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O DIREITO À PROPRIEDADE DAS TRIBOS ... - Fabsoft - Cesupa

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5Artigo 21 - Direito à propriedade privada1. Toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus bens. A lei podesubordinar esse uso e gozo ao interesse social.2. Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, salvo mediante opagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou deinteresse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei. 3A interpretação positiva deste artigo sugere esta visão patrimonialista,porém, deve-se levar em consideração que a terra, para as tribos indígenas, vaimuito além desta visão individual; eles compreendiam que a terra onde viviampertencia a toda comunidade, não tão somente a um membro da tribo. Para as tribosindígenas, a propriedade é vista como algo coletivo: todos usufruem da terra, sejapara retirar-lhe somente o necessário para a subsistência, seja para a prática derituais religiosos.O artigo 13 (2) da Convenção nº 169 da Organização Internacional doTrabalho (OIT) positiva que o conceito do “termo ‘terras’ [...] deverá incluir o conceitode territórios, o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os povosinteressados ocupam ou utilizam de alguma outra forma.” 4Com base nesse entendimento, o artigo 14 da Convenção nº 169 asseguraque o direito à propriedade das tribos indígenas deverá ser reconhecido:sobre as terras que [estas tribos] tradicionalmente ocupam. Além disso, noscasos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar odireito dos povos interessados de utilizar terras que não estejamexclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenhamtido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. 5O direito à propriedade, ao assegurar a posse e o acesso à terra, estáprotegendo o uso do território ocupado pelos povos indígenas que, além deabranger o local onde eles estabeleceram sua moradia, inclui as terras utilizadaspara o plantio, bem como os recursos que da natureza provêm, tais como, a caça, apesca, frutos, os locais de lazer e os espaços por onde se locomovem. Portanto,percebe-se que o seu direito à propriedade garante a proteção do território dos3 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos:assinada na Conferência especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, CostaRica, em 22 de novembro de 1969. [Washington], 1969.4 BRASIL. Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção n. 169 da OrganizaçãoInternacional do Trabalho – OIT sobre povos indígenas e tribais. Brasília, 2004.5 Id. Ibid.


6povos indígenas como um todo, 6 não podendo ser limitado ao espaço usado para amoradia e cultivo.Além da importância que tem o território para a subsistência da comunidadeindígena, ele torna-se parte da sua história, sua cultura, sua espiritualidade e daintegridade do povo. Portanto, para as comunidades indígenas, a sua relação com oterritório vai muito além do conceito de posse, já que a terra representa para eleselementos materiais e espirituais que deverão ser passados para as geraçõesfuturas.A Corte Interamericana e a Corte Europeia de Direitos Humanos entendemque os tratados de direitos humanos devem ser interpretados de modo que seadequem às condições de vida atuais 7e, seguindo esse entendimento, a CorteInteramericana reconhece que deve ser garantido às tribos o direito à propriedadecomunitária, como nas seguintes decisões que envolvem o direito à propriedade detribos indígenas:Caso Mayagna (Sumo) Comunidade Awas Tingni vs. Nicaragua, sentençade 31 de Agosto de 2001; Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs.Paraguai, sentença de 17 de junho de 2005; Caso da Comunidade IndígenaSawhoyamaxa vs. Paraguai, sentença de 29 de março de 2006; Caso doPovo Saramaka vs. Suriname, sentença de 28 de novembro de 2007; Casoda Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai, sentença de 24 deagosto de 2010. 8Percebe-se, pela leitura do artigo 21 da Convenção Americana, que não háuma referência expressa sobre o direito à propriedade de comunidades indígenas,nem mesmo qualquer aspecto que demonstre haver um conceito de propriedadecomunitária. Acontece que a Corte IDH não pode interpretar tal artigo, ou qualquerartigo da Convenção, de maneira a restringir o direito de outrem e, para isso, seutiliza do artigo 31 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, o qualestabelece que: “Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentidocomum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e6 INTER-AMERICAN COMMISSION ON HUMAN RIGHTS. Indigenous and tribal people’s rightsover their ancestral lands and natural resources: norms and jurisprudence of the Inter-AmericanHuman Rights Syste. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 56/09. 30 de dezembro de 2009. p. 13.7 CORTE INTERAMERICANA DE <strong>DIREITO</strong>S HUMANOS. Caso comunidade indígena Yakye Axavs Paraguai. Mérito, Reparação e Custas. Sentença de 17 de junho de 2005. (Série C, n. 125). par.125.8 Id. Ibid.


