12.07.2015 Views

O auto-retrato fotográfico na obra de Geraldo de Barros - CBHA

O auto-retrato fotográfico na obra de Geraldo de Barros - CBHA

O auto-retrato fotográfico na obra de Geraldo de Barros - CBHA

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

XXIV Colóquio <strong>CBHA</strong><strong>Geraldo</strong> <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> iniciou sua formação por volta <strong>de</strong> 1945 nos ateliês <strong>de</strong> Colette Pujol, umapintora que se <strong>de</strong>dicava, sobretudo, às paisagens e permanecia fiel aos postulados impressionistas; <strong>de</strong>Clóvis Graciano, membro do Grupo Santa Hele<strong>na</strong> que se <strong>de</strong>stacava pelo traço expressionista, e <strong>de</strong>Yoshyia Takaoka, que trabalhava a figuração com gestos soltos e se <strong>de</strong>dicava, principalmente, à pintura<strong>de</strong> casarios e <strong>auto</strong>-<strong>retrato</strong>s.Por volta <strong>de</strong> 1947, junto <strong>de</strong> Takaoka, Flávio Shiró, Ataí<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> e Antônio Carelli, <strong>Geraldo</strong> <strong>de</strong><strong>Barros</strong> participou da criação do Grupo dos XV, uma associação <strong>de</strong> artistas plásticos que dividia as<strong>de</strong>spesas com mo<strong>de</strong>los e o aluguel <strong>de</strong> uma sala no centro <strong>de</strong> São Paulo. 5 A orientação predomi<strong>na</strong>ntenesse grupo era também o expressionismo. Em fevereiro <strong>de</strong> 1948, <strong>Geraldo</strong> e Ataí<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> montaramsua primeira exposição <strong>de</strong> pinturas no hall <strong>de</strong> entrada do Teatro Municipal <strong>de</strong> São Paulo. A produção <strong>de</strong><strong>Geraldo</strong> recebeu o seguinte comentário do crítico Osório César:O seu temperamento é irrequieto. Nos seus nus sente-se uma certa violência <strong>de</strong> técnica e no conjunto<strong>de</strong> seus trabalhos uma acentuada <strong>de</strong>sarmonia <strong>de</strong> estilo. A sua inquietação é gran<strong>de</strong> e por isso não sepo<strong>de</strong> saber agora o caminho que <strong>de</strong>ve tomar a sua pintura. Nota-se que a maioria <strong>de</strong> seus óleos estáinfluenciada <strong>na</strong> pintura <strong>de</strong> Mick (...) Estamos certos <strong>de</strong> que pouco a pouco se <strong>de</strong>svencilhará <strong>de</strong>ssasinfluências e criará um estilo próprio. 6Conforme <strong>de</strong>poimentos do artista 7 , a partir <strong>de</strong> 1948 as referências que passaram a interferir noseu trabalho se multiplicaram, o que o levou a uma intensa e diversificada experimentação formal <strong>na</strong>sdiversas técnicas com que trabalhava: o <strong>de</strong>senho, a gravura, a pintura e a fotografia.<strong>Barros</strong> fez parte da geração que freqüentou assiduamente os eventos promovidos pelo Museu<strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> São Paulo, i<strong>na</strong>ugurado em 1947 e pelo Museu <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo, que teve suaabertura oficial em 1949, mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano anterior já estava em ativida<strong>de</strong>. Além <strong>de</strong> exposições inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is,essas duas instituições promoviam uma agenda intensa com cursos, palestras e <strong>de</strong>bates emtorno dos princípios da arte mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>, sendo que a ênfase das discussões se dava <strong>na</strong>s dicotomias entrefiguração e abstração.Segundo <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> em jor<strong>na</strong>is, em torno <strong>de</strong> 1947 ele passou a freqüentar o setor<strong>de</strong> artes da Biblioteca Municipal <strong>de</strong> São Paulo. Conforme o acervo <strong>de</strong>sta instituição, nessa época abiblioteca já contava com diversos títulos sobre arte mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>, incluindo álbuns específicos a propósitodos trabalhos <strong>de</strong> Paul