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Custo e escolha: Uma indagação em teoria econômica - Ordem Livre

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JAMES M. BUCHANANCUSTO E ESCOLHAUMA INDAGAÇÃO EM TEORIAECONÔMICATradução: Luiz Antonio Pedroso RafaelTítulo original: Cost and Choice: An Inquiry in Economic Theory Licensed byThe University of Chicago, Chicago, Illinois, USA © 1969 by James M.Buchanan. All rights reserved.Preparação de originais e revisão técnica:Jorge Vianna Monteiro Professor Associado, Depto. de Economia,PUC-RJCarlos Roberto Faccina Professor Titular, Depto. de Economia,Universidade MackenziePaulo Sérgio Fenani Professor Assistente, Depto. de Economia,Universidade MackenzieRevisão de provas:Pedro Adão RuizEdição da versão digital:Monica MagalhãesFábio OstermannDireitos para a versão digital concedidos por Instituto Liberal aOrd<strong>em</strong><strong>Livre</strong>.org, marca da Atlas Economic Research Foundation.


Mesmo um texto como <strong>Custo</strong> e Escolha, que aparent<strong>em</strong>entese localiza na <strong>teoria</strong> microeconômica, t<strong>em</strong> um vínculo muitoespecial com uma das grandes questões da política econômicabrasileira: o endividamento do Estado. Em verdade, este livro,escrito <strong>em</strong> 1969 2 , é uma erudita explanação do conceito de custo deoportunidade e surgiu para esclarecer aspectos da questão da dívidapública, na discussão que se seguiu à publicação de seu PublicPrincipies of Public Debt (1958).Buchanan destaca-se nesse debate pela ênfase no aspectomoral da dívida pública 3 e por considerar que os encargos da dívidadevam ser aferidos <strong>em</strong> termos das oportunidades não escolhidas oupreteridas, e não <strong>em</strong> termos de transferências de recursos reais -como ditava nos anos 50 e 60 a tradição keynesiana. Assim, o custoda dívida reside não nos recursos per se, mas na utilidade associadaàquelas oportunidades de que se abre mão quando se <strong>em</strong>preendeuma <strong>escolha</strong>.O capítulo final de <strong>Custo</strong> e Escolha também é muitoespecial porque direciona a atenção do economista para acaracterização do custo nas interações que se processam fora domercado: as <strong>escolha</strong>s coletivas que se resolv<strong>em</strong> nos processospolíticos são um ex<strong>em</strong>plo.E precisamente no estudo dessas public choices queBuchanan t<strong>em</strong> contribuído de modo tão fundamental com suaTeoria Econômica de Constituições (J. Buchanan e G. Tullock,1962; J. Buchanan, 1975; G. Brennan e J. Buchanan, 1985).De igual modo, é nessa dimensão que se resume a criseeconômica brasileira: como fazer com que o processo político possainduzir seus participantes (os políticos) a produzir resultados deinteresse social, escapando, assim, da inerente tendenciosidade às<strong>escolha</strong>s individualistas que associam cliente-lismo e oportunismoeleitoral.2E com uma segunda edição <strong>em</strong> 1978.3Em entrevista à Revista Veja, 14 de Abril de 1993, Buchanan enfatiza ser "imoralgastar recursos hoje e deixar a conta para gerações futuras".7


Afinal, não pod<strong>em</strong>os insistir <strong>em</strong> diagnósticos ingênuos quepressupõ<strong>em</strong>, por ex<strong>em</strong>plo, que tudo que um ajuste fiscal precisapromover é levar o déficit das contas públicas para um nível"tolerável". O contexto de instituições d<strong>em</strong>ocráticas situa esseajuste <strong>em</strong> outra perspectiva; que regras constitucionais restringirãomais efetivamente o comportamento fiscal do governo?Ou, numa observação de especial significado para aeconomia brasileira cont<strong>em</strong>porânea:Concluir normativamente que a atividade <strong>em</strong>preendidapelos governos é "d<strong>em</strong>ais" ou "de menos" parece ser um esforçoum tanto inútil, exceto quando se está preparado para sugeriralgumas possíveis (isto é, viáveis) modificações nas regras (...)segundo as quais as decisões são tomadas (...) J. Buchanan e G.Tullock, 1962, pág. 210 4 .A noção de uma constituição monetária e fiscal enfatiza anecessidade de incorporar regras estáveis e previsíveis na políticaeconômica – o que reconhecidamente representa uma melhoriatecnológica que promove a cooperação social e benefícios mútuospara governo e agentes privados.E o que trabalharia contra esse avanço na concepção de umaestratégia macroeconômica?A ação de pequenos grupos de interesse preferenciais queobtêm ganhos, <strong>em</strong> decorrência da imprevisibilidade tãocaracterística das nossas instituições monetárias e fiscais <strong>em</strong> vigor,pode ser um fator limitativo apreciável. Tais pessoas e organizaçõesinvest<strong>em</strong> recursos reais no desenvolvimento de suas habilidadesdiferenciais quanto à previsão e reação diante da instabilidade docomportamento dos agentes públicos (políticos, burocratas),obtendo, assim, uma vantag<strong>em</strong> significativa no jogo da políticaeconômica. Elas poderiam amargar pesadas perdas transacionais4J. Buchanan e G. Tullock (1962), The Calculus of Consent: Logical Foundations ofConstitutional D<strong>em</strong>ocracy, (Ann Arbor: Michigan University Press)8


com a evolução para o regime de regras monetárias e fiscaisestáveis.No cenário de instabilidade institucional <strong>em</strong> que opera aeconomia brasileira, a própria burocracia governamental e alegislatura acabam por oferecer, elas próprias, ex<strong>em</strong>plos sui generisdesse mecanismo de rent-seeking/rent-avoidance.Em verdade, todo esse conflito distributivo deve serbasicamente tratado <strong>em</strong> nível constitucional; caso contrário, aoperação governamental (nível pós-constitucional) transcorreránum contexto de intenso conflito redistributivo, com os processospolíticos atendendo as maiorias, a expensas das minorias.Assim sendo, 1993 é uma boa ocasião para que se divulgueentre nós a contribuição científica do professor James Buchanan:afinal, estar<strong>em</strong>os, <strong>em</strong> breve, <strong>em</strong> plena fase de revisão daConstituição. O objetivo do design constitucional seria umaConstituição que:* coordene a ação coletiva para a obtenção de um equilíbrio(<strong>em</strong> que fiqu<strong>em</strong> definidos, entre outros, o papel do Estado, o graude coerção permissível nas políticas públicas); e* seja aceita como "boa" por um segmento expressivo dacoletividade, por não viabilizar a tiranização do Estado, exercida <strong>em</strong>causa própria, ou <strong>em</strong> nome de qualquer coalização política.Enfim, um resultado que a moderna literaturamacroeconônica rotula de um equilíbrio forte.Perceba, no entanto, o leitor a aberração institucional <strong>em</strong> quepod<strong>em</strong>os incorrer quando aceitamos pontos de vista simplistas daburocracia governamental que propõe que a "boa" Constituição sejaaquela que venha a viabilizar o plano econômico governamental.É irrecusável, pois, reconhecer o quão significativa é a obrado professor Buchanan e sua escola de pensamento 5 para odesenvolvimento de uma percepção mais estratégica, e menos5 Que t<strong>em</strong> sido rotulada alternativamente de "Escola de Virgínia" (originariamente,esse grupo de cientistas sociais, teve por base Charlottesville, depois Blacksburg, e,present<strong>em</strong>ente, Fairfax, todas cidades universitárias no Estado de Virgínia, EUA),"Nova Economia Política", e "Public Choice".9


contábil-operacional, da formulação da política econômica para osanos 90 no Brasil.Por fim, vale ressaltar dois aspectos muito interligados <strong>em</strong>uito l<strong>em</strong>brados (A. Sandmo, 1990 6 ) na apreciação da obra deJames M. Buchanan. Sua contribuição é antagônica à engenhariasocial, a que, vez por outra, tenta-se resumir a ciência econômica,sobretudo pelos economistas que se deslocam da acad<strong>em</strong>ia paraocupar postos de comando na burocracia do Executivo.Igualmente, é reconhecida a rara humildade desseeconomista que não se considera um "economista natural" 7 (J.Buchanan, 1992) e está s<strong>em</strong>pre disposto a l<strong>em</strong>brar a seus leitores eouvintes que tudo teria sido muito diferente <strong>em</strong> sua vida não tivesseele literalmente tropeçado numa tese de Knut Wicksell, numdepósito da biblioteca da Universidade de Chicago –, e de cujaleitura aprofundou sua compreensão do critério da unanimidade nomodelo de trocas voluntárias – ou aprendido, também <strong>em</strong> Chicago,as virtudes do mercado, nos ensinamentos de seu admiradoprofessor Frank Knight, nos anos 40.Contudo essa humildade não t<strong>em</strong> inibido que suacriatividade o transforme no reformador de instituições – o que, porvezes, desloca seu trabalho intelectual para a fronteira da economiacom a filosofia política, <strong>em</strong> que seu nome, ao lado de John Rawls,está ligado à renovação do contratualismo social.Foi com essa vocação que o professor Buchanancorajosamente desafiou nos anos 60 e 70 o establishmentacadêmico, apontando uma falha original na construção doreceituário keynesiano de política econômica: o lastro institucionalda <strong>teoria</strong> de Keynes, especialmente na área fiscal, seria a razão paraque as soluções keynesianas, quando postas <strong>em</strong> prática, viess<strong>em</strong>acompanhadas de substancial intervencionismo estatal, e6 A. Sandmo (1990), Buchanan on Political Economy: A Review Article, Journal ofEconomic Literature, XXVIII, Março, 50-65.7 Ou seja, alguém com talentos intrínsecos que afloram, independent<strong>em</strong>ente detreinamento profissional, educação e experiência (J. Buchanan, 1987).10


eventualmente tornar<strong>em</strong>-se incompatíveis com instituições políticasde governo representativo (J. Buchanan e R. Wagner, 1977) 8 .Aí está outro angustiante sinal da atualidade do pensamentodo professor Buchanan para a economia política brasileira.Nos últimos anos, no rastro de experimentos deestabilização econômica, o governo t<strong>em</strong> aumentadoexpressivamente sua presença na economia: os pesados déficitsorçamentários e a copiosa regulação econômica b<strong>em</strong> caracterizamessa posição. É muito provável que isso seja uma conseqüência nãoantecipada de políticas econômicas engendradas <strong>em</strong> modelosteóricos que, <strong>em</strong> verdade, ass<strong>em</strong>elham o governo a um déspotabenevolente, com o quadro institucional-legal-constitucional oculto<strong>em</strong> condições do tipo ceteris paribus.Deste modo, essa é uma conjectura relevante, sobretudo <strong>em</strong>face da intensa erosão da ord<strong>em</strong> institucional no Brasil,especialmente, como observado nos últimos anos, no âmbito daconstituição fiscal.Por tudo isso, uma vez mais, é b<strong>em</strong>-vindo o lançamento de<strong>Custo</strong> e Escolha.Rio de Janeiro, 2 de julho de 1993.* G. Brennan e J. Buchanan (1985)The Reason of Rules: Constitutional Political Economy, (Cambridge: UniversityPress)* J. Buchanan (1992)Better than Plowing and Other Personal Essays, (Chicago: The University ofChicago Press)* J. Buchanan (1987)The Qualities of a Natural Economist, <strong>em</strong> C.Rowley (Editor), D<strong>em</strong>ocracy andPublic Choice: Essays in Honor of Gordon Tullock, (Londres: B. Blackwell)* J. Buchanan (1975)8J. Buchanan e R. Wagner (1977), D<strong>em</strong>ocracy in Deficit: The Political Legacy ofLord Keynes, (New York: Acad<strong>em</strong>ic Press).11


The Limits of Liberty: Between Anarchy and Leviathan, (Chicago: The Universityof Chicago Press)* J. Buchanan e G. Tullock (1962)The Calculus of Consent: Logical Foundations of Constitutional D<strong>em</strong>ocracy,(Ann Arbor: Mi-chigan University Press)* J. Buchanan (1958)Public Principies of Public Debt (Homewood: Irwin)* J. Buchanan e R. Wagner (1977)D<strong>em</strong>ocracy in Deficit: The Political Legacy of Lord Keynes, (New York:Acad<strong>em</strong>ic Press)* A. Sandmo (1990)Buchanan on Political Economy: A Review Article, Journal of EconomicLiterature, XXVIII, Março, 50-6512


PrefácioEdição originalEstamos diante de uma <strong>escolha</strong>. Dev<strong>em</strong>os decidir agora seler<strong>em</strong>os ou não este Prefácio, se ler<strong>em</strong>os outra coisa, se pensar<strong>em</strong>os<strong>em</strong> silêncio, ou talvez se escrever<strong>em</strong>os algo para nós mesmos. Ovalor que atribuímos à mais atraente dessas várias opções é o custoque dever<strong>em</strong>os pagar se optarmos pela leitura deste Prefácio agora.Este valor é e deve permanecer inteiramente especulativo; elerepresenta o que pensamos agora <strong>em</strong> relação ao que a outraoportunidade poderia oferecer. Após termos nos decidido pelaleitura deste Prefácio, qualquer chance de compreender a opção e,por conseguinte, medir o seu valor terá se desvanecido para s<strong>em</strong>pre.Apenas durante o momento ou o instante da <strong>escolha</strong> é que o custopode ser capaz de modificar o comportamento.Se tivéss<strong>em</strong>os decidido há alguns instantes que a nossaavaliação da outra opção excedia àquela que seria esperada daleitura deste Prefácio, teríamos então perdido a prosa trivial desteeconomista. Contudo, se a tivéss<strong>em</strong>os rejeitado desde o princípio,jamais poderíamos saber o que teríamos perdido. Os benefícios deque ora nos asseguramos através da leitura do presente Prefácio nãosão comparáveis com os custos que teríamos de arcar <strong>em</strong> decorrênciada <strong>escolha</strong> da opção mais atraente. Esses benefícios, se cabíveis,exist<strong>em</strong> e pod<strong>em</strong> ser avaliados após o fato. Os custos que pod<strong>em</strong> terinfluência sobre o comportamento não exist<strong>em</strong>; nunca sãoconcebidos; não pod<strong>em</strong> ser mensurados após o fato.Não obstante, ao concluirmos a leitura deste Prefácio, algoterá acontecido, algo capaz de ser avaliado. Pod<strong>em</strong>os pensar sobreo que faríamos com esses minutos e, caso desejável, poderíamostraduzir esses "poderiam ter sido" que nunca foram <strong>em</strong> termos devalores.13


Um observador do nosso comportamento, conhecendo a<strong>escolha</strong> com a qual nos deparamos, poderia efetuar uma estimativaobjetiva dos minutos do nosso t<strong>em</strong>po de expediente que a leituradeste Prefácio exigiria. Após havermos feito nossa decisão, esseobservador poderia olhar o relógio e verificar as suas estimativasobjetivamente. Se ele conhecesse o valor de r<strong>em</strong>uneração das outrasopções, teria condições de atribuir algum valor a esse t<strong>em</strong>po deexpediente, um valor objetivo útil para inúmeras finalidades decomparação. Evident<strong>em</strong>ente, o observador não seria capaz deestimar com precisão o valor que poderíamos atribuir às nossaspróprias oportunidades perdidas antes da <strong>escolha</strong> ou depois dela.Na argumentação ordinária, denominamos ambas asavaliações, as nossas próprias e as do observador, de "custos". Oobservador externo do nosso comportamento poderia afirmar que aleitura do presente Prefácio nos custou ou terá custado X minutos,que ele estima valer Y dólares. Via de regra, diríamos que a mesmaatividade "nos custará X minutos se dormirmos" ou "terá custadoX minutos se tivéss<strong>em</strong>os estado dormindo". O que se deve observaré que esses vários usos da palavra "custo" são categoricamentediferentes. O hábito lingüístico dita uma mesma palavra para váriascoisas diferentes. Não é nenhuma surpresa a enorme confusão,especialmente entre os economistas, que se faz <strong>em</strong> relação à palavracusto.Já discorri o suficiente sobre o sumário do argumentoprincipal deste livro. As idéias centrais são simples e não tenhopretensão alguma de alcançar a sofisticação analítica. Minhahipótese de trabalho é de que muitos economistas mergulhamprofundamente na complexidade da análise enquanto deixam deperceber determinados pontos da lógica econômica el<strong>em</strong>entar. Asexplanações teóricas pod<strong>em</strong> não ser pertinentes a determinadasaplicações, e aqueles que estão ansiosos por prosseguir na busca dacura dos males da humanidade poderão escarnecer-se da minhainsistência <strong>em</strong> relação à purificação metodológica. O seu ceticismopoderá aumentar ao reconhecer que, <strong>em</strong> qualquer confrontopreliminar, as suas próprias opiniões equiparam-se às aquidesenvolvidas. Há poucos economistas modernos que deixariam de14


aceitar a definição el<strong>em</strong>entar do custo de oportunidade. Os textosconvencionais são férteis <strong>em</strong> afirmações supostamente b<strong>em</strong>entendidas.Sugiro que haja uma diferença significativa entre estasdefinições de segunda ord<strong>em</strong> e aquelas implícitas na análise quesegue. O custo de oportunidade tende a ser definido de modoaceitável, entretanto não permite a introdução da lógica do conceitopara informar as aplicações analíticas subseqüentes. Tenho comometa utilizar a <strong>teoria</strong> do custo de oportunidade para d<strong>em</strong>onstrar asdiferenças metodológicas básicas que, de um modo geral, passamdespercebidas e para mostrar que o uso constante dessa <strong>teoria</strong> trazmais luz a importantes áreas de divergência sobre assuntosrelacionados com políticas. Somente no setor de finanças públicas,os debates sobre incidência de impostos, a capitalização tributária, ofardo da dívida pública e o papel da análise de custo-benefíciopoderão ser resolvidos <strong>em</strong> parte, se os protagonistas aceitar<strong>em</strong> osconceitos comuns de custo. O estado indesejável <strong>em</strong> que seencontra a economia do b<strong>em</strong>-estar ao menos poderá ser entendido eapreciado mais adequadamente, se as confusões incorporadas aocusto for<strong>em</strong> reveladas. O caloroso e extensamente latente debateanterior sobre a possibilidade do cálculo socialista talvez ressurjacom um brilho diferente. Algo pode ser dito sobre importantestópicos da atualidade, como o serviço militar e a criminalidade.Nenhuma destas ou quaisquer outras aplicações de políticas serádiscutida exaustivamente. Discussões desse tipo exigiriam nomínimo um livro de igual porte ao do presente volume para desataros nós górdios que as ambigüidades da <strong>teoria</strong> do custo produziram.Meu objetivo secundário é investigar a evolução das idéiasna concepção do custo. Principalmente <strong>em</strong> virtude de os modernoseconomistas d<strong>em</strong>onstrar<strong>em</strong> uma relativa negligência <strong>em</strong> relação àmatéria. Desejo salientar a contribuição oriunda da tradição daLondon School of Economics, tradição esta ainda não amplamentereconhecida, e à qual n<strong>em</strong> mesmo os seus próprios m<strong>em</strong>bros lhedão o devido crédito.15


A escola austríaca cont<strong>em</strong>porânea poderá sugerirespecialmente, com alguma razão, que a <strong>teoria</strong> desenvolvida sejarotulada adequadamente como "austríaca". S<strong>em</strong> dúvida alguma, aconcepção inglesa vale-se de uma importante fonte austríaca.Contudo, ao ler os antigos austríacos juntamente com ascontribuições feitas por Londres, convenço-me de que foramadicionados atributos singularmente característicos e de que toda aconstrução alcançou sua viabilidade operacional apenas <strong>em</strong>Londres. Para ilustrar este ponto, muito do que me parece ser da<strong>teoria</strong> ortodoxa do custo pode ser atribuído diretamente às suasfontes austríacas. Segundo minhas leituras e interpretações,Wicksteed merece crédito por fornecer uma fonte da tradição daescola inglesa distintamente não-ortodoxa, que é igual ou talvezmais importante que a de Viena. Os seguidores americanos de H.J.Davenport, cujas idéias pessoais <strong>em</strong> relação ao custo eramaltamente perceptivas, não geraram uma tradição que possa sercomparável à de Londres.As principais fontes da moderna tradição de Londres estãorepresentadas nos estudos de Robbins, Hayek e Coase, realizadosdurante a década de 30. Essas tradições são seguidasinsistent<strong>em</strong>ente pelos escritos duramente negligenciados de Thirlby,que se estend<strong>em</strong> de 1946 a 1960. Na década de 50 foram publicadosestudos adicionais por Jack Wis<strong>em</strong>an sobre essa tradição. Todavia,esses materiais publicados são aparent<strong>em</strong>ente os únicos resíduos visíveisatualmente de um extenso diálogo que talvez tenha sido parteintegrante do ensino de economia na escola inglesa por um períodode aproximadamente trinta anos.O capítulo 1 esboça a história doutrinal da <strong>teoria</strong> do custoantes de 1930. O capítulo 2 discute as origens e o desenvolvimentoda <strong>teoria</strong> de Londres e o capítulo 3 apresenta sucintamente a <strong>teoria</strong>do custo de oportunidade <strong>em</strong> dois contextos analíticos contrastantes.Os capítulos restantes do livro são devotados a suas aplicações. Ocapítulo 4 examina a <strong>teoria</strong> do custo nas finanças públicas,aplicação que despertou meu interesse pessoal pela necessidade deelucidação teórica. O capítulo 5 usa a lógica do custo deoportunidade como uma forma de reconsideração das normas de16


<strong>em</strong>-estar de Pigou. O capítulo 6, o mais importante e o mais difícildo livro, d<strong>em</strong>onstra a importância da <strong>teoria</strong> básica do custo <strong>em</strong> todoo reino do processo decisório não relacionado com o mercado.17


AgradecimentosConsidero-me afortunado por poder considerar Frank H.Knight como "meu professor", e sua influência sobre o meupensamento revela-se <strong>em</strong> sua forma mais direta neste livro do que<strong>em</strong> qualquer outro trabalho. A sua insistência para que as idéiasfundamentais estivess<strong>em</strong> corretas, b<strong>em</strong> como as suas importantescontribuições para a <strong>teoria</strong> do custo foram a fonte de inspiração d<strong>em</strong>eus esforços.Mais especificamente, desejo também agradecer aos muitosalunos, colegas e condiscípulos; aos alunos dos s<strong>em</strong>inários doprograma de pós-graduação de 1965 e 1967 na Universidade deVirgínia, que sofreram comigo durante os períodos críticos, no augede minhas incertezas. Em 1967 foi circulado um esboço preliminare tive a sorte ser cont<strong>em</strong>plado com muitos conselhos úteis derevisão. Neste sentido, desejo agradecer a contribuição de WilliamBreit, R.H. Coase, F.A. Hayek, Mark Pauly, Roger Sherman, G.F.Thirlby, Gordon Tullock, Richard E. Wagner, Thomas Willett eJack Wis<strong>em</strong>an. Apesar de não se aperceber<strong>em</strong> na época, FrancescoForte e S.H. Frankel deram-me motivação para o debate nosmomentos <strong>em</strong> que o meu próprio entusiasmo se enfraquecia.Em numerosas outras ocasiões, meu trabalho neste livro foifacilitado <strong>em</strong> muitas etapas por minha secretária Betty Tillman cujalealdade e devoção raramente serão igualadas neste mundo cadavez mais impessoal de estudos acadêmicos.J. M. B.Los Angeles, Março de 1969


