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Boletim da - Defensoria

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BOLETIM DADEFENSORIA PÚBLICAN. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875ArtigosESCOLA DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADOBrasao cor-H.pdf 1 08/02/2011 15:12:53CMYCMMYCYCMY<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875KDEFENSORIA PÚBLICADO ESTADO DE SÃO PAULO1


ExpedienteEscola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública do Estado de São PauloRua Boa Vista, 103 - 13º- an<strong>da</strong>r - 01014-001 - São Paulo - SPTel. 11-3101-8455e-mail: escola@defensoria.sp.gov.br<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> PúblicaN. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875Diretora <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública do Estado:Elaine Moraes Ruas SouzaÍndiceComissão Editorial:Aman<strong>da</strong> Polastro SchaeferBruna SimõesFabiana Ferraz Luz MihichGenival Torres Dantas JuniorLeandro de Marzo BarretoPaulo Fernando de Andrade GiostriRenata Flores TibyriçaTatiana Belons VieiraJuliana Garcia BeloqueJosé Henrique Golin MatosPaula Carolina Bardoni Dantas NascimentosMarilene AlbertiniEDITORIAL ................................................................................ 3DESCASOSDiscursoAlexandra Szafir ............................................................................... 4ARTIGOSDireitos sexuais e reprodutivos – direitos sexuais <strong>da</strong>população LGBT: Breve análise e legislação sobre o temaBruna Molina Hernandes ................................................................. 5Transferência <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de de veículo automotor e aparticipação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de notarialLuiz Rascovski.................................................................................. 15A atuação <strong>da</strong> defensoria pública no combate à sindrome<strong>da</strong> alienação parentalLuciana Rocha Barros Veloni Alvarenga ........................................ 24A relação íntima de afeto <strong>da</strong> Lei Maria <strong>da</strong> PenhaThais Helena Costa Nader ............................................................... 27Reflexões acerca <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civil parental porabandono afetivoSamir Nicolau Nassralla ................................................................... 29Man<strong>da</strong>do de segurança contra lei em tese: possívelrelativização <strong>da</strong> súmula 266, do STFBruno Had<strong>da</strong>d Galvão ...................................................................... 43Considerações críticas acerca <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> socioeducativade internaçãoFernan<strong>da</strong> Carolina de Araujo Ifanger .............................................. 442 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


EditorialEditorialÉ com muita satisfação que a EDEPE publica a segun<strong>da</strong> edição de seu <strong>Boletim</strong>. Conformeo leitor perceberá ao longo <strong>da</strong> leitura do <strong>Boletim</strong>, sua estrutura foi reformula<strong>da</strong>. Trata-se,agora, de uma publicação semestral, na qual será concedido espaço a artigos de cunho científico,sobretudo, porém, em linguagem ágil e de fácil leitura. As seções de notícias e jurisprudênciaforam excluí<strong>da</strong>s, tendo em vista que tais conteúdos serão disponibilizados em outros veículos,mais apropriados à divulgação de tais materiais. Seguindo a tendência <strong>da</strong>s publicaçõesmais modernas, o <strong>Boletim</strong> tornou-se uma publicação eletrônica, permitindo acesso amplo aopúblico interessado.Foi incluí<strong>da</strong> uma nova seção neste <strong>Boletim</strong> chama<strong>da</strong> “Descasos”, em homenagem àDra. Alexandra Szafir. Nessa seção, inaugura<strong>da</strong> por um texto <strong>da</strong> própria autora, lido duranteevento ocorrido no Auditório <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong>, serão publicados relatos de casos, enviados porDefensores Públicos, que ajudem a sensibilizar o leitor e a comuni<strong>da</strong>de em geral sobre as mazelasa que são submeti<strong>da</strong>s as pessoas hipossuficientes que se deparam com o sistema de justiçae com suas distorções.A EDEPE agradece aos Defensores e aos pesquisadores que, ao encaminharem suasproduções para avaliação pelo Conselho Editorial, possibilitaram que esta segun<strong>da</strong> ediçãoviesse a público. Esperamos, com este pequeno volume, contribuir para o debate científico emtorno <strong>da</strong>s questões que, de alguma forma, estejam relaciona<strong>da</strong>s aos princípios e atribuições <strong>da</strong><strong>Defensoria</strong> Pública do Estado de São Paulo.Convi<strong>da</strong>mos, por fim, os interessados para que enviem seus trabalhos para o <strong>Boletim</strong>,aju<strong>da</strong>ndo, assim, a construir um veículo de divulgação de ideias que fomentem os direitoshumanos, especialmente pela via <strong>da</strong> difusão de saberes que possam beneficiar as populaçõesatendi<strong>da</strong>s pela instituição.Desejamos uma boa leitura!<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-48753


DescasosDiscursoAlexandra SzafirDefensora Pública do Estado de São PauloOlá! Meu nome é Alexandra e escrevi um livro contandoalgumas <strong>da</strong>s minhas experiências fazendo umpouco do que vocês fazem todos os dias: defender réuspobres sem cobrar honorários. Procurei mostrar a diferençaentre ter um defensor e ter um pseudo advogadoque, em bom português, não está nem aí.Pensei muito antes de disponibilizar meu endereçod e-mail no livro. Meu receio era de receber mensagenscheias de ódio, estilo “Conte Lopes”, me chamando de“defensora de bandidos”, etc. tenho certeza de que vocêsconhecem o resto desse discurso imbecil.A boa notícia é que não recebi um único e-mail dessetipo, embora eu receba e-mails de leitores literalmentetodos os dias. Alguns são de estu<strong>da</strong>ntes, outros de advogadose juízes; outros, ain<strong>da</strong>, de pessoas que não têmna<strong>da</strong> a ver com direito. Em comum, uma vontade deaju<strong>da</strong>r. Eu acredito que o grande desafio é organizar ecanalizar essa vontade para ações concretas.Uma <strong>da</strong>s coisas que me deixaram mais feliz de lerfoi “olha, eu tinha essa visão de que na cadeia não temnenhum bonzinho. Alguma eles fizeram para estar lá.Mas depois de ler o livro, mudei minha visão e gostariade aju<strong>da</strong>r de alguma forma”. Não é o máximo? Ele passoupara o nosso lado!Outro erro é me ver como quase uma santa por fazero que eu faço. O meu amigo Prado certamente diria aessas pessoas que todo mundo é egoísta – e ele tem razão.Faço o que faço porque advogar de graça para réuspobres me dá imenso prazer, sentimento obviamentecompartilhado por todos aqui. Também faço porquequero viver num mundo melhor (outro motivo egoísta),onde as pessoas não fiquem presas por serem pobres.A Lu pediu que eu escolhesse alguns trechos do livropara serem lidos hoje. Os dois capítulos que escolhitocam num problema pelo qual, como bem sabemo Toron e a Lu, já briguei com muita gente boa (e comoutras nem tanto): a necessi<strong>da</strong>de de se fazerem mutirõesnas cadeias, ao invés de esperar o processo chegar,eventualmente, às nossas mãos.Os dois casos são emblemáticos: o primeiro sequerteria sido preso se tivesse advogado; como não tinha,ficou um ano e oito meses. O segundo, se não tivessesido “descoberto” num mutirão, teria ficado preso maisalguns anos. Espero que vocês gostem.Mas há dois aspectos nos quais todos – sem exceção– têm a percepção erra<strong>da</strong> a meu respeito. O primeiro éme considerar uma espécie de heroína porque escrevio livro sem usar as mãos. As pessoas imaginam que fizum enorme sacrifício. Grande bobagem. Para colocarserealmente no meu lugar, vocês precisam imaginarque não podem falar nem escrever. Seus pensamentosestão literalmente presos na sua cabeça. E aparece esseprograma que lhe permite escrever, falar no Messenger,jogar gamão (sim, Toron, continuo vicia<strong>da</strong>!). É uma felici<strong>da</strong>de,não um sacrifício.Eu sequer ia mencionar a doença no livro; só o fiz apedido do editor e acabou sendo bom para promover olivro. Todos parecem impressionadíssimos. Mas – repito– não é sacrifício algum.4 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


ArtigosDireitos sexuais e reprodutivos –direitos sexuais <strong>da</strong> população LGBT:Breve análise e legislação sobre o temaBruna Molina HernandesDefensora Pública. Colaboradora do Núcleo de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong>Pública do Estado de São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil. Mestran<strong>da</strong> <strong>da</strong> Pontifícia Universi<strong>da</strong>deCatólica de São Paulo na área de Direito <strong>da</strong>s Relações Sociais, subárea direitos difusos e coletivos.SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Histórico – 3. Princípios– 4. Direitos sexuais, gênero, identi<strong>da</strong>de de gênero, rantam privaci<strong>da</strong>de, sigilo e atendimento de quali<strong>da</strong>dede DST/HIV/AIDS, direito a serviços de saúde que ga-sexuali<strong>da</strong>de e orientação sexual: diferenças – 5. Estatísticas<strong>da</strong> Discriminação Homofóbica – 6. Legislação educação sexual e reprodutiva.e sem discriminação e, por fim, direito à informação e àsobre o tema – 7. Conclusão – 8. Referências.De acordo com a Carta de Direitos Sexuais e Reprodutivosaprova<strong>da</strong> no Conselho Central e na Assembleia1. INTRODUÇÃOGeral <strong>da</strong> International Planned Parenthood Federation(IPPF), 2 devem ser considerados sempre que formosOs direitos sexuais e reprodutivos são temas relativamentenovos em nosso direito, ain<strong>da</strong> pouco estu<strong>da</strong>dos etrabalhar com tais conceitos os seguintes pressupostos:com previsão legal defasa<strong>da</strong> e escassa. Segundo o Ministério<strong>da</strong> Saúde, em cartilha lança<strong>da</strong> para apoiar as ações um fun<strong>da</strong>mento ético e constitui um aspecto essenciala) O direito à saúde sexual e reprodutiva releva deeducativas sobre esses temas realiza<strong>da</strong>s pelos serviços de dos direitos <strong>da</strong> pessoa humana, que deve ser traduzidosaúde com as(os) usuárias(os) do SUS (Sistema Único na melhoria <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s populações.de Saúde), 1 são direitos reprodutivos, dentre outros, o direito<strong>da</strong>s pessoas de decidirem, de forma livre e responsável,se querem ou não ter filhos, quantos filhos desejam sexual e reprodutiva devem ser garantidos aos indi-b) Os direitos e liber<strong>da</strong>des em matéria de saúdeter e em que momento de suas vi<strong>da</strong>s. Ain<strong>da</strong>, o direito a víduos (homens e mulheres) e aos casais de todos osinformações, meios, métodos e técnicas para ter ou não estratos sociais.ter filhos, o direito de exercer a sexuali<strong>da</strong>de e a reproduçãolivre de discriminação, imposição e violência. c) Os direitos à saúde sexual e reprodutiva, enquantodireitos humanos, são universais e intimamenteJá os direitos sexuais contemplam o direito de vivere expressar livremente a sexuali<strong>da</strong>de sem violênbidosglobalmente, de forma equitativa e equilibra<strong>da</strong>,associados aos restantes direitos, devendo ser concecia,discriminações e imposições e com respeito pleno acor<strong>da</strong>ndo-lhes a mesma importância, tendo sempre empelo corpo do(a) parceiro(a), o direito de escolher o(a) conta as particulari<strong>da</strong>des nacionais, históricas e as especifici<strong>da</strong>dessocioculturais e religiosas.parceiro(a) sexual, direito de viver plenamente a sexuali<strong>da</strong>desem medo, vergonha, culpa e falsas crenças, bemcomo o direito de viver a sexuali<strong>da</strong>de independentementede estado civil, i<strong>da</strong>de ou condição física. E mais, to a participar e se beneficiar do desenvolvimento eco-d) To<strong>da</strong> a pessoa humana e todos os povos têm direi-o direito de escolher se quer ou não quer ter relação nômico, social, cultural e político, no qual os direitossexual, direito de expressar livremente sua orientação humanos e to<strong>da</strong>s as liber<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mentais possamsexual: heterossexuali<strong>da</strong>de, homossexuali<strong>da</strong>de, bissexuali<strong>da</strong>de,entre outras, o direito de ter relação sexualser plenamente realizados.independentemente <strong>da</strong> reprodução. E também: direitoao sexo seguro para prevenção <strong>da</strong> gravidez indeseja<strong>da</strong> e1 In: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=248162 A IPPF (International Planned Parenthood Federation) é uma provedora mundial deserviços e liderança na defesa <strong>da</strong> saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos para todos.Trata-se de um movimento mundial de organizações nacionais trabalhando junto àscomuni<strong>da</strong>des e indivíduos.<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-48755


Artigos2. HISTÓRICOblicas para atingir a seus objetivos. Atualmente, existeuma campanha por uma Convenção InteramericanaComo já dito, os conceitos de direitos sexuais e direitosreprodutivos são novos. Tais conceitos começam a impulsionar um instrumento internacional que pro-de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, que visaa se formar a partir do final <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial,quando a ideia de direitos individuais começa a direitos humanos.mova e potencialize o reconhecimento e a vigência dosganhar força.A Convenção Interamericana, cuja campanha é promovi<strong>da</strong>por uma aliança regional de redes e organiza-Sexuali<strong>da</strong>de e reprodução foram utiliza<strong>da</strong>s ao longo<strong>da</strong> história como forma de controle do corpo e <strong>da</strong> mente, ções, se fun<strong>da</strong>menta na proteção dos direitos sexuaisprincipalmente <strong>da</strong>s mulheres, e é na busca de expressão e reprodutivos. Segundo Roxana Vásquez, do Comitê<strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de de forma autônoma e libertária em que Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos<strong>da</strong> Mulher (CLADEM),a sexuali<strong>da</strong>de tem sentido, não apenas em função <strong>da</strong> reprodução,mas também na busca do prazer e felici<strong>da</strong>dee também a reprodução encontra sentido, não apenas naconquistar uma convenção que defina e proteja os direitosobrigação que a evolução <strong>da</strong> espécie impõe às mulheres,sexuais e os direitos reprodutivos, [sic] não é uma tarefafácil nem poderá ser alcança<strong>da</strong> a curto prazo. Devemosmas na realização <strong>da</strong>s pessoas que desejam ter filhos.somar forças para que se dê um debate amplo e sustentadoregionalmente, sabendo que este é um campo polêmicoonde se confrontam múltiplos argumentos e atores,Em poucas déca<strong>da</strong>s já se passou a pensar a questão<strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> reprodução de forma libertária evalores e mitos. É necessário que sejamos muitas pessoasdentro <strong>da</strong> lógica dos direitos internacionais e dos direitoshumanos. A déca<strong>da</strong> de 1980 foi um marco em taispensando e atuando juntas. 4evoluções e conquistas.No Brasil, além do CLADEM, são integrantes dessaaliança: Ações em Gênero, Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e Desenvolvimento(AGENDE); Articulação de Mulheres Brasi-Na Conferência <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s para a Déca<strong>da</strong> <strong>da</strong>Mulher: Igual<strong>da</strong>de, Desenvolvimento e Paz, realiza<strong>da</strong> leiras (AMB); Comissão de Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e Reproduçãoem Nairóbi, no Quênia, em Julho de 1985, foi produzidoum documento intitulado “Estratégias para o Futuro- tro Feminista de Estudos e Assessoria (CFÊMEA);(CCR); Católicas pelo Direito de Decidir (CDD); Cen-Progresso <strong>da</strong>s Mulheres até ao ano 2000”. É nessa Conferênciaque os países em desenvolvimento assumem Feminista; GELEDÉS - Instituto <strong>da</strong> Mulher Negra;CONECTAS – Direitos Humanos; CUNHÃ Coletivocompromisso com o combate à mortali<strong>da</strong>de materna. Rede Mulher de Educação; Rede de DesenvolvimentoHumano (REDEH); Rede Nacional Feminista de SaúdeEm 1987, a OMS realizou a Conferência chama<strong>da</strong> “IniciativaMaterni<strong>da</strong>de Segura”, que defendeu a redução <strong>da</strong> Corpo – Instituto Feminista para a Democracia; THE-(RFS), Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos; SOSmortali<strong>da</strong>de materna em até 50%. Nesse mesmo ano, aconteceuo III Encontro Mulher e Saúde na Costa Rica, onde foiMIS – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero. 5lança<strong>da</strong> a Campanha pela redução <strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de materna. Os principais objetivos dessa campanha são colocarem debate público a sexuali<strong>da</strong>de e a reprodução comoA Conferência de População de Desenvolvimento do um assunto de direitos na nossa socie<strong>da</strong>de; gerar informaçãoconfiável, veraz, com a finali<strong>da</strong>de de que to-Cairo em 1994 e a Conferência <strong>da</strong> Mulher de Pequimem 1995 vieram reforçar essa questão, ao afirmarem que: <strong>da</strong>s as pessoas e organizações contem com elementospara formar seus próprios critérios em campos cheiosMulheres e homens têm o direito de decidir livre e conscientementese desejam ter filhos, o seu número, o espaçamento políticas e jurídicas sobre os direitos sexuais e os di-de mitos e prejuízos; acor<strong>da</strong>r e precisar as orientaçõesentre eles, devendo-lhes ser assegura<strong>da</strong>s as informações e os reitos reprodutivos; promover articulações locais quemeios necessários para concretizar esta decisão. Têm ain<strong>da</strong>,impulsionem o processo em to<strong>da</strong> a região; alertar sobreo direito de viver com plenitude e saúde a sua sexuali<strong>da</strong>de.Assim como durante a gestação e o abortamento legal ou as violações aos direitos humanos nessas esferas, assiminseguro, as mulheres têm o pleno direito de ser atendi<strong>da</strong>s como em relação aos possíveis retrocessos institucionaise normativos e responder frente a eles. 6com segurança e quali<strong>da</strong>de pelos serviços de saúde. 3O Brasil é signatário de to<strong>da</strong>s essas conferências, o 4 In http://www.clam.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=240&sid=8que o compromete com a construção de políticas pú- 5 In http://www.convencion.org.uy3 In: http://www.pps.org.br/mulheres/documentos/3enc_pal_dirsexuais.doc6 In http://www.convencion.org.uy6 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


ArtigosOs direitos reprodutivos dizem respeito à igual<strong>da</strong>dee à liber<strong>da</strong>de na esfera <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> reprodutiva. Os direitossexuais dizem respeito à igual<strong>da</strong>de e à liber<strong>da</strong>de noexercício <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de. Assim, devemos tratar sexuali<strong>da</strong>dee reprodução como dimensões <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia econsequentemente <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> democrática. Tratá-los comodois campos separados também é necessário no sentidode assegurar a autonomia dessas duas esferas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,o que permite relacioná-los entre si e com várias outrasdimensões <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social.É também um reconhecimento <strong>da</strong>s razões históricasque levaram o movimento feminista a defender a liber<strong>da</strong>desexual <strong>da</strong>s mulheres como diretamente relaciona<strong>da</strong> àsua autonomia de decisão na vi<strong>da</strong> reprodutiva. A luta nocampo ideológico para romper com a moral conservadora,que prescrevia para as mulheres a submissão <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>deà reprodução, teve um significado muito forte nahistória <strong>da</strong> prática política e do pensamento feministas.Essa mesma moral é também definidora <strong>da</strong> heterossexuali<strong>da</strong>decomo expressão “natural” de relacionamentosexual e como a única que deveria ser aceitasocialmente. A heterossexuali<strong>da</strong>de como norma foi oesteio desse modelo de sexuali<strong>da</strong>de baseado em sexoprocriação.Direitos sexuais, ao colocar as relações sexuaiscomo relações sociais a serem considera<strong>da</strong>s noplano <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e, portanto, media<strong>da</strong>s e garanti<strong>da</strong>snas necessi<strong>da</strong>des que produzem por meio de direitos,colocam a heterossexuali<strong>da</strong>de e a homossexuali<strong>da</strong>decomo práticas sexuais igualmente livres. Nesse sentido,o processo de construção dos direitos reprodutivose direitos sexuais se integra ao processo mais amplo deconstrução <strong>da</strong> democracia.3. PRINCÍPIOSEm maio de 2008, foi apresenta<strong>da</strong> e adota<strong>da</strong> pelo ConselhoDiretivo <strong>da</strong> IPPF uma Declaração, construí<strong>da</strong> combase na Carta <strong>da</strong> IPPF, sobre Direitos Sexuais e Reprodutivos.Essa Declaração é uma ferramenta para to<strong>da</strong>s asorganizações, ativistas, pesquisadores, legisladores e formadoresde opinião que trabalham para promover e garantiros Direitos Humanos e de Saúde Sexual e Reprodutiva.A Declaração traz sete princípios orientadores quefornecem uma estrutura para todos os direitos sexuaisnela incluídos. Os direitos sexuais são parte dos direitoshumanos, universais e indivisíveis, e estão de acordocom os princípios <strong>da</strong> não discriminação.Apresentam-se, assim, os sete princípios norteadores<strong>da</strong> moderna doutrina acerca dos direitos sexuais:<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-48751) Sexuali<strong>da</strong>de é uma parte integrante <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>dede todo ser humano, e, por essa razão, um ambientefavorável, onde todos possam usufruir de todos os direitossexuais como parte do processo de desenvolvimento,deve ser criado. A sexuali<strong>da</strong>de é parte integrante <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>dede ca<strong>da</strong> ser humano em to<strong>da</strong>s as socie<strong>da</strong>des.Embora os indivíduos experimentem sua sexuali<strong>da</strong>deao longo de suas vi<strong>da</strong>s de varia<strong>da</strong>s formas, de acordocom fatores internos e externos, os direitos humanosrelacionados à sexuali<strong>da</strong>de, sua proteção e promoçãodevem ser parte <strong>da</strong> existência diária de todos os indivíduos,em todos os lugares. Além disso, a sexuali<strong>da</strong>dedeveria ser reconheci<strong>da</strong> como um aspecto positivo <strong>da</strong>vi<strong>da</strong>. Os direitos sexuais são direitos humanos universaisbaseados na liber<strong>da</strong>de, digni<strong>da</strong>de e igual<strong>da</strong>de inerentesa todos os seres humanos.De acordo com a Carta sobre Direitos Sexuais eReprodutivos, a IPPF afirma que a pessoa é o sujeitocentral do desenvolvimento e reconhece a importânciade se criar um ambiente favorável, em que todoindivíduo possa desfrutar de todos os direitos sexuaise seja capaz de ter um papel ativo nos processos de desenvolvimentoeconômico, social, cultural e político.A sexuali<strong>da</strong>de é um aspecto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social e humanaque abrange as dimensões do corpo, mente, políticas,saúde e socie<strong>da</strong>de.2) Os direitos e proteções garantidos a pessoas menoresde dezoito anos diferem <strong>da</strong>queles dos adultos edevem levar em consideração a capaci<strong>da</strong>de e o discernimentode ca<strong>da</strong> criança para exercer os direitos emseu próprio nome.A IPPF entende que os direitos e proteções garantidosa pessoas menores de 18 anos de i<strong>da</strong>de, paraefeito de direito internacional e nacional, às vezesdiferem dos direitos dos adultos. Essas diferenças sereferem a todos os aspectos dos Direitos Humanos,mas exigem abor<strong>da</strong>gens especiais com relação aosdireitos sexuais.Além disso, o princípio <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de em desenvolvimentocombina o respeito pelas crianças, suadigni<strong>da</strong>de e direito à proteção contra to<strong>da</strong>s as formasde <strong>da</strong>nos, enquanto também reconhece o valor de suaprópria contribuição para a proteção dessas crianças.As socie<strong>da</strong>des devem criar ambientes nos quais ascrianças e os adolescentes possam alcançar suas capaci<strong>da</strong>desideais e onde seja conferido maior respeitoa seu potencial para a participação e responsabili<strong>da</strong>depela toma<strong>da</strong> de decisões sobre suas próprias vi<strong>da</strong>s.7


ArtigosAqui se respeitam, também, os princípios <strong>da</strong> priori<strong>da</strong>deabsoluta <strong>da</strong>s crianças e adolescentes e o principio do respeitoà pessoa em especial processo de desenvolvimento.3) A não discriminação sustenta a proteção e promoçãode todos os Direitos Humanos.A IPPF compreende que uma estrutura de não discriminaçãopermeia a proteção e promoção de todos osdireitos humanos. Esse princípio de não discriminaçãoproíbe qualquer distinção, exclusão ou restrição combase no sexo, i<strong>da</strong>de, gênero, identi<strong>da</strong>de de gênero, orientaçãosexual, estado civil, histórico ou comportamentosexual – quer real ou imputado –, raça, cor, etnia, idioma,religião, opinião política ou outra, origem nacional, geográficaou social, proprie<strong>da</strong>de, nascimento, invalidez físicaou mental, condição de saúde, incluindo HIV/AIDS,e estado civil, político, social ou outro que tenha o propósitoou a finali<strong>da</strong>de de prejudicar ou anular o reconhecimento,usufruto ou exercício, sob uma base de igual<strong>da</strong>decom os demais indivíduos, de todos os direitos humanose liber<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mentais no campo político, econômico,social, cultural, civil ou qualquer outro campo.Os indivíduos experimentam barreiras diferentespara a realização de seus direitos sexuais. A equi<strong>da</strong>deexige a retira<strong>da</strong> dessas barreiras para que os diversosindivíduos desfrutem dos direitos fun<strong>da</strong>mentais e liber<strong>da</strong>desem base de igual<strong>da</strong>de com os demais. Isso podeexigir que seja <strong>da</strong><strong>da</strong> uma atenção especial a gruposmarginalizados e com dificul<strong>da</strong>de de acesso a serviços.4) A sexuali<strong>da</strong>de e o prazer derivado dela são aspectoscentrais do ser humano, quer a pessoa opte porreproduzir-se ou não.A saúde sexual se estende por to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>. A sexuali<strong>da</strong>deé um fator integrante em quase to<strong>da</strong>s as decisõesreprodutivas; porém, é um aspecto central do ser humano,quer a pessoa opte por reproduzir-se ou não.A sexuali<strong>da</strong>de não é meramente um veículo para queos indivíduos satisfaçam seus interesses reprodutivos.O direito à experiência e a usufruir <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de, independentemente<strong>da</strong> reprodução, e a reprodução, independente<strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de, deve ser protegi<strong>da</strong>, prestando-semaior atenção àqueles a quem, historicamente eno momento atual, tal direito é negado.5) A garantia dos direitos sexuais para todos inclui umcompromisso com a liber<strong>da</strong>de e a proteção contra <strong>da</strong>nos.O direito de ser protegido e ter recurso contra to<strong>da</strong>sas formas de violência e <strong>da</strong>nos dão suporte aos direitossexuais. O <strong>da</strong>no relacionado à sexuali<strong>da</strong>de inclui tantoa violência quanto o abuso de natureza física, verbal,psicológica, econômica e sexual, assim como tambéma violência contra indivíduos com base em sexo, i<strong>da</strong>de,gênero, identi<strong>da</strong>de de gênero, orientação sexual, estadocivil, histórico ou comportamento sexual, quer real ouimputado, práticas sexuais ou formas de manifestaçãode sua sexuali<strong>da</strong>de.To<strong>da</strong>s as crianças e adolescentes têm o direito dedesfrutar do direito à proteção especial contra to<strong>da</strong>sas formas de exploração. Isso inclui proteção contra aexploração sexual e to<strong>da</strong>s as formas de abuso sexual,violência e assédio, inclusive coerção de crianças paraquaisquer práticas sexuais, e o uso de crianças em espetáculose materiais pornográficos.6) Os direitos sexuais devem estar sujeitos apenasàquelas limitações determina<strong>da</strong>s pela lei, com a finali<strong>da</strong>dede garantir o devido reconhecimento e respeitoaos direitos e liber<strong>da</strong>des de terceiros e ao bem-estargeral em uma socie<strong>da</strong>de democrática.Os direitos sexuais, assim como outros direitos humanos,devem estar submetidos apenas àquelas limitaçõesdetermina<strong>da</strong>s pela lei com a finali<strong>da</strong>de de garantir odevido reconhecimento e respeito aos direitos e liber<strong>da</strong>desde terceiros, e ao bem-estar geral em uma socie<strong>da</strong>dedemocrática, saúde pública e ordem pública, de acordocom os princípios dos Direitos Humanos. Tais limitaçõesdevem ser não discriminatórias, necessárias e proporcionaisà realização de um objetivo legítimo. O exercíciodos direitos sexuais deve ser orientado pela consciênciado relacionamento dinâmico entre os interesses pessoaise sociais, reconhecimento <strong>da</strong> existência de uma plurali<strong>da</strong>dede opiniões e a necessi<strong>da</strong>de de garantir a igual<strong>da</strong>de,a digni<strong>da</strong>de e o respeito pela diferença.7) As obrigações de respeitar, proteger e cumprir sãoaplicáveis a todos os direitos sexuais e liber<strong>da</strong>des.Os direitos sexuais e liber<strong>da</strong>des abrangem causas legais,bem como o acesso aos meios para a realização dessasreivindicações. Assim como ocorre com outros DireitosHumanos, os Estados têm obrigações em três níveis:respeitar, proteger e cumprir os Direitos Sexuais de todos.A obrigação “respeitar” exige que os Estados seabstenham de interferir, direta ou indiretamente, como desfrute de um determinado direito, nesse caso, osdireitos sexuais. A obrigação de “proteger” exige queos Estados tomem medi<strong>da</strong>s que impeçam que terceiros8 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