7finalidade.” 9 Também assim explana o artigo 29 (2) da Convenção Americana, quedetermina o que segue:Normas de interpretação. Nenhuma disposição da presente Convençãopode ser interpretada no sentido de: Limitar o gozo e exercício de qualquerdireito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis dequalquer dos Estados Membros ou em virtude de Convenções em que sejaparte um dos referidos Estados. 10Por conta desta limitação, a Corte, baseando-se no princípio pro homine, oqual declara que será sempre aplicável a norma que mais amplia o gozo de umdireito, 11passa a interpretar o artigo 21 da Convenção Americana de maneiraholística, abrigando tanto a propriedade privada quanto a propriedade comunitária, 12fundamentando-se na Convenção nº 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais, aqual dispõe sobre o direito à propriedade comunitária das tribos indígenas. A Corteassim afirma:Al analizar el contenido y alcance del artículo 21 de la Convención, enrelación con la propiedad comunitaria de los miembros de comunidadesindígenas, la Corte ha tomado en cuenta el Convenio No. 169 de la OIT, a laluz de las reglas generales de interpretación establecidas en el artículo 29de la Convención, para interpretar las disposiciones del citado artículo 21 deacuerdo con la evolución del sistema interamericano, habida consideracióndel desarrollo experimentado en esta materia en el Derecho Internacional delos Derechos Humanos. 13Ademais, o artigo 21 (2) prevê que ninguém poderá ser privado de usufruirseus bens. A Corte já assinalou que “bens” podem ser compreendidos como“elementos corpóreos e incorpóreos, como também qualquer outro objeto imaterialsuscetível de ter um valor”. 14Os bens corpóreos podem ser identificados noterritório indígena como sendo a própria terra usufruída e os recursos naturaisprovidos por esta, localizados tanto na superfície como no subsolo. 159 CONVENÇÃO de Viena sobre Direito dos Tratados. [S.l.], 1969.10 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos,op. cit.11 GOMES, Luiz Flávio. Direito dos direitos humanos e a regra interpretativa do pro homine.Disponível em: . Acesso em: 13 out. 2011.12 MELO, Mario. Últimos avanços na justiciabilidade dos direitos indígenas no sistema interamericanode direitos Humanos. Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, v. 3. n. 4, jun./ 2002.p. 34.13CORTE INTERAMERICANA DE <strong>DIREITO</strong>S HUMANOS. Caso comunidade indígenaSawhoyamaxa Vs. Paraguai. Mérito, Reparação e Custas. Sentença de 29 de março de 2006. (SérieC, n. 146). par. 117.14 Id. Caso da comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicarágua. Mérito, Reparação eCustas. Sentença de 31 de agosto de 2001. (Série C, n. 79). par. 144.15 INTER INTER-AMERICAN COMMISSION ON HUMAN RIGHTS. Indigenous and tribal people’srights over their ancestral lands and natural resources, op.cit. p. 13.


8Com relação aos bens incorpóreos, ou objetos imateriais, pode-se identificáloscomo sendo a religião, a cultura das tribos indígenas e sua estreita relação coma terra, pois estes elementos possuem valores morais e de extrema importância paraos indígenas, já que é por meio destes que eles se identificam como umacomunidade indígena, portanto, também devem ser protegidos.Este entendimento é amparado pelo artigo 21 da Convenção Americana, emconcordância com o pronunciamento da Corte Interamericana, que afirma que talregra também assegura o direito ao acesso à terra tradicional e aos seus recursosnaturais vinculados à cultura indígena, bem como protege os bens incorpóreosadvindos desta cultura. 16 Ou seja, a Corte já consolidou a ideia de que tanto acultura como a religião dos povos indígenas encontram-se abrangidas no artigo 21da Convenção.O direito à propriedade comunitária das tribos indígenas também pode serencontrado no artigo 23 da Declaração Americana dos Direitos e Deveres doHomem e seu texto assim positiva: “Toda pessoa tem direito à propriedade particularcorrespondente às necessidades essenciais de uma vida decente, e que contribua amanter a dignidade da pessoa e do lar.” 17 Este, como o artigo 21 da Convenção,não trata expressamente do direito à propriedade comunitária dos indígenas, massim da propriedade privada.Já foi consolidada pela Corte a noção de abrangência do artigo 21 sobre apropriedade comunitária, e o mesmo acontece com a interpretação do artigo 23 daDeclaração Americana. Para esta interpretação abrangente, deve-se levar emconsideração outro princípio, o da não-discriminação, encontrado na ConvençãoAmericana de Direitos Humanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveresdo Homem, bem como na Convenção nº169 da OIT. Baseando-se neste princípio, odireto à propriedade comunitária deverá obter uma proteção igual ao direito àpropriedade privada, logo, os Estados membros deverão implantar mecanismos na16 CORTE INTERAMERICANA DE <strong>DIREITO</strong>S HUMANOS. Caso Saramaka Vs. Suriname. ExceçõesPreliminares, Mérito, Reparação e Custas. Sentença de 28 de novembro de 2007. (Série C, n. 172).par. 88.17 DECLARAÇÃO Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Aprovada na IX ConferênciaInternacional Americana, em Bogotá, em abril de 1948. Disponível em:. Acesso em: 23 ago. 2011.


