ressaltar, porém,que a proteção dos conhecimentos tradicionais não pode ser feitaexclusivamente pelo sistema de proteção <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual. Os paísesem desenvolvimento defendem que os conhecimentos tradicionais sejamprotegidos por um sistema sui generis que leve em consideração su<strong>as</strong>característic<strong>as</strong> específic<strong>as</strong> de bem criado pela ativi<strong>da</strong>de intelectual decoletivi<strong>da</strong>des, não de indivíduos.Um sistema internacional que defen<strong>da</strong> a aplicação dos ditames <strong>da</strong> CDBdeve ser implementado em coordenação com <strong>as</strong> leis intern<strong>as</strong> dos Estados quesejam relativ<strong>as</strong> à proprie<strong>da</strong>de intelectual. Assim como a criação do acordoTRIPS serviu para garantir, em nível internacional, que <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> de proprie<strong>da</strong>deintelectual dos países fossem respeitad<strong>as</strong> em outr<strong>as</strong> jurisdições, é necessárioque <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> de proprie<strong>da</strong>de intelectual trazid<strong>as</strong> para o DIP pela CDB sejamintroduzid<strong>as</strong> no TRIPS para que a segurança jurídica internacional seja manti<strong>da</strong>.A manutenção <strong>da</strong> defesa dos direitos estabelecidos pela CDB apen<strong>as</strong> atravésdos sistem<strong>as</strong> jurídicos internos dos Estados impossibilita que os países emdesenvolvimento protejam os seus interesses devido aos altos custos detransação que acarretariam nos c<strong>as</strong>os litigância em outr<strong>as</strong> jurisdições 118 . Aproposta de alteração do TRIPS não apen<strong>as</strong> <strong>as</strong>seguraria a observação dosdireitos dos países em desenvolvimento em jurisdições estrangeir<strong>as</strong>, comotambém aumentaria o nível de certeza e segurança jurídic<strong>as</strong> do sistemainternacional de defesa <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual 119 .A proposta de alteração do TRIPS, lidera<strong>da</strong> pelo Br<strong>as</strong>il e pelaÍndia, constitui-se na exigência de novos requisitos de118Ver documento OMC IP/C/W/356.119Ver The Relationship between the TRIPS Agreement and the Convention on Biological Diversity(CBD) and the Protection of Traditional Knowledge – Technical Observations on Issues Raisedin a Communication by the United States (IP/C/W/434), 18.03.2005 (IP/C/W/443), submetidopor Br<strong>as</strong>il e Índia.80


SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E PAÍSES DESENVOLVIDOSpatenteabili<strong>da</strong>de, além dos atualmente existentes, para pedidos depatente relacionados com materiais biológicos ou com conhecimentostradicionais 120 . Os países em desenvolvimento defendem que o acordoTRIPS seja emen<strong>da</strong>do, seja pela alteração dos artigos já existentes,seja pela introdução de um novo artigo, de forma a que seja cria<strong>da</strong>uma obrigação de fazer, positiva e man<strong>da</strong>tória, para os países membros,de inserir em su<strong>as</strong> legislações nacionais a obrigatorie<strong>da</strong>de destes novosrequisitos de patenteabili<strong>da</strong>de.Os novos requisitos de patenteabili<strong>da</strong>de propostos são os seguintes 121 :1. Disponibilização <strong>da</strong> informação <strong>sobre</strong> a fonte e o país de origem dorecurso biológico e do conhecimento tradicional usado na invenção(disclosure of source and country of origin);2. Prova de obtenção de consentimento prévio d<strong>as</strong> autori<strong>da</strong>descompetentes nos países de origem dos recursos biológicos ou dosconhecimentos tradicionais (prior informed consent);3. Prova de repartição justa e equitativa de benefícios (fair and equitablebenefit sharing).3.2.1.1. Divulgação obrigatória <strong>da</strong> fonte do material genético e dopaís de origem (disclosure of source and coutry of origin)Considerando o número de c<strong>as</strong>os de biopirataria e de concessão errôneade patentes, por motivo de falta de informações <strong>sobre</strong> o estado <strong>da</strong> arte anteriore <strong>sobre</strong> a inventivi<strong>da</strong>de ou não <strong>da</strong> patente requeri<strong>da</strong>, os países emdesenvolvimento expressam su<strong>as</strong> preocupações a respeito <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de doprocedimento de exame de patentes. Neste sentido, defendem que sejamfornecid<strong>as</strong>, pelo requerente <strong>da</strong> patente, <strong>as</strong> informações <strong>sobre</strong> a fonte e <strong>sobre</strong>120Segundo o art. 27.1 do acordo TRIPS, <strong>sobre</strong> coisa p<strong>as</strong>sível de patenteamento: Subject to theprovisions of paragraphs 2 and 3, patents shall be available for any inventions, whether productsor processes, in all fields of technology, provided that they are new, involve an inventive step an<strong>da</strong>re capable of industrial application. Subject to paragraph 4 of Article 65, paragraph 8 of Article 70and paragraph 3 of this Article, patents shall be available and patent rights enjoyable withoutdiscrimination <strong>as</strong> to the place of invention, the field of technology and whether products areimported or locally produced. (grifo nosso). Vale ressaltar que, para os efeitos deste artigo, ostermos “inventive step” e “capable of industrial application” podem ser interpretados pelosMembros como sinônimos de “avanço não óbvio” e “útil”, respectivamente.121Ver documento OMC IP/C/W/356.81


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOo país de origem dos recursos genéticos ou conhecimentos tradicionais usadosna invenção 122 .A obrigação legal dos pretendentes à obtenção de uma patente defornecerem este tipo de informação <strong>as</strong>segurará aos examinadores d<strong>as</strong> patentesque tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> informações relevantes para a concessão estarão disponíveis,além de possibilitar-lhes avaliar se a patente requeri<strong>da</strong> se enquadra ou nãon<strong>as</strong> exceções do art.27, §§ 2 e 3 do TRIPS (exclusão de patenteabili<strong>da</strong>de deinvenções contrári<strong>as</strong> à ordem pública e à morali<strong>da</strong>de ou que possam causarsérios <strong>da</strong>nos ao meio ambiente; métodos de diagnóstico, terapêuticos oucirúrgicos para tratamento de seres humanos ou de animais, plant<strong>as</strong> e animaisque não sejam microorganismos; processos essencialmente biológicos paraa produção de plant<strong>as</strong> e animais) 123 . Tal modificação no texto do TRIPStambém possibilitará que c<strong>as</strong>os de contestação de patentes já concedid<strong>as</strong>,ou em processo de avaliação, sejam mais facilmente decididos, em razão <strong>da</strong>melhoria d<strong>as</strong> informações disponíveis para os analist<strong>as</strong>. Ademais, já existemn<strong>as</strong> legislações intern<strong>as</strong> de vários países exigênci<strong>as</strong> de que os requerentes depatentes dêem informações relevantes para resolução de conflitos e parauma melhor compreensão do que constitui a invenção. Na esfera internacional,o art.29 do TRIPS determina que os requerentes d<strong>as</strong> patentes dêeminformações suficientemente clar<strong>as</strong> para que conhecedores <strong>da</strong> técnica possamexecutá-la. Est<strong>as</strong> regr<strong>as</strong>, de igual conteúdo àquele sugerido pelos países em122Ver Elements of Obligation to Disclose the Source and Country of Origin of the BiologicalResources and/or traditional Knowledge Used in na Invention, WTO, Council for Trade-RelatedAspects of Intellectual Property Rights, 27.09.2004 (IP/C/W/429/Rev.1). Submetido por Br<strong>as</strong>il,Índia, Paquistão, Peru, Tailândia e Venezuela. Ver também The Relationship between the TRIPSAgreement and the Convention on Biological Diversity and the Protection of Traditional Knowledge,WTO, Council for Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, 24.06.2003 (IP/C/W/403). Submetido pel<strong>as</strong> delegações <strong>da</strong> Bolívia, do Br<strong>as</strong>il, Cuba, Equador, Índia, Peru, RepúblicaDominicana, Tailândia e Venezuela.123Article 27. Patentable Subject Matter. 2. Members may exclude from patentability inventions,the prevention within their territory of the commercial exploitation of which is necessary to protectordre public or morality, including to protect human, animal or plant life or health or to avoidserious prejudice to the environment, provided that such exclusion is not made merely because theexploitation is prohibited by their law. 3. Members may also exclude from patentability: A diagnostic,therapeutic and surgical methods for the treatment of humans or animals; B. plants and animalsother than micro-organisms, and essentially biological processes for the production of plants oranimals other than non-biological and microbiological processes. However, Members shallprovide for the protection of plant varieties either by patents or by an effective sui generis systemor by any combination thereof. The provisions of this subparagraph shall be reviewed four yearsafter the <strong>da</strong>te of entry into force of the WTO Agreement.82


SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E PAÍSES DESENVOLVIDOSdesenvolvimento, já estão consoli<strong>da</strong>d<strong>as</strong> no direito de proprie<strong>da</strong>de intelectuale se prestam a <strong>as</strong>segurar a boa quali<strong>da</strong>de d<strong>as</strong> patentes concedid<strong>as</strong> e atransparência na concessão.Os efeitos legais para a ausência de informação <strong>sobre</strong> a fonte e a origemdos recursos genéticos, ou para erros n<strong>as</strong> informações apresentad<strong>as</strong>, dependedo caráter <strong>da</strong> informação apresenta<strong>da</strong>, ou ausente, ou do momento doprocesso de concessão de patente em que a falha ocorreu. C<strong>as</strong>o a falha naapresentação <strong>da</strong> informação tenha ocorrido antes <strong>da</strong> concessão <strong>da</strong> patente,o processo de concessão deve ser obstado até que sejam sanados osproblem<strong>as</strong> de informações (dentro de um limite temporal previamenteestabelecido). C<strong>as</strong>o a patente já tenha sido conferi<strong>da</strong>, a falha na apresentaçãod<strong>as</strong> informações pode causar seja a revogação <strong>da</strong> patente, seja a transferênciados direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectual para o Governo ou para <strong>as</strong>comuni<strong>da</strong>des que normalmente seriam <strong>as</strong> detentor<strong>as</strong> <strong>da</strong> patente, ou mesmouma redução <strong>da</strong> abrangência <strong>da</strong> patente apen<strong>as</strong> para a parte do invento queestiver de acordo com os parâmetros do direito de proprie<strong>da</strong>de intelectual.3.2.1.2. Consentimento prévio e informado d<strong>as</strong> autori<strong>da</strong>descompetentes (Prior Informed Consent)Considerando os man<strong>da</strong>mentos dos arts. 3 (atribui aos Estados aresponsabili<strong>da</strong>de <strong>sobre</strong> ativi<strong>da</strong>des ocorrid<strong>as</strong> dentro de seu território quecausem <strong>da</strong>nos ao meio ambiente em outros Estados), 5 (determina acooperação <strong>entre</strong> os Estados para que juntos possam regular o uso sustentável<strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica), 15.1 (determina os direitos soberanos dos países<strong>sobre</strong> os seus recursos genéticos) e 15.5 (determina o consentimento préviodos detentores dos recursos genéticos para que se lhes tenha acesso), todos<strong>da</strong> CDB, os países em desenvolvimento sustentam que a exigência, parapatenteamento de inventos, do consentimento prévio d<strong>as</strong> autori<strong>da</strong>des nacionaisdo país de origem dos recursos genéticos ou do conhecimento tradicionalenvolvido é capaz de facilitar a implementação do art. 15 <strong>da</strong> CDB 124 .124Ver The Relationship between the TRIPS Agreement and the Convention on Biological Diversity(CBD) and the Protection of Traditional Knowledge – Elements o the obligation to DiscloseEvidence of the Prior Informed Consent Under the Relevant National Regime, WTO, Council forTrade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, 10.12.2004 (IP/C/W/438). Submetidopel<strong>as</strong> delegações <strong>da</strong> Bolívia, do Br<strong>as</strong>il, Cuba, Equador, Índia, Paquistão, Peru, Tailândia e Venezuela.83


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOParalelamente à necessi<strong>da</strong>de de facilitação de acessos aos recursosgenéticos, ponto fun<strong>da</strong>mental n<strong>as</strong> reinvidicações dos países desenvolvidos,o consentimento prévio d<strong>as</strong> autori<strong>da</strong>des competentes dos paísesdetentores de riquez<strong>as</strong> genétic<strong>as</strong> para permitir tal acesso é uma questãode importância central para os países em desenvolvimento. A equiparação<strong>entre</strong> est<strong>as</strong> du<strong>as</strong> reinvidicações, tornando-<strong>as</strong> mutuamente condicionantes,segue o princípio <strong>da</strong> equi<strong>da</strong>de no exercício dos direitos de proprie<strong>da</strong>deintelectual. Além disso, tal exigência está de acordo com <strong>as</strong> exigênci<strong>as</strong>dos arts. 7 e 8 do TRIPS, respectivamente <strong>sobre</strong> o objetivo de promovero bem-estar econômico e social e <strong>sobre</strong> a proteção do bem público atravésdos direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectual. Os países em desenvolvimentopercebem o TRIPS e a CDB como os dois lados de um mesmo sistema,direcionado para promover o acesso consensual e sustentável aos recursosgenéticos, de modo a <strong>as</strong>segurar a repartição justa dos benefícios de suacomercialização.O dever de obter o consentimento prévio dos países detentores dosrecursos genéticos para a bioprospecção será efetivado por meio <strong>da</strong> exigênciade que o requerente de uma patente prove que obteve tal consentimentopara que obtenha a concessão <strong>da</strong> patente. A prova de obtenção doconsentimento prévio constitui uma obrigação de fazer. Tal obrigaçãorepresenta uma vantagem significativa para inventores que empregam recursosde genética em seus produtos, pois facilitará o acesso a estes recursos ediminuirá a probabili<strong>da</strong>de e os custos de litígios <strong>sobre</strong> a vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> concessãode uma patente.No c<strong>as</strong>o de não existir uma autori<strong>da</strong>de nacional responsável pelaautorização <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de de bioprospecção, a obrigação seria cumpri<strong>da</strong>através do consentimento d<strong>as</strong> autori<strong>da</strong>des locais onde se encontrem osrecursos genéticos em questão. Para os c<strong>as</strong>os em que a obrigação deapresentar o consentimento prévio não seja cumpri<strong>da</strong>, <strong>as</strong> consequênci<strong>as</strong>jurídic<strong>as</strong> do inadimplemento dependem do momento em que não houve ocumprimento <strong>da</strong> obrigação. C<strong>as</strong>o o inadimplemento seja anterior à concessão<strong>da</strong> patente requeri<strong>da</strong>, fica suspenso, por tempo limitado, o processo deconcessão <strong>da</strong> patente até que a irregulari<strong>da</strong>de seja sana<strong>da</strong>. C<strong>as</strong>o oinadimplemento seja observado apen<strong>as</strong> depois que a concessão <strong>da</strong> patentejá tenha sido realiza<strong>da</strong>, a consequência legal seria o cancelamento <strong>da</strong> patenteconcedi<strong>da</strong>, sem prejuízo de possíveis ações criminais ou civis contra orequerente que não obedeceu à obrigação de provar o consentimento prévio.84


SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E PAÍSES DESENVOLVIDOS3.2.1.3. Repartição de BenefíciosO dever de prova <strong>da</strong> repartição dos benefícios obtidos com acomercialização de recursos de diversi<strong>da</strong>de biológica não se limita ao merocompartilhamento formal dos ganhos obtidos. Requer que os países de origem,<strong>as</strong> comuni<strong>da</strong>des indígen<strong>as</strong> locais ou tradicionais que estiverem ligad<strong>as</strong> aosconhecimentos envolvidos, tenham participação justa e equitativa, tantoquantitativamente, quanto qualitativamente, na repartição de benefícios 125 .Embora a discussão <strong>sobre</strong> o que determinaria o conteúdo dessa participaçãojusta e equitativa possa levar a debates intermináveis, alguns fatores sãoseguramente indicativos <strong>da</strong> existência de equi<strong>da</strong>de: a existência do consentimentoprévio dos países de origem, ou d<strong>as</strong> comuni<strong>da</strong>des indígen<strong>as</strong> ou locais envolvid<strong>as</strong>,pressupõe que os termos de acesso aos recursos genéticos tenham sidomutuamente acor<strong>da</strong>dos; a prestação de informações aos interessados <strong>sobre</strong>fatos novos relacionados à comercialização <strong>da</strong> patente; <strong>as</strong> leis nacionais dospaíses de origem dos recursos genéticos disporem <strong>sobre</strong> os elementos derepartição equitativa dos ganhos com a comercialização dos recursos genéticos.Vale ressaltar que a exigência de prova <strong>da</strong> repartição de benefícios nãodeve funcionar como um substituto dos sistem<strong>as</strong> nacionais de regulação doacesso e de repartição de benefícios <strong>sobre</strong> os ganhos com a diversi<strong>da</strong>debiológica, m<strong>as</strong>, sim, como um mecanismo de apoio para incentivar osrequerentes a obedecer às regr<strong>as</strong> dos sistem<strong>as</strong> jurídicos internos dos paísesenvolvidos. A necessi<strong>da</strong>de de um sistema internacional que reforce <strong>as</strong>instituições jurídic<strong>as</strong> intern<strong>as</strong> dos países detentores de riquez<strong>as</strong> de diversi<strong>da</strong>debiológica se explica pela dimensão internacional que o comércio ilegal derecursos biológicos <strong>as</strong>sumiu no mundo contemporâneo. A prática debiopirataria, através <strong>da</strong> coleta de material genético em um determinado país ea posterior requisição de uma patente <strong>sobre</strong> aquele material em um outropaís, evidencia que os sistem<strong>as</strong> nacionais de proteção à diversi<strong>da</strong>de biológicae aos conhecimentos tradicionais não são suficientes para evitar a açãotransfronteiriça de agentes privados.125Ver The Relationship between the TRIPS Agreement and the Convention on Biological Diversity(CBD) and the Protection of Traditional Knowledge – Elements o the obligation to DiscloseEvidence of Benefit Sharing Under the Relevant National Regime, WTO, Council for Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, 18.04.2005 (IP/C/W/442). Submetido pel<strong>as</strong>delegações <strong>da</strong> Bolívia, do Br<strong>as</strong>il, Cuba, Equador, Índia, Peru, República Dominicana e Tailândia.85


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOUma estrutura internacional que desse suporte aos sistem<strong>as</strong> nacionais deproteção à diversi<strong>da</strong>de biológica e aos conhecimentos tradicionais seriagaranti<strong>da</strong> através <strong>da</strong> concessão de patentes apen<strong>as</strong> após a confirmação, pel<strong>as</strong>autori<strong>da</strong>des competentes do país de origem, de que <strong>as</strong> condições mútu<strong>as</strong> derepartição de benefícios foram aceit<strong>as</strong>, <strong>as</strong>sim como de que a origem dosrecursos genéticos foi informa<strong>da</strong> e que a autorização de acesso foi por el<strong>as</strong>concedi<strong>da</strong>. Neste sentido, uma alteração do acordo TRIPS para contemplar<strong>as</strong> diretrizes <strong>da</strong> CDB <strong>da</strong>ria maior credibili<strong>da</strong>de ao sistema de proteção <strong>da</strong>proprie<strong>da</strong>de intelectual e um reforço à efetivação dos princípios dos arts. 7 e8 do acordo TRIPS.Assim como <strong>as</strong> du<strong>as</strong> obrigações anteriores, o dever de provar a repartiçãojusta e equitativa de benefícios constitui uma obrigação de fazer que deve sercumpri<strong>da</strong> pelo requerente <strong>da</strong> patente. No c<strong>as</strong>o de o inadimplemento emcumprir esta obrigação ser anterior à concessão <strong>da</strong> patente, o processo deavaliação do pedido de concessão de patente deve ser interrompido até quea irregulari<strong>da</strong>de seja sana<strong>da</strong>. No c<strong>as</strong>o de a patente já ter sido concedi<strong>da</strong> sema prova <strong>da</strong> repartição dos benefícios, a patente concedi<strong>da</strong> poderá sercancela<strong>da</strong> ou os direitos dela decorrentes serem total ou parcialmentetransferidos, sem prejuízo d<strong>as</strong> sanções cíveis ou penais cabíveis.A lógica que permeia todo o sistema proposto pelos países em desenvolvimentotambém está b<strong>as</strong>ea<strong>da</strong> na proteção dos próprios agentes privados que requerem opatenteamento de su<strong>as</strong> invenções. Todos os novos requisitos que devem serobservados pelos requerentes para que possam ter concedi<strong>da</strong> a patente estão ligadosa informações que já são detid<strong>as</strong> pelos requerentes. A exigência de que taisinformações sejam fornecid<strong>as</strong> para os analist<strong>as</strong> nacionais de concessão de patentesnão representariam nenhum tipo de ônus legal ou administrativo que se adicion<strong>as</strong>seao processo de obtenção <strong>da</strong> patente. Certamente, haverá consequênci<strong>as</strong>administrativ<strong>as</strong> e custos para aqueles que requererem a concessão de uma patente,m<strong>as</strong> que não possuirão um valor significativo em relação ao volume total dos recursosenvolvidos na ativi<strong>da</strong>de inventiva e de bioprospecção 126 . Tal solução, portanto, aolado de não ser um encargo significativo a mais para os requerentes d<strong>as</strong> patentes,solucionaria o problema de países que, vítim<strong>as</strong> de biopirataria, precisam desviarrecursos internos para litigar em foros estrangeiros buscando a regularização depatentes erroneamente concedid<strong>as</strong> 127 .126Ver doc. OMC IP/C/W/443.127Ver doc. OMC IP/C/W/403.86


SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E PAÍSES DESENVOLVIDOSVale notar que a solução para problem<strong>as</strong> relacionados com oinadimplemento dest<strong>as</strong> obrigações deve ser regula<strong>da</strong> pelo direito <strong>da</strong>proprie<strong>da</strong>de intelectual. Assim como já ocorre em diversos sistem<strong>as</strong> jurídicos,por exemplo, o sistema dos Estados Unidos, nos quais erros na prestação deinformações para a obtenção de patentes são sanados segundo <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> dosistema patentário, o sistema de proteção à proprie<strong>da</strong>de intelectual relaciona<strong>da</strong>a recursos biológicos deve ser protegido pel<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> de proprie<strong>da</strong>deintelectual, sob pena de tornar <strong>as</strong> diretrizes <strong>da</strong> CDB ineficazes.Os países ricos rejeitam a ideia de incluir no âmbito <strong>da</strong> defesa proprie<strong>da</strong>deintelectual a regulação para os c<strong>as</strong>os de inadimplemento d<strong>as</strong> obrigaçõesacor<strong>da</strong>d<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> este tema. Uma d<strong>as</strong> propost<strong>as</strong> destes países se b<strong>as</strong>eia nacriação de um sistema de b<strong>as</strong>e de <strong>da</strong>dos <strong>sobre</strong> os requerentes de patentes deinvenção. Sistem<strong>as</strong> de proteção <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual fun<strong>da</strong>dos em b<strong>as</strong>esde <strong>da</strong>dos internacionais têm a vantagem de facilitar, em certos c<strong>as</strong>os, o trabalhodos examinadores de pedidos de patentes. Entretanto, devido à v<strong>as</strong>tidão e àprofundi<strong>da</strong>de dos conhecimentos envolvidos, tais b<strong>as</strong>es de <strong>da</strong>dos nunca seriamsuficientemente abrangentes, principalmente no c<strong>as</strong>o de conhecimentostradicionais transmitidos oralmente e em língu<strong>as</strong> locais. A obrigação de informara fonte de origem dos recursos genéticos ou dos conhecimentos tradicionaisempregados no invento, <strong>entre</strong>tanto, permite aos analist<strong>as</strong> de pedidos depatentes avaliar se os parâmetros de inventivi<strong>da</strong>de e inovação estão realmentepresentes no invento em análise. Ao invés de se ter com fun<strong>da</strong>mento umab<strong>as</strong>e de <strong>da</strong>dos abstrata e provavelmente incompleta, os analist<strong>as</strong> utilizariaminformações concret<strong>as</strong> e verificariam diretamente a conformi<strong>da</strong>de do inventocom os requisitos do direito de proprie<strong>da</strong>de intelectual. Isto explica porque aproposta dos países industrializados <strong>sobre</strong> a criação de b<strong>as</strong>es de <strong>da</strong>dos semostra inapropria<strong>da</strong> para tratar deste <strong>as</strong>sunto.Os países em desenvolvimento sublinham sua convicção, em consonânciacom <strong>as</strong> preocupações dos países desenvolvidos, de que quaisquer estrutur<strong>as</strong>que introduzam incertez<strong>as</strong> ou que desequilibrem o sistema de defesa <strong>da</strong>proprie<strong>da</strong>de intelectual são deletéri<strong>as</strong> para o desenvolvimento tecnológico,em geral, e para a proteção dos inventos, em particular. O sistema propostoseria capaz de introduzir um maior grau de certeza jurídica e de melhorequilíbrio no direito de proteção <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual. O novo dever deinformação, estabelecido por norm<strong>as</strong> internacionais clar<strong>as</strong> e consensuais, seráuma forma de <strong>as</strong>segurar o acesso de pesquisadores aos recursos biológicose garantir que su<strong>as</strong> pesquis<strong>as</strong> estarão protegid<strong>as</strong>.87


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOTais regr<strong>as</strong> precisam ser acor<strong>da</strong>d<strong>as</strong> no âmbito internacional como formade <strong>da</strong>r efetivi<strong>da</strong>de às regr<strong>as</strong> existentes nos sistem<strong>as</strong> jurídicos domésticos dospaíses. A biopirataria, ativi<strong>da</strong>de ilegal exerci<strong>da</strong> n<strong>as</strong> porosi<strong>da</strong>des d<strong>as</strong> fronteir<strong>as</strong><strong>entre</strong> os países, não pode ser combati<strong>da</strong> apen<strong>as</strong> por mecanismos nacionaisde repressão, m<strong>as</strong> deve ser ataca<strong>da</strong> através de uma ação coordena<strong>da</strong> emutuamente cooperativa dos países para a defesa <strong>da</strong> soberania e a proteçãodos direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectual. A necessi<strong>da</strong>de de um sistemainternacional de proteção se comprova pela própria criação do acordo TRIPS.C<strong>as</strong>o a proteção <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual contra a prática de contrafaçãoem outros países fosse suficientemente realiza<strong>da</strong> pelos sistem<strong>as</strong> internos dosEstados, a comuni<strong>da</strong>de internacional não precisaria ter criado o TRIPS comomecanismo de combate internacional à contrafação. Os países emdesenvolvimento defendem que uma estrutura de proteção b<strong>as</strong>ea<strong>da</strong> nossistem<strong>as</strong> internos dos países membros <strong>da</strong> OMC acarretaria altos custos detransação para que os países em desenvolvimento defendessem seus interessesem jurisdições estrangeir<strong>as</strong> sem ser realmente efetivo 128 . Ademais, ao limitara proteção <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica e dos conhecimentos tradicionais àsestrutur<strong>as</strong> intern<strong>as</strong> do Estados, haveria o grave problema <strong>da</strong> equi<strong>da</strong>de ao sepermitir que partes desiguais (por exemplo, uma multinacional e umacomuni<strong>da</strong>de indígena), em termos de conhecimento e de poder econômico,fossem tratad<strong>as</strong> como iguais na realização de contratos de bioprospecção ede repartição de benefícios, o que possibilitaria que cláusul<strong>as</strong> profun<strong>da</strong>menteinjust<strong>as</strong> fossem inserid<strong>as</strong> na regulação priva<strong>da</strong> <strong>entre</strong> <strong>as</strong> partes.3.2.2. Posição defendi<strong>da</strong> pelos países desenvolvidosA posição dos países industrializados no que concerne à relação <strong>entre</strong> aCDB e o acordo TRIPS não parece uniforme, embora existam pontos deconvergência nos discursos defendidos por estes países.O elemento central que permeia o discurso de parte significativa dospaíses ricos, como Estados Unidos e União Europeia, é a defesa de que nãoexistiria um conflito inerente <strong>entre</strong> <strong>as</strong> disposições <strong>da</strong> CDB e aquel<strong>as</strong> contid<strong>as</strong>no acordo TRIPS. O principal argumento em que se b<strong>as</strong>eiam é a afirmaçãode que estes dois instrumentos internacionais tanto tratam de <strong>as</strong>suntos distintos128Ver doc. OMC IP/C/W/443.88


SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E PAÍSES DESENVOLVIDOSquanto possuem objetivos diferentes <strong>entre</strong> si. Entendem que a CDB determinaque os signatários respeitem os direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectual e que ouso sustentável <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica seja compatível com aqueles direitos.O fato de o acordo TRIPS não mencionar os princípios <strong>da</strong> CDB não éconsiderado, por tais países, como indício de um conflito <strong>entre</strong> <strong>as</strong> du<strong>as</strong>convenções, pois não haveria provisões no acordo TRIPS que proibissem <strong>as</strong>partes signatári<strong>as</strong> de regular o acesso e a repartição de benefícios <strong>sobre</strong> ouso comercial <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica segundo parâmetros nacionais. Notese,porém, que <strong>as</strong>sim como os países em desenvolvimento, os paísesdesenvolvidos percebem que a CDB e o TRIPS devem ser implementadosde maneira complementar 129 . O ponto de discordância <strong>entre</strong> os dois gruposdiz respeito à interpretação <strong>sobre</strong> a compatibili<strong>da</strong>de jurídica <strong>entre</strong> estes doisdocumentos internacionais: enquanto os países em desenvolvimento falamem incompatibili<strong>da</strong>de ou em necessi<strong>da</strong>de de alteração do TRIPS para aefetivação <strong>da</strong> CDB, os países ricos rechaçam a ideia <strong>da</strong> incompatibili<strong>da</strong>de,sustentando que os dois acordos não estão em conflito.Além dos tem<strong>as</strong> e objetivos tratados por estes dois acordos serempercebidos como distintos, os países industrializados também sustentam nãohaver desrespeito no acordo TRIPS ao direito soberano dos países detentoresde riquez<strong>as</strong> em diversi<strong>da</strong>de biológica, tanto em relação à obrigação deconsentimento para acesso quanto à repartição equitativa de benefícios. Assimcomo consideram não existir conflitos <strong>entre</strong> <strong>as</strong> disposições existentes emambos os documentos, os países desenvolvidos entendem que não há choque<strong>entre</strong> <strong>as</strong> <strong>determinações</strong> do acordo TRIPS e o direito soberano dos países<strong>sobre</strong> seus recursos genéticos reconhecido na CDB, porque tal direitosoberano é concernente a um objeto diferente <strong>da</strong>quele regulado pelo acordoTRIPS (proprie<strong>da</strong>de intelectual) 130 .129Ver Review of Article 27.3 (b) of the TRIPS Agreement, and the Relationship between the TRIPSAgreement and the Convention on Biological Diversity (CBD) and the Protection of TraditionalKnowledge and Folklore, “A Concept Paper”, WTO, Council for Trade-Related Aspects ofIntellectual Property Rights, 17.10.2002 (IP/C/W/383). Submetido pela delegação <strong>da</strong> ComissãoEuropeia. Ver Article 27.3 (b), Relationship Between the TRIPS Agreement and the CBD, and theProtection of Traditional Knowledge abd Folklore, WTO, Council for Trade-Related Aspects ofIntellectual Property Rights, 10.06.2005 (IP/C/W/449). Submetido pela delegação dos EstadosUnidos.130Ver Review of the Provisions of Article 27.3 (b) of the TRIPS Agreement, WTO, Council forTrade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, 13.06.2001 (IP/C/W/254). Submetidopela delegação <strong>da</strong> Comissão Europeia.89