Artigosinterfiram com as garantias dos Direitos Humanos. Aobrigação de “cumprir” exige que os Estados adotemmedi<strong>da</strong>s legislativas, administrativas, orçamentárias,judiciais, promocionais e outras medi<strong>da</strong>s apropria<strong>da</strong>spara a realização plena do direito.4. DIREITOS SEXUAIS, GÊNERO, IDENTIDADEDE GÊNERO, SEXUALIDADE E ORIENTAÇÃOSEXUAL: DIFERENÇASÉ muito comum que se confun<strong>da</strong> gênero, identi<strong>da</strong>dede gênero, sexuali<strong>da</strong>de e orientação sexual. Entretanto,tais expressões possuem significados diversos.Gênero é o termo que se refere a um princípio de organizaçãoe hierarquização do mundo ao nosso redor quetoma por base as diferenças percebi<strong>da</strong>s entre os sexos;não diz respeito apenas aos corpos humanos e suas respectivasgenitálias, mas a tudo que se relaciona com essescorpos (os objetos, as ativi<strong>da</strong>des, os lugares, as cores,as roupas e adereços, os comportamentos, o gestual).A definição de gênero leva em consideração que oscomportamentos de indivíduos de sexos diferentes não sãobiologicamente determinados, mas socialmente construídospor meio <strong>da</strong> relação entre o indivíduo e a cultura, em umprocesso de socialização. Comportamentos masculinos efemininos não são <strong>da</strong>dos pela natureza, logo há várias formasde ser homem ou mulher, menino ou menina.Já a identi<strong>da</strong>de de gênero diz respeito à percepção subjetivade ser masculino ou feminino. Nossa cultura privilegiaa diferença sexual biológica como sendo a base <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>dede gênero. Assim, diferenças anatômicas entre os sexossão toma<strong>da</strong>s como base não apenas para dividir o mundoentre homens e mulheres, como também para definir quemdeve se sentir masculino ou feminina e como “homens“ e“mulheres” devem se vestir, comportar e desejar.<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875Apesar <strong>da</strong>s normas sociais que dividem rigi<strong>da</strong>menteo mundo entre homens e mulheres, masculinos e femininas,há uma ampla gama de sujeitos que não estãoincluídos a partir de tais normas. As transformistas oucrossdressers são aquelas que assumem as roupas e asaparências do sexo oposto em ocasiões especiais; as travestisse vestem e vivem cotidianamente como pessoasdo sexo oposto, muitas vezes realizando mu<strong>da</strong>nças corporaisnessa direção; os transexuais se identificam como sexo oposto a ponto de não se reconhecerem com osexo com que foram designados ao nascer, realizando,inclusive, cirurgias para alteração <strong>da</strong> genitália; já os intersexuaisapresentam variações bioanatômicas no quediz respeito à corporali<strong>da</strong>de masculina ou feminina, especialmenteem relação aos genitais. Assim, identi<strong>da</strong>dede gênero significa o gênero com o qual o indivíduose identifica, se apercebe subjetivamente, psicologicamente,independentemente de seu corpo físico.Diferentemente dos conceitos acima expostos, oconceito de sexuali<strong>da</strong>de diz respeito ao prazer e desejossexuais. Do século XIX até após a metade do séculoXX, pensava-se a sexuali<strong>da</strong>de como força ou instintoirrefreável nos seres humanos, guia<strong>da</strong> pela natureza ounecessi<strong>da</strong>de de perpetuação <strong>da</strong> espécie e acreditava-seque expressões específicas <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de atravessariama história e as culturas, porque seriam inerentesaos sujeitos ou aos seus corpos.Hoje a psicologia nos ensina que a sexuali<strong>da</strong>de éalgo bem mais complexo, envolvendo uma articulaçãode fatores biológicos, psicológicos e sociais. A formacomo pensamos e vivemos a sexuali<strong>da</strong>de se diferenciados modos como se pensava e vivia as ativi<strong>da</strong>desliga<strong>da</strong>s ao prazer e à reprodução em outras épocas elugares; os atos sexuais fisicamente idênticos podemter importância e significados variados para diferentesgrupos humanos, sendo que a relação entre atos sexuaise significados sexuais não é fixa.Por fim, a orientação sexual se refere ao sexo <strong>da</strong>spessoas que elegemos como objetos de desejo e afeto.Hoje são reconhecidos três tipos de orientação sexual:a heterossexuali<strong>da</strong>de, que consiste na atração físicae emocional por pessoas do sexo oposto; a homossexuali<strong>da</strong>de,atração física e emocional por pessoas domesmo sexo; e a bissexuali<strong>da</strong>de que na<strong>da</strong> mais é quea atração física e emocional tanto pelo mesmo sexoquanto pelo sexo oposto. Frise-se que a orientação sexualnão implica nenhum outro tipo de comportamentode ordem moral, sexual ou de gênero, além <strong>da</strong> atraçãoafetivo-sexual.Assim, o gênero, a identi<strong>da</strong>de de gênero, a sexuali<strong>da</strong>dee a orientação sexual decorrem <strong>da</strong> própria naturezado individuo. E, nas palavras <strong>da</strong> doutrinadora MariaBerenice Dias,como direito do individuo, é um direito natural, inalienávele imprescritível. Ninguém pode realizar-se como serhumano se não tiver assegurado o respeito ao exercício <strong>da</strong>sexuali<strong>da</strong>de, conceito que compreende tanto a liber<strong>da</strong>desexual como a liber<strong>da</strong>de à livre orientação sexual. (...)Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livreexercício <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de. 77 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito <strong>da</strong>s famílias, p. 1849


Artigos5. ESTATÍSTICAS DA DISCRIMINAÇÃO HO-MOFÓBICANo ano de 2006, foi realiza<strong>da</strong> pesquisa na 10ª Para<strong>da</strong>do Orgulho LGBTT de São Paulo, fruto do projeto Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>niaGLBT e vitimização homofóbica, organizado pelaAssociação <strong>da</strong> Para<strong>da</strong> do Orgulho GLBT de São Paulo(APOGLBT-SP) com recursos do Programa Brasil semHomofobia, disponibilizado pela Secretaria Especial deDireitos Humanos <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong> República.Como resultado <strong>da</strong> pesquisa realiza<strong>da</strong>, constatou-seque 67% dos entrevistados já haviam sido vitimas dealgum tipo de discriminação no emprego, comércio,sistema de saúde, escola ou facul<strong>da</strong>de, ambiente familiar,entre amigos e vizinhos, ambiente religioso, aodoar sangue e em delegacias. Ain<strong>da</strong>, 59% dos entrevistadosafirmaram que já haviam sido vitimas de algumtipo de agressão em virtude de sua orientação sexual(agressões verbais, agressões físicas, chantagens, extorsões,violência sexual, golpes).Dentre as formas mais relata<strong>da</strong>s de discriminação,há predominância dos que relataram ter sido excluídosou marginalizados por amigos ou vizinhos (32%) e porprofessores ou colegas de escola/facul<strong>da</strong>de (29%). Notocante às agressões, os maiores índices estão presentesentre as agressões verbais ou ameaças de agressão,com 55% dos relatos. Para 60% dos entrevistados, asagressões mais marcantes foram aquelas sofri<strong>da</strong>s emlocais públicos. Os agressores, em 48% dos casos, sãopessoas desconheci<strong>da</strong>s. As agressões menos relata<strong>da</strong>ssão as sexuais. Em ca<strong>da</strong> cinco casos, apenas um chegouao conhecimento de terceiros, em geral, amigos. A ca<strong>da</strong>cinco agressões verbais ou ameaças de agressão ouchantagens e extorsões, dois casos foram relatados àsautori<strong>da</strong>des e um deles apenas para amigos. As agressõesmais denuncia<strong>da</strong>s em delegacias são as que dizemrespeito a ocorrências do golpe “Boa noite Cinderela”,perfazendo a metade dos casos encontrados perante asautori<strong>da</strong>des, seguido <strong>da</strong>s agressões físicas.Na conclusão, os autores <strong>da</strong> pesquisa chamam a atençãopara o fato de que a população encontra<strong>da</strong> na Para<strong>da</strong>do Orgulho LGBTT de São Paulo possui diferenciais comrelação ao total <strong>da</strong> população LGBTT: trata-se de um públicoaltamente escolarizado, com boa inserção no mercadode trabalho e níveis de politização e conhecimento dedireitos provavelmente maiores do que os que podem serencontrados entre o restante <strong>da</strong> população LGBTT.Assim, se os <strong>da</strong>dos de vitimização encontrados napesquisa são tão altos e o encaminhamento dos casos deviolência às autori<strong>da</strong>des tão baixo, é muito provável que areali<strong>da</strong>de entre LGBTT que tenham menos recursos econômicose menor acesso a informações seja muito maisgrave do que a pesquisa detectou. Logo, a implementaçãode políticas públicas de proteção à população LGBTT e decombate à discriminação homofóbica é urgente.A revista Superinteressante, em Julho de 2004, apresentouuma matéria com os 37 direitos civis que o Brasilnega aos homossexuais (além de muitos outros que ain<strong>da</strong>existem, segundo a população LGBT), dentre eles, 8 nãopodem casar; não têm reconheci<strong>da</strong> a união estável; nãoparticipam de programas do Estado vinculados à família;não têm garantia de pensão alimentícia em caso deseparação; não podem assumir a guar<strong>da</strong> do filho do cônjuge;não adotam filho em conjunto; não têm licença-materni<strong>da</strong>depara nascimento de filha <strong>da</strong> parceira; não têmdireito à herança; não têm garantia a permanência no larquando o(a) parceiro(a) morre; não podem ser curadoresdo(a) parceiro(a) declarado judicialmente incapaz; nãopodem declarar parceiro(a) como dependente do Impostode Ren<strong>da</strong> (IR); não são reconhecidos como enti<strong>da</strong>defamiliar, mas sim como sócios(as); não têm suas açõeslegais julga<strong>da</strong>s pelas varas de família.6. LEGISLAÇÃO SOBRE O TEMAQuanto aos direitos sexuais relativos ao público LGBT,o que temos atualmente normatizando acerca do assuntosão portarias do Ministério <strong>da</strong> Saúde, resoluções, circularese decisões jurisprudenciais, além de projetos de lei que tratam<strong>da</strong> matéria. Trataremos de alguns desses instrumentos.6.1) Portaria do Ministério <strong>da</strong> Saúde n.º 1.707, de 18de Agosto de 2008Publica<strong>da</strong> no Diário oficial <strong>da</strong> União em 19.08.2008,“institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS),o Processo Transexualizador, a ser implantado nas uni<strong>da</strong>desfedera<strong>da</strong>s, respeita<strong>da</strong>s as competências <strong>da</strong>s trêsesferas de gestão”.Além <strong>da</strong>s orientações fixa<strong>da</strong>s e <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>realização de processo transexualizador pelo SistemaÚnico de Saúde, é importante também verificarmosneste diploma legal seus “considerandos” que reconhecema orientação sexual e a identi<strong>da</strong>de de gênero comodeterminantes e condicionantes <strong>da</strong> situação de saúde<strong>da</strong>s pessoas que vivenciam esta reali<strong>da</strong>de, conforme severifica no texto <strong>da</strong> portaria menciona<strong>da</strong>:Considerando que a orientação sexual e a identi<strong>da</strong>de de8 Revista Superinteressante, Edição 202 - Julho de 2004, de Sergio Gwercman.10 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


Artigosgênero são fatores reconhecidos pelo Ministério <strong>da</strong> Saúdecomo determinantes e condicionantes <strong>da</strong> situação de saúde,não apenas por implicarem práticas sexuais e sociais específicas,mas também por expor a população GLBTT (Gays,Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais) a agravosdecorrentes do estigma, dos processos discriminatórios e deexclusão que violam seus direitos humanos, dentre os quaisos direitos à saúde, à digni<strong>da</strong>de, à não discriminação, à autonomiae ao livre desenvolvimento <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de;Considerando que a Carta dos Direitos dos Usuários <strong>da</strong>Saúde, instituí<strong>da</strong> pela Portaria nº 675/GM, de 31 de marçode 2006, menciona, explicitamente, o direito ao atendimentohumanizado e livre de discriminação por orientaçãosexual e identi<strong>da</strong>de de gênero a todos os usuários doSistema Único de Saúde (SUS);Considerando que o transexualismo trata-se de um desejode viver e ser aceito na condição de enquanto pessoa dosexo oposto, que em geral vem acompanhado de um malestarou de sentimento de ina<strong>da</strong>ptação por referência aseu próprio sexo anatômico, situações estas que devemser abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s dentro <strong>da</strong> integrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> atenção à saúdepreconiza<strong>da</strong> e a ser presta<strong>da</strong> pelo SUS;Considerando a Resolução nº 1.652, de 6 de novembrode 2002, do Conselho Federal de Medicina, que dispõesobre a cirurgia do transgenitalismo;Considerando a necessi<strong>da</strong>de de regulamentação dos procedimentosde transgenitalização no SUS;Art. 1º Instituir, no âmbito do Sistema Único de Saúde(SUS), o Processo Transexualizador a ser empreendidoem serviços de referência devi<strong>da</strong>mente habilitados à atençãointegral à saúde aos indivíduos que dele necessitem,observa<strong>da</strong>s as condições estabeleci<strong>da</strong>s na Resolução nº1.652, de 6 de novembro de 2002, expedi<strong>da</strong> pelo ConselhoFederal de Medicina.O processo transexualizador obedece a uma série deregras e necessita do preenchimento de diversos requisitospara que se chegue à realização <strong>da</strong> cirurgia, como previstona resolução n.º 1652/02 do Conselho Federal de Medicina. 96.2) Circular <strong>da</strong> Superintendência de Seguros Privadosdo Ministério <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> n.º 257, de 21 dejunho de 2004Esse documento regulamenta o direito do companheiroou companheira homossexual à percepção de indenizaçãoem caso de morte do outro, na condição de dependentepreferencial <strong>da</strong> mesma classe dos companheirosheterossexuais, como beneficiário do Seguro Obrigatóriode Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores9 Como exemplo podemos citar os artigos 3 e 4 <strong>da</strong> cita<strong>da</strong> resolução, a saber: “Art.3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixoenumerados: 1) Desconforto com o sexo anatômico natural; 2) Desejo expresso deeliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do própriosexo e ganhar as do sexo oposto; 3) Permanência desses distúrbios de forma contínuae consistente por, no mínimo, dois anos; 4) Ausência de outros transtornosmentais. Art. 4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedeceráa avaliação de equipe multidisciplinar constituí<strong>da</strong> por médico psiquiatra,cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, obedecendo os critériosabaixo definidos, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto:1) Diagnóstico médico de transgenitalismo; 2) Maior de 21 (vinte e um) anos; 3) Ausênciade características físicas inapropria<strong>da</strong>s para a cirurgia”.<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875de Via Terrestre, ou por sua Carga, a Pessoas Transporta<strong>da</strong>sou não - Seguro DPVAT. Essa circular foi elabora<strong>da</strong>em cumprimento à decisão judicial concedi<strong>da</strong> em sedede tutela antecipa<strong>da</strong> em Ação Civil Pública movi<strong>da</strong> peloMinistério Público em face <strong>da</strong> SUSEP.Por ela, como a própria ementa acima transcrita indica,companheiros homossexuais podem, em igual<strong>da</strong>de com odireito atribuído a companheiros heterossexuais, receber seguroindenizatório obrigatório e decorrente de lei em casode <strong>da</strong>nos causados por acidentes envolvendo veículos automotoresterrestres. É um grande avanço para a populaçãoLGBT e para o reconhecimento de igual<strong>da</strong>de entre os ci<strong>da</strong>dãos,independentemente de sua orientação sexual.6.3) Circular n.º 293/2005 do Colégio Notarial doEstado de São PauloO Colégio Notarial, na menciona<strong>da</strong> circular, informouque todos os Tabeliães do Estado de São Pauloestão autorizados a registrar documentos referentes àunião estável de pessoas do mesmo sexo. Com essadecisão, qualquer ci<strong>da</strong>dão habitante no Estado de SãoPaulo pode registrar sua união estável.A decisão é de extrema importância porque é o DocumentoDeclaratório de Convivência Homoafetiva,devi<strong>da</strong>mente registrado, que permite recebimento depensão vitalícia em caso de morte de companheiro juntoao INSS e também oficializar outros direitos previdenciáriosou patrimoniais. Trata-se de documento públicoque reconhece e oficializa a união homossexual.6.4) Instrução Normativa INSS/PRES n.º 20 de 10de outubro de 2007Em termos de pensão por morte aos homossexuais,podemos considerar que a Previdência Social está emuma posição de vanguar<strong>da</strong> em relação aos demais órgãospúblicos, já que os inclui no rol dos DependentesPreferenciais de Classe I, ao lado do cônjuge, dofilho não emancipado menor de 21 anos e do dependenteinválido. Essa inclusão é fruto do julgamento deuma Ação Civil Pública ajuiza<strong>da</strong> no Rio Grande do Sulproposta para que fosse garantido tal direito, lograndoêxito perante o STF, por meio do Ministro MarcoAurélio, 10 encontrando-se atualmente na Instrução Nor-10 Ação Civil Pública - Tutela Imediata - INSS - Condição de Dependente - Companheiroou Companheira Homossexual - Eficácia Erga Omnes - Excepcionali<strong>da</strong>de NãoVerifica<strong>da</strong> - Suspensão Indeferi<strong>da</strong>.1. O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, na peça de folha 2 a 14, requer a suspensãodos efeitos <strong>da</strong> liminar deferi<strong>da</strong> na Ação Civil Pública n.º 2000.71.00.009347-0,ajuiza<strong>da</strong> pelo Ministério Público Federal. O requerente alega que, por meio do atojudicial, a que se atribuiu efeito nacional, restou-lhe imposto o reconhecimento, parafins previdenciários, de pessoas do mesmo sexo como companheiros preferenciais. Eis11


Artigosmativa INSS/PRES n.º 20 de 10 de outubro de 2007,que, em seu art. 30 prevê:Art. 30. O companheiro ou a companheira homossexual desegurado inscrito no RGPS passa a integrar o rol dos dependentese, desde que comprova<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> em comum, concorre,para fins de pensão por morte e de auxílio-reclusão, comos dependentes preferenciais de que trata o inciso I do art.16 <strong>da</strong> Lei n.º 8.213, de 1991, para óbito ou reclusão ocorridoa partir de 5 de abril de 1991, ou seja, mesmo anterior à<strong>da</strong>ta <strong>da</strong> decisão judicial proferi<strong>da</strong> na Ação Civil Pública n.º2000.71.00.009347-0.Frise-se que os dependentes de Classe I não precisamcomprovar a dependência econômica, sendo que, nocaso dos (as) companheiros (as), homossexuais ou não,deve-se apenas comprovar a união estável, o que atualmentepode ser realizado de diversas maneiras (provastestemunhais, documentais, etc.) e, mesmo que referi<strong>da</strong>sprovas não sejam admiti<strong>da</strong>s administrativamente peloINSS, a pretensão poderá ser persegui<strong>da</strong> judicialmente.6.5) Recurso Especial n.º 820.475O Superior Tribunal de Justiça, no Resp n.º 820.475,decidiu que a Constituição não proíbe expressamentea união estável entre homossexuais. E, assim, abriu apossibili<strong>da</strong>de para que homossexuais formem uma família.Os Ministros man<strong>da</strong>ram a 4ª Vara de Família deSão Gonçalo (RJ) julgar o processo ajuizado.Foi a primeira vez que o STJ analisou o caso sob aótica do Direito de Família. Até então, a união homossexualvinha sendo reconheci<strong>da</strong> pelos tribunais comosocie<strong>da</strong>de de fato sob o aspecto patrimonial. A votaçãona 4ª Turma foi por 3 votos a 2. Com o voto desempatedo ministro Luís Felipe Salomão, a Turma afastou oimpedimento jurídico para que o mérito do pedido sejaanalisado na vara de família.O casal entrou com ação de reconhecimento <strong>da</strong>união na primeira instância. Os dois alegaram que vivemjuntos há anos de forma duradoura, contínua e pública.O pedido foi negado e o processo extinto semjulgamento do mérito. Eles recorreram ao Tribunal deJustiça do Rio de Janeiro, que também rejeitou a proaparte conclusiva do ato (folhas 33 e 34):Com as considerações supra, DEFIRO MEDIDA LIMINAR, de abrangência nacional,para o fim de determinar ao Instituto Nacional do Seguro Social que:a) passe a considerar o companheiro ou companheira homossexual como dependentepreferencial (art. 16, I, <strong>da</strong> Lei 8.213/91);b) possibilite que a inscrição de companheiro ou companheira homossexual, como dependente,seja feita diretamente nas dependências <strong>da</strong> Autarquia, inclusive nos casos desegurado empregado ou trabalhador avulso;c) passe a processar e a deferir os pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão realizadospor companheiros do mesmo sexo, desde que cumpridos pelos requerentes, noque couber, os requisitos exigidos dos companheiros heterossexuais (arts. 74 a 80 <strong>da</strong>Lei 8.213/91 e art. 22 do Decreto nº 3.048/99).posta. Para os desembargadores, não há previsão legalpara tal hipótese na legislação brasileira. O caso foi parar,então, no STJ.Os ministros Pádua Ribeiro e Massami Uye<strong>da</strong> votarama favor do pedido. Eles entenderam que a legislaçãobrasileira não traz nenhuma proibição ao reconhecimentode união estável entre pessoas do mesmo sexo.Os ministros Fernando Gonçalves e Aldir PassarinhoJúnior negaram o recurso. Para eles, a ConstituiçãoFederal só considera a relação entre homem e mulhercomo enti<strong>da</strong>de familiar.O ministro Luís Felipe Salomão também ressaltouque o legislador, caso desejasse, poderia utilizar expressãorestritiva de modo a impedir que a união entrepessoas do mesmo sexo ficasse definitivamente excluí<strong>da</strong><strong>da</strong> abrangência legal, mas não procedeu dessa maneira.Ele concluiu seu voto destacando que o STJ não julgou aprocedência ou improcedência <strong>da</strong> ação, ou seja, não discutiua legali<strong>da</strong>de ou não <strong>da</strong> união estável entre homossexuais,mas apenas a possibili<strong>da</strong>de jurídica do pedido.Porém, essa aparentemente simples decisão do STJreconhece a existência jurídica de uniões homossexuais,sua possibili<strong>da</strong>de como pedido e, mais, a necessi<strong>da</strong>dede serem julga<strong>da</strong>s tais ações nas varas de família,visto que tais uniões configuram enti<strong>da</strong>des familiares. 116.6) Projeto de Lei n.º 2285 de 2007 – Estatuto <strong>da</strong>sFamíliasDe autoria do Deputado Federal Sergio Barra<strong>da</strong>sCarneiro, o Estatuto <strong>da</strong>s Famílias, texto legal elaboradopelo Instituto Brasileiro de Direito de Família(IBDFAM), prevê em diversos de seus artigos direitosatribuídos à população LGBT. Tal projeto de lei visa asubstituir o Livro de Direito de Família e Sucessões doatual Código Civil.Em seu art. 68, o Estatuto prevê que:É reconheci<strong>da</strong> como enti<strong>da</strong>de familiar a união entre duas11 Processual Civil. Princípio <strong>da</strong> Identi<strong>da</strong>de Física do Juiz. CPC, Art. 132. Ofensa NãoCaracteriza<strong>da</strong>. Ação Declaratória de União Estável. Pessoas do mesmo sexo. Possibili<strong>da</strong>deJurídica do Pedido. Viabili<strong>da</strong>de. Aplicação do Método de Integração do Direito.I - Se a magistra<strong>da</strong> que presidiu a colheita <strong>da</strong>s provas estava de férias, não há identificarofensa ao art. 132 do CPC. Tanto mais no caso em que as provas foram colhi<strong>da</strong>santecipa<strong>da</strong>mente.II - É firme o entendimento, tanto doutrinário como jurisprudencial, no sentido de que apossibili<strong>da</strong>de jurídica do pedido, uma <strong>da</strong>s condições <strong>da</strong> ação, está vincula<strong>da</strong> à inexistênciade ve<strong>da</strong>ção explícita pelo ordenamento jurídico do pleito contido <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>. Precedentes.III - Não havendo ve<strong>da</strong>ção expressa no ordenamento jurídico quanto ao pedido de declaraçãode União estável de pessoas do mesmo sexo, embora a união homoafetiva nãoconfigure união estável nos termos <strong>da</strong> lei de regência, devem serem aplica<strong>da</strong>s as regrasdeste instituto atendendo-se aos preceitos contidos nos arts. 4º <strong>da</strong> LICC e 126 do CPC.IV - Recurso especial conhecido e provido.12 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


Artigospessoas de mesmo sexo que mantenham convivência pública,contínua, duradoura com objetivo de constituir de constituiçãode família, aplicando-se, no que couber, as regrasconcernentes à união estável.Parágrafo único. Dentre os direitos assegurados incluem-se:I – guar<strong>da</strong> e convivência com os filhos;II – a adoção de filhos;III – direito previdenciário;IV – direito à herança.O Estatuto também regula a questão de guar<strong>da</strong> de filhosnas uniões designa<strong>da</strong>s homoafetivas (art. 97), o direito aalimentos entre os companheiros e forma de sua extinção(art. 121), apresentando um capítulo inteiro para reconhecimentos<strong>da</strong>s uniões estáveis e <strong>da</strong>s uniões homoafetivas(Capitulo III do Título VII) bem como sua dissolução.Em sua justificação, o projeto de lei comenta acerca<strong>da</strong>s uniões homoafetivas:O estágio cultural que a socie<strong>da</strong>de brasileira vive, na atuali<strong>da</strong>de,encaminha-se para o pleno reconhecimento <strong>da</strong>união homoafetiva como enti<strong>da</strong>de familiar. A norma do art.226 <strong>da</strong> Constituição é de inclusão - diferentemente <strong>da</strong>s normasde exclusão <strong>da</strong>s Constituições pré-1988 -, abrigandogenerosamente os arranjos familiares existentes na socie<strong>da</strong>de,ain<strong>da</strong> que diferentes do modelo matrimonial. A explicitaçãodo casamento, <strong>da</strong> união estável e <strong>da</strong> família monoparentalnão exclui as demais que se constituem comocomunhão de vi<strong>da</strong> afetiva, com finali<strong>da</strong>de de família, demodo público e contínuo. Em momento algum a Constituiçãove<strong>da</strong> o relacionamento de pessoas do mesmo sexo. Ajurisprudência brasileira tem procurado preencher o vazionormativo infraconstitucional, atribuindo efeitos pessoaise familiares às relações entre essas pessoas. Ignorar essareali<strong>da</strong>de é negar direitos às minorias, incompatível como Estado Democrático. Tratar essas relações cuja naturezafamiliar salta aos olhos como meras socie<strong>da</strong>des de fato,como se as pessoas fossem sócios de uma socie<strong>da</strong>de de finslucrativos, é violência que se perpetra contra o princípio <strong>da</strong>digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s pessoas humanas, consagrado no art. 1º, III,<strong>da</strong> Constituição. Se esses ci<strong>da</strong>dãos brasileiros trabalham,pagam impostos, contribuem para o progresso do país, éinconcebível interditar-lhes direitos assegurados a todos,em razão de suas orientações sexuais.6.7) Lei n.º 11.340, de 7 de agosto de 2006 – Lei Maria<strong>da</strong> PenhaA chama<strong>da</strong> “Lei Maria <strong>da</strong> Penha” é a única lei noordenamento jurídico brasileiro que prevê direitos à populaçãoLGBT quando, em seu artigo 2º dispõe:Art. 2 o To<strong>da</strong> mulher, independentemente de classe, raça, etnia,orientação sexual, ren<strong>da</strong>, cultura, nível educacional, i<strong>da</strong>dee religião, goza dos direitos fun<strong>da</strong>mentais inerentes à pessoahumana, sendo-lhe assegura<strong>da</strong>s as oportuni<strong>da</strong>des e facili<strong>da</strong>despara viver sem violência, preservar sua saúde física e mental eseu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875E mais, no artigo 5º reconhece a existência de uniõeshomoafetivas (grifos nossos):Art. 5 o Para os efeitos desta Lei, configura violência domésticae familiar contra a mulher qualquer ação ou omissãobasea<strong>da</strong> no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimentofísico, sexual ou psicológico e <strong>da</strong>no moral ou patrimonial:I - no âmbito <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de doméstica, compreendi<strong>da</strong> comoo espaço de convívio permanente de pessoas, com ou semvínculo familiar, inclusive as esporadicamente agrega<strong>da</strong>s;II - no âmbito <strong>da</strong> família, compreendi<strong>da</strong> como a comuni<strong>da</strong>deforma<strong>da</strong> por indivíduos que são ou se consideram aparentados,unidos por laços naturais, por afini<strong>da</strong>de ou porvontade expressa;III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressorconviva ou tenha convivido com a ofendi<strong>da</strong>, independentementede coabitação.Parágrafo único. As relações pessoais enuncia<strong>da</strong>s neste artigoindependem de orientação sexual.Esta lei é de extrema importância, pois é a primeira(e até o momento é a única) lei no ordenamento jurídiconacional que prevê direitos às pessoas com orientaçãosexual diversa <strong>da</strong> heterossexual, e ain<strong>da</strong>, reconhece aexistência destas relações. Esse é o primeiro passo parao reconhecimento legal <strong>da</strong>s relações homoafetivas.7. CONCLUSÃOA felici<strong>da</strong>de é a busca derradeira <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de.Assim, sendo a aspiração de todos, é também uma expressãode direitos; o direito à busca <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de é umconsectário do princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana.Segundo Luiz Alberto David Araújo,ao arrolar princípios como o do Estado Democrático, o<strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana e o <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de depromoção do bem de todos, sem qualquer preconceito, oconstituinte garantiu o direito à felici<strong>da</strong>de. Não o escreveude forma expressa, mas deixou claro que o Estado,dentro do sistema nacional, tem a função de promover afelici<strong>da</strong>de, pois a digni<strong>da</strong>de, o bem de todos, pressupõe odireito de ser feliz. 12A ca<strong>da</strong> um é <strong>da</strong>do o direito de buscar a felici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> formaque lhe convém, sejam quais forem os meios que empreguem.O ideal de felici<strong>da</strong>de varia de pessoa para pessoae se constitui em seu próprio universo. Reconhecer aooutro o direito à felici<strong>da</strong>de deve ser a razão de existir dospoderes do Estado. Erika Harumi Fugie afirma: A liber<strong>da</strong>dede expressão sexual, como direito <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de,é direito de personali<strong>da</strong>de, é direito subjetivo que temcomo objeto a própria pessoa. Assim, é dotado de umaespecifici<strong>da</strong>de e se insere no minimum necessário e imprescindívelao conteúdo do indivíduo. De maneira queo aniquilamento de um direito de personali<strong>da</strong>de ofusca apessoa como tal. A esses direitos mais preciosos relativos12 Luiz Alberto David Araujo, A proteção constitucional do transexual, p. 74.13


