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LER E ESCREVER: UM OLHAR DUAL SOBRE CAETÉS, DE ...

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Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e CulturaSão Cristóvão/SE: GELIC/UFS, 03 e 04 de maio de 2012.ISSN: 2175-41284Ramos mostrando sob a ótica do personagem João Valério a composição de umasociedade que de um modo geral não valoriza a arte.A dimensão social da leitura presente em CaetésA partir desses pressupostos, verificamos que o leitor por parte da teorialiterária não tinha nenhum respaldo, pois era considerado um ser passivo que nãoera levado em consideração. Porém, com a Estética da Recepção ele começou a seralvo de discussões, pois essa corrente visava sobretudo trazê-lo à tona literária.Identificamos a partir da própria leitura do personagem João Valério umasociedade que se inscreve em um âmbito de limitações. Primeiro a limitação provémda sua imensa dificuldade em escrever, segundo, a sua infelicidade por não ter amulher desejada. Além disso, temos a própria constituição da sociedade em si, ondeos ricos são sempre mais ricos e os pobres a mercê de uma vida sempre indigna. Sobesse viés podemos dizer que a dimensão social da literatura é um fator que muitoinfluenciou para o (re) conhecimento do leitor, pois a Estética da Recepção acentuoua sua importância não só como mero consumidor, mas como um ser proveniente decapacidade para (re) atualizar a obra literária, tanto através das suas leituras escritas,quanto das suas experiências e sua visão de mundo. Assim, pressupomos que, dealguma forma, o leitor carrega impressões e as põe no texto, o que torna incoerenteesquecê-lo, ou deixá-lo em segundo plano, pois ele tem um papel que merece estudo.Vivendo em uma pensão, João Valério não se conforma com sua vida“medíocre” e carrega um sentimento de inferioridade, em virtude disso tem o desejode ascender socialmente. É pensando assim que ele tenta se inserir na sociedade pormeio da literatura. Por saber escrever (apesar das dificuldades), ler e “arranhar”literatura, ele acredita que a sua vida deveria ser melhor. No excerto abaixo,podemos identificar como João Valério se sentia perante a sociedade de Palmeira dosÍndios. A transcrição do pensamento do personagem evidencia a sua inconformidadecom aquele ambiente. A mulher a qual ele se refere é D. Engrácia, uma senhora rica,cuja vida, segundo João Valério, não fazia coisas tão interessantes assim, porém erabem sucedida.


Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e CulturaSão Cristóvão/SE: GELIC/UFS, 03 e 04 de maio de 2012.ISSN: 2175-41285Ora ali estava aquela viúva antipática, podre de rica, morando numacasa grande como convento, só se ocupando em ouvir missa,comungar e rezar o terço, aumentando a fortuna com avareza para afilha de Nicolau Varejão. E eu, em mangas de camisa, a estragar-meno escritório dos Teixeira, eu, moço que sabia metrificação, vantajosaprenda, colaborava na Semana de Padre Atanásio e tinha umromance começado na gaveta. (RAMOS, s.d., p. 12)Podemos identificar nesse excerto a indignação de João Valério para comaquela sociedade, onde o ter significa bem mais do que o saber. Outro exemplodentro da própria ficção é seu patrão, Adrião Teixeira, o qual não é um homem culto,porém é constituído de bens, e isso o faz ser conhecido e aceito. Vejamos um trechoque demarca muito bem essa posição:Às quintas e aos domingos ia aos chás de Adrião. Ficávamos tempoestirado cavaqueando – e era para mim verdadeiro prazer tomarparte em duas conversações cruzadas sobre moda e câmbio. Algumasvezes Luísa falava de contos, versos, novelas. O marido ferrava nosono. Ou então, com enormes bocejos, lá ia se claudicando, a lamentarque a enxaqueca não lhe permitisse saborear um enredo tão filosófico.Ele entendia bem de comércio; o resto era filosofia. (RAMOS, s.d., p.08)Percebemos com a citação acima que a literatura se apresenta para JoãoValério como distinção social, pois embora sua posição seja de leitor e apreciador deliteratura, ele identifica que para a maioria dos que lhe cercam esse atributo é vistocomo um mero passatempo. O saber servia apenas para produção, visão altamentecapitalista. Isso pode ser constatado quando João Valério é incumbido de fazer umartigo para publicação em um jornal local em prol das “virtudes” do Mesquita(prefeito do município de Caetés). Essa proposta é feita por Evaristo Barroca,personagem esperto, que visava ao cargo de Deputado Estadual. Vejamos: “Eu iadesculpar-me, recusar, mas o bacharel prosseguiu: - Escrevi os artigos de um fôlego.Têm imperfeições, evidentemente. Não me sobra tempo para cultivar a línguavernácula. Aí só se aproveita a idéia, a forma é incorreta.” (RAMOS, s.d., p. 23). A


Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e CulturaSão Cristóvão/SE: GELIC/UFS, 03 e 04 de maio de 2012.ISSN: 2175-41286partir da posição do Evaristo Barroca, percebemos como o jogo de interesses pessoaisse sobressai ao saber.É assim que as ideias de João Valério são totalmente contrariadas no decorrerdo romance, pois para ele o seu não reconhecimento era um forte indicador deinjustiça social. A esse respeito, Silva (2010), nos diz que,João Valério não aceita o mundo, os outros, nem a si mesmo emanifesta a consciência de um homem no labirinto de pensamentos efatos em que se perdeu, revelando uma ironia de natureza estrutural.Enquanto o narrador lamenta a própria incapacidade em escrever aficção, não se dá conta de que traça uma importante história no nívelda sua realidade, podendo-se falar da existência de duas camadasdiegéticas, a vivida pelo personagem e a imaginada como ficção a serconcretizada, do ponto de vista literário. (SILVA, 2010, p. 01)Identificamos que a sua tentativa de escrita é totalmente mal sucedida aponto de gerar uma angústia. Talvez o grande problema enfrentado por João Valérioem seu insucesso seja o de não conseguir se afastar do objeto literário, ele não sabiadiferenciar realidade de ficção, queria simplesmente escrever um romance históricocom os dados da realidade, isso se dava pelo fato de ele não ser capaz de criar umuniverso imaginário, idealizava, mas não conseguia pôr no papel. Podemos constatarisso no excerto a seguir:Também aventurar-me a fabricar um romance histórico sem conhecerhistória! Os meus caetés realmente não têm verossimilhança, porquedeles apenas sei que existiram, andavam nus e comiam gente. Li, naescola primária, uns carapetões interessantes no Gonçalves Dias e noAlencar, mas já esqueci quase tudo. Sorria-me, entretanto, aesperança de poder transformar esse material arcaico numa brochurade cem a duzentas páginas, cheia de lorotas em bom estilo, editadano Ramalho. (RAMOS, s.d., p. 18)Ainda podemos verificar o ângulo – do não afastamento do objeto literário -quando nos inserimos dentro da própria ficção, pois percebemos que João Valérioquer escrever acerca dos caetés, mesmo nome dado ao romance que lemos.


Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e CulturaSão Cristóvão/SE: GELIC/UFS, 03 e 04 de maio de 2012.ISSN: 2175-41287Com essas inferências identificamos que o que faltava em João Valério é aperspicácia para enfrentar as dificuldades que são impostas para se chegar a ter oacesso à literatura. Antonio Candido (1980), em Literatura e sociedade, nos diz que,a posição do escritor depende do conceito social que os gruposelaboram em relação a ele, e não corresponde necessariamente ao seupróprio. Este fator exprime o reconhecimento coletivo da suaatividade, que deste modo se justifica socialmente. Deve-se notar apropósito, que embora certos escritores tenham individualmentealcançado o pináculo da consideração em todas as épocas dacivilização ocidental, o certo é que, como grupo e função, apenas nostempos modernos ela lhe foi dispensada pela sociedade. (CANDIDO,1980, p. 75).Levando em consideração a dimensão social da literatura percebemos que elaé um forte influenciador nas questões literárias. Tomando como exemplo o próprioJoão Valério, identificamos que as dificuldades lhe são apresentadas em um ângulototalmente social.A disseminação da literatura por meio da escritaPara além das implicações sociais devemos levar em consideração que adisseminação da leitura literária é uma “peça” fundamental e uma consequênciacausada pelos próprios leitores, independente de sua condição social, pois uma vezque se lê, essa leitura pode vir a ser compartilhada. João Valério tinha essaconsciência, pois ele não queria apenas escrever um livro, queria compartilhá-lo demodo que quem lesse pudesse ter sentimentos positivos:Talvez eu pudesse também, com exígua ciência e aturado esforço,chegar um dia a alinhavar os meus caetés. Não que esperasseembasbacar os povos do futuro. Oh! Não! As minhas ambições sãomodestas. Contentava-me um triunfo caseiro e transitório, queimpressionasse Luísa, Marta Varejão, os Mendonças, EvaristoBarroca. Desejava que nas barbearias, no cinema, na farmácia Neves,no café Bacarau, dissessem: “Então já leram o romance do Valério?”(RAMOS, s.d., p. 49).


Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e CulturaSão Cristóvão/SE: GELIC/UFS, 03 e 04 de maio de 2012.ISSN: 2175-41288Talvez esse desejo aspirado por João Valério seja o mesmo aspirado porleitores que sentem prazer na leitura literária. Essa ideia de prazer do texto estárelacionada com as ideias de Roland Barthes em seu livro O prazer do texto (2008,p.20), pois segundo ele, “o texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia;aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortávelda leitura”. Identificamos que as palavras de Barthes estão diretamente relacionadascom a teoria de João Valério. Porém, devemos reconhecer que esse personagemqueria na verdade ser reconhecido e não ter somente seu texto admirado, em todo ocaso isso não inviabiliza o compartilhar da leitura.Wolfgang Iser (1979) nos mostra que, “o próprio texto é o resultado de umato intencional pelo qual um autor se refere e intervém em um mundo existente, masconquanto o ato seja intencional, visa a algo que ainda não é acessível à consciência”.(ISER, 1979, p. 107). Percebemos assim, que não importa a intenção do autor, o queimporta é o que essa leitura pode proporcionar àqueles que leem.Outro ponto que se pode abordar aqui é a questão da leitura coletiva dentroda obra, pois podemos identificar que, além de João Valério, Luísa é umapersonagem leitora. Essa constatação pode ser feita logo no primeiro capítulo,quando,Adrião, arrastando a perna, tinha-se recolhido ao quarto, queixandosede uma forte dor de cabeça. Fui colocar a xícara na bandeja. Edispunham-me a sair, porque sentia acanhamento e não encontravaassunto para conversar. Luísa quis mostrar-me uma passagem nolivro que lia. Curvou-se. (RAMOS, s.d., p. 07).Segundo Hans Robert Jauss (1979, p. 73 -74), a leitura coletiva estádiretamente ligada ao conceito de horizonte de expectativa, que consiste em umconjunto de hipóteses compartilhadas que se pode atribuir a uma geração de leitores,para ele, existe uma “sociedade de leitores” em um tempo histórico determinado.Assim, o sentido do texto se realiza na junção de dois fatores: o repertório daobra em si e o trazido pelo leitor de uma determinada sociedade. Jauss procuradiscernir como expectativa e experiências se encadeiam, pois são esses os motores do


Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e CulturaSão Cristóvão/SE: GELIC/UFS, 03 e 04 de maio de 2012.ISSN: 2175-41289processo de significação e como a leitura compartilhada é um fator de grandeinfluência para a (re) atualização da obra literária, isso depende tão somente dopúblico leitor. Assim, Zilberman (2008) nos diz que:A Estética da Recepção assume a perspectiva do leitor, portanto,conforme sua denominação sugere, ao considerar que é ele quemgarante a historicidade das obras literárias. Em decorrência do fato deo leitor não deixar de consumir criações artísticas de outros períodos,essas se atualizam permanentemente. Conforme Jauss anota, umaobra "só se converte em acontecimento literário para seu leitor";portanto, é esse sujeito que afiança a vitalidade e continuidade doprocesso literário. (Zilberman, 2008, p. 05)A partir do trecho da obra em que Luísa pretende compartilhar sua leituracom João Valério, podemos pressupor que eles há muito já faziam isso. Essahabilidade em compartilhar leitura é um forte influenciador para a disseminação daliteratura, pois é um instrumento capaz de atrair outros leitores, pois não é algoimposto (como em um ambiente escolar, por exemplo) é apenas algo que dá prazerpara alguém e que pode suscitar o prazer em outra pessoa.Em contrapartida, João Valério influenciado por essa sociedade acaba porceder às “pressões”, após muito lutar para escrever um romance, acaba abandonandosuas ideias:Abandonei definitivamente os caetés: um negociante não se devemeter em coisas de arte. Às vezes desenterro-os da gaveta, revejopedaços da ocara, a matança dos portugueses, o morubixaba deenduape (ou canitar) na cabeça, os destroços do galeão de dom Pero.Vem-me de longe em longe o desejo de retomar aquilo, mascontenho-me. E perco o hábito. (RAMOS, s.d., p. 223.)Vemos que ele se deixou levar por aquilo que repudiava, o seu interesse pelaarte foi totalmente desfeito. Após a morte de Adrião Teixeira, seu ex-patrão e esposode Luísa, João Valério consegue ser sócio de seu armazém. Isso motiva suadesistência em escrever uma obra literária, pois nesse caso, as necessidades que sãoimpostas por uma sociedade capitalista estavam mais evidentes do que qualqueroutra coisa. Para além disso, temos as implicaturas sociais, que pudemos identificar


Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e CulturaSão Cristóvão/SE: GELIC/UFS, 03 e 04 de maio de 2012.ISSN: 2175-412810em Caetés, as barreiras que perpassavam a vontade que João Valério continha, asbarreiras impostas pela sociedade.Considerações FinaisO modo de compreensão sobre o que seja ler, escrever e a literatura como umtodo da sociedade ficcional de Caetés é limitado. Temos aqui, uma sociedadetotalmente ultrapassada, onde o que importa não é o saber, mas sim o ter.Nesse sentido, pudemos constatar que João Valério vive em um ambientetotalmente contrário àquilo que a leitura pode proporcionar, pois geralmente quandonos apropriamos do mundo ficcional entendemos melhor o que estar mascarado nasociedade.Outro ponto importante no processo de leitura de textos literários a sediscutir, é a de que em geral um leitor torna-se leitor porque alguém em algummomento o motivou para tal, dessa forma verificamos que a formação cultural doindivíduo é um fator que influencia em sua competência de leitura. Temos em Caetésum narrador que de maneira inconsciente acaba escrevendo sua própria história. Éinteressante notarmos que Graciliano parece mostrar como a composição de umaobra ficcional não é algo totalmente racionalizado, é algo sentido, vivenciado e queem muito perpassa os objetivos do próprio escritor. A maneira como a história seráconstruída dependerá tão somente do olhar do leitor.REFERÊNCIASBARTHES, Roland. O prazer do texto. 4. ed. Trad. J. Guinsburg. São Paulo:Perspectiva, 2008.BATISTA, Eloisy Oliveira. Graciliano Ramos: escritor, narrador, autor e herói. umaleitura do “eu” na obra de Memória do Cárcere. Campinas, 2011. Dissertação(Mestrado em Letras) - Universidade Estadual de Campinas.COMPAGNON, Antoine. O leitor. In: O demônio da teoria: Leitura e senso comum.Trad. Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2003. p. 139-164.


Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e CulturaSão Cristóvão/SE: GELIC/UFS, 03 e 04 de maio de 2012.ISSN: 2175-412811CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. 6. ed. São Paulo: Companhia EditoraNacional, 1980, p. 17-39.CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira:modernismo. 7. ed. São Paulo: Difel, 1979. p. 289-290.GUE<strong>DE</strong>S, Debora Carla Santos. O indianismo e a intertextualidade em Caetés.Literatura em debate, Rio de Janeiro, v. 01, n. 01, p. 01-13, dez. 2007.JAUSS, Hans Robert (et al). A literatura e o leitor: textos de estética da recepção.Trad. Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 67-165.ISER, Wolfgang. O jogo do texto. In: A literatura e o leitor: textos de estética darecepção. Trad. Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. 105-118.LOBO, Luiza. Leitor. In: JOBIM, José Luis (org.). Palavras da crítica. Rio de Janeiro:Imago, 1992. p. 231-251.PITT, Cristiano Paulo. Vida Agreste: memória e regionalidade em São Bernardo.Caxias do Sul, 2010. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade de Caxias doSul.RAMOS, Graciliano. Caetés. São Paulo: Círculo do livro, s.d.SILVA, Aline Bezerra. A relação amorosa e os modos de (vi)ver a ética em Caetés, deGraciliano Ramos. Revista Garrafa, Rio de Janeiro, s.v., n. 20, p. 01-14, abr. 2010.ZILBERMAN, Regina. Recepção e leitura no horizonte da literatura. Alea: EstudosNeolatinos, Rio de Janeiro. v. 10, n. 1, p. 01-08, jun. 2008.

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