Klee, Man Ray e Lazsló Moholy-Nagy. 8 <strong>Barros</strong> <strong>de</strong>clarava abertamente a importânciada poética <strong>de</strong> Paul Klee em seu trabalho, o que po<strong>de</strong> ser observado, sobretudo, em suas experiênciashíbridas combi<strong>na</strong>ndo <strong>de</strong>senho, gravura e, algumas vezes, fotografia. Segundo o artista, foi através <strong>de</strong>Klee que conheceu a Bauhaus e a abstração geométrica:Estudando a vida <strong>de</strong> Klee, soube que foi professor da Bauhaus. E fui estudar o que foi a Bauhaus. Entãotomei conhecimento <strong>de</strong> Gropius, que foi diretor da Bauhaus. E com Gropius comecei a perceber asreferências ao <strong>de</strong>senho industrial. 95Assim como Takaoka e Shiró, outros membros do Grupo dos XV faziam parte também do Grupo Seibe, uma associação <strong>de</strong>artistas <strong>de</strong> origem nipônica em São Paulo.6CÉSAR, Osório. Exposição <strong>Geraldo</strong> e Athay<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Barros</strong>. Folha da Noite, São Paulo, 11 fev. 1948.7BARROS, <strong>Geraldo</strong> <strong>de</strong>. Itinerários. Diário <strong>de</strong> São Paulo, 14 jul. 1979. ZANINI, Walter. <strong>Geraldo</strong> <strong>de</strong> <strong>Barros</strong>: Jovem Pesquisador, corpoe alma integrados <strong>na</strong> formulação da arte viva: <strong>de</strong> Klee à pintura concreta. Impressões ligeiras <strong>de</strong> sua viagem à Europa. Jor<strong>na</strong>l OTempo, São Paulo, 08 mar. 1953.8Nos arquivos da Biblioteca Municipal Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, que até 1960 chamava-se Biblioteca Municipal <strong>de</strong> São Paulo, constaque em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1947, por exemplo, a biblioteca possuía um exemplar do catálogo da exposição In memoriam LazslóMoholy-Nagy, que havia ocorrido em Nova Iorque entre os meses <strong>de</strong> maio e julho daquele mesmo ano em home<strong>na</strong>gem a esseartista, falecido no ano anterior. Além <strong>de</strong>sse material, o álbum Photographs by Man Ray foi adquirido pela biblioteca em 1943 eo livro The new vision: fundamentals of <strong>de</strong>sign, painting, sculpture, architecture, da série Bauhaus Books, <strong>de</strong> <strong>auto</strong>ria <strong>de</strong> LazslóMoholy-Nagy, foi doado ao acervo em 1945.9BARROS. Op. cit.2 · Heloisa Espada Rodrigues Lima


XXIV Colóquio <strong>CBHA</strong>Além do contato com livros e <strong>de</strong> freqüentar os <strong>de</strong>bates promovidos pelo MASP e pelo MAM emtorno da arte abstrata, <strong>Barros</strong> se aproximou do i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> forma autônoma e universal que caracteriza aslinguagens construtivas através do crítico Mário Pedrosa e da teoria da Gestalt, que conheceu tambémpor volta <strong>de</strong> 1948. O encontro com a <strong>obra</strong> <strong>de</strong> Max Bill em 1950 foi outro fator que o levou a buscaruma arte que comunicasse <strong>de</strong> maneira precisa e objetiva, o que <strong>de</strong>terminou sua participação no movimentoconcretista paulistano.A fotografia, <strong>Geraldo</strong> <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> conheceu enquanto ainda estudava pintura no ateliê <strong>de</strong> Takaokaatravés do colega Ataí<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Barros</strong>, que <strong>de</strong>sejava tor<strong>na</strong>r-se fotógrafo profissio<strong>na</strong>l. Em seguida, no ateliêdo Grupo dos XV, eles montaram um laboratório <strong>fotográfico</strong>. Em 1949, já com alguma experiência <strong>na</strong>área, o artista associou-se ao Foto Cine Clube Ban<strong>de</strong>irante que era, <strong>na</strong> época, o principal centro <strong>de</strong><strong>de</strong>bate sobre fotografia em São Paulo. Neste mesmo ano, <strong>Barros</strong> freqüentava também o ateliê <strong>de</strong>gravura do MASP e foi então convidado para lá montar um laboratório <strong>fotográfico</strong>. As experiências <strong>de</strong>ssafase resultaram <strong>na</strong> exposição Fotoformas apresentada em 1950 nesse museu. 