Artigosà pessoa se atribui a denominação de medula <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de.Assim, o direito à orientação sexual, em sendoum direito <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de, é atributo inerente à pessoahumana. (Inconstitucionali<strong>da</strong>de do art.226, § 3º, <strong>da</strong> CF?RT 813/64, 2003, p.76)Sobre o tema, Ronald Dworkin destaca quepara um indivíduo de orientação homossexual, a escolhanão é entre estabelecer relações com pessoas do mesmosexo ou de sexo diferente, mas entre abster-se de suaorientação sexual ou vivê-la clandestinamente. As pessoasdevem ter liber<strong>da</strong>des individuais que não podem sercercea<strong>da</strong>s pela maioria, pela imposição de sua própriamoral. (Sovereign virtue, 2000, p. 453 e ss)Os direitos sexuais e reprodutivos necessitam sermais bem estu<strong>da</strong>dos, de modo a criar uma doutrina robusta,técnica e especializa<strong>da</strong> sobre o tema, possibilitandoa criação legislativa e a proteção <strong>da</strong>s populaçõeshoje mais vulneráveis –, em grande parte, pela falta dedireitos positivados em seu favor.Não só os direitos sexuais <strong>da</strong> população LGBT,mas a proteção aos direitos sexuais <strong>da</strong> mulher, aosdireitos reprodutivos, por meio <strong>da</strong> edição de normasregulamentadoras <strong>da</strong>s formas de reprodução assisti<strong>da</strong>,do aborto, dentre outros assuntos, são necessários.FACHINNI, Regina; FRANÇA, Isadora Lins; VEN-TURI, Gustavo. Sexuali<strong>da</strong>de, ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e homofobia:pesquisa 10ª Para<strong>da</strong> do Orgulho GLBT de São Paulo.São Paulo, APOGLBT, 2007.FUGIE, Erika Harumi. Inconstitucionali<strong>da</strong>de doart.226, § 3º, <strong>da</strong> CF? RT 813/64, p.76, 2003.http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=24816http://www.pps.org.br/mulheres/documentos/3enc_pal_dirsexuais.dochttp://www.clam.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=240&sid=8http://www.convencion.org.uyhttp://www.ippf.org/NR/rdonlyres/EB54D2F2-BB46-48EE-8FB9-4BF6570E6A1C/0/SexualRightsDeclarationPortuguese.pdfRevista SuperInteressante, Edição 202, Julho de 2004.O estudo de temas tão novos e que permeiam o diaa dia de to<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de precisa deixar de ser um mitoe passar a fazer parte também do cotidiano jurídicopara, assim, auxiliarmos no caminho de busca <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>dede to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de, sem discriminações.8. REFERÊNCIASARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucionaldo transexuaI. São Paulo: Saraiva, 2000.<strong>Boletim</strong> IBDFAM, n.º 53, Ano 8, novembro/dezembro 2008.DIAS, Maria Berenice. Manual de direito <strong>da</strong>s famílias.4ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revistados Tribunais, 2007.DWORKIN, Ronald. Sovereign virtue: the theory andpractice of equality. Cambridge, Mass.: Harvard UniversityPress, 2000.FACHINNI, Regina. II Curso de capacitação em direitoshumanos e diversi<strong>da</strong>de sexual para gestores públicos doEstado de São Paulo – Orientação sexual e identi<strong>da</strong>de degênero: conceitos e definições. São Paulo, 2008.14 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


ArtigosTransferência <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de de veículoautomotor e a participação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de notarialLuiz RascovskiDefensor Público do Estado de São Paulo. Membro do ASF - Instituto de Estudos Avançados de Processo PenalAntonio Scarance Fernandes. Mestrando em Direito Processual Penal pela FADUSP. Formado em Direito pela FMU.Formado em Administração de Empresas pela FAAP.SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O procedimento legalexigido na ven<strong>da</strong> de veículo automotor; 3. SoluçãoJurídica; 4. A participação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de notarial noprocedimento de transferência de veículo automotor;5. Conclusão; 6. Referências.1. INTRODUÇÃONa primeira edição <strong>da</strong> Revista de Direito Notarial,instrumento que se revelou de eleva<strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de para acomuni<strong>da</strong>de jurídica, tive o prazer dela participar, pormeio de entrevista concedi<strong>da</strong> ao registrador Dr. SergioJacomino. 1 Naquela oportuni<strong>da</strong>de comentei a questão<strong>da</strong>s fraudes na constituição e alteração de socie<strong>da</strong>desmercantis na Junta Comercial do Estado de São Paulo,identifica<strong>da</strong>s no meu trabalho diário na <strong>Defensoria</strong>Pública. A extensão <strong>da</strong>s fraudes causou-me tamanhaaflição que me levou a redigir um esboço de projeto delei, que encaminhei ao Congresso Nacional, rendendo,inclusive, reportagem no Jornal Nacional veicula<strong>da</strong> naRede Globo. 2 Dentre as soluções que propus naquelaalteração legislativa, no intuito de reduzir as falsificações,foi a necessi<strong>da</strong>de de adoção de reconhecimentode firma, por autentici<strong>da</strong>de, nos contratos sociais arquivadosna Junta. A participação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de notarial, decusto relativamente reduzido, traria a segurança deseja<strong>da</strong>para a operação, uma vez que faria o controle préviode confronto de assinaturas.Nesta segun<strong>da</strong> edição <strong>da</strong> Revista de Direito Notarialmuito me honra o renovado convite, para colaborarcom a elaboração de um artigo. O trabalho do DefensorPúblico atuante na área cível está intrinsecamente1Entrevista disponível em: http://registradores.org.br/tag/fraudes/ ou também emhttp://cartorios.org/2009/04/ e http://pt-br.wordpress.com/tag/tabeliaes/2Reportagem disponível em: http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/JN/0,,MUL1075812-10406,00-QUEM+PERDE+DOCUMENTO+PODE+VIRAR+LARANJA.html><strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875ligado às ativi<strong>da</strong>des notarias e de registro, em sentidoamplo. Seja pela natureza <strong>da</strong>s deman<strong>da</strong>s que li<strong>da</strong>mosna rotina diária (usucapião, alienação de bens, contratos,retificação de assentos civis etc.), que de certaforma dependem, em algum momento, <strong>da</strong> prática cartorária,seja pelos problemas ocasionados pela falta deprovidências ou participação dos serviços cartoráriosem referi<strong>da</strong>s operações, que culminam na necessi<strong>da</strong>dede solução jurisdicional. Isto ocorre, demais <strong>da</strong>s vezes,porque a população carente, não apenas por falta derecursos, mas mais ain<strong>da</strong> por falta de orientação, nãose beneficia <strong>da</strong> segurança jurídica advin<strong>da</strong> <strong>da</strong> prestaçãodos serviços notariais.Neste cenário, decidi aqui tratar de questão tormentosa,que exemplifica uma dessas situações que envolveo trabalho <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, sua relação com aativi<strong>da</strong>de cartorária e a falta de segurança ocasiona<strong>da</strong>pela não utilização de seus serviços: a transferência deveículo automotor.Não passa um dia sequer sem que a <strong>Defensoria</strong> Públicareceba pedido de assistência jurídica, porque oci<strong>da</strong>dão vendeu seu veículo automotor e, por não terobservado os procedimentos dispostos na legislação,ain<strong>da</strong> encontra-se vinculado a este, sendo cobrado pelosimpostos (IPVA), taxa de licenciamento, seguroDPVAT e multas, mesmo decorridos diversos anos <strong>da</strong>ven<strong>da</strong> do seu automóvel, motocicleta ou caminhão.Esse problema corriqueiro - e que causa tremen<strong>da</strong>dor de cabeça aos proprietários de veículos automotores- acontece porque o dono do veículo, ao celebrarnegócio jurídico bilateral de alienação do bem, não comunicaa operação de transferência ao DETRAN (DepartamentoEstadual de Trânsito), permanecendo, paratodos os efeitos, como o efetivo proprietário do bem,respondendo civil, administrativa e criminalmente poratos relacionados ao veículo já alienado.15


ArtigosA grande maioria <strong>da</strong> população acredita que bastaapenas vender o veículo e entregá-lo ao adquirente parase exonerar de multas, tributos e taxas que recaiam sobreo veículo vendido. Porém, isso não é ver<strong>da</strong>de. Estaparcela <strong>da</strong> população sequer tem conhecimento quese deve preenche o Certificado de Registro de Veículo(CRV) com os <strong>da</strong>dos do vendedor e comprador para seefetivar a transferência do veículo. Outra parcela, decerta maneira mais orienta<strong>da</strong>, toma a precaução de preenchero Certificado de Registro do Veículo e reconheceras assinaturas dos celebrantes do negócio jurídicoem cartório de notas, passando o documento do vendedorao comprador.Contudo, tanto no caso do não preenchimento doCertificado de Registro do Veículo, como no caso deseu preenchimento, com o reconhecimento de firma emcartório e simples entrega deste documento ao comprador,a obrigação do vendedor não se esgota por aí. Ovendedor não se desvincula <strong>da</strong>s responsabili<strong>da</strong>des decorrentesdo veículo vendido se não informar a transferênciaao DETRAN de seu Estado (a chama<strong>da</strong> comunicação<strong>da</strong> ven<strong>da</strong> do veículo).A questão se agrava ain<strong>da</strong> mais quando o proprietáriode um veículo entrega seu carro usado numa concessionáriacomo parte de pagamento para a aquisiçãode outro veículo ou apenas deixa o veículo na revendedorapara ser vendido, mediante o pagamento de umacomissão. Nessa situação o dono <strong>da</strong> reven<strong>da</strong> solicita aoproprietário que lhe entregue o Certificado de Registrodo Veículo em branco ou pede para que seja assinadoo Certificado, mas sem inserir a <strong>da</strong>ta e, tampouco, reconhecera firma no Cartório. A alegação <strong>da</strong> concessionáriapara que o proprietário proce<strong>da</strong> dessa maneira éa possibili<strong>da</strong>de de não conseguir vender o bem em 30dias, que é o prazo previsto em lei para comunicar atransferência.To<strong>da</strong>via, quando finalmente ocorre a ven<strong>da</strong> do veículodeixado na concessionária, esta entrega o Certificadoao comprador para que este preencha e comunique aalienação ao DETRAN, porque supostamente precisaráregistrar o veículo em seu nome. Além deste adquirentenão providenciar a transferência, não raro ele repassa oveículo para outro comprador e assim sucessivamente,permanecendo o primeiro proprietário como o titular responsávelpelo veículo automotor, diante <strong>da</strong>s transaçõesnão comunica<strong>da</strong>s ao DETRAN. Isto porque, sem receberinformações sobre as sucessivas ven<strong>da</strong>s do carro, os órgãosde trânsito continuam autuando o veículo e registrandoos pontos no prontuário do proprietário original.O mesmo ocorre com a cobrança de impostos e taxas.Para o comprador, a situação é extremamente cômo<strong>da</strong>,uma vez que pode transitar livremente com oveículo adquirido sem ter que se responsabilizar pelasinfrações que porventura cometer, nem tampouco tera pontuação lança<strong>da</strong> em seu prontuário. Tem, assim, oadquirente, basicamente, um salvo conduto. Por essarazão, milhares de adquirentes, nota<strong>da</strong>mente de má-fé,recebem o CRV devi<strong>da</strong>mente preenchido <strong>da</strong>s mãos dovendedor, mas não fazem a comunicação ao DETRAN.Apesar de essa atitude caber ao vendedor, muitos nãoo fazem, por acreditarem que tendo preenchido o documentoe reconheci<strong>da</strong> a firma em cartório, estariamisentos de qualquer responsabili<strong>da</strong>de.A ausência <strong>da</strong> comunicação <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> do veículo aoDETRAN gera uma série de problemas ao vendedor, quevão do prejuízo financeiro que terá de arcar com o pagamento<strong>da</strong>s multas e tributos, bem como à possibili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> per<strong>da</strong> do direito de dirigir, consequente do acúmuloindevido de pontos na Carteira de Habilitação e, atémesmo, a possibili<strong>da</strong>de de responsabilização no âmbitocriminal. Nos tópicos a seguir tratar-se-ão <strong>da</strong>s exigênciaslegais que devem ser observa<strong>da</strong>s, além <strong>da</strong>s providênciasque deverão ser observa<strong>da</strong>s para evitar tal transtorno,apresentando, por fim, como a ativi<strong>da</strong>de notarial podeser benéfica na operação de transferência do veículo.2. O PROCEDIMENTO LEGAL EXIGIDO NAVENDA DE VEÍCULO AUTOMOTORDispõe o artigo 134 do Código de Trânsito Brasileiro:Art. 134. No caso de transferência de proprie<strong>da</strong>de, o proprietárioantigo deverá encaminhar ao órgão executivo detrânsito do Estado, dentro de um prazo de trinta dias, cópiaautentica<strong>da</strong> do comprovante de transferência de proprie<strong>da</strong>de,devi<strong>da</strong>mente assinado e <strong>da</strong>tado, sob pena de ter que seresponsabilizar soli<strong>da</strong>riamente pelas penali<strong>da</strong>des impostas esuas reincidências até a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> comunicação.A norma em comento impõe ao vendedor (antigoproprietário) o dever de avisar o DETRAN <strong>da</strong> transferênciado seu veículo automotor. Tal aviso deve ocorrerpor meio <strong>da</strong> entrega <strong>da</strong> cópia do CRV, devi<strong>da</strong>mentepreenchido e com as firmas do vendedor e compradorreconheci<strong>da</strong>s no documento. A lei possibilita que referi<strong>da</strong>comunicação seja feita dentro do prazo de 30 dias.Passado esse prazo, o vendedor, caso não tenha realizadoa devi<strong>da</strong> comunicação, permanecerá responsávelpelas penali<strong>da</strong>des impostas.Em 05 de agosto de 2009, o Diretor do DepartamentoNacional de Trânsito (DENATRAN), no uso deseu poder regulamentador (cujas atribuições lhe são16 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


Artigosconferi<strong>da</strong>s pelo artigo 19, incisos IX e XIV, <strong>da</strong> Lei n.º9.503/97), expediu a Portaria de n.º 288, 3 tratando <strong>da</strong>questão <strong>da</strong> transferência do veículo.A Portaria n.º 288/2009 reforça a obrigatorie<strong>da</strong>de para oantigo proprietário <strong>da</strong> comunicação <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> do veículo aoDETRAN e cria dois sistemas de comunicação <strong>da</strong> ven<strong>da</strong>:1) pela entrega de cópia <strong>da</strong> autorização de transferência doveículo que consta no CRV, protocolizando-a no DETRANou 2) pela comunicação de ven<strong>da</strong> por sistema eletrônico (eaqui entra a ativi<strong>da</strong>de cartorária para facilitação desta comunicaçãode ven<strong>da</strong>, sobre a qual se tratará em tópico futuro).A Portaria n.º 288/2009, considerando o disposto noartigo 134 do Código de Trânsito Brasileiro e considerandoa necessi<strong>da</strong>de de manter atualiza<strong>da</strong>s as Bases Estaduaise a Base de Índice Nacional (BIN) do Sistemade Registro Nacional de Veículos Automotores (RENA-VAM), bem como de padronizar os procedimentos decomunicação de ven<strong>da</strong> de veículos, estabelece que:Artigo 1º A comunicação de ven<strong>da</strong> de veículo, obrigatória parao antigo proprietário nos termos do artigo 134 do CTB, poderáser realiza<strong>da</strong> de forma documental ou processa<strong>da</strong>, ou meiodo sistema eletrônico de comunicação de ven<strong>da</strong> implantadopelo DENATRAN na Base de índice Nacional, isentando-o<strong>da</strong>s infrações e suas reincidências a partir <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> tradição.Artigo 2º A comunicação de ven<strong>da</strong> documental será protocoliza<strong>da</strong>no órgão ou enti<strong>da</strong>de executivo de trânsito do Estadoou do Distrito Federal em que o veículo estiver registrado, porintermédio de cópia autentica<strong>da</strong> <strong>da</strong> Autorização para Transferênciade Proprie<strong>da</strong>de de Veículo (ATPV), que consta noverso do Certificado de Registro de Veículos (CRV), devi<strong>da</strong>mentepreenchi<strong>da</strong>.Parágrafo Único – Protocoliza<strong>da</strong> a comunicação de ven<strong>da</strong>o órgão ou enti<strong>da</strong>de executivo de trânsito do Estado ou doDistrito Federal deverá atualizar imediatamente a BIN doSistema RENAVAM.Artigo 3º A comunicação de ven<strong>da</strong> processa<strong>da</strong> pelo sistemaeletrônico de comunicação de ven<strong>da</strong> deverá conter os seguintes<strong>da</strong>dos a serem fornecidos pelo antigo proprietário:Identificação do comprador com nome ou razão social, RG,CPF ou CNPJ, endereço completo e <strong>da</strong>ta;Identificação do veículo por meio de placa e CPF ou CNPJdo antigo proprietário.Parágrafo único – Com a comunicação de ven<strong>da</strong> eletrônicana BIN, órgãos ou enti<strong>da</strong>des executivos de trânsito dos Estadose do Distrito Federal deverão atualizar sua base estadualimediatamente de forma a garantir ao antigo proprietário odisposto no artigo 1º desta PortariaArtigo 4º Os órgãos ou enti<strong>da</strong>des executivos de trânsito dosEstados e do Distrito Federal, após registrarem a comunicaçãode ven<strong>da</strong> nas formas previstas nesta Portaria, farão constarem seus sistemas com acesso público a informação de ‘comunicaçãode ven<strong>da</strong> ativa’.De se perceber pelos textos normativos, que a obrigatorie<strong>da</strong>de<strong>da</strong> comunicação <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> ao órgão detrânsito impõe-se para fins não apenas de atualizaçãode ca<strong>da</strong>stros, mas, especialmente, para firmar a responsabili<strong>da</strong>depelas cominações por infrações. 4 Se comunica<strong>da</strong>a ven<strong>da</strong>, mesmo que o adquirente não faça atransferência do bem para seu nome, o vendedor estaráisento. E mesmo que o CTB tenha estipulado o prazode até 30 dias após a ven<strong>da</strong> do veículo para efetivar acomunicação de ven<strong>da</strong>, na<strong>da</strong> impede que o proprietárioo faça imediatamente após a ven<strong>da</strong>. Se não comunica<strong>da</strong>a ven<strong>da</strong>, permanecerá vinculado ao veículo.Há farta jurisprudência que confirma a obrigaçãodo vendedor do veículo de comunicar o DETRAN <strong>da</strong>ven<strong>da</strong>, sob pena de ficar responsável pelas penali<strong>da</strong>desimpostas ao veículo, mesmo após tê-lo alienado.Transcreve-se um exemplo extraído <strong>da</strong> Apelação n.º925.223.5/0-00, Relator Lineu Peinado, Acórdão n.º02621674, 2ª Câmara de Direito Público do Tribunalde Justiça do Estado de São Paulo:Ementa - CNH - Segun<strong>da</strong> via - Multas - É obrigaçãodo proprietário antigo informar ao órgão de trânsito atransferência de proprie<strong>da</strong>de, nos termos do artigo 134,do Código de Trânsito Brasileiro ficando responsávelde forma integral pelas multas ocorri<strong>da</strong>s antes <strong>da</strong> informação.Recurso Improvido.O apelante carreia aos autos documento comprobatório <strong>da</strong>ven<strong>da</strong> do veículo antes <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta em que foram efetua<strong>da</strong>s asautuações por infração de trânsito, mas a responsabili<strong>da</strong>depelas multas remanesce até que se faça a transferência juntoà repartição de trânsito, eis que é obrigação do proprietáriocomunicar a transferência do veículo, nos termos do artigo134 do Código Brasileiro de Trânsito. O fato de não ser oimpetrante o condutor do veículo nas <strong>da</strong>tas <strong>da</strong>s autuaçõesnão tem o condão de afastar sua responsabili<strong>da</strong>de.Segundo o texto de lei expresso na re<strong>da</strong>ção do artigo134 do CTB unicamente as penali<strong>da</strong>des (multas)deveriam ser exigi<strong>da</strong>s do antigo proprietário que nãocomunicou a ven<strong>da</strong> do veículo automotor ao DETRAN.Na<strong>da</strong> consta na lei no tocante ao imposto (IPVA). Entretanto,com base no Código Tributário Nacional, a jurisprudênciavem entendendo que a mesma responsabili<strong>da</strong>desolidária, com relação às infrações, se aplica aovendedor também com relação ao imposto, devendo oproprietário originário ser cobrado dos tributos e taxas,porquanto não se sabe quem seria o adquirente do bem,em decorrência <strong>da</strong> falta de comunicação de ven<strong>da</strong>.3 Reportagem veicula<strong>da</strong> na TV Globo ressaltou a importância <strong>da</strong> Portaria http://www.comven.com.br/pub/index.php/comunicacao-de-ven<strong>da</strong>/Noticias/Portaria-288-Comunicar-a-ven<strong>da</strong>-e-obrigatorio.html.4 RIZZARDO, Arnaldo. Comentários Ao Código de Trânsito Brasileiro. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 397.<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-487517


Artigos3. SOLUÇÃO JURÍDICAChegamos aqui no momento em que a <strong>Defensoria</strong> Públicaingressa na história, para prestar assistência judiciáriaa milhares de necessitados, que venderam seus veículos enão fizeram a comunicação <strong>da</strong> ven<strong>da</strong>, enquadrados exatamentenas situações fáticas que foram acima expostas.Entretanto, a solução não é simples e tem geradodiversas discussões nos Tribunais. Inicialmente, é dese alertar: somente com ação judicial (declaratória deinexistência de relação jurídica) que o vendedor poderá,desde que acolhi<strong>da</strong> algumas <strong>da</strong>s teses que serão expostas,livrar-se <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de, obrigando o novocomprador a se responsabilizar pelas penali<strong>da</strong>des.Isto porque, para o vendedor, a via administrativa encontra-secerra<strong>da</strong>. Por essa via extrajudicial, o bloqueiodo veículo seria possível, apenas e tão somente, com aapresentação do CRV (documento de transferência), devi<strong>da</strong>mentepreenchido em nome do comprador, e por esteassinado (firma reconheci<strong>da</strong>). No entanto, este documentonão está mais na posse do vendedor, por óbvio. Aliás, representaum ver<strong>da</strong>deiro contra-senso tal exigência administrativa,já que o vendedor, justamente por não ter mais oCRV é que procura informar tal fato ao DETRAN, que somenteaceita a comunicação com a apresentação do CRV,que, repita-se, se encontra na posse do adquirente.Insolúvel de forma administrativa, leva-se a questãoao Poder Judiciário. A primeira tese a ser levanta<strong>da</strong> é justamentea de que a regra conti<strong>da</strong> no artigo 134 do CTBé clara ao dispor que a falta de comunicação cria a responsabili<strong>da</strong>desolidária do vendedor apenas no tocante àspenali<strong>da</strong>des, a saber, multas e subsequentes pontuações.Com essa alegação, se pretende afastar a responsabili<strong>da</strong>derelaciona<strong>da</strong> aos tributos (IPVA), taxas de licenciamento eDPVAT, porquanto seria <strong>da</strong>r interpretação extensiva ao artigo134 do CTB, que só menciona a responsabili<strong>da</strong>de porpenali<strong>da</strong>des, leia-se: infrações de trânsito.Aliás, admitir que a expressão “pelas penali<strong>da</strong>desimpostas” do supracitado artigo 134 do CTB englobatributo vai contra a própria definição e natureza deste.Com efeito, nos termos do artigo 3º do Código TributárioNacional: “tributo é to<strong>da</strong> prestação pecuniária compulsória,em moe<strong>da</strong> ou cujo valor nela se possa exprimir,que não constitua sanção de ato ilícito, instituí<strong>da</strong> em leie cobra<strong>da</strong> mediante ativi<strong>da</strong>de administrativa plenamentevincula<strong>da</strong>”. Não constituindo sanção de ato ilícito, nãopode um tributo ser confundido com penali<strong>da</strong>de. Assim,o disciplinado no artigo 134, CTB, não se aplica a débitotributário, mas apenas às infrações de trânsito.Neste sentido já julgou o Superior Tribunal de Justiça:I - Recurso Especial nº. 1.116.937/PR, Rel. Min. BeneditoGonçalves, Primeira Turma:EMENTA: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IPVA.ALIENAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ANTIGOPROPRIETÁRIO. ARTIGO 134 DO CÓDIGO DE TRÂN-SITO BRASILEIRO. INFRAÇÕES DE TRÂNSITO.1. O artigo 134 do CTB dispõe sobre a incumbência do alienantede comunicar a transferência de proprie<strong>da</strong>de ao órgãode trânsito, no prazo de trinta dias, sob pena de respondersoli<strong>da</strong>riamente por eventuais infrações de trânsito. O referidodispositivo não se aplica a débitos tributários relativosao não pagamento de IPVA, por não serem relacionados apenali<strong>da</strong>de aplica<strong>da</strong> em decorrência de infração de trânsito.2. Recurso especial não provido.II – Recurso Especial 938.553/DF, Rel. Min. Massami Uye<strong>da</strong>,Terceira Turma, julgado em 26/05/2009, DJe 8/6/2009:EMENTA: RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENI-ZAÇÃO POR DANOS MORAIS - ROUBO DE VEÍCULO- TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE À SEGURA-DORA - ART. 134 DO CTN - APLICAÇÃO AOS CASOSDE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO – NÃO OCORRÊN-CIA, NA ESPÉCIE - OBRIGAÇÃO DO ADQUIRENTEDE REQUERER O REGISTRO DA TRANSFERÊNCIADO VEÍCULO PERANTE O ÓRGÃO DE TRÂNSITO -PROVIDÊNCIA NÃO ADOTADA, NA ESPÉCIE - RES-PONSABILIDADE DO NOVO PROPRIETÁRIO PELOSDÉBITOS, NÃO RELACIONADOS À INFRAÇÕES DETRÂNSITO, POSTERIORES À TRANSFERÊNCIA -RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.I - Embora o art. 134 do Código Brasileiro de Trânsito atribuaao antigo proprietário a responsabili<strong>da</strong>de de comunicar ao órgãoexecutivo de trânsito a transferência do veículo, sob penade ter que arcar soli<strong>da</strong>riamente com as penali<strong>da</strong>des impostas,referi<strong>da</strong> disposição legal somente se aplica às infrações detrânsito, não se estendendo a todos os débitos do veículo apósa transferência <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, tal como a cobrança de IPVA;II - Realiza<strong>da</strong> a transferência <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de do veículo, incumbeao novo proprietário requerer, perante os órgãos competentes,a emissão do novo Certificado de Registro do Veículo(art. 123, § 1º, I, do CTB), providência não adota<strong>da</strong>, ‘in casu’.III - Recurso especial improvido.Para corroborar a tese que afasta a responsabili<strong>da</strong>detributária do vendedor (além <strong>da</strong> interpretação restritivaque deve ser <strong>da</strong><strong>da</strong> ao artigo 134 do CTB, para entenderque a lei refere-se apenas às infrações), temos a alegaçãode insubsistência do fato gerador do tributo. Istoporque o fato gerador do IPVA é ser proprietário de veículoautomotor. Se o vendedor alienou seu veículo automotor,não é mais proprietário do bem e, consequentemente,não incide a hipótese tributária em questão.Com efeito, preceitua o Código Civil de 2002, em seuartigo 1.275, inciso I, que: “Além <strong>da</strong>s causas considera<strong>da</strong>sneste Código, perde-se a proprie<strong>da</strong>de por alienação”.18 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