SumárioCapítulo 1O <strong>Custo</strong> na Teoria EconômicaEconomia Clássica 23A Economia da Utilidade Marginal 31A Síntese de Marshall 35Frank Knight e os Paradigmas Neoclássicos 37Capítulo 2InglesaAs Origens e o Desenvolvimento de uma TradiçãoWicksteed e o Cálculo da Escolha 41H.J. Davenport 43Knight e o <strong>Custo</strong> como Avaliação 44Robbins, 1934 44Mises, Robbins, e Hayek e o Cálculo <strong>em</strong> uma Economia Socialista 46Hayek, Mises e a Economia Subjetivista 49A Importância Prática do <strong>Custo</strong> de Oportunidade: Coase, 1938 53G.F. Thirlby e The Ruler 57O Human Action de Mises 62A Morte de uma Tradição? 63Apêndice do Capítulo 2: O Trabalho de Shackle sobre Decisão 64Capítulo 3<strong>Custo</strong> e EscolhaA Ciência Prognóstica da Economia 67O <strong>Custo</strong> na Teoria Prognostica 71O <strong>Custo</strong> <strong>em</strong> uma Teoria de Escolha 72O <strong>Custo</strong> Influenciando a Escolha e por ela Influenciado 74<strong>Custo</strong> de Oportunidade e <strong>Custo</strong> Real 75A Subjetividade dos <strong>Custo</strong>s Históricos 78<strong>Custo</strong> e Equilíbrio 8019


Capítulo 4O <strong>Custo</strong> dos Bens PúblicosA Teoria da Incidência de Tributação 83Os <strong>Custo</strong>s e o Processo Decisório Fiscal: O Modelo D<strong>em</strong>ocrático 87Os <strong>Custo</strong>s e o Processo Decisório: O Modelo Autoritário 90Os <strong>Custo</strong>s e o Processo Decisório: Os Modelos Mistos 91A Escolha Entre Projetos 93Os <strong>Custo</strong>s do Financiamento da Dívida de Bens Públicos 95O Teor<strong>em</strong>a da Equivalência de Ricardo 99Capitalização de Tributação 101Capítulo 5<strong>Custo</strong> Privado e SocialAnálise Sumária 101Um Exame Mais Minucioso 105<strong>Custo</strong>s Internos, Equilíbrio e Quase-Rendas 109Um Ex<strong>em</strong>plo Ilustrativo 110A Economia Pigouviana e a Ética Cristã 113O Estreito Interesse Próprio e as Alternativasde Quase-Rendas de Oportunidade 115Conclusão 117Capítulo 6O <strong>Custo</strong> s<strong>em</strong> os MercadosPreços, <strong>Custo</strong>s e Equilíbrio de Mercado 120O Preço do Serviço dos Recursos como <strong>Custo</strong> do Produto Final 121Equilíbrio de Mercado, <strong>Custo</strong>s e Quase-Rendas 123O <strong>Custo</strong> do Efetivo Militar, um Ex<strong>em</strong>plo 125O <strong>Custo</strong> da Criminalidade: um Outro Ex<strong>em</strong>plo 128O Processo de Escolha Artificial 131O Cálculo e a Escolha Socialista 132Os <strong>Custo</strong>s na Escolha Burocrática 135Principais Obras do Autor 140


O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICAO <strong>Custo</strong> na Teoria EconômicaEconomia Clássica"Se, <strong>em</strong> uma nação de caçadores......matar um castor geralmente custao dobro do trabalho de matar umcervo, é natural que um castor devaser trocado por ou ter o valor dedois cervos." 1A <strong>teoria</strong> clássica do valor de troca pode ser sumariada daforma acima. Adam Smith não teve o mesmo cuidado que este seucompanheiro cont<strong>em</strong>porâneo que tece suas suposições com maiorprecisão, porém talvez seja esse o motivo que nos faça gostar de lerThe Wealth of Nations. O valor normal ou natural na troca édeterminado pelos custos relativos de produção, o que responde àsquestões principais da economia clássica.Os custos são calculados <strong>em</strong> unidades de produção derecurso. A frase "geralmente custa" significa que um gasto derecurso específico é exigido, um gasto que pode ser estimadoantecipadamente com alguma precisão e mensurado após o fato,tanto pelo proprietário do recurso como por um observador externoque também faz o papel de contabilista de custos. Os custos1 Adam Smith, The Wealth of Nations (New York: Edição da Random HouseMod<strong>em</strong> Library, 1937), pág. 47.21


CUSTO E ESCOLHArelativos de produção são quantificáveis objetivamente, não sendonecessário nenhum processo de avaliação. Se houver um padrão d<strong>em</strong>ensuração, os custos relativos poderão ser computados do mesmomodo que os pesos relativos de maçãs ou batatas. No modeloel<strong>em</strong>entar e hipotético de Smith, o padrão para mensuração érepresentado por uma unidade de t<strong>em</strong>po de trabalho homogêneo.Não há insumos não originados da mão-de-obra (nenhum outro"b<strong>em</strong> negativo"). As funções de produção tanto para o cervo quantopara o castor são lineares e homogêneas; <strong>em</strong> outras palavras, ocervo e o castor encontram-se disponíveis <strong>em</strong> quantidadesilimitadas nos níveis predominantes de custo relativo.Mesmo <strong>em</strong> um modelo tão simples, por que os custosrelativos determinam os valores normais de troca? Isso ocorreporque supõe-se que os caçadores sejam indivíduos racionais qu<strong>em</strong>aximizam uma utilidade que permita identificar os "pontos bons"avaliados positivamente e os "pontos ruins" avaliadosnegativamente nas funções de sua utilidade. Se, por qualquer motivo,os valores de troca chegar<strong>em</strong> a alguma proporção diferentedaquela dos valores de custo, o comportamento será modificado. Seum determinado caçador souber que é capaz, com o gasto de um diade trabalho, de matar dois cervos ou um castor, ele não optará pormatar cervos se o preço de um castor for equivalente ao de trêscervos, mesmo que ele faça parte da d<strong>em</strong>anda, ou seja, umconsumidor final apenas de cervos. Ele poderá "produzir" cervos aum custo menor através da troca nessas circunstâncias. Ao devotarum dia de seu t<strong>em</strong>po para matar um castor e posteriormente trocá-lopor cervos, esse caçador acabará ficando com três, e não dois,cervos. Dada a possibilidade de todos os caçadores comportar<strong>em</strong>-seda mesma forma, nenhum cervo será produzido até e a menos que ovalor esperado de troca retorne à condição de igualdade <strong>em</strong> relaçãoà razão do custo. Qualquer divergência entre o valor esperado detroca e o valor do custo esperado neste modelo seria reflexo de umcomportamento irracional da parte dos caçadores.Segundo esta interpretação, a <strong>teoria</strong> clássica personifica oconceito do custo de oportunidade. Para o caçador que se encontraa ponto de tomar uma decisão de caráter alocativo, o custo de um22


O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICAcastor é igual ao de dois cervos e o custo de um cervo equivale aode meio castor. Em uma razão de troca de um para dois, cadacaçador <strong>em</strong> perspectiva deverá estar à marg<strong>em</strong> da indiferença. Aprodução física e a produção através da troca geram resultadosidênticos. O t<strong>em</strong>po de trabalho, o padrão de mensuração, representao denominador comum por meio do qual os custos de oportunidadesão calculados.O valor de troca realizado não é necessariamente igual aovalor do custo realizado no modelo el<strong>em</strong>entar cervo-castor n<strong>em</strong>, viade regra, no modelo clássico. Como pud<strong>em</strong>os interpretar, devehaver uma indeterminação competitiva na alocação de recursos paraa produção de cervos e castores. Se, relativamente aos padrõespredominantes de d<strong>em</strong>anda, uma grande quantidade de caçadoresdecide produzir castores <strong>em</strong> um determinado dia, o preço ou valorde mercado do castor cairá para um valor abaixo do custo. Ou,alternativamente, se o padrão de d<strong>em</strong>anda sofre uma rápidamodificação enquanto a alocação de recursos permanecesubstancialmente inalterada, idêntico resultado pode ser esperado. Opreço, que é um valor realizado de troca, não só pode divergir comorealmente divergirá do valor do custo realizado. Quando issoocorre, entretanto, alguns dos caçadores analisarão a ocasião <strong>em</strong>que a decisão foi tomada e concluirão que cometeram erros.Não existe casualidade unilateral neste modelo cervo-castor.Os custos relativos determinam os valores normais de troca. D<strong>em</strong>odo implícito, a <strong>teoria</strong> pressupõe que as previsões sobre asrelações de produção, as razões entre insumos e produçãoapresentam uma precisão consideravelmente maior dos que asprevisões sobre os padrões de d<strong>em</strong>anda. Esse fato converte a <strong>teoria</strong><strong>em</strong> uma elegante hipótese operacional. Pode-se introduzirmensurações objetivas externas que deverão gerar previsões sobreos valores normais de troca. Essas previsões pod<strong>em</strong> sertendenciosas.A <strong>teoria</strong> não prevê o valor normal de troca quando aprodução não é possível, isto é, quando a oferta é fixa. Nesse caso,o valor normal de troca, do mesmo modo que o valor realizado detroca <strong>em</strong> todos os casos, é estabelecido pelas forças da d<strong>em</strong>anda.23


CUSTO E ESCOLHAContudo, para Adam Smith, esse fato, por si só, não incorporariauma <strong>teoria</strong> de previsão. Não se pode introduzir nenhuma tendênciacomportamental que relacione os valores dos "bens" entre si <strong>em</strong>termos de algum denominador comum identificável objetivamente.A respeito desses bens cuja oferta é fixa, Smith simplesmentenegaria e existência de uma <strong>teoria</strong> de valor. Observada nestecontexto, a infame afirmação de J.S. Mill que nada mais poderia serdito sobre a <strong>teoria</strong> de valor pode ter uma interpretação um poucomais favorável do que os economistas modernos lhe tenham dado.O valor de troca tende a ser mais equitativo se houver umcusto de produção passível de mensuração objetiva. Estaproposição é positiva e está isenta de conteúdo normativo. Não seafirma ou se subentende que o preço de mercado deva igualar-se aocusto de produção. Em um sentido mais direto, a economia clássicanão possui uma <strong>teoria</strong> normativa de alocação. A uniformização doretorno de unidades s<strong>em</strong>elhantes tende a <strong>em</strong>ergir do postuladobásico do comportamento racional <strong>em</strong> conjunto com a identificaçãoimplícita dos "pontos positivos" e "pontos negativos" nafunção de utilidade dos indivíduos.A interpretação esboçada acima é injusta para aqueles quecriticam a economia clássica. São abundantes as confusões <strong>em</strong>relação a muitos pontos de análise. Os probl<strong>em</strong>as começam aoabandonarmos a simplificação extr<strong>em</strong>a do modelo de insumo únicoe homogêneo de Smith. A complexidade do raciocínio clássico écentralizada na busca de um denominador comum comparável devalor quando os insumos (bens negativos) são heterogêneos. A genialidadede Ricardo não foi capaz de solver este desafio, apesar deseus valentes esforços. A <strong>teoria</strong> de Rent explicou repetidamente,<strong>em</strong>bora de forma insatisfatória, o retomo de propriedade. Contudo,os quocientes de trabalho-capital permaneceram e a alternativa deMarx <strong>em</strong> relação ao t<strong>em</strong>po de trabalho "socialmente necessário" foium recuo àquela circularidade que toda a <strong>teoria</strong> clássica havia sepreparado para burlar.Smith e, finalmente, Ricardo foram forçados a reabilitar apertinência pragmática da <strong>teoria</strong> <strong>em</strong> prejuízo de sua elegância. Asunidades heterogêneas de insumo eram mensuradas através dospreços monetários estabelecidos <strong>em</strong> mercados de fatores. O custo24


O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICAde produção dos bens era calculado <strong>em</strong> dinheiro. Como explicaçãoel<strong>em</strong>entar do valor de troca normal ou natural de um b<strong>em</strong>específico, as características essenciais do modelo cervo-castorcontinuam válidas. O valor de troca normal de um par de sapatostenderá a ser igual a $10, se o custo monetário para a produção desapatos for igual a $10, ou seja, o des<strong>em</strong>bolso necessário feito aosproprietários de todos os recursos de produção. Infelizmente, aelegância e a objetividade do mundo do cervo-castor desaparec<strong>em</strong>neste modelo mais realista de custo de produção. O custo deoportunidade objetivo de um castor no modelo de Smith é igual adois cervos visto que "geralmente" é necessário o dobro do insumofísico para a produção de um castor. Em um contexto mais realista,qual seria o custo de oportunidade de um par de sapatos? Os custossão mensurados <strong>em</strong> numéraire ∗ e estes reflet<strong>em</strong> os valores dosinsumos físicos. Desaparece a conexão direta entre esses doisinsumos e os produtos alternativos. Afirmar que os pagamentos aosproprietários dos recursos de produção totalizam $10 não implica,ao menos diretamente, que os produtos alternativos avaliados <strong>em</strong>$10 possam ser produzidos.Se os custos for<strong>em</strong> iguais a $10, o produtor deve esperar umvalor de pelo menos $10. O postulado de comportamento racionaljuntamente com a inferência de que o numéraire seja desejadopositivamente ainda implica que o valor esperado seja igual ousuperior aos custos. Mas o que então determina os custos? A <strong>teoria</strong>já não é mais tão simples a ponto de permitir que concentr<strong>em</strong>osnossa atenção <strong>em</strong> um momento de decisão, um ato de <strong>escolha</strong>. Emvez disso, dev<strong>em</strong>os então pensar <strong>em</strong> uma cadeia de decisõesinterligadas relacionada a quantidades variáveis de produção, aperíodos de t<strong>em</strong>po distintos e aos muitos indivíduos que decidirão.O produtor, <strong>em</strong> face de um des<strong>em</strong>bolso quase certo de $10, deveesperar um valor superior a esse montante caso se decida aproduzir. Entretanto, os proprietários dos recursos, que se∗N.T.: Numéraire - B<strong>em</strong> econômico escolhido arbitrariamente para servir dedenominador comum de um valor imutável, ou seja, como moeda de valor constante<strong>em</strong> cujos termos são expressos todos os d<strong>em</strong>ais preços.25


CUSTO E ESCOLHAencontram atual e teoricamente separados do produtor-<strong>em</strong>presário,também dev<strong>em</strong> tomar decisões. Por que a soma dos insumos é iguala $10? Os valores de troca são estabelecidos para as unidades derecurso nos mercados, sendo que se deve supor que cadaproprietário espere valores superiores aos custos ao tornar disponíveluma unidade de recurso. Porém, quais serão os seus custos?Os economistas clássicos eram obrigados a discutir os custos deprodução de recursos primários.Acreditavam que, até certo ponto, eram b<strong>em</strong>-sucedidos <strong>em</strong>relação à mão-de-obra não qualificada ou comum. No modeloel<strong>em</strong>entar de Smith, o custo de um castor é igual ao de dois cervos,que, para fins de comparação, é medido como o trabalho de um dia,o t<strong>em</strong>po necessário para o abate de qualquer uma das opções que ocaçador t<strong>em</strong> à mão. O custo do t<strong>em</strong>po de trabalho ordinário érepresentado pelo milho necessário à nutrição do trabalhador, quelhe permitirá multiplicar sua espécie. Novamente, esse milho podeser mensurado segundo o t<strong>em</strong>po de trabalho necessário para a suaprodução ou cultivo. Entretanto, é muito grande a diferençaanalítica entre essas duas afirmações, sendo que na última pod<strong>em</strong>osobservar uma extensão falsa de uma <strong>teoria</strong> de valor de trocabasicamente correta. O teor<strong>em</strong>a do custo de oportunidade, sobre oqual é centrado o modelo do cervo-castor, desaparece quase que porcompleto na <strong>teoria</strong> de salários pela mão-de-obra comum. O t<strong>em</strong>pode trabalho de um dia mensura o custo de um castor <strong>em</strong> virtude derepresentar um produto genuinamente alternativo, dois cervos.Pode-se presumir que o t<strong>em</strong>po de trabalho de meio dia mensure ocusto de um trabalhador, não porque represente qualquer produtogenuinamente alternativo, mas porque representa o gasto necessárioà sua nutrição. A relação de insumo-produção encontrada nomodelo mais simples foi sutilmente modificada. O insumo de mãode-obraque mede o custo de um castor é aquele necessário àprodução da alternativa igual a dois cervos. E nenhum castor seriaabatido se a razão adequada de valor esperado não fosse válida. Ogasto efetivamente exigido para o abate de um castor é de muitopouca importância <strong>em</strong> relação ao valor realizado de troca. Emcomparação, a <strong>teoria</strong> clássica de salários não inclui nenhuma con-26


O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICAsideração a respeito da alternativa de produzir um trabalhador.Mesmo o crítico mais favorável encontraria dificuldade para inseriro pensamento do custo de oportunidade na análise.Talvez devido a essa dificuldade é que Smith e Ricardo seesquivaram de uma análise mais rigorosa ao discutir salários.Formulou-se uma <strong>teoria</strong> clássica medíocre que relacionava ossalários aos níveis de subsistência. De acordo com essa <strong>teoria</strong> desalários, baseada nos princípios malthusianos de população, a <strong>teoria</strong>do custo do valor de troca perde quase todas as suas amarras decusto de oportunidade. Os salários do trabalho não qualificadotend<strong>em</strong> aos níveis de subsistência, não <strong>em</strong> decorrência de umresultado previsível do comportamento racional do indivíduo, mas<strong>em</strong> conseqüência dos controles naturais impostos pela fome e asepid<strong>em</strong>ias. Rompe-se a relação entre o valor de troca e ocomportamento de <strong>escolha</strong> do indivíduo - e com ela a lógicaessencial de qualquer <strong>teoria</strong> sobre custo de produção. Essa <strong>teoria</strong>clássica de salários está quase que desprovida de conteúdocomportamental.Ainda não tiv<strong>em</strong>os a oportunidade de mencionar um foco deconfusões que atormenta e às vezes domina o debate clássico sobrecusto. Este foco é representado pelo conceito de custo da dor,geralmente chamado de custo real. Não satisfeitos <strong>em</strong> buscar uma<strong>teoria</strong> prognóstica para o valor de troca, os escritores clássicosprocuraram "explicar" o surgimento do valor <strong>em</strong> um certo sentidofilosófico básico. O esforço e a dificuldade, a dor física inerente aotrabalho parecia "justificar" o pagamento de salários. A observaçãorevelou que o capital também era r<strong>em</strong>unerado. Desse modo, oconceito de abstinência desenvolvido por Senior pareceu colocar ocapitalista ao lado do assalariado como consignatário decompensações justificáveis. Não dev<strong>em</strong>os subestimar a importânciadessa doutrina de custo real <strong>em</strong> s<strong>em</strong>ear mais dúvidas. Mesmo nosdias de hoje, a <strong>teoria</strong> da vantag<strong>em</strong> comparativa ensinada por27


CUSTO E ESCOLHAinúmeros analistas sofisticados evidencia o seu manifesto absurdo,<strong>em</strong>bora, felizmente, com poucos danos 2 .O custo realmente reflete a dor ou o sacrifício; é esse osignificado el<strong>em</strong>entar da palavra. Contudo, dev<strong>em</strong>os reconhecer oprobl<strong>em</strong>a lingüístico com o qual se deparam os economistas ao usaro termo "custo" para expressar coisas bastante distintas. Toda equalquer oportunidade no reino da possibilidade, cuja antecedênciapermita escolher uma alternativa preferida mas mutuamenteexclusiva, refletirá os "custos" ao ser "sacrificada". E a sua rejeiçãodeve implicar dor a despeito do fato de um prazer diferencialment<strong>em</strong>aior ser prometido pelo deleite proporcionado pela alternativamutuamente exclusiva. <strong>Custo</strong> e dor estão longe de ser<strong>em</strong>antônimos, contrariamente ao que os debates menos rigorososparec<strong>em</strong> sugerir; o conceito de custo como dor ou sacrifício é edeve ser fundamental à idéia de custo de oportunidade. Em algunsaspectos, do tratamento clássico, o conceito de dor-como-sacrifíciopôde ser entendido. Como já mencionamos, o custo do acúmulo decapital foi debatido <strong>em</strong> termos de "abstinência": a abstenção doconsumo do capital permite que ele se multiplique. É evidente queesse fato envolve o raciocínio de custo de oportunidade.Entretanto, para a maioria, o conceito de custo real ou decusto de dor na economia clássica refere-se a algo muito diferente.A dor, <strong>em</strong> um contexto de comportamento, também pode surgirquando nada é sacrificado. A dor ocorre quando, <strong>em</strong> decorrência deuma cadeia de eventos passados, a utilidade do indivíduo é reduzidas<strong>em</strong> contrabalançar<strong>em</strong> os prazeres. O gasto necessário de trabalhopoderá implicar dor, algo que, dentro dos limites, seja passível d<strong>em</strong>ensuração através do suor, fadiga muscular e lágrimas. A transferênciade bens de capital para o atendimento de uma obrigação depagar uma dívida, impostos ou pedágio <strong>em</strong> uma rodovia, tambémenvolve dor <strong>em</strong> relação a algo que poderá ser mensurado de modoaproximado por meio da redução no valor líquido do balanço do2Mesmo <strong>em</strong> 1967, os economistas necessitavam ser avisados dessa falácia. Paramaiores informações sobre o assunto, vide Royall Brandis, The Myth of AbsoluteAdvantage, American Economic Review, LVII (março de 1967), 169-74.28


