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Claudia Valladão de Mattos - CBHA

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<strong>Claudia</strong> <strong>Valladão</strong> <strong>de</strong> <strong>Mattos</strong>gem aparece em todo seu esplendor. Tendo em vista a proximida<strong>de</strong><strong>de</strong> Taunay aos círculos da corte e sua posição <strong>de</strong> diretor da Aca<strong>de</strong>miaImperial <strong>de</strong> Belas Artes no momento da realização do quadro, ahistoriografia da arte sempre procurou analisar esta obra como vinculadaà tradição da representação da nação através da relação entrenatureza e civilização. Nesta chave, o quadro era lido como metáforado enfrentamento do homem e da natureza no processo <strong>de</strong> estabelecimento<strong>de</strong> um império nos trópicos. 7 Uma investigação mais <strong>de</strong>talhadado contexto em que ele foi pintado permite, no entanto, umaprofundamento da análise e a revelação <strong>de</strong> um engajamento específicodo artista em <strong>de</strong>bates <strong>de</strong> época sobre as conseqüências nefastasda <strong>de</strong>struição ambiental causada por ativida<strong>de</strong>s agrícolas, algo nãoconsi<strong>de</strong>rado em interpretações anteriores. 8Além <strong>de</strong> ser diretor da Aca<strong>de</strong>mia, Taunay era também membrofundador da Socieda<strong>de</strong> Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIM) edo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), o que o situavano centro das discussões referentes aos projetos políticos do Império.Neste contexto, exatamente na década <strong>de</strong> 1840, <strong>de</strong>senvolveu-seem ambas instituições um intenso <strong>de</strong>bate sobre formas efetivas <strong>de</strong>promover o emprego <strong>de</strong> técnicas agrícolas mais mo<strong>de</strong>rnas, acompanhado<strong>de</strong> uma forte crítica aos meios arcaicos ainda empregados noBrasil (e associados à escravidão), que, <strong>de</strong> acordo com muito intelectuais,<strong>de</strong>struíam <strong>de</strong> forma irreversível o patrimônio natural do país.Neste mesmo período, começa também a ser votada a primeira lei <strong>de</strong>terras do país. Sendo a família Taunay também proprietária <strong>de</strong> umaplantação <strong>de</strong> café na Tijuca, vários <strong>de</strong> seus membros acompanhavamtal <strong>de</strong>bate <strong>de</strong> perto. Um dos irmãos <strong>de</strong> Félix Émile, Carlos Taunay,interessou-se particularmente por tais questões, escrevendo um Manualdo Agricultor Brasileiro, no qual <strong>de</strong>dicava longas passagens àsconseqüências da <strong>de</strong>struição das matas nativas, em especial nas regiõesem torno do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Este livro nos parece uma fonte<strong>de</strong> extremo valor para analisarmos o quadro <strong>de</strong> Félix-Émile Taunay.Cotejado com ele, a pintura <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser apenas uma alegoriagenérica do enfrentamento entre homem e natureza, para tornar-se7 Ver por exemplo, Luciano Migliaccio, A Arte do Século XIX, catálogo da Mostra doRe<strong>de</strong>scobrimento, São Paulo: Fundação Bienal, 2000, p. 76.8 Uma análise <strong>de</strong>talhada <strong>de</strong>sta obra e <strong>de</strong> seu contexto <strong>de</strong> produção e recepção po<strong>de</strong>ser encontrada em: <strong>Claudia</strong> <strong>Valladão</strong> <strong>de</strong> <strong>Mattos</strong>, “Paisagem, Monumento e CríticaAmbiental na Obra <strong>de</strong> Félix Émile Taunay”, in:Ana Tavares, Camila Dazzi e ArthurValle (org.), Oitocentos. Arte Brasileira do Império e da Primeira República, Rio <strong>de</strong>Janeiro, Escola <strong>de</strong> Belas Artes UFRJ, 2008, p.493-499.291