ArtigosDe se destacar que o sistema tributário nacional écomposto por normas de sobreposição, o que implicadizer que os fatos geradores por ele descritos são conceituadose regulamentados em outros ramos do Direito.A aquisição e per<strong>da</strong> de proprie<strong>da</strong>de, por exemplo, ématéria prevista no ordenamento civil.E nenhuma norma impõe como condição ou requisitopara alienação de veículo a realização de procedimentoadministrativo de transferência do registro juntoao DETRAN. Vale dizer, tal procedimento não tem ocondão de definir a transferência de proprie<strong>da</strong>de, vistoque isso, repita-se, é matéria afeta ao Código Civil.Uma vez afasta<strong>da</strong> a hipótese de incidência, diante <strong>da</strong>não-existência do fato gerador, em razão de ter se operadoa alienação do veículo automotor, não há que se falarem surgimento <strong>da</strong> obrigação de pagar o tributo, e, tampouco,em lançamento hábil para constituir o crédito tributário.Ademais, é elementar que tal procedimento nãopode desprezar o fato jurídico <strong>da</strong> alienação do bem, fatojurídico este capaz de impedir a cobrança de tributos.O IPVA é tributo de natureza real que incide sobrea proprie<strong>da</strong>de do veículo automotor. Uma vez alienadoesse bem, a responsabili<strong>da</strong>de pelo débito fiscal se transmiteao adquirente, ain<strong>da</strong> que a transferência não tenhasido comunica<strong>da</strong> ao órgão estadual de trânsito, já queem relação ao bem móvel, a transferência <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>dese opera com a tradição.Nesse sentido, surge a terceira tese jurídica que possibilitasalvaguar<strong>da</strong>r os direitos do vendedor de boa-fé: “aalienação se dá pela tradição”. A alienação de bens móveisprescinde de qualquer formali<strong>da</strong>de. 5 Perfaz-se pelamera traditio <strong>da</strong> coisa, sendo desnecessária a informaçãodo negócio ao órgão executivo de trânsito. Isto, nos termosdos artigos 108 e 166 do Código Civil de 2002.Veja-se a jurisprudência:I – Recurso Especial nº. 162.410/MS, Segun<strong>da</strong> Turma,Min. Rel. Adhemar Maciel, ementa do julgado que saiu noinformativo n.º 409 do STJ:EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁ-RIO. EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSTO SOBRE A PRO-PRIEDADE DE VEÍCULO AUTOMOTOR. TRIBUTODE NATUREZA REAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DOEXECUTADO RECONHECIDA. BEM ALIENADO ATERCEIRO. FATO GERADOR DO TRIBUTO POSTE-RIOR À ALIENAÇÃO. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA.EFETIVA PROPRIEDADE DO BEM. TRANSFERÊNCIA5“De modo geral, não se submete a compra e ven<strong>da</strong> a formas especiais. É livre a suaconstituição. Mesmo verbalmente é admiti<strong>da</strong>, como sempre aconteceu” (Arnaldo Rizzardo.Contratos. 7ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p .312).<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875DA PROPRIEDADE APERFEIÇOADA COM A TRADI-ÇÃO. SUB-ROGAÇÃO LEGAL DA OBRIGAÇÃO TRI-BUTÁRIA. ARTIGO 130 DO CTN. COMUNICAÇÃODA VENDA AO DETRAN. FATO NÃO INFLUENTESOBRE A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. EN-TENDIMENTO DA JURISPRUDÊNCIA.Por força do art. 620 e seguintes do CC, a transferência <strong>da</strong>proprie<strong>da</strong>de do veículo se dá com a tradição, não sendonecessária a transferência no Detran. O IPVA é tributo denatureza real e incide sobre a proprie<strong>da</strong>de do veículo automotore, por força <strong>da</strong> regra do artigo 130 do CTN, uma vezalienado esse bem, a responsabili<strong>da</strong>de pelo débito fiscal setransmite ao adquirente, ain<strong>da</strong> que a transferência não tenhasido comunica<strong>da</strong> ao órgão estadual de trânsito, pois em relaçãoao bem móvel a transferência <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de se operacom a tradição. Recurso parcialmente provido.PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL.PENHORA. VEÍCULO AUTOMOTOR. TRANSFERÊN-CIA DA PROPRIEDADE. RECURSO IMPROVIDO.I – Se não formaliza<strong>da</strong> a penhora, o bem ain<strong>da</strong> não foialvo de apreensão judicial, não estando vinculado a processoexecutivo. O juiz não pode, por conseqüência, impedira respectiva alienação.II – Ain<strong>da</strong> que o bem esteja penhorado, não há como impedirsua alienação. É que, no plano jurídico, o executado continualivre para vendê-lo. No entanto, o bem constrito continuavinculado ao processo executório. Por conseqüência, dena<strong>da</strong> adianta o executado ou terceiro invocarem a alienaçãopara fins de liberação de bem, pois, no tocante ao processoexecutivo, a alienação é ineficaz.III – Por força do art. 620 e seguintes do CC, a transferência<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de de veículo automotor se dá com a tradição,não sendo necessária a transferência no DETRAN.IV – Recurso especial conhecido, mas improvido.Ain<strong>da</strong> com relação à transferência do registro do bemjunto ao DETRAN o artigo 123, inciso I, § 1º, do Códigode Trânsito Brasileiro, dispõe que:Artigo 123: Será obrigatória a expedição de novo Certificadode Registro de Veículo quando:I – for transferi<strong>da</strong> a proprie<strong>da</strong>de; (...)§ 1º - No caso de transferência de proprie<strong>da</strong>de o prazo para oproprietário adotar as providências necessárias à efetivação<strong>da</strong> expedição do novo Certificado de Registro de Veículo éde trinta dias, sendo que nos demais casos as providênciasdeverão ser imediatas.Vê-se, portanto, ser obrigação do comprador, naquali<strong>da</strong>de de adquirente, proceder à transferência doregistro do veículo automotor para seu nome. Mas este,geralmente não faz porque sua posição é cômo<strong>da</strong>, umavez que usufrui o bem e não arca com a tributação edemais ônus. Necessária se faz, desta forma, a intervençãodo Estado-Juiz, para que o registro do veículo sejatransferido para o nome do adquirente.Vários julgados, em especial do Tribunal de Justiçade São Paulo, têm percebido que o comprador vem19


Artigosse beneficiando, de forma maliciosa, do artigo 134 doCTB, que atribui a obrigatorie<strong>da</strong>de de comunicação deven<strong>da</strong> ao vendedor e que deixa o comprador em situaçãoconfortável. Por conta disso, o artigo 123, I, § 1º,do Código de Trânsito Brasileiro, tem sido um alentopara os vendedores. Porque se de um lado o vendedortem obrigação de comunicar o DETRAN <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> (artigo134 CTB), por outro - e não menos importante -o comprador tem o dever de proceder à transferência,com obrigatorie<strong>da</strong>de de expedição de novo Certificadode Registro do Veículo, no prazo de 30 dias. Inclusive,os Tribunais tem ido além e condenado o compradorem indenização por <strong>da</strong>nos morais, pela decorrênciade tempo (muitas vezes) sem que tenham efetivado atransferência, em níti<strong>da</strong> má-fé (em geral a condenaçãotem sido fixa<strong>da</strong> em torno de 15 a 20 salários mínimos).Vejamos a jurisprudência neste sentido:I – Apelação com Revisão nº. 1278056-0/2, Rel. Des. CarlosAlberto Garbi, 26ª Câmara de Direito Privado do Tribunalde Justiça do Estado de São Paulo, j. 04/08/09:Ementa: Bem móvel. Ação de obrigação de fazer cumula<strong>da</strong>com pedido de indenização por <strong>da</strong>nos materiais e morais julga<strong>da</strong>procedente. Prescrição afasta<strong>da</strong>. Cumpre ao compradorou adquirente, nos termos do art. 123, I e § 1º, do CTB,a responsabili<strong>da</strong>de pela transferência <strong>da</strong> titulari<strong>da</strong>de do veículojunto ao DETRAN, não se justificando a alegação <strong>da</strong>apelante de que se trata de culpa exclusiva do consumidor,portanto, excludente do dever de indenizar. A autorizaçãopara transferência do veículo foi assina<strong>da</strong> e registra<strong>da</strong> pelavendedora no dia anterior ao <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> do veículo. A apresentaçãodos documentos de transferência ao DETRAN é merafacul<strong>da</strong>de do vendedor, cabendo ao comprador, a obrigaçãode fazer a transferência. Demonstra<strong>da</strong> a negligência <strong>da</strong> compradoraque, decorridos 5 anos do negócio, não efetuou atransferência <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, restou configurado o deverde indenizar pelo <strong>da</strong>nos morais suportados pela vendedora.Indenização que deve ser fixa<strong>da</strong> com moderação. Recursoparcialmente provido para reduzir o quantum indenizatório.A despeito <strong>da</strong> alienação e transferência <strong>da</strong> posse do veículo,deixou a requeri<strong>da</strong> de efetuar a transferência <strong>da</strong> titulari<strong>da</strong>dedo veículo junto ao DETRAN. A autora foi, então, surpreendi<strong>da</strong>por uma notificação de autuação de trânsito em14.05.2003, razão pela qual solicitou o bloqueio do Certificadode Registro do Veículo junto ao DETRAN para impedirque a pontuação relativa às novas infrações, cometi<strong>da</strong>spelo adquirente, fosse anota<strong>da</strong> em sua carteira de motorista.Sucede que, mesmo com o bloqueio junto ao DETRAN, oveículo permaneceu registrado em nome <strong>da</strong> autora, de modoque, em 08.02.2008, foi a autora notifica<strong>da</strong> pela Prefeiturado Município de São Bernardo do Campo a respeito <strong>da</strong> execuçãofiscal dos débitos referentes às multas aplica<strong>da</strong>s (fls.26/27). Ao contrário do que pretende a apelante, nos termosdo art. 123, inc. I e § 1º, do Código de Trânsito Brasileiro,cumpre ao comprador ou adquirente a responsabili<strong>da</strong>de pelatransferência <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de do veículo junto ao DETRAN,não se justificando, portanto, a alegação de que se trata deculpa exclusiva do consumidor.II - Apelação com Revisão n° 1.114.334 - 0/5, Rel.Des. Felipe Ferreira, j. 23.06.2008:EMENTA: BEM MÓVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER.1. Não socorre ao apelante, decorrido sete anos <strong>da</strong> comprado veículo, a alegação de que não realizou a transferênciapor não ter sido entregue o documento pertinente pelovendedor. 2. Na esteira do artigo 123, I, § 1º, do Códigode Trânsito Brasileiro é obrigação do adquirente realizar atransferência <strong>da</strong> titulari<strong>da</strong>de do veículo alienado. Sentençamanti<strong>da</strong>. Recurso improvido.III - Apelação n° 989.878- 0/4, Rei. Des. Adilson deAraújo, j. 08.07.2008:EMENTA: CIVIL. COISA MÓVEL. NEGÓCIO JURÍ-DICO. AUTOMÓVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER EDANOS MORAIS. VENDA DE AUTOMÓVEL. NÃOTRANSFERÊNCIA PELO COMPRADOR. MULTASIMPOSTAS EM NOME DA VENDEDORA. OUTROSTRANSTORNOS. DANO MORAL TIPIFICADO. RE-CURSO IMPROVIDO.O comprador de veículo automotor tem a obrigação legal derealizar a transferência para seu nome no prazo de trinta dias(art. 123 do CTB). Sem realizar e trafegando com o veículopor dois anos, recebendo multas em seu nome e em nome <strong>da</strong>proprietária primitiva, fica sujeito a ordem judicial de regularizara situação e indenizar a proprietária anterior pelos dissaboresdecorrentes não só <strong>da</strong>s multas como também dos riscos<strong>da</strong> per<strong>da</strong> de crédito, execuções e enfrentamento judicial.To<strong>da</strong>via, a questão como mencionado outrora, nãoé pacífica e causa polêmica, porque há diversos julgadoscom entendimento em sentido contrário do acimaexposto. Tais decisões se pautam na obrigatorie<strong>da</strong>de<strong>da</strong> comunicação <strong>da</strong> ven<strong>da</strong>, sob pena de o vendedor serresponsabilizado pelo pagamento do tributo, já que alei do IPVA estabelece que o alienante é solidário peloseu pagamento. Referi<strong>da</strong> corrente não leva em conta aquestão de que o imposto tem natureza real e o bemteria sido transferido com a simples tradição.Abaixo a transcrição de um dos julgados, de tantosque existem neste sentido, que prefere proteger o fiscoao vendedor menos avisado.I – Apelação com Revisão n.º 854.915-5/7-00, Rel. Des. JoséHabice, 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiçado Estado de São Paulo, j. 03/08/09:EMENTA: DECLARATÓRIA - Anulação de lançamento deIPVA - Veículo vendido e não comunicado à repartição competente– Responsabili<strong>da</strong>de do vendedor, conhecido <strong>da</strong> Administração- Ação julga<strong>da</strong> improcedente - Recurso desprovido.“A legislação que regulamenta a questão disciplina a responsabili<strong>da</strong>desolidária do proprietário-alienante pelo pagamentodo IPVA quando ele não cui<strong>da</strong> de comunicar o órgão de trânsitoa respeito <strong>da</strong> transferência. A medi<strong>da</strong> tem a finali<strong>da</strong>de deproteger o interesse público, inclusive porque a Administra-20 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


Artigosção não pode fazer outra coisa senão lançar o tributo no nome<strong>da</strong>quele que figura em seus ca<strong>da</strong>stros, já que nem o vendedornem o comprador comunicaram a transação ao órgão de trânsito,para atualização do ca<strong>da</strong>stro. No caso, a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>deestá prevista na Lei n. 6.606, de 20 de dezembro de 1989,com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei n. 9.459, de 16/12/1996, art. 4, º, incisoIII. No caso, como o autor não comunicou a alienação e estaocorreu após o fato gerador do tributo a impetrante é soli<strong>da</strong>riamenteresponsável pelo pagamento e na hipótese de duplici<strong>da</strong>detem legitimi<strong>da</strong>de para discutir e até repetir o valor pago,eventualmente, em outro Estado. Por fim não comprovou opagamento do tributo em favor de outro Estado <strong>da</strong> Federação,de maneira que não resta outra solução senão a denegação <strong>da</strong>segurança.”. (fls. 77/78).Assim, o contribuinte, nos termos <strong>da</strong> legislação estadual,é o proprietário do veículo (art. 3º <strong>da</strong> Lei n° 6.606/89) esua responsabili<strong>da</strong>de tributária subsiste, na falta de comunicação<strong>da</strong> ven<strong>da</strong> do veículo ao órgão público (art. 4°, III<strong>da</strong> Lei n° 6.606/89).Além disso, o art. 13-A <strong>da</strong>quele diploma legal prevê que:“Verificado que o débito fiscal relativo ao imposto não foi recolhido,ou que o seu recolhimento tenha sido efetuado cominobservância <strong>da</strong>s disposições estabeleci<strong>da</strong>s nesta lei, será ocontribuinte ou responsável notificado a recolher o impostoou a diferença apura<strong>da</strong> de oficio, com os acréscimos legaisestabelecidos nesta lei, no prazo de 30 (trinta) dias contados<strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do recebimento <strong>da</strong> notificação, sob pena de inscriçãodo débito na dívi<strong>da</strong> ativa, reservado o direito de contestação.Portanto, não há vício no questionado lançamento.Como aqui decidido: “Ação declaratória - Trânsito - Comprae ven<strong>da</strong> de veículo sem a respectiva transferência juntoao DETRAN - Débitos de IPVA - Responsabili<strong>da</strong>de doproprietário – Licenciamento - Presunção de proprie<strong>da</strong>de- Recurso provido para julgar ação improcedente.” (AC581.924-5/3-00 - v.u. j . de 19.12.06 - Rel. Des. Corrêa Viana).Ressalte-se, outrossim, que a comunicação <strong>da</strong> transferênciade proprie<strong>da</strong>de deve ser feita no prazo estabelecido,pela forma adequa<strong>da</strong> e instruí<strong>da</strong> com os documentos necessários,conforme previsto no art. 134doCTB. O Certificadode Registro de Veículo é o documento oficial de proprie<strong>da</strong>de,não se prestando para efetivação <strong>da</strong> transferênciao recibo de ven<strong>da</strong> do veículo. Nem haveria, aliás, comose pretender o lançamento do tributo ao novo proprietário,cujos <strong>da</strong>dos não eram conhecidos pela repartição competente.A propósito, ressalte-se texto de v. acórdão proferidopor esta C. Câmara, relatado pelo E. DesembargadorCoimbra Schmidt, nos autos <strong>da</strong> Apelação n° 113.228.5,assim lavrado: “Com efeito, conquanto a proprie<strong>da</strong>de doveículo automotor adquira-se pela simples tradição <strong>da</strong> coisa,há esta de ser declara<strong>da</strong> perante a repartição de trânsito.E é ao proprietário reconhecido pela Administração que seencaminham as notificações de autuações e de imposiçãode multas por infração à legislação de trânsito “.A superveniência <strong>da</strong> Lei Estadual 13.296/2008, que trata<strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de tributária do IPVA, amenizou a questão,mas não afasta a tese conti<strong>da</strong> no v. acórdão apresentado.Referi<strong>da</strong> Lei, em seu artigo 6º, inciso II, dispõe que:Artigo 6º - São responsáveis pelo pagamento do imposto eacréscimos legais:<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875II - o proprietário de veículo automotor que o alienar e nãofornecer os <strong>da</strong>dos necessários à alteração no Ca<strong>da</strong>stro de Contribuintesdo IPVA no prazo de 30 (trinta) dias, em relação aosfatos geradores ocorridos entre o momento <strong>da</strong> alienação e odo conhecimento desta pela autori<strong>da</strong>de responsável; (...)Dessa forma, a lei abre a possibili<strong>da</strong>de de o vendedoravisar quem seria o responsável tributário (ou seja, o adquirente)ao Ca<strong>da</strong>stro de Contribuintes do IPVA, para se escusardo tributo. Mas, tal exigência se equipara exatamenteà obrigação de informar ao DETRAN a comunicação <strong>da</strong>ven<strong>da</strong> do veículo, o que, por si só, já afastaria a cobrança dotributo. Portanto, não tem muita utili<strong>da</strong>de prática.Não menos tormentosa é a questão <strong>da</strong> pontuação gera<strong>da</strong>pelas infrações de trânsito, que são assinala<strong>da</strong>s noprontuário do vendedor que já alienou o veículo, porémnão observou a exigência conti<strong>da</strong> no artigo 134 do CTB,de comunicar a ven<strong>da</strong> ao DETRAN de seu Estado. Sob aalegação de que o vendedor tem presunção de ser o proprietáriodo veículo, porque não há informação no DE-TRAN <strong>da</strong> transferência do bem, o órgão competente nãosó lhe cobra <strong>da</strong>s multas, no sentido pecuniário, mas tambémlhe computa os pontos decorrentes <strong>da</strong>s infrações. Talprocedimento pode gerar, inclusive, a per<strong>da</strong> do direito dedirigir do alienante do veículo, mesmo que não tenha tomadouma multa sequer <strong>da</strong>s tantas que lhe são imputa<strong>da</strong>s.Nesse passo, dentre os tantos julgados existentes sobreo tema, de se citar o quanto decidido nos Embargos de Declaraçãon.° 942.452-5/1-01, Relator Antonio Celso AguilarCortez, Acórdão n.º 02732675, 10ª Câmara de DireitoPúblico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:Ementa: Man<strong>da</strong>do de segurança. Alienação de veículonão comunica<strong>da</strong> ao DETRAN. Multas lavra<strong>da</strong>s após aven<strong>da</strong>. Pontuação lança<strong>da</strong> no prontuário do antigo proprietário.Regulari<strong>da</strong>de dos atos administrativos. Recursooficial, considerado interposto, e apelação providos. Inexistênciade omissão, obscuri<strong>da</strong>de ou contradição. Embargosde declaração rejeitados.Em relação aos embargos de declaração apresentados peloautor, não há omissão, obscuri<strong>da</strong>de ou contradição a reconhecer.Ressaltou-se que, no caso de alienação, de acordocom o artigo 134 do CTB, compete ao antigo proprietário,dentro de trinta dias, encaminhar cópia autentica<strong>da</strong> do comprovantede transferência do título de proprie<strong>da</strong>de do veículo,devi<strong>da</strong>mente assinado e <strong>da</strong>tado, ao órgão executivo detrânsito do Estado, “sob pena de ser responsabilizado soli<strong>da</strong>riamentepelas penali<strong>da</strong>des impostas e suas reincidências atéa <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> comunicação”O acórdão foi claro ao afirmar que, no presente caso, a despeitodo requerimento de bloqueio por falta de transferência feitaao CIRETRAN de Valinhos, de acordo com as informaçõespresta<strong>da</strong>s pela autori<strong>da</strong>de coatora, o impetrante não comunicoua alienação do veículo Por conta disso, os autos de infraçãocontinuaram a ser lavrados em seu nome e encaminhados21


Artigosao seu endereço, sendo a pontuação inerente às infrações lança<strong>da</strong>em seu prontuário, o que também acarretou, em virtude<strong>da</strong> somatória de pontos, a instauração de procedimento administrativopara suspensão do direito de dirigir.Sustentou-se que não houve qualquer abuso ou ilegali<strong>da</strong>denos atos praticados pela autori<strong>da</strong>de impetra<strong>da</strong>, uma vez que,sem a referi<strong>da</strong> comunicação, não lhe era possível atribuir apontuação a outra pessoa senão ao impetrante. E o requerimentorealizado não substitui a comunicação prevista no artigo134 do CTB, posto que não possui os <strong>da</strong>dos do adquirente,tais como nome, endereço, CPF e etc, o que permitiria à autori<strong>da</strong>deimpetra<strong>da</strong> autuar o novo proprietário. Afirmou-se quetodo o dissabor por que passa o impetrante foi causado por suaprópria desídia, não por ato ilegal ou abusivo do impetrado, ea reparação deve ser busca<strong>da</strong> pelas vias adequa<strong>da</strong>s. Por fim,a ordem foi denega<strong>da</strong>, por não haver vulneração a direito líquidoe certo Ressaltando que os atos administrativos gozamde presunção de legitimi<strong>da</strong>de e para fim de man<strong>da</strong>do de segurançadeve haver prova pré-constituí<strong>da</strong> <strong>da</strong> ilegali<strong>da</strong>de, quenão existe nestes autos. Como se vê, não há qualquer omissão,obscuri<strong>da</strong>de ou contradição a reparar O “Bloqueio por Faltade Transferência” não substitui a “Comunicação de Ven<strong>da</strong> deVeículo”, são procedimentos distintos e não se confundem Oautor não logrou êxito em demonstrar ter feito a referi<strong>da</strong> comunicação,e a alegação de que o próprio DETRAN afirmater sido esta realiza<strong>da</strong> não subsiste a uma leitura aten<strong>da</strong> <strong>da</strong>sinformações presta<strong>da</strong>s, restando evidente que houve inversãode termos, uma vez que o Bloqueio por falta de Transferênciafoi realizado em 01/04/08, segundo a documentação de fl 10,acosta<strong>da</strong> pelo próprio autor, e não a “Comunicação de Ven<strong>da</strong>de Veículo” “Ao Tribunal toca decidir a matéria impugna<strong>da</strong> edevolvi<strong>da</strong> A função teleológica <strong>da</strong> decisão judicial é a de compor,precipuamente, litígios Não é peça acadêmica ou doutrinária,tampouco se destina a responder argumentos, à guisa dequesitos, como se laudo pericial fora Contenta-se o sistemacom a solução <strong>da</strong> controvérsia, observa<strong>da</strong> a “res in ludiciumdeducta”, o que se deu no caso em exame” (EDcl no AgRg noAgravo de Instrumento n 442 193- SP, STJ, rel. Min FranciulliNetto, 19 08 04 v RT 841/213-217, STJ, AgRg no REsp 462431-RN, 16 08 05, rel Min Denise Arru<strong>da</strong>).Para combater o entendimento acima revelado, é possívelse valer do v. acórdão <strong>da</strong> Apelação com Revisão n.º742.805.5/3-00, Rel. Des. Antonio Celso Aguilar Cortez,10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça doEstado de São Paulo, j. 03/08/09, a seguir transcrito, queafasta a possibili<strong>da</strong>de de inscrição <strong>da</strong> pontuação no inventáriodo antigo proprietário. Referi<strong>da</strong> decisão faz umadistinção entre a responsabili<strong>da</strong>de pela infração (penali<strong>da</strong>de)e a responsabili<strong>da</strong>de pela pontuação:Também é cediço que, no caso de alienação, deacordo com o artigo 134 do CTB, compete ao antigoproprietário, dentro de trinta dias. providenciar a transferênciado título de proprie<strong>da</strong>de do veículo junto aoórgão executivo de trânsito do Estado, “sob pena de serresponsabilizado soli<strong>da</strong>riamente pelas penali<strong>da</strong>des impostase suas reincidências até a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> comunicação.Entretanto, com a alienação do veículo, que se efetivapela tradição - por se tratar de bem móvel - , não competemais ao antigo proprietário indicar o infrator, mastão-somente a obrigação de comunicar ao DETRAN atransferência de proprie<strong>da</strong>de, sem o que, como dito, setorna responsável soli<strong>da</strong>riamente pelas infrações. To<strong>da</strong>via,essa responsabili<strong>da</strong>de não abrange a pontuação,mas apenas o pagamento <strong>da</strong>s multas. Isto porque, alémde o instituto <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de só ser aplicável a este,não àquela, uma vez que exige plurali<strong>da</strong>de de sujeitose possibili<strong>da</strong>de de ação regressiva, as normas punitivasdevem ser interpreta<strong>da</strong>s restritivamente. Logo, a Fazen<strong>da</strong>Pública pode cobrar tanto do atual proprietário quantodo antigo o valor <strong>da</strong>s penali<strong>da</strong>des aplica<strong>da</strong>s, mas apontuação não pode ser imposta a este.Assim, o que se verifica é que a inobservância <strong>da</strong>s regrasprocedimentais conti<strong>da</strong>s na legislação para a operaçãode transferência de veículo automotor acarretará umasérie de consequências ao vendedor do veículo, a saber:emissão equivoca<strong>da</strong> de multas de trânsito, imputação <strong>da</strong>responsabili<strong>da</strong>de civil, criminal e administrativa ao vendedor,a possibili<strong>da</strong>de de per<strong>da</strong> do direito de dirigir coma suspensão <strong>da</strong> carteira de habilitação e o enfrentamentode ações executivas propostas pelo Fisco.4. A PARTICIPAÇÃO DA ATIVIDADE NOTA-RIAL NO PROCEDIMENTO DE TRANSFERÊN-CIA DE VEÍCULO AUTOMOTORE onde entra a ativi<strong>da</strong>de cartorária nesta história?No início deste artigo apontei que a ativi<strong>da</strong>de cartorária,no caso específico a notarial, pode ter acentua<strong>da</strong>importância na transferência dos veículos, trazendo asegurança jurídica espera<strong>da</strong> nas ven<strong>da</strong>s de automotores.Isto porque a Portaria n.º 288 do Departamento Nacionalde Trânsito (DENATRAN), edita<strong>da</strong> em 05 deagosto de 2009, que reforça a obrigatorie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> comunicação<strong>da</strong> ven<strong>da</strong> pelo proprietário do veículo, cria umnovo sistema - agora eletrônico - de comunicação <strong>da</strong>transação e que, via de consequência, isenta o vendedor.Desta forma, de acordo com o texto <strong>da</strong> Portaria, acomunicação pode ser feita de duas maneiras. Uma delasé a forma documental (tradicionalmente conheci<strong>da</strong>),em que o vendedor, após autenticar em cartório a autorizaçãopara transferência do veículo, deve protocolar odocumento junto ao DETRAN de seu Estado.A outra mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de é a eletrônica, em que a comunicaçãode ven<strong>da</strong> é processa<strong>da</strong> por um sistema – chamadoComven – em tempo real, em cartório, no instante emque o proprietário-vendedor reconhece sua firma porautentici<strong>da</strong>de. Neste modo, o ci<strong>da</strong>dão não precisa se22 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