10Muitos dos procedimentos utilizados <strong>na</strong> elaboração das Fotoformas <strong>de</strong>rivam do <strong>de</strong>senho e dagravura. Produzido num período <strong>de</strong> intensa experimentação técnica e formal, o conjunto <strong>de</strong>monstra ocontato <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> com diversos nomes da arte mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>. Essa exposição foi <strong>de</strong>dicada a Pablo Picasso econtinha fotos em home<strong>na</strong>gem ao pintor Paul Klee, ao poeta Ezra Pound e ao compositor Igor Stravinsky. 11Além <strong>de</strong>stas referências explícitas à arte mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>, como já observou a pesquisadora HelouiseCosta, durante esse período, <strong>Barros</strong> passou em revista praticamente todos os procedimentos utilizadospela fotografia mo<strong>de</strong>rnista. 12 Ele trabalhou tanto com uma “fotografia direta” (aquela on<strong>de</strong> a composiçãoé construída ape<strong>na</strong>s através do posicio<strong>na</strong>mento do fotógrafo em relação ao seu assunto) quantoelaborou imagens por meio <strong>de</strong> sobreposições, montagens e/ou riscos no negativo. Entre essas interferências,<strong>de</strong>staca-se o uso da ponta seca e do <strong>na</strong>nquim sobre o filme.Enquanto <strong>de</strong>scobria as possibilida<strong>de</strong>s expressivas da fotografia, o artista apontou diversas vezesa câmera fotográfica para si mesmo. Um <strong>de</strong> seus primeiros <strong>auto</strong>-<strong>retrato</strong>s <strong>fotográfico</strong>s foi feito em 1947no ateliê do Grupo dos XV, <strong>na</strong> época em que estava ligado à pintura expressionista. Este <strong>auto</strong>-<strong>retrato</strong>carece da dramaticida<strong>de</strong> e tensão <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> figuras huma<strong>na</strong>s do mesmo período. Nele, oartista aparece encarando a objetiva com serieda<strong>de</strong>, mas seu olhar e a posição dos braços apontampara uma espécie <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira, como se ele estivesse atuando para a câmera. Essa postura parececoincidir com a avaliação <strong>de</strong> Roland Barthes sobre o <strong>retrato</strong> <strong>fotográfico</strong>:“Ora, a partir do momento que me sinto olhado pela objetiva, tudo muda: ponho-me a ‘posar’, fabricoinstantaneamente outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem.” 13 Para Barthes, “(...)a Fotografia representa esse momento muito sutil em que, para dizer a verda<strong>de</strong>, não sou nem umsujeito nem um objeto, mas antes um sujeito que se sente tor<strong>na</strong>r-se objeto (...)”. 14Nos <strong>auto</strong>-<strong>retrato</strong>s <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> é possível perceber uma orientação consciente da pose. Apesar <strong>de</strong>quase sempre i<strong>de</strong>ntificarem o rosto do artista <strong>de</strong> forma clara e verossímil, seus <strong>auto</strong>-<strong>retrato</strong>s mostram aconstrução <strong>de</strong> um espaço fictício que não acontece mais por meio <strong>de</strong> uma ruptura formal e da manipulaçãodo negativo, e sim através da atitu<strong>de</strong> do artista diante da câmera. Em algumas imagens, é clara apré-elaboração da ce<strong>na</strong>, já que as roupas, o ângulo <strong>de</strong> câmera, a luz e a expressão facial mostradas nãosão escolhas aleatórias.10Fotoformas foi a segunda exposição <strong>de</strong> fotografias apresentada no MASP. A primeira havia sido a mostra Estudos Fotográficos,<strong>de</strong> Thomaz Farkas, em 1949.11GIRARDIN, Daniel. Da abstração ao sentido da forma, uma experiência fotográfica excepcio<strong>na</strong>l no Brasil mo<strong>de</strong>rno. In: MISSELBECK,Reinhold (org.) <strong>Geraldo</strong> <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> 1923-1998. Fotoformas. Munich: Prestel, 1999. p. 17.12Essa idéia foi exposta por Helouise Costa durante uma palestra sobre a <strong>obra</strong> fotográfica <strong>de</strong> <strong>Geraldo</strong> <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> realizada emagosto <strong>de</strong> 2004 <strong>na</strong> Pi<strong>na</strong>coteca do Estado <strong>de</strong> São Paulo.13BARTHES, R. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p. 22.14Ibi<strong>de</strong>m, p. 27.3 · Heloisa Espada Rodrigues Lima