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOO simples fato de a CDB reconhecer a existência <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de deconflito <strong>entre</strong> su<strong>as</strong> <strong>determinações</strong> e os direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectual nãosignificaria, para os países ricos, que tal conflito exista efetivamente. Alémdisso, entendem que a própria CDB dispõe <strong>sobre</strong> a necessi<strong>da</strong>de de umaproteção adequa<strong>da</strong> e apropria<strong>da</strong> dos direitos de proprie<strong>da</strong>de intelectual, oque indicaria, segundo defendem, que os dois instrumentos em estudo nãoestão em conflito 131 .Outro argumento suscitado pelos países industrializados a respeito <strong>da</strong> nãoexistência de um conflito com o direito soberano dos países em desenvolvimento<strong>sobre</strong> seus recursos genéticos está ligado com o fato de <strong>as</strong> patentes conferid<strong>as</strong>não resultarem em proprie<strong>da</strong>de dos materiais genéticos em si mesmos. Umavez que uma patente <strong>sobre</strong> um gene isolado e modificado confere ao seu titularapen<strong>as</strong> direito de evitar que outros usem o gene modificado para fins comerciais,sustentam que não haveria efeitos legais <strong>sobre</strong> a fonte <strong>da</strong> qual o gene foi extraídoe depois modificado. Acrescentam que <strong>as</strong> form<strong>as</strong> de vi<strong>da</strong> em seu estado naturalnão seriam p<strong>as</strong>síveis de patenteamento por não satisfazerem os critérios depatenteabili<strong>da</strong>de do acordo TRIPS.Em razão <strong>da</strong> alega<strong>da</strong> inexistência de conflitos <strong>entre</strong> os dois acordos, ospaíses industrializados entendem que <strong>as</strong> propost<strong>as</strong> dos países emdesenvolvimento a respeito <strong>da</strong> alteração do artigo 27.3 (b) do acordo TRIPSpara adicionar requisitos de patenteabili<strong>da</strong>de nos c<strong>as</strong>os de invenções queusem materiais biológicos são desnecessári<strong>as</strong>, ou mesmo indesejáveis, paraa implementação d<strong>as</strong> <strong>determinações</strong> <strong>da</strong> CDB. Os países ricos defendem queo direito de proprie<strong>da</strong>de intelectual não objetiva a regulação do acesso e douso dos recursos genéticos, ou regular a bioprospecção e a comercializaçãode serviços e produtos. Este tipo de regulamentação seria melhor realizadoatravés de contratos realizados <strong>entre</strong> <strong>as</strong> autori<strong>da</strong>des nacionais competentespara permitir o acesso aos recursos genéticos ou conhecimentos tradicionais<strong>as</strong>sociados com quaisquer agentes privados que desejem ter acesso a taisrecursos ou a tais conhecimentos. Tais contratos seriam regulados por norm<strong>as</strong>nacionais que houvessem incorporado <strong>as</strong> diretrizes <strong>da</strong> CDB nos sistem<strong>as</strong>jurídicos domésticos.Para os países industrializados, a implementação d<strong>as</strong> diretrizes <strong>da</strong> CDBseria eficazmente obti<strong>da</strong> através de sistem<strong>as</strong> regulatórios nacionais que sejam131Ver OMC, doc. IP/C/W/368.90


SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E PAÍSES DESENVOLVIDOScapazes de racionalmente <strong>da</strong>r segurança às partes envolvid<strong>as</strong> em ativi<strong>da</strong>desligad<strong>as</strong> às riquez<strong>as</strong> de diversi<strong>da</strong>de biológica. Tais sistem<strong>as</strong> seriamcomplementados nos c<strong>as</strong>os particulares por contratos privados <strong>entre</strong> <strong>as</strong> partes,de forma que <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> <strong>da</strong> CDB seriam negociad<strong>as</strong> equitativamente <strong>entre</strong>el<strong>as</strong> 132 . O sistema jurídico internacional seria chamado a atuar em conjuntocom <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> intern<strong>as</strong> dos Estados e com os contratos <strong>entre</strong> <strong>as</strong> partesapen<strong>as</strong> em caráter complementar (<strong>as</strong> posições dos países desenvolvidos <strong>sobre</strong>a participação do DIP na relação <strong>entre</strong> a CDB e o acordo TRIPS é divergentee será discuti<strong>da</strong> abaixo) 133 .Os países ricos também criticam <strong>as</strong> consequênci<strong>as</strong> que a adoção d<strong>as</strong>propost<strong>as</strong> dos países em desenvolvimento <strong>sobre</strong> a alteração do artigo 27.3(b) do acordo TRIPS causariam n<strong>as</strong> ativi<strong>da</strong>des econômic<strong>as</strong> relacionad<strong>as</strong> àdiversi<strong>da</strong>de biológica. Não sendo o sistema de proprie<strong>da</strong>de intelectual oinstrumento mais adequado para a regulação do acesso e do uso de recursosgenéticos, segundo entendem, <strong>as</strong> alterações propost<strong>as</strong> pelos países emdesenvolvimento apen<strong>as</strong> acarretariam um aumento nos custos do processode concessão de patentes e prováveis desvios de recursos financeiros quepoderiam ser empregados na repartição de benefícios. A proposta também éconsidera<strong>da</strong> como contrária aos artigos 27.1, 29 e 62.1 do acordo TRIPS,que estabelecem, respectivamente, o princípio de não-discriminação <strong>entre</strong>os diferentes campos d<strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong>, os critérios <strong>sobre</strong> quando os requisitos depatenteabili<strong>da</strong>de devem ser considerados como preenchidos e a exigênciade procedimentos e formali<strong>da</strong>des que tenham razões prátic<strong>as</strong> de existirem.Enfim, os países industrializados consideram que a proposta de alteração doacordo TRIPS feita pelos países em desenvolvimento extrapola <strong>as</strong> diretrizes<strong>da</strong> própria CDB, que permite aos países estabelecer seus próprios sistem<strong>as</strong>de acesso e uso de recursos genéticos sem ser taxativa <strong>sobre</strong> a forma comotal regulação deveria ser feita 134 .3.2.2.1. Posição dos Estados UnidosA participação dos Estados Unidos nos foros internacionais que têmrelação com a defesa <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica é feita fora d<strong>as</strong> reuniões d<strong>as</strong>132Ver OMC, doc. IP/C/W/383.133Ver OMC, doc. IP/C/W/383.134Ver OMC, doc. IP/C/W/368.91


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOCOP. É importante lembrar que os Estados Unidos, embora signatários <strong>da</strong>CDB, não a ratificaram. Por isso, expressam su<strong>as</strong> posições principalmenteno foro do Conselho TRIPS 135 . Sustentam, <strong>entre</strong>tanto, que mesmo não sendosignatários <strong>da</strong> CDB, sua atuação internacional e sua legislação interna sãocompatíveis com o texto dessa <strong>convenção</strong>.Os Estados Unidos consideram desnecessária qualquer alteração doartigo 27.3 (b) do acordo TRIPS que venha a acrescer o número de c<strong>as</strong>osde exceção de patenteabili<strong>da</strong>de. O sistema jurídico norte-americano consideraque plant<strong>as</strong>, animais processos microbiológicos ou não-biológicos podemser objeto de patenteamento, sendo esta uma posição pacífica na jurisprudêncianorte-americana 136 . Note-se que os Estados Unidos consideram que aproteção jurídica, em termos administrativos e jurisprudenciais, à proprie<strong>da</strong>deintelectual dos criadores de inventos na área de biotecnologia foi um incentivoaos investidores, pois lhes teria garantido que <strong>as</strong> ativi<strong>da</strong>des nessa área seriamrentáveis, <strong>as</strong>segurando a geração de ren<strong>da</strong> e de empregos, além dos avançosn<strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong> médic<strong>as</strong> e na agricultura.O Governo dos Estados Unidos considera que o sistema norte-americanode pesquis<strong>as</strong>, b<strong>as</strong>eado na cooperação <strong>entre</strong> os setores público e privado, éeficiente porque possibilita que os inventores possam gerar utili<strong>da</strong>deseconômic<strong>as</strong> à socie<strong>da</strong>de a partir de su<strong>as</strong> descobert<strong>as</strong>. Argumentam os EstadosUnidos que, se o sistema norte-americano não provesse aos inventores adevi<strong>da</strong> proteção jurídica aos seus inventos, estes não teriam estímulos par<strong>as</strong>eguir investindo em pesquisa tecnológica em razão <strong>da</strong> inviabili<strong>da</strong>de econômicade mantê-los. Defendem que um sistema patentário eficiente é capaz deestimular o investimento de tempo e dinheiro nos resultados de uma pesquisapara que estes se transformem em produtos benéficos à socie<strong>da</strong>de 137 .Os Estados Unidos entendem infun<strong>da</strong>do o temor expressado por algunspaíses de que a concessão de uma patente <strong>sobre</strong> um gene isolado e modificado135Os Estados Unidos <strong>as</strong>sinaram a CDB em 4 de junho de 1993. Ver http://www.biodiv.org/world/parties.<strong>as</strong>p, [01.12.2005].136No c<strong>as</strong>o DIAMOND, COMMISSIONER OF PATENTS AND TRADEMARKS v.CHAKRABARTY, (447 U.S. 303; 100 S. Ct. 2204 (1980)), a Corte Suprema do Estados Unidosdecidiu que micro-organismos criados pelo homem e capazes de quebrar molécul<strong>as</strong> de petróleopodem ser objeto de patenteamento.137Ver Review of the Provisions of the Article 27.3 (b), WTO, Council for Trade-Related Aspectsof Intellectual Property Rights, 29.10.1999 (IP/C/W/162). Submetido pela delegação dos EstadosUnidos.92


SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E PAÍSES DESENVOLVIDOSpoderia <strong>da</strong>r ao seu titular proprie<strong>da</strong>de <strong>sobre</strong> a fonte <strong>da</strong>quele gene. O sistemapatentário do acordo TRIPS apen<strong>as</strong> prevê que o titular <strong>da</strong> patente possaevitar que terceiros usem o gene modificado sem sua autorização. Além disso,somente <strong>as</strong> leis intern<strong>as</strong> dos países podem determinar a proprie<strong>da</strong>de <strong>sobre</strong> afonte do gene modificado. O sistema de proteção à proprie<strong>da</strong>de intelectualseria, segundo defendem, um mecanismo indireto de abor<strong>da</strong>r <strong>as</strong> questõesétic<strong>as</strong> de proprie<strong>da</strong>de <strong>sobre</strong> recursos genéticos. Os problem<strong>as</strong> éticos relativosà proprie<strong>da</strong>de ou não d<strong>as</strong> fontes dos recursos genéticos não devem, segundoa posição norte-americana, ser discutidos por meio do direito de proprie<strong>da</strong>deintelectual, m<strong>as</strong> diretamente <strong>sobre</strong> os problem<strong>as</strong> que se apresentem.Os Estados Unidos negam que exista qualquer incompatibili<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> aCDB e o TRIPS e entendem que a comuni<strong>da</strong>de internacional deve discutirnão <strong>sobre</strong> um conflito que não existe, m<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> elementos concretos <strong>da</strong>implementação dos dois acordos que preocupem alguns países que sejamsignatários de ambos. Neste sentido, os Estados Unidos, b<strong>as</strong>eados napremissa de que o acordo TRIPS não viola o direito soberano dos países<strong>sobre</strong> seus recursos naturais, entendem que a melhor maneira de <strong>as</strong>seguraros direitos estabelecidos pela CDB é a negociação de contratos <strong>entre</strong> <strong>as</strong>partes interessad<strong>as</strong> na bioprospecção e <strong>as</strong> autori<strong>da</strong>des dos países onde selocalizam <strong>as</strong> fontes dos genes em questão 138 .Os Estados Unidos sustentam que o sistema de informação <strong>da</strong> origemdos recursos genéticos usados nos inventos, sugerido pelos países emdesenvolvimento, é ineficiente. Tal sistema não apen<strong>as</strong> acarretaria altoscustos de transação para que os países ricos em diversi<strong>da</strong>de biológicapudessem r<strong>as</strong>trear os destinos comerciais <strong>da</strong>dos às informações obtid<strong>as</strong>junto aos seus patrimônios genéticos, como também reduziria o total deganhos que os agentes privados interessados na comercialização d<strong>as</strong>informações genétic<strong>as</strong> poderiam obter, inclusive aqueles dos países emdesenvolvimento 139 .138Aqui vale ressaltar que em torno de 20% dos ganhos obtidos com a comercialização d<strong>as</strong>informações genétic<strong>as</strong> obtid<strong>as</strong> nos parques nacionais norte-americanos devem ser revertidos parao Poder Público dos Estados Unidos, através do Serviço Nacional de Parques. Para melhorcompreender o sistema norte-americano de concessão de permissão para exploração de diversi<strong>da</strong>debiológica em parques nacionais, ver Access to Genetic Resources Regime of the United StatesNational Parks, WTO, Council for Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights,28.01.2003 (IP/C/W/393). Submetido pela delegação dos Estados Unidos.139Ver OMC, doc. IP/C/W/162.93


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOOs Estados Unidos ressaltam que a proposta dos países emdesenvolvimento não estaria nem mesmo de acordo com a própria CDB, aqual sequer menciona ser necessário que os signatários modifiquem su<strong>as</strong>legislações nacionais <strong>sobre</strong> patentes para atingir os objetivos de consentimentoinformado e de repartição equitativa de benefícios. Mesmo não sendo osEstados Unidos parte <strong>da</strong> CDB, <strong>as</strong> agênci<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> norte-american<strong>as</strong>responsáveis pela bioprospecção e os agentes privados ligados à ativi<strong>da</strong>deteriam adotado todos, por meios contratuais, <strong>as</strong> diretrizes determinad<strong>as</strong> pelaCDB, sem que fosse necessário proceder a nenhum tipo de alteração nalegislação norte-americana de proprie<strong>da</strong>de intelectual.Segundo a posição norte-americana, a proposta dos países emdesenvolvimento em na<strong>da</strong> colaboraria com a implementação dos objetivosdo artigo 7 do acordo TRIPS em razão d<strong>as</strong> incertez<strong>as</strong> que adicionaria aosistema de defesa <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual 140 . Levando em consideraçãoos discursos dos países que participam d<strong>as</strong> discussões a respeito <strong>da</strong> relação<strong>entre</strong> a CDB e o acordo TRIPS, os Estados Unidos afirmam perceber quetrês objetivos comuns a todos eles: o acesso aos recursos genéticos por meiodo consentimento prévio e informado; garantir a repartição equitativa debenefícios; prevenir a concessão errônea de patentes.Em relação ao consentimento prévio e informado, a delegação norteamericanana OMC defende que o dever de provar sua existência não seriaem si mesmo a manifestação desse consentimento, o qual seria concretizado,efetivamente, pela forma contratual <strong>entre</strong> <strong>as</strong> partes envolvid<strong>as</strong>. Além disso,indivíduos intencionados a não observar <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> tanto <strong>da</strong> CDB quanto doacordo TRIPS não seriam detidos por tal obrigação de provar oconsentimento.Com relação à repartição equitativa de benefícios, o mesmo raciocínioanterior é empregado. Sustentam que apen<strong>as</strong> uma estrutura interna em ca<strong>da</strong>país prepara<strong>da</strong> para <strong>as</strong>segurar a repartição equitativa de benefícios seria capazde garantir a observação desta regra <strong>da</strong> CDB. A mera prova de que houve oconsentimento prévio e informado ou a informação <strong>da</strong> origem d<strong>as</strong> informaçõesgenétic<strong>as</strong> não seria capaz de, por si mesma, garantir que os benefícios <strong>da</strong>ativi<strong>da</strong>de econômica liga<strong>da</strong> à diversi<strong>da</strong>de biológica fossem repartidos de formaequitativa. Além disso, nos c<strong>as</strong>os em que ocorra comercialização d<strong>as</strong>140Ver OMC, doc. IP/C/W/449.94


SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E PAÍSES DESENVOLVIDOSinformações genétic<strong>as</strong> sem que o sistema de proteção à proprie<strong>da</strong>de intelectualseja usado (por exemplo, por meio de segredo industrial ou por prátic<strong>as</strong> deconcorrência desleal), apen<strong>as</strong> uma estrutura nacional prepara<strong>da</strong> para regularo acesso e <strong>as</strong>segurar a repartição de benefícios na execução de contratos deacesso seria capaz de efetivar <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> <strong>da</strong> CDB.Finalmente, com relação às preocupações generalizad<strong>as</strong> a respeito <strong>da</strong>concessão errônea de patentes, os Estados Unidos consideram que nenhumad<strong>as</strong> propost<strong>as</strong> feit<strong>as</strong> pelos países em desenvolvimento é eficiente. Segundo aposição norte-americana, nenhum dos novos requisitos de patenteamentosugeridos tem relação com a necessi<strong>da</strong>de de inventivi<strong>da</strong>de, novi<strong>da</strong>de ouaplicação industrial. Os novos requisitos sugeridos em na<strong>da</strong> cooperariam paraque <strong>as</strong> patentes conferid<strong>as</strong> fossem mais segur<strong>as</strong> em termos de garantir aproteção ao ver<strong>da</strong>deiro inventor.Os novos requisitos de patenteabili<strong>da</strong>de sugeridos pelos países emdesenvolvimento também apresentariam outros pontos negativos, segundoos Estados Unidos. As alterações não apen<strong>as</strong> trariam incertez<strong>as</strong> ao sistemade proteção <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual, ao possibilitarem constantesrevogações de patentes já concedid<strong>as</strong>. Também gerariam custosadministrativos extraordinários significativos, sem constituirem um sistema demonitoramento eficaz.Por tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> razões acima expost<strong>as</strong>, os Estados Unidos consideram queos novos requisitos de patenteabili<strong>da</strong>de sugeridos não são uma soluçãoadequa<strong>da</strong> para os problem<strong>as</strong> a serem enfrentados. O meio mais efetivo deabor<strong>da</strong>gem de tais problem<strong>as</strong> seria a estruturação de leis nacionais fora dosistema de proteção à proprie<strong>da</strong>de intelectual que regul<strong>as</strong>sem diretamente aconduta dos agentes privados segundo <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> determinad<strong>as</strong> pela CDB. Oenfoque norte-americano <strong>sobre</strong> o direito interno dos países não significa,segundo reconhecem, que o direito internacional não tenha relevância, pois<strong>as</strong> diretrizes determinad<strong>as</strong> n<strong>as</strong> convenções internacionais (por exemplo, <strong>as</strong>Diretrizes de Bonn e <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> <strong>da</strong> OMPI) e os elementos de ligação comsistem<strong>as</strong> jurídicos estrangeiros (por exemplo, cláusul<strong>as</strong> de foro, cláusul<strong>as</strong>arbitrais, determinação de idiom<strong>as</strong> usados etc.) têm importância fun<strong>da</strong>mentalna constituição dos sistem<strong>as</strong> nacionais de regulação.Um sistema contratual de regulação não acarretaria custos de transaçãoelevados, c<strong>as</strong>o implementado de uma maneira racional e pragmática. Elefacilitaria a centralização do monitoramento <strong>da</strong> execução d<strong>as</strong> regr<strong>as</strong>determinad<strong>as</strong> pela CDB, ao mesmo tempo que permitiria a ligação com outros95


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOsistem<strong>as</strong> jurídicos que não apen<strong>as</strong> o sistema nacional do país onde foi firmadoo contrato.3.2.2.2. Posição <strong>da</strong> União EuropeiaEmbora seguindo a linha de argumentação, acima exposta, segundo aqual não existe um conflito <strong>entre</strong> <strong>as</strong> diretrizes <strong>da</strong> CDB e aquel<strong>as</strong> do acordoTRIPS, a União Europeia reconhece a existência de uma interação significativa<strong>entre</strong> estes dois instrumentos internacionais 141 . Além de tem<strong>as</strong> tais comobiotecnologia, varie<strong>da</strong>des vegetais, tecnologi<strong>as</strong> e informações ambientaisrelacionad<strong>as</strong> com a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais,conhecimentos tradicionais e repartição de benefícios serem consideradoscomo ligados a ambos os acordos, o principal <strong>as</strong>sunto que ressalta na relação<strong>entre</strong> a CDB e o acordo TRIPS é a questão d<strong>as</strong> patentes. Em razão desteestreito relacionamento, a União Europeia defende que ao Secretariado <strong>da</strong>CDB seja concedi<strong>da</strong> a posição de observador ad hoc n<strong>as</strong> reuniões doConselho TRIPS 142 .A União Europeia, <strong>as</strong>sim como os Estados Unidos, entende que a CDBe o acordo TRIPS deveriam ser implementados de maneira complementar,embora não vislumbrem conflitos <strong>entre</strong> os dois documentos. Percebe que oacordo TRIPS é neutro em relação às diretrizes <strong>da</strong> CDB, m<strong>as</strong> reconhece,diferentemente dos Estados Unidos, que o nível de interação <strong>entre</strong> su<strong>as</strong> matéri<strong>as</strong>faz com que o acordo TRIPS possa ser usado como meio de <strong>as</strong>segurar aimplementação <strong>da</strong> CDB, como por exemplo, em relação à repartição debenefícios. A União Europeia defende que o direito interno dos paísessignatários <strong>da</strong> CDB e membros <strong>da</strong> OMC deve ser usado como o instrumentopara li<strong>da</strong>r com os problem<strong>as</strong> <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica, por ser o meio maisadequado para este objetivo. Os detalhes de ca<strong>da</strong> c<strong>as</strong>o específico devemser regulados, segundo a União Europeia, por disposições contratuais <strong>entre</strong><strong>as</strong> partes interessad<strong>as</strong>.Em uma posição aproxima<strong>da</strong> com aquela defendi<strong>da</strong> pelos países emdesenvolvimento, m<strong>as</strong> não equivalente, a União Europeia sustenta que <strong>as</strong>141A Comuni<strong>da</strong>de Europeia, <strong>as</strong>sim como os seus países membros, são partes <strong>da</strong> CDB. A <strong>da</strong>ta deratificação <strong>da</strong> CDB pela Comuni<strong>da</strong>de Europeia é 21 de dezembro de 1993. Ver http://www.biodiv.org/world/parties.<strong>as</strong>p, [01.12.2005]142Ver OMC, docs. IP/C/W/254 e IP/C/W/383.96


SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E PAÍSES DESENVOLVIDOSpatentes sejam usad<strong>as</strong> como meio de garantir que em acordos de acesso àdiversi<strong>da</strong>de biológica seja <strong>as</strong>segura<strong>da</strong> a repartição dos benefícios comerciaisadvindos do uso d<strong>as</strong> informações obtid<strong>as</strong>, através <strong>da</strong> remuneração dos paísesonde estão originad<strong>as</strong> <strong>as</strong> fontes dos recursos genéticos. Isso significa que aflexibili<strong>da</strong>de do acordo TRIPS em permitir que os países membros <strong>da</strong> OMCdeterminem livremente o grau de exclusivi<strong>da</strong>de e <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> de proteção àproprie<strong>da</strong>de intelectual, obedecidos os parâmetros mínimos estabelecidospelo texto do acordo, seria usa<strong>da</strong> pelos países em desenvolvimento paragarantir sua participação nos benefícios d<strong>as</strong> ativi<strong>da</strong>des econômic<strong>as</strong> ligad<strong>as</strong> àdiversi<strong>da</strong>de biológica. A União Europeia é contra <strong>as</strong> alterações no texto doacordo TRIPS sugerid<strong>as</strong> pelos países em desenvolvimento, pois consideraque o direito <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual não é o meio adequado para <strong>as</strong>segurar<strong>as</strong> <strong>determinações</strong> <strong>da</strong> CDB e que <strong>as</strong> propost<strong>as</strong> vão muito além d<strong>as</strong> diretrizesestabelecid<strong>as</strong> pelo acordo TRIPS.Os objetivos buscados pelos países em desenvolvimento (implementaçãod<strong>as</strong> diretrizes <strong>da</strong> CDB) seriam alcançados, de acordo com a posição adota<strong>da</strong>pela União Europeia não pel<strong>as</strong> alternativ<strong>as</strong> propost<strong>as</strong> por estes países, m<strong>as</strong>,sim, pela (1) criação de instrumentos jurídicos apropriados para o tema <strong>da</strong>diversi<strong>da</strong>de biológica (entende que não existem instrumentos jurídicos deligação <strong>entre</strong> a CDB e o TRIPS), (2) pela disponibilização de <strong>as</strong>sistênciatécnica por parte dos países industrializados e (3) pela negociação de medid<strong>as</strong>dentro do sistema de proprie<strong>da</strong>de intelectual (acordo TRIPS e OMPI) quefacilit<strong>as</strong>sem a repartição de benefícios e o respeito aos direitos soberanosdos países detentores d<strong>as</strong> riquez<strong>as</strong> em diversi<strong>da</strong>de biológica.Com relação à transferência de tecnologia, considerando que a forma deimplementação do artigo 27.3 (b) do acordo TRIPS é fun<strong>da</strong>mental para futurosdesenvolvimentos na área de biotecnologia, os membros <strong>da</strong> União Europeiareconhecem ser necessário <strong>da</strong>r aos países em desenvolvimento acesso àsinovações nesta área, de forma que estes países também sejam capazes deli<strong>da</strong>r com os riscos em potencial nela contidos. Portanto, a União Europeiaconsidera que o tema <strong>da</strong> biotecnologia deve ser discutido principalmente nocontexto <strong>da</strong> transferência de tecnologia e <strong>da</strong> capacitação de recursos humanospara li<strong>da</strong>r com esta área <strong>da</strong> ciência.A União Europeia entende ser necessária uma melhor discussão <strong>sobre</strong>os possíveis efeitos do sistema de proteção de patentes na efetivação d<strong>as</strong>norm<strong>as</strong> <strong>da</strong> CDB. Esta discussão, vale ressaltar, deveria preservar os níveisatuais de segurança, transparência e certeza jurídica do sistema internacional97


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOde proteção à proprie<strong>da</strong>de intelectual. Defende a criação de um sistemamultilateral de obrigatorie<strong>da</strong>de de informação <strong>da</strong> origem geográfica do materialbiológico usado nos inventos. Tal sistema, <strong>entre</strong>tanto, não seria consideradocomo um requisito de patenteabili<strong>da</strong>de no âmbito do acordo TRIPS, devendoser interpretado apen<strong>as</strong> como um meio complementar ao instrumento principalde garantia d<strong>as</strong> <strong>determinações</strong> <strong>da</strong> CDB, que é a estrutura jurídica interna dodireito nacional dos países signatários. Não sendo um requisito depatenteabili<strong>da</strong>de, <strong>as</strong> consequênci<strong>as</strong> legais para o desrespeito à obrigação deinformar a origem dos recursos genéticos devem estar regulad<strong>as</strong> por outr<strong>as</strong>áre<strong>as</strong> do direito que não o direito <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual (por exemplo, odireito civil, administrativo ou o penal) 143 .A obrigação de informação, segundo o modelo proposto pela UniãoEuropeia, é por esta percebido como um meio eficaz de colaborar para aproteção, por exemplo, dos conhecimentos tradicionais, pois permitiria queseus detentores originários mantivessem um controle do seu emprego emativi<strong>da</strong>des comerciais. Entretanto, a União Europeia defende que o foro dediscussão apropriado para a elaboração de um modelo legal para tal obrigaçãonão é o Conselho TRIPS, m<strong>as</strong>, sim, a OMPI, no âmbito do seu ComitêIntergovernamental <strong>sobre</strong> a Proprie<strong>da</strong>de Intelectual.143Sobre a implementação de tal obrigação dentro <strong>da</strong> União Europeia, ver Communication fromthe Commission to the European Parliament and the Council - The implementation by the EC ofthe “Bonn Guidelines” on access to genetic resources and benefit-sharing under the Conventionon Biological Diversity, Bruxel<strong>as</strong>, 23.12.2003, COM(2003) 821 final. Versão eletrônica: http://europa.eu.int/eur-lex/en/com/cnc/2003/com2003_0821en01.pdf, [23.11.2005].98


Capítulo 4Sobre a existência de um conflito jurídico <strong>entre</strong><strong>as</strong> norm<strong>as</strong> <strong>da</strong> CDB e <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> do acordoTRIPS e su<strong>as</strong> consequênci<strong>as</strong>Neste capítulo final, será discuti<strong>da</strong> a relação <strong>entre</strong> a CDB e o TRIPS a partirde um ponto de vista jurídico. Tal abor<strong>da</strong>gem, <strong>entre</strong>tanto, levará em consideraçãotodos os efeitos que o desenvolvimento do pensamento <strong>sobre</strong> meio ambiente,que a evolução d<strong>as</strong> relações internacionais na questão ambiental e dedesenvolvimento sustentável e que a posição atual dos membros <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>deinternacional têm <strong>sobre</strong> a relação <strong>entre</strong> estes dois instrumentos de DIP.Inicialmente, serão apresentados, em linh<strong>as</strong> gerais, os princípios <strong>da</strong> TeoriaDogmática do Ordenamento e sua aplicação às norm<strong>as</strong> internacionais. Emsegui<strong>da</strong>, serão debatid<strong>as</strong> a noção de antinomia jurídica e <strong>as</strong> estrutur<strong>as</strong> que estacategoria jurídica apresenta. Finalmente, com b<strong>as</strong>e nos conceitos jurídicos deordenamento e de antinomia jurídica, m<strong>as</strong>, principalmente, com b<strong>as</strong>e n<strong>as</strong>discussões político-históric<strong>as</strong> trazid<strong>as</strong> pelos capítulos anteriores, serão expost<strong>as</strong><strong>as</strong> estrutur<strong>as</strong> de como se articulam a CDB e o acordo TRIPS no atual contextodo DIP e d<strong>as</strong> relações internacionais.4.1. A Teoria Dogmática do Ordenamento JurídicoA compreensão do funcionamento d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> no sistema jurídico e ainterpretação do seu conteúdo devem ser feit<strong>as</strong> segundo a Teoria doOrdenamento 144 . Isto se explica porque a mera estrutura interna d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong>144FERRAZ JR., Tércio Sampaio, Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação,2ª edição, São Paulo: Ed. Atl<strong>as</strong>, 1994.99