Artigoslação carente, nota<strong>da</strong>mente carecedora de informação,deslocar até o DETRAN e os <strong>da</strong>dos são transferidos online,7 Dado do ano de 2009. ser-comunica<strong>da</strong>-em-ate-30-dias.htmlde maneira segura.deixa de observá-las. No caso <strong>da</strong> transferência de veículoautomotor, existe previsão no Código de Trânsito Brasileiro,O Comven traz mais celeri<strong>da</strong>de à comunicação de ven<strong>da</strong>,pois o ci<strong>da</strong>dão sai do cartório com o processo já finalizado,não precisando enfrentar filas ou perder tempo comparecendoao DETRAN. 6 Contudo, o mais importante desse sistemaé que soluciona, de forma prática, todos os problemas quetratamos no artigo quanto à falta de comunicação ao DE-TRAN <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> do veículo. Esse sistema torna automática aexpressa no artigo 134, que determina que o ven-dedor deve comunicar a ven<strong>da</strong> de seu veículo, no prazode 30 dias, ao órgão competente, no caso o DETRAN doEstado em que o veículo esteja registrado. Somente pormeio desta comunicação que se afasta a responsabili<strong>da</strong>decivil, administrativa e penal do antigo proprietário, transferindoao adquirente do veículo.comunicação <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> ao DETRAN, transferindo a responsabili<strong>da</strong>deao comprador no momento em que a efetivação<strong>da</strong> transferência é realiza<strong>da</strong> no cartório pelas partes envolvi<strong>da</strong>sno negócio. Resta afasta<strong>da</strong>, pois, a discussão <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>dedos envolvidos e põe um ponto final na graveinjustiça que ocorre, quando o documento de transferêncianão chega ao conhecimento <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des competentes.O Comven é resultado de um acordo de cooperaçãotécnica entre o DENATRAN e a Federação Brasileira deNotários e Registradores (Febranor), e tal sistema vemsendo utilizado no Estado de Minas Gerais e no RioGrande do Norte. 7 Se a pessoa optar por fazer a comunicaçãoem cartório, será necessário identificar o veículopor meio <strong>da</strong> placa, e levar CPF ou CNPJ (no caso depessoa jurídica), além de informar o nome do compradore seu RG, CPF ou CNPJ (no caso de pessoa jurídica).Contudo, seja por desconhecimento de referi<strong>da</strong> regra oupor desídia do vendedor, muitas transferências de veículosautomotores não são informa<strong>da</strong>s ao DETRAN. Ao alienantedo veículo recai a presunção de ser o efetivo proprietáriodo veículo e deve percorrer uma ver<strong>da</strong>deira via crucis parademonstrar não ser mais o responsável do bem.A criação de um sistema de informação automáticade comunicação <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> do veículo, via on-line, feitapelo Cartório de notas ao DETRAN, quando do reconhecimento<strong>da</strong> firma no documento do veículo, afasta a obrigaçãodo vendedor levar o documento até o DETRAN,suprimindo justamente a etapa que tem causado tantotranstorno. O sistema de informação eletrônica evita quea informação <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> deixa de chegar ao conhecimentodo DETRAN. Referido sistema vem ao encontro dos anseios<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e traz a segurança jurídica deseja<strong>da</strong> àCom o Comven, a comunicação <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> passa a ser operação de transferência do veículo automotor.imediata e as partes envolvi<strong>da</strong>s ganham tranquili<strong>da</strong>de eatendem as obrigações legais, usufruindo dos seguintes 6. REFERÊNCIASbenefícios: 1) exime imediatamente o vendedor de quaisquerresponsabili<strong>da</strong>des civil, administrativa e criminalsobre o veículo após a confirmação <strong>da</strong> Comunicação <strong>da</strong>RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 7ª edição. Rio de Janeiro:Editora Forense, 2008.Ven<strong>da</strong>; 2) o vendedor recebe a confirmação <strong>da</strong> comunicaçãode ven<strong>da</strong> através de certidão emiti<strong>da</strong> no momento doenvio <strong>da</strong> informação ao DETRAN; 3) trata-se de um serviçoComentários Ao Código de Trânsito Brasileiro. SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.realizado em cartório e tem a fé pública de um Tabelião,além <strong>da</strong> garantia de autentici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> transação através <strong>da</strong>tecnologia <strong>da</strong> Certificação Digital; 4) o vendedor fica isentodo ônus trazido pelas infrações cometi<strong>da</strong>s pelo comprador;Entrevista disponível em: http://registradores.org.br/tag/fraudes ou também em http://cartorios.org/2009/04/ ehttp://pt-br.wordpress.com/tag/tabeliaes.5) elimina a necessi<strong>da</strong>de de fazer a Comunicação deVen<strong>da</strong> posteriormente nos postos do DETRAN. Reportagem: http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/JN/0,,MUL1075812-10406,00-QUEM+PERDE+5. CONCLUSÃOMuitas vezes obrigações administrativas previstas emleis ou atos infralegais não são tão divulga<strong>da</strong>s e a popu-DOCUMENTO+PODE+VIRAR+ LARANJA.htmlSite do Comven: http://www.comven.com.br/pub/in-dex.php/comunicacao-de-ven<strong>da</strong>/Noticias/Portaria-288-Comunicar-a-ven<strong>da</strong>-e-obrigatorio.html6Conferir a explicação do Sr. Rogério Portugal Bacellar, presidente <strong>da</strong> FederaçãoBrasileira dos Notários e Registradores (Febranor), disponível no site: http://www.comven.com.br/pub/index.php/ comunicacao-de-ven<strong>da</strong>/Noticias/Ven<strong>da</strong>-de-veiculodeve-ser-comunica<strong>da</strong>-em-ate-30-dias.htmlnicacao-de-ven<strong>da</strong>/Noticias/Site: http://www.comven.com.br/pub/index.php/comu-Ven<strong>da</strong>-de-veiculo-deve-<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-487523


ArtigosA atuação <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública no combateà sindrome <strong>da</strong> alienação parentalLuciana Rocha Barros Veloni AlvarengaForma<strong>da</strong> em Direito pela Facul<strong>da</strong>de Laudo de Camargo – UNAERPDefensora Pública do Estado de São PauloSubouvidora <strong>da</strong> Regional de Ribeirão PretoSUMÁRIO: Introdução – Famílias, Conjugali<strong>da</strong>de eCoparentali<strong>da</strong>de – Alienação Parental e Síndrome <strong>da</strong>Alienação Parental (SAP) – A <strong>Defensoria</strong> Pública e aDefesa Precípua dos Interesses do Menor – Referências.INTRODUÇÃOEm 2010 foi promulga<strong>da</strong> a Lei 12.318/10, que semdúvi<strong>da</strong> terá grande impacto na atuação dos DefensoresPúblicos do Estado. Essa Lei trata <strong>da</strong> Alienação Parental,prevendo sanção ao genitor alienante, de modo apreservar o melhor interesse <strong>da</strong> criança.Para entender os efeitos dessa Lei na atuação <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong>Pública, é necessário discorrer sobre o conceitode Alienação Parental e Síndrome <strong>da</strong> Alienação Parental,bem como fazer um paralelo com seus efeitos navi<strong>da</strong> <strong>da</strong> criança e/ou adolescente a elas exposto. Ain<strong>da</strong>,é preciso entender a evolução histórica do conceito defamília e o papel do Estado lato sensu em sua proteção.Uma vez desven<strong>da</strong><strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s essas facetas, será possívelalinhavar o combate à Alienação e a função essencialdo Defensor Público nesse processo.FAMÍLIAS, CONJUGALIDADE E COPARENTA-LIDADEÉ notório que a noção de Família passou por diversasmodificações até atingir hoje um conceito amplo eirrestrito, em que as relações se baseiam no afeto.Tem-se que a Família não é mais somente uni<strong>da</strong>deheterossexual, consanguínea, matrimonial e patriarcal.A Família deve ser entendi<strong>da</strong> como qualquer socie<strong>da</strong>deque conduza à realização pessoal de seus integrantes,unidos pelo laço <strong>da</strong> afetivi<strong>da</strong>de. Assim é que hoje percebemosfamílias monoparentais, anaparentais, entretantos outros conceitos.Nesse panorama, tem-se que to<strong>da</strong>s essas formas deFamília possuem a especial proteção do Estado previstana Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226.E to<strong>da</strong> criança que vive (ou sobrevive) nessas famíliaspossui a priori<strong>da</strong>de no atendimento de seus interesses,prevista no artigo 227 <strong>da</strong> Constituição.A par do conceito de Família, no entanto, estão os deconjugali<strong>da</strong>de e coparentali<strong>da</strong>de. A partir <strong>da</strong> Lei de Divórciode 1977, famílias que antes viviam sob o mesmoteto apesar <strong>da</strong> falta de afeto passaram a se desmembrar,separando-se pais e pais e filhos.Ocorre que muitos pais não conseguem entender que,apesar do término <strong>da</strong> conjugali<strong>da</strong>de, a coparentali<strong>da</strong>de é infinita.Os deveres e direitos de ambos perante os filhos emcomum continuam a existir, devendo ser exercidos <strong>da</strong> maneiramais salutar possível ao desenvolvimento <strong>da</strong> criança.Devido a não aceitação do fim <strong>da</strong> conjugali<strong>da</strong>de, milharesde pais expõem seus filhos à Síndrome <strong>da</strong> AlienaçãoParental, por meio <strong>da</strong> Alienação Parental, engendrandoum processo destruidor e, na grande parte <strong>da</strong>svezes, irremediável.A Alienação Parental se inicia por um processo dedivórcio/separação conflituoso. O genitor guardião, aonão aceitar a per<strong>da</strong> do outro, se investe de um sentimentode vingança e passa a utilizar o filho menor comoarma para atingir o ex-cônjuge.Nesse processo de Alienação Parental, percebe-seque todos os direitos <strong>da</strong> criança são violados e todos osdeveres do genitor alienante ignorados.ALIENAÇÃO PARENTAL E SÍNDROME DAALIENAÇÃO PARENTAL (SAP)Segundo a Lei 12.318/10:24 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


ArtigosArt. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferênciana formação psicológica <strong>da</strong> criança ou do adolescentepromovi<strong>da</strong> ou induzi<strong>da</strong> por um dos genitores, pelosavós ou pelos que tenham a criança ou adolescente soba sua autori<strong>da</strong>de, guar<strong>da</strong> ou vigilância para que repudiegenitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou àmanutenção de vínculos com este.A alienação parental se trata, pois, de um processode desmoralização e humilhação do genitor não guardião,engendrado pelo genitor guardião, que se utilizado filho como arma em uma batalha de vingança e ódiopor uma per<strong>da</strong> inaceitável.É uma campanha, uma lavagem cerebral, que tempor intuito o afastamento total <strong>da</strong> criança e do genitoralienado, criando-se uma imagem negativa do outro,que na reali<strong>da</strong>de é falsa e injustifica<strong>da</strong>.Apesar de muitos entenderem não haver diferençaentre a Alienação Parental e a Síndrome <strong>da</strong> AlienaçãoParental, esta pode ser ti<strong>da</strong> como o resultado <strong>da</strong>quela.A Síndrome reflete os sintomas do menor exposto àAlienação.O primeiro a conceituar a SAP foi o pedopsiquiatraDr. Richard Gardner, em 1985, que definiu a síndromecomo um distúrbio, que surge no contexto de disputaspela guar<strong>da</strong> infantil. Segundo eleEsta síndrome resulta <strong>da</strong> combinação de um programa dedoutrinação dos pais (lavagem cerebral) juntamente coma contribuição <strong>da</strong> própria criança para envilecer a figuraparental que está na mira desse processo1A SAP revela um ambiente devastador para a criança,pois esta é usa<strong>da</strong> como joguete em uma guerraentre os pais. O genitor alienante (guardião), injustifica<strong>da</strong>mente,instala na criança um sentimento de rejeiçãocom relação ao genitor alienado. Ele manipulao menor até o ponto em que a própria criança participaativamente do processo, incorporando os valorese sentimentos do alienante e rechaçando completamenteo alienado.O genitor alienante pode se utilizar dos mais variadosmeios para afastar a criança do outro. São algumas<strong>da</strong>s formas mais conheci<strong>da</strong>s e recorrentes:• obstaculizar o direito de visitas;• interceptar telefonemas e não transmitir recados;• não informar o outro genitor sobre fatos importantes<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> criança;1 REANI, Valeria. A Síndrome <strong>da</strong> Alienação Parental – SAP. Disponívelem: . Acesso em 23 abr. 2011.<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875• tomar decisões importantes com relação à criançasem comunicar o outro;• ridicularizar o outro genitor para a criança;• fomentar um sentimento de medo <strong>da</strong> criança peranteo outro genitor;• tecer denúncias de falso abuso sexualPor meio <strong>da</strong> Alienação Parental, o alienante criatodo um mundo no qual não cabe o alienado, no qualeste se revela um intruso. Desse modo, a criança o rechaçarásempre que ele tentar invadi-lo.O genitor alienante se coloca como o único genitorbom, sendo o outro necessariamente o mal. Essa noçãose irradia para a família estendi<strong>da</strong> do alienado, causandosegregação também entre avós e netos, tios, primose sobrinhos.A ideia maniqueísta ain<strong>da</strong> permeará o circulo socialdo alienante. Escola, vizinhos e amigos passarão a evitaro contato com o alienado e acreditarão ser melhorpara a criança a distância com ele, <strong>da</strong>do à figura ameaçadoraque o alienante criou.Nos casos mais graves de SAP, a visitação se tornaimpossível e a criança deseja total afastamento dogenitor. Ain<strong>da</strong>, o alienado, cansado <strong>da</strong> rejeição, muitasvezes desiste por si próprio de aproximação, gerandoum distanciamento que pode durar anos ou até pelo resto<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Aqui resta completamente afetado o direitoconstitucional <strong>da</strong> criança à convivência familiar.A criança exposta à SAP sofre <strong>da</strong>nos que poderão perduraro resto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Percebe-se, assim, que durante aAlienação o genitor guardião fere os mais fun<strong>da</strong>mentaisdireitos <strong>da</strong> criança, aqueles previstos no artigo227 <strong>da</strong> Constituição Federal, especialmente o direitoà saúde (mental), à convivência familiar, à digni<strong>da</strong>dee ao respeito.Por digni<strong>da</strong>de deve-se entender possuir todos osmeios necessários ao completo e salutar desenvolvimentode suas habili<strong>da</strong>des. A SAP cria uma criançamedrosa, apreensiva, assusta<strong>da</strong> e desconfia<strong>da</strong>. NaSAP, o menor passa por um processo de coisificação– ele se torna simplesmente um objeto manipulávelpelo alienante.Esse processo trata, pois, de ver<strong>da</strong>deiro abuso infantil,de violência contra a criança, que se vê oprimi<strong>da</strong>diante <strong>da</strong> situação em que é coloca<strong>da</strong>. Ela deve escolherum dos genitores (o guardião) e a ele se unir, sob pena(em tese) de ser abandona<strong>da</strong> mais uma vez.25


ArtigosA DEFENSORIA PÚBLICA E A DEFESA PRECÍ-PUA DOS INTERESSES DO MENORSegundo a Lei 988/06, é atribuição institucional<strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública promover a tutela individual ecoletiva dos interesses e direitos <strong>da</strong> criança e do adolescente,bem como a tutela dos direitos <strong>da</strong>s pessoasnecessita<strong>da</strong>s, vítimas de qualquer forma de opressão ouviolência (art. 5º, VI, “c” e “i”).Uma vez que a Alienação Parental é ti<strong>da</strong> como umaforma de abuso infantil, de violência contra o menor, édever do Defensor Público que se depara com o casoagir rapi<strong>da</strong>mente e preocupa<strong>da</strong>mente. É importante queo Defensor se utilize <strong>da</strong> Lei 12.318/10, requerendo emsuas petições a aplicação <strong>da</strong>s sanções ali previstas, realizaçãode exames periciais e analisando se é caso dealteração <strong>da</strong> guar<strong>da</strong> judicial em favor do alienado, entreoutras medi<strong>da</strong>s cabíveis.A <strong>Defensoria</strong> Pública do Estado de São Paulo, porsua vez, como já se manifestou no sentido de que épriori<strong>da</strong>de sua o atendimento à criança e ao adolescente,deve se estruturar para garantir a primazia <strong>da</strong> defesados interesses do menor, prestando o atendimento multidisciplinarque o caso merece e capacitando seus servidores(Defensores, Estagiários, Assistentes Sociais ePsicólogos) a li<strong>da</strong>r com a situação.O combate à Alienação Parental – e à SAP – consiste,em última instância, em um desmembramento <strong>da</strong>atribuição institucional de lutar contra a violência e aopressão e de prestar um atendimento humano e multidisciplinarà criança necessita<strong>da</strong>.REFERÊNCIASDIAS, Maria Berenice. Incesto e Alienação Parental.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.GOUDARD, Bénédicte. A Sindrome de Alienação Parental.Disponível em: http://www.sos-papai.org/documentos/0.%20Doutorado%20em%20Medicina%20-%20A%20SNDROME%20DE%20ALIENAO%20PARENTAL.pdf.REANI, Valeria. A Síndrome <strong>da</strong> Alienação Parental –SAP. Disponível em: http://www.valeriareani.com.br/?p=3062. Acesso em 23 abr. 2011XAXÁ, Igor Nazarovicz. A Sindrome <strong>da</strong> AlienaçãoParental e o Poder Judiciário. Disponível em: http://www.alienacaoparental.com.br/textos-sobre-sap26 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


ArtigosA relação íntima de afeto <strong>da</strong> Lei Maria <strong>da</strong> PenhaThais Helena Costa NaderDefensora Pública do Estado de São Paulo. Coordenadora do NúcleoEspecializado de Promoção e Defesa dos Direitos <strong>da</strong> MullherA Lei n.º 11.340/06, mais conheci<strong>da</strong> como Lei Maria<strong>da</strong> Penha, previu em seu artigo 5º que a violência domésticae familiar contra a mulher configura-se no âmbito<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de doméstica, <strong>da</strong> família ou em qualquer relaçãoíntima de afeto, esta última sendo entendi<strong>da</strong> comoa relação afetiva entre o agressor e a vítima, presente oupretérita, e independentemente de coabitação.Há questionamentos jurídicos acerca <strong>da</strong> extensão <strong>da</strong>expressão “relação íntima de afeto”, tais como se englobao namoro e situações circunstanciais afetivas (relacionamentoscurtos ou de um dia, tidos como passageiros).Contra o alargamento <strong>da</strong> proteção temos a posiçãode Guilherme de Souza Nucci 1 e de Rogério SanchesCunha 2 de que o conceito foi além do previsto na ConvençãoInteramericana para prevenir, punir e erradicara violência contra a mulher.Não nos parece a melhor posição, eis que a própriaConvenção, em seu artigo 13, 3 impõe que seus dispositivosnão podem restringir normas internas dos países.Assim, a lei brasileira pode estender os conceitos legaispara proteger a mulher, sendo totalmente constitucionalo alargamento protecionista visando a impedir a violênciade gênero contra a mulher. 4Ana Cecilia Parodi e Ricardo Rodrigues Gama, ao escreveremsobre a Lei Maria <strong>da</strong> Penha, trazem conceitos<strong>da</strong>s relações de afeto e incluem um capítulo denominado“Ficar, Namorar e Noivar – Do Começo ao Fim”, explicandoto<strong>da</strong>s as formas de relacionamento e a incidência<strong>da</strong> Lei em questão. Tecem, inclusive, o comentário de1NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comenta<strong>da</strong>s, SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 865.2 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica (LeiMaria <strong>da</strong> Penha): Lei 11.340/2006. Comenta<strong>da</strong> artigo por artigo”, São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2007, p. 30/31.3 “Na<strong>da</strong> do disposto na presente Convenção poderá ser interpretado como restriçãoou limitação à legislação interna dos Estados Membros que preveja iguais ou maioresproteções e garantias aos direitos <strong>da</strong> mulher e salvaguar<strong>da</strong>s adequa<strong>da</strong>s para prevenir eerradicar a violência contra a mulher.”4 No mesmo sentido é o posicionamento de Wilson Lavorenti, em Violência e Discriminaçãocontra a Mulher (Campinas: Millenium, 2009, p. 239-240).<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875que relações virtuais, diante de seu crescimento, podem,em um futuro próximo, ser abarca<strong>da</strong>s e protegi<strong>da</strong>s pelalei de repressão à violência contra a mulher. 5Demais disso, são dessas relações ti<strong>da</strong>s como efêmerasque nascem as relações duradouras e a constituição<strong>da</strong> família. Não prevenir o início <strong>da</strong> violência seria chancelarsua ocorrência no casamento ou união estável.Ademais, a jurisprudência 6 vem caminhando neste sentido,tendo, inclusive, enunciados já a respeito, tais como:13. O inciso III do artigo 5º <strong>da</strong> Lei 11.340/06 abarca asrelações de namoro e de ex-namorados, mesmo sem terhavido convivência, bem como a relação entre amantes.(Conclusões aprova<strong>da</strong>s no Congresso sobre o tema “Lei11.340/2006 (Lei Maria <strong>da</strong> Penha). Um ano de vigência.Avanços e retrocessos, sob o ponto de vista prático, naopinião dos operadores do Direito”, promovido pela CorregedoriaGeral de Justiça e pelo Tribunal de Justiça doEstado de São Paulo).Enunciado 1. Para incidência <strong>da</strong> Lei Maria <strong>da</strong> Penhanão importa o período de relacionamento entre vítima eagressor(a), nem o tempo decorrido desde o seu rompimento,bastando que reste comprovado que a violênciafoi decorrente <strong>da</strong> relação de afeto. (I FONAVID – FórumNacional dos Juízes dos Juizados de Violência Domésticae Familiar contra a Mulher, do Conselho Nacional de Justiça,ocorrido em novembro de 2009)Não é só. A violência que se quer prevenir e reprimircom a Lei n.º 11.340/06 não é somente aqueladecorrente do âmbito familiar e doméstico, mas sim aviolência de gênero, basea<strong>da</strong> na superiori<strong>da</strong>de, no poderde dominação do homem em relação à mulher. Seassim não fosse, a esposa agredi<strong>da</strong> pelo marido em viapública não teria a chancela <strong>da</strong> lei e a possibili<strong>da</strong>de deconcessão de seus benefícios, tais como as medi<strong>da</strong>sprotetivas de urgência.O nome violência doméstica e familiar contra a mu-5 PARODI, Ana Cecília; GAMA, Ricardo Rodrigues. Lei Maria <strong>da</strong> Penha: Comentáriosà Lei n.º 11.340/2006. Campinas: Russel Editores, 2009, p. 39-416 Veja: STJ, Conflitos de Competência n.º 103813, 100654 e 96532 e HC n.º 92875.27


Artigoslher disse menos do que a proteção conferi<strong>da</strong> pela lei enão pode servir de base para sua não aplicação.O Grupo de Trabalho Interministerial que ficou incumbidode elaborar a Lei Maria <strong>da</strong> Penha explicitouque a violência doméstica fica condiciona<strong>da</strong> à relaçãode gênero, que é entendi<strong>da</strong> comorelações desiguais e assimétricas de valor e poder atribuí<strong>da</strong>sàs pessoas do segundo sexo, ressaltando que as desigual<strong>da</strong>desde gênero advêm de uma construção sociocultural semfulcro em diferenças biológicas que levou a um sistema dedominação apresentado como natural, propiciando, por consequência,ampla oportuni<strong>da</strong>de a condutas discriminatóriase violentas que mol<strong>da</strong>m o cotidiano <strong>da</strong>s mulheres. 7Conclui-se, portanto, que, mais do que reprimir aviolência de gênero contra a mulher, a Lei Maria <strong>da</strong>Penha visa a prevenir que ela ocorra, aplicando-se nonascedouro <strong>da</strong>s relações de afeto até após seu término,garantindo à mulher uma vi<strong>da</strong> sem violência.REFERÊNCIASCUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista.Violência Doméstica (Lei Maria <strong>da</strong> Penha): Lei11.340/2006. Comenta<strong>da</strong> artigo por artigo, São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2007.LAVORENTI, Wilson. Violência e Discriminação contraa Mulher. Campinas: Millenium, 2009.NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuaispenais comenta<strong>da</strong>s. São Paulo: Editora Revista dosTribunais, 2006.PARODI, Ana Cecília; GAMA, Ricardo Rodrigues. LeiMaria <strong>da</strong> Penha: Comentários à Lei n.º 11.340/2006.Campinas: Russel Editores, 2009.STJ, Conflitos de Competência n.º 103813, 100654 e96532 e HC n.º 92875.7 LAVORENTI, Wilson, op. cit., p. 226.28 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


ArtigosReflexões acerca <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civilparental por abandono afetivoSamir Nicolau NassrallaDefensor Público do Estado de São PauloEspecialista em Direito Civil pela PUC-MG.SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Reflexões sobre o tema<strong>da</strong> afetivi<strong>da</strong>de; 3 Conceito e pressupostos de responsabili<strong>da</strong>decivil em confronto com a tese <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>decivil parental por abandono afetivo; 4Repercussão jurídica do abandono afetivo parental:possibili<strong>da</strong>de de destituição do poder familiar; 5 Conclusão;Referências.1 INTRODUÇÃOHistoricamente, desde a vigência <strong>da</strong> ConstituiçãoItaliana de 1948, o Código Civil <strong>da</strong>quele país, apesar deain<strong>da</strong> funcionar como eixo do sistema privado, estabelecendoas principais normas de índole eminentementepriva<strong>da</strong>s que disciplinam as relações jurídicas entre osindivíduos, passou a ser interpretado e ressignificadopor normas constitucionais. Tal fenômeno, posteriormentedenominado de constitucionalização do direitocivil, ocorreu na Itália, pelo fato de que o Código Civillá editado em 1942 o foi sob a égide de governo autoritárioou fascista que suprimia os direitos dos indivíduosem face do Estado, frontalmente oposto ao espírito democrático<strong>da</strong> nova ordem constitucional e dos direitosfun<strong>da</strong>mentais.Sobre o tema, explica Timm (2008, p.16):Na Itália, o fenômeno em tela tem a <strong>da</strong>ta de 1º de janeiro de1948, com a entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> sua nova Constituição epode ser caracterizado como segue. Primeiro, o Código Civildeixou de constituir o centro geométrico de to<strong>da</strong> ordemjurídica constituí<strong>da</strong>. O primado <strong>da</strong> legislação passou paraa Constituição, ao lançar as bases de uma nova socie<strong>da</strong>deideologicamente comprometi<strong>da</strong>. A Constituição passou aregular não só a organização do Estado e a tutelar as liber<strong>da</strong>despúblicas e os direitos políticos, mas também imiscuiu-seem institutos basilares <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de burguesa liberal, antestratados exclusivamente nos Códigos, como o casamento,a proprie<strong>da</strong>de, a liber<strong>da</strong>de econômica, etc., <strong>da</strong>ndo poderesa grupos intermediários, ou seja, que ficam entre a pessoahumana e o Estado e se constituem em organizações sociaisonde o indivíduo exerce a sua personali<strong>da</strong>de.<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875A Constituição Federal do Brasil de 1988 elevou aoseu texto diversas relações de direito privado, como, porexemplo, a disciplina <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> que passa ater função social (artigo 170, inciso III), proteção à imageme indenização por <strong>da</strong>no moral (artigo 5º, inciso V),além de vários temas de direito de família (artigo 226).Assim, surge no Brasil a chama<strong>da</strong> Escola de DireitoCivil-Constitucional, conforme anota Sampaio Júnior(2009, p. 71):Para os teóricos dessa escola, a Constituição <strong>da</strong> República de1988 teria instaurado novos parâmetros hermenêuticos, queexigiriam <strong>da</strong> imediata adequação <strong>da</strong>s normas vigentes à ordemconstitucional. Entretanto, não se tratava apenas de umaanálise do instituto <strong>da</strong> recepção <strong>da</strong> normas anteriores pelonovo regramento constitucional. Tratava-se, sim, de aplicaro Direito conforme o espírito <strong>da</strong> Constituição e com amparona sua principiologia, centra<strong>da</strong> na digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana.Isto é, a vali<strong>da</strong>de do ordenamento infraconstitucionalé condiciona<strong>da</strong> à sua adequação aos princípios constitucionais,sendo juridicamente reconheci<strong>da</strong>s e tutela<strong>da</strong>s apenasaquelas normas que com ele guardem sintonia.Escrevendo sobre o tema <strong>da</strong> Constitucionalizaçãodo direito civil, menciona Dias (2007, p. 36):Grande parte do direito civil está na Constituição, que acabouenlançando os temas sociais juridicamente relevantespara garantir-lhes efetivi<strong>da</strong>de. A intervenção do Estado nasrelações de direito privado permite o revigoramento <strong>da</strong>sinstituições de direito civil e, diante do novo texto constitucional,forçoso ao intérprete redesenhar o tecido do direitocivil à luz <strong>da</strong> nova Constituição. Essa é uma característica dochamado estado social, que intervém em setores <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong>como forma de proteger o ci<strong>da</strong>dão, postura impensávelem um estado liberal que prestigia, antes e acima de tudo,a liber<strong>da</strong>de. O direito civil constitucionalizou-se, afastandose<strong>da</strong> concepção individualista, tradicional e conservadoraelitista<strong>da</strong> época <strong>da</strong>s codificações do século passado. Agora,qualquer norma jurídica de direito <strong>da</strong>s famílias exige a presençade fun<strong>da</strong>mento de vali<strong>da</strong>de constitucional.Em harmonia com o pensamento <strong>da</strong> cita<strong>da</strong> doutrinabrasileira civil-constitucional, lidera<strong>da</strong> por autores29