O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICAindivíduo. Neste segundo sentido, o custo de dor não t<strong>em</strong> nenhumaconexão com o sacrifício deliberado de opções. A expectativa dessador poderá gerar informações para a comparação das oportunidadesalternativas de <strong>escolha</strong>, porém a realização dessa dor é de pouca importânciapara explicá-la ou justificar seu valor. Esta distinção vitalentre as duas diferentes noções do custo de dor não foi reconhecidapelos economistas clássicos e tampouco pelos seus inúmerossucessores. As raízes de muitas ambigüidades modernas seoriginam da clássica falta de percepção dessa diferenciação, umafalha que a economia neoclássica não eliminou a contento.A Economia da Utilidade MarginalA <strong>teoria</strong> de valor foi revolucionada após 1870. A <strong>teoria</strong>clássica do custo de produção deu lugar à <strong>teoria</strong> de utilidad<strong>em</strong>arginal, que foi desenvolvida de modo variado por (WilliamStanley) Jevons, (Karl) Menger e (Leon) Walras. Esses teóricossentiam-se de algum modo menos comprometidos do que os seuspredecessores clássicos para definir custos precisamente pelasimples razão que, para eles, os custos eram muito menosimportantes na explicação do valor de troca. Pelo menos nosestágios el<strong>em</strong>entares da análise, esses indivíduos mostravam-sedispostos a aceitar as definições clássicas: as suas disputas com osclassicistas não se baseavam no conceito de custo. Eles acreditavamque suas diferenças foss<strong>em</strong> mais profundas. Porém,independent<strong>em</strong>ente do modo através do qual os custos tenham sidodefinidos, os teóricos da utilidade marginal rejeitaram a análiseclássica.O desenvolvimento de uma <strong>teoria</strong> geral do valor de trocatornou-se uma preocupação fundamental. A análise clássica forarejeitada por apresentar dois modelos independentes, um para osbens reprodutíveis e o outro para os bens de oferta fixa. A soluçãoentão foi reivindicar uma generalidade para o único modelo devalor de troca que os escritores clássicos haviam reservado para asegunda categoria. O valor de troca segundo os teóricos da29


CUSTO E ESCOLHAutilidade marginal é, <strong>em</strong> todos os casos, determinado pela utilidad<strong>em</strong>arginal, pela d<strong>em</strong>anda. No ponto de troca do mercado, toda aoferta é fixa. Portanto, os valores relativos ou preços sãoestabelecidos exclusivamente através das utilidades marginaisrelativas.Se a revolução acima não tivesse tido conseqüênciasmaiores, ela quase que poderia passar despercebida. A contribuiçãodesses teóricos não se limitou à mera substituição de uma utilidadepor uma <strong>teoria</strong> do custo de valor de troca. No decurso desseprocesso de substituição, eles foram obrigados a desenvolver a idéiaque os valores são fixados à marg<strong>em</strong>. Desse modo, conseguiramsolucionar o paradoxo diamante-água; o valor <strong>em</strong> uso e o valor <strong>em</strong>troca já não eram mais possivelmente contraditórios. Nascia então ocálculo econômico.Não obstante, a eliminação do aparato clássico causoualguns prejuízos. Em sua busca de uma <strong>teoria</strong> geral, os economistasda utilidade marginal abandonaram grande parte de uma <strong>teoria</strong>prognóstica de valor normal de troca. Conseguiram obter umaexplicação satisfatória sobre o valor realizado e pouco fizeram nosentido de desenvolver a análise do valor esperado ou natural. Arigor, a <strong>teoria</strong> desses estudiosos era lógica, não uma hipótesecientífica sujeita a contradições. E, como ocorre <strong>em</strong> relação a todasas <strong>teoria</strong>s de caráter geral, a <strong>teoria</strong> da utilidade marginal sepropunha a fornecer muitas explicações.Contudo, essa generalidade trouxe alguns benefíciossecundários e a sua extensão lógica foi a <strong>teoria</strong> da distribuição daprodutividade marginal. Devido ao fato de os bens ser<strong>em</strong> avaliadossegundo as suas utilidades marginais relativas, os recursos tambémdeveriam de avaliados de acordo com os valores dos componentesde seu produto final. Não surgiu a necessidade de passar além daoferta fixa de recursos <strong>em</strong> uma primeira aproximação. Por cerca deum século, a <strong>teoria</strong> da população foi suprimida do conjunto de instrumentosdos economistas.A economia da utilidade marginal geralmente é denominadade "economia de valor subjetivo", sendo que a revolução doutrinal30


O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICAtambém recebe a mesma denominação. A <strong>teoria</strong> clássica do custode produção era objetiva no sentido <strong>em</strong> que se supunha que asmensurações externas dos custos comparativos foss<strong>em</strong> capazes degerar prognósticos sobre o valor normal de troca de mercadorias. Asua substituição por uma <strong>teoria</strong> que explicasse os valores relativosde troca através das utilidades marginais relativas necessariamenteimplica uma perda de conteúdo objetivo <strong>em</strong>pírico. Contudo,considerava-se também que as utilidades marginais dependess<strong>em</strong>das quantidades e, para todo o grupo de compradores, doabastecimento do mercado. Portanto, mesmo com umconhecimento completo das condições de d<strong>em</strong>anda, não se podiamprever os valores normais de troca até e a menos que foss<strong>em</strong> feitasprevisões sobre o abastecimento relativo. O aspecto de custo ou deoferta do valor teve de ser incluído. Não era mais possível umaexplicação unilateral; a economia da oferta-procura tornou-se umanecessidade.Para uma dada oferta de uma certa mercadoria, o valor detroca era determinado pela utilidade marginal, estabelecido deacordo com um processo de interação de mercado. Entretanto, ofenômeno utilidade é de natureza subjetiva e não algo que se possamensurar externa ou objetivamente, como o clássico custo deprodução. Para entendermos esse conceito, imagin<strong>em</strong>os um mundoonde existam apenas duas mercadorias, sendo que cada uma delas∗possui uma oferta fixa, por ex<strong>em</strong>plo, o mundo do urso e do quati .Ambos são "bens" e cada b<strong>em</strong> toma-se disponível <strong>em</strong> umaquantidade previsivelmente fixa <strong>em</strong> cada período. Se conhecermoscom precisão a d<strong>em</strong>anda ou os programas de utilidade marginalpara todos os consumidores, poder<strong>em</strong>os estimar o valor de troca.Observ<strong>em</strong>os, contudo, que essa previsão não surge comoconseqüência ou resultado de um postulado de comportamentoracional, ao menos no mesmo sentido que o do modelo clássico docervo-castor. Suponhamos que, <strong>em</strong> condições de oferta fixajuntamente com os padrões de d<strong>em</strong>anda, seja possível fazer a∗ N.T.: Quati (Racoon) — Procionídeo da América do Norte afim do quati e do mãopelada.31


CUSTO E ESCOLHAprevisão que um urso será permutado por dois quatis. Caso seobserve que os valores realizados são diferentes daqueles previstos,isso será apenas conseqüência da inexatidão dos dados iniciais quederam orig<strong>em</strong> à previsão. Não se acionou nenhum mecanismo deequilíbrio; não há percepção de erro, como há no modelo do cervocastor.Não surgirá processo corretivo algum; os valores realizadosestarão s<strong>em</strong>pre "corretos", os erros somente aparec<strong>em</strong> nos dados<strong>em</strong>pregados pelo observador. Neste aspecto, a <strong>teoria</strong> da utilidad<strong>em</strong>arginal <strong>em</strong> sua metodologia el<strong>em</strong>entar é parente do modelosimples de Keynes para a determinação de renda. Por outro lado eapesar desuas falhas, a <strong>teoria</strong> clássica do custo de produção é maisestreitamente análoga à <strong>teoria</strong> sueca da determinação de renda naqual as expectativas pod<strong>em</strong> fazer parte explícita da análise.A introdução de el<strong>em</strong>entos de uma <strong>teoria</strong> prognóstica devalor de troca exigia um retorno à análise quase-clássica.Reconheceu-se que os custos de produção influenciavam o valor detroca através de seus efeitos sobre a oferta. E, ao discutir custos, osteóricos da utilidade marginal podiam aceitar uma medidamonetária s<strong>em</strong> ambigüidade uma vez que não tinham motivo parabuscar um denominador comum aos insumos de recursos físicos. Anecessidade de pagar os insumos surge devido ao fato de que osmesmos representam componentes de valor nos produtos finais.Esta abordag<strong>em</strong> nos conduz quase que diretamente ao raciocínio docusto de oportunidade.O valor ou o preço das unidades de recurso representa,especialmente para a escola de Viena (Menger, Böhm-Bawerk,Wieser), o valor de produto que poderia ser produzido pelasmesmas unidades de recurso <strong>em</strong> usos ou <strong>em</strong>pregos alternativos. Éesse o preço que o usuário ou o <strong>em</strong>pregador dos recursos deveadiantar para atrair os recursos para longe dessas oportunidades alternativas.Em termos de decisão para o proprietário dos recursos, oconceito implícito do custo de oportunidade é idêntico àquelepresente no modelo cervo-castor de Smith.32


O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICAPara a escola de Viena, particularmente para Wieser, ocomportamento racional da parte dos proprietários dos recursosassegurou a uniformidade do retorno a todos os <strong>em</strong>pregos.Dentre os teóricos do valor subjetivo, Jevons foi singular <strong>em</strong>seu tratamento ao custo, de modo consideravelmente mais clássicodo que o da escola de Viena. O custo de produção implica "dor",um conceito quase inteiramente ausente do debate da escola deViena. Esse custo de dor pode ser discutido <strong>em</strong> termos deinutilidade marginal. Desse modo, Jevons foi inteirament<strong>em</strong>arginalista e, para ele, toda <strong>escolha</strong> era reduzida a umacomparação entre as utilidades e inutilidades marginais. Ele foicapaz de solucionar o paradoxo diamante-água basicamente atravésdo aparato clássico. Em virtude de Jevons não haver generalizado aconcepção de produto alternativo, sua <strong>teoria</strong> de custo mostrou-seinferior à da escola de Viena ou mesmo à <strong>teoria</strong> implícita de Smith.Não obstante, Jevons concentrou sua atenção no ato da <strong>escolha</strong>econômica, e isso poderia ter influenciado Wicksteed <strong>em</strong> seusimportantes progressos <strong>em</strong> direção à concepção inteirament<strong>em</strong>oderna.Segundo os antigos teóricos da escola de Viena, os custos deprodução são mensurados monetariamente e reflet<strong>em</strong> o valor daprodução que poderia ter sido gerada se os mesmos insumos derecursos foss<strong>em</strong> aplicados racionalmente <strong>em</strong> <strong>em</strong>pregos alternativos.Este é s<strong>em</strong> dúvida um conceito de custo de oportunidade, porém éapenas subjetivo no sentido <strong>em</strong> que os valores dos bens sãoestabelecidos através de suas utilidades marginais relativas para osque exerc<strong>em</strong> a d<strong>em</strong>anda. Dado que esses valores são estabelecidosnos mercados organizados, eles pod<strong>em</strong> ser mensuradosobjetivamente.A Síntese de MarshallAlfred Marshall pensou haver reescrito a economia clássica,incorporando nesse processo qualificações e críticas aparent<strong>em</strong>entedesenvolvidas independent<strong>em</strong>ente dos teóricos da utilidade33


CUSTO E ESCOLHAmarginal, a despeito das s<strong>em</strong>elhanças no tratamento a determinadosel<strong>em</strong>entos. A sua análise de período forneceu um modelo geral noqual intervalos de ajuste determinavam o relativo poderexplanatório das hipóteses de utilidade marginal e de custo deprodução. Marshall, um simpatizante dos clássicos, percebeu asvantagens prognósticas do modelo clássico básico.Sendo um analista muito sofisticado, ele não deixou deperceber a simples idéia do custo de oportunidade, contudodificilmente encontramos <strong>em</strong> seu debate afirmações explícitas arespeito desse conceito. <strong>Uma</strong> leitura mais superficial poderá sugerirque Marshall dispunha-se a aceitar a ingênua versão clássica decusto real ou de dor que <strong>em</strong>ergia dos esforços do trabalhador e daabstinência do capitalista. Sua falta de precisão foi, <strong>em</strong> parte,conseqüência de uma preocupação direta e pragmática com aexplicação da formação de preço. Para seu próprio b<strong>em</strong>, Marshallnão formulou questões de caráter conceituai ou definidor eaparent<strong>em</strong>ente n<strong>em</strong> se dispôs a levar adiante essas indagações umavez obtidas as respostas que considerou satisfatórias para importantesquestões de ord<strong>em</strong> prática.Para essas finalidades, os custos monetários determinadospor preços estabelecidos <strong>em</strong> mercados de fatores eram suficientes.Na análise de longo período, uma vez efetuados todos os ajustes, seas outras coisas não se modificar<strong>em</strong> nesse intervalo, os preçostend<strong>em</strong> a situar-se no mesmo nível dos custos monetários se houverpredominância do retomo constante. Para Marshall essa afirmaçãoera razoavelmente satisfatória, era tudo o que realmente poderia seesperar da economia. Seus modelos, apresentados neste texto e <strong>em</strong>outros estudos, freqüent<strong>em</strong>ente são "imprecisos" - t<strong>em</strong>-se essasensação deliberadamente - mais pelo fato de ele haver reconhecidoas complexidades inerentes à tentativa de pôr as coisas <strong>em</strong> seudevido lugar do que por não as ter percebido. Talvez essa afirmaçãoseja parcialmente favorável a Marshall, porém sente-se que, apesarde suas ambigüidades, ele jamais teria cometido as asneiras de seussucessores ao não conseguir formular uma definição adequada paracusto.34


O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICAFrank Knight e os Paradigmas NeoclássicosFrank Knight, cuja "preocupação central é a definiçãocorreta do probl<strong>em</strong>a...", apresenta uma diferença acentuada <strong>em</strong>relação a Marshall. Ele notou as ambigüidades presentes notratamento neoclássico do custo, principalmente no de Marshall.Em vários de seus estudos importantes elaborados no final da décadade 20 e no início da próxima, Knight formulou o conceito deoportunidade ou de custo alternativo de produto, que se tomou oparadigma da <strong>teoria</strong> moderna de preço, notadamente <strong>em</strong> suavariação americana de Chicago. A partir do modelo do cervo-castorde Adam Smith, Knight d<strong>em</strong>onstrou o seu conteúdo inerente decusto de oportunidade juntamente com as linhas que esbocei noinício deste capítulo. "(...) ...o custo de castor é igual a cervo e ocusto de cervo é igual a castor, sendo este o único conteúdo objetivoe científico do conceito de custo 3 ." O custo de oportunidade de umamercadoria é mensurado <strong>em</strong> unidades de produto alternativo ouexcluído, sendo "todas as referências de 'sacrifício' ou de 'gastos'[deveriam ser] simplesmente omitidas" 4 . "(...) ...o custo deve sermensurado <strong>em</strong> termos de produtos, não de dores ou gastos" 5 .Em sua afirmação de 1928 sobre o que ele considerava comoa definição "correta", Knight seguia o que se reconheceuposteriormente como sendo a posição comum da escola austríaca,especialmente aquela representada <strong>em</strong> Wieser. Ele também indicou<strong>em</strong> um estudo posterior que sua posição era compartilhada porWicksteed. O custo de produção de uma unidade de umadeterminada mercadoria é simplesmente mensurado pelo produtoreal alternativo que poderia ter sido produzido, se os insumos derecursos usados na produção foss<strong>em</strong> redistribuídos racionalmentepara outros usos. O valor de mercado desses produtos alternativosfornece um denominador comum para o cálculo estimativo, um3Frank H. Knight, A Suggestion for Simplifying the Stat<strong>em</strong>ent of the GeneralTheory of Price, Journal of Political Economy, XXXVI (junho de 1928), 359.4Ibid., pág. 355.5 Ibid., pág. 363.35


CUSTO E ESCOLHAvalor que é determinado pelo processo de troca. Knight parece estarcorreto ao propor que essa abordag<strong>em</strong> é s<strong>em</strong>elhante à de Wieser,que afirmava: "Visto que cada processo produtivo reduz essa posse,ele reduz a utilidade - ele custa, e custa exatamente tanto quanto ovalor que o material e a mão-de-obra necessários teriam produzidose aplicados racionalmente" 6 .Entretanto, após alguns anos, Knight notou que algo estavaerrado com a sua mensuração direta do custo de oportunidade deproduto alternativo. Em estudos publicados <strong>em</strong> 1934 e 1935, ele7, 8tentou verbalizar suas apreensões s<strong>em</strong> grande êxito . Ele tentoumodificar a definição de produto alternativo de custo paraconsiderar as diferenças no fatigante setor dos diferentes usos derecursos, especialmente no que tange à aplicação da distribuição dotrabalho. Valendo-se de uma argumentação extr<strong>em</strong>amentecomplexa, Knight afirmou que, na mesma proporção <strong>em</strong> que osproprietários dos recursos não uniformizam os retornos pecuniáriosàs unidades de recursos <strong>em</strong> todos os usos, o princípio do custo deproduto alternativo não poderá ser aplicado <strong>em</strong> sua totalidade. Se ocaçador de cervos aceita uma compensação pecuniária relativament<strong>em</strong>ais baixa para o seu trabalho mais agradável, cada dólarde pagamento de recursos retirado da produção de cervos etransferido para a produção de castores produzirá um aumento d<strong>em</strong>ais de um dólar ao produto "social". Portanto, o custo deoportunidade do aumento resultante na produção de castor é maiordo que o valor de mercado para o cervo que os insumos de recursospoderiam ter produzido antes dessa transferência. Assim, a6F. von Wieser, The Theory of Value, Annals of the American Acad<strong>em</strong>y of Politicaland Social Science, 2 (março de 1892), 618. Vide também F. von Wieser, Über denUrsprung und die Hauptgesetze des wirtschaflichen Werthes (Wien, 1884), pág. 100.7The Common Sense of Political Economy (Wicksteed Reprinted), Journal ofPolitical Economy, XLII (outubro de 1934), 660-73, reeditado <strong>em</strong> Frank H. Knight,On the History and Method of Economics (Chicago: University of Chicago Press,Phoenix Books, 1963), 104-18. Um artigo revisivo da edição de dois volumes deWicksteed.8 Frank H. Knight, Notes on Utility and Cost (Mimeografia, University of Chicago,1935). Publicado sob a forma de dois artigos, <strong>em</strong> língua al<strong>em</strong>ã, <strong>em</strong> Zeitschrift fürNationalekonomie (Viena), Band VI, Heft 1, 3 (1935).36


O CUSTO NA TEORIA ECONÔMICAmudança líquida <strong>em</strong> fadiga também deverá ser reconhecida econsiderada.Essa observação é certamente razoável e fundamentalmentecorreta, a despeito de refletir um conceito de custo de oportunidadebastante diferente daquele que Knight postulara inicialmente. Aintrodução de vantagens e desvantagens não pecuniárias no uso derecursos prejudica o elo crucialmente importante entre o valor d<strong>em</strong>ercado mensurado objetivamente do produto alternativo e o custoque é introduzido no cálculo subjetivo do indivíduo que toma adecisão. Essa relação é essencial para que a <strong>teoria</strong> de valor conserveo seu conteúdo científico <strong>em</strong> qualquer aspecto prognóstico. S<strong>em</strong> seaperceber do fato, Knight passou de um modelo positivo decomportamento no qual os custos são mensuráveis objetivamentepara um modelo lógico de <strong>escolha</strong> no qual os custos são puramentesubjetivos. Neste modelo desprovido de conteúdo prognóstico, ovalor de mercado do produto excluído ou alternativo não t<strong>em</strong>influência direta na decisão do proprietário do recurso. Portanto,este valor não poderá ser, de maneira alguma, considerado como amedida de seu custo. Se interpretado adequadamente, comoWicksteed quase chegou a afirmar, o valor previsto ou esperado doproduto alternativo no momento da decisão, que é estimado peloindivíduo que faz a <strong>escolha</strong>, representa o custo. Além disso, deacordo com essa definição, o valor não mercadizável das condiçõesalternativas de <strong>em</strong>prego está incluído como parte essencial do custo.Aposição inicial defendida por Knight tornou-se ortodoxa eassim permanece <strong>em</strong> relação à maior parte da <strong>teoria</strong> moderna depreço. O conceito de custo de oportunidade é a parte maisimportante. "O custo de qualquer das alternativas (simples oucomplexa) escolhidas representa a alternativa à qual se t<strong>em</strong> de renunciar;se não houver alternativa alguma <strong>em</strong> relação a umadeterminada experiência, não haverá <strong>escolha</strong>, não haverá um9probl<strong>em</strong>a econômico e o custo não terá significado algum.""Assim, o custo econômico constituirá a renúncia a algum 'outro'uso de alguns recursos ou da capacidade do recurso para que se9Knight, Notes on Utility and Cost, op. cit., pág. 18.37


CUSTO E ESCOLHApossa assegurar a vantag<strong>em</strong> do uso para o qual se destina." 10 "Aúnica <strong>teoria</strong> geral do custo que pode ser conservada será,finalmente, a do custo alternativo, mais b<strong>em</strong> formulada como custode produto excluído. Contudo, essa afirmação fica sujeita àqualificação de que somente seja verdadeira 'na medida' doequilíbrio que as condições indicadas possam alcançar." 11Dentro do contexto de quase todos os debates teóricos, essasafirmações são perfeitamente aceitáveis e inteiramente corretas. Ocusto é mensurado através do valor de mercado do produtoexcluído. O custo é objetivo no sentido <strong>em</strong> que pode ser estimado,pelo menos após o fato, por observadores externos, a despeito dapr<strong>em</strong>issa de que os valores de mercado sejam estabelecidos, via deregra, através das avaliações subjetivas de muitos produtores econsumidores. Os preços de mercado mensuram as avaliaçõescoletivas às margens da produção, e os próprios preços sãoobjetivos.Essas afirmações a respeito de custo são aceitas <strong>em</strong> caráteramplo e irrestrito pela maioria dos adeptos da moderna <strong>teoria</strong> depreços, que, <strong>em</strong> sua maior parte, não é capaz de notar que o custo deoportunidade assim definido não possui conexão alguma com a<strong>escolha</strong>. E é precisamente por essa razão que as diferenças simplesporém sutis entre essa ortodoxia e a <strong>teoria</strong> alternativa da escolainglesa fornec<strong>em</strong> assuntos adequados para um pequeno livro.10 Ibid., pág. 19.11Knight, The Common Sense of Political Economy (Wicksteed Reprinted), op. cit.,pág. 116.38


AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESAAs Origens e oDesenvolvimento de umaTradição InglesaWicksteed e o Cálculo da EscolhaWicksteed merece ser reconhecido por ter deslocado a <strong>teoria</strong>do custo das suas fundações objetivas clássicas. Embora Jevonsfaça justiça ao rótulo de precursor, o principal avanço para além dosconceitos de Marshall foi alcançado por Wicksteed, que vinculou d<strong>em</strong>odo bastante direto o custo de oportunidade à <strong>escolha</strong>. Eleafirmava que o custo de produção "<strong>em</strong> termos do fato histórico eirrevogável de que os recursos tenham sido orientados para este ouaquele propósito especial não tinha influência sobre o valor da coisaproduzida" 1 . Nesse sentido, o custo de produção não afeta a oferta.O que efetivamente afeta a oferta é o custo previsto "no sentido <strong>em</strong>que se deve renunciar às opções ainda disponíveis para se produziro artigo específico" 2 ; esse custo "influencia a decisão do artesão deproduzi-lo ou não" 3 . Estabelece-se então o relacionamento críticoentre qualquer mensuração de custo e ato de <strong>escolha</strong>. Em qualquermomento no t<strong>em</strong>po pode-se olhar para a frente ou para trás. Olha-se1Philip H. Wicksteed, The Common Sense of Political Economy (Londres,Macmillan, 1910), pág. 380.2 Ibid.3 Ibid.39