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOnão é capaz de criar condições de decidibili<strong>da</strong>de, uma vez que a mera ocorrênciade todos os componentes essenciais de uma norma não significa que esta norm<strong>as</strong>eja operante em qualquer contexto. As norm<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong> não têm sua vali<strong>da</strong>deintrinsecamente determina<strong>da</strong>, pois dependem <strong>da</strong> sua relação com <strong>as</strong> demaisnorm<strong>as</strong> do contexto jurídico em que se inserem. Isto significa, tecnicamente,que a vali<strong>da</strong>de de uma norma depende do ordenamento em que ela se insere.Em princípio, um ordenamento jurídico é um conjunto de elementos normativos(norm<strong>as</strong>) e não-normativos (critérios de cl<strong>as</strong>sificação; definições; preâmbulos) quese relacionam dentro de uma estrutura determina<strong>da</strong>. Esta estrutura também conformaum conjunto de regr<strong>as</strong>, criad<strong>as</strong> para regular a relação d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> um<strong>as</strong> com <strong>as</strong>outr<strong>as</strong>. Os ordenamentos jurídicos, portanto, são formados por um repertório denorm<strong>as</strong> cujo relacionamento é regulado por um sistema interno.É importante perceber que o sistema dos ordenamentos jurídicos constituium princípio que os organiza e que lhes confere um caráter unitário e homogêneo.O ordenamento, portanto, é um conceito operacional no Direito, <strong>da</strong>do quepermite a integração <strong>entre</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong> de maneira a se verificar de suavali<strong>da</strong>de ou não. O sistema jurídico percebe <strong>as</strong> inter-relações <strong>entre</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong>jurídic<strong>as</strong> e <strong>as</strong> alterações que os fatos sociais podem gerar na sua articulação,fazendo com que a aplicação do Direito com vist<strong>as</strong> à decisão de conflitos seproce<strong>da</strong> de maneira uniforme, mantendo homogêneo todo o ordenamento. Ossistem<strong>as</strong> têm, neste sentido, um caráter dinâmico, pois captam os ordenamentosjurídicos, como <strong>da</strong>dos sociais que são, em sua constante transformação 145 .Os sistem<strong>as</strong> normativos de tipo dinâmico são aqueles cuja b<strong>as</strong>e não éuma norma fun<strong>da</strong>mental anterior (o dever de não frau<strong>da</strong>r, por exemplo, sefun<strong>da</strong> na norma fun<strong>da</strong>mental anterior que determina o dever de veraci<strong>da</strong>deno comportamento d<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong>), m<strong>as</strong> um fato produtor de norm<strong>as</strong>, ou seja,uma regra que determina como e quem deve criar <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> de umordenamento. Notamos, então, que nos sistem<strong>as</strong> dinâmicos, dos quais fazemparte os sistem<strong>as</strong> jurídicos, não há uma relação de lógica com relação a umconteúdo anterior na formação d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong>, m<strong>as</strong>, sim, uma relação deobediência às regr<strong>as</strong> de formação dest<strong>as</strong> norm<strong>as</strong>. Todo e qualquer conteúdopode ser Direito, contanto que seja estabelecido segundo <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> queregulam a criação do Direito e <strong>as</strong> relações d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> <strong>entre</strong> si 146 .145FERRAZ JR., op. cit., p.175.146KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, (trad.) João Baptista Machado, 5ª edição, São Paulo:Ed. Martins Fontes, 1996, p.221.100


SOBRE A EXISTÊNCIA DE UM CONFLITO JURÍDICOHodiernamente, percebe-se que a estrutura dos ordenamentos,conforma<strong>da</strong> pelo sistema jurídico, não <strong>as</strong>sume uma forma pirami<strong>da</strong>l, comosugerido pelos positivist<strong>as</strong>, na qual <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong> sempre se reportam auma norma anterior que lhes dá fun<strong>da</strong>mento. Segundo o pensamentopositivista, o fun<strong>da</strong>mento de vali<strong>da</strong>de de uma norma está no processosilogístico que esta norma forma com uma outra norma que lhe serve deb<strong>as</strong>e. A norma que constitui a premissa maior determina a obediência dossujeitos a uma determina<strong>da</strong> fonte produtora de norm<strong>as</strong>. A norma que constituia premissa menor é produzi<strong>da</strong> pela fonte menciona<strong>da</strong> pela premissa maior.Conclui-se, portanto, que a ação estabeleci<strong>da</strong> pela norma <strong>da</strong> premissa menoré váli<strong>da</strong> juridicamente porque está silogisticamente de acordo com a premissamaior 147 .Vejamos uma exposição gráfica de como se conformariam osordenamentos jurídicos segundo o positivismo:A visão positivista dos ordenamentos jurídicos cedeu lugar a umainterpretação na qual os ordenamentos não se reduzem a uma uni<strong>da</strong>dehierárquica de forma pirami<strong>da</strong>l, m<strong>as</strong> uma estrutura circular coesa de vári<strong>as</strong>competênci<strong>as</strong> pirami<strong>da</strong>is que se referem mutuamente 148 . No sistema dogmáticode interpretação dos ordenamentos jurídicos, a hierarquia <strong>entre</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong>não é uma premissa de funcionamento do sistema. Não existe uma relaçãocausal <strong>entre</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong>, onde uma norma confere a vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> outra, sendo147KELSEN, op. cit., p. 226.148FERRAZ JR., op. cit. p. 188.101


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOsua causa. Para a dogmática do Direito, o que determina a vali<strong>da</strong>de jurídicade uma norma é a “imunização” que esta recebe, de uma outra norma, contrapossíveis desobediênci<strong>as</strong> ao seu conteúdo. Não existe, portanto, uma relaçãocausal e hierarquiza<strong>da</strong>, m<strong>as</strong> uma relação de imputação de competênci<strong>as</strong> <strong>entre</strong><strong>as</strong> norm<strong>as</strong> de um sistema.As norm<strong>as</strong> que trazem relações de imputação de competênci<strong>as</strong> <strong>entre</strong> sipertencem a uma mesma série normativa, sendo ca<strong>da</strong> uma dest<strong>as</strong> sérieslimitad<strong>as</strong> em seu âmbito de atuação por uma norma-origem (por exemplo, oprincípio do nullun crimen nulla poena sine lege, ou <strong>da</strong> inexistência decrime sem lei anterior que o preveja, é uma norma-origem dentro <strong>da</strong> série denorm<strong>as</strong> do Direito Penal). As norm<strong>as</strong>-origem são norm<strong>as</strong> efetiv<strong>as</strong>, imperativ<strong>as</strong>e primeir<strong>as</strong> de uma série de norm<strong>as</strong>. Como são norm<strong>as</strong> iniciais de uma série,não se discute <strong>sobre</strong> sua vali<strong>da</strong>de ou não (não possuem uma norma que lhesimpute competênci<strong>as</strong>). Sua imperativi<strong>da</strong>de é determina<strong>da</strong> pel<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> queregulam o sistema, ou regr<strong>as</strong> de calibração. Os ordenamentos jurídicos sãoconstituídos por norm<strong>as</strong> (repertório do sistema), agrupad<strong>as</strong> em sériesnormativ<strong>as</strong>, cuj<strong>as</strong> relações de vali<strong>da</strong>de são regulad<strong>as</strong> por regr<strong>as</strong> de calibração(estrutura do sistema).As regr<strong>as</strong> de calibração são regr<strong>as</strong> que determinam o ajustamento dosistema a perturbações tanto intern<strong>as</strong>, quanto extern<strong>as</strong>. Tais regr<strong>as</strong> a<strong>da</strong>ptamo funcionamento do sistema segundo alterações que possam ocorrer duranteo processo de decisão de conflitos. As regr<strong>as</strong> de calibração funcionam comoo termostato de uma geladeira: sempre que o termostato percebe aumento<strong>da</strong> temperatura do sistema de refrigeração, faz com que o motor trabalhepara que se chegue à temperatura ideal; uma vez que a temperatura ideal éatingi<strong>da</strong>, o termostato mais uma vez ajusta o sistema para que o motor parede trabalhar e a temperatura ideal seja manti<strong>da</strong> 149 .No c<strong>as</strong>o dos ordenamentos jurídicos, <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> de calibração ajustam o sistemapara que a série normativa a ser emprega<strong>da</strong> seja aquela que melhor satisfaz oobjetivo final de decidibili<strong>da</strong>de dos conflitos. Quando uma série normativa não logra<strong>da</strong>r solução a um determinado conflito, o sistema exige uma alteração no seu padrãode funcionamento para que uma nova norma-origem, consequentemente uma nov<strong>as</strong>érie hierárquica, atue <strong>sobre</strong> o c<strong>as</strong>o concreto. Esta alteração do padrão defuncionamento é feita pel<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> de calibração, que mantêm a integri<strong>da</strong>de do149Idem, pp. 189-191.102


SOBRE A EXISTÊNCIA DE UM CONFLITO JURÍDICOfuncionamento do sistema sem permitir que este <strong>entre</strong> em colapso. As alteração sãofeit<strong>as</strong> de um padrão a outro, podendo retornar a padrões antigos, segundo umaveloci<strong>da</strong>de que está relaciona<strong>da</strong> com a flexibili<strong>da</strong>de d<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> de calibração.As regr<strong>as</strong> de calibração têm por característica a a<strong>da</strong>ptação às mu<strong>da</strong>nç<strong>as</strong>históric<strong>as</strong>, aparecendo, desaparecendo e reaparecendo segundo fontes como ajurisprudência, a política, a doutrina, a moral e a religião determinam. É estacapaci<strong>da</strong>de de a<strong>da</strong>ptação dos ordenamentos que permite que novos conflitossejam decididos por mecanismos adequados. Os ordenamentos jurídicos são,portanto, sistem<strong>as</strong> autopoiéticos, ou seja, possuem uma estabili<strong>da</strong>de que alimentaa si mesma quando confronta<strong>da</strong> com perturbações tanto intern<strong>as</strong> quanto extern<strong>as</strong>.A estabili<strong>da</strong>de existente nos ordenamentos jurídicos mostra, portanto, que estesconstituem totali<strong>da</strong>des coes<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> não homogêne<strong>as</strong>. Os diversos padrões de atuaçãodos ordenamentos constituem essa heterogenei<strong>da</strong>de e <strong>as</strong> a<strong>da</strong>ptações dos sistem<strong>as</strong>às alterações intern<strong>as</strong> ou extern<strong>as</strong> representam a coesão do ordenamento. Vejamosuma representação gráfica do ordenamento jurídico segundo a dogmática do Direito:4.2. As antinomi<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong>Segundo BOBBIO 150 , o “ordenamento jurídico constitui um sistemaporque não podem coexistir nele norm<strong>as</strong> incompatíveis”. Para o autor,150BOBBIO, Norberto, Teoria do Ordenamento Jurídico, trad. Maria Celeste C.J. Santos,ver.téc. Cláudio de Cicco, apres. Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Br<strong>as</strong>ília; Editora Universi<strong>da</strong>de deBr<strong>as</strong>ília, 10ª edição, 1999, p. 80.103


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOocorre antinomia jurídica quando se verifica “du<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> incompatíveis,pertencentes ao mesmo ordenamento jurídico e tendo o mesmo âmbito devali<strong>da</strong>de”. O conceito de antinomia jurídica pode ser considerado como a“oposição que ocorre <strong>entre</strong> du<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> contraditóri<strong>as</strong> (total ou parcialmente),emanad<strong>as</strong> de autori<strong>da</strong>des competentes num mesmo âmbito normativo quecolocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistênciade critérios aptos a permitir-lhe uma saí<strong>da</strong> nos quadros de um ordenamento<strong>da</strong>do” 151 .A relação <strong>entre</strong> est<strong>as</strong> norm<strong>as</strong>, <strong>entre</strong>tanto, deve satisfazer du<strong>as</strong> condiçõespara que ocorra uma antinomia jurídica em sentido estrito. As norm<strong>as</strong> devempertencer ao mesmo ordenamento e devem ter o mesmo âmbito de vali<strong>da</strong>de(<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> devem ser dirigid<strong>as</strong> aos mesmos sujeitos, devem ter vali<strong>da</strong>de<strong>sobre</strong> a mesma área geográfica e <strong>sobre</strong> o mesmo espaço temporal e devemtratar do mesmo <strong>as</strong>sunto). Segundo DINIZ, porém, para que a antinomiaocorra, a lista de elementos necessários é maior. Somam-se às condiçõesanteriores, <strong>as</strong> seguintes 152 :a) Amb<strong>as</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> devem ser jurídic<strong>as</strong>. As norm<strong>as</strong> analisad<strong>as</strong> são umdever ser dirigido à conduta dos indivíduos, d<strong>as</strong> autori<strong>da</strong>des e d<strong>as</strong> instituições<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social. Apen<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> pertencentes ao ordenamento jurídico podemapresentar uma antinomia <strong>entre</strong> si.b) Amb<strong>as</strong> devem ter operadores opostos (uma permite, outra obriga) eos seus conteúdos (atos e omissões) devem ser a negação interna um dooutro.c) Os sujeitos a quem de dirigem <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> devem ficar numa posiçãoinsustentável.Para melhor compreender o funcionamento interno de uma relaçãoantinômica <strong>entre</strong> du<strong>as</strong> norm<strong>as</strong>, é necessário observar como se apresentam osman<strong>da</strong>mentos inseridos no conteúdo d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong>.As norm<strong>as</strong> do ordenamento jurídico podem apresentar quatroqualificações normativ<strong>as</strong> diferentes: A. obrigatório; B. proibido; C. permitidonegativo; D. permitido positivo 153 . Isto significa que qualquer norma jurídica151FERRAZ JR., Tércio Sampaio, verbete Antinomia, Enciclopédia Saraiva do Direito, p. 14.152DINIZ, Maria Helena, <strong>Conflito</strong> de Norm<strong>as</strong>, São Paulo: Editora Saraiva, 2005.153BOBBIO, op. cit., p. 82.104