Artigoscomo Gustavo Tepedino, alguns estudiosos do direitode família brasileiro, como Maria Berenice Dias (2008)e Ana Carolina Brochado Teixeira (2008), partem <strong>da</strong>ideia de que o estudo e interpretação <strong>da</strong>s normas infraconstitucionaisrelativas ao direito de família contidosno Código Civil e legislação esparsa devam ser operacionalizadospela aplicação de vários subprincípios(afetos às relações de direito de família) derivados <strong>da</strong>digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana, que se expressa em umdos fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> República Federativa do Brasil(artigo 1º, III, <strong>da</strong> Constituição Federal).Essa doutrina cita, dentre outros, o princípio <strong>da</strong> nãointervenção ou <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de do planejamento familiar,<strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de dos filhos havidos ou não na constânciado casamento, <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de entre cônjuges e companheiros,<strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de no exercício do poder familiar, <strong>da</strong>soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de familiar, do melhor interesse <strong>da</strong> criança,<strong>da</strong> função social <strong>da</strong> família, e, finalmente, o princípio<strong>da</strong> afetivi<strong>da</strong>de (TEIXEIRA; RIBEIRO, 2008).Sob o fun<strong>da</strong>mento de que a afetivi<strong>da</strong>de é princípio dedireito de família, como derivação implícita do princípio<strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de (artigo 3º, inciso I, <strong>da</strong> ConstituiçãoFederal) e <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana, começarama surgir provocações ao Poder Judiciário pleiteando indenizaçõespor <strong>da</strong>no moral em casos em que há abandonoafetivo de pais em relação aos seus filhos, diantedo presumido <strong>da</strong>no moral e psíquico sofrido em decorrência<strong>da</strong> ausência ou desprezo do ascendente, sob oargumento que a obrigação <strong>da</strong>quele não se esgotaria nodever de sustento material, mas também no dever deafeto, conforme anota Gonçalves (2007, p. 699):Algumas decisões de São Paulo, Minas Gerais e RioGrande do Sul têm acolhido a pretensão de filhos que sedizem abandonados ou rejeitados pelos pais, sofrendotranstornos psíquicos em razão <strong>da</strong> falta de carinho e deafeto na infância e juventude. Não basta pagar a pensãoalimentícia e fornecer os meios de subsistência dos filhos.Queixam-se estes do descaso, <strong>da</strong> indiferença e <strong>da</strong> rejeiçãodos pais, tendo alguns obtido o reconhecimento judicialdo direito à indenização como compensação pelos <strong>da</strong>nosmorais, ao fun<strong>da</strong>mento de que a educação abrange nãosomente a escolari<strong>da</strong>de, mas também a convivência familiar,o afeto, o amor, o carinho, devendo o descaso entrepais e filhos ser punido severamente por constituir abandonomoral grave.No Rio Grande do Sul, na ci<strong>da</strong>de de Capão <strong>da</strong> Canoa,há registro de sentença oriun<strong>da</strong> do processo n.º1.030.012.032-0, que reconheceu o direito à indenizaçãode uma filha abandona<strong>da</strong> afetivamente pelo pai,fixando-se o valor do abandono em duzentos saláriosmínimos, conforme cita Castro (2010, p. 01):A história é de uma jovem, fruto de um relacionamento semsucesso, que desde seus primeiros anos relacionou-se com ogenitor apenas em audiências. Apesar do comprometimento,inclusive em juízo, de estar presente durante a criação<strong>da</strong> filha, o pai jamais demonstrou qualquer afetivi<strong>da</strong>de pelacriança, pouco se importando com a sua existência, <strong>da</strong>ndosesatisfeito com a condenação à obrigação materialCaso emblemático foi dirimido pelo Superior Tribunalde Justiça, ao julgar o Recurso Especial n.º 757.411-MG, j. 29-11-2005, que reformou decisão Tribunal deJustiça de Minas Gerais <strong>da</strong> 7ª Câmara Cível, na Apelaçãon.º 408.550-5-BH, que havia fixado indenização de200 salários mínimos ao pai, com fun<strong>da</strong>mento de que aresponsabili<strong>da</strong>de (pelo filho) não se pauta tão-somenteno dever de alimentar, mas se insere no dever de possibilitaro desenvolvimento humano dos filhos, baseadono princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana.O Superior Tribunal de Justiça reformou o acórdão,que dividiu as opiniões dos ministros. Ressaltando-seque apenas um ministro (Barros Monteiro), entendeu queo genitor tem o dever de assistir moral e afetivamente ofilho, e só estaria desobrigado de pagar a indenização secomprovasse a ocorrência de motivo de força maior. Osoutros ministros assim não entenderam, afirmando que oque a lei prevê como punição pelo abandono afetivo é aper<strong>da</strong> do poder familiar, devendo ser afasta<strong>da</strong> a responsabili<strong>da</strong>depatrimonial (GONÇALVES, 2007).Em resumo, a decisão cita<strong>da</strong> foi no sentido <strong>da</strong> inexistênciade ato ilícito a ser indenizável em virtude doabandono afetivo, nos moldes do artigo 159 do CódigoCivil de 1916. Em suma, o Superior Tribunal de Justiçaentendeu que o abandono afetivo não configura <strong>da</strong>nomoral, conforme ementa do julgado:RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL.REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDA-DE. A indenização por <strong>da</strong>no moral pressupõe a prática deato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> normado artigo 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo,incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especialconhecido e provido, STJ, REsp n. 757411, 4ª T, Rel. Min.Fernando Gonçalves, julgado em 29/11/2005. Votou vencidoo Ministro Barros Monteiro, que dele não conhecia. OsMinistros Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini e CesarAsfor Rocha votaram com o Ministro relator. (TEIXEIRA;RIBEIRO, 2008, p. 40-41)Recente decisão do Tribunal de Justiça de São Pauloinovou em relação ao mencionado entendimento do SuperiorTribunal de Justiça relativo ao tema do abandonoafetivo ao reconhecer o direito à indenização ao filho,em virtude <strong>da</strong> alegação de que seu pai o teria desprezadodesde criança em virtude de uma deformi<strong>da</strong>de física em30 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


Artigossua orelha, o que teria lhe gerado angústia e <strong>da</strong>no psíquico.A decisão <strong>da</strong> 4ª Câmara de Direito Privado tevecomo base o entendimento do Desembargador Ênio Zuliani,relator do recurso, e a divergência do DesembargadorMaia <strong>da</strong> Cunha. Segundo Zuliani o pai não teriasido solidário com o drama do filho, restringindo-se acumprir a sentença <strong>da</strong> ação de alimentos, na<strong>da</strong> tendofeito para amenizar o drama pessoal vivido pelo filhoem decorrência <strong>da</strong> má-formação <strong>da</strong> sua orelha. 1Somando-se à importância <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> jurisprudêncianacional que já enfrentou o tema, há notícia deque tramita na Câmara o Projeto de Lei 4294/08 deautoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT) quesujeita pais que abandonarem afetivamente seus filhosa pagamento de indenização por <strong>da</strong>no moral, propondoalteração no Código Civil. 2Com efeito, coloca-se como relevante a reflexão sobrea possibili<strong>da</strong>de ou não <strong>da</strong> atribuição de indenizaçãocivil pelo abandono afetivo parental.Primeiramente, deve-se enfrentar a questão <strong>da</strong> naturezajurídica do afeto. Há de fato um dever jurídicode afeto dos pais em relação aos filhos? Trata-se de umônus? Trata-se de mera obrigação moral?Em um segundo aspecto, deve-se enfrentar a possibili<strong>da</strong>deem tese do preenchimento dos pressupostos gerais<strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civil, já que a matéria relativa ao direitode família avançaria sob os pilares do sistema geraldo Código Civil, que permanece íntegro no sistema normativo.Logo, deve-se in<strong>da</strong>gar: 1) qual o tipo de responsabili<strong>da</strong>deatribuí<strong>da</strong> ao agente: subjetiva ou objetiva?; 2)o abandono afetivo configura <strong>da</strong>no moral por omissão?;3) pode ser provado o <strong>da</strong>no psíquico sofrido pelo abandonado?;4) Como provar o nexo de causali<strong>da</strong>de entre oabandono e o suposto <strong>da</strong>no psíquico?Por último, ressalta-se o perigo <strong>da</strong> patrimonializaçãode questões de família e a crítica <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>decivil punitiva, bem como a inutili<strong>da</strong>de defixação dessa indenização do ponto de vista do restabelecimentoou surgimento do bom convívio entre aquelesligados pelo vínculo de sangue, mas separados por fatoresíntimos. Nesse aspecto, deve-se analisar a conveniência eoportuni<strong>da</strong>de sociais <strong>da</strong> adoção <strong>da</strong> tese <strong>da</strong> reparabili<strong>da</strong>decivil por ausência de afeto nas relações parentais, inclusivelevando-se em conta, em caso de menor, a doutrina <strong>da</strong>proteção integral e do melhor interesse <strong>da</strong> criança.1 Retirado do site Consultor Jurídico (Disponível em: Acesso em8/02/2010).2 Disponível em: http://ultimainstancia.uol.com.br.> Acesso em 06 jan. 2010.<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-48752. REFLEXÕES SOBRE O TEMA DA AFETIVIDADEPode-se afirmar que, segundo significativa correntedoutrinária, a afetivi<strong>da</strong>de, ou seja, o liame psicológicoemocionalque une os indivíduos de um núcleo, seria ovínculo central e definidor <strong>da</strong> família contemporânea.Tecendo considerações sobre o tema, Tartuce (apudTEIXEIRA; RIBEIRO, 2008, p. 48) preleciona:No que tange a relações familiares, a valorização do afetoremonta ao brilhante trabalho de João Batista Vilella, escritono início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980, tratando <strong>da</strong> desbiologização<strong>da</strong> paterni<strong>da</strong>de. Na essência, o trabalho procurava dizer queo vínculo familiar seria mais um vínculo de afeto do queum vínculo biológico. Assim, surgiria uma nova forma deparentesco civil – a parentali<strong>da</strong>de socioafetiva – basea<strong>da</strong> naposse de estado de filho.Para esse pensamento, a afetivi<strong>da</strong>de estaria caracteriza<strong>da</strong>como ver<strong>da</strong>deiro princípio ou fun<strong>da</strong>mento dodireito de família moderno por ser o elemento principalna identificação dos laços familiares não formalizadospela estrutura tradicional do casamento, ou na caracterizaçãodos vínculos de filiação, conforme prelecionaumas <strong>da</strong>s principais vozes sobre o tema, Maria BereniceDias (2007, p. 41):O novo modelo <strong>da</strong> família fun<strong>da</strong>-se sobre os pilares <strong>da</strong>repersonalização, <strong>da</strong> afetivi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> plurali<strong>da</strong>de e doeudemonismo, impingindo nova roupagem axiológicaao direito de família. Agora, a tônica reside no indivíduo,e não mais nos bens ou coisas que guarnecema relação familiar. A família-instituição foi substituí<strong>da</strong>pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribuitanto para o desenvolvimento <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de deseus integrantes como para o crescimento e formação<strong>da</strong> própria socie<strong>da</strong>de, justificando, com isso, a sua proteçãopelo Estado.Acrescenta, ain<strong>da</strong>, a mesma autora:Ao serem reconheci<strong>da</strong>s como enti<strong>da</strong>de familiar merecedora<strong>da</strong> tutela jurídica as uniões estáveis, que se constituem sem oselo do casamento, tal significa que o afeto, que une e enlaçaduas pessoas, adquiriu reconhecimento e inserção no sistemajurídico. Houve constitucionalização de um modelo defamília eudemonista e igualitário, com maior espaço para oafeto e a realização individual. (DIAS, 2007, p. 67)Ganharia, assim, mais importância na caracterização<strong>da</strong> família o laço de união e amor do que propriamenteo fator meramente genético.Essa interpretação parte <strong>da</strong> ideia que a ConstituiçãoFederal do Brasil, ao prever a liber<strong>da</strong>de do planejamentofamiliar, em seu artigo 226, §7º, bem como a igual<strong>da</strong>deentre os filhos havidos ou não dentro <strong>da</strong> estrutura31


Artigosdo casamento, no artigo 227, §6º, teria democratizado oconceito de família.O que uniria primordialmente os indivíduos numa relaçãofamiliar deixaria de ser a estrutura formal e passariaa ser primordialmente o vínculo psicológico-afetivo. Talafirmação parte <strong>da</strong> constatação princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, entre os diversos tipos de enti<strong>da</strong>de familiar,seja a união estável, seja o casamento propriamente dito,seja a enti<strong>da</strong>de monoparental, ou enti<strong>da</strong>de homoafetiva,as quais devem merecer a mesma proteção jurídica estatal,o que se fun<strong>da</strong>mentaria no princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de<strong>da</strong> pessoa humana (art. 1º, III, <strong>da</strong> Constituição Federal).Partindo-se desta premissa, lança<strong>da</strong> por parte <strong>da</strong>doutrina familiarista brasileira, na jurisprudência nacionala relação de afeto passou a ser utiliza<strong>da</strong> comocritério preponderante para solução de conflitos versandosobre filiação, invoncando-se, mais uma vez, oprincípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana.É o que se extrai, por exemplo, <strong>da</strong> seguinte decisão:NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ADOÇÃO À BRA-SILEIRA. CONFRONTO ENTRE A VERDADE BIO-LÓGICA E A SOCIOAFETIVA. TUTELA DA DIG-NIDADE DA PESSOA HUMANA. PROCEDÊNCIA.DECISÃO REFORMADA. 1. A ação negatória de paterni<strong>da</strong>deé imprescritível, na esteira do entendimentoconsagrado na Súmula 149/STF, já que a deman<strong>da</strong> versasobre o estado <strong>da</strong> pessoa, que é a emanação do direito <strong>da</strong>personali<strong>da</strong>de. 2. No confronto entre a ver<strong>da</strong>de biológica,atesta<strong>da</strong> em exame de DNA, e a ver<strong>da</strong>de socioafetiva,decorrente <strong>da</strong> adoção à brasileira (isto é, <strong>da</strong> situação deum casal ter registrado, com outro nome, menor, comose deles filho fosse) e que perdura por quase 40 anos, háde prevalecer à solução que melhor tutele a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>pessoa humana. 3. A paterni<strong>da</strong>de socioafetiva, estandobasea<strong>da</strong> na tendência <strong>da</strong> personificação do direito civil,vê a família como instrumento de realização do ser humano;aniquilar a pessoa do apelante, apagando-lhe todo ohistórico de vi<strong>da</strong> e condição social, em razão de aspectosformais inerentes à irregular adoção à brasileira, não tutelariaa digni<strong>da</strong>de humana, nem faria justiça ao caso concreto,mas, ao contrário, por critérios meramente formais,proteger-se-iam as artimanhas, os ilícitos e as negligênciasutiliza<strong>da</strong>s em benefício do próprio apelado (TJPR,Apelação Cível 0108417-9, Rel. Des. Accácio Cambi,publicado em DJ 04/02/2002).Neste sentido, explica Queiroz (apud TEIXEIRA;RIBEIRO, 2008, p. 199):É devido a tal mutabili<strong>da</strong>de conceitual que a filiação não podeser entendi<strong>da</strong> como fenômeno biogenético (biológico peloparto e genético pela transmissão do código genético), mas,sim, como fenômeno cultural e prescrição jurídica. Nessediapasão, os termos pai e genitor não redun<strong>da</strong>m mais em sinônimos.Genitor é aquele que fornece o material genético epai é aquele que detém o liame <strong>da</strong> filiação. As referi<strong>da</strong>s figurasnão podem ser confundi<strong>da</strong>s pela ordem normativa, <strong>da</strong><strong>da</strong>a distância que as separa no estágio atual <strong>da</strong> biotecnologia dereprodução humana e <strong>da</strong> configuração <strong>da</strong> paterni<strong>da</strong>de.Entretanto, muito embora haja afirmação por parte <strong>da</strong>doutrina que o princípio <strong>da</strong> afetivi<strong>da</strong>de seja extraído dos jámencionados princípios constitucionais, não há referênciaexpressa a ele na legislação infraconstitucional brasileira.É o que pondera a mesma doutrinadora acima referi<strong>da</strong>:O Código Civil também não utiliza a palavra afeto, ain<strong>da</strong>que, em alguns dispositivos, se possa entrever esse elementopara caracterizar situação merecedora de tutela.Invoca somente o laço de afetivi<strong>da</strong>de como elemento indicativopara a definição de guar<strong>da</strong> do filho quando <strong>da</strong>separação dos pais (CC 1584 parágrafo único). Ain<strong>da</strong> quecom grande esforço se consiga visualizar na lei a elevaçãodo afeto a valor jurídico, mister é reconhecer que tímidomostrou-se o legislador. (DIAS, 2007, p. 68)Há, inclusive, entre os estudiosos do direito de famíliabrasileiro, quem teça críticas ao conceito de famíliafun<strong>da</strong>do no afeto, conforme expõe Rocha (2009, p. 61):Como se não bastasse o modo inapropriado comque o afeto tem sido invocado por parte <strong>da</strong> doutrinabrasileira, o “afeto” não é um <strong>da</strong>do <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de capazde identificar a família nem mesmo em sentidofilosófico-científico. Há reali<strong>da</strong>des afetivas que extrapolamos limites <strong>da</strong> família e reali<strong>da</strong>des não afetivasque se incluem no conceito de família. Exorbitamdo conceito de família a mera amizade e onamoro. Faltam-lhes outros elementos que comparecemcom freqüência na formação <strong>da</strong> família: estabili<strong>da</strong>de,intuito de formação de família, coabitaçãoe dependência econômica. Há outras situações emque a socioafetivi<strong>da</strong>de se contrapõe ao sistema jurídico.O casamento gera família, independentemente<strong>da</strong> situação socioafetiva, por força do que dispõe aConstituição nos §§ 1º e 2º do artigo 226.E acrescenta o mesmo autor:A constatação de que a ordem jurídica sobre a família esua proteção não estão atrela<strong>da</strong>s necessariamente aos fenômenospsíquicos, nota<strong>da</strong>mente à existência de afeto, induzque este constitui apenas um dos elementos (um dos maisimportantes) para a construção constitucionalmente adequa<strong>da</strong>do conceito de “família”. O conceito de “família”,no entanto, é sociológico, como anotou Popper: A psicologiaé uma ciência social visto depender, grandemente,nossos pensamentos e ações, de nossas condições sociais.Idéias como (a) imitação, (b) a linguagem, (c) a família,são obviamente idéias sociais; e está claro que a psicologia<strong>da</strong> aprendizagem e do pensamento e também, por exemplo,a psicanálise, não podem existir sem utilizar uma ououtra dessas idéias sociais. Portanto, a psicologia pressu-32 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


Artigospõe idéias sociais, o que demonstra ser impossível explicara socie<strong>da</strong>de exclusivamente em termos psicológicos oureduzi-las à psicologia. Logo, não podemos considerar apsicologia como a base <strong>da</strong>s ciências sociais. (2009, p. 64).Ain<strong>da</strong>, sobre o tema do afeto, arremata Lisboa(2008, p. 25):Afeição é um sentimento que se tem em relação a determina<strong>da</strong>pessoa ou algum bem. Afeiçoar-se significaidentificar-se, ter afeto, amizade ou amor. Os membrosde uma família, em sua maioria, possuem laços de afeiçãouns pelos outros. Entretanto, isso não é reali<strong>da</strong>de absoluta.Há enti<strong>da</strong>des familiares desgraça<strong>da</strong>s por inimizadescapitais e por relacionamentos praticamente nulos. Ora,nenhuma pessoa pode ser compeli<strong>da</strong> a afeiçoar-se a outra,pouco importando se há entre elas algum parentesco ounão. Bom seria se todos tivessem afeto uns pelos outros,cumprindo o man<strong>da</strong>mento bíblico e de outras religiõesnão cristãs. To<strong>da</strong>via, a complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações interpessoaismuitas vezes leva a situações que impedem oumesmo enfraquecem esse nível de relacionamento. E nãohá qualquer poder temporal capaz de modificar esse quadro,compelindo uma pessoa a se afeiçoar a outra.Pondera-se que a elevação <strong>da</strong> afetivi<strong>da</strong>de como ver<strong>da</strong>deiroprincípio de direito de família, que encontrarespaldo em grande parte <strong>da</strong> moderna doutrina familiaristanacional, não é tema pacífico, havendo críticas porser o afeto tema relacionado à psicologia, não podendoser o único critério para identificação dos modelosfamiliares, sendo abstrata tal tese unicamente basea<strong>da</strong>no princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana, princípiofun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> República Federativa do Brasil, masque se constitui em cláusula aberta, de difícil conceituação,conforme expõe Tavares (2008, p. 537):[...] não se alcançará, no entanto, o que “efetivamente” éo âmbito de proteção <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de. Isso porque, segundoINGO WOLFANG SARLET, uma <strong>da</strong>s principais dificul<strong>da</strong>des,to<strong>da</strong>via – e aqui recolhemos a lição de MICHAELSACHS – reside no fato de que no caso <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>pessoa, diversamente do que ocorre com as demais normasjusfun<strong>da</strong>mentais, não se cui<strong>da</strong> de aspectos mais ou menosespecíficos <strong>da</strong> existência humana (integri<strong>da</strong>de física, intimi<strong>da</strong>de,vi<strong>da</strong>, proprie<strong>da</strong>de, etc), mas, sim, de uma quali<strong>da</strong>deti<strong>da</strong> como inerente a todo e qualquer ser humano, de talsorte que a digni<strong>da</strong>de – como já restou evidenciado – passoua ser habitualmente defini<strong>da</strong> como constituindo o valorpróprio que identifica o ser h umano como tal.3. CONCEITO E PRESSUPOSTOS DE RESPON-SABILIDADE CIVIL EM CONFRONTO COM ATESE DA RESPONSABILIDADE CIVIL PAREN-TAL POR ABANDONO AFETIVOAntes de se enfrentar propriamente o problema proposto,qual seja a possibili<strong>da</strong>de de reparação civil por<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875abandono afetivo parental, necessário se faz a conceituaçãode responsabili<strong>da</strong>de civil e suas hipóteses.Eis a re<strong>da</strong>ção do artigo 927 do Código Civil brasileiro:“Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187)causar <strong>da</strong>no a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Considera-secomo ato ilícito, “aquele que, por ação ouomissão voluntária, negligência ou imprudência, violardireito e causar <strong>da</strong>no a outrem, ain<strong>da</strong> que exclusivamentemoral”, bem como “o titular de um direito que,ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostospelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé oupelos bons costumes”, conforme artigos 186 e 187 domesmo diploma legal.Em resumo, a responsabili<strong>da</strong>de civil consiste na obrigaçãoimposta àquele que praticou o ato ilícito de repararo prejuízo sofrido por outrem. É o dever jurídico atribuídoao causador do <strong>da</strong>no de reparar a lesão suporta<strong>da</strong> porterceiro, conforme ensina Gonçalves (2007, p. 02):O instituto <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civil é parte integrante dodireito obrigacional, pois a principal conseqüência de umato ilícito é a obrigação que acarreta, para o seu autor, dereparar um <strong>da</strong>no, obrigação esta de natureza pessoal, que seresolve em per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos. Costuma-se conceituar “obrigação”como o vínculo jurídico que confere ao credor o direitode exigir do devedor o cumprimento de determina<strong>da</strong>prestação. A característica principal <strong>da</strong> obrigação consisteno direito conferido ao credor de exigir o adimplemento<strong>da</strong> prestação. É o patrimônio do devedor que respondepor suas obrigações. As obrigações deriva<strong>da</strong>s dos “atosilícitos” são as que se constituem por meio de ações ouomissões culposas ou dolosas do agente, pratica<strong>da</strong>s cominfração a um dever de conduta e <strong>da</strong>s quais resultam um<strong>da</strong>no a outrem. A obrigação que, em conseqüência, surge éa de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado.Sérgio Cavalieri Filho (2009, p. 02) define o responsávelcomo:A pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente <strong>da</strong> violaçãode um precedente dever jurídico. E assim é porquea responsabili<strong>da</strong>de pressupõe um dever jurídico preexistente,uma obrigação descumpri<strong>da</strong>. Daí ser possível dizerque to<strong>da</strong> conduta humana que, violando dever jurídicooriginário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora deresponsabili<strong>da</strong>de civil.Acerca dos fun<strong>da</strong>mentos éticos <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>decivil, Sampaio Júnior (2009, p. 23) pondera:Pode-se afirmar que a responsabili<strong>da</strong>de civil, tal comohoje desenvolvi<strong>da</strong>, assenta-se sobre dois distintos fun<strong>da</strong>mentoséticos: a sanção a uma conduta lesiva culposa,tratando-se <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de subjetiva, e no tocante àresponsabili<strong>da</strong>de objetiva, a assunção dos riscos decor-33


Artigosrentes de uma ativi<strong>da</strong>de que cria, para a coletivi<strong>da</strong>de, riscossuperiores aos que normalmente seriam de se esperarde uma ativi<strong>da</strong>de cotidianamente exerci<strong>da</strong>.Portanto, a responsabili<strong>da</strong>de civil pode ser dividi<strong>da</strong>em duas espécies: subjetiva e objetiva. A primeiraespécie ocorre quando há necessi<strong>da</strong>de de ser prova<strong>da</strong>a culpa do agente causador do <strong>da</strong>no. Assim, para quese caracterize a subjetivi<strong>da</strong>de deverá haver necessariamenteum <strong>da</strong>no, a comprovação de dolo ou culpa e onexo causal entre o <strong>da</strong>no e a ação que o provocou.Por seu turno, a responsabili<strong>da</strong>de será objetiva demonstrando-seapenas a causali<strong>da</strong>de entre o ato e o prejuízocausado, não havendo a necessi<strong>da</strong>de de se comprovara culpa ou dolo do agente. É também chama<strong>da</strong>de responsabili<strong>da</strong>de pelo risco, na qual “o exercício deuma ativi<strong>da</strong>de que possa representar um risco obrigapor si só a indenizar os <strong>da</strong>nos causados por ela” segundoSílvio de Salvo Venosa (VENOSA, 2008, p. 15).Depreendem-se, assim, os pressupostos <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>decivil extracontratual subjetiva: 1) ato ilícito;2) conduta culposa; 3) <strong>da</strong>no; 4) nexo de Causali<strong>da</strong>de.O tema <strong>da</strong> ilicitude será analisado mais a frente. Porconduta culposa entende-se a inexecução de um deverque o agente podia conhecer e observar. O terceiro requisitodiz respeito ao <strong>da</strong>no ou lesão sofri<strong>da</strong>, já que sema prova do <strong>da</strong>no ninguém pode ser responsabilizado.Segundo a melhor doutrina, o <strong>da</strong>no pode ser material ousimplesmente moral, ou seja, sem repercussão na órbitafinanceira do ofendido (GONÇALVES, 2007).O quarto pressuposto, o nexo de causali<strong>da</strong>de, é explicadocomo “a vinculação entre determina<strong>da</strong> ação ouomissão e o <strong>da</strong>no experimentado” (PELUSO, 2009).Um pai que ostensivamente humilha seu filho, exteriorizandoqualquer tipo de conduta vexatória, aopraticar uma conduta ativa, inegavelmente, em tese,cometeria ato ilícito passível de indenização por <strong>da</strong>nomoral, assim como qualquer outra pessoa poderia serresponsabiliza<strong>da</strong>. A questão que se coloca é outra. Daconduta meramente negligente do pai ou mãe em <strong>da</strong>rafeto ao filho, mesmo suprindo to<strong>da</strong>s as suas necessi<strong>da</strong>desmateriais e intelectuais, através de conduta meramenteomissiva, acarretaria um <strong>da</strong>no moral passível deser indenizado?O artigo 186 do Código Civil menciona o termo“ação ou omissão voluntária”. E, em segui<strong>da</strong>, aponta asmo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de culpa: imprudência e negligência.A questão <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> reparação civil porabandono afetivo se baseia, em síntese, no argumentode que o <strong>da</strong>no psíquico sofrido pela prole despreza<strong>da</strong>pela conduta negligente do pai ou mãe configura, defato, espécie de <strong>da</strong>no moral e ofensa a direito de personali<strong>da</strong>dedo ofendido.A questão é polêmica e divide opiniões na doutrina.Sobre o tema vale transcrever a opinião do DesembargadorLuiz Felipe Brasil Santos, citado por Castro(2010, p. 2), que anota:A matéria (abandono afetivo) é polêmica e alcançar-seuma solução não prescinde do enfrentamento de um dosproblemas mais instigantes <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civil, qualseja, determinar quais <strong>da</strong>nos extrapatrimoniais, dentreaqueles que ocorrem ordinariamente, são passíveis de reparaçãopecuniária. Isso porque a noção do que seja <strong>da</strong>nose altera com a dinâmica social, sendo ampliado a ca<strong>da</strong> diao conjunto dos eventos cuja repercussão é tira<strong>da</strong> <strong>da</strong>quiloque se considera inerente à existência humana e transferi<strong>da</strong>ao autor do fato. Assim, situações anteriormente ti<strong>da</strong>scomo “fatos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>”, hoje são trata<strong>da</strong>s como <strong>da</strong>nos quemerecem atenção do Poder Judiciário, a exemplo do <strong>da</strong>noà imagem e à intimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa.Mag<strong>da</strong>leno (2006, p. 159) é adepto <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> responsabilização, expressando que o direito de<strong>da</strong>no é aplicável sim ao direito de família, tendo porfun<strong>da</strong>mento o abuso de direito que prevê o artigo 187do Código Civil e não o ato ilícitoDefendendo a conveniência de responsabilização civilpor abandono afetivo, Gisel<strong>da</strong> Maria Fernandes deNovaes Hironaka (2007, p. 16) sustenta que:a indenização por abandono afetivo, se for utiliza<strong>da</strong> comparcimônia e bom senso, sem ser transforma<strong>da</strong> em ver<strong>da</strong>deiroaltar de vai<strong>da</strong>des e vinganças ou em fonte de lucro fácil,poderá converter-se em instrumento de extrema importânciapara um direito de família mais consentâneo com a contemporanei<strong>da</strong>de,podendo desempenhar, inclusive, um importantepapel pe<strong>da</strong>gógico no seio <strong>da</strong>s relações familiares.Sobre o tema, posiciona-se, ain<strong>da</strong>, Gonçalves (2007,p. 700):A questão é delica<strong>da</strong>, devendo os juízes ser cautelosos naanálise de ca<strong>da</strong> caso, para evitar que o Poder Judiciário sejausado, por mágoa ou por outro sentimento menos nobre,como instrumento de vingança contra pais ausentes ou negligentesno trato com os filhos. Somente casos especiais,em que fique cabalmente demonstra<strong>da</strong> a influência negativado descaso dos pais na formação e no desenvolvimento dosfilhos, com rejeição pública e humilhante, justifica o pedidode indenização por <strong>da</strong>nos morais. Simples desamor e faltade afeto não bastam.Posicionando-se pela impossibili<strong>da</strong>de é Lopes34 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