XXIV Colóquio <strong>CBHA</strong>Na tese “Fotografia Expandida”, Rubens Fer<strong>na</strong>n<strong>de</strong>s Júnior <strong>de</strong>screve, <strong>de</strong> acordo com o fotógrafo ecrítico Andreas Muller-Pohle, três estratégias utilizadas pelos fotógrafos e artistas experimentais comoformas <strong>de</strong> intervenção <strong>na</strong> produção e conceituação da imagem fotográfica. A primeira <strong>de</strong>las seria aconstrução do motivo da fotografia, incluindo-se aí a atuação do próprio fotógrafo diante da câmera,uma situação que amplia seu campo <strong>de</strong> ação para as funções <strong>de</strong> diretor, dramaturgo, <strong>de</strong>senhista <strong>de</strong>cenários, ator, etc. Em linhas gerais, as outras estratégias seriam: a interferência no modo <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mentodo aparelho <strong>fotográfico</strong>, fazendo-o trabalhar fora <strong>de</strong> sua or<strong>de</strong>m programada e a interferência nopróprio objeto (negativo ou foto) através <strong>de</strong> sua manipulação física ou química. 15Os procedimentos <strong>de</strong> intervenção adotados por <strong>Geraldo</strong> <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> <strong>na</strong> sua produção fotográficarealizada entre 1947 e 1952 16 são predomi<strong>na</strong>ntemente interferências no material. No entanto, através<strong>de</strong> seus <strong>auto</strong>-<strong>retrato</strong>s, ele construiu também seu assunto <strong>fotográfico</strong> que, no caso, era incorporado porele mesmo.Além <strong>de</strong> <strong>auto</strong>-referentes, alguns <strong>de</strong>sses <strong>retrato</strong>s parecem aludir ao pensamento <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> apropósito da fotografia. A idéia <strong>de</strong> que a fotografia é a linguagem da luz agindo sobre o olhar po<strong>de</strong> serlida no <strong>auto</strong>-<strong>retrato</strong> <strong>de</strong> 1949, aon<strong>de</strong> o artista <strong>de</strong>senhou com luz uma linha reta justamente sobre seusos olhos. A boca levemente aberta e o olhar visionário direcio<strong>na</strong>do para fora do quadro, mostram aexpressão <strong>de</strong> leve espanto <strong>de</strong> alguém que vê algo fora do alcance do olhar do espectador. O artista nãomostra, ape<strong>na</strong>s sugere algo que só ele viu. A linha reta sobre os olhos em conjunto com o foco <strong>de</strong> luzmais difuso <strong>na</strong> face, criam uma máscara geométrica que po<strong>de</strong> ser lida como uma referência à sérieFotoformas, da mesma época.De 1950, há também o <strong>auto</strong>-<strong>retrato</strong> ampliado como uma imagem negativa. Origi<strong>na</strong>lmente, estafoto é um forte contra-luz que recorta a face do artista em duas partes. O positivo e o negativo, o claroe o escuro, a luz e a sombra, o preto e o branco, a imagem fotográfica e seu referente, eu e meu <strong>retrato</strong>.Tudo nesta imagem remete a uma condição dúbia. Citando a análise <strong>de</strong> Philippe Dubois sobre o<strong>auto</strong>-<strong>retrato</strong>: “Como se um <strong>auto</strong>-<strong>retrato</strong> pu<strong>de</strong>sse ser algo além <strong>de</strong> um problema a dois, um problema<strong>de</strong> duplo (meu e meu outro).” 