CUSTO E ESCOLHApara trás no t<strong>em</strong>po quando se está diante de uma perspectiva deopções não mais possíveis. Olha-se para a frente no t<strong>em</strong>po quandose está diante de uma perspectiva de alternativas que aindapermanec<strong>em</strong> disponíveis; as <strong>escolha</strong>s pod<strong>em</strong> e dev<strong>em</strong> ser feitas.Segundo esse esclarecimento el<strong>em</strong>entar, o custo tende a ser umaparte da <strong>escolha</strong> dentre as opções, uma <strong>escolha</strong> que deverá sersubjetiva para o indivíduo que a está fazendo. O custo não possuirelacionamento direto com a mercadoria ou as unidades de recursosque apresenta no debate clássico e no neoclássico.Wicksteed, reconhecendo inteiramente as muitasambigüidades que circundavam o uso do termo "custo", forneceuexcelentes ex<strong>em</strong>plos" 4. Entretanto, uma análise mais detalhadamostra que a clareza de Wicksteed deixou algo a desejar. Ao ter deformular uma definição para custo de produção ou preço de custo,ele a colocou como "o valor estimado, medido <strong>em</strong> ouro, de todas asopções que tenham sido sacrificadas para se colocar uma unidadeda mercadoria <strong>em</strong> questão no mercado" 5 . (Os caracteres <strong>em</strong> itálicoexist<strong>em</strong> originalmente.)Não há dúvida que Wicksteed exerceu uma importanteinfluência na formação da <strong>teoria</strong> do custo que surgiu no final dadécada de 20 e início da década seguinte na Escola Inglesa deEconomia. E, como espero poder mostrar, vestígios da <strong>teoria</strong> docusto "correta" pod<strong>em</strong> ser encontrados nas perspicazes observaçõesde Wicksteed. Isso pode não se mostrar muito aparente <strong>em</strong>Wicksteed pelo simples motivo que não lhe foi necessário ir maisalém para responder às suas próprias perguntas. Sente-se que as<strong>teoria</strong>s do custo de Wicksteed e de Marshall poderiam ser4"Estas reflexões explicarão a grande ambigüidade do termo 'preço de custo'... (...). [0]s m<strong>em</strong>bros de uma mesma classe profissional....utilizarão o termo com diferentessentidos. Um deles poderá afirmar que 'não está conseguindo lucro algum', mas está'vendendo com prejuízo'. Outro dirá que 'as coisas estão ruins para ele, mas não tãoruins assim', quando ambos tentam indicar exatamente as mesmas condições. Algunsindivíduos afirmarão de boa-fé que estão 'vendendo a preço abaixo do custo', porém,mesmo nessas condições, jamais lhes ocorrerá suspender suas operações." Ibid., pág.381.5Ibid., pág. 385.40


AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESAconsideradas inteiramente iguais <strong>em</strong> relação ao desafio apresentadopor uma nova série de questões da década de 30.H.J. DavenportHerbert J. Davenport foi um economista americano e quaseque um cont<strong>em</strong>porâneo de Wicksteed. Sua influência limitou-se aum grupo relativa mente pequeno de seguidores do qual não surgiunenhuma grande figura na história da doutrina. Contudo, apercepção de Davenport <strong>em</strong> relação ao custo de oportunidade, sevista a partir da perspectiva desenvolvida neste livro, sugere serapropriado colocar o seu nome junto ao de Wicksteed e de Knightnesta revisão sumária.A ênfase de Davenport era orientada para o que eledenominava de "custo do <strong>em</strong>presário", definindo-a claramentecomo uma dimensão de utilidade. "Isso quer dizer que o custo comoum determinante marginal é puramente uma questão dentro dosaspectos pessoais na atividade <strong>em</strong>presarial, um fato gerencial, umfenômeno subjetivo no qual todas as influências relativas àpsicologia da <strong>escolha</strong> entre as diferentes ocupações e o lazer têmum lugar determinado" 6 . Além disso, Davenport reconheceuexpressamente que o custo está relacionado com as particularidadesda situação de <strong>escolha</strong>, e, s<strong>em</strong> dúvida, a sua ênfase sobre o custo do<strong>em</strong>presário originou-se de suas críticas a outros escritores,notavelmente Marshall, que confundiu esse conceito com o queDavenport denominou de "custo coletivista" 7 .Incrustado no tratado de Davenport, Valor e Distribuição éum conceito de custo de oportunidade quase tão sofisticado quantoaquele desenvolvido por Wicksteed. O fato que não permitiu que asidéias de Davenport tivess<strong>em</strong> uma maior influência do que tiveram6Herbert J. Davenport, Value and Distribution (Chicago: University of ChicagoPress, 1908), pág. 273.7Vide <strong>em</strong> especial ibid. pág. 404.41


CUSTO E ESCOLHAfoi, aparent<strong>em</strong>ente, a sua falha <strong>em</strong> articular essas idéias e, quiçá, asua petulância para com os ídolos da profissão de sua época.Davenport certamente teria melhores chances tivesse ele sido capazde criticar as confusões mais flagrantes sobre a <strong>teoria</strong> do custo quesomente surgiu após a década de 20 8 .Knight e o <strong>Custo</strong> como AvaliaçãoÉ interessante notar que, antes de escrever qualquer um dosestudos citados anteriormente, Frank Knight referia-seexpressamente à estimativa de custo como um processo deavaliação inerente à própria <strong>escolha</strong>. "[O] custo de qualquer valor ésimplesmente o valor do qual se desiste quando ele é escolhido; éapenas a reação ou a resistência à <strong>escolha</strong> que a transforma <strong>em</strong> <strong>escolha</strong>." 9(Os caracteres <strong>em</strong> itálico exist<strong>em</strong> originalmente.) Contudo, ao estabeleceresta relação entre o custo de oportunidade e o processo dedecisão, Knight confundiu as questões fundamentais orientandoposteriormente a sua ênfase para o valor do produto alternativo, umvalor determinado, presumivelmente, não pelo indivíduo que faz a<strong>escolha</strong>, porém por todo o processo de mercado.Robbins, 1934Em um estudo básico publicado <strong>em</strong> 1934 10 , Lionel Robbinsreagiu contra a ênfase de Knight e de outros sobre o conceito deproduto alternativo de custo de oportunidade, tanto quanto o próprio8Para um sumário da história da <strong>teoria</strong> de custo no qual as idéias de Davenport sãoapresentadas com destaque, vide Bob M. Keeney, The Evolution of Cost Doctrine(Mimeografada, Mid-western Economics Association, nov<strong>em</strong>bro de 1967).9Frank H. Knight, Fallacies in the Interpretation of Social Cost, Quarterly Journalof Economics, XXXVIII (agosto de 1924), 592f, reeditado <strong>em</strong> F.H. Knight, TheEthics of Competition (Londres: Allen and Unwin, 1935), pág. 225.10 L. Robbins, Certain Aspects of the Theory of Cost, Economic Journal, XLIV(março de 1934), 1-18.0 interesse de Robbin por essas questões ficou videnciado <strong>em</strong>seu estudo anterior, On a Certain Ambiguity in the Conception of tationaryEquilibrium, Economic Journal, XL (Junho de 1930) esp. 209-11.42


AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESAKnight foi levado a fazê-lo <strong>em</strong> seus estudos de 1934 e 1935. Aoreagir dessa forma, Robbins forneceu os fundamentos para umconceito de custo de oportunidade que posteriormente veio a seridentificado com a Escola Inglesa de Economia.Tanto Knight <strong>em</strong> seu estudo de 1924 quanto Robbinsdeixaram de entender a importância da diferenciação que estavamestabelecendo. Robbins acreditava estar meramente esclarecendodeterminadas ambigüidades que surgiram <strong>em</strong> relação à ortodoxia<strong>em</strong>ergente da escola austríaca, cuja orig<strong>em</strong> ele atribuía a Wieser.Especificamente, Robbins arguia que o custo deve ser definido <strong>em</strong>termos do valor excluído e não <strong>em</strong> termos do produto real excluído.Ele d<strong>em</strong>onstrou que, indo-se além do modelo do cervo-castor deSmith, o produto real excluído não tinha muita importância. Os seusex<strong>em</strong>plos ilustrativos foram os dos produtos finais gerados atravésde insumos inteiramente diferentes ou através dos mesmos insumos<strong>em</strong> coeficientes variados e fixos. Nessas condições, as variações nad<strong>em</strong>anda produz<strong>em</strong> variações no custo, que não pod<strong>em</strong> serinterpretadas <strong>em</strong> termos de alternativas reais de produtos excluídos.Os custos modificam-se <strong>em</strong> função das variações dos valoresrelativos dos insumos, valores esses obtidos a partir da d<strong>em</strong>anda doproduto final.Embora esses esclarecimentos foss<strong>em</strong> úteis e representass<strong>em</strong>os principais pontos da argumentação de Robbins, eles não serãomotivo de debate no presente texto. Robbins introduziu váriasafirmações, mais ou menos como apartes, que envolv<strong>em</strong> umconceito de custo básico diferente. Aparent<strong>em</strong>ente, ele não viuessas afirmações por esse prisma porque eram particularmenteóbvias para qu<strong>em</strong> conhecesse Wicksteed e talvez, por outro lado,não foss<strong>em</strong> relevantes <strong>em</strong> relação ao seu t<strong>em</strong>a central. Refiro-me aconexão explícita que fazia entre o custo e o próprio ato da <strong>escolha</strong>."O processo de avaliação é essencialmente um processo de <strong>escolha</strong>,sendo que os custos representam o aspecto negativo desseprocessou (P. 2, os caracteres <strong>em</strong> itálico não exist<strong>em</strong>originalmente.) "O principal requisito de qualquer <strong>teoria</strong> do custo éa sua capacidade de explicar as resistências efetivas com que a43


CUSTO E ESCOLHAprodução de qualquer linha da indústria se depara." (p. 5, oscaracteres <strong>em</strong> itálico exist<strong>em</strong> originalmente.) "O produtorindependente pensa sobre o sacrifício que está fazendo por nãoproduzir uma outra coisa." (p. 5, os caracteres <strong>em</strong> itálico nãoexist<strong>em</strong> originalmente).Infelizmente, após haver difundido essa afirmaçõesaltamente provocativas <strong>em</strong> seu debate, Robbins passou aobscurecer, quase que simultaneamente, o seu potencial de impacto.Neste ponto, Robbins aparent<strong>em</strong>ente adota o mesmo procedimentoque Knight adotara uma década antes. Na página imediatamenteconsecutiva às duas afirmações citadas acima, Robbins declara: "Acondição para que os preços se igual<strong>em</strong> ao custo de produção, noaspecto de valor, é tão essencial ao equilíbrio do sist<strong>em</strong>a walrasianoquanto a condição de que os produtos marginais sejamproporcionais aos preços de fatores" (P. 6). A distinção sutil, porémessencial entre o custo na ocasião do ato da <strong>escolha</strong> e o custo na<strong>teoria</strong> prognóstica de comportamento econômico desaparece nessaafirmação aparent<strong>em</strong>ente ortodoxa e neoclássica.Mises, Robbins e Hayeke o Cálculo <strong>em</strong> uma Economia SocialistaComo sugeri no Prefácio deste livro, os seguidorescont<strong>em</strong>porâneos da escola austríaca pod<strong>em</strong> reivindicar com certalegitimidade que o conceito do custo de oportunidade atribuído aJevons, Wicksteed, Davenport e Knight, que finalmente sedesenvolveu <strong>em</strong> tradição na escola inglesa, foi pesquisado de modoindependente pelos seguidores anteriores da escola austríaca e notadamentepor Ludwig von Mises. Em seu monumental, polêmico <strong>em</strong>uito negligenciado tratado intitulado Human Action 11 , Misesapresenta uma <strong>teoria</strong> do custo de oportunidade que na verdade équase equivalente à totalidade do conceito da escola inglesa queserá descrito posteriormente. Neste ponto observa-se que apenas o11Ludwig von Mises, Human Action (New Haven: Yale University Press, 1949).44


AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESAtratado da escola al<strong>em</strong>ã, que fornece o <strong>em</strong>basamento para o trabalho<strong>em</strong> língua inglesa, não fora publicado até 1940. Portanto, para operíodo <strong>em</strong> questão, dev<strong>em</strong>os examinar os estudos anteriores deMises. Além disso, deve-se fazer uma referência específica ao seuestudo de 1920, no qual Mises argumentava ser impossível ocálculo econômico cm uma sociedade socialista 12 , e ao seu livropublicado <strong>em</strong> seguida, <strong>em</strong> 1922 13 .A leitura moderna das contribuições anteriores de Misessugere que parte da força intuitiva de sua argumentação eraproveniente de um conceito de custo de oportunidade maissofisticado do que a sua capacidade de verbalizá-lo na ocasião. Oataque de Mises à possibilidade do cálculo socialista é inteiramentecompatível com o conceito do custo de oportunidade que surgiuposteriormente com maior amplitude, tanto na escola inglesa como<strong>em</strong> seus próprios estudos. Embora não voltasse o enfoque de suaargumentação anterior diretamente ao probl<strong>em</strong>a de custo, per se, ocaráter geral do debate de Mises está nitida e estreitamenterelacionado com os desdobramentos posteriores de sua <strong>teoria</strong> docusto. A sua contribuição a essa <strong>teoria</strong> é certamente digna dereconhecimento juntamente com a de Wicksteed e a de Knight. Aparte da importância de seus próprios trabalhos, a influência deMises pode ser observada no trabalho de Lionel Robbins e de F.A.Hayek, o austríaco que foi transplantado para Londres, tornando-seum dos principais personagens da tradição da escola inglesa.Além de escrever o seu estudo de 1934, citadoanteriormente, Robbins também participou do amplo debate sobre a14possibilidade do cálculo econômico no socialismo . Qualquer12Die Wirtschaftsrechnung im Sozialistichen G<strong>em</strong>einwesen, Archiv furSozialwissenschaften, 47 (1920), reeditado sob o título de Economic Calculation inthe Socialist Commonwealth, <strong>em</strong> F.A. Hayek (ed.), Collectivist Economic Planning(Londres: Routledge, 1935).13Ludwig von Mises, Die G<strong>em</strong>einwirtschaft (Jena, Al<strong>em</strong>anha: Gustav Fischer,1922). A segunda edição al<strong>em</strong>ã surgiu <strong>em</strong> 1932. Mises adicionara um epílogo a essaedição por ocasião de sua tradução de título Socialism (New Haven: Yale UniversityPress, 1951).14Lionel Robbins, The Great Depression (New York: Macmillan, 1934), esp. págs.143-54.45


CUSTO E ESCOLHAavaliação de sua contribuição no presente momento deverá estarintimamente relacionada com a avaliação do trabalho de Mises. Émuito provável que a argumentação de Robbins tenha se baseado<strong>em</strong> um conceito mais sofisticado do que aquele que é discutidoexpressamente, pode-se perceber <strong>em</strong> uma leitura moderna que,juntamente com Mises e Hayek, Robbins poderia ter sido muitomais eficaz se tivesse conseguido articular melhor a diferenciaçãoentre o custo mensurável objetivamente e o custo como umel<strong>em</strong>ento do processo decisório.A contribuição específica de Hayek ao desenvolvimento deuma <strong>teoria</strong> do custo, contida <strong>em</strong> seu debate sobre o cálculoeconômico <strong>em</strong> uma sociedade socialista é particularmente umacolcha de retalhos. Na Introdução da sua famosa coletânea deensaios 15 , Hayek prenuncia a sua ênfase posterior e maisexpressamente metodológica sobre a necessidade de diferenciaçãoentre o sentido subjetivo aparente dos dados que o indivíduoescolhe no processo econômico e as informações objetivasdisponíveis para qualquer observador externo. Como poder<strong>em</strong>osver, o procedimento metodológico é essencial a todo e qualquerentendimento genuíno de custo. Entretanto, Hayek, <strong>em</strong> 1935,aparent<strong>em</strong>ente não havia incorporado totalmente essa metodologia àsua <strong>teoria</strong> fundamental. Em seu ensaio intitulado The Present Stateof the Debate, que faz parte de sua coletânea, Hayek sugereclaramente que o custo de produção torna-se difícil de calcular <strong>em</strong>um contexto socialista basicamente <strong>em</strong> virtude da ausência dascondições de equilíbrio competitivo onde o "custo de produçãopossuiria, na realidade, um significado bastante exato" 16 . Essa ênfasetambém evidente no trabalho de Robbins abriu o caminho paraa resposta eficaz de Lerner cujo simples argumento era para que seadotasse uma norma no estabelecimento de preços dos custos de15 F.A. Hayek (ed.), Collectivist Economic Planning, op. cit.16Ibid., pág. 226.46


AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESAoportunidade marginais, independent<strong>em</strong>ente da condição domundo. 17No momento, nosso objetivo não é avaliar o debate sobre ocálculo econômico <strong>em</strong> um contexto socialista, porém apenasexaminá-lo à luz das contribuições que faz para a <strong>teoria</strong> pura docusto de oportunidade. A exceção de Lerner (cuja percepção eramuito mais profunda, além do fato de haver participadopessoalmente da tradição da escola inglesa <strong>em</strong> desenvolvimento),aqueles que defendiam que o cálculo econômico <strong>em</strong> um contextosocialista era possível aceitavam uma definição objetiva de custos<strong>em</strong> qualquer exame crítico mais sério das questões que estapoderia suscitar.Hayek, Mises e a Economia SubjetivistaF.A. Hayek foi nomeado Professor Catedrático <strong>em</strong> CiênciaEconômica e Estatística <strong>em</strong> Tooke, na Escola Inglesa de Economia<strong>em</strong> 1931 onde des<strong>em</strong>penhou a função até 1950. Ao lado deRobbins, Hayek merece ser reconhecido como o gerador de grandeparte da tradição da escola inglesa na <strong>teoria</strong> do custo, uma tradiçãoque aparent<strong>em</strong>ente <strong>em</strong>ergiu gradualmente durante essas duasdécadas. Como sugerimos acima, a contribuição de Hayek foibasicamente a de produzir os fundamentos metodológicossubjacentes para trabalhos mais explícitos sobre custo de outrosautores, Ele apresentou a metodologia do subjetivismo comautoridade convincente; seus ensaios ainda permanec<strong>em</strong> comoleitura recomendada quase trinta anos após a sua primeira publicação.E a <strong>teoria</strong> econômica de um modo geral certamentepoderia ter evitado várias confusões modernas se os ensaios deHayek tivess<strong>em</strong> tido maior diss<strong>em</strong>inação e compreensão maisampla.17A.P. Lerner, Statistics and Dynamics in Socialist Economics, Economic Journal,XLVII junho de 1937), 253-70.47


CUSTO E ESCOLHADev<strong>em</strong>os fazer uma distinção entre a economia ortodoxaneoclássica, que incorpora a revolução do valor subjetivo ou dautilidade marginal na <strong>teoria</strong> de valor e na economia subjetivistados cont<strong>em</strong>porâneos da escola austríaca, notadamente Mises eHayek. A dependência do preço (valor) <strong>em</strong> relação à Utilidad<strong>em</strong>arginal determinada subjetivamente pode ser inteiramente reconhecida,enquanto, <strong>em</strong> sua essência, se preserva uma <strong>teoria</strong> objetivado custo. Segundo a famosa afirmação de Jevons, a utilidad<strong>em</strong>arginal depende da oferta, a qual, por sua vez, depende do custode produção. Como já tiv<strong>em</strong>os a oportunidade de mencionar, essa<strong>teoria</strong> é de natureza totalmente objetivista, <strong>em</strong>bora seja óbvio que aavaliação dos compradores e dos vendedores está incorporadacomo parte dos dados objetivos. Os custos são determináveis objetivamente,<strong>em</strong>bora a <strong>teoria</strong> não afirme que os custos por si sóspossam determinar o valor. Diferent<strong>em</strong>ente da <strong>teoria</strong> clássica, faltaà explicação a causalidade unilateral, porém não lhe faltaobjetividade. É essa objetividade que é descartada <strong>em</strong> suatotalidade tanto por Mises como por Hayek. Nesse ponto elesdifer<strong>em</strong> intensamente dos antigos m<strong>em</strong>bros da escola austríaca,<strong>em</strong>bora não pareçam perceber a magnitude dessa distinção. Emmuitos aspectos, eles se parec<strong>em</strong> muito mais próximos deWicksteed do que de Wieser.Não parece haver dúvida de que a economia subjetivistatenha sido introduzida expressamente na escola inglesa por Hayek.Em um estudo de importância fundamental publicado <strong>em</strong> 193718 eleenunciou as características fundamentais da metodologiasubjetivista, características essas que elaboraria <strong>em</strong> detalhesconsideravelmente maiores <strong>em</strong> seus trabalhos posteriores 19 . Em seuestudo de 1937, Hayek reconhece o mérito de Mises <strong>em</strong> seu18F.A. Hayek, Economics and Knowledge, Economics, IV (1937), 33-54, reeditado<strong>em</strong> Hayek, <strong>em</strong> Individualism and Economic Order (Chicago: University of ChicagoPress, 1948), págs. 33-56.19Os ensaios adicionais que surgiram <strong>em</strong> 1940,1941,1942 e 1943 são apresentadosna obra de dois volumes denominada de Individualism and Economic Order, op. cit.,e The Counter-Revolution of Science (Glencoe, III.: The Free Press, 1952).48


AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESAtrabalho preliminar 20 , publicado <strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão <strong>em</strong> 1933, cujapublicação somente foi possível muito t<strong>em</strong>po depois (1960) e <strong>em</strong>língua inglesa. O estudo inicial de Hayek fornece, de certo modo, ametodologia "clássica" dos subjetivistas, uma metodologia essenciala uma <strong>teoria</strong> do custo diretamente relacionada com a <strong>escolha</strong> queserá contrastada com a <strong>teoria</strong> do custo incorporada na ortodoxianeoclássica.A sutil distinção entre a economia de valor subjetivo e aeconomia subjetivista adotada por Hayek e Mises permaneceu naobscuridade enquanto a tarefa da <strong>teoria</strong> econômica limitava-se <strong>em</strong>sua maior parte à explicação das interações de mercado. Aargumentação famosa de Jevons sobre a oferta serve de ilustração.Enquanto os produtores individuais, <strong>em</strong> resposta a d<strong>em</strong>anda dosconsumidores, for<strong>em</strong> os agentes cujo comportamento tentamosexplicar, não há necessidade de indagarmos se os custos deprodução são de natureza subjetiva ou objetiva. Os custos são osobstáculos às <strong>escolha</strong>s dos produtores e os economistas pod<strong>em</strong>debater as "leis do custo" nesse contexto, s<strong>em</strong> que se suponhapossível a mensuração objetiva.Com o advento da economia do "b<strong>em</strong>-estar," nãoimportando como ela possa ser definida, a imprecisão metodológicaadmissível previamente deixara de ser satisfatória. Se umdeterminado processo de interação de mercado levado às condiçõesideais - concorrência pura ou perfeita - e <strong>em</strong>pregado como padrãona obtenção de condições que passam então a ser adotadas comonormas para interferir no processo real de mercado, a questão damensuração objetiva deve ser abordada diretamente. Caso os preços"devam" ser igualados aos custos de produção, <strong>em</strong> conseqüência deuma determinada política, deve-se supor que os custos sejamobjetivos na medida <strong>em</strong> que possam ser mensurados por outrosindivíduos além daquele que toma a decisão.20Ludwig von Mises, Grundprobl<strong>em</strong>e der Nationökonomie (Jena, Al<strong>em</strong>anha:Gustav Fischer, 1933), traduzido por George Reisman com o título Epist<strong>em</strong>ologicalProbl<strong>em</strong>s of Economics (New York: Van Nostrand, 1960).49