Artigos(2006, p. 54): “Filio-me ao entendimento que a violaçãoaos deveres familiares gera apenas as sanções noâmbito do direito de família, refletindo, evidentemente,no íntimo afetivo e psicológico <strong>da</strong> relação [...].”Percebe-se, de plano, que mesmo a doutrina favorávelà tese <strong>da</strong> reparabili<strong>da</strong>de do <strong>da</strong>no afetivo prega cautelae análise minuciosa dos casos levados à Justiça, afim de evitar uma espécie de patrimonialização <strong>da</strong> faltado sentimento no seio <strong>da</strong>s famílias, banalizando-se essetipo de deman<strong>da</strong>.Tais considerações doutrinárias a respeito <strong>da</strong> conveniênciaou não de adoção <strong>da</strong> tese do <strong>da</strong>no afetivoabor<strong>da</strong>m o tema no contexto <strong>da</strong> repercussão social <strong>da</strong>medi<strong>da</strong>, preocupando-se com a questão já notória <strong>da</strong>industrialização do <strong>da</strong>no moral, bem como ressaltam aduvidosa função pe<strong>da</strong>gógica de fixação de indenizaçãoao causador do <strong>da</strong>no afetivo.Além <strong>da</strong>s pertinentes objeções de índole sociológicalevanta<strong>da</strong>s em relação à tese <strong>da</strong> reparabili<strong>da</strong>de do<strong>da</strong>no em razão do abandono afetivo, considera<strong>da</strong> em siuma conduta éticamente reprovável, deve-se enfrentara problemática <strong>da</strong> presença dos requisitos de responsabilizaçãocivil.3.1 Do abandono afetivo parental e ilicitudeA primeira questão é saber se a conduta do pai quesimplesmente despreza seu filho afetivamente, mesmoque o amparando com alimentos e necessi<strong>da</strong>des materiais,contribuindo inclusive para seu estudo, configuraato ilícito.Nos termos <strong>da</strong> legislação vigente, cabe aos pais o deverde sustento, educação e formação moral dos filhosmenores. É o que dispõe o artigo 1634, inciso I, do CódigoCivil, segundo o qual: “Compete aos pais, quantoa pessoa dos filhos menores: I – Dirigir-lhes a criação eeducação;”. Já o Código Penal brasileiro reprime taxativamentea conduta do abandono material (artigo 244),bem como o abandono intelectual (artigo 246). 3Portanto, é expressa na lei a obrigação de sustento3 Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover à subsistência do cônjuge, oude filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválidoou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltandoao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acor<strong>da</strong><strong>da</strong>, fixa<strong>da</strong> ou majora<strong>da</strong>,deixar sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo.Pena – detenção, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa, de uma a dez vezes o maior saláriomínimo vigente no País. Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustraou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função,o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acor<strong>da</strong><strong>da</strong>, fixa<strong>da</strong> ou majora<strong>da</strong>.Art. 246. Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em i<strong>da</strong>deescolar. Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 1(um) mês, ou multa.<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875material e suporte moral e intelectual dos pais em relaçãoaos filhos. A questão é saber se o abandono ou inexistênciade afeto na relação parental constitui em obrigaçãojurídica, cujo descumprimento acarreta um ato ilícito.Acerca <strong>da</strong> conceituação de ato ilícito ensina Venosa(2008, p. 23):Por ato ilícito, entende-se aquele que promanam direta ouindiretamente <strong>da</strong> vontade e ocasionam efeitos jurídicos, mascontrários ao ordenamento. O ato de vontade, contudo, nocampo <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de deve revestir-se de ilicitude. Melhordiremos que na ilicitude há, geralmente, uma cadeia ousucessão de atos ilícitos, uma conduta culposa. Raramente,a ilicitude ocorrerá com um único ato. O ato ilícito traduz-seem um comportamento voluntário que transgride um dever.Como já analisamos, ontologicamente, o ilícito civil nãodifere do ilícito penal; a principal diferença reside na tipificaçãoestrita deste último. Na responsabili<strong>da</strong>de subjetiva,o centro do exame é o ato ilícito. O dever de indenizar vairepousar justamente no exame de transgressão ao dever deconduta que constitui o ato ilícito. Como vimos, sua conceituaçãovem exposta no art. 186.Neste ponto, incide o princípio constitucional <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de,previsto no artigo 5º, inciso II, <strong>da</strong> ConstituiçãoFederal, segundo o qual “ninguém será obrigado afazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtudede lei”. Logo, se o ato ilícito passível de reparação éaquele contrário ao direito, não havendo previsão normativado alcance e conteúdo mínimo <strong>da</strong> obrigação de<strong>da</strong>r afeto nem na Constituição Federal, nem na legislaçãoinfraconstitucional, não há como impor a responsabili<strong>da</strong>decivil parental por essa conduta, deixando-se aoarbítrio judicial a imposição de ver<strong>da</strong>deira pena civil auma conduta não tipifica<strong>da</strong> no sistema normativo, o queafrontaria os princípios democráticos e <strong>da</strong> separaçãodos poderes (respectivamente nos artigos 1º, caput, e 2º<strong>da</strong> Constituição Federal). É o que explica José Afonso<strong>da</strong> Silva (2008, p. 420):O princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de é nota essencial do Estado de Direito.É também, por conseguinte, um princípio basilar doEstado Democrático de Direito, como vimos, porquanto<strong>da</strong> essência do seu conceito subordinar-se à Constituiçãoe fun<strong>da</strong>r-se na legali<strong>da</strong>de democrática. [...] É nesse sentidoque se deve entender a assertiva de que o Estado, ou o PoderPúblico, ou os administradores não podem exigir qualqueração, nem impor qualquer abstenção, nem man<strong>da</strong>r tampoucoproibir na<strong>da</strong> aos administrados, senão em virtude de lei.Com efeito, refletindo sobre o abandono afetivo, aoque parece, tal conduta negativa por parte dos pais violaum dever moral com consequências jurídicas do quepropriamente dever jurídico passível de ilicitude pelodescumprimento. Por esses motivos há extrema dificul<strong>da</strong>deno preenchimento dos pressupostos gerais de35


Artigosresponsabili<strong>da</strong>de civil e patrimonialização <strong>da</strong> questão.Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira (2009, p. 9) exprimebem a coincidência entre o preceito moral e a normajurídica, nos seguintes termos:Sendo ambos – moral e direito – normas de conduta,evidentemente têm um momento de incidência comum.Mas, analisados intrinsecamente, os respectivosprincípios se diferenciam, quer em razão do campode ação, quer no tocante à intensi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sanção queacompanha a norma, quer no alcance ou efeitos desta.Moral e direito distinguem-se em que a primeiraatua no foro íntimo e o segundo no foro exterior. Sea conduta do agente ofende apenas a regra moral, encontrareprovação na sua consciência, e pode atrair odesapreço dos seus conci<strong>da</strong>dãos. Se a ação implicainobservância <strong>da</strong> norma jurídica, autoriza a mobilizaçãodo aparelho estatal, para recondução do infrator àlinha de observância do preceito, ou para sua punição.Encara<strong>da</strong> do ângulo <strong>da</strong> intensi<strong>da</strong>de, a norma jurídicaé dota<strong>da</strong> de coercibili<strong>da</strong>de, que não está presente naregra moral, representando esta um estado subjetivodo agente, que pode ser adotado, ou que deve ser adotadovoluntariamente, enquanto que a obediência aopreceito de direito é imposta coercitivamente pelo ordenamentojurídico.Na esteira desses argumentos está a opinião de Rodrigo<strong>da</strong> Cunha Pereira (apud ALVES, 2010, p. 23), queao prefaciar a obra que analisa o Estatuto <strong>da</strong>s Famílias,projeto de lei 2.285/2007, comenta com proprie<strong>da</strong>de:É preciso que as pessoas adultas, por elas mesmas,se responsabilizem pelas suas escolhas e desilusõesamorosas, suas uniões e desuniões e o Estado intervenhamenos na vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas. Poderiao Estado, através do Poder Judiciário, dizer quem éo culpado pelo fim de um casamento, por exemplo?Poderia o Estado, através do Poder Legislativo estabelecerregras para as uniões estáveis, e com istoaproximando-se ca<strong>da</strong> vez mais do casamento e afastandoconseqüentemente a possibili<strong>da</strong>de de uniões livres?Estas intervenções, embora bem intenciona<strong>da</strong>s,perdem, ca<strong>da</strong> vez mais terreno no Direito de Família.To<strong>da</strong>s estas questões estão, de certa forma, relaciona<strong>da</strong>scom a essência do ser humano e as velhasreivindicações de liber<strong>da</strong>de, agora reencarna<strong>da</strong>s pelaliber<strong>da</strong>de dos afetos, <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>dehumana, enfim ao Desejo.Percebe-se, ain<strong>da</strong>, que o espírito <strong>da</strong> legislação relativaao direito de família segue caminho inverso à excessivaintromissão do Estado na seara familiar, comoocorre pelo abandono do critério <strong>da</strong> culpa na separaçãojudicial ou divórcio. Não pode o direito obrigar os cônjugesa prestar afeto na relação conjugal. A ausênciadeste implica na falência de fato <strong>da</strong> união, podendo ensejara iniciativa <strong>da</strong> propositura <strong>da</strong> ação de separaçãoou divórcio com a consequência jurídica pertinente.A ausência ou abandono afetivo na relação conjugal,analogicamente, não poderia ensejar direito à indenizaçãopor <strong>da</strong>no moral do cônjuge desprezado, já esse éum risco inerente <strong>da</strong>s relações humanas. Não parece serinteresse do Estado perquirir sobre assunto tão íntimo<strong>da</strong> relação familiar, assim como é culpar alguém pelafalta de amor nas relações de parentesco.É em harmonia com tal pensamento, que anota Pinto(apud PELUSO, 2009, p. 1645):Controverti<strong>da</strong> na doutrina é a questão relativa à possibili<strong>da</strong>dede reparação por <strong>da</strong>no moral no Direito de Família,especialmente nas hipóteses de separação judicial por descumprimentode alguns dos deveres do casamento. ReginaBeatriz Tavares <strong>da</strong> Silva sustenta ser cabível a indenizaçãoquando houver <strong>da</strong>no ao consorte em razão de tal descumprimento,não se enquadrando nessa hipótese o simples desamor,pois falta de amor, por si só, não pode acarretar qualquerconseqüência jurídica, já que amar não é dever jurídico,inexistindo ato ilícito na falta de amor.Deve-se advertir que a patrimonialização <strong>da</strong> questãoreferente ao tema proposto, por indeterminação <strong>da</strong>ilicitude <strong>da</strong> conduta, corre o risco de gerar insegurançajurídica, ao atribuir indevi<strong>da</strong> discricionarie<strong>da</strong>de esentimentalismo às decisões judiciais sobre a questão.Acerca do perigo <strong>da</strong> jurisprudência sentimental, citandoo caso histórico de um tribuno francês, denominadode o bom juiz Magnaud (1889-1904), explica de formabrilhante Carlos Maximiliano (2007, p. 68), em sua lapi<strong>da</strong>robra Hermenêutica e Aplicação do Direito:Imbuído de idéias humanitárias avança<strong>da</strong>s, o magistradofrancês redigiu sentenças em estilo escorreito, lapi<strong>da</strong>r,porém afasta<strong>da</strong>s dos moldes comuns. Mostrava-seclemente e atencioso para os fracos e humildes, enérgicoe severo com opulentos e poderosos. Nas suas mãosa lei variava segundo a classe, mentali<strong>da</strong>de religiosa ouinclinações políticas <strong>da</strong>s pessoas submeti<strong>da</strong>s à sua jurisdição.[...] O fenômeno Magnaud foi apenas retumbantemanifestação de ideologia pessoal, atravessou ofirmamento jurídico <strong>da</strong> Europa como um meteoro, <strong>da</strong>sua trajetória curta e brilhante não ficaram vestígios.Quando o magistrado se deixa guiar pelo sentimento, alide degenera em loteria, ninguém sabe como cumprir alei a coberto de condenações forenses3.3 Do abandono afetivo e do <strong>da</strong>no moralO terceiro ponto a ser enfrentado é a existência de<strong>da</strong>no. Como se expôs, o principal fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> tese <strong>da</strong>possibili<strong>da</strong>de de reparação pelo abandono afetivo parentalé que tal conduta espelha espécie de <strong>da</strong>no moral.A possibili<strong>da</strong>de de reparação do <strong>da</strong>no moral é pre-36 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


Artigosvista tanto na Constituição (art. 5º, incisos V e X), comono artigo 186 do Código Civil. Por <strong>da</strong>no moral, entendeseto<strong>da</strong> ofensa a direito de personali<strong>da</strong>de ou à digni<strong>da</strong>dehumana. Não se confunde com o <strong>da</strong>no patrimonial, masdiz respeito à lesão de outros aspectos do direito <strong>da</strong> pessoa,não aferíveis economicamente, como, por exemplo,a honra, a imagem, seu nome, enfim todos os caracteresque se refiram ao aspecto personalíssimo do indivíduo.No dizer de uma <strong>da</strong>s maiores autori<strong>da</strong>des sobre o tema,Sérgio Cavalieri Filho, o <strong>da</strong>no pode ser a direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>deque não estão diretamente vinculados à suadigni<strong>da</strong>de, possuindo, portanto, duplo aspecto:À luz <strong>da</strong> Constituição vigente, podemos conceituaro <strong>da</strong>no moral por dois aspectos distintos. Em sentidoestrito, <strong>da</strong>no moral é violação do direito à digni<strong>da</strong>de.E foi justamente por considerar a inviolabili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> intimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong>, <strong>da</strong> honra e <strong>da</strong>imagem corolário <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de que a Constituiçãoinseriu em seu artigo 5º, V e X, a plena reparaçãodo <strong>da</strong>no moral. Este, pois, o novo enfoque constitucionalpelo qual deve ser examinado o <strong>da</strong>no moral,que já começou a ser assimilado pelo Judiciário,conforme se constata do aresto a seguir transcrito:“Qualquer agressão à digni<strong>da</strong>de pessoal lesiona ahonra, constitui <strong>da</strong>no moral e é por isso indenizável.Valores como a liber<strong>da</strong>de, a inteligência, o trabalho,a honesti<strong>da</strong>de, aceitos pelo homem comum, formama reali<strong>da</strong>de axiológica a que todos estamos sujeitos.Ofensa a tais postulados exige compensaçãoindenizatória - Ap. Cível 40.541, rel. Des. XavierVieira, ins ADCOAS 144.719” (2009, p. 80).A aceitação <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de reparação do <strong>da</strong>nomoral foi inicialmente muito controverti<strong>da</strong>, passandopor fases: inicialmente pela <strong>da</strong> irreparabili<strong>da</strong>de, sob oargumento de que era impossível se aferir a dor, e, atualmente,pacificamente pela possibili<strong>da</strong>de de cumulaçãocom a indenização por <strong>da</strong>nos materiais.Depreende-se dos ensinamentos sobre a configuraçãodo <strong>da</strong>no moral que este decorre de um ato ou condutaque provoca um ato ilícito ofensivo a direito <strong>da</strong>personali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vítima ou à sua própria digni<strong>da</strong>de,tendo a indenização função de trazer satisfação ou pazde espírito ao ofendido, pelo reconhecimento judicial<strong>da</strong> ilicitude, e de certa forma punindo o ofensor.<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875Sabe-se que para configuração do <strong>da</strong>no moral, conformea mais moderna e pacífica doutrina, é dispensávela prova do sofrimento, já que o <strong>da</strong>no se presume deuma conduta ilícita ofensiva à digni<strong>da</strong>de ou aos direitosde personali<strong>da</strong>de do ofendido. Ou seja, se há umaconduta ofensiva ao nome de um indivíduo, como suainclusão indevi<strong>da</strong> nos ca<strong>da</strong>stros de inadimplentes, compublici<strong>da</strong>de, não é preciso ao ofendido provar seu sofrimento,basta apontar a conduta, que presumivelmentelhe acarretou prejuízo moral.A fixação <strong>da</strong> indenização para reprimir a condutalesiva atinge sua finali<strong>da</strong>de que é <strong>da</strong>r ao ofendido nãoa restituição material <strong>da</strong> ofensa dirigi<strong>da</strong>, o que seriaimpossível no mundo dos fatos, mas a satisfação deque foi reconhecido o ato como ilícito e retribuído aoofensor o mal causado, conforme preleciona SampaioJúnior (2009, p. 99):Diante dessas considerações, talvez se possa realmenteconfirmar que o pretium Dolores deixoude ser o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de por <strong>da</strong>nosmorais. Não mais se paga o preço <strong>da</strong> dor, poissequer importa que de fato exista essa dor. O quereleva é sancionar uma conduta antiética. E, se possível,coibir aquela conduta.Percebe-se que a reparação por <strong>da</strong>no moral decorre decondutas ilícitas que ofendem bens jurídicos tutelados peloEstado, em que pode ser exigido respeito a esses bens.O amor e o afeto, ao contrário, são sentimentos humanos,que não podem ser exigidos, de forma a que seuinadimplemento gere direito à indenização. Na ver<strong>da</strong>de,ontologicamente, não são obrigações, mas deveresmorais e éticos a que a lei comina pelo descumprimentotambém a mesma reprimen<strong>da</strong>, qual seja o afastamentodo vínculo jurídico parental. Na ver<strong>da</strong>de, o abandonoafetivo não pode ser indenizado por não ter cunho obrigacional,por constituir o afeto um sentimento humano.Pereira (2009), ao traz o conceito de obrigação como“o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa podeexigir de outra prestação economicamente apreciável”.Assinala, ain<strong>da</strong>, o mesmo autor que um dos elementosde to<strong>da</strong> obrigação é que o objeto, isto é, a prestaçãoexigível pelo credor, seja determina<strong>da</strong> ou determinável:O que não é possível, sob pena de equiparar-se à faltade objeto e, pois, de ineficácia <strong>da</strong> obrigação, é a indeterminaçãodefinitiva, que importa na própria negaçãodo vínculo, por ausência de objetivação. Quando o objetoé indeterminável, ou pela sua natureza, ou porquecircunstâncias especiais obstam à determinação, nãohá obrigação váli<strong>da</strong>. (2009, p. 21)Em relação aos direitos de personali<strong>da</strong>de, a lei cominasanção pelo descumprimento <strong>da</strong> obrigação geral derespeito (artigo 12 do Código Civil), passíveis de reparaçãopecuniária em decorrência do <strong>da</strong>no moral. Podeseexigir, por exemplo, o respeito à imagem, à honra,ao nome. Na maioria <strong>da</strong>s vezes o direito impõe um nonfacere, isto é, uma abstenção de conduta para que não37


Artigossejam violados esses bens jurídicos, que se desrespeitadosgeram o direito a uma indenização para compensaro prejuízo moral suportado pela vítima.A tese <strong>da</strong> indenizabili<strong>da</strong>de do <strong>da</strong>no afetivo sustenta apossibili<strong>da</strong>de de que o Estado exija uma obrigação de fazerou entregar um sentimento por parte do indivíduo, cujoconceito é indeterminado, fluído e impreciso. Parece pertencerà seara <strong>da</strong> psicologia o estudo do desenvolvimento<strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de do indivíduo, bem como <strong>da</strong> repercussão<strong>da</strong> boa ou má criação dos filhos, razão pela qual suposto<strong>da</strong>no por abandono afetivo não pode ser presumido.No caso em tela existiria um comportamento omissivo,com reprovação ética e moral, com outras repercussõesjurídicas, como a definição de guar<strong>da</strong>, causa desuspensão ou destituição de poder familiar, mas que nãoconstitui isola<strong>da</strong>mente uma ofensa passível de reparaçãoatravés de indenização. A sutileza <strong>da</strong> diferenciaçãorepousa no fato que se trata de omissão de afeto, umcomportamento contínuo de índole íntima e negativa.Para certa parcela <strong>da</strong> doutrina a responsabili<strong>da</strong>de civilteria como função precípua restabelecer uma situação<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> abala<strong>da</strong>. No dizer de Venosa (2008, p. 1-2):Os princípios <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civil buscam restaurarum equilíbrio patrimonial e moral violado. Um prejuízo ou<strong>da</strong>no não reparado é um fator de inquietação social. Os ordenamentoscontemporâneos buscam alargar ca<strong>da</strong> vez maiso dever de indenizar, alcançando novos horizontes, a fim deca<strong>da</strong> vez menos restem <strong>da</strong>nos irressarcidos. É claro que esseé um desiderato ideal que a complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> contemporâneacoloca sempre em xeque. Os <strong>da</strong>nos que devem serreparados são aqueles de índole jurídica, embora possam terconteúdo também de cunho moral, religioso, social, ético,etc., somente merecendo reparação do <strong>da</strong>no as transgressõesdentro dos princípios obrigacionais.Ao se fixar indenização por abandono afetivo, istoé, pela conduta omissiva de um pai ou mãe que não dáamor a seu filho, o direito, através do Poder Judiciário,reprimiria um comportamento reprovável do ponto devista moral, mas, questionável, se tal ingerência estatalatenderia ao melhor interesse <strong>da</strong> família, qual seja aestimulação <strong>da</strong> própria retoma<strong>da</strong> do vínculo afetivo, jáque para condutas personalíssimas atinentes a um fazer,<strong>da</strong>do ao seu caráter de infungibili<strong>da</strong>de e tendo em vistaa liber<strong>da</strong>de individual, a única solução seria conversãoem per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos.Destaque-se que existe parcela significativa <strong>da</strong> doutrinacriticando a responsabili<strong>da</strong>de civil punitiva ou do punitive<strong>da</strong>mage, segundo explica Sampaio Júnior (2009, p. 100):Há forte rejeição <strong>da</strong> doutrina pátria à indenização punitiva,por vezes denomina<strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gógica, sendo queo dispositivo do Projeto do Código de Defesa do Consumidorprevendo a sua introdução no âmbito <strong>da</strong>s relaçõesde consumo foi vetado por inadequado à nossasistemática jurídica. Objeta-se que o Direito Civil nãotem a função de punir o ofensor. A responsabili<strong>da</strong>decivil se assenta na idéia de amparar a vítima, ressarcindo-lheo <strong>da</strong>no sofrido. Assim, a punição a umaconduta não ética ficaria a cargo do Direito Penal oudo Direito Administrativo, sem o que se subverteria aregra de que não há crime sem prévia lei que o defina.Sacrificar-se-ia a segurança em nome de uma condutaética pouco palpável.Questionável, ain<strong>da</strong>, do ponto de vista constitucional(artigo 227 <strong>da</strong> Constituição Federal), seguindo a doutrina<strong>da</strong> proteção integral, prevista no artigo 1º do ECA,no caso de abandono afetivo de menores, se a fixaçãode pena pecuniária ao pai, atenderia ao melhor interesse<strong>da</strong> criança e do adolescente, <strong>da</strong>do que o processoque visa a indenização poderá ser palco de discussões emaior abalo psíquico à criança e ao adolescente que selembrará do conflito por to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>.Desnecessário mencionar que não há como se adotaro regime de cumprimento forçado (executivo) <strong>da</strong>sobrigações de fazer previsto no Código de Processo Civilem seu artigo 632 e seguintes, já que não se poderiaaferir o cumprimento ou não <strong>da</strong> obrigação de <strong>da</strong>r amor,devido à fluidez do conceito e indeterminação probatória,assim como seria a fixação de multa diária pelodescumprimento <strong>da</strong> obrigação de <strong>da</strong>r amor.A doutrina e jurisprudência <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civilevoluiu, portanto, <strong>da</strong> irresponsabili<strong>da</strong>de por <strong>da</strong>noimaterial ou moral para aceitação incontroversa, nosdias atuais, dessa mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de reparação, com previsãoexpressa na Constituição Federal e no Código Civil.No entanto, razoável que não pode a teoria <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>decivil ir ao outro extremo de tentar repararcondutas não exterioriza<strong>da</strong>s, como o sentimento ou opensamento, sob o fun<strong>da</strong>mento de ofensa ao princípioaberto <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana, que se tornoupanaceia para todos os apetites ideológicos não satisfeitos(ROCHA, 2009).3.4 Do nexo de causali<strong>da</strong>deO quarto aspecto diz respeito ao nexo de causali<strong>da</strong>deentre a conduta do pai ou mãe que nega afeto aofilho e o <strong>da</strong>no causado. Segundo Neves (2009, p. 335),o nexo de causali<strong>da</strong>de pode ser conceituado como:[...] a relação que se estabelece entre o ato (por ação ouomissão) do devedor e o <strong>da</strong>no experimentado pelo credor.38 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


Artigosjuiz cumpre decidir com base nas provas que ao deman<strong>da</strong>nteEvidentemente, para que se verifique o dever de indenizar,4 Disponível em: http://www.alienacaoparental.com.br/o-que-e. Acesso em 8 de fev. 2010. men<strong>da</strong> pecuniária, mas a outra solução jurídica, de na-deve estar presente essa relação de causa e efeito – o nexo deincumbe produzir.causali<strong>da</strong>de – entre o fato gerador e o <strong>da</strong>no.Infere-se, assim, que prova do nexo de causali<strong>da</strong>deA conduta de não prestar afeto na relação parentalconfiguraria apenas uma omissão. Sobre a questão <strong>da</strong>causali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> omissão, ensina Cavalieri Filho (2009,p. 63) que:entre a conduta do suposto ofensor no caso do abandonoafetivo parental e o alegado <strong>da</strong>no, na maioria <strong>da</strong>vezes, será controverti<strong>da</strong>, pela oposição de outros fatores,o que levaria ao magistrado a apenas um juízo deprobabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> real causa do abalo psíquico, o que[...] a omissão adquire relevância causal porque a norma lhepoderia gerar insegurança jurídica, conforme asseveraempresta esse sopro vital, impondo ao sujeito um determinadocomportamento. Quando não houver esse dever jurídicoNeves (2009, p. 339):de agir, a omissão não terá relevância causal e, conseqüentemente,nem jurídica.A ver<strong>da</strong>de é que não existe uma uniformi<strong>da</strong>de no tratamentodos Tribunais acerca do nexo causal. Muitas vezesnão será possível ter a certeza absoluta do liame causal,No caso do abandono afetivo, mesmo que, em tese,sendo necessário, nestes casos, recorrer-se à experiênciase admita o abalo psíquico, o nexo de causali<strong>da</strong>de entree à probabili<strong>da</strong>de.a conduta do ofensor e o <strong>da</strong>no mostrar-se-ia de im-provável constatação já que outros fatores poderiam 4. REPERCUSSÃO JURÍDICA DO ABANDONOter concorrido para a ofensa, dentre os quais pode ser AFETIVO PARENTAL: POSSIBILIDADE DEcita<strong>da</strong> a denomina<strong>da</strong> síndrome <strong>da</strong> alienação parental, DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIARconforme explicação de sítio <strong>da</strong> internet específico sobreo assunto:Deduz-se do sistema normativo que o abandono oua inexistência de sentimento dos pais em relação aosSíndrome de Alienação Parental (SAP), também conheci<strong>da</strong>filhos constitui conduta contrária aos valores éticospela sigla em inglês PAS, é o termo proposto por Richardprestigiados pelo direito. O Código Civil, ain<strong>da</strong> que emGardner [3] em 1985 para a situação em que a mãe ou o paide uma criança a treina para romper os laços afetivos com poucas ocasiões, abor<strong>da</strong> as hipóteses em que a afetivi<strong>da</strong>deinfluencia, como na fixação de guar<strong>da</strong> dos filhos,o outro genitor, criando fortes sentimentos de ansie<strong>da</strong>dee temor em relação ao outro genitor. Os casos mais freqüentesou no caso <strong>da</strong> destituição ou suspensão do poder fami-<strong>da</strong> Síndrome <strong>da</strong> Alienação Parental estão associados liar. É o que dispõe o artigo 1638, II, do Código Civil,a situações onde a ruptura <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> conjugal gera, em um dosque expressamente diz que perderá o poder familiargenitores, uma tendência vingativa muito grande. Quandoeste não consegue elaborar adequa<strong>da</strong>mente o luto <strong>da</strong> separação,desencadeia um processo de destruição, vingança, é o que prescreve o artigo 24 do Estatuto <strong>da</strong> Criança eo pai ou mãe que deixar o filho em abandono. Tambémdesmoralização e descrédito do ex-cônjuge. Neste processo do Adolescente.vingativo, o filho é utilizado como instrumento <strong>da</strong> agressivi<strong>da</strong>dedireciona<strong>da</strong> ao parceiro. 4Ain<strong>da</strong>, acerca do nexo de causali<strong>da</strong>de, Venosa(2008, p. 48) explica que:Neste diapasão, já decidiu o Tribunal de Justiça deMinas Gerais:Direito de Família. Destituição do poder familiar. Abandonodo filho. Demonstração nos autos. Recurso improvido. ONa identificação do nexo causal, há duas questões aserem analisa<strong>da</strong>s. Primeiramente, existe a dificul<strong>da</strong>deem sua prova; a seguir, apresenta-se a problemática <strong>da</strong>identificação do fato que constitui a ver<strong>da</strong>deira causado <strong>da</strong>no, principalmente quando este decorre de causasmúltiplas. Nem sempre há condições de estabelecer<strong>da</strong> causa direta do fato, sua causa eficiente.poder familiar dos pais é ônus que a socie<strong>da</strong>de organiza<strong>da</strong> aeles atribui, em virtude <strong>da</strong> circunstância <strong>da</strong> parentali<strong>da</strong>de, nointeresse dos filhos. O exercício do múnus não é livre, masnecessário no interesse de outrem. A per<strong>da</strong> do poder familiaré definitiva, devendo ser observado para sua decretação, porsua gravi<strong>da</strong>de que o fato que a ensejar seja de tal magnitudeque ponha em perigo permanente a segurança e a digni<strong>da</strong>dedo filho. (TJMG, Ap. cível n. 1.0132.06.003134-2/001, rel.E cabe ao deman<strong>da</strong>nte o ônus <strong>da</strong> prova no que dizCarreira Machado, j. 11.11.2008, DJ 26.11.2008)respeito ao nexo de causali<strong>da</strong>de, conforme ensina omesmo autor, citando Pereira (2008, p. 49):Assim, a interpretação teleológica, ou seja, de acordocom a finali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> expressão “abandono” prevista[...] é estabelecer, em face do direito positivo, que houve no mencionado artigo 1638, II, do Código Civil, faz creruma violação de direito alheio e um <strong>da</strong>no, e que existe um que a cessação do carinho ou ausência total deste dosnexo causal, ain<strong>da</strong> que presumido, entre uma e outro. Aopais em relação aos filhos não pode <strong>da</strong>r ensejo à repri-<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-487539