SOBRE A EXISTÊNCIA DE UM CONFLITO JURÍDICOpode ser traduzi<strong>da</strong> nos termos dest<strong>as</strong> qualificações. São exemplos: A. éobrigatório ir à praia; B. é proibido ir à praia; C. é permitido não ir à praia;D. é permitido ir à praia.A relação <strong>entre</strong> du<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> sempre estará, portanto, inclusa em umad<strong>as</strong> relações seguintes: 1. relação A-B (obrigatório e proibido); 2. relação A-C (obrigatório e permitido negativo); 3. relação A-D (obrigatório e permitidopositivo); 4. relação B-C (proibido e permitido negativo); 5. relação B-D(proibido e permitido positivo); 6. relação C-D (permitido negativo e permitidopositivo).A incompatibili<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> norm<strong>as</strong>, portanto antinomia jurídica, ocorren<strong>as</strong> relações A-B (norma que ordena fazer algo ao lado de uma norma queproíbe fazê-lo), A-C (norma que ordena fazer algo ao lado de uma normaque permite não fazer) e B-D (norma que proíbe fazer algo ao lado de umanorma que permite fazê-lo). Seguindo o exemplo acima exposto, seriamincompatíveis norm<strong>as</strong> que: 1. prescrevessem a obrigatorie<strong>da</strong>de de se ir àpraia e a proibição de se ir à praia; 2. prescrevessem a obrigatorie<strong>da</strong>de de seir à praia e a permissão de não se ir à praia; 3. proibissem a i<strong>da</strong> à praia epermitissem a i<strong>da</strong> à praia.A incompatibili<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong> pode ser, quanto à suaextensão, de três tipos: total-total (possuem o mesmo âmbito de vali<strong>da</strong>de,logo, em nenhum c<strong>as</strong>o podem ser aplicad<strong>as</strong> ao mesmo tempo); total-parcial(parte <strong>da</strong> vali<strong>da</strong>de de uma norma equivale à todo o âmbito de vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>outra norma, fazendo com que esta nunca possa ser aplica<strong>da</strong> c<strong>as</strong>o a primeir<strong>as</strong>eja obedeci<strong>da</strong>); parcial-parcial (possuem âmbitos de vali<strong>da</strong>de apen<strong>as</strong> emparte coincidentes, logo, podem ser aplicad<strong>as</strong> normalmente na parte em quenão coincidem).No c<strong>as</strong>o <strong>da</strong> existência de uma antinomia jurídica, o operador do Direitodeve valer-se de três tipos de critérios, construídos pela doutrina e pelajurisprudência, para solucionar o problema: critério cronológico; critériohierárquico; critério de especiali<strong>da</strong>de 154 .O critério cronológico é fun<strong>da</strong>do na ideia de que o legislador produzalterações nos comandos legislativos para atender às alterações ocorrid<strong>as</strong>n<strong>as</strong> relações sociais, havendo o af<strong>as</strong>tamento <strong>da</strong> norma anterior para que sejaaplica<strong>da</strong> a norma posterior. Tal critério somente pode ser aplicado se <strong>as</strong>154BATISTA, Roberto Carlos, Antinomi<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong> e critérios de resolução, in Revista deDoutrina e Jurisprudência, Br<strong>as</strong>ília, (58): 13-78, set-dez. 1998, pp.25-37.105


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOnorm<strong>as</strong> em conflito integrarem a mesma série normativa (exp.: direito penal;direito civil). Note-se, porém, que existe a possibili<strong>da</strong>de de a norma anteriorser manti<strong>da</strong> c<strong>as</strong>o seja uma norma de tipo especial em relação à norma de tipogeral posterior. O critério <strong>da</strong> norma posterior é fruto de uma regra geral deDireito segun<strong>da</strong> a qual <strong>entre</strong> dois atos de vontade <strong>da</strong> mesma pessoa, prevaleceo posterior no tempo 155 .O critério hierárquico é aquele que dá priori<strong>da</strong>de às norm<strong>as</strong> de nívelhierárquico superior em detrimento àquel<strong>as</strong> de nível hierárquico inferior. Paratanto, certamente, é necessário que <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> façam parte de uma mesm<strong>as</strong>érie normativa, sendo o conflito regulado pela norma constitucional queestrutura a hierarquia do sistema. O critério <strong>da</strong> norma superior se explica,segun<strong>da</strong> a teoria positivista, pelos diferentes planos hierárquicos em que sãoorganizad<strong>as</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong>. A inferiori<strong>da</strong>de de uma norma em relação àoutra consiste na menor força que esta tem em seu poder normativo 156 .Além dos critérios hierárquico e cronológico, ressalta, n<strong>as</strong> relaçõesinternacionais, o critério <strong>da</strong> especiali<strong>da</strong>de. No c<strong>as</strong>o específico do DIP, n<strong>as</strong>antinomi<strong>as</strong> <strong>entre</strong> os tratados internacionais, ou <strong>entre</strong> outr<strong>as</strong> fontes formais doDIP percebe-se o critério que efetivamente importa é o valor jurídico queincorporam. Isto se explica porque tais norm<strong>as</strong> se caracterizam mais por umarelação de coordenação que de subordinação 157 .Em termos jurídicos, é perfeitamente possível a coexistência <strong>entre</strong> <strong>as</strong>norm<strong>as</strong> antinômic<strong>as</strong> de tipo geral e especial. O critério <strong>da</strong> lex specialis derogatlegi generali considera a matéria regula<strong>da</strong> levando em conta critérios deinterpretação que analisam uma norma como espécie de uma outra norma,que é seu gênero. Ocorre uma relação de continência <strong>da</strong> norma geral pel<strong>as</strong><strong>determinações</strong> <strong>da</strong> norma especial, com o acréscimo de um elemento próprioà descrição legal prevista no tipo geral. Este tipo de construção af<strong>as</strong>ta adupla incidência de norm<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> fatos juridicamente relevantes,pois estes apen<strong>as</strong> serão regulados pela norma especial, embora tambémprevistos pela norma geral. A lei especial af<strong>as</strong>ta a incidência <strong>da</strong> lei geral paraque <strong>as</strong> su<strong>as</strong> <strong>determinações</strong> inci<strong>da</strong>m <strong>sobre</strong> o c<strong>as</strong>o concreto apen<strong>as</strong> noselementos de especiali<strong>da</strong>de. O critério <strong>da</strong> especiali<strong>da</strong>de exclui, no c<strong>as</strong>oconcreto, a aplicação <strong>da</strong> norma geral em favor <strong>da</strong> norma especial porque o155BOBBIO, op. cit., p. 93.156Idem, op. cit., p. 93.157DINIZ, op. cit., pp.28-29.106


SOBRE A EXISTÊNCIA DE UM CONFLITO JURÍDICOlegislador considerou que a regulação de um tema específico e relevante parao Direito mereceria uma normatização diferencia<strong>da</strong>. “A norma geral só nãose aplica ante a relevância jurídica dos elementos contidos na norma especial,que a tornam mais suscetível de atendibili<strong>da</strong>de que a norma genérica” 158 .Segundo BOBBIO, “a p<strong>as</strong>sagem de uma regra mais extensa (que abrangeum certo genus) para uma regra derrogatória menos extensa (que abrangeuma species do genus) corresponde a uma exigência fun<strong>da</strong>mental de justiça,compreendi<strong>da</strong> como o tratamento igual de pesso<strong>as</strong> que pertencem à mesmacategoria” 159 . Ao determinar que uma determina<strong>da</strong> relação jurídica seja trata<strong>da</strong>de maneira diferencia<strong>da</strong>, o legislador consagra o principio de equi<strong>da</strong>de queordena conferir aos diferentes um tratamento diferenciado para que se lhesobtenha a igual<strong>da</strong>de jurídica 160 . A p<strong>as</strong>sagem <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> lei geral para aaplicação <strong>da</strong> lei especial constitui, portanto, uma p<strong>as</strong>sagem do padrãolegali<strong>da</strong>de para o padrão legitimi<strong>da</strong>de/equi<strong>da</strong>de. Esta transição significa aa<strong>da</strong>ptação progressiva d<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> de justiça às articulações, constantementeem movimento, <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social 161 .O critério <strong>da</strong> lei especial é usado caracteristicamente nos c<strong>as</strong>os deantinomi<strong>as</strong> do tipo total-parcial, pois não ocorre um af<strong>as</strong>tamento total doconteúdo de uma d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong>, apen<strong>as</strong> de uma parte dele.É importante sublinhar que é possível haver um conflito <strong>entre</strong> os critériosusados para decidir <strong>sobre</strong> qual norma aplicar em c<strong>as</strong>o de antinomia jurídica.Para tanto, podemos considerar como critério fraco o critério cronológico,que cede lugar aos critérios hierárquico e de especiali<strong>da</strong>de sempre que emconflito com estes. Seria o c<strong>as</strong>o de uma norma especial que é anterior ànorma geral. Neste c<strong>as</strong>o, aplica-se o principio de Direito segundo o qual lexposterioris generalis non derogat priori speciali (a lei geral posterior nãoderroga a lei especial anterior) 162 . Apen<strong>as</strong> nos c<strong>as</strong>os em que os princípiosque norteiam a nova lei geral forem contrários àqueles <strong>da</strong> lei especial, quandohouver incompatibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vontade do legislador ou <strong>da</strong> finali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> novalei, ocorrerá uma ab-rogação <strong>da</strong> lei especial anterior 163 .158Idem, op. cit., p. 40.159BOBBIO, op. cit., p. 96.160Sum cuique tribuere, ou seja, <strong>da</strong>r a ca<strong>da</strong> um o que é seu.161DINIZ, op. cit., p. 41.162O c<strong>as</strong>o de conflito <strong>entre</strong> regr<strong>as</strong> especiais e regr<strong>as</strong> hierarquicamente superiores deve ser resolvidono c<strong>as</strong>o a c<strong>as</strong>o, m<strong>as</strong> consideramos que a particulari<strong>da</strong>de do DIP, cuj<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> estão essencialmenteem relação de coordenação, dispensa maiores comentários <strong>sobre</strong> este tipo de conflito.163BATISTA, op. cit., p. 33.107


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHONão há necessariamente a derrogação <strong>da</strong> lei geral pela lei especial 164 ,nem há revogação <strong>da</strong> lei especial pela edição de uma lei geral nova 165 .4.3. Sobre a relação <strong>entre</strong> a CDB e o acordo TRIPS e a propostabr<strong>as</strong>ileiraA partir de uma perspectiva jurídica, a relação <strong>entre</strong> a CDB e o TRIPSpode ser, portanto, claramente cl<strong>as</strong>sifica<strong>da</strong> como uma antinomia. Aincompatibili<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> os man<strong>da</strong>mentos contidos em ca<strong>da</strong> um desses acordosverifica-se a partir <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> estrutura sintática dos seus textos. Note-seque, embora a CDB e o TRIPS possam parecer compatíveis, os efeitosjurídicos dos man<strong>da</strong>mentos destes acordos comprovam a existência de umaantinomia.O texto <strong>da</strong> CDB é claro ao obrigar os signatários à repartiçãoequitativa dos benefícios auferidos com a exploração comercial <strong>da</strong>diversi<strong>da</strong>de biológica e à necessi<strong>da</strong>de de autorização prévia dos paísesdetentores de riquez<strong>as</strong> em diversi<strong>da</strong>de biológica para que tais riquez<strong>as</strong>sejam explorad<strong>as</strong>. A CDB criou uma obrigação de fazer que vincula <strong>as</strong>Partes ao dever de repartição de benefícios e de autorização de acesso.Segundo a CDB:Dever de repartição de benefícios: Art. 19.2. Ca<strong>da</strong> parte contratantedeverá adotar tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> medid<strong>as</strong> possíveis para promover e impulsionar,em condições just<strong>as</strong> e equitativ<strong>as</strong>, o acesso prioritário d<strong>as</strong> partescontratantes, em particular os países em desenvolvimento, aos resultadose benefícios derivados d<strong>as</strong> biotecnologi<strong>as</strong> b<strong>as</strong>ead<strong>as</strong> em recursos genéticosfornecidos por ess<strong>as</strong> partes contratantes. Esse acesso deverá processarseem termos mutuamente acor<strong>da</strong>dos. (texto original em inglês 166 ; grifonosso).Dever de autorização de acesso: Art. 15.5. O acesso aos recursosgenéticos deverá estar submetido ao consentimento prévio fun<strong>da</strong>mentado164Lex speciali per generalem non abrogatur.165Lex posteriori generalis non derogat speciali.166Article 19. Handling of Biotechnology and Distribution of its Benefits. 2. Each ContractingParty shall take all practicable me<strong>as</strong>ures to promote and advance priority access on a fair andequitable b<strong>as</strong>is by Contracting Parties, especially developing countries, to the results and benefitsarising from biotechnologies b<strong>as</strong>ed upon genetic resources provided by those Contracting Parties.Such access shall be on mutually agreed terms.108


SOBRE A EXISTÊNCIA DE UM CONFLITO JURÍDICO<strong>da</strong> parte contratante que fornece esses recursos a menos que essa partedeci<strong>da</strong> de outra forma. (texto original em inglês 167 ; grifo nosso).O acordo TRIPS apresenta um tipo diferente de regulamentação. Umavez que <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> do TRIPS estabelecem parâmetros legais mínimos para queos Estados estabeleçam em seus ordenamentos jurídicos nacionais, ou seja,criam a obrigação para os Estados de legislar segundo padrões mínimosinternacionalmente acor<strong>da</strong>dos, <strong>as</strong> Partes do acordo TRIPS cumpremperfeitamente sua obrigação jurídica quando criam em seus ordenamentosdomésticos estrutur<strong>as</strong> correspondentes aos mínimos estabelecidos. Asobrigações estabelecid<strong>as</strong> pelo TRIPS estão centrad<strong>as</strong> no dever d<strong>as</strong> Partes deexigir dos requerentes de patentes que os requisitos <strong>da</strong> novi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> inventivi<strong>da</strong>dee <strong>da</strong> aplicabili<strong>da</strong>de industrial estejam presentes no objeto <strong>da</strong> patente.Note-se, <strong>entre</strong>tanto, que o acordo TRIPS foi concluído quando o deverde repartição de benefícios e de autorização de acesso já estavamconsoli<strong>da</strong>dos no ordenamento jurídico internacional. Considerando que odireito de proprie<strong>da</strong>de intelectual constitui uma série normativa que deve searticular, como tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> outr<strong>as</strong>, com todo o ordenamento jurídico internacional,a ausência dest<strong>as</strong> obrigações no acordo TRIPS indica para uma alteração <strong>da</strong>interpretação dos man<strong>da</strong>mentos do acordo.A interpretação literal do acordo TRIPS evidenciaria a existência de umdever positivo de legislar <strong>sobre</strong> os três requisitos de patenteabili<strong>da</strong>de. Umainterpretação a contrariu sensu nos levaria a perceber, portanto, que ossignatários não estão obrigados a estabelecer em seus direitos nacionaisobrigações outr<strong>as</strong> que não aquel<strong>as</strong> já estabelecid<strong>as</strong> no acordo TRIPS (valeressaltar que a ausência desta obrigatorie<strong>da</strong>de é constantemente menciona<strong>da</strong>pelos países ricos). Esta interpretação a contrariu sensu fun<strong>da</strong>menta-se noprincípio de Direito que determina que os sujeitos somente estão obrigados afazer aquilo que seja determinado na lei (princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de). Conclui-se,portanto, que o acordo TRIPS apresenta uma permissão aos Estados de nãotornar o dever de repartição de benefícios e o dever de obter autorização deacesso como juridicamente obrigatórios em seus sistem<strong>as</strong> nacionais.Comparando <strong>as</strong> <strong>determinações</strong> <strong>da</strong> CDB e do acordo TRIPS com osensinamentos de BOBBIO 168 <strong>sobre</strong> a questão d<strong>as</strong> antinomi<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong>,167Article 15. Access to Genetic Resources. 5. Access to genetic resources shall be subject to priorinformed consent of the Contracting Party providing such resources, unless otherwise determinedby that Party.168Op. cit., pp.81-97.109