CUSTO E ESCOLHASomente Hayek e Mises pareciam ter plena ciência desseprobl<strong>em</strong>a e da sua importância, <strong>em</strong>bora muitos outros economistaspareçam d<strong>em</strong>onstrar uma vaga perturbação <strong>em</strong> relação ao mesmo.A economia subjetivista, para Hayek e Mises, representa umanegação expressa da objetividade dos dados que norteiam a <strong>escolha</strong>econômica. O sujeito agente, o indivíduo que faz a <strong>escolha</strong>,seleciona determinadas opções preferidas segundo os seus próprioscritérios, alcançando, na falta de modificações externas, o equilíbrioeconômico. Contudo, esse equilíbrio personalizado ou equilíbrio deCrusoe mostra-se totalmente diferente daquele que descreve asinterações entre muitos agentes, muitos indivíduos que farão a<strong>escolha</strong>. No último caso, as ações de todos os outros setransformarão nas informações necessárias à <strong>escolha</strong> por um únicoindivíduo. O equilíbrio não é descrito <strong>em</strong> termos de "condições"determinadas objetivamente ou de relações entre magnitudesespecíficas, por ex<strong>em</strong>plo, preços e custos, mas <strong>em</strong> termos darealização de expectativas consistentes que se reforçammutuamente. A diferença entre essas duas abordagens, a objetivistae a subjetivista, é profunda, mas continua a ser ininteligível na concentraçãoneoclássica sobre o processo de interação <strong>em</strong> ummercado idealizado através do qual todos os indivíduos comport<strong>em</strong>seeconomicamente. Em um ambiente econômico imutável,habitado por indivíduos puramente econômicos, as duas abordagenstornam-se superficialmente idênticas. Em um universo no qual oscomportamentos não sejam puramente econômicos, onde ocorre a<strong>escolha</strong> genuína, diferenças importantes surg<strong>em</strong> com muita nitidez.Nesse momento crítico do desenvolvimento da <strong>teoria</strong>econômica, dev<strong>em</strong>os, penso eu, perguntar por que os argumentosconvincentes de Hayek tiveram tão pouco peso. S<strong>em</strong> dúvida, aeconomia objetivista continua a ser a estrela do dia e poucos são osseus praticantes que se detêm a examinar sua base metodológica d<strong>em</strong>odo mais crítico. S<strong>em</strong> dúvida alguma, são vários os motivos dessafalha, porém a atenção indevida dedicada à definição de equilíbrio,apesar de imensamente importante por si só, poderá haver atrasadoo processo de aceitação dos conceitos subjetivistas de natureza mais50


AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESAgeral. Os leitores neutros dos debates calorosos sobre o cálculoeconômico <strong>em</strong> contextos socialistas pod<strong>em</strong> ter sido levados a pensarque a questão central fosse realmente aquela que envolvia apossibilidade de derivação equívoca dos critérios para as políticasgeradas a partir de circunstâncias de equilíbrio estacionário. Esta és<strong>em</strong> dúvida uma importante questão cuja crítica subjetivista ficaaqui obscurecida. Como já tiv<strong>em</strong>os a oportunidade de observaranteriormente, essa concentração orientada para o equilíbrio, pelaqual Hayek, Robbins e, <strong>em</strong> menor proporção, Mises são culpados,permitiu que Lerner abandonasse todas as referências ao equilíbriogeral <strong>em</strong> sua derivação das regras das políticas que exig<strong>em</strong>expressamente a introdução de custos mensuráveis objetivamente.A Importância Prática do <strong>Custo</strong> deOportunidade: Coase, 1938Paralelamente às contribuições de caráter mais abstrato à<strong>teoria</strong> do custo feitas por Robbins, Hayek e Mises, outrosel<strong>em</strong>entos de uma tradição talvez mais autêntica da escola inglesasurgiram <strong>em</strong> 1930. Eles reflet<strong>em</strong> a aplicação direta de alguns dosconceitos básicos de Wicksteed aos probl<strong>em</strong>as com que se defrontao hom<strong>em</strong> de negócios. Essa abordag<strong>em</strong> de "bom senso" tinha suasraízes na escola inglesa, no trabalho de Cannan, que insistiucontinuamente <strong>em</strong> iniciá-la com os probl<strong>em</strong>as que porventuraexistiss<strong>em</strong>. Aparent<strong>em</strong>ente, Cannan, <strong>em</strong>bora aceitasse prontamenteo conceito de custo de oportunidade, não prestou nenhumacontribuição específica à <strong>teoria</strong> do custo 21 .Essa abordag<strong>em</strong> comercial prática foi promovidaposteriormente por Arnold Plant, que aparent<strong>em</strong>ente prestou umacontribuição significativa porém indireta ao desenvolvimento datradição da escola inglesa. Em minha opinião, Plant não feznenhuma abordag<strong>em</strong> expressa à <strong>teoria</strong> do custo <strong>em</strong> qualquer de seus21Vide <strong>em</strong> especial a revisão da obra de Henderson intitulada Supply and D<strong>em</strong>and,reeditado <strong>em</strong> An Economist's Protest, de Edwin Cannan (Londres: P.S. King, 1927),págs. 311-14.51


CUSTO E ESCOLHAtrabalhos publicados, entretanto as contribuições de seus alunos ecolegas reflet<strong>em</strong> sua influência. Tanto R.H. Coase quanto G.F.Thirlby, cujas contribuições estão sumariadas abaixo, foramdiscípulos de Plant.O contraste entre a definição-mensuração de custo docontabilista e a do economista neoclássico é o padrão deprocedimento. Porém, este contraste – quando o significado decusto de oportunidade é totalmente incorporado – adquirecaracterísticas que ainda hoje <strong>em</strong> dia encontram-se fora do conjuntode instrumentos da economia ortodoxa. Esse fato pode serclaramente observado <strong>em</strong> uma série de artigos escritos por R.H.Coase, publicados <strong>em</strong> 1938, que foi especialmente redigida visandoao esclarecimento dos práticos <strong>em</strong> contabilidade 22 . Essesdocumentos ainda são do conhecimento de relativamente poucoseconomistas modernos, apesar de sua abordag<strong>em</strong> excepcionalmenteclara dos probl<strong>em</strong>as conceituais inerentes ao uso do termo "custo" ede sua insistência enfática e necessária para que o custo sejarelacionado ao processo de <strong>escolha</strong>."A primeira recomendação que se faz com muita ênfase éque a atenção esteja voltada para as variações que advirão caso umadeterminada decisão seja tomada, sendo que as variaçõespertinentes às decisões comerciaissão as que surg<strong>em</strong> nos custos e/ou receitas." (Pág. 106.) "Deve-seobservar que os registros contábeis meramente apresentam valoresrelacionados a operações passadas. As decisões comerciaisdepend<strong>em</strong> de estimativas sobre o futuro." (Pág. 108.) "[0]s custos eas receitas não pod<strong>em</strong> ser expressos <strong>em</strong> termos monetários s<strong>em</strong>ambigüidade, visto que os cursos de ação pod<strong>em</strong> conter vantagens edesvantagens de natureza não monetária, <strong>em</strong> decorrência da exis-22 R.H. Coase, Business Organization and the Accountant, The Accountant (outubrodez<strong>em</strong>brode 1938). Esses artigos foram reeditados na obra de David Solomons (ed.),Studies in Costing (Londres: Sweet and Maxwell, 1952), págs. 105-58.Além de Coase, outros m<strong>em</strong>bros do grupo de jovens economistas de Plant eram R.S.Edwards, R.F. Fowler e David Solomons. Esse grupo se interessava <strong>em</strong> dar à <strong>teoria</strong>econômica uma maior importância prática nas operações comerciais eparticularmente na prática contábil.52


AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESAtência de incertezas e das diferenças entre o momentos <strong>em</strong> que ospagamentos são realizados e as receitas efetivadas." (Pág. 116.)"O custo de fazer qualquer coisa é constituído das receitasque poderiam ser realizadas caso essa decisão específica não fossetomada. Quando alguém diz que um determinado curso de ação não'paga o seu custo', isso apenas significa que ele prefere algum outrocurso de ação - a receita de um indivíduo, quer de naturezamonetária, quer não monetária, será maior se ele não realizar ocusto. Este conceito particular de custos pareceria ser o únicoconceito de utilidade na solução de probl<strong>em</strong>as comerciais, dado quea sua atenção está orientada para os cursos alternativos de ação quese abr<strong>em</strong> para o comerciante. Os custos somente estarão cobertos seo comerciante escolher, dentre os vários cursos de ação disponíveis,aquele que gere o máximo de lucro. Para se cobrir os custos <strong>em</strong>aximizar o lucro exist<strong>em</strong> basicamente duas formas queexpressam um mesmo fenômeno" (Pág. 123, os caracteres <strong>em</strong> itáliconão exist<strong>em</strong> originalmente.)<strong>Uma</strong> análise criteriosa e moderna dos documentos iniciais deCoase indicará que o conceito de custo incorporado a eles éteoricamente diferente do conceito do paradigma neoclássico.Coase vincula o custo à <strong>escolha</strong> de modo bastante explícito e rejeitaqualquer tentativa de classificar os custos <strong>em</strong> categorias - porex<strong>em</strong>plo, custos fixos e variáveis - independent<strong>em</strong>ente daidentificação da decisão <strong>em</strong> questão. Talvez, para o nosso objetivo,a contribuição mais significativa esteja contida nas declaraçõesacima, apresentadas <strong>em</strong> caracteres itálicos. Qualquer oportunidadede lucro que se encontre dentro do campo da possibilidade e sejarejeitada transforma-se no custo de <strong>em</strong>preender o curso de açãopreferido. A despeito da necessidade de aceitar<strong>em</strong> esse resultadodireto do raciocínio aparent<strong>em</strong>ente consistente de custo deoportunidade, os economistas mostraram-se - e mostram-se -extr<strong>em</strong>amente relutantes <strong>em</strong> adotar este conceito. A inclusão detodos os lucros anteriores como custos aniquila todo o aparato decurva de custo que é parte normal das atividades de nosso dia-a-dia.E, s<strong>em</strong> ele, de que modo poderíamos ensinar <strong>teoria</strong> el<strong>em</strong>entar depreço?53


CUSTO E ESCOLHASegundo o modelo neoclássico rigoroso, os custos sãoamplamente diferenciados dos lucros anteriores <strong>em</strong> virtude de nãoestar<strong>em</strong> diretamente vinculados à <strong>escolha</strong>. <strong>Custo</strong>s são des<strong>em</strong>bolsosmensuráveis objetivamente, aproximados pelo valor do produtoalternativo. Neste ponto, recomenda-se ter <strong>em</strong> mente osfundamentos clássicos de análise. Os custos, na medida <strong>em</strong> que sejamobjetivos e, portanto, mensuráveis externamente por alguémque se encontre distante do processo de <strong>escolha</strong>, fornec<strong>em</strong> a basepara uma hipótese prognóstica sobre o comportamento deindivíduos agentes (<strong>em</strong>presas) e, através dela, uma hipótese depreços. O mundo neoclássico objetivista e o mundo subjetivistalondrino-vienense praticamente não se reconciliam.A confusão foi aprofundada ainda mais pelas contribuiçõesde Robinson-Chamberlin e contribuições a ele relacionadas duranteo início da década de 30, justamente quando os conceitos maisbásicos da <strong>teoria</strong> do custo pareciam estar a caminho doesclarecimento. Essas contribuições à <strong>teoria</strong> da <strong>em</strong>presa levando-a auma posição d<strong>em</strong>asiadamente importante <strong>em</strong> um modelo queparecia incorporar os conceitos de custo objetivistas <strong>em</strong> vez dossubjetivistas. Se a finalidade da análise é "explicar" ocomportamento da <strong>em</strong>presa, a <strong>escolha</strong> deve ser alvo de atenção, nãose podendo relegar os custos à condição de objetos. Todo o aparatomarginalista de receita e de custo, a rigor, permanece tão somentecomo parte de uma lógica central de <strong>escolha</strong> porque, para oindivíduo que toma a decisão, tanto o custo quanto os benefíciossão avaliados <strong>em</strong> termos puramente subjetivos. Não causa espécie ofato de que os modernos desenvolvimentos na <strong>teoria</strong> da <strong>em</strong>presatenham-se preocupado com o relaxamento da objetividade artificiale aparente da sucessão de custos e receitas ao substituír<strong>em</strong> osindicadores mais plausíveis de utilidade, ainda que de naturezaamplamente não operacional.O trabalho inicial de Coase sobre a <strong>teoria</strong> da <strong>em</strong>presa situousedentro de um contexto explanatório de <strong>escolha</strong>, s<strong>em</strong> as limitaçõesdas contribuições mais aclamadas dos modelos de concorrênciaimperfeita e de concorrência monopolista. Nesse contexto, Coased<strong>em</strong>onstrou estar totalmente correto tanto <strong>em</strong> sua argumentação de54


AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESAque os lucros anteriores deveriam ser incluídos no custo deoportunidade quanto <strong>em</strong> sua insistência para que o custo fosseconsiderado como aquele que pode ser evitado não se tomando umadeterminada decisão.A despeito de suas importantes contribuições para oesclarecimento do conceito do custo de oportunidade no contexto da<strong>teoria</strong> da <strong>em</strong>presa, Coase não incorporou totalmente, <strong>em</strong> seusestudos de 1938, a "economia subjetivista" de Hayek e Mises à suaanálise e tampouco estabeleceu uma distinção entre o seu conceito eaquele incorporado à ortodoxia neoclássica 23 .G. F. Thirlby e The RulerEm termos acadêmicos, tanto Viena quanto a Cidade doCabo eram vizinhas próximas de Londres na década de 30 e, devidoà influência dos economistas que haviam sido transplantados para aescola inglesa, a próxima contribuição importante à <strong>teoria</strong> do custosurgiu na Cidade do Cabo. Basicamente sob a tutela de ArnoldPlant e de W.H. Hutt, desenvolveu-se uma tradição verbal naCidade do Cabo que ampliava a abordag<strong>em</strong> de Londres. Osresultados publicados apareceram <strong>em</strong> 1946, <strong>em</strong> dois estudos de G.F. Thirlby. Nesses estudos, Thirlby, que recebera treinamento naescola inglesa e que retornara a Londres alguns anos depois,prosseguiu com o processo de esclarecimento. Ele prosseguiu comseus esforços de converter outros economistas ao que ele23Em seu último e mais conhecido estudo sobre o preço de custo marginalista, oargumento de Coase a favor da tarifa multilateral era enunciado através do conceitode custo de oportunidade desenvolvido <strong>em</strong> seus estudos iniciais. Sua ênfase, deacordo com a interpretação de escritores posteriores, era, entretanto, voltada aoconflito familiar entre os critérios de custo marginal e de lucratividade. Sua defesado custo de oportunidade na formação de preços mul-ti-part t<strong>em</strong> sido amplamenteignorada. Vide R.H. Coase, The Marginal Cost Controversy, Economica XIII(agosto de 1946), 169-82. Ao tecer comentários sobre o estudo de Coase, G.F.Thirlby criticou a objetividade implícita do custo. Vide G. F. Thirlby, The MarginalCost Controversy: A Note on Mr. Coase's Model, Economica, XIV (fevereiro de1947), 48-53.55


CUSTO E ESCOLHAconsiderava um aspecto mais aceitável e consistente do custo deoportunidade, contudo sua argumentação parece haver sidoamplamente rejeitada.Em seu primeiro estudo de 1946, Thirlby, da mesma formaque Coase, associou as noções de custos do economista com as docontabilista 24 . Thirlby havia incorporado à sua análise a economiasubjetivista de Wicksteed e da escola de Viena cont<strong>em</strong>porânea <strong>em</strong>sua totalidade. Sua ênfase voltava-se à subjetividade dos custos. Otrecho a seguir, extraído de seus primeiros estudos, faz referênciasalgo detalhadas:Para o subjetivista, o custo é entendido como relacionadocom uma oportunidade <strong>em</strong> perspectiva substituída peladecisão administrativa de adotar um <strong>em</strong> vez de outro cursode ação. Ele está inevitavelmente relacionado aocomportamento do indivíduo. O indivíduo se depara com apossibilidade de adotar um ou outro de (pelo menos) doiscursos de ação, mas não ambos. Ele considera a importânciarelativa que atribui subjetivamente aos dois cursos de ação eestabelece que um dos cursos lhe é mais importante do que ooutro. Ele "prefere" um curso ao outro. A sua oportunidadede aproveitar a alternativa menos preferida transforma-se nocusto presumível da adoção do curso de ação menos preferido.Ao decidir aproveitar o curso preferido, o indivíduoincorre <strong>em</strong> custo - ele destitui a oportunidade alternativa. Ocusto não é representado pelas coisas - por ex<strong>em</strong>plo, odinheiro que fluirá ao longo de determinados canais <strong>em</strong>decorrência da decisão; é a perda, prevista ou realizada, parao indivíduo que toma a decisão, da oportunidade de usaressas coisas nos cursos alternativos de ação. Evident<strong>em</strong>ente,esse custo não poderá ser descoberto por um outroindivíduo que eventualmente observe e registre o fluxodessas coisas ao longo desses canais. <strong>Custo</strong> não é algo que24 G F. Thirlby, The Subjective Theory of Value and Accounting Cost, Economica,XIII (fevereiro de 1946), 32-49.56


AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESApossamos descobrir objetivamente desse modo; é algo queexistia na mente do indivíduo que toma a decisão antes doinício do fluxo, algo que muito provavelmente terá sidopercebido apenas vagamente...O custo é efêmero. O custo decorrente de uma determinadadecisão perde o seu significado quando esta é tomada vistoque ela exclui o curso de ação alt<strong>em</strong>ativo 25 (Os caracteres<strong>em</strong> itálico exist<strong>em</strong> originalmente.)A ênfase de Thirlby <strong>em</strong> relação à natureza efêmera do custodiferencia o seu estudo das contribuições anteriores na tradição daescola inglesa. Em estudo anterior, o próprio Thirlby renuncia àdefesa desse conceito, voltando a defendê-lo enfaticamente <strong>em</strong>estudos posteriores. Observ<strong>em</strong>os que, <strong>em</strong> certo ponto de seu estudo,ele usa os termos "previsto ou realizado": Thirlby não consegueperceber que a própria noção do custo realizado gera contradição,como ele d<strong>em</strong>onstraria posteriormente. Do mesmo modo, a suareferência ao custo como sendo "percebido apenas vagamente"implica que algo diferente do que foi percebido surge <strong>em</strong> algummomento posterior da seqüência decisão-ação que poderá serdenominada de custo.O rigoroso raciocínio de oportunidade-custo de Thirlby <strong>em</strong>relação à questão da importância e praticabilidade das chamadas"regras" para o estabelecimento de preços era simples e direto. Foiesse o teor de seu segundo estudo intitulado The Ruler 26 . Thirlbytornou evidente que estava relativamente desinteressado na tãocalorosamente discutida questão da "regra a ser adotada", umaquestão que obscurecia a análise do probl<strong>em</strong>a de "qualquer regra".Da mesma forma que <strong>em</strong> outro estudo, sua ênfase orientou-se parao fato de que o custo não era "algo objetivo no sentido <strong>em</strong> quepudesse ser examinado minuciosamente". Apesar de se saber que ospadrões das definições e das medidas omitiam as avaliações das25 Ibid., págs. 33-34.26G.F. Thirlby, The Ruler, South African Journal of Economics, XIV (dez<strong>em</strong>bro de1946), 253-76.57


CUSTO E ESCOLHA"oportunidades perdidas", Thirlby argumentou que, a menos queessas avaliações foss<strong>em</strong> consideradas, nenhuma regra jamaispoderia ser aplicada para assegurar o atendimento satisfatório daspreferências dos indivíduos.Ele rejeitou a diferenciação ortodoxa entre "longo período" e"curto período," sendo bastante claro ao afirmar que "o custosomente ocorre ao ser<strong>em</strong> tomadas as decisões, isto é, <strong>em</strong> etapas deplanejamento" (Pág. 259.) Ele explicou a diferença entre o quepoderíamos chamar de níveis de cálculo de decisão, orçamento econtabilidade. O custo é pertinente à decisão e deve refletir o valordas opções excluídas. Entretanto, um orçamento reflete os aspectosrelacionados com a receita prevista ou antecipada e os gastos quedecorr<strong>em</strong> de uma determinada decisão. Seria um equívococonsiderar esses gastos previstos do modo como são apresentados<strong>em</strong> um orçamento como custos. Todavia, o orçamento também deveser diferenciado do cálculo que mensura as receitas realizadas e osgastos resultantes de um determinado curso de ação. Estadiferenciação <strong>em</strong> si é muito simples, porém extr<strong>em</strong>amente útil aosnossos objetivos. Ela d<strong>em</strong>onstra que a estrutura de aparência direta,ou estrutura ex-ante 27 , não é per se suficiente para assegurar aadoção do conceito de custo apropriado. O orçamento é, pordefinição, um documento de planejamento, uma projeção ex-antede eventos, que, porém, não equilibra as receitas antecipadas <strong>em</strong>relação ao custo antecipado no respectivo sentido de oportunidadecusto.O aspecto "custo" de um orçamento mensura os gastosantecipados que deverão ser realizados <strong>em</strong> decorrência de umdeterminado curso de ação escolhido previamente. Esse aspecto nãoé capaz de refletir o valor dos cursos alternativos de ação quepoderiam ter sido escolhidos, exceto no caso excepcional <strong>em</strong> quenão se pudess<strong>em</strong> assegurar receitas alternativas superiores ao gastoantecipado.Não há n<strong>em</strong> deverá haver dificuldade <strong>em</strong> convencer os críticos queo custo deva ser subjetivo no momento da <strong>escolha</strong>. Entretanto,pode-se aceitar totalmente a opinião subjetivista a este respeito eainda pensar que, após a decisão, o custo se torna objetivo e,portanto, mensurável. Em seu estudo anterior Thirlby poderá não se27N.T.: Ex-Ante — Expressão criada por Gunnar Myrdal que se aplica àsquantidades de investimento, poupança ou consumo planejado como ação para umperíodo que se inicia. Portanto, como são quantidades hipotéticas, funcionam comorota para planos econômicos gerais, que serão depois confrontados com os cálculosex-post, realizados ao fim do período.58


AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESAter apercebido inteiramente do desaparecimento instantâneo docusto ao ser tomada a decisão. Contudo, <strong>em</strong> The Ruler, esse ponto éressaltado. "[O] valor do custo nunca se tornará objetivo; isto é, jamaisserá possível verificar se a previsão da receita alternativaestaria correta visto que o <strong>em</strong>preendimento alternativo nunca teráexistido para produzir a receita alternativa efetiva (Pág. 264)."Na mesma linha desses dois estudos de 1946, Thirlbyprosseguiu com suas idéias sobre custo, <strong>em</strong> sua maior parte,segundo o contexto de uma <strong>teoria</strong> de organização comercial efinanceira. A despeito do fato de que uma grande parcela de suasidéias centrais tivesse sido desenvolvida nos dois estudos anteriores,algumas mudanças de ênfase são dignas de nota. Em um estudo de1952, Thirlby defendia plausivelmente um reconhecimento maisamplo de uma dimensão de t<strong>em</strong>po na análise econômica,particularmente no que se refere ao processo decisório. "[Um]período de t<strong>em</strong>po é despendido entre a decisão e a realização dosresultados... <strong>Uma</strong> deliberação mental ou operação de planejamento,seguida de uma decisão, antecede as operações comerciais planejadas."O reconhecimento desse fato "manteria diante de nossasmentes o elevado grau de subjetividade no processo d<strong>em</strong>aximização e evitaria que atribuíss<strong>em</strong>os uma falsaobjetividade aos valores de custo e receita." 28Em seu estudo posterior publicado <strong>em</strong> 1960, Thirlby sugereque as modificações sutis na definição de custo geraram confusão<strong>em</strong> relação ao custo social. "Esta mudança sutil no significado decusto, da avaliação de seu próprio (do <strong>em</strong>presário) produto finalexcluído ao ingresso monetário exigido por um curso de açãoselecionado, é uma mudança que leva a um outro conceito que traz<strong>em</strong> seu bojo a suspeita de que o custo deva ser considerado comocusto social. Esta definição ass<strong>em</strong>elha-se ao primeiro significado decusto, segundo o qual ele deve ser um valor alternativo excluído,porém diferente desse valor no sentido que ele não representa aavaliação feita pelo próprio <strong>em</strong>presário <strong>em</strong> relação ao seu próprioproduto final excluído, mas as avaliações de outras pessoas28G.F. Thirlby, The Economist's Description of Business Behavior, Economica, XIX(maio de 1952), 150.59


CUSTO E ESCOLHA(consumidores) <strong>em</strong> relação a produtos que poderiam ter sidoproduzidos por outros <strong>em</strong>presários se não tivess<strong>em</strong> sidoexcluídos." 29 Esta afirmação sumaria com precisão a distinção entrea concepção de Londres sobre o custo de oportunidade e aconcepção ortodoxa atualmente defendida pela maior parte doseconomistas.O Human Action de MisesComo já observamos anteriormente, Ludwig von Mises foi um dosprincipais criadores da economia subjetivista apresentada na escolainglesa por Hayek. Seu trabalho influenciou Robbins e Thirlby. Játiv<strong>em</strong>os a oportunidade de mencionar o trabalho anterior de Misessobre a possibilidade do cálculo econômico <strong>em</strong> um contextosocialista e dev<strong>em</strong>os fazer referência agora ao seu tratado intituladoHuman Action 30 , publicado <strong>em</strong> inglês <strong>em</strong> 1949, porém baseado <strong>em</strong>um trabalho <strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão, publicado <strong>em</strong> 1940. Nesse livro, Misesdiscute o custo de forma explícita porém sucinta e o seu conceitofundamental ass<strong>em</strong>elha-se à concepção de Londres cujarepresentação mais genuína se encontra no trabalho de Thirlby. Deum modo genérico, "os custos são iguais ao valor vinculado àsatisfação que se deve sacrificar para alcançar a meta visada" (Pág.97.). "No fundo das muitas tentativas para determinar os preços nãomercadizáveis situa-se o confuso e contraditório conceito de custosreais. Se os custos foss<strong>em</strong> uma coisa real, isto é, uma quantidade independentede critérios de valores pessoais, passível dediscriminação e mensurável, seria possível então que um árbitroneutro determinasse a sua altura (...) ...<strong>Custo</strong> é um fenômeno deavaliação. <strong>Custo</strong>s são valores vinculados à satisfação mais valiosade um desejo que permanece insatisfeito." (Pág. 392.).29G.F. Thirlby, Economists' Cost Rules and Equilibrium Theory, Economica,XXVII (maio de 1960), 150.30Von Mises, op. dt.60


AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESAAs idéias de Mises sobre o custo foram desenvolvidasposteriormente por dois de seus seguidores americanos. Em seutratado de dois volumes intitulado Man Economy and the State,Murray Rothbard adota um conceito subjetivista de custoestreitamente relacionado com o de G. R Thirlby 31 . Por outro lado,talvez a única e a mais satisfatória incorporação do conceito decusto relacionado à <strong>escolha</strong>, <strong>em</strong> um contexto de <strong>teoria</strong> de preçogeral, seja encontrada na obra de Kirzner Market Theory and thePrice Syst<strong>em</strong> 32 .A Morte de uma Tradição?Na escola inglesa, as idéias sobre custo desenvolvidas porRobbins, Hayek, Coase, Thirlby e outros tornaram-se parte de umatradição verbal que se desenvolvia e incluía muitos participantes.Contudo, os modernos seguidores dessa tradição parec<strong>em</strong> escassose apenas Jack Wis<strong>em</strong>an estaria totalmente habilitado para essatarefa. Em dois estudos básicos publicados na década de 50,Wis<strong>em</strong>an tentou, como outros anteriormente, aplicar a lógica deoportunidade-custo da escola inglesa aos probl<strong>em</strong>as longamentedebatidos do estabelecimento de preços para o custo marginal. Eleusou essa lógica como critério geral para a organização de umaeconomia coletivisia e como critério específico para <strong>em</strong>presas deutilidade pública 33 .Wis<strong>em</strong>an transferiu-se da Escola de Economia de Londrespara York <strong>em</strong> 1963 e Thirlby aposentou-se da vida ativa acadêmica<strong>em</strong> 1962. S<strong>em</strong> dúvida, ainda exist<strong>em</strong> vestígios da tradição deoportunidade-custo da escola inglesa, porém isso não influencia a31Vide Murray Rothbard, Man, Economy and the State (New York: Van Nostrand,1962), esp. Vol. I, 290-308.32Vide I.M. Kirzner, Market Theory and the Price Syst<strong>em</strong> (New York: VanNostrand, 1963), esp. Capítulo 9.33Jack Wis<strong>em</strong>an, Uncertainty, Costs, and Collectivist Economic Planning,Economica, XX (maio de 1953), 118-28; e o seu estudo The Theory of PublicUtility Price - An Empty Box, Oxford Economic Papers, 9 (fevereiro de 1957), 56-74.61


CUSTO E ESCOLHAcorrente principal de ensino de <strong>teoria</strong> econômica n<strong>em</strong> ascontribuições eruditas dos m<strong>em</strong>bros dos corpos docentes. NosEstados Unidos, a influência de Mises e de seus seguidores daescola de Viena cont<strong>em</strong>porânea aparent<strong>em</strong>ente situa-se à marg<strong>em</strong>da corrente moderna de <strong>teoria</strong> econômica. O conceito de custo deoportunidade – que surgiu <strong>em</strong> decorrência das abordagens de bomsenso e dos austríacos subjetivistas –, o conceito que floresceu porduas década na escola inglesa, parece ter sido derrotado <strong>em</strong> sua lutapor um lugar entre os paradigmas da economia moderna. Comomuitos outros enigmas da história intelectual, este não é de fácilexplicação. A argumentação não foi refutada e, dentro de seuslimites, permanece válida. Esperamos que a presente obra possaproduzir sua ressurreição parcial ao enunciar os fundamentosmetodológicos das duas <strong>teoria</strong>s paralelas do processo econômico 34 .Apêndice do Capítulo 2O Trabalho de Shackle Sobre DecisãoQualquer pesquisa sobre as contribuições de Londres estariaincompleta s<strong>em</strong> uma referência ao trabalho de G.L.S. Shackle. Oprobl<strong>em</strong>a de integrar construções intelectuais no âmbito do própriopensamento está b<strong>em</strong> ilustrado neste caso. Shackle cursava a Escolade Economia de Londres nos anos <strong>em</strong> que o conceito de custo deoportunidade se desenvolvia, <strong>em</strong> vários de seus estudos, Thirlbyexpressa sua gratidão a Shackle, tornando imediatamente evidenteque o tratamento de Shackle ao processo decisório está totalmentecompatível com a doutrina inglesa de custo de oportunidade. Porém– e surpreendent<strong>em</strong>ente – Shackle, pelo que se sabe, nãoestabeleceu a relação óbvia entre o seu trabalho estimulante eimportante sobre decisão, incerteza e t<strong>em</strong>po com o trabalho sobrecusto de oportunidade realizado por seus cont<strong>em</strong>porâneos da Escola34O manuscrito deste livro foi concluído antes que o autor pudesse ter acesso aoartigo intitulado Cost, de A.A. Alchian, na International Encyclopedia of the SocialSciences, 3 (New York: Macmillan, 1969), 404-15.62


AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DE UMA TRADIÇÃO INGLESAde Economia de Londres. Shackle retorna à ortodoxia <strong>em</strong> seutratamento geral do custo per se.Suas contribuições para a <strong>teoria</strong> da decisão pod<strong>em</strong>, nãoobstante, ser úteis ao esclarecimento da <strong>teoria</strong> do custo. Algunstrechos extraídos de um de seus livros 35 são dignos de nota:Quando um número qualquer de ações, diferentes entre sipelo conjunto de resultados que lhes é respectivamenteatribuído, se encontra disponível e a <strong>escolha</strong> entre elas está acritério do indivíduo que toma a decisão, os resultados desseconjunto, cada um deles considerado como um todo, sãorivais entre si e mutuamente exclusivos. Em cada conjunto,seus componentes também são hipóteses mutuamenteexclusivas. Portanto, esses resultados pod<strong>em</strong> não estarligados a fatos, mas a coisas imaginadas pelo indivíduo quetoma a decisão. Eles exist<strong>em</strong> <strong>em</strong> sua imaginação, nãodepois, mas antes de seu compromisso <strong>em</strong> relação a umdeterminado ato; sua existência está confinada ao momentoda decisão e é parte desse ato. [Pág. ix, x.]O significado literal de decidir é cortar (...) um corte entre opassado e o futuro [Pág. 3.] (...) Supomos que a <strong>escolha</strong>dentre um conjunto de atos rivais disponíveis será feita <strong>em</strong>função das conseqüências associadas aos atos de algumamaneira e intensidade pelo indivíduo que toma as decisões.Também supomos que as únicas conseqüências pertinentes aessa <strong>escolha</strong> sejam as experiências do indivíduo que toma asdecisões.(...) Por três motivos separados elas não pod<strong>em</strong> serexperiências provenientes de fora da mente do indivíduo quetoma a decisão, de fontes observáveis <strong>em</strong> princípio porterceiros; elas não pod<strong>em</strong>, <strong>em</strong> outras palavras, ser o que sedenomina habitualmente de experiências "reais" que exig<strong>em</strong>35G.L.S. Shackle, Decision, Order, and Time in Human Affairs (Cambridge:Cambridge University Press, 1961), págs. ix, x. Citado com permissão daCambridge University Press.63


CUSTO E ESCOLHAa intervenção das percepções do mundo exterior através dossentidos; elas não pod<strong>em</strong> ser 'novidade'. [Pág. 8.](...) Os resultados são produtos da imaginação [pág. 9]. Dadaa alegação de que os resultados, <strong>em</strong> comparação à decisãoque é tomada, são produtos da mente do indivíduo (nãoimportando se após algum t<strong>em</strong>po eles se transformarão <strong>em</strong>realidade observável), nada poderá ser mais irrelevante.[Pág. 10.]As afirmações acima e muitas outras afirmações de Shacklepoderiam ser inseridas s<strong>em</strong> nenhuma modificação nas discussões decusto de Coase e Thirlby. A falha de Shackle <strong>em</strong> trazer essasimportantes idéias ao seu próprio - porém mais el<strong>em</strong>entar - debatede custo indica que a <strong>teoria</strong> prognóstica baseada na <strong>teoria</strong> clássicapode coexistir com a <strong>teoria</strong> lógica da <strong>escolha</strong> nos padrões depensamento de um único economista, mesmo que essas duas <strong>teoria</strong>ssejam incompatíveis entre si.64


CUSTO PRIVADO E SOCIAL<strong>Custo</strong> e EscolhaUm século se passou desde a revolução provocada peloconceito do valor subjetivo na <strong>teoria</strong> econômica, porém a <strong>teoria</strong>subjetiva de valor ainda não está totalmente reconciliada com aderivação clássica da <strong>teoria</strong> objetiva. Conforme indicam asobservações sobre o desenvolvimento do conceito de custo deoportunidade, os economistas ainda não estabeleceram uma distinçãocuidadosa entre a <strong>teoria</strong> prognostica ou científica e a <strong>teoria</strong>lógica da interação econômica. Como os capítulos subseqüentespoderão d<strong>em</strong>onstrar, esta confusão metodológica é a fonte deequívocos universais na economia aplicada. O tratamento e adiscussão de custo, especialmente <strong>em</strong> relação à <strong>escolha</strong>, fornec<strong>em</strong>um contexto específico útil dentro do qual as questões metodológicasde caráter mais geral pod<strong>em</strong> ser examinadas.A Ciência Prognóstica da EconomiaDesde suas origens clássicas, a economia reivindica o títulode ciência prognóstica. Isso significa a introdução de hipótesesrefutáveis teoricamente e que a contestação dessas hipóteses podeexigir um reconhecimento final por profissionais e cientistascompetentes. A despeito dessa limitação, a ciência deve possuirteor objetivo e <strong>em</strong>pírico. Algo mensurável – ao menos teoricamente– que permita a comprovação ou a contestação das principaishipóteses. Os el<strong>em</strong>entos básicos da <strong>teoria</strong> econômica são,naturalmente, os atos dos seres humanos. A ciência se consiste nosesforços para prever os efeitos no comportamento humano,induzidos por modificações específicas no meio ambiente. Aoperacionalidade requer uma mensuração objetiva das respostascomportamentais.65


CUSTO E ESCOLHAConsider<strong>em</strong>os a proposição el<strong>em</strong>entar de que os preçosrelativos sob<strong>em</strong> quando os custos relativos aumentam, <strong>em</strong>condições ceteris paribus 1 . Esta proposição se origina do postuladode que as pessoas comportam-se "economicamente", tentandominimizar "custos" e maximizar "benefícios" ou "receitas".Entretanto, este postulado permanece <strong>em</strong>piricamente vazio até queseja dado um conteúdo descritivo específico aos "custos" e"benefícios" ou às "receitas". O postulado comportamental é o dohom<strong>em</strong> econômico. Caso este postulado seja abandonado, asprevisões perd<strong>em</strong> seu poder.É importante observar as limitações e os poderes desta <strong>teoria</strong>prognóstica. Não existe a suposição implícita que o hom<strong>em</strong> devacomportar-se economicamente. Se interpretada adequadamente, opoder da <strong>teoria</strong> fica limitado à elaboração de prognósticos baseadosna condição "como se", do comportamento real do hom<strong>em</strong> numsentido médio ou representativo. A suposição motivacional é vitalporque possibilita que o cientista <strong>em</strong>pregue as magnitudes do customonetário observáveis objetivamente, sendo que a receita monetáriaflui como uma representação das opções de <strong>escolha</strong> avaliadassubjetivamente, segundo os padrões de comportamento dosindivíduos. A experiência revela que essa <strong>teoria</strong> genuinamentecientífica de comportamento econômico t<strong>em</strong> alcançado êxitoconsiderável. O comportamento do hom<strong>em</strong> é efetiva e suficient<strong>em</strong>enteeconômico para permitir que muitas previsões sejamcomprovadas. Porém, o descuido <strong>em</strong> relação às limitações básicasda <strong>teoria</strong> prognóstica t<strong>em</strong> gerado muitos erros na aplicaçãonormativa.O modelo neoclássico ortodoxo do processo de mercado éaquele <strong>em</strong> que os agentes comportam-se economicamente. Amedida que o modelo se aproxima da realidade, os fluxos de custo ereceita observados objetivamente representam opções de dimensões1 N.T.: Ceteris Paribus - Expressão latina que significa "permanecendo constantestodas as d<strong>em</strong>ais variáveis". Em economia, a expressão é utilizada quando se desejamedir as conseqüências de mudanças de uma variável sobre outra, supondo-se asd<strong>em</strong>ais inalteradas.66


CUSTO PRIVADO E SOCIALdiferentes e avaliadas subjetivamente dentre as quais as <strong>escolha</strong>ssão efetivamente realizadas pelo indivíduo.Em mesmo grau e idêntica proporção, pode-se prever qual orelacionamento específico entre os custos e os preços observadosobjetivamente para descrever o equilíbrio para o qual todo oprocesso converge. Observ<strong>em</strong>os especialmente que essesrelacionamentos, essas condições de equilíbrio são, por si mesmos,previsões derivadas baseadas nos postulados de motivação domodelo. Por ex<strong>em</strong>plo, as igualdades entre os preços e os custosmarginais, como quantidades observadas objetivamente <strong>em</strong>condições de equilíbrio inteiramente competitivo, são previsõesfeitas por inferência, que depend<strong>em</strong> das suposições decomportamento sobre as quais se assenta toda a <strong>teoria</strong>. Essasigualdades são desprovidas de importância normativa e nãoapresentam uma relação direta com a eficiência de alocação. Adesord<strong>em</strong> metodológica que se instalou na economia modernatalvez seja revelada com maior nitidez atravessando-se s<strong>em</strong>autorização a ponte existente entre as previsões feitas porinferências à <strong>teoria</strong> genuinamente científica e as conclusõesnormativas sobre eficiência que são geradas com tanta freqüência.Isto pode ser ilustrado através de uma variação, s<strong>em</strong>elhanteà utilizada por Knight <strong>em</strong> seus estudos citados anteriormente,baseada no modelo mais simples, o modelo do cervo e do castorelaborado por Adam Smith. As condições objetivas do modelopermanec<strong>em</strong> as mesmas. É necessário um dia de trabalho para oabate de um cervo, e de dois dias para o de um castor. Os custosmensuráveis objetivamente formam uma razão de um para dois.Faz-se uma previsão que os valores de troca se situarão <strong>em</strong> umarazão de dois para um, razão esta que será descrita pelas igualdadesentre os custos e preços marginais. Suponhamos, contudo, que arazão do preço relativo apresente uma tendência de deslocamentona direção do nível de equilíbrio previsto; os preços não tenderão ase igualar aos custos marginais. Mesmo o mais ingênuo doseconomistas do b<strong>em</strong>-estar poderá concluir, através da variaçãoacima, que a distribuição de recursos é ineficiente. Em vez disso,67


CUSTO E ESCOLHAesse economista provavelmente introduziria, como o fez Knight, apossibilidade de que os caçadores, de um modo geral, tenhamalguns argumentos não pecuniários ou não econômicos <strong>em</strong> suasfunções de utilidade. Os custos marginais - uma vez que afetam ocomportamento da <strong>escolha</strong> - pod<strong>em</strong> então não ser os mesmos queas razões de t<strong>em</strong>po de trabalho simplesmente observadas. Oeconomista do b<strong>em</strong>-estar, supondo apenas que o mercado estejaorganizado de forma competitiva, conclui então que as igualdadesde preço e custo marginais estejam satisfeitas no equilíbrio que eleobserva, a despeito das variações <strong>em</strong> relação às previsões combases objetivas.Todavia, ao recorrer aos argumentos não econômicos dafunção de utilidade para retificar suas previsões falsificadas, oeconomista desloca toda a análise, de uma <strong>teoria</strong> prognóstica parauma de natureza não prognóstica e puramente lógica. Os fluxos decusto-receita observáveis objetivamente não pod<strong>em</strong> ser usadoscomo substitutos das alternativas avaliadas subjetivamente, nasquais os el<strong>em</strong>entos não econômicos sejam poderosos. As previsõessobre as relações que caracterizam posições de equilíbrio são falsas.Caso essas previsões não sejam realizadas, não existirá indicação deganhos <strong>em</strong> potencial no comércio. Portanto, não se poderá esperarprogresso algum <strong>em</strong> b<strong>em</strong>-estar advindo dos reajustes efetuados paraassegurar que as relações previstas sejam produzidas.Todas estas implicações <strong>em</strong> relação à moderna economia dob<strong>em</strong>-estar, não pod<strong>em</strong> ser subestimadas. Minha argumentaçãosugere que quase a totalidade desta subdisciplina tenha-se baseado<strong>em</strong> simples confusão metodológica. Ela transformou as proposiçõesprognósticas <strong>em</strong> normas de exclusão, que vêm sendo utilizadas naelaboração de propostas de políticas econômicas. Alguns dosex<strong>em</strong>plos mais específicos desta confusão serão discutidos nos capítulossubseqüentes.Por um lado, pode-se afirmar que o economista neoclássicotenha sucumbido à tentação de imprimir à totalidade de sua <strong>teoria</strong>uma generalização maior do que a sua metodologia teria capacidadede garantir. Essa tentação t<strong>em</strong> sido aumentada pela <strong>teoria</strong> lógicaparalela e igualmente confusa da <strong>escolha</strong> econômica que, per se, é68