9sua legislação interna que permitam esta proteção igualitária para os direitos àpropriedade comunitária das tribos indígenas.O direito à propriedade comunitária possui um conceito coletivo, mas não émuito diferente da propriedade particular tratada no artigo 23. A Corte interpreta esteartigo de modo a não haver qualquer diferença entre os dois tipos de propriedade. Abase de tal direito é a mesma, todos os homens têm direito à propriedade para viverem condições dignas. A única diferença encontra-se no modo como os indígenaslidam com a sua propriedade. Como supracitado, os membros das comunidadesindígenas veem a terra como um bem que pertence a toda a comunidade e não aum membro da tribo, porém, cada um tem o direito subsidiário de usufruí-la e ocupála.18Além dos princípios do pro homine e da não-discriminação¸ a Corte utiliza oprincípio da efetividade como parte fundamental de interpretação dos tratados.Sugere que, quando da interpretação de um artigo a favor de tribos indígenas,devem ser levados em consideração tratados que diferenciam os membros decomunidades indígenas das outras pessoas, somente para assegurar uma “efetivaproteção que dê importância para as suas especificidades, suas característicassocioeconômicas, bem como sua situação de vulnerabilidade, suas leis, valores ecostumes”. 19Como instrumento de interpretação da Convenção Americana encontra-se aConvenção nº 169 do OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, aprovada em 1989,possuindo a assinatura de 22 países. 20 A Convenção fundamenta-se no princípio danão-discriminação, e apresenta em seus artigos: critérios para a identificação dospovos indígenas e tribais; a adoção de medidas especiais para a proteção destespovos; o reconhecimento da sua cultura, sua religiosidade e do seu modo de vida; ea importância da participação dos indígenas em questões a que se encontramrelacionados. É considerada pela própria Corte Interamericana como “um dos mais18 INTER-AMERICAN COMMISSION ON HUMAN RIGHTS. Indigenous and tribal people’s rightsover their ancestral lands and natural resources, op.cit., p. 25.19 Id. Ibid., p. 5.20 Argentina (2000); Bolívia (1991); Brasil (2002); África Central (2010); Chile (2008); Colômbia(1991); Costa Rica (1993); Dinamarca (1996); Dominica (2002); Equador (1998); Espanha (2007);Ilhas Fiji (1998); Guatemala (1996); Honduras (1995); México (1990); Nepal (2007); Holanda (1998);Nicarágua (2010); Noruega (1990); Paraguai (1993); Peru (1994); Venezuela (2002). Disponível em:. Acesso em: 21 out. 2011.


10relevantes instrumentos de direitos humanos internacional para a proteção dedireitos dos indígenas”. 21Outro instrumento muito importante é a Declaração de Direitos dos PovosIndígenas das Nações Unidas, aprovada em 13 de Setembro de 2007 por 144países. 22 Em seu contexto, encontram-se medidas que devem ser adotadas pelosEstados-membros para a implementação dos direitos dos povos indígenas,prezando pela não-discriminação destes. Entre os direitos positivados na Declaraçãoestão o direito à participação política, o acesso à terra e seus recursos naturais, odireito de auto-determinação dos indígenas, bem como o direito destes povos dedecidir sobre o seu desenvolvimento socioeconômico e político. Esta Declaração,juntamente com a Convenção nº 169 são de enorme relevância para a interpretaçãode artigos da Convenção Americana.O conteúdo destes tratados, juntamente com a própria Convenção,estabelece um forte componente para a proteção dos direitos dos povos indígenas,mais especificamente da proteção e do reconhecimento do direito à propriedadecomunitária. 23Para que essa proteção internacional tenha uma verdadeira efetividade, énecessário que os Estados membros da OEA se comprometam a promover umaproteção mais hábil aos direitos das tribos indígenas na sua legislação interna. AComissão Interamericana de Direitos Humanos já se manifestou a respeito de queos Estados membros da OEA, uma vez que assinaram e ratificaram a Convenção,devem adotar atos especiais que garantam às tribos indígenas o seu efetivo direitofundamental de viver livremente, sem limitações, seguindo os seus costumes, suacultura, de ter respeitado os seus direitos de religião, seus direitos de tradição.Corroborando tal entendimento está o artigo 2º da Convenção Americanaque, em seu texto, assegura que os seus Estados membros devem adotar medidaslegislativas em concordância com a Convenção para tornarem efetivos os direitos eliberdades previstos nesta:21 Id. Ibid.22 DECLARAÇÃO das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Rio de Janeiro, 2008.Disponível em: . Acesso em: 27 out.2011.23 Id. Ibid., p. 7.


11Artigo 2. Dever de adotar disposições de direito interno. Se o exercício dosdireitos e liberdades mencionados no "artigo 1º" ainda não estiver garantidopor disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Membroscomprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais ecom as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outranatureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos eliberdades. 24Diz-se que tais atos devem ser “especiais” por conta das grandes violaçõesde direitos humanos que os membros de comunidade sofrem. Como os indígenassão considerados minorias, a sua vulnerabilidade torna-se maior, fazendo com quemedidas de proteções especiais sejam necessárias, já que situações emergenciais,como esta do caso da comunidade N’djuka, exigem medidas emergenciais.Como já relatado anteriormente, a legislação do Estado do Suriname nãopossui instrumentos legais ou administrativos eficazes para que os membros dacomunidade N’djuka demandem sobre o seu direito à propriedade comunitária, deacordo com os seus costumes, valores e no seu uso da terra.Esta ausência de medidas apropriadas gerou um sentimento de abandononos membros da comunidade N’djuka, que já se encontram no conceito de gruposvulneráveis por serem minoria no país. Por não poderem retornar a sua terratradicional e nem ter acesso aos seus recursos naturais, os membros sobreviventesda comunidade vivem hoje em condições de pobreza, tanto no Suriname quanto naGuiana Francesa.Contudo, a impossibilidade de retornar à terra tem um peso muito maior paraos membros da tribo, pois além de não serem capazes de utilizar mais os recursosnaturais que a sua terra tradicional proporcionava, não podem mais caçar, pescar enem cultivar seus alimentos, não podem mais se reunir no seu lugar sagrado, e tudoisto, além de ser uma enorme violação ao seu direito ao acesso à terra, viola osseus direitos à vida digna, a integridade da comunidade como um todo.Para tanto, os Estados membros, para garantir uma proteção especial dosdireitos dos indígenas, devem revisar sua legislação para que estes se destaquemde acordo com as normas estabelecidas nos instrumentos internacionais deproteção de Direitos Humanos, especialmente o direito à propriedade dos indígenas.Porém, inobstante a criação de instrumentos que regulem sobre o direito dos24 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos,op. cit.