Artigostureza diversa, atentando-se ao princípio do melhor interesse<strong>da</strong> criança e do adolescente (artigo 227, caput, <strong>da</strong>Constituição Federal e artigo 1º do Estatuto <strong>da</strong> Criançae do Adolescente), que é a destituição do poder familiardentro <strong>da</strong> seara do direito de família, no caso <strong>da</strong> questãoenvolver a ausência de afeto em relação a menores.O princípio do melhor interesse <strong>da</strong> criança pode serreconhecido implicitamente tanto no artigo 1º do Estatuto<strong>da</strong> Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), comonos artigos 1583 e 1584 do Código Civil brasileiro,que dispõem que nos casos de separação ou divórcio aguar<strong>da</strong> dos filhos menores será atribuí<strong>da</strong> a quem tivermelhor condições de exercê-la. Independentemente dequem tenha tido culpa na separação, atenta-se primordialmentepara o melhor interesse do menor envolvidoe sua proteção integral.Neste sentido, encontra-se a já menciona<strong>da</strong> decisãoexara<strong>da</strong> no Recurso Especial n.º 757.411/MG, do SuperiorTribunal de Justiça:No caso de abandono ou do descumprimento injustificadodo dever de sustento, guar<strong>da</strong> e educação dos filhos,porém, a legislação prevê como punição a per<strong>da</strong> do poderfamiliar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto <strong>da</strong> Criançae do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art.1638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com adeterminação <strong>da</strong> per<strong>da</strong> do poder familiar, a mais gravepena civil a ser imputa<strong>da</strong> a um pai, já se encarrega <strong>da</strong>função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrandoeficientemente aos indivíduos que o Direito e a socie<strong>da</strong>denão se compadecem com a conduta do abandono,com o que cai por terra a justificativa mais pungente dosque defendem a indenização pelo abandono moral. Poroutro lado, é preciso levar em conta que, muitas vezes,aquele que fica com a guar<strong>da</strong> isola<strong>da</strong> <strong>da</strong> criança transferea ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contrao ex-companheiro, sem olvi<strong>da</strong>r ain<strong>da</strong> a questão de que aindenização pode não atender exatamente o sofrimentodo menor, mas também a ambição financeira <strong>da</strong>quele quefoi preterido no relacionamento amoroso.Portanto, pode-se deduzir que o abandono afetivoconfigura uma conduta moralmente reprovável, com repercussãojurídica prevista, aferível pela realização deestudos sociais dentro de eventual e adequa<strong>da</strong> deman<strong>da</strong>de destituição do poder familiar.Esse é, inclusive, o entendimento <strong>da</strong> Ministra EllenGracie do STF que, enfrentando a questão aqui proposta,não conheceu de recurso extraordinário n. 567.164,que versava sobre a responsabili<strong>da</strong>de civil por abandonoafetivo, no qual se alegava ofensa aos artigos 1º e5º, incisos V e X, e artigo 229 <strong>da</strong> Constituição Federal.O recurso combatia a decisão do Superior Tribunal deJustiça que deu provimento a recurso especial pela inviabili<strong>da</strong>dedo reconhecimento de indenização por <strong>da</strong>nosmorais decorrente de abandono afetivo, com fun<strong>da</strong>mentono artigo 159 do Código Civil de 1916.Em seu parecer, asseverou a Ministra:O apelo extremo é inviável, pois esta Corte fixou o entendimentosegundo o qual a análise sobre a indenização por <strong>da</strong>nosmorais limita-se ao âmbito de interpretação de matériainfraconstitucional, inatacável por recurso extraordinário.Conforme o ato contestado, a legislação pertinente prevêpunição específica, ou seja, per<strong>da</strong> do poder familiar, nos casosde abandono do dever de guar<strong>da</strong> e educação dos filhos. 5O arquivamento do Recurso Extraordinário se deucom fun<strong>da</strong>mento na impossibili<strong>da</strong>de de análise dos fatose <strong>da</strong>s provas conti<strong>da</strong>s nos autos do pedido de reparaçãopecuniária por abandono moral, bem como <strong>da</strong>legislação infraconstitucional que disciplina a matéria(Código Civil e Estatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente).Para a Ministra, “o caso não tem lugar nesta viarecursal considerados, respectivamente, o óbice <strong>da</strong> Súmula279, do STF, e a natureza reflexa ou indireta deeventual ofensa ao texto constitucional”. Cita ain<strong>da</strong> arelatora o parecer <strong>da</strong> Procuradoria Geral <strong>da</strong> República,que segundo o Código Civil e o Estatuto <strong>da</strong> Criança edo Adolescente, eventual lesão à Constituição Federal,se existente, ocorreria de forma reflexa e deman<strong>da</strong>riaa reavaliação do contexto fático, o que, também, seriaincompatível com a via eleita.5 CONCLUSÃONo Estado Democrático de direito vigora o princípio<strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de (artigo 5º, inciso II, <strong>da</strong> ConstituiçãoFederal). Logo, cabe à lei proibir as condutas contráriasao direito, aplicando sanção anteriormente prevista. Noque tange ao abandono afetivo, que diz respeito a umcomportamento moralmente reprovável, o legislador selimitou a estabelecer consequências afetas às questõesfamiliares, não trazendo, mesmo implicitamente, nenhumdispositivo que possibilitasse a interpretação deque se deve patrimonializar tal situação.A grande dificul<strong>da</strong>de de aceitação <strong>da</strong> tese <strong>da</strong> reparabili<strong>da</strong>dedo <strong>da</strong>no afetivo repousa no enfrentamento dospressupostos gerais <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civil, cuja configuraçãomostra-se comprometi<strong>da</strong> pela dificul<strong>da</strong>de em sedemonstrar juridicamente a ilicitude <strong>da</strong> conduta de não<strong>da</strong>r afeto, apenas omissiva, além de se provar o <strong>da</strong>no psí-5 Disponível em: Acesso em 6 jan. 2009.40 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


Artigosquico e o nexo de causali<strong>da</strong>de entre a conduta e tal lesão.Quando há apenas uma conduta não exterioriza<strong>da</strong>,consistente em simples omissão de amor, não se podeconfigurar ato ilícito merecedor de indenização civil,por ausência do conteúdo e alcance normativo dessaconduta. Também, de plano, encontra-se dificul<strong>da</strong>de nopreenchimento do segundo pressuposto de responsabilização,qual seja a existência de uma conduta culposa,pois a falta de afeto é conduta não exterioriza<strong>da</strong>,não podendo o direito regular ou intervir na ausênciade sentimento, como não pode fazê-lo no pensamento.Ademais, para to<strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de deve haver a provade <strong>da</strong>no. Mesmo considerando-se que o <strong>da</strong>no moralé presumido, a ausência de afeto é conceito extremamenteimpreciso para embasar a responsabili<strong>da</strong>de civil,já que não figura como expressa violação a direito <strong>da</strong>personali<strong>da</strong>de expresso no sistema jurídico. Por fim,não há como se provar o nexo de causali<strong>da</strong>de entre aconduta do parente e o <strong>da</strong>no sofrido.Daí, concluir-se que a fixação de indenização peloabandono afetivo caracteriza ingerência indevi<strong>da</strong> doEstado, ain<strong>da</strong> que com boas intenções, em assunto delicado,mas afeto somente à seara e contexto <strong>da</strong>s relaçõesfamiliares, que pode apenas atribuir solução jurídicapertinente a esse ramo, como a destituição do poderfamiliar, atentando-se não para o desvalor <strong>da</strong> condutapratica<strong>da</strong>, mas para o critério do melhor interesse <strong>da</strong>criança e do adolescente, em caso de menores, fun<strong>da</strong>dono princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana.REFERÊNCIASALVES, Leonardo Barreto Moreira (Coord.). Código<strong>da</strong>s Famílias Comentado. 1ª ed. Belo Horizonte: DelRey, 2010, p. 01-27.BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Código Civil.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em: 5 fev. 2010.BRASIL. Constituição <strong>da</strong> República Federativa doBrasil de 1988. Disponível em: http://ww.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituição/Constituição.htm. Acessoem: 5 fev. 2010.BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei8.069/90. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em: 5 fev. 2010.CASTRO, Leonardo. Precedente perigoso. O preço doabandono afetivo. Disponível em: http://jus2.uol.com.<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875br/doutrina/texto.asp?id=10696. p. 01-07. Acesso em6 jan. 2010.DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara; OLIVEI-RA, Thales César de. Estatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente.Série Provas e Concursos. São Paulo: Atlas,2008, p. 03-09.DIAS, Maria Berenice. Manual de direito <strong>da</strong>s famílias.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 36-69.FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabili<strong>da</strong>deCivil. São Paulo: Atlas, 2009, p. 01-224.GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro.3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 01-120.______. Responsabili<strong>da</strong>de Civil. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva,2007, p. 9-705.HIRONAKA, Gisel<strong>da</strong> Maria Fernandes de Novaes.Pressupostos, elementos e limites do dever de indenizarpor abandono afetivo. Instituto Brasileiro de Direito deFamília, 2007, p.16. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/artigos&artigo=288. Acesso em 6 de nov. 2009.LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado.12ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.LOPES, Renan Kfuri. Panorama <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>decivil. Adv Advocacia Dinâmica: Seleções Jurídicas.São Paulo: COAD, nov. 2006, p. 49-58.MADALENO, Rolf. O preço do afeto. In: Pereira, Tânia<strong>da</strong> Silva; PEREIRA, Rodrigo <strong>da</strong> Cunha (Coordenação).A ética <strong>da</strong> convivência familiar. Rio de Janeiro:Forense, 2006, p. 151-169.NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.Código de Processo Civil Comentado. 5.ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2001.NEVES, José Roberto de Castro. Direito <strong>da</strong>s Obrigações.1ª ed. Rio de Janeiro: GZ editora, 2009.LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. 5ªEd. São Paulo: Saraiva, 2009, p.03-42PELUSO, Cezar. (Coord.) Código Civil Comentado.Doutrina e Jurisprudência. 3ª Ed. Barueri: Manole,2009, p.1570-1754.PEREIRA, Caio Mario <strong>da</strong> Silva. Instituições de DireitoCivil. Introdução ao Direito Civil e Teoria Geral do DireitoCivil. Vol. I. 23ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.9-10.______. Instituições de Direito Civil. Teoria Geral <strong>da</strong>s41


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ArtigosMan<strong>da</strong>do de segurança contra lei em tese:possível relativização <strong>da</strong> súmula 266, do STFBruno Had<strong>da</strong>d GalvãoDefensor Público do Estado de São Paulo. Especialista em Direito Constitucional pelaUNISUL e pelo IDP e em Direito Processual Civil pela UNISUL e pelo IBDPUma súmula que merece análise, até porque, aoque tudo indica, não demorará muito para ser excluí<strong>da</strong>(overruling), ou afasta<strong>da</strong> em razão de certos casos concretos(distinguishing) pelo Supremo Tribunal Federal,é a de número 266.Eis a sua re<strong>da</strong>ção: “não cabe man<strong>da</strong>do de segurançacontra lei em tese” (grifo meu).Nota-se que, por uma interpretação meramente literaldesta súmula, chega-se à conclusão de que o Man<strong>da</strong>dode Segurança não é a via adequa<strong>da</strong> para atacar leiem tese, devendo a parte, caso seja legitima<strong>da</strong>, atacartal ato normativo por outras ações, como, por exemplo,a Ação Direta de Insconstitucionali<strong>da</strong>de.Far-se-á uma análise crítica, singela e resumi<strong>da</strong> desseverbete.Uma pergunta fun<strong>da</strong>mental é a seguinte: será queessa orientação sumular deve subsistir face às chama<strong>da</strong>sleis de efeitos concretos, ou seja, aquelas que implicamefeitos diretos e imediatos sobre uma ou maisposições jurídicas?Após uma leitura inocente de referido enunciado, imperativose dizer que não, até porque este é bem claro em dizerque “não cabe Man<strong>da</strong>do de Segurança contra lei em tese”.Esta é, aliás, a interpretação que o Supremo TribunalFederal vem impondo.No entanto, não é esta a interpretação (absolutista)que vem <strong>da</strong>ndo algumas <strong>da</strong>s Cortes Constitucionais, sobretudoa Alemã.Conforme ensinamento dos Professores GilmarFerreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e PauloGustavo Gonet Branco (2008), no âmbito <strong>da</strong> CorteConstitucional Alemã, tem-se admitido ao “recursoconstitucional” impugnação direta de leis que afetemposições jurídicas de forma direta.<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875Exemplificam afirmando que as leis que alteram adenominação de cargos ou proíbem o exercício de umaprofissão no futuro são dota<strong>da</strong>s de eficácia imediata emostram-se aptas a afetar direito subjetivo e, por isso,podem ser impugna<strong>da</strong>s diretamente pelo man<strong>da</strong>mus.Dessa forma, entende-se razoável se cogitar <strong>da</strong>superação <strong>da</strong> súmula referi<strong>da</strong> ou, pelo menos, que seadote um distinguishing, para afirmar que as leis queafetam posições jurídicas de forma imediata possam serimpugna<strong>da</strong>s via man<strong>da</strong>do de segurança.Note-se que, por meio desse instituto (distinguishing),o Supremo Tribunal Federal pode deixar deaplicar a determinado caso concreto, em razão de suasespecifici<strong>da</strong>des, o enunciado n.° 266 <strong>da</strong> súmula de suajurisprudência predominante.Para que o leitor não tenha dúvi<strong>da</strong>s, distinguishingsignifica afastar um determinado precedente (ou súmula)sem abandoná-lo, tendo em vista uma condição essencialdo caso concreto que o diferencia dos demais.Não se deve confundir esse instituto com as chama<strong>da</strong>sdecisões overruling. Estas são as toma<strong>da</strong>s pelotribunal de forma contrária a seus precedentes ou súmulas,abandonando-os de forma definitiva.Desse modo, é possível a superação desse enunciadono futuro, sendo aconselhável a utilização do man<strong>da</strong>do desegurança como questionador de leis de efeitos concretos.REFERÊNCIASMENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires;BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de DireitoConstitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.43


ArtigosConsiderações críticas acerca <strong>da</strong> medi<strong>da</strong>socioeducativa de internaçãoFernan<strong>da</strong> Carolina de Araujo IfangerMestre em Direito Penal pela USPVislumbrando-se as características <strong>da</strong>s instituiçõestotais propostas por Goffman, tem-se que os estabelecimentosde privação de liber<strong>da</strong>de destinados aos autoresde atos infracionais podem ser facilmente enquadradosnessa definição.Nas instituições totais as ativi<strong>da</strong>des de dormir, brincare trabalhar são desempenha<strong>da</strong>s em um mesmo locale sob uma única autori<strong>da</strong>de; estas se realizam na companhiaimediata de um grupo de pessoas, to<strong>da</strong>s trata<strong>da</strong>s<strong>da</strong> mesma maneira e obriga<strong>da</strong>s a cumprir as mesmastarefas. Há horários a serem observados na consecuçãodessas ativi<strong>da</strong>des e o controle <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des dos alirecolhidos é realizado pela organização burocrática deum grupo de pessoas, os funcionários <strong>da</strong> instituição(GOFFMAN, 2008).Outrossim, elas exercitam sucessivos processos demortificação do eu, como, por exemplo, a separação entreo mundo externo e interno que impõe, a qual provocao despojamento do papel que o sujeito ostentava dolado de fora. O processo de admissão na instituição – aentrega dos objetos pessoais, o recebimento do uniforme,o corte do cabelo, o banho, a instrução quanto às regrasdo local, o recebimento de um número de registroque pode substituir o uso do nome – constitui uma segun<strong>da</strong>mortificação do eu, ao enquadrar o interno no padrãoexigido pela administração e despi-lo de seu conjuntode identi<strong>da</strong>de, bem como a per<strong>da</strong> de um sentidode segurança pessoal, desenvolvendo-se um constantesentimento e sensação de ameaça a sua integri<strong>da</strong>de física(GOFFMAN, 2008). Tudo isso se verifica tambémnas instituições juvenis, minando a plenitude <strong>da</strong> autonomiados internos e permitindo sua qualificação comoinstituição total.Em virtude <strong>da</strong> nova rotina imposta e de todos os ultrajesque aí se verificam, pode advir <strong>da</strong> passagem pelainternação o fenômeno <strong>da</strong> institucionalização, ao qualsubjaz “o processo de confinamento de crianças e deadolescentes em estabelecimentos públicos ou privados,com características de instituição total” (SILVA, 1999, p.125). Representa ele a supressão <strong>da</strong> intimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> individuali<strong>da</strong>dee <strong>da</strong>s características individuais do jovem,introduzindo-o em um meio em que ele nunca será sujeitoe onde to<strong>da</strong>s as dimensões de sua vi<strong>da</strong> passarão a serencara<strong>da</strong>s sob o enfoque do que é mais conveniente paraa instituição, em termos <strong>da</strong> observância de suas regrasfuncionais e disciplinares (SILVA, 1999).Assim, a institucionalização, efeito do internamentojuvenil, contempla:a dinâmica previamente cria<strong>da</strong> por meio de inúmeros olhares,reduzindo as crianças e adolescentes a objetos de análisede diversas práticas discursivas, abrangendo as esferas jurídica,pe<strong>da</strong>gógica e médica, além dos meios de comunicação.Por meio <strong>da</strong> confluência destas vozes, procura-se a coisificaçãoe o enquadramento <strong>da</strong>s crianças em espaços que sedefinem como reeducacionais. (RODRIGUES, 2001. p. 28)Logo, ain<strong>da</strong> que se discutam as finali<strong>da</strong>des a que sepropõem as medi<strong>da</strong>s socioeducativas, não se podemnegar os efeitos deletérios de sua vivência, mormentequando se trata <strong>da</strong> privação <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de.Sobretudo o fator criminógeno ínsito a qualquermedi<strong>da</strong> de caráter penal incide com mais força sobrea pessoa que ain<strong>da</strong> está formando sua personali<strong>da</strong>de(MACHADO, 2006).Explica-se. Em torno dos 10 ou 12 anos de i<strong>da</strong>de,a criança já adquiriu vários elementos de sua autoimagem,uma vez que já construiu uma autoimagemfísica, introjetou as reações do outro, fez comparaçõescom companheiros e irmãos e formou identificaçõescom pais e outros referenciais de comportamento. Nessemomento, porém, esses elementos ain<strong>da</strong> podem serbastante inconsistentes e carentes de uma uni<strong>da</strong>de particular,tais como o gosto por trigonometria e ursinhos,sol<strong>da</strong>dos e escola dominical, e assim por diante. Entretanto,a criança ain<strong>da</strong> não tem nenhum compromissomuito firme com qualquer desses elementos e não exis-44 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875


Artigostem intenções de que eles se tornem objetivos a longoprazo ou um estilo de vi<strong>da</strong> permanente, sendo essespapéis, em grande parte, meros jogos que devem serjogados. Não obstante, com o início <strong>da</strong> adolescência,tudo isso é mu<strong>da</strong>do e durante os poucos anos seguinteshá uma crescente pressão para que ele desenvolva umaidenti<strong>da</strong>de unifica<strong>da</strong>, que representa valores básicos ecompromissos permanentes (ARGYLE, 1976. p. 437).Portanto, o contato nessa fase com o sistema dejustiça juvenil, exatamente no auge <strong>da</strong> adolescência, éque determinará sobremaneira a identi<strong>da</strong>de assumi<strong>da</strong>pelo jovem. Sua personali<strong>da</strong>de e suas vivências serãoefetiva<strong>da</strong>s em um ambiente inatural e contracultural,não condizente com a vi<strong>da</strong> em liber<strong>da</strong>de. Internado oadolescente, não obstante um ser único em desenvolvimento,de vontade própria, perde sua autonomia, suacapaci<strong>da</strong>de de autodeterminação e passa a assumir, fatalmente,a condição de passivi<strong>da</strong>de, assegurando, assim,sua própria sobrevivência em meio fechado (JUN-QUEIRA, 2009. p. 100).Por serem inconciliáveis com o desfrute <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de,ain<strong>da</strong> que as instituições reunissem condições ideaispara o tratamento do jovem, elas seriam <strong>da</strong>nosas econtraproducentes (FRASSETO, 1999. p. 184). A internação,assim, “constitui-se na medi<strong>da</strong> sócio-educativacom as piores condições para produzir resultados positivos”(SOTTO MAIOR NETO, 2006. p. 135).Contudo, além <strong>da</strong>s menciona<strong>da</strong>s problemáticas inerentesà privação <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, na reali<strong>da</strong>de de sua execuçãorevelam-se traços “absolutamente incompatíveiscom o status de ci<strong>da</strong>dão outorgado aos adolescentespela normativa em vigor” (FRASSETO, 2006. p. 315).Bretan (2008), em sua dissertação de mestrado, analisouas produções acadêmicas <strong>da</strong> USP e <strong>da</strong> PUC-SP envolvendoo tema adolescente e o ato infracional. Apesarde constatar serem poucos os estudos sobre a temática,relata que houve um incremento deles no período de1999 a 2001, sendo ain<strong>da</strong> que entre 2002 e 2006 foramproduzidos 63% dos trabalhos por ela pesquisados.A autora relaciona esse aumento à maior visibili<strong>da</strong>dee ocorrência de rebeliões nas uni<strong>da</strong>des de internamentode jovens de São Paulo, bem como à divulgação deestudos internacionais <strong>da</strong>ndo conta <strong>da</strong>s condições desumanasa que estavam submetidos os internos (BRE-TAN, 2008).O Relatório Global sobre a situação dos Direitos Humanosno mundo 2000 constatou que as condições de<strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875reclusão dos adolescentes no Brasil, no ano de 1999, ficarammuito aquém <strong>da</strong>s exigi<strong>da</strong>s pelas normativas internacionaise pelo Estatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente.De acordo com o estudo, uma série de rebeliões nos estabelecimentosde detenção para adolescentes localizadosno Estado de São Paulo demonstrou a inabili<strong>da</strong>de em semanter a segurança ou garantir normas mínimas de acomo<strong>da</strong>çãodecente para os jovens mantidos nesses locais.Verificou-se a ocorrência de rebeliões nos meses demaio e julho na uni<strong>da</strong>de Tatuapé <strong>da</strong> FEBEM; em agostoe setembro de grandes fugas na uni<strong>da</strong>de Imigrantes,a qual abrigava 1.300 jovens, quando sua capaci<strong>da</strong>deera de 400. Também nessa uni<strong>da</strong>de equipes de televisãoflagraram jovens sendo agredidos com cassetetes porfuncionários do complexo, mesmo após já terem sidoreunidos, rendidos e despidos no pátio.No Rio de Janeiro, internos do Instituto Padre Severinoe <strong>da</strong> Escola João Luis Alves denunciaram casos de abusossexuais envolvendo membros <strong>da</strong> supervisão desde, pelomenos, 1996 (HUMAN RIGHTS WATCH, s.d.).No que se refere ao Estado de São Paulo, em virtude<strong>da</strong>s constantes denúncias de violações de direitos humanos,no ano de 2006 a FEBEM mudou seu nome paraFun<strong>da</strong>ção CASA (Fun<strong>da</strong>ção Centro de Atendimento Socioeducativoao Adolescente) e substituiu suas grandesuni<strong>da</strong>des por outras menores, com capaci<strong>da</strong>de máximapara 56 jovens, visando a adequar a instituição às imposiçõesdo Estatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente e do SistemaNacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Nãoobstante as cita<strong>da</strong>s modificações, ain<strong>da</strong> são constantes oscasos de tortura, agressão e maus tratos aos internos 1 ..Assim,a relação cotidiana numa casa de reeducação e de contençãoé, portanto, mais uma ocasião de transgressão e essa é a ordem<strong>da</strong>s coisas...Daí se pode pensar que, por todos os poros, naquela situação,respira-se violência, transgressão e infração. E que, sea FEBEM não cria a violência, ela parece ser um nicho privilegiadopara sua reprodução (GUIRADO, 2005. p. 256).Em decorrência dos prejuízos advindos dessa experiência,voltando o jovem às ruas e ao contexto de criminali<strong>da</strong>de, atendência é de atos infracionais de maior gravi<strong>da</strong>de e marcadospor mais violência, mormente quando a experiênciaimediatamente anterior – privação de liber<strong>da</strong>de – é caracteriza<strong>da</strong>pelo sofrimento, aflição e desprezo pelos valores <strong>da</strong>digni<strong>da</strong>de humana. (GARRIDO DE PAULA, 2006. p. 42)1 Sobre o assunto ver: HUMAN RIGHTS WATCH. Site. Disponível em: http://www.hrw.orgI spanishIinf_anualI2000IamericasIbrasil.html . Acesso em: 1 de dez. 2009.45


ArtigosA internação, bem como todo o processo que antecedesua determinação, tem consequências nem sequersonha<strong>da</strong>s para o jovem submetido a essa experiência.A despeito de certamente haver muitos jovens igualmenteculpados por um ato, somente alguns deles caemnas redes <strong>da</strong> justiça. Somente este que foi detectado pelosistema recebe tratamento diverso dos demais, os quais,na reali<strong>da</strong>de, são igualmente culpados. Assim, ele descobreum mundo totalmente novo, que pouco conhecia.Seu recolhimento precipita um sem-número de instituições,atitudes e experiências <strong>da</strong>s quais as outras criançasnão compartilham, tais como o contato com a Polícia,a apresentação perante uma Corte de Justiça e a internação.Por conta <strong>da</strong> prática de um ato comum para elee sua gangue, o menino selecionado torna-se, de repente,o centro de um grande drama, no qual todo tipo deinesperados personagens assumem importantes papéis.Ele passa a ser classificado como um ladrão e, talvez, omundo torne-se um local diferente para ele e continuaráassim pelo resto de sua vi<strong>da</strong> (TANNEMBAUM, 1951).Diante do exposto, evidencia-se que a experiência <strong>da</strong> privaçãode liber<strong>da</strong>de em uma instituição total tem o poder deestremecer as bases sobre as quais o indivíduo sedimenta suapersonali<strong>da</strong>de e redirecionar o rumo de sua história de vi<strong>da</strong>.Essa reali<strong>da</strong>de não pode mais ser desconsidera<strong>da</strong>.REFERÊNCIASARGYLE, Michael. A interação social: relações interpessoaise comportamento social. Tradução de Márcia Bandeirade Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.BRETAN, Maria Emília Accioli Nobre. Os múltiplosolhares sobre o adolescente e o ato infracional: análisese reflexões sobre teses e dissertações <strong>da</strong> USP e <strong>da</strong> PU-CISP (1990 – 2006). 2008. 223f. Dissertação (Mestradoem Criminologia) – Facul<strong>da</strong>de de Direito, Universi<strong>da</strong>dede São Paulo, [2008].FRASSETO, Flávio Américo. Execução <strong>da</strong> medi<strong>da</strong>sócio-educativa de internação: primeiras linhas de umacrítica garantista. In: ILANUD et al. (Org.). Justiça,adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização.São Paulo: ILANUD, 2006.______. Esboço de um roteiro para aplicação <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>ssocioeducativas. Revista Brasileira de Ciências Criminais,São Paulo, a. 7, n. 26, abr./jun. 1999, p. 159-195.GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. Ato infracionale natureza do sistema de responsabilização. In: ILA-NUD et al. (Org.). Justiça, adolescente e ato infracional:socioeducação e responsabilização. São Paulo:ILANUD, 2006.GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos.Tradução de Dante Moreira Leite. 8. ed. São Paulo:Perspectiva, 2008.GUIRADO, Marlene. Em instituições para adolescentesem conflito com a lei, o que pode a nossa vã psicologia?In: GONÇALVES, Hebe Signorini; BRANDÃO,Eduardo Ponte (Org.). Psicologia Jurídica no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Nau, 2005.HUMAN RIGHTS WATCH. Site. Disponível em: http://www.hrw.orgIspanishI inf_anualI2000IamericasIbrasil.html. Acesso em: 1 de dez. 2009.JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho. Do ato infracional à luzdos Direitos Humanos. Campinas: Russell, 2009. p. 100.MACHADO, Martha de Toledo. Sistema especial deproteção <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de do adolescente na Constituiçãobrasileira de 1988 e no estado <strong>da</strong> criança e do adolescente.In: ILANUD et al. (Orgs.). Justiça, adolescente eato infracional: socioeducação e responsabilização. SãoPaulo: ILANUD, 2006.NÚCLEO DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA. Disponívelem: http://www.nevusp.org/portugues/index.php?option=com_content&task=view&id=1792&Itemid=155. Acesso em: 1 de dez. 2009.RODRIGUES, Gutemberg Alexandrino. Os filhos domundo: a face oculta <strong>da</strong> menori<strong>da</strong>de (1964-1979). SãoPaulo: IBCCRIM, 2001. p. 28.SILVA, Roberto <strong>da</strong>. O que é institucionalização/prisionalização.Discursos Sediciosos: crime, direito e socie<strong>da</strong>de,Rio de Janeiro, a. 4, n. 7-8, 1999, p. 125-134,SOTTO MAIOR NETO, Olympio de Sá. Garantias penaisdo adolescente autor de ato infracional. In: ILA-NUD et al. (Org.). Justiça, adolescente e ato infracional:socioeducação e responsabilização. São Paulo:ILANUD, 2006. p. 135.TANNEMBAUM, Frank. Crime and the community.Nova Iorque: Columbia University Press, 1951.46 <strong>Boletim</strong> <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> <strong>Defensoria</strong> Pública, N. 3 – jul/dez 2011 ISSN 1984-4875

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