CUSTO PRIVADO E SOCIALde caráter inteiramente geral, carecendo de conteúdo prognóstico.Esta <strong>teoria</strong> meramente lógica, nitidamente diferenciada da <strong>teoria</strong>clássica <strong>em</strong> suas implicações prognósticas, t<strong>em</strong> suas origens nosteóricos do valor subjetivo, contudo suas fontes mais explícitas sãorepresentadas por Wicksteed, pelos austríacos posteriores e peloseconomistas associados com a Escola de Economia de Londres. Emsua totalidade, foi essa a <strong>teoria</strong> econômica subjetivista defendidapor Hayek e Mises a que me referi anteriormente. É necessáriofazer alguma reconciliação entre a <strong>teoria</strong> genuinamente científicado comportamento econômico e a lógica pura da <strong>escolha</strong>. Aconcretização dessa reconciliação representa um dos maioresobjetivos do presente estudo exploratório no qual o conceito decusto de oportunidade toma-se o dispositivo analítico de união.O <strong>Custo</strong> na Teoria PrognósticaRigorosamente dentro da ciência prognóstica da economia, adefinição de custo pode ser considerada adequada na maioria dostextos modernos, quase não havendo necessidade de modificação<strong>em</strong> suas conceituações comuns. É o custo dos conhecidosdiagramas dos textos, a magnitude objetivamente identificável que éminimizada. É o valor de mercado do produto alternativo que podeser produzido através de uma redistribuição racional dos recursos deinsumos para usos diferentes daqueles observados. Esse valor sereflete nos preços de mercado para as unidades de recursos; assimsendo, o custo é medido diretamente através dos gastos monetáriosprevistos.Para qu<strong>em</strong> o custo é importante? Esta questão torna-secrucialmente importante. O custo, de acordo com a definiçãoacima, a rigor, defronta-se apenas com um autômato, o hom<strong>em</strong>puramente econômico, que habita o modelo do cientista. Esse é oel<strong>em</strong>ento inibidor de comportamento introduzido no modelo d<strong>em</strong>ercado puramente mecânico. A conversão de dados objetivos quereflitam os gastos monetários previstos nas avaliações subjetivasfeitas no mundo real pelos indivíduos que decid<strong>em</strong> não são motivo69


CUSTO E ESCOLHAde preocupação para o adepto da <strong>teoria</strong> prognóstica. Num sentidomais rigoroso, essa <strong>teoria</strong> não é, de forma alguma, uma <strong>teoria</strong> de<strong>escolha</strong>. Os indivíduos não escolh<strong>em</strong>; comportam-se de modoprevisível <strong>em</strong> resposta às mudanças mensuráveis objetivamente <strong>em</strong>seu meio ambiente.O <strong>Custo</strong> <strong>em</strong> uma Teoria de EscolhaA distinção entre o conceito de custo no contextoprognóstico, como esboçamos acima, e o conceito de custo <strong>em</strong> uma<strong>teoria</strong> de <strong>escolha</strong> mais generalizada, como já pud<strong>em</strong>os articular -<strong>em</strong>bora não totalmente - no Capítulo 2, pode ser mais b<strong>em</strong>ressaltado elaborando-se este segundo conceito. O el<strong>em</strong>entoessencial no presente conceito é a relação direta entre o custo e oato da <strong>escolha</strong>, uma relação que não existe na <strong>teoria</strong> prognósticaneoclássica. Segundo as concepções inglesa e vienense, <strong>em</strong>contrapartida, o custo torna-se o aspecto negativo de qualquerdecisão, o obstáculo que deve ser superado antes que umaalternativa possa ser escolhida. O custo é aquilo que o indivíduoque toma a decisão sacrifica ou abandona ao fazer uma <strong>escolha</strong>. Ocusto é constituído da própria avaliação que o indivíduo faz doprazer ou da utilidade cuja exclusão prevê como necessária <strong>em</strong>decorrência da sua seleção de cursos alternativos de ação.As implicações específicas a seguir surg<strong>em</strong> do conceito decusto vinculado à <strong>escolha</strong>:(1) A mais importante delas, o custo deve serexperimentado exclusivamente pelo indivíduo que toma a decisão;não é possível transferir o custo ou impô-lo a outras pessoas.(2) O custo é subjetivo; existe apenas na mente, <strong>em</strong> nenhumoutro lugar, do indivíduo que toma a decisão.(3) O custo baseia-se <strong>em</strong> expectativas; é necessário umconceito de antevisão ou ex-ante.(4) Jamais se poderá ter uma idéia real do custo <strong>em</strong>conseqüência do próprio ato da <strong>escolha</strong>: não se desfruta algo a quese renuncia.70


CUSTO PRIVADO E SOCIAL(5) O custo não pode ser mensurado por um outro indivíduoalém do indivíduo que toma a decisão porque não se pode observardiretamente a experiência subjetiva.(6) Finalmente, o custo pode tornar-se obsoleto no própriomomento da decisão ou <strong>escolha</strong>.Em uma <strong>teoria</strong> de <strong>escolha</strong>, o custo deve ser consideradocomo uma dimensão de utilidade. Contudo, na <strong>teoria</strong> prognósticaortodoxa, o custo é considerado como uma dimensão d<strong>em</strong>ercadoria. Esta distinção pode ser aplicada a cada um dos seisatributos enumerados acima. Na <strong>teoria</strong> da <strong>escolha</strong>, o custorepresenta a perda da utilidade prevista, resultante do sacrifício deuma alternativa rejeitada. Visto as funções de utilidades ser<strong>em</strong>necessáriamente de ord<strong>em</strong> pessoal, o custo está diretamentevinculado ao indivíduo que faz a <strong>escolha</strong> e não pode existirindependent<strong>em</strong>ente desse indivíduo. Na <strong>teoria</strong> prognóstica decomportamento econômico, o custo de produção de um "b<strong>em</strong>" érepresentado pela quantidade de um outro b<strong>em</strong> que poderia serproduzido <strong>em</strong> seu lugar. Desse modo, o custo existeindependent<strong>em</strong>ente do processo de <strong>escolha</strong>, não havendo umvínculo direto entre a <strong>escolha</strong> e a experiência do custo.Assim sendo, o custo é uma questão puramente subjetiva <strong>em</strong>qualquer <strong>teoria</strong> de <strong>escolha</strong>, enquanto que, <strong>em</strong> qualquer <strong>teoria</strong> queimplique previsões genuínas, o custo é objetivo. Para que o custopossa influenciar a <strong>escolha</strong>, ele deverá basear-se <strong>em</strong> expectativas;não poderá basear-se na experiência realizada - pelo menosdiretamente. Por outro lado, uma vez divorciado da <strong>escolha</strong>, o custotorna-se um conceito físico; torna-se irrelevante o fato de o custoser mensurado antes, no momento ou após a efetivação docompromisso. No modelo de Smith, o custo de um castor é igual aode dois cervos e esse pressuposto será válido enquanto existir<strong>em</strong> asrelações físicas postuladas; não há motivo para se fazer a distinçãoentre as mensurações ex-ante e ex-post. Dada a naturezatecnológica ou física do custo, obtido pela função de transformação<strong>em</strong> espaço de mercadoria, as opções com que se depara o agentepod<strong>em</strong> ser "custeadas" por meio de um observador externo. Oobservador não t<strong>em</strong> necessidade de psicoanalisar o caçador no71


CUSTO E ESCOLHAmodelo de Smith. E o probl<strong>em</strong>a da obsolescência não aparece nadefinição objetiva implícita na <strong>teoria</strong> prognóstica. Por outro lado,<strong>em</strong> qualquer <strong>teoria</strong> genuinamente de <strong>escolha</strong>, o custo deve estard<strong>em</strong>arcado de modo preciso no t<strong>em</strong>po visto estar vinculado aomomento da <strong>escolha</strong>. Antes da <strong>escolha</strong>, o custo existe como umaexperiência subjetiva; após a <strong>escolha</strong>, esse aspecto desaparece docusto. O que acontece ao indivíduo após ter feito sua <strong>escolha</strong> é umaquestão ainda a ser considerada.O <strong>Custo</strong> Influenciando a Escolhae por ela InfluenciadoOs seis atributos de custos enumerados anteriormente sãoimportantes a qualquer <strong>escolha</strong> específica. Para que o custo possainfluenciar essa <strong>escolha</strong>, ele deve ser definido <strong>em</strong> termos dessesatributos. Não obstante, também dev<strong>em</strong>os reconhecer que a <strong>escolha</strong>também gera as suas conseqüências: os fatos ocorr<strong>em</strong> comoresultado de decisões. Ao ter-se comprometido com um determinadocurso de ação <strong>em</strong> vez de outro e efetuado algumaestimativa racional dos custo que essa decisão representaria, oindivíduo "sofre" as conseqüências. Ele poderá não se arrependerde sua decisão anterior, porém, ao mesmo t<strong>em</strong>po, poderá submeterseà "dor" ou ao "sacrifício" ao ser-lhe necessário reduzir seusníveis de utilidade. O fato de as <strong>escolha</strong>s ter<strong>em</strong> sido feitas corretaou equivocadamente quase não t<strong>em</strong> importância direta naexistência desse "custo" influenciado pela <strong>escolha</strong>.Esse "custo" conseqüente à <strong>escolha</strong> é parcialmenteresponsável pela confusão existente entre o custo na <strong>teoria</strong>prognóstica e o custo na lógica da <strong>escolha</strong>. A respeito do que ocorreapós a <strong>escolha</strong> é que os economistas parec<strong>em</strong> estar se referindo aotraçar suas curvas de custo nos quadros-negros e sobre o que oscontabilistas parec<strong>em</strong> estar-se preocupando. E necessário que o"custo" influenciado pela <strong>escolha</strong> seja examinado mais meticulosamente.Se "forçarmos" os princípios lingüísticos para que estesacomod<strong>em</strong> o jargão ortodoxo, a melhor alternativa, no nosso72


CUSTO PRIVADO E SOCIALentender, parece ser permitir que o termo "custo" seja <strong>em</strong>pregadonesses dois sentidos nitidamente distintos <strong>em</strong> qualquer <strong>teoria</strong> de<strong>escolha</strong>, e continuar a utilizá-lo <strong>em</strong> seu único significado na <strong>teoria</strong>prognóstica de comportamento econômico. Assim sendo, ter<strong>em</strong>os o"custo que influencia a <strong>escolha</strong>" e o "custo por ela influenciado" na<strong>teoria</strong> da <strong>escolha</strong>, definido como dimensão de utilidade, e ter<strong>em</strong>ostambém o "custo objetivo," definido rigorosamente na dimensão damercadoria, na <strong>teoria</strong> prognóstica. Deix<strong>em</strong>os então o custo objetivoda ciência prognóstica e nos concentr<strong>em</strong>os no custo que influenciae <strong>escolha</strong> e que por ela é influenciado. Toda <strong>escolha</strong> compreendeambos os conceitos de custo. Em primeiro lugar, existe o obstáculogenuíno à <strong>escolha</strong>, o custo de oportunidade que era o centro dasidéias dos economistas cujas contribuições estão sumariadas noCapítulo 2. Em segundo, exist<strong>em</strong> os prejuízos <strong>em</strong> utilidade s<strong>em</strong>predecorrentes de a <strong>escolha</strong> ter sido feita, sejam eles sofridos peloindivíduo que faz a <strong>escolha</strong> ou por terceiros, independent<strong>em</strong>ente dehaver ou não substitutos mensuráveis objetivamente para esses prejuízos,por ex<strong>em</strong>plo, des<strong>em</strong>bolsos. Esses prejuízos são os resultadosda decisão, nunca a sua causa. Neste caso, o custo inibe a <strong>escolha</strong>;no outro, o custo é gerado por ela. Esses conceitos de custo pod<strong>em</strong>ser discutidos mais detalhadamente <strong>em</strong> relação a várias dasdistinções habitualmente feitas que, <strong>em</strong> última análise, sãofalaciosas.<strong>Custo</strong> de Oportunidade e <strong>Custo</strong> RealA rigor apenas o custo que influencia a <strong>escolha</strong> representauma avaliação das "oportunidades" sacrificadas. Portanto, seriarazoável que limitáss<strong>em</strong>os o uso do termo custo de oportunidade aeste conceito e inventáss<strong>em</strong>os outras designações descritivas para ocusto influenciado pela <strong>escolha</strong> <strong>em</strong> uma lógica de <strong>escolha</strong> e para ocusto objetivo da <strong>teoria</strong> prognóstica. Contudo, <strong>em</strong> um sentido maisamplo, qualquer uma das três concepções poderá ser tratadaexpressivamente <strong>em</strong> termos de custo de oportunidade. Naconcepção da <strong>teoria</strong> de preço ortodoxa, segundo a qual o custo émensurado objetivamente através dos des<strong>em</strong>bolsos monetários,73


CUSTO E ESCOLHAtorna-se útil, para fins explanatórios, equiparar esses des<strong>em</strong>bolsosaos valores que os m<strong>em</strong>bros da sociedade atribu<strong>em</strong> aos produtosfinais alternativos que poderiam ter sido produzidos pelos mesmosdes<strong>em</strong>bolsos orientados de modo diferente. Portanto, de certo modoambíguo, o custo efetivamente reflete "oportunidades perdidas".Porém, vale mencionar que as "oportunidades perdidas" nestecontexto reflet<strong>em</strong> de modo mais preciso o valor das opções <strong>em</strong>potencial atribuído por terceiros <strong>em</strong> vez do próprio indivíduo quefaz a <strong>escolha</strong>.O conceito de "oportunidades perdidas" também pode seraplicado aos resultados da <strong>escolha</strong> ou ao custo por ela influenciado.Neste caso, o conceito está vinculado à <strong>escolha</strong> e as oportunidadesrepresentam tudo o que "poderia ter sido", se analisadas apóstomada a decisão. Segundo essa percepção tardia, as opções pod<strong>em</strong>ter uma ótica diferente quando analisadas antes de efetivar-se ocompromisso. No contexto de pré-<strong>escolha</strong> ou de custo influenciadopela <strong>escolha</strong>, as oportunidades perdidas serão aquelas que"poderiam ser", na medida <strong>em</strong> que sejam consideradas e analisadasdurante o momento da própria <strong>escolha</strong> e refletidas no valor previstopresent<strong>em</strong>ente para os prejuízos <strong>em</strong> utilidade que dev<strong>em</strong> seresperados. No contexto de pós-<strong>escolha</strong> ou de <strong>escolha</strong> influenciadapelo custo, comparativamente, as oportunidades perdidas sãoaquelas que poderiam ter sido desfrutadas na medida <strong>em</strong> que sereflitam nos prejuízos <strong>em</strong> utilidade ou nos sacrifíciosexperimentados. Poderá haver uma diferença psicológicaimportante nos prejuízos <strong>em</strong> utilidades que envolv<strong>em</strong> o custo queinfluencia a <strong>escolha</strong> e o que é por ela influenciado. No momento daprópria <strong>escolha</strong>, o custo será a avaliação do indivíduo que escolhe<strong>em</strong> relação aos prazeres esperados a que deve renunciar após terefetivado o seu compromisso; o custo também será aquilo que oindivíduo poderá evitar se escolher uma outra opção. Nestecontexto, o custo deve ser e permanecer um evento purament<strong>em</strong>ental. A utilidade para o indivíduo que faz a <strong>escolha</strong> somenteestará reduzida na medida <strong>em</strong> que seja funcionalmente dependenteda utilidade esperada nos períodos de pós-decisão. Realizada a<strong>escolha</strong>, o custo ainda poderá refletir a avaliação dos prazeres que74


CUSTO PRIVADO E SOCIALforam sacrificados, permanecendo um evento mental, contudo oprocesso vai muito mais além. Entre as experiências que poderiamter sido evitadas pod<strong>em</strong> estar aquelas que exig<strong>em</strong> uma submissãoexplícita à dor, ao sofrimento, à privação, <strong>em</strong> algum significadofisicamente importante do termo. Tendo assumido o compromissode pagar o que lhe tenha sido debitado <strong>em</strong> conta, o compradordeverá quitar os seus débitos <strong>em</strong> seus vencimentos. A despeitodessa expectativa possivelmente racional <strong>em</strong> relação a esse custo nomomento da <strong>escolha</strong>, o comprador ainda sofrerá alguma dor quandotiver de quitar essas contas. Essa exposição puramente física aosefeitos negativos impostos pela <strong>escolha</strong> adentra a avaliaçãosubjetiva da alternativa que poderia ter acontecido. Portanto, decerto modo, a natureza do custo é diferente no contexto de custoinfluenciado pela <strong>escolha</strong> e de custo que influencia a mesma,<strong>em</strong>bora ambos permaneçam no espaço de utilidade.Ao tratarmos o custo <strong>em</strong> um contexto de custo influenciadopela <strong>escolha</strong> ou de que influencia a mesma, <strong>em</strong> outras palavras, aopermanecermos alinhados com a própria <strong>teoria</strong> da <strong>escolha</strong>, nosaproximar<strong>em</strong>os mais da noção clássica de custo real do que daconcepção neoclássica. Tanto na forma de obstáculo <strong>em</strong>contraposição à <strong>escolha</strong> quanto de uma indesejável conseqüência damesma, o custo representa o prejuízo <strong>em</strong> utilidade. De modorelativamente diferente, se o custo estiver divorciado do processo de<strong>escolha</strong>, como ocorre no contexto prognóstico neoclássico, ele nãoterá nada de "real". Não haverá nenhuma dor, sofrimento ouprejuízo <strong>em</strong> utilidade. Esta parece ter sido a base da distinçãoconceitual entre o custo de oportunidade e o custo real que levouKnight a afirmar que "...todas as referências a 'sacrifícios' (deveriamser) simplesmente omitidas" 2 .2F.H. Knight, A Suggestion for Simplifying the Stat<strong>em</strong>ent of the General Theory ofPrice, Journal of Political Economy, XXXVI (junho de 1928), 355.75


CUSTO E ESCOLHAA Subjetividade dos <strong>Custo</strong>s HistóricosTenho me referido ao termo custo como "subjetivo" <strong>em</strong>qualquer lógica de <strong>escolha</strong> e como "objetivo" <strong>em</strong> qualquer ciênciaprognóstica. Em uma discussão preliminar de um outro estudo 3 ,<strong>em</strong>preguei a terminologia subjetiva-objetiva de modo ambíguoporque, naquela época, não era capaz de diferenciar separadamentecada uma das dimensões de custo desses contextos relacionadosporém muito diferentes. Os custos, nos modelos econômicos prognósticos,dev<strong>em</strong> ser objetivos. Entretanto, se o custo é introduzido<strong>em</strong> uma lógica de <strong>escolha</strong>, é evidente que será subjetivo. Essaconsideração t<strong>em</strong> sido repetida enfaticamente por alguns estudiososda Escola de Economia de Londres, cujos trabalhos já tiv<strong>em</strong>os aoportunidade de mencionar, destacando-se G. F. Thirlby.As conseqüências da <strong>escolha</strong>, os resultados da decisão, sãointroduzidos nas experiências do indivíduo como eventos avaliadossubjetivamente, mesmo que, como já mencionamos, possa tambémhaver repercussões físicas da decisão. Se um compromisso, ao serassumido, gera outros eventos, esses afetarão a utilidade doindivíduo - de modo bastante independente do fato de que esseseventos não pod<strong>em</strong> ser evitados. O indivíduo sofre o prejuízo <strong>em</strong>utilidade <strong>em</strong> conseqüência de uma decisão anterior mesmo que, <strong>em</strong>última análise, ela tenha sido totalmente racional per se. Essesofrimento é um evento de natureza subjetiva seja ele oarrependimento <strong>em</strong> relação ao que poderia ter sido ou a dor <strong>em</strong>relação ao que é.A rigor, somente esse custo de natureza subjetiva einfluenciado pela <strong>escolha</strong> pode ser inteiramente justificado <strong>em</strong>relação ao conceito de "custo histórico" do economista ou aos"custo passados" de Jevons. Devido ao fato que a <strong>escolha</strong> já foirealizada, esse custo é irrelevante, exceto nos casos <strong>em</strong> que a3Vide, do autor, Public Debt, Cost Theory, and the Fiscal Illusion, <strong>em</strong> Public Debtand Future Generations, James M. Ferguson (ed.) (Chapei Hill: University of NorthCarolina Press, 1964), págs. 150-62.76


CUSTO PRIVADO E SOCIALexperiência possa modificar as expectativas quanto às opções de<strong>escolha</strong> no futuro.Segundo esse aspecto de influência da <strong>escolha</strong>, o custoestará relacionado à <strong>escolha</strong> ex post, porém não pessoalmentevinculado ao indivíduo que toma a decisão. Esta importantedistinção deu sua própria contribuição à confusão existente na<strong>teoria</strong> geral de custo. Como já observamos anteriormente <strong>em</strong>relação ao primeiro atributo relacionado ao custo que influencia a<strong>escolha</strong>, o custo de oportunidade deve ser experimentado pelopróprio indivíduo que toma a decisão para que a <strong>escolha</strong> possa serinfluenciada de alguma forma. Torna-se evidente que, nestecontexto, o custo somente poderá ser experimentado pelo indivíduoque faz a <strong>escolha</strong>; de outro modo, todo o conceito perde o seusignificado. Por outro lado, as conseqüências da <strong>escolha</strong> - as perdas<strong>em</strong> utilidade sofridos como resultado de uma decisão - nãonecessitam ser sofridas apenas pelo indivíduo que faz a <strong>escolha</strong>.Dado o fato que essas conseqüências são s<strong>em</strong>pre depreendidas apósa <strong>escolha</strong>, o próprio indivíduo que a faz poderá ser consideradouma pessoa diferente uma vez depreendidas as conseqüências da<strong>escolha</strong>. Entretanto, ainda que este conceito seja ignorado, nãohaverá conexão formal entre o indivíduo que toma a decisão e oindivíduo ou indivíduos que sofr<strong>em</strong> as perdas <strong>em</strong> utilidade <strong>em</strong>decorrência da <strong>escolha</strong>. Aqueles que "arcam com as conseqüências"– mesmo que o ato de arcar com elas seja uma experiênciasubjetiva – não necessitam sofrer a "agonia da <strong>escolha</strong>".Através de dados supostamente objetivos, extraídos dadimensão de não utilidade, a economia neoclássica formulaprevisões sobre as propriedades das relações de equilíbrio quedeverão ser estabelecidas pelos participantes no processo deinteração de mercado. Até que ponto a ênfase dedicada ao equilíbriopermitirá alguma reconciliação entre os dois conceitos de custo,entre o custo objetivo da ciência prognóstica e o custo puramentesubjetivo existente na lógica da <strong>escolha</strong>? Os gastos mensuráveisobjetivamente reflet<strong>em</strong> as oportunidades preteridas apenas <strong>em</strong>condições de equilíbrio pleno?77