12indígenas, principalmente os relacionados ao direito à propriedade, é imperioso queestes instrumentos sejam eficientes (mais uma vez percebe-se a influência doprincípio da efetividade) e para tal, os Estados devem instituir ações que assegurema eficácia dos instrumentos e a proteção destes direitos. 25Logo, para que a comunidade N’djuka possa ter seu direito assegurado, énecessário que o Suriname estabeleça um mecanismo eficaz de defesa de direitosdos indígenas, seja ele legal ou administrativo, e adote medidas que permitam queos mecanismos se tornem realmente eficientes, tudo de acordo com os artigos daConvenção Americana em conjunto com os instrumentos de Direitos Humanossupracitados.A Corte segue o entendimento de que os direitos das tribos indígenasmerecem uma proteção diferenciada, mais específica, principalmente no queconcerne ao direito à propriedade comunitária, e afirma que a leitura do artigo 21 daConvenção, em conjunto com os artigos 1(1) e 2 deste instrumento normativo,obriga os Estados membros a adotarem as medidas especiais necessárias paragarantir que os indígenas exerçam os seus direitos sobre o seu territóriotradicional. 26As tribos indígenas têm o direito de ver a lei implementada e aplicada naprática, especialmente em relação aos seus direitos ao território, 27 pois somente aletra da lei afirmando que os indígenas têm o direito à propriedade não significamuita coisa se esta lei não for aplicada, ou seja, deve-se demarcar o territórioindígena para que haja a verdadeira proteção especial deste direito. A demarcação,o reconhecimento e o registro do território tradicional indígena são medidasessenciais para que haja a sobrevivência da sua cultura e para manter a integridadeda comunidade indígena. 28Estas medidas são realizadas para garantir que a propriedade destas terrasesteja vinculada aos indígenas. Os organismos do Sistema Interamericano vêmadotando a opinião de que os direitos da Convenção Americana são violados25 INTER-AMERICAN COMMISSION ON HUMAN RIGHTS. Indigenous and tribal people’s rightsover their ancestral lands and natural resources, op.cit., p. 14.26 Id. Ibid., p. 19.27 Id. Ibid., p. 15.28 Id. Ibid, p. 21.


13quando as comunidades indígenas são impossibilitadas de conseguir o título deregistro da propriedade, e são impedidas de retornar a sua terra.Todavia, deve-se levar em consideração que não são os títulos de registroque garantem o direito à propriedade comunitária das comunidades, mas sim aposse permanente do território ocupado tradicionalmente por estas comunidades. Ajurisprudência da Corte é muito clara ao afirmar que o direito à propriedade nãonasce do reconhecimento desta, mas sim do uso e da posse tradicional do territórioe de seus recursos naturais, já que os territórios tradicionais pertencem àscomunidades pelo seu uso e pela sua ocupação antiga. 29Aqui, percebe-se que o conceito patrimonialista do direito à propriedade ésuperado, passando a ser utilizado o seu conceito holístico, no qual não énecessário o animus domini para se conseguir o título de propriedade, mas apenas aposse para fins de moradia, de sobrevivência e cultural das comunidadesindígenas. 30A Corte já afirmou, em sua jurisprudência, que a posse tradicional dascomunidades indígenas sobre suas terras outorga o seu direito de exigir um título depropriedade dado pelo Estado, sendo este título equivalente à posse tradicional.Ademais, como no caso da comunidade N’djuka, membros de comunidadesindígenas que foram forçosamente deslocados e destituídos da posse de suas terrasmantêm o seu direito à propriedade, mesmo que eles não possuam um título legalde propriedade. Logo, a Corte entende que a posse direta não é um requisitocondicionante para que a comunidade recupere suas terras tradicionais. 314 CONCLUSÃOO caso da comunidade N’djuka foi apenas um dos muitos em que a CorteInteramericana de Direitos Humanos se pronunciou sobre a violação do artigo 21 daConvenção Americana de Direitos Humanos. A Corte sentenciou o Estado doSuriname a indenizar por danos morais e materiais os membros sobreviventes da29 Id. Ibid., p. 26.30 ROCHA, Ibraim et al. Manual de direito agrário constitucional: lições de direito agroambiental.Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 90.31CORTE INTERAMERICANA DE <strong>DIREITO</strong>S HUMANOS. Caso comunidade indígenaSawhoyamaxa Vs. Paraguai, op. cit., par. 128.


14comunidade, que fosse dado à comunidade os títulos de propriedade do seuterritório, garantias de segurança para os membros que retornarem a viver na aldeiade Moiwana, mas isso não vai retirar desta comunidade a ferida que foi abertaquando houve o massacre.A perda da sua identidade, da sua cultura, da sua religiosidade quando osmembros sobreviventes do massacre de 1986 foram deslocados para outra parte dopaís e até mesmo para outro país, foi um golpe muito forte na vida dessas pessoas.Mas, principalmente, o fato de eles não poderem retornar para a sua terra, tornou-sealgo desgastante para os membros da comunidade N’djuka, já que o seu territóriotradicional significa muito mais do que apenas um lugar para morar e sobreviver.O caso da aldeia de Moiwana e outros sentenciados na Corte, apresentamum novo modo de se observar o direito à propriedade, que é a propriedadecomunitária das comunidades indígenas. Apesar de ser comunitária, não difere dodireito à propriedade privada, pois ambos se fundamentam na mesma tese de quetodos têm o direito de usufruir seus bens sem limitações. Mas, apesar desteentendimento encontrar-se solidificado nas jurisprudências da Corte, ainda existemlacunas na própria Convenção, impedindo que tal direito seja realmente consolidado.Para resolver este problema, a Comissão Interamericana de DireitosHumanos, em 1997, durante sua nonagésima quinta sessão, aprovou o projeto paraa realização da Declaração Americana Sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Noano de 1999, houve uma reunião dos membros da OEA com profissionaisespecializados no assunto, e decidiram convidar diversas comunidades indígenaspara participar da confecção da nova Declaração. As revisões textuais se iniciaramem 2006, juntamente com as negociações sobre o conteúdo, que estão ocorrendoaté os dias de hoje. 32Espera-se que esta Declaração traga uma proteção mais eficaz para osdireitos das comunidades indígenas, em especial o seu direito à propriedadecomunitária.32 INTER-AMERICAN COMMISSION ON HUMAN RIGHTS. Indigenous and tribal people’s rightsover their ancestral lands and natural resources, op.cit., p. 8.