XXIX Colóquio <strong>CBHA</strong> 2009uma espécie <strong>de</strong> manifesto visual contra práticas concretas <strong>de</strong> <strong>de</strong>struiçãoda floresta, em uma parte específica do Rio <strong>de</strong> Janeiro, istoé, a Floresta da Tijuca, na qual ele próprio habitava. Visto sob talperspectiva, o quadro <strong>de</strong> Taunay dirige-se ao observador como umtestemunho do envolvimento direto do artista em uma das primeirasbatalha <strong>de</strong> política ambiental no Brasil, que, surpreen<strong>de</strong>ntemente,terminou vitoriosa, ao menos momentaneamente, com o início doreflorestamento da Tijuca, em 1862.O terceiro e último exemplo que pretendo discutir, pertenceao período da passagem do século XIX para o XX. Trata-se <strong>de</strong> umasérie <strong>de</strong> representações da <strong>de</strong>rrubada das matas nativas na região suldo Brasil, pintadas pelo artista Pedro Weingärtner. Se a pintura <strong>de</strong>paisagem <strong>de</strong> Félix Emil Taunay po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada uma exceçãono contexto das representações “românticas” das florestas tropicaisbrasileiras, o mesmo não po<strong>de</strong> ser dito <strong>de</strong> Weingärtner.A partir dos anos <strong>de</strong> 1870, sob a influência <strong>de</strong> autores estrangeiros,como Taine, Buckle e Renan, uma nova narrativa sobre oenfrentamento entre homem e natureza começa a ser construída poruma parcela da intelectualida<strong>de</strong> brasileira que, <strong>de</strong> uma forma geral,encontrava-se insatisfeita com os rumos do império e tinha simpatiaspelo i<strong>de</strong>al republicano. A imagem da natureza selvagem, mas benevolente,apaziguada pela presença civilizadora do império portuguêsaqui instalado, começa, nesse contexto, a ser substituída por umanatureza indomável, que transforma o homem brasileiro em um serru<strong>de</strong>, incapaz <strong>de</strong> civilização. A mediação entre esses dois mo<strong>de</strong>losrepresentativos foi realizada, <strong>de</strong> acordo com Luciana Murari, pelavisão <strong>de</strong> uma natureza excessivamente abundante, que transformavaseus habitantes em seres preguiçosos e indolentes, visão <strong>de</strong>fendidapor exemplo, por Capistrano <strong>de</strong> Abreu e Oliveira Viana. 9A obra que marca a transição da idéia <strong>de</strong> uma natureza abundante,mas excessivamente benévola, para uma visão <strong>de</strong> uma naturezahostil e agressiva, a ser vencida, é coinci<strong>de</strong>ntemente, o livroA Retirada da Laguna, <strong>de</strong> Alfredo Taunay, o Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taunay,filho do nosso Félix Émile Taunay, citado acima. O livro <strong>de</strong> cunhoautobiográfico, narra a sua tentativa, à frente <strong>de</strong> um dos batalhões doexército brasileiro durante a Guerra do Paraguai, <strong>de</strong> atingir o territórioinimigo pelo norte, atravessando o que são hoje os estados <strong>de</strong> Minas,Goiás e Mato Grosso. Ao longo do percurso, a natureza intrans-9 Luciana Murari, Tudo o mais é paisagem: representações a natureza na cultura brasileira,tese <strong>de</strong> doutorado, FFLCH-USP, 2002.292


<strong>Claudia</strong> <strong>Valladão</strong> <strong>de</strong> <strong>Mattos</strong>Pedro WeingartnerA morte do lenhador, 1924óleo s/ tela, 50 x 100cmcol. Fa<strong>de</strong>l, RJ295


XXIX Colóquio <strong>CBHA</strong> 2009move-se para o plano médio da obra. Uma série <strong>de</strong> troncos plantadosem meio ao terreno arado e pronto para ser semeado, enfatiza a resistênciada natureza tropical à obra civilizadora dos imigrantes. Cansado,o casal em primeiro plano apresenta um aspecto melancólico,talvez refletindo sobre seu <strong>de</strong>stino. A esposa ainda jovem observaas bolhas <strong>de</strong>ixadas pelo trabalho duro em suas mãos. Aquela terrainóspita, habitada por tropeiros e brasilerios ru<strong>de</strong>s, se transformaráem um espaço <strong>de</strong> civilização, através do esforço <strong>de</strong>ssas pessoas simples.O grupo <strong>de</strong> troncos ao centro do quadro, torna-se um elementonarrativo fundamental nesta obra e ele será repetido algumas vezespor Weingärtner.O tema da luta entre homem e natureza conhece também umestranho <strong>de</strong>sdobramento na obra <strong>de</strong> Weingärtner ainda nos anos<strong>de</strong> 1890. Em dois quadros do período, o artista associa inequivocamentea <strong>de</strong>rrubada da mata à realida<strong>de</strong> da Guerra (provavelmenteuma referência à Guerra Fe<strong>de</strong>ralista, assistida <strong>de</strong> perto pelo artistadurante sua viagem ao Rio Gran<strong>de</strong> do Sul na década <strong>de</strong> 90). Em“Cena <strong>de</strong> Guerra” (1894), vemos em primeiro plano, quatro figuras,uma mulher amarrada a um tronco, seu marido morto ao chão, umacriança agarrada às suas saias e um homem idoso caído ao chão emlamento, enquanto ao fundo o fogo queima sua proprieda<strong>de</strong>. Portodo lado vemos troncos <strong>de</strong> árvores espalhados pelo chão e ao fundoa mata virgem, criando um estranho paralelo entre a luta <strong>de</strong> <strong>de</strong>sbravamentoda terra e a luta política pela terra. Um segundo quadroexplicita ainda mais esse paralelo. Trata-se da obra “A <strong>de</strong>rrubada”(1894), na qual a figura da mulher acorrentada é isolada em primeiroplano e posta contra uma cena <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubada da mata. Seria metáfora<strong>de</strong> uma possível vingança da natureza? Não po<strong>de</strong>mos saber. Aimagem da natureza que se vinga e vence seu adversário, o colono,está no entanto presente em outra obra singular do artista: “A Mortedo Lenhador” (fig. 3). Recuperando novamente o mesmo cenário <strong>de</strong>“Tempora Mutatur”, o artista retrata um lenhador morto, ro<strong>de</strong>ado<strong>de</strong> urubus. Imaginamos que esta figura tenha empregado até suaúltima gota <strong>de</strong> vida na luta <strong>de</strong> <strong>de</strong>sbravamento da natureza selvagem,por fim, porém, sucumbindo a ela. Esta obra, pintada em 1924, jáem ida<strong>de</strong> avançada, po<strong>de</strong> significar uma possível revisão do otimismoque o artista <strong>de</strong>monstrava com relação às políticas <strong>de</strong> imigraçãodurante os anos 90.296

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