17A maior parte dos <strong>auto</strong>-<strong>retrato</strong>s <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> data <strong>de</strong> 1949, quando o artista freqüentava o FotoCine Clube Ban<strong>de</strong>irante e os <strong>de</strong>mais ambientes culturais paulistanos aqui mencio<strong>na</strong>dos. Ele tinhacontato tanto com as polêmicas em torno da arte abstrata e da figuração quanto com as idéias <strong>de</strong> MárioPedrosa a propósito da Gestalt.Sendo realizado em <strong>de</strong>senho, fotografia ou pintura, todo <strong>auto</strong>-<strong>retrato</strong> parte <strong>de</strong> uma <strong>auto</strong>-representaçãoe está relacio<strong>na</strong>do à idéia romântica <strong>de</strong> expressão <strong>de</strong> uma individualida<strong>de</strong>. Por isso, a presença<strong>de</strong>sse tema entre as experiências fotográficas <strong>de</strong> <strong>Geraldo</strong> <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> po<strong>de</strong> ser vista como um indício <strong>de</strong>que, nesse período, o artista se mantinha ligado ao expressionismo dos primeiros anos <strong>de</strong> suaformação ao mesmo tempo em que caminhava em direção às poéticas construtivas que pregavamuma arte racio<strong>na</strong>l e objetiva.Os possíveis questio<strong>na</strong>mentos internos que essa concomitância <strong>de</strong> informações po<strong>de</strong>m tercausado vieram à to<strong>na</strong> durante o 5º Seminário <strong>de</strong> Arte Fotográfica do Foto Cine Clube Ban<strong>de</strong>irante, em1949, do qual o artista participou com o <strong>auto</strong>-<strong>retrato</strong> Margi<strong>na</strong>l...Margi<strong>na</strong>l. 18 Nessa reunião, após expor as15FERNANDES JÚNIOR, Rubens. A Fotografia expandida. 2002. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) - PontifíciaUniversida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo, São Paulo.16O artista trabalhou com fotografias em dois momentos: <strong>de</strong> 1946 a 1951, num período <strong>de</strong> formação artística, e entre 1996 e1998, nos últimos anos <strong>de</strong> vida, já com o lado direito do corpo paralisado por sucessivas isquemias cerebrais, quando realizou asérie S<strong>obra</strong>s.17DUBOIS, Philippe. O ato <strong>fotográfico</strong> e outros ensaios. Campi<strong>na</strong>s: Papirus, 2000. p. 343.18Os seminários <strong>de</strong> arte fotográfica eram reuniões mensais promovidas pelo Foto Cine Clube Ban<strong>de</strong>irante aon<strong>de</strong> os trabalhosselecio<strong>na</strong>dos nos concursos internos do clube eram <strong>de</strong>batidos publicamente. A discussão, restrita aos membros <strong>de</strong> um júripreviamente escolhido e ao <strong>auto</strong>r da imagem, era transcrita e publicada <strong>na</strong> revista Boletim Foto Cine do mês seguinte aoseminário.4 · Heloisa Espada Rodrigues Lima


XXIV Colóquio <strong>CBHA</strong>características técnicas (o tipo <strong>de</strong> câmera, filme, papel e filtro utilizados), o <strong>auto</strong>r foi solicitado aesclarecer a relação entre a imagem e seu título. Conforme a transcrição do <strong>de</strong>bate, ele <strong>de</strong>clarou: “Autor– Enten<strong>de</strong>-se por margi<strong>na</strong>l uma pessoa que se encontra mais ou menos à margem da vida, in<strong>de</strong>cisamesmo sobre a atitu<strong>de</strong> a tomar. Foi o que quis sugerir com a fotografia em estudo.” 19Para criar a idéia <strong>de</strong> movimento <strong>na</strong> foto, o mo<strong>de</strong>lo posou durante cinco minutos agitando seus<strong>de</strong>dos a cada cinco segundos. Ao mover os <strong>de</strong>dos imprimindo seu gesto <strong>na</strong> película, <strong>Barros</strong> manipuloua luz numa atitu<strong>de</strong> que parece ser a reminiscência <strong>de</strong> um gesto pictórico. Po<strong>de</strong>ria essa fotografia servista no âmbito do Expressionismo? Que projeção maior que a <strong>de</strong> expor <strong>na</strong> <strong>obra</strong> o próprio corpo, opróprio movimento, a própria dúvida?Em Margi<strong>na</strong>l...Margi<strong>na</strong>l o rosto do fotógrafo aparece <strong>de</strong> frente, mas mesmo assim está irreconhecível.Vê-se um vulto emoldurado por uma janela subdividida em quatro partes, o que acaba criandooutros enquadramentos <strong>na</strong> mesma imagem. Não é possível <strong>de</strong>finir exatamente o gesto da mão direitaem frente à boca. A mão esquerda, que aparece tremida, ace<strong>na</strong> para o espectador e o contra-luzdificulta ainda mais a leitura da ce<strong>na</strong>.A idéia <strong>de</strong> margi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> talvez