15REFERÊNCIASBRASIL. Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção n. 169da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre povos indígenas e tribais.Brasília, 2004. Disponível em: . Acesso em: 2 ago. 2011.CONVENÇÃO de Viena sobre Direito dos Tratados. [S.l.], 1969. Disponível em:. Acesso em: 28 set. 2011.CORTE INTERAMERICANA DE <strong>DIREITO</strong>S HUMANOS. Caso comunidadeindígena Yakye Axa vs Paraguai. Mérito, Reparação e Custas. Sentença de 17de Junho de 2005. (Série C, n. 125).______. Caso comunidade indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguai. Mérito,Reparação e Custas. Sentença de 29 de março de 2006. (Série C, n. 146).______. Caso da comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicarágua.Mérito, Reparação e Custas. Sentença de 31 de agosto de 2001. (Série C, n. 79).______. Caso Saramaka Vs. Suriname. Exceções Preliminares, Mérito, Reparaçãoe Custas. Sentença de 28 de novembro de 2007. (Série C, n. 172).______. Caso comunidade indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguai. Mérito,Reparação e Custas. Sentença de 29 de março de 2006. (Série C, n. 146).DECLARAÇÃO Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Aprovada na IXConferência Internacional Americana, em Bogotá, em abril de 1948. Disponível em:. Acesso em: 23 ago. 2011.DECLARAÇÃO das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Rio deJaneiro, 2008. Disponível em:. Acesso em: 27 out.2011.GOMES, Luiz Flávio. Direito dos direitos humanos e a regra interpretativa dopro homine. Disponível em: . Acesso em: 13 out.2011.INTER-AMERICAN COMMISSION ON HUMAN RIGHTS. Indigenous and tribalpeople’s rights over their ancestral lands and natural resources: norms andjurisprudence of the Inter-American Human Rights Syste. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 56/09.30 de dezembro de 2009. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2011.


16MELO, Mario. Últimos avanços na justiciabilidade dos direitos indígenas no sistemainteramericano de direitos Humanos. Revista Internacional de Direitos Humanos,São Paulo, v. 3. n. 4, jun./ 2002. Disponível em:. Acesso em: 23 set. 2011.ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana deDireitos Humanos: assinada na Conferência especializada Interamericana sobreDireitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969.[Washington], 1969. Disponível em:. Acesso em:28 set. 2011.ROCHA, Ibraim et al. Manual de direito agrário constitucional: lições de direitoagroambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2010.


⃰17APÊNDICE A – FICHAMENTOCASO DA COMUNIDADE MOIWANA VS. SURINAME DA CORTE1 ATORES ENVOLVIDOS1.1 RÉU - ESTADO DO SURINAMEINTERAMERICANA DE <strong>DIREITO</strong>S HUMANOS ⃰O Suriname é uma ex-colônia da Holanda e conseguiu sua independênciaem 1975. Foi governado por um regime militar nos anos 1980 até que a democraciafoi restabelecida em 1988. No ano de 1987, no dia 12 de novembro, o Estado doSuriname tornou-se signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos,reconhecendo de imediato à competência da Corte Interamericana de DireitosHumanos.1.2 PETICIONÁRIOS - COMUNIDADE MOIWANA (ORGANIZAÇÃO DE <strong>DIREITO</strong>SHUMANOS MOIWANA ’86)Durante a colonização européia no século XVII uma grande quantidade deafricanos foi levada para o território hoje pertencente ao Suriname, onde foramforçados a trabalhar como escravos nas plantações. Porém, muitas dessas pessoasfugiram para as florestas da parte oriental do Suriname onde estabeleceramcomunidades autônomas. Por conta da sua tonalidade de pele mais escura, eles seautodenominaram Maroons. Ao longo dos anos, os Maroons se dividiram em seisgrupos diferentes: os N’djuka, os Matawai, os Saramaka, os Kwinti, os Paamaka, eos Boni ou Aluku.Em 1760 foi firmado um tratado com a comunidade N’djuka no qual oEstado os liberava da condição de escravos. Esse tratado foi renovado em 1837,com um adendo que permitia aos N’djuka continuar residindo no território ondehaviam estabelecido moradia, além de demarcar os limites desta área.A comunidade N’djuka possui diversos clãs que se encontram dispersos emvárias aldeias dentro do próprio território da comunidade. No final do século XIX, osN’djuka fundaram a aldeia de Moiwana, que se tornou território tradicional para aspráticas da caça, agricultura e pesca.2 ARTIGOS VIOLADOSCORTE INTERAMERICANA DE <strong>DIREITO</strong>S HUMANOS. Caso da Comunidade indígena de Moiwana vs.Suriname. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 15 de junho de 2005. Serie C Nº124.