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOpercebemos que tais acordos constituem, respectivamente, uma obrigação defazer (dever de estabelecer a obrigatorie<strong>da</strong>de de repartição de benefícios eobtenção de autorização de acesso) e uma permissão negativa (não obrigaçãode estabelecer os deveres existentes na CDB). Portanto, existe umaincompatibili<strong>da</strong>de intrínseca <strong>entre</strong> <strong>as</strong> diretrizes dest<strong>as</strong> du<strong>as</strong> norm<strong>as</strong>. Seguindo oexemplo anteriormente <strong>da</strong>do, comparativamente, teríamos uma norma queobrig<strong>as</strong>se os sujeitos a ir à praia como vigente paralelamente a uma norma quepermitisse aos mesmos sujeitos não ir à praia. A incompatibili<strong>da</strong>de é, portanto,evidente, e pode ser geradora de incertez<strong>as</strong> e insegurança jurídic<strong>as</strong>.A incerteza e a insegurança são quali<strong>da</strong>des repudiad<strong>as</strong> pelo Direito, cujo objetivoprincipal é a decisão de conflitos. O Direito não comporta em seu sistema elementosque possam causar instabili<strong>da</strong>de no processo de decisão de conflitos ocorridos <strong>entre</strong>os sujeitos <strong>sobre</strong> os quais incide. Uma vez confrontado com conflitos <strong>entre</strong> norm<strong>as</strong>, oDireito dispõe de mecanismos que alteram o padrão de funcionamento do ordenamentopara que a finali<strong>da</strong>de de paz social possa ser alcança<strong>da</strong>. Estes mecanismos de regulação(regr<strong>as</strong> de calibragem) também estão presentes no ordenamento jurídico internacional,principalmente porque o objetivo de decidibili<strong>da</strong>de conflitos no âmbito internacionalestá diretamente relacionado com a paz <strong>entre</strong> <strong>as</strong> nações.No c<strong>as</strong>o específico do direito <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual, os mecanismos decalibração também devem atuar no sentido de a<strong>da</strong>ptar o funcionamento do Direitoà necessi<strong>da</strong>de de decisão de conflitos. “Considerando o Direito como uma máquina,cuj<strong>as</strong> engrenagens e rol<strong>da</strong>n<strong>as</strong> se encaixam para que ele cumpra a sua função,percebemos que os direitos <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual a integram. Não podem, porisso, ser (bem) compreendidos fora <strong>da</strong> visão do todo, ou seja, dissociados dela” 169 .Embora a Convenção de Viena <strong>sobre</strong> Direito dos Tratados 170 apen<strong>as</strong>mencione o critério cronológico como mecanismo de solução de antinomi<strong>as</strong>169BASSO, op. cit., p. 21.170Artigo 30. Aplicação de Tratados Sucessivos Sobre o Mesmo Assunto. 1. Sem prejuízo d<strong>as</strong>disposições do artigo 103 <strong>da</strong> Carta d<strong>as</strong> Nações Unid<strong>as</strong>, os direitos e obrigações dos Estadospartes em tratados sucessivos <strong>sobre</strong> o mesmo <strong>as</strong>sunto serão determinados de conformi<strong>da</strong>de comos parágrafos seguintes. 2. Quando um tratado estipular que está subordinado a um tratadoanterior ou posterior ou que não deve ser considerado incompatível com esse tratado, <strong>as</strong> disposiçõesdeste último prevalecerão. 3. Quando tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> partes no tratado anterior são igualmente partesno tratado posterior, sem que o tratado anterior tenha cessado de vigorar ou sem que a suaaplicação tenha sido suspensa em virtude do artigo 59, o tratado anterior só se aplica na medi<strong>da</strong>em que su<strong>as</strong> disposições sejam compatíveis com <strong>as</strong> do tratado posterior. 4. Quando <strong>as</strong> partes notratado posterior não incluírem tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> partes no tratado anterior:a) n<strong>as</strong> relações <strong>entre</strong> osEstados partes nos dois tratados, aplicam-se <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> do parágrafo 3; b) n<strong>as</strong> relações <strong>entre</strong> umEstado parte nos dois tratados e um Estado parte apen<strong>as</strong> em um desses tratados, o tratado emque os dois Estados são partes rege seus direitos e obrigações recíprocos.110


SOBRE A EXISTÊNCIA DE UM CONFLITO JURÍDICO<strong>entre</strong> tratados, outros critérios de calibragem são amplamente aceitos peladoutrina 171 . Cabe-nos, logo, proceder à análise dest<strong>as</strong> du<strong>as</strong> convençõesconflitantes, a CDB e o acordo TRIPS, para verificar qual o critério deveri<strong>as</strong>er aplicado a este c<strong>as</strong>o.De início, podemos excluir a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> incidência do critériohierárquico <strong>sobre</strong> este tipo de conflito. O DIP caracteriza-se em grande partepela relação de coordenação <strong>entre</strong> <strong>as</strong> su<strong>as</strong> norm<strong>as</strong>, não existindo um<strong>as</strong>ubordinação direta. Restam-nos, portanto, os critérios cronológico e <strong>da</strong> leiespecial. A solução indica<strong>da</strong> pelo critério cronológico apontaria para aprevalência do acordo TRIPS <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> <strong>da</strong> CDB, uma vez que aqueleacordo é posterior no tempo à esta <strong>convenção</strong>. Entretanto, é necessárioverificarmos a aplicabili<strong>da</strong>de do critério <strong>da</strong> lei especial e qual a solução trazi<strong>da</strong>por ele para o conflito <strong>entre</strong> a CDB e o acordo TRIPS. Isto se explica porqueo critério <strong>da</strong> lei especial prevalece <strong>sobre</strong> o critério cronológico, por estarligado a uma questão de equi<strong>da</strong>de e isonomia. No c<strong>as</strong>o do conflito <strong>entre</strong> aCDB e o acordo TRIPS, elementos de fato e de direito apontam para umaclara especiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> CDB em relação ao TRIPS, lei geral.Um dos elementos fáticos que indicam o caráter específico <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>deintelectual no que concerne a biotecnologia é o seu caráter auto-replicante.Diferentemente de outros tipos de inventos, como aqueles <strong>da</strong> mecânica, quenecessitam que o inventor participe ativamente na reprodução <strong>da</strong> técnica apartir de um relatório descritivo <strong>da</strong> patente, os objetos biológicos, <strong>as</strong>sim comoos softwares de computadores, possuem a capaci<strong>da</strong>de de se reproduzirsozinhos.Evidênci<strong>as</strong> científic<strong>as</strong> demonstram que a área de biotecnologiatambém não se conforma às regr<strong>as</strong> clássic<strong>as</strong> de proprie<strong>da</strong>de intelectual,pois a previsão d<strong>as</strong> estrutur<strong>as</strong> biológic<strong>as</strong> d<strong>as</strong> invenções já trazem em simesm<strong>as</strong> o grau de incerteza em relação à sua formação, mesmo com ototal domínio <strong>da</strong> técnica de produção. Diferentemente de outr<strong>as</strong> áre<strong>as</strong>do conhecimento humano, <strong>as</strong> invenções no campo <strong>da</strong> biologia possuemum grau de incerteza inerente que af<strong>as</strong>ta a possibili<strong>da</strong>de de aplicaçãoestrita de regr<strong>as</strong> como o dever dos inventores de descrever claramenteseu invento de forma que qualquer técnico possa reproduzi-lo a partird<strong>as</strong> instruções <strong>da</strong>d<strong>as</strong> 172 .171DINIZ, op. cit., p.46-47.172BARBOSA, op. cit., p.600-601.111


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOEm termos jurídicos, a especiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> CDB em relação ao acordo TRIPStambém é evidente. Quando nos deparamos com du<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> de caráter geral,é normal que se considere <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> <strong>da</strong> OMC como especiais em razão detratarem especificamente do tema do comércio. A situação não é a mesma,<strong>entre</strong>tanto, quando a norma ambiental prevê no seu texto a ativi<strong>da</strong>de econômicaregula<strong>da</strong> por outros tratados internacionais. Quando um acordo internacional<strong>sobre</strong> direito do meio ambiente menciona especificamente um âmbito deincidência de su<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> que também é objeto de um outro tratado internacional,a norma ambiental é específica em relação ao outro tratado. A relação ente aCDB e o acordo TRIPS se enquadra perfeitamente neste tipo. Os artigos 16.2,16.3 e 16.5 <strong>da</strong> CDB mencionam expressamente a necessi<strong>da</strong>de de proteçãodos direitos <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual na regulação <strong>sobre</strong> acesso aos recursosgenéticos e <strong>sobre</strong> transferência de tecnologia, e que tais direitos sejaminterpretados segundo os objetivos <strong>da</strong> CDB 173 .Também se percebe a relação de especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> CDB a partir <strong>da</strong>própria estruturação do DIP. D<strong>entre</strong> <strong>as</strong> vári<strong>as</strong> séries normativ<strong>as</strong> existentes noDIP, o Direito Internacional do Meio Ambiente e o Direito Internacional <strong>da</strong>Proprie<strong>da</strong>de Intelectual constituem uni<strong>da</strong>des autônom<strong>as</strong> de regulação. Ao sereferir ao Direito Internacional do Meio Ambiente, o operador do Direito sereporta ao “fenômeno do surgimento e vigorosa presença <strong>da</strong> temática <strong>da</strong>proteção ambiental em nível internacional, de forma constante, a ponto deexigir uma sistematização particular” 174 . No c<strong>as</strong>o do Direito Internacional <strong>da</strong>Proprie<strong>da</strong>de Intelectual, “tem-se, correntemente, a noção de Proprie<strong>da</strong>deIntelectual como a de um capítulo de Direito, altissimamente internacionalizado,compreendendo o campo <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de industrial, os direitos autorais eoutros direitos <strong>sobre</strong> bens imateriais de vários gêneros” 175 .Estes dois ramos do DIP são regulados por diferentes tratadosinternacionais. No c<strong>as</strong>o do Direito Internacional <strong>da</strong> Proprie<strong>da</strong>de Intelectual,o acordo TRIPS funciona como um tratado geral que dispõe <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> regr<strong>as</strong>mais abrangentes do tema <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual (embora existam outrostratados que também se preten<strong>da</strong>m a este mesmo objetivo 176 ). No c<strong>as</strong>o173VARELLA, Marcelo Di<strong>as</strong>, Direito Internacional Econômico Ambiental, Belo Horizonte, DelRey, 2003, p.280.174SOARES, op. cit., p.23.175BARBOSA, op. cit., p. 1.176Ver nota de ro<strong>da</strong>pé nº 81.112


SOBRE A EXISTÊNCIA DE UM CONFLITO JURÍDICOespecífico do Direito Internacional do Meio Ambiente, são muitos os tratadosque abor<strong>da</strong>m <strong>as</strong> questões ambintais, regulando <strong>as</strong> diferentes áre<strong>as</strong> deste ramodo DIP. As regr<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> a diversi<strong>da</strong>de biológica têm sua regulação feita porum acordo específico, a CDB, embora este acordo pertença a uma sérienormativa maior do DIP, o Direito Internacional do Meio Ambiente. A CDBé o instrumento normativo de DIP que regula especificamente a proprie<strong>da</strong>deintelectual relaciona<strong>da</strong> à diversi<strong>da</strong>de biológica (embora a <strong>convenção</strong> não selimite a este tema), enquanto que o acordo TRIPS constitui o instrumento deregulação geral do tema <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual.O critério <strong>da</strong> lei especial, portanto, é o instrumento jurídico adequadopara a solução do conflito <strong>entre</strong> a CDB e o acordo TRIPS. Este critério,como já foi afirmado, é b<strong>as</strong>eado no princípio de equi<strong>da</strong>de e isonomia quedetermina que os diferentes sejam tratados de maneira diferente. O caráterespecífico do tema <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual <strong>sobre</strong> produtos relacionados àdiversi<strong>da</strong>de biológica é o elemento fático que fun<strong>da</strong>menta a regulação do<strong>as</strong>sunto por meio de um tratado específico, a CDB. É uma questão delegitimi<strong>da</strong>de regular um tema específico através de uma norma específica.A aplicação do critério <strong>da</strong> lei especial na relação <strong>entre</strong> a CDB e o acordoTRIPS indica uma alteração no padrão de funcionamento do ordenamentojurídico internacional, que af<strong>as</strong>ta o padrão de estrita legali<strong>da</strong>de em proveitode um padrão de legitimi<strong>da</strong>de 177 . É importante sublinhar que a questão <strong>da</strong>legitimi<strong>da</strong>de na alteração do padrão de funcionamento do sistema aparecepor du<strong>as</strong> perspectiv<strong>as</strong> diferentes, neste c<strong>as</strong>o. Em primeiro lugar, aregulamentação específica <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual <strong>sobre</strong> bens relacionadosà diversi<strong>da</strong>de biológica na CDB se fun<strong>da</strong>menta no caráter especial que estetipo de bem imaterial tem em relação a outros tipos de produtos do intelectohumano.Em segundo lugar, a questão estritamente jurídica de aplicação de norm<strong>as</strong>especiais a fatos que em si mesmos são especiais em relação aos demais.Também devemos considerar que a prevalência <strong>da</strong> CDB <strong>sobre</strong> o acordoTRIPS é uma questão de legitimi<strong>da</strong>de em termos políticos e históricos. Desdeantes <strong>da</strong> Conferência de Estocolmo, m<strong>as</strong> principalmente a partir dela, ospaíses em desenvolvimento têm buscado mostrar aos países desenvolvidosos reflexos que <strong>as</strong> injustiç<strong>as</strong> na distribuição de riquez<strong>as</strong> no mundo provocamno meio ambiente e na relação do homem com a natureza.177FERRAZ JR., op. cit., p. 195.113


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOA CDB é, certamente, um dos documentos internacionais que comprovamos constantes esforços dos países em desenvolvimento para obter regr<strong>as</strong>mais just<strong>as</strong> na estruturação d<strong>as</strong> relações internacionais. Assim como outrosinstrumentos internacionais firmados por oc<strong>as</strong>ião <strong>da</strong> Conferência do Rio, aCDB constitui parte <strong>da</strong> luta dos países em desenvolvimento por mais equi<strong>da</strong>den<strong>as</strong> relações com os países industrializados. Vale ressaltar que, <strong>as</strong>sim como apercepção humana <strong>da</strong> sua relação com a natureza evolui <strong>da</strong> clivagem <strong>entre</strong> oecocentrismo e antropocentrismo para o neo-humanismo, uma visão maisequilibra<strong>da</strong> <strong>entre</strong> homem e natureza, é necessário que <strong>as</strong> relações <strong>entre</strong> osmembros <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de internacional se pautem pelos valores <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de<strong>entre</strong> Estados e <strong>da</strong> equi<strong>da</strong>de de tratamento.É com b<strong>as</strong>e na necessi<strong>da</strong>de de tratamento igualitário e equitativo que <strong>as</strong>regr<strong>as</strong> de calibração do ordenamento jurídico internacional alteram seu padrãode funcionamento para atingir a legitimi<strong>da</strong>de não apen<strong>as</strong> no nível <strong>da</strong> relaçãoestrita <strong>entre</strong> norm<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong>, a CDB e o acordo TRIPS, como também nonível d<strong>as</strong> relações <strong>entre</strong> Estados soberanos. Segundo o critério <strong>da</strong>especifici<strong>da</strong>de, fun<strong>da</strong>do na noção de legitimi<strong>da</strong>de, <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> <strong>da</strong> CDB, portanto,prevalecem <strong>sobre</strong> <strong>as</strong> <strong>determinações</strong> do acordo TRIPS.É importante mencionar que, no c<strong>as</strong>o de conflito <strong>entre</strong> du<strong>as</strong> norm<strong>as</strong>,existem três soluções possíveis: excluir uma d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> do ordenamentojurídico; excluir <strong>as</strong> du<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> do ordenamento jurídico; manter <strong>as</strong> du<strong>as</strong>norm<strong>as</strong> no ordenamento 178 . Esta última alternativa é a que mais comumenteé adota<strong>da</strong> pelos operadores do Direito, procedendo não à eliminaçãod<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> em conflito, m<strong>as</strong> à eliminação do conflito <strong>entre</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong>.São introduzid<strong>as</strong> alterações na interpretação d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> em conflito paraque su<strong>as</strong> <strong>determinações</strong> p<strong>as</strong>sem a ser compatíveis. A proposta dos paísesem desenvolvimento, fortemente defendi<strong>da</strong> pelo Br<strong>as</strong>il, de alteração doart.27.3(b) do acordo TRIPS não apen<strong>as</strong> visa a garantir que o acordoTRIPS e a CDB sejam compatíveis, como também objetiva aumentar <strong>as</strong>egurança jurídica e a estabili<strong>da</strong>de do ordenamento jurídico internacional.A alteração do art.27.3(b) do acordo TRIPS para que p<strong>as</strong>se a dispor deuma norma do tipo obrigação, e não mais uma permissão negativa, é capazde harmonizar <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> deste instrumento com <strong>as</strong> <strong>determinações</strong> <strong>da</strong> CDB etrazer ao ordenamento jurídico internacional um maior grau de eficácia.178BOBBIO, op. cit., p. 100.114


SOBRE A EXISTÊNCIA DE UM CONFLITO JURÍDICOA eficácia de uma norma jurídica diz respeito à sua capaci<strong>da</strong>de de produzirefeitos, alguns de natureza fática, outros de natureza técnico-legislativa. Apen<strong>as</strong>quando encontra na reali<strong>da</strong>de condições adequad<strong>as</strong> de produzir seus efeitosé que uma norma pode ser dita eficaz. As condições adequad<strong>as</strong> para umanorma fazer surtirem seus efeitos são a obediência social aos seus ditames ea consciência do caráter jurídico desta norma (caráter legitimamente vinculante).Tecnicamente, uma norma eficaz é aquela que dispõe de enlaces com outr<strong>as</strong>norm<strong>as</strong> do ordenamento que garantem o surgimento dos efeitos (por exemplo,uma norma prescreve uma pena para certo tipo de crime e outra norma defineaquele tipo de crime). Note-se que a ineficácia de uma norma, a ausência deum mínimo de efetivi<strong>da</strong>de, não afeta a sua vali<strong>da</strong>de dentro do ordenamentojurídico. A norma continua váli<strong>da</strong>, apen<strong>as</strong> necessita de meios para que su<strong>as</strong><strong>determinações</strong> possam produzir efeitos 179 .A proposta br<strong>as</strong>ileira visa a aumentar a eficácia <strong>da</strong> CDB tendo comonorma de enlace <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> do acordo TRIPS, que aperfeiçoariam o sistema<strong>da</strong> CDB de produção de efeitos jurídicos na reali<strong>da</strong>de fática. Ao contráriodo que argumentam os países ricos, não há com este tipo de alteração um<strong>entre</strong>laçamento <strong>entre</strong> diferentes áre<strong>as</strong> do DIP, m<strong>as</strong>, sim, uma abor<strong>da</strong>gemsistêmica que não compartimentaliza o DIP, m<strong>as</strong> o vê como um todo harmônicoe dinâmico.Os efeitos gerados por uma tal alteração no acordo TRIPS não se limitamao âmbito jurídico. Juridicamente, é evidente o aumento do grau de certeza ede estabili<strong>da</strong>de do ordenamento jurídico internacional, com consequenteaumento <strong>da</strong> sua capaci<strong>da</strong>de de decisão de conflitos. Os ganhos políticos detal alteração seriam, não apen<strong>as</strong>, a concretização de um dos objetivos <strong>da</strong>Ro<strong>da</strong><strong>da</strong> Doha como também uma melhoria no grau de consenso internacionale, principalmente, de equi<strong>da</strong>de n<strong>as</strong> relações <strong>entre</strong> os membros <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>deinternacional.179FERRAZ JR., op.cit., p.198-200.115


ConclusãoA elaboração do debate a respeito <strong>da</strong> relação conflituosa <strong>entre</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong><strong>da</strong> CDB e aquel<strong>as</strong> do acordo TRIPS exigiu a exposição de elementosconceituais e de <strong>da</strong>dos histórico-políticos para que fossem compreendid<strong>as</strong><strong>as</strong> b<strong>as</strong>es que fun<strong>da</strong>m esta contraposição de norm<strong>as</strong>. A análise <strong>da</strong> relação<strong>entre</strong> du<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> de DIP com a importância para <strong>as</strong> relações internacionaisque têm a CDB e o acordo TRIPS não se pode limitar à observação apen<strong>as</strong>de elementos jurídicos, devendo abor<strong>da</strong>r também questões de cunho históricoe político, <strong>as</strong>sim como tem<strong>as</strong> de fundo filosófico, de forma que seja obti<strong>da</strong>uma resposta abrangente e satisfatória. A articulação dos conceitos que hojesão empregados n<strong>as</strong> relações internacionais deve ser percebi<strong>da</strong> a partir desua evolução histórico-política, porque é a relação <strong>entre</strong> os elementos quecompõem o status jurídico do objeto que ora estu<strong>da</strong>mos que mostra como obinômio diversi<strong>da</strong>de biológica/proprie<strong>da</strong>de intelectual se insere no DIPcontemporâneo e n<strong>as</strong> relações internacionais deste início de século XXI.A primeira preocupação deste trabalho foi a de determinar quais osparâmetros de avaliação empregados pelos operadores do Direito e pelosatores <strong>da</strong> cena internacional n<strong>as</strong> questões relativ<strong>as</strong> ao meio ambiente. O temaambiental evoluiu de uma abor<strong>da</strong>gem fortemente marca<strong>da</strong> pela predominânciado homem como valor central a ser observado n<strong>as</strong> decisões relativ<strong>as</strong> aomeio ambiente, o antropocentrismo, para uma visão que lhe era qu<strong>as</strong>e oposta,crítica desta centralização excessiva no homem. O ecocentrismo percebia a117


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOrelação <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de com a natureza como uma relação onde o homemera apen<strong>as</strong> mais um elemento constitutivo do meio ambiente, sendo consideradomuit<strong>as</strong> vezes nocivo, o que punha em cheque a necessi<strong>da</strong>de dedesenvolvimento econômico para a <strong>sobre</strong>vivência humana.A interpretação que hoje prevalece é aquela b<strong>as</strong>ea<strong>da</strong> na noção do homemcomo elemento integrante <strong>da</strong> natureza, m<strong>as</strong> que refuta argumentos que neguemo desenvolvimento econômico em nome de uma natureza intocável. É estepadrão de abor<strong>da</strong>gem que deve ser usado como pano de fundo para ainterpretação d<strong>as</strong> relações internacionais contemporâne<strong>as</strong> nos tem<strong>as</strong>ambientais. A fusão do valor de proteção do meio ambiente com a necessi<strong>da</strong>dede melhoria <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> do ser humano através do desenvolvimentoeconômico é o fio condutor de qualquer discussão atual <strong>sobre</strong> tem<strong>as</strong> ligadosao meio ambiente.Tal evolução na concepção d<strong>as</strong> relações do homem com a natureza pôdeser observa<strong>da</strong> na própria evolução do Direito Internacional do Meio Ambiente,cuja observação é fun<strong>da</strong>mental para percebermos a situação <strong>da</strong> CDB noDIP e como esta <strong>convenção</strong> se articula com o acordo TRIPS. Note-se que acompreensão <strong>da</strong> estruturação d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> internacionais regulador<strong>as</strong> do meioambiente também p<strong>as</strong>sa pela percepção de como foram realizados os debatespara a criação dess<strong>as</strong> norm<strong>as</strong>, pela atuação d<strong>as</strong> delegações que trabalharamjunt<strong>as</strong> na obtenção dos acordos.No c<strong>as</strong>o <strong>da</strong> CDB, a evolução do tema ambiental é fun<strong>da</strong>mental paraque se evidencie a importância crescente que a diversi<strong>da</strong>de biológicadesenvolveu com o p<strong>as</strong>sar dos anos, principalmente para esclarecer comoa condição de riqueza econômica p<strong>as</strong>sou ca<strong>da</strong> vez mais a fazer parte d<strong>as</strong>ua concepção jurídica. Os objetivos centrais <strong>da</strong> CDB, a conservação <strong>da</strong>diversi<strong>da</strong>de biológica, o uso sustentável dos seus componentes e a repartiçãojusta e equitativa dos benefícios gerados pelo uso dos recursos genéticos,devem ser interpretados à luz do direito de soberania dos países <strong>sobre</strong>seus recursos naturais e do interesse dos povos de mitigar a pobreza pormeio do desenvolvimento econômico justo e equilibrado. O reconhecimento<strong>as</strong>segurado pela CDB dos recursos genéticos como integrantes dopatrimônio dos Estados foi um grande p<strong>as</strong>so <strong>da</strong>do pelos países emdesenvolvimento na sua busca constante por relações internacionais maisequilibrad<strong>as</strong> e igualitári<strong>as</strong>.O valor econômico de tais recursos, <strong>entre</strong>tanto, está predominantementeconstituído por informações genétic<strong>as</strong> existentes em su<strong>as</strong> estrutur<strong>as</strong> celulares.118


CONCLUSÃOA obtenção de tais informações, e uso a el<strong>as</strong> <strong>da</strong>do, é fruto <strong>da</strong> produçãointelectual humana, o que remete os conhecimentos obtidos por meio derecursos genéticos à regulação d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> de proprie<strong>da</strong>de intelectual. Taisnorm<strong>as</strong>, criad<strong>as</strong> em um contexto essencialmente privatista, segundo a razãocapitalista de produção, p<strong>as</strong>sam a ter que regular um campo de reali<strong>da</strong>deque foge aos estreitos padrões <strong>da</strong> lógica individualista e indicam para umalógica de coletivi<strong>da</strong>des. A importância desta área do Direito para a manutençãodo capitalismo pós-industrial fica evidente quando observamos os esforçosde grandes potênci<strong>as</strong> econômic<strong>as</strong> em incluir est<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> no âmbito <strong>da</strong> OMC,organização que melhor encarna os valores do liberalismo econômico. Oacordo que fixou <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> de proprie<strong>da</strong>de intelectual no âmbito <strong>da</strong> OMC,o acordo TRIPS, mantém a lógica liberal e tem por marca principal estabelecerpadrões mínimos que devem ser obedecidos pelos Estados quando <strong>da</strong>elaboração de su<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> <strong>sobre</strong> proprie<strong>da</strong>de intelectual.Percebe-se, portanto, que a própria rationale de ca<strong>da</strong> um destes acordosé de caráter distinto uma <strong>da</strong> outra. Enquanto a CDB representa a luta históricados países em desenvolvimento por uma relação com os países desenvolvidosque não seja pauta<strong>da</strong> pela dependência e pela exploração econômica, <strong>as</strong>regr<strong>as</strong> do acordo TRIPS visam a manter o status quo d<strong>as</strong> relações Norte-Sul e <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de ao grau de exclusão <strong>da</strong>queles países <strong>da</strong> repartição d<strong>as</strong>riquez<strong>as</strong> do mundo.Este tipo de conflito fica claro com o debate <strong>sobre</strong> a reforma do acordoTRIPS. Enquanto os países em desenvolvimento buscam trazer elementosde renovação no sistema jurídico internacional que dêem mais segurança emais estabili<strong>da</strong>de ao sistema, por meio <strong>da</strong> proposta de criação de novosrequisitos de patenteabili<strong>da</strong>de no texto do acordo TRIPS, os paísesindustrializados insistem em manter congelad<strong>as</strong> <strong>as</strong> relações jurídic<strong>as</strong> constituíd<strong>as</strong>na Ro<strong>da</strong><strong>da</strong> Uruguai, quando foi elaborado o acordo TRIPS, como forma depreservar os benefícios que conseguiram com o tipo de regulação então criado.Os países ricos refutam a constatação, evidente, dos países emdesenvolvimento de que há uma incompatibili<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> a CDB e o acordoTRIPS e recusam alterações no texto deste acordo, argumentando ainexistência de qualquer incompatibili<strong>da</strong>de jurídica.Em termos jurídicos, a posição dos países industrializados é insustentável.Esta conclusão pode ser obti<strong>da</strong> a partir de uma análise <strong>da</strong> relação <strong>entre</strong> osdois acordos com b<strong>as</strong>e nos institutos de Direito que regulam os conflitos<strong>entre</strong> <strong>as</strong> norm<strong>as</strong>. Existe um conflito <strong>entre</strong> estes dois documentos internacionais119


ROMERO GONÇALVES MAIA FILHOque fica claro quando procedemos à uma observação mais cui<strong>da</strong>dosa d<strong>as</strong>estrutur<strong>as</strong> jurídic<strong>as</strong> existentes n<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> <strong>da</strong> CDB e do acordo TRIPS.A existência do conflito é percebi<strong>da</strong> em razão d<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> dos doisdocumentos serem uma do tipo obrigação de fazer (no c<strong>as</strong>o, a CDB, queobriga os signatários à repartição de benefícios e ao consentimento prévio einformado) e uma permissão de não fazer (no c<strong>as</strong>o, o acordo TRIPS, pormeio de uma interpretação contrariu sensu, permite que os países signatáriosnão legislem internamente tornando obrigatória a repartição de benefícios e oconsentimento prévio e informado). Seria equivalente a dizer ao ci<strong>da</strong>dãocomum que uma lei, váli<strong>da</strong> e vigente, lhe obriga a ir à praia, enquanto queoutra lei, também váli<strong>da</strong> e vigente, lhe permite não ir à praia. A contradição éevidente.O conflito <strong>entre</strong> estes dois tipos de norm<strong>as</strong> requer que o sistema jurídicoevite a instabili<strong>da</strong>de e a insegurança jurídica que dele podem n<strong>as</strong>cer atravésde certos mecanismos de solução de conflitos <strong>entre</strong> norm<strong>as</strong>. Um dessesmecanismos, a chama<strong>da</strong> lei especial, privilegia a lei que trata especificamentede um <strong>as</strong>sunto em detrimento de uma outra que trata apen<strong>as</strong> genericamentedo mesmo tema. Neste sentido, a CDB, por ser uma norma específica emrelação à proprie<strong>da</strong>de intelectual <strong>sobre</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica (o texto <strong>da</strong> CDBfala diretamente em proprie<strong>da</strong>de intelectual, enquanto que o texto do acordoTRIPS não menciona o ponto específico <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de biológica), prevalece<strong>sobre</strong> <strong>as</strong> <strong>determinações</strong> do acordo TRIPS.Entretanto, isto não significa que a norma do acordo TRIPS deva serdesconsidera<strong>da</strong> para privilegiar a incidência <strong>da</strong> norma <strong>da</strong> CDB. Para garantirque o sistema do DIP seja coeso, é importante adequar os mecanismos jáexistentes dentro do sistema para que <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> em vigor sejam corretamentecumprid<strong>as</strong>. Isto explica porque a proposta de alteração do texto do acordoTRIPS para que sejam inclus<strong>as</strong> <strong>as</strong> exigênci<strong>as</strong> <strong>da</strong> CDB é importante para oaperfeiçoamento do sistema jurídico internacional.Contrariamente ao que afirmam os países desenvolvidos, existe umacontradição <strong>entre</strong> estes dois instrumentos de direito internacional e <strong>as</strong> regr<strong>as</strong>de regulação deste tipo de conflito apontam para a prevalência <strong>da</strong> CDB<strong>sobre</strong> o acordo TRIPS. A importância do acordo TRIPS e do sistema deque faz parte explicam porque é necessário modificá-lo para que estejaconforme com <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> <strong>da</strong> CDB, garantindo a segurança jurídica do sistemainternacional e a certeza <strong>da</strong> decidibili<strong>da</strong>de de conflitos. A proposta apresenta<strong>da</strong>pelos países em desenvolvimento é o meio mais eficaz de garantir que o120


CONCLUSÃOsistema internacional se mantenha coeso e que os valores de justiça e deigual<strong>da</strong>de <strong>entre</strong> <strong>as</strong> nações seja privilegiado.121


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