se explique pelo fato <strong>de</strong> que, em 1949, os colegas do Foto CineClube Ban<strong>de</strong>irantes não consi<strong>de</strong>ravam os <strong>de</strong>senhos e raspagens <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> sobre o negativo comoprocedimentos <strong>fotográfico</strong>s. 20 Nessa época, predomi<strong>na</strong>va no clube a busca por uma fotografia direta,que seria “artística” através da exploração das especificida<strong>de</strong>s do dispositivo <strong>fotográfico</strong>. Os ban<strong>de</strong>irantesvalorizavam um tipo <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> que se manifestava principalmente através da composição(corte e angulação <strong>de</strong> câmera) e <strong>de</strong> um rigoroso domínio técnico. Segundo Eduardo Salvatore, haviauma ala entre os ban<strong>de</strong>irantes que via os procedimentos <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> como métodos artificiais e alheiosà fotografia. Além disso, a exposição Fotoformas realizada enquanto <strong>Barros</strong> era membro do clube, nãofoi divulgada nem comentada pelo Boletim Foto Cine, a revista mensal produzida pelo Ban<strong>de</strong>irante que,além <strong>de</strong> publicar trabalhos dos sócios, tinha como propósito a divulgação <strong>de</strong> eventos <strong>fotográfico</strong>s. 21Na São Paulo do fim da década <strong>de</strong> 40, às vésperas da I Bie<strong>na</strong>l, a atmosfera era <strong>de</strong> confrontoentre abstração e figuração, forma e conteúdo, arte pura e arte engajada, valores <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e valoresuniversais. As formas geométricas representavam um dado novo, mas também eram vistas pelosartistas e críticos engajados em questões político-partidárias como uma fuga da realida<strong>de</strong>. 22 A in<strong>de</strong>cisãoexpressada em Margi<strong>na</strong>l...Margi<strong>na</strong>l - aquela do sujeito que não sabe aon<strong>de</strong> ir - evi<strong>de</strong>ncia a perplexida<strong>de</strong><strong>de</strong> um artista inserido num contexto cultural que, assim como a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, se expandiaaceleradamente, <strong>de</strong>sejando tor<strong>na</strong>r-se mo<strong>de</strong>rno o mais rápido possível.Ao chamar a atenção para o caráter experimental e diversificado da produção <strong>de</strong> <strong>Geraldo</strong> <strong>de</strong><strong>Barros</strong> neste período, a intenção <strong>de</strong>ssa comunicação foi, através dos <strong>auto</strong>-<strong>retrato</strong>s <strong>fotográfico</strong>s, <strong>de</strong>monstrara complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma trajetória artística cujas correspondências foram além do concretismo, o movimentoao qual sua <strong>obra</strong> é freqüentemente relacio<strong>na</strong>da.19SEMINÁRIO <strong>de</strong> Arte Fotográfica, 5., BFC n. 45, janeiro <strong>de</strong> 1950. p. 15-17.20Segundo entrevista realizada com Eduardo Salvatore, presi<strong>de</strong>nte do FCCB em 1949, em 22 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2004.21Essa informação foi conseguida através da análise das edições da revista Boletim Foto Cine <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu número 1, <strong>de</strong> maio <strong>de</strong>1946, até à edição número 92, <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1954. Após a publicação <strong>de</strong> Margi<strong>na</strong>l...Margi<strong>na</strong>l, a revista só voltou a mostrar umafoto <strong>de</strong> <strong>Geraldo</strong> <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> em seu número 87, em fevereiro <strong>de</strong> 1954. Nesta ocasião, a revista publicou, pela primeira vez, umaimagem abstrata <strong>de</strong> caráter geométrico da série Fotoformas.22AMARAL, Aracy. Arte para quê? A preocupação social <strong>na</strong> arte brasileira, 1930-1970: subsídios para uma história social da arte noBrasil. São Paulo: Studio Nobel, 2003, p. 242.5 · Heloisa Espada Rodrigues Lima

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!