18O Estado do Suriname violou os seguintes artigos da Convenção Americanade Direitos Humanos: Artigo 5.1(Direito à integridade pessoal); artigo 22 (Direito decirculação e de residência); artigo 21 (Direito à propriedade privada); 8.1 (Garantiasjudiciais.) e artigo 25 (Proteção judicial). Todos esses artigos foram violados emrelação ao artigo 1.1 (Obrigação de respeitar os direitos) também da ConvençãoAmericana.3 NARRATIVA DOS FATOSO caso relata o massacre da comunidade N’djuka Maroon de Moiwana em29 de novembro de 1986 por membros das forças armadas do Suriname. Ossoldados invadiram e destruíram a aldeia de Moiwana, além de massacrarem maisde 40 homens, mulheres e crianças. Os membros da comunidade que conseguiramescapar fugiram para as florestas ao redor da aldeia, onde alguns membrossobreviventes se refugiaram na Guiana Francesa e outros foram deslocadosforçosamente para a capital do Suriname.Até a data da apresentação da demanda, supostamente não havia sido feitauma investigação adequada sobre o massacre. Não houve julgamento dos culpadose estes não sofreram qualquer penalidade. Os membros sobreviventespermaneceram deslocados de suas terras e tornaram-se incapazes de retornar àsua aldeia e ao seu estilo de vida tradicional.O presente caso foi apresentado perante a Corte no dia 20 de dezembro de2002.4 ALEGAÇÕES PRELIMINARESEm sua defesa, o Estado do Suriname fez as seguintes alegaçõespreliminares:4.1 PRIMEIRA ALEGAÇÃO: A Corte não possui a competência ratione temporis,pois a Convenção Americana não se aplica a República de Suriname no presentecaso;4.1.1 Alegações da Comissão: a Corte possui plena competência sobre todos osatos e omissões de Suriname ocorridos depois do dia 12 de novembro de 1987.4.1.2 Alegações dos representantes: as violações alegadas perante a Corte sãode natureza continuada, e que o objeto da demanda foram ações e omissões doEstado após o fato ter se consumado.


194.1.3 Considerações da Corte: a Corte não deu provimento a esta alegaçãopreliminar por entender que no caso concreto, apesar do ataque ter ocorrido em1986, as violações contra os direitos dos membros da comunidade possuíamnatureza continuada. Com a omissão do Estado, ele tornou-se responsável pelaviolação dos direitos, e a Corte tem plena competência para julgar as suas ações eomissões, que ocorreram depois de 12 de dezembro de 1987.4.2 SEGUNDA ALEGAÇÃO: Os peticionários não esgotaram os recursos internos deacordo com o Regulamento da Comissão Americana e a Convenção Americana;4.2.1 Alegações da Comissão: o Estado não respondeu aos argumentosapresentados pelos peticionários durante a oportunidade processual adequada.Logo, o Suriname de forma tácita renunciou ao seu direito de objetar a falta decumprimento de requisitos tais como o esgotamento de recursos internos, emconformidade com o artigo 46 da Convenção, em virtude do princípio de estoppel.4.2.2 Alegações dos representantes: os representantes alegaram que buscaramauxilio no judiciário do Suriname, mas não obtiveram nenhum resultado.4.2.3 Considerações da Corte: a Corte não deu provimento a esta preliminaralegando que a exceção dos esgotamentos dos recursos internos tem de serapresentada nas primeiras etapas do processo, caso o contrário, presume-se a suarenúncia tácita. O Estado ao afirmar que não foram esgotados todos os recursosinternos tem a obrigação de demonstrar quais recursos eram cabíveis ao caso e suaeficácia, o que não ocorreu.4.3 TERCEIRA ALEGAÇÃO: Devido ao atraso da Comissão em apresentar ademanda, a Corte carece de competência, em conformidade com o artigo 51.1 daConvenção,4.3.1 Alegações da Comissão: afirmou que o caso foi apresentado emconcordância com as disposições e práticas aplicáveis. Alegou que o Estadosolicitou prorrogação do prazo e que caso não fosse possível alcançar uma soluçãoamistosa, a Comissão poderia levar o caso para a Corte.4.3.2 Alegações dos representantes: os representantes não se manifestaram.4.3.3 Considerações da Corte: a Corte sustentou que a Comissão cumpriu o prazopara a apresentação do caso dentro dos conformes do acordo que realizou com oEstado, já que o prazo da segunda prorrogação terminava exatamente no dia 20 de