CUSTO E ESCOLHA<strong>Custo</strong> e EquilíbrioSe toda a economia não estiver operando <strong>em</strong> condições depleno equilíbrio competitivo, poderão ocorrer lucros-perdas. Dess<strong>em</strong>odo, os gastos observados não pod<strong>em</strong> ser considerados comoreflexos das oportunidades preteridas dos indivíduos que tomam adecisão <strong>em</strong> qualquer outro contexto geral. Por outro lado, <strong>em</strong>condições de equilíbrio pleno, os gastos observados representamdiretamente a contribuição máxima dos recursos <strong>em</strong> diferentesusos.Portanto, à medida que os indivíduos que faz<strong>em</strong> a <strong>escolha</strong> secomportam economicamente, os gastos observados reflet<strong>em</strong>, aindaque indiretamente, os genuínos "custos de oportunidade". Aaparente reconciliação aqui existente chega às raias da tautologia,contudo, o principal objetivo da <strong>teoria</strong> econômica que considera ocusto como importante fator é d<strong>em</strong>onstrar de que modo as <strong>escolha</strong>srealizadas <strong>em</strong> contextos que não são de equilíbrio pod<strong>em</strong> gerar mudanças<strong>em</strong> direção ao equilíbrio. As <strong>escolha</strong>s realizadas <strong>em</strong>condições de desequilíbrio dev<strong>em</strong> ser informadas por custos deoportunidade que, mesmo indiretamente, não pod<strong>em</strong> serrepresentados pelos gastos mensurados. Em condições dedesequilíbrio, os custos de oportunidade decorrentes da adoção dadecisão "errada" dev<strong>em</strong> incluir os lucros preteridos com a rejeiçãodo curso de ação alternativo.O marginalismo apresenta uma solução apenas parcial a esseprobl<strong>em</strong>a. Se um indivíduo se comporta de modo econômico, senão há oportunidades de lucro <strong>em</strong> outros pontos do sist<strong>em</strong>a e setodas as decisões pod<strong>em</strong> e dev<strong>em</strong> ser feitas marginalmente, aderivação de custo marginal na <strong>teoria</strong> ortodoxa representa o genuíno"custo de oportunidade" de uma decisão de produção. Isso significaque todas as <strong>escolha</strong>s são realizadas <strong>em</strong> condições de equilíbrio,num contexto de planejamento a curto prazo, onde as decisões deprodução através das <strong>em</strong>presas permanec<strong>em</strong> conceitualmentedivorciadas do restante da economia. Entretanto, é essencial quecada uma das condições de qualificação seja atendida caso o customarginal mensurado seja <strong>em</strong>pregado para representar objetivamente78


CUSTO PRIVADO E SOCIALo el<strong>em</strong>ento subjetivo que participa efetivamente do cálculo de<strong>escolha</strong> do indivíduo.Se, por outro lado, o indivíduo incorporar considerações denatureza não pecuniárias ou não econômicas à sua decisão, sehouver lucros a ser<strong>em</strong> auferidos <strong>em</strong> outras atividades além daatividade <strong>em</strong> questão, se houver a possibilidade de ajustes discretos<strong>em</strong> vez dos ajustes marginais, então o gasto marginal mensuradoobjetivamente não será uma expressão genuína do custo deoportunidade porque a condição "se" pode significar uma inibiçãoao comportamento de <strong>escolha</strong> não suscetível à mensuraçãoobjetiva.<strong>Uma</strong> <strong>teoria</strong> de <strong>escolha</strong> exigirá necessariamente uma estreitarelação entre a importância dos custos mensurados objetivamente,<strong>em</strong> condições de equilíbrio a longo ou a curto prazo, e a presençaou ausência de incerteza. Diante da incerteza, a avaliação dasopções pelo indivíduo que faz a <strong>escolha</strong> pode ser diferente dasavaliações de qualquer observador externo, mesmo que ascondições para qualificação sejam atendidas. Portanto, ratifica-seaqui a subjetividade inerente do custo <strong>em</strong> qualquer <strong>teoria</strong> de<strong>escolha</strong>.Os conceitos de equilíbrio apresentados nesta seção e atéeste ponto são os da <strong>teoria</strong> prognóstica neoclássica. Isso implica queas descrições de equilíbrio assum<strong>em</strong> a forma de relacionamentosdefinidos objetivamente entre as variáveis nas dimensões de nãoutilidade. Os preços dev<strong>em</strong> apresentar relações específicas com oscustos. Se nos for satisfatório permanecer dentro de uma <strong>teoria</strong> de<strong>escolha</strong> de natureza mais genérica, porém, <strong>em</strong> última análise, nãoprognóstica e puramente lógica, o conceito de equilíbrio poderá sermodificado. O equilíbrio da "economia subjetivista", defendido porHayek, é descrito de modo comportamental. Ele é alcançadoquando os planos dos participantes do processo de interaçãoeconômica estão mutuamente satisfeitos. Embora os preçosmantenham-se nesse equilíbrio para apresentar<strong>em</strong> alguma relaçãocom os custos, eles não possu<strong>em</strong> significado objetivo, portanto nãopod<strong>em</strong> ser utilizados como critérios na determinação de preços <strong>em</strong>um dado aspecto de eficiência ou de b<strong>em</strong>-estar.79


CUSTO E ESCOLHAO <strong>Custo</strong> dos Bens PúblicosA ciência prognóstica da economia postula que o hom<strong>em</strong>comporta-se "economicamente". Ele o faz para minimizar o "custo"<strong>em</strong> algum aspecto objetivamente identificável. Empregando umacuriosa inversão, alguns economistas aplicam o postulado decomportamento, que se t<strong>em</strong> revelado útil na elaboração de previsõespositivas, como normas na <strong>teoria</strong> da <strong>escolha</strong>. Na economiaaplicada, na <strong>teoria</strong> de política econômica ou economia do b<strong>em</strong>-estarnos deparamos com normas definidas <strong>em</strong> termos de relaçõesespecíficas entre "custos" e "preços", relações que incorporammagnitudes objetivas mensuráveis conceitualmente. Na prática, mastalvez descuidadamente, o cientista da economia aplicada b<strong>em</strong>como o teórico da economia do b<strong>em</strong>-estar aceitam ocomportamento do homo economicus como um critério de valor.Em seu entusiasmo na aplicação da <strong>teoria</strong> econômica, não a umaanálise das interações institucionais mas à <strong>escolha</strong> real, essaspessoas propõ<strong>em</strong> indiretamente que os indivíduos que faz<strong>em</strong> a<strong>escolha</strong>, isolada ou conjuntamente, deveriam minimizar os gastosmensuráveis objetivamente. Esse erro é fundamental e se estendedesde a estimativa da renda nacional até a economia dodepartamento de defesa 1 .Apenas algumas das muitas aplicações poderão seranalisadas na presente obra <strong>em</strong> maiores detalhes; mas elas talvezsejam suficientes para ressal tar a importância das diferenciaçõesmetodológicas que tenho enfatizado. De modo arbitrário, limitarei o1Para uma discussão crítica da mensuração do produto interno, baseada <strong>em</strong> umaanálise relacionada, porém nitidamente distinta da análise desenvolvida no presentelivro, vide S.H. Frankel, The Economic Impact on Under-Developed Societies(Cambridge: Harvard University Press, 1953), esp. Capítulo III.80


CUSTO PRIVADO E SOCIALmeu debate a três áreas separadas. No presente capítulo, examinareios vários probl<strong>em</strong>as que surg<strong>em</strong> <strong>em</strong> decorrência da aplicação doconceito de "custo" a bens públicos ou da coletividade. Em seguida,apresentarei um debate sobre algumas das dificuldades encontradasna economia do b<strong>em</strong>-estar de Pigou ∗ e no processo decisório nãomercadizável.A Teoria da Incidência de TributaçãoCabe à <strong>teoria</strong> da incidência de tributação a parte do leão daatenção dedicada às finanças públicas neoclássicas, especialmenteentre os estudiosos de língua inglesa. Um exame superficial destaliteratura sugere que a sua meta é responder a questões como: Qu<strong>em</strong>paga os bens e serviços públicos? Qu<strong>em</strong> arca com o ônus final dopagamento, segundo instrumentos tributários específicos? De qu<strong>em</strong>odo a alocação do "custo" ou "ônus" varia <strong>em</strong> diferentes tipos detributos?Os dois termos "custo" e "ônus" parec<strong>em</strong> ser usados quasecomo sinônimos. A suposta objetividade dessas magnitudes é maisou menos tida como correta. Afinal, a receita cobrada pelo tesouropode ser contabilizada. Alguém deve ficar sujeito a esse "custo";alguém deve liberar o comando sobre o poder aquisitivo que, porsua vez, representa recursos reais. Determinados tributos geram"um ônus excessivo" sobre a cobrança efetiva da receita e superior aela, contudo esses tributos também são quantificáveisobjetivamente, pelo menos teoricamente. T<strong>em</strong>-se dedicado muitopouca atenção ao possível relacionamento existente entre ostributos, como os custos dos bens públicos e os tributos na <strong>escolha</strong>desses bens.A análise de incidência e de transferência de tributaçãoexamina o comportamento de <strong>escolha</strong> dos indivíduos e das<strong>em</strong>presas, contudo não é o comportamento de <strong>escolha</strong> que serelaciona com o financiamento dos bens públicos ou a <strong>escolha</strong>∗N.T.: Arthur Cecil Pigou, 1877-1959, economista inglês da linha neo-clássica,discípulo e sucessor de Alfred Marshall na cadeira de Economia Política <strong>em</strong>Cambridge.81


CUSTO E ESCOLHAdentre as várias opções tributárias. Supõe-se que o indivíduo ou a<strong>em</strong>presa estejam sujeitos a uma modificação imposta nasalternativas de <strong>escolha</strong> privadas ou do mercado. Neste caso, osimpostos pod<strong>em</strong> afetar o custo <strong>em</strong> um contexto que influencie a<strong>escolha</strong>, tornando evidente o fato que a <strong>teoria</strong> da incidência detributação careceria de conteúdo não fosse este o caso.Consider<strong>em</strong>os o conhecido parâmetro do imposto fixo. Neste casonão ocorre transferência alguma; não se questiona a incidência detributação. Porém, é óbvio que exista um "custo" para os benspúblicos, pago pelo indivíduo, e que a "<strong>escolha</strong>" deva ser realizada.Compar<strong>em</strong>os este ex<strong>em</strong>plo com o do imposto de consumo,digamos, sobre bebidas alcoólicas. Neste caso, o tributo, setransferido pelo vendedor, modifica as opções com que se defrontao comprador prospectivo, visto que o "custo" de adquirir bebidaaumenta. É aqui que a <strong>teoria</strong> prognóstica ou positiva revela toda asua força. Devido ao fato que tanto o objeto de consumo quanto onuméraire pod<strong>em</strong> ser prontamente identificados como "bens" nafunção de utilidade do indivíduo e uma vez que, anteriormente aotributo, as taxas de aquisição para todos os "bens" pod<strong>em</strong> serconsideradas <strong>em</strong> equilíbrio, o aumento objetivo mensurável nocusto, refletido no aumento <strong>em</strong> preço provocado pelo tributo podeser considerado como representativo do aumento no custo subjetivoque efetivamente inibe a <strong>escolha</strong> do consumidor <strong>em</strong> relação àmercadoria tributada. Entretanto, seria errôneo relacionar o aumentoinduzido pelo tributo no preço dos bens de consumo - daí, <strong>em</strong> seu"custo" para o comprador - com o "custo" inteiramente diferente dob<strong>em</strong> público que as receitas de tributos representam de algummodo. Isso nos leva às questões iniciais. Em sua formatradicionalmente desenvolvida, a <strong>teoria</strong> da incidência de tributaçãovisa realmente à determinação do custo dos bens públicos? Aanálise ortodoxa de transferência e incidência de tributação ocupasequase que exclusivamente das alterações induzidas pelatributação nos custos da atividade privada de produção,investimento e consumo e das previsões do efeito dessas mudançassobre o comportamento.82


CUSTO PRIVADO E SOCIALSe a análise não gera informação alguma sobre os custos dosbens públicos, que valor terá? Se o economista pode, comconfiança, determinar todos os efeitos de um tributo, supõe-se queele seja capaz de classificar esse tributo <strong>em</strong> relação a outros <strong>em</strong>uma determinada escala de eqüidade ou de eficiência. Nesta tarefa,o economista concebe a sua função como a de orientador doindivíduo que faz a <strong>escolha</strong>, assim, influenciando indiretamente a<strong>escolha</strong> realizada dentre os instrumentos de tributação.Aparent<strong>em</strong>ente esse conceito mostra-se suficient<strong>em</strong>ente direto atéque se reconheçam os resultados às vezes estranhos do pressupostoda mensurabilidade objetiva dos custos. Ao avaliar asconseqüências -ou conseqüências previstas - da arrecadação de umtributo, o economista estará tentando determinar as mudançasmensuráveis nos valores das variáveis descritivas <strong>em</strong>piricamente,como preços, quantidades e níveis de <strong>em</strong>prego? Ou estará tentandodeterminar as avaliações dos indivíduos <strong>em</strong> relação a essasmudanças?Consider<strong>em</strong>os um ex<strong>em</strong>plo simples. Suponhamos que opreço de uma garrafa de bebida alcoólica seja igual a $10 antes daincidência da tributação e que um determinado indivíduo adquira10 unidades por ano, perfazendo um gasto total anual de $100. Éestabelecido um imposto de consumo de $1; observa-se que o preçono varejo aumenta com o valor do tributo, para $11; e a taxa decompra anual desse indivíduo cai para 9 garrafas, perfazendo umgasto total anual de $99. Supondo-se uma curva linear de d<strong>em</strong>andasobre a faixa pertinente, o economista afirmará que o "ônus" dotributo está calculado <strong>em</strong> $9,50, sendo que $9 são canalizadosatravés do tesouro e 50¢ são considerados como um "excesso deônus". Em termos familiares, assume-se simplesmente que oindivíduo "prefira" um tributo fixo, que exija o pagamento deapenas $9. Portanto, segundo os princípios da economia do b<strong>em</strong>estar,o economista sugere a conveniência do imposto fixo comoum substituto para o imposto de consumo 2 . Para chegar a essa2No momento, não me preocupam as várias qualificações modernas destaproposição, sendo que todas elas são extraídas de alguma versão secundária muito83


CUSTO E ESCOLHAconclusão, o economista deve supor que o contribuinte estejainteressado exclusivamente nas mudanças pós-tributação <strong>em</strong> suaposição e que, de outro modo, ele se mostre indiferente <strong>em</strong> relaçãoaos instrumentos de tributação. Porém, é evidente que exist<strong>em</strong>muitos motivos pelos quais o contribuinte poderá não avaliar osinstrumentos alternativos de tributação da mesma maneira que oeconomista do b<strong>em</strong>-estar os avalia. O contribuinte poderá, <strong>em</strong>primeiro lugar, optar por arcar com o custo mensurável maioraplicável através do imposto de consumo devido a uma faixa deopções pessoais de maior amplitude que esse tipo de tributopermite. A característica dessa opção poderá muito b<strong>em</strong>contrabalançar o "excesso de ônus". Em segundo, o contribuintepoderá preferir a aplicação do imposto de consumo para as bebidasalcoólicas por motivos suntuários, mesmo que esteja ciente de queele também arcará com um excesso de ônus. A redução nascompras de bebidas por terceiros, induzida pela tributação, poderáser mais do que suficiente para modificar a posição relativa dessetributo na escala de preferências do contribuinte 3 .Mesmo que o economista não se mostre interessado nasavaliações dos contribuintes, cuja possível participação na <strong>escolha</strong>fiscal pode ser importante de algum modo, e tenha por base uma"função de b<strong>em</strong>-estar social" obtida externamente para estabelecer asua classificação de instrumentos de tributação, as questõeslevantadas acima não desaparecerão e esse economista terá grandedificuldade <strong>em</strong> defender o "custo" mensurável objetivamente quesurge da análise ortodoxa de transferência de tributação como umcritério para a classificação dos dispositivos tributários se esselimitada. Minha crítica é válida mesmo no caso <strong>em</strong> que todas as condições de b<strong>em</strong>estarsejam inteiramente atendidas <strong>em</strong> outro ponto do sist<strong>em</strong>a.3Em um trabalho anterior, tentei relacionar os efeitos dos diferentes instrumentosfiscais sobre o comportamento do indivíduo no processo fiscal. Vide, do autor, MyPublic Finance in D<strong>em</strong>ocratic Process (Chapel Hill: University of North CarolinaPress, 1967). Vide também Charles Goetz, Tax Preferences in a Collective Decision-Making Context (Dissertação para Doutorado, não publicada, Alderman Library,University of Virginia, 1964).84


CUSTO PRIVADO E SOCIAL"custo" não estiver relacionado, de algum modo, com as própriasreações e avaliações do indivíduo.Os <strong>Custo</strong>s e o Processo DecisórioFiscal: O Modelo D<strong>em</strong>ocráticoQuais são os "custos" dos bens públicos no sentido genuínodo custo de oportunidade ou do custo que influencia a <strong>escolha</strong>? Aprópria questão vincula os custos diretamente à <strong>escolha</strong> e requerimediatamente alguma identificação do agente que escolhe. Aligação entre a estrutura de decisão política e as finanças públicasnão pode ser evitada. Supõe-se que a <strong>teoria</strong> tradicional da incidênciade tributação seja útil por fornecer bases para <strong>escolha</strong>s mais b<strong>em</strong>informadas de instrumentos tributários. Porém não é possíveldiscutir essas <strong>escolha</strong>s s<strong>em</strong> que se identifique o indivíduo que asfaz. Qu<strong>em</strong> decide? A resposta depende da forma pela qual asdecisões políticas são tomadas. Isso é suficient<strong>em</strong>ente óbvio,contudo o que passa despercebido freqüent<strong>em</strong>ente é o fato de o"custo" variar significativamente <strong>em</strong> relação à grande e variadaquantidade de estruturas decisórias.Consider<strong>em</strong>os, primeiramente um modelo simplificado dedecisão coletiva, que nos permita associá-lo com De Viti DeMarco. Nesse caso, o indivíduo que toma a decisão fiscal é oconsumidor-beneficiário prospectivo dos bens públicos e ocontribuinte prospectivo. Esse modelo t<strong>em</strong> recebido váriasdenominações, como "individualista", "cooperativo", e"d<strong>em</strong>ocrático" de diferentes estudiosos. A sua maior vantag<strong>em</strong> estáno fato de que a <strong>escolha</strong> através dele se parece muito com aquelarealizada pelo indivíduo <strong>em</strong> seu comportamento de mercado. Oindivíduo opta por ser tributado para assegurar os benefícios dob<strong>em</strong> público. O que o indivíduo sacrifica ao fazer a <strong>escolha</strong>? Aofazer a <strong>escolha</strong>, o indivíduo sacrifica a possibilidade de evitar odes<strong>em</strong>bolso tributário efetivo; e, conseqüent<strong>em</strong>ente, ele sacrifica asatisfação trazida por aqueles bens que poderiam ter sidoadquiridos com o des<strong>em</strong>bolso previsto. O valor subjetivo atribuído85


CUSTO E ESCOLHAa esses bens alternativos é um importante custo que influencia a<strong>escolha</strong>. Isso é suficient<strong>em</strong>ente aparente, porém haverá qualquermotivo para se pensar que o des<strong>em</strong>bolso monetário, mesmo que sepudesse ser previsto com precisão, reflita a barreira subjetiva àdecisão do indivíduo?Como nossa análise anterior indicou, para que essedes<strong>em</strong>bolso antecipado possa mensurar, ainda que indiretamente, ocusto subjetivo, deve-se supor que não haja nenhuma oportunidadede lucro <strong>em</strong> outras partes da economia, inclusive no setor público.Entretanto, há uma complicação adicional a ser reconhecida, que,apesar de mencionada anteriormente, não foi discutida <strong>em</strong> maioresdetalhes. Os bens coletivos não são adquiridos individualmente.Nenhum indivíduo pode ajustá-los a seus desejos; todos dev<strong>em</strong>aceitar um mesmo resultado. Na melhor das hipóteses, o aspectotributário de uma decisão é um vetor cujos componentesrepresentam os impostos que reca<strong>em</strong> sobre cada m<strong>em</strong>bro do grupo.Consider<strong>em</strong>os então o cálculo decisório da pessoa que participadessa <strong>escolha</strong> fiscal "d<strong>em</strong>ocrática." Ela "votará a favor" de umdes<strong>em</strong>bolso <strong>em</strong> relação a um determinado b<strong>em</strong> público que deveráser compartilhado por todos os m<strong>em</strong>bros da comunidade. Quais oscustos que influenciarão essa <strong>escolha</strong>? Quais as opçõesgenuinamente sacrificadas que a pessoa rejeita? Se não aprovar odes<strong>em</strong>bolso orçamentário proposto, o próprio des<strong>em</strong>bolso tributáriodo indivíduo pode ser evitado e, de acordo com as suposiçõesrigorosamente limitadoras sobre a ausência de lucro <strong>em</strong> outroslocais, pode-se considerar que esse des<strong>em</strong>bolso previsto reflitaindiretamente pelo menos uma parte do custo. Entretanto, aorejeitar a proposta orçamentária, o indivíduo também evita ou optapor evitar todas as outras conseqüências da decisão coletiva. Sob oaspecto de custo, essas conseqüências previstas são os pagamentosde tributos feitos por outras pessoas além do indivíduo específicocuja <strong>escolha</strong> estamos examinando. Se esse indivíduo avaliarpositivamente as satisfações sacrificadas que outros poderiamadquirir com esses des<strong>em</strong>bolsos, surgirá então algum el<strong>em</strong>ento decusto. O custo que influencia a <strong>escolha</strong>, como obstáculo àaprovação pelo indivíduo de uma decisão sobre bens públicos,86


CUSTO PRIVADO E SOCIALsomente pode ser mensurado através da sua própria participaçãoprevista nos pagamentos de tributos <strong>em</strong> casos extr<strong>em</strong>os nos quais oindivíduo não atribui nenhum valor ao fato de aliviar o "sofrimento"dos outros.Se essa suposição se aplicar para um participante <strong>em</strong> umasituação de <strong>escolha</strong> de grupo, ela deverá aplicar-se a todos osd<strong>em</strong>ais. Desse modo, o pagamento total de tributo, que é previsto,mensurado <strong>em</strong> termos monetários, poderá ser uma estimativatotalmente imprecisa do custo "social" do des<strong>em</strong>bolso orçamentário<strong>em</strong> questão. O custo que influencia a <strong>escolha</strong> <strong>em</strong> relação a cadaparticipante e, portanto, a todos os participantes <strong>em</strong> um dadosentido aditivo, poderá ser extr<strong>em</strong>amente superior à estimativaproduzida através da soma simples da participação de cadaindivíduo.Isso não implica que os aspectos decisórios de grupo estejamlimitados ao aspecto custo. Justamente pelas mesmas razões, oindivíduo reconhecerá que os benefícios prospectivos de umdes<strong>em</strong>bolso proposto para bens públicos não incluirão apenas osbenefícios que o indivíduo pretende assegurar particular eindividualmente, mas também o fato de o valor que ele atribui aosbenefícios previstos fluir para terceiros a medida <strong>em</strong> que estesparticipam do b<strong>em</strong> de consumo comum. Exatamente como oaspecto de custo, toda e qualquer estimativa de benefícios previstosobtida pela simples adição de participações isoladas muitoprovavelmente apresentará grandes margens de erro.O reconhecimento dos pontos acima sugere que a modernaanálise de custo-benefício, que parece orientada para gerar algumasmedidas de custos "sociais" e benefícios genuínos a partir deprojetos propostos, possui uma adequação limitada. A suposição deque os custos previstos mensurados se igualarão aos benefíciosprevistos mensurados implica que