20dezembro de 2002. Por essas razões a Corte rechaçou a presente exceçãopreliminar.4.4 QUARTA ALEGAÇÃO: Em seu informe de fundo N° 35/02 a Comissão concluiuoutras violações diferentes daquelas pelas quais foi admitido o caso;4.4.1 Alegações da Comissão: alegou que o fato de o peticionário não ter alegadouma violação em particular, não significa que a Comissão e a Corte não podemconsiderar uma violação por si mesmas, em conformidade com o princípio iura novitcúria.4.4.2 Alegações dos representantes: os representantes não se manifestaram.4.4.3 Considerações da Corte: a Corte sustentou que faz parte da sua funçãointerpretar a Convenção Americana, e que as considerações da Comissão sobre assupostas violações da Convenção Americana não são vinculadas a decisão daCorte. Dessa forma, essa preliminar também não foi acatada.4.5 QUINTA ALEGAÇÃO: A Comissão não apresentou todas as partes pertinentesda denúncia ao Estado, tal como está estabelecido no artigo 42 de seu regimento.4.5.1 Alegações da Comissão: afirmou não saber quais foram as partespertinentes que deixaram de ser enviadas ao Estado e que, como não houverespostas às solicitações da Comissão, essa não sabia como o direito de defesa doEstado tinha se comprometido.4.5.2 Alegações dos representantes: os representantes não se manifestaram.4.5.3 Considerações da Corte: entendeu que quando o Estado do Surinamedecidiu não exercer seu direito de defesa perante a Comissão no momento dasoportunidades processuais apropriadas, Estado não tem o direito de interpor talexceção perante a Corte.5 FUNDAMENTAÇÃO <strong>DAS</strong> ALEGAÇÕES JUNTO <strong>À</strong> CORTE INTERAMERICANADE <strong>DIREITO</strong>S HUMANOS <strong>DAS</strong> QUESTÕES DE MÉRITO PRÓ-ESTADO E PRÓ-VÍTIMAS.5.1 VIOLAÇÃO DO ARTIGO 5 DA CONVENÇÃO AMERICANA (<strong>DIREITO</strong> AINTEGRIDADE PESSOAL) EM RELAÇÃO AO ARTIGO 1.1 DA MESMA(OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR OS <strong>DIREITO</strong>S)As seguintes alegações foram apresentadas:5.1.1 Alegações dos representantes: alegaram que o Estado violou o direito àintegridade pessoal, pelo fato das vítimas terem passado por um sofrimento físico e


21psicológico de maneira contínua, sem que o Estado tomasse providencias pararesolver o caso, deixando-o impune. Sustentaram ainda que as vítimas sofriam pornão poderem sepultar os seus mortos de forma digna, de acordo com a sua cultura,e pelo fato de estarem, forçadamente, separados de suas terras que significam abase de sua cultura e de seu bem-estar espiritual.5.1.2 A comissão e o estado não se manifestaram quanto a essa alegação.5.2 VIOLAÇÃO DO ARTIGO 22 (<strong>DIREITO</strong> DE CIRCULAÇÃO E RESIDÊNCIA)As seguintes alegações foram apresentadas:5.2.1 Alegações dos representantes: apesar destes não terem alegadoexpressamente a violação deste artigo, eles afirmam que as vítimas foram privadasde seus meios de subsistência devido à saída forçada de suas terras ancestrais e acontinuada impossibilidade de regressar a elas. Por conta deste obstáculo, osmembros sobreviventes vivem em condições de extrema pobreza.5.2.2 A Comissão não se manifestou expressamente sobre esse ponto.5.2.3 Alegações do Estado: não se manifestou expressamente sobre a violaçãodeste direito, porém, o Estado afirma que os sobreviventes do ataque à aldeia deMoiwana tinham o direito de se movimentar livremente por todo o país e que ogoverno de Suriname não recebeu nenhuma informação que diga respeito àspossíveis intimidações sofridas por eles e às violações de seus direitos.5.3 VIOLAÇÃO DO ARTIGO 21 (<strong>DIREITO</strong> <strong>À</strong> <strong>PROPRIEDADE</strong>)As seguintes alegações foram apresentadas:5.3.1 Alegações dos representantes: alegaram que a violação ao direito depropriedade possui natureza continuada. Os representantes afirmam, ainda, que asvítimas continuam sendo privadas de seus direitos à propriedade em conseqüênciada sua legislação não reconhecer o direito à propriedade comunitária, além do fatode que o Estado do Suriname não possui mecanismos legais e administrativoseficazes para que as vítimas assegurem seus direitos a terra em conformidade comas suas normas baseadas nos costumes, valores e usos da comunidade N’djuka.5.3.2 Alegações da Comissão: a Comissão não se manifestou expressamentesobre a questão.5.3.3 Alegações do Estado: o Estado não apresentou considerações.5.4 VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 8 E 25 DA CONVENÇÃO AMERICANA(GARANTIAS JUDICIAIS E PROTEÇÃO JUDICIAL)


22As seguintes alegações foram apresentadas:5.4.1 Alegações da Comissão: as vítimas não tiveram oportunidade de invocar eexercitar seus direitos a um recurso judicial simples, rápido e efetivo para a proteçãode seus direitos, devido à falta de um recurso eficiente. Também não houve umainvestigação efetiva e adequada sobre o massacre e os responsáveis não forampunidos. A Comissão afirmou que a obrigação do Estado de proporcionar proteçãojudicial não é simplesmente de ter em sua legislação recursos legais, mas sim,garantir que tais recursos assegurem uma proteção judicial efetiva.5.4.2 Alegações dos representantes: afirmam que as provas apresentadas perantea Corte demonstram a vontade das vitimas de buscarem justiça, para tanto seutilizaram diversas vezes de recursos jurídicos, mas suas intenções de obter justiçaforam ignoradas. Disseram ainda, que o Estado do Suriname obstou a justiçatambém através da Lei da Anistia de 1989.5.4.3 Alegações do estado: alega que deu iniciou a uma investigação penal queainda em trâmite. Ademais, afirma que houve falta de vontade e nem de capacidadedo Estado para investigar, julgar e sancionar aqueles que supostamente violaram osdireitos dos habitantes da aldeia de Moiwana. De acordo com o Estado, apesar dasvítimas terem requerido do governo uma investigação penal independente, elas nãoiniciaram um procedimento civil.O Estado também alega que em 2002 foi aberta uma investigação penal,sobre o acontecido no dia 29 de novembro de 1986, e está procedimento está emconformidade com as normas legais nacionais para julgar e condenar os culpados.Argumentou ainda que a Lei de Anistia não viola os direitos das vítimas.6 PARECER EMITIDO PELA CORTE E SUAS ALEGAÇÕESA Corte emitiu considerações para cada um dos artigos consideradosviolados.Com relação ao artigo 5, a Corte concluiu que houve a sua violação porparte do Estado do Suriname, uma vez que, de acordo com os fatos provados, opovo da aldeia de Moiwana não teve a oportunidade de realizar os devidos rituaisfúnebres em honra de seus entes mortos durante o massacre, e que esses rituais,quando não realizados, geram uma transgressão moral profunda, provocando ainquietação do espírito da pessoa que morreu, além de ofender a outros ancestrais.A Corte considerou também que as pessoas da comunidade N’djuka ao serem


23impedidas de retornar a sua terra tradicional, sofreram privações e vivem emcondições de pobrezas haja vista a impossibilidade de desenvolver suas formastradicionais de subsistência e cultural. Salientou ainda que a terra tem para eles umvalor espiritual, cultural e material, muito além de um sentimento de posse. Pelo fatodas vítimas terem sofrido de maneira psicológica e econômica, a Corte decide que oEstado violou o artigo 5 da Convenção.Sobre o artigo 22, a Corte entendeu que o Estado não estabeleceucondições, nem os meios que permitiriam aos membros da comunidade regressarvoluntariamente às suas terras tradicionais, de forma segura e com dignidade, hajavista que não havia nenhuma garantia de que os seus direitos humanos seriamrespeitados, principalmente os seus direitos à vida e à integridade pessoal. Ao nãoestabelecer tais condições, o Suriname não garantiu aos membros da comunidadeseus direitos de circulação e residência. A Corte alega, ainda, que Estado impediuque os membros da comunidade que se encontravam na Guiana Francesaregressassem e permanecessem no país. Por todo o exposto, a Corte estabeleceque o Estado violou o artigo 22 da Convenção.No que concerne ao artigo 21, a Corte emitiu as suas consideraçõesdefinindo, primeiramente, que a aldeia de Moiwana, de fato, pertencia aos membrosda comunidade, nos conformes do conceito amplo de propriedade desenvolvido pelajurisprudência da Corte. Nesse sentido, a Corte entende que em casos decomunidades indígenas que carecem de um título formal de propriedade, apossessão da terra é o suficiente para que elas obtenham o reconhecimento oficialsobre a terra.Sustentou, também, que mesmo que os habitantes da aldeia de Moiwananão sejam originários daquela região, o tratamento jurídico dado aos povosnômades deve ser estendido a eles haja vista a relação que eles possuem para comterra na qual habitam.Por impedir que os membros da comunidade utilizassem a sua terratradicional, a Corte considera que o Estado do Suriname violou o artigo 21 daConvenção.Em se tratando dos artigos 8 e 25, a Corte afirma que apenas certos atosinvestigativos foram realizados pelo Estado desde o massacre de 29 de novembrode 1986 e apresentou uma posição de indiferença, mesmo com os constantes


24pedidos de investigações referentes às violações de direitos durante o regime militar.Entendeu que fatos provados mostraram que as vítimas, em sua busca por justiça,foram hostilizadas.Em resposta ao massacre ocorrido em novembro de 1986, o Estado deveriater aberto uma investigação e um processo judicial efetivo, que pudesse apurar osfatos e responsabilizar os culpados de maneira eficaz.Sobre a questão da lei da Anistia, a Corte afirmou nenhuma lei interna dopaís pode impedir o cumprimento das decisões da Corte Interamericana sobre ainvestigação e a sanção dos responsáveis pelas violações de direitos humanos.Pelo fato do Estado ter realizado uma investigação penal insuficiente e semresultado sobre o ataque à aldeia de Moiwana, por ter impedido que as vítimasalcançassem justiça, por todo o procedimento ter durado anos sem uma solução esem que os responsáveis fossem penalizados, a Corte considera que houve aviolação dos artigos 8 e 25 da Convenção.7 SENTENÇA PROFERIDA1- Condenação do Estado do Suriname a pagar indenização por danos materiais, naquantia de US$ 3.000,00, para cada uma das vítimas (indicadas nos parágrafos 180e 181 da sentença);2- Condenação do Estado do Suriname a pagar indenização por danos imateriais,na quantia de US$10.000,00 a cada uma das vítimas (indicadas nos parágrafos 180e 181 da sentença);3- Estado do Suriname tem obrigação de investigar os fatos do caso, identificar,julgar e sancionar os responsáveis, assim como recuperar os restos mortais dosmembros da comunidade que faleceram em 1986;4- Estado do Suriname tem obrigação de assegurar o direito de propriedade dosmembros da comunidade;5- Criação de um fundo estatal de desenvolvimento no montante deUS$1.200.000,00 destinados a programas de educação e saúde dos membros dacomunidade;6- O Estado do Suriname foi condenado a pedir desculpas de forma pública pelosseus atos, responsabilizado internacionalmente e obrigado a construir ummonumento em homenagem aos habitantes da aldeia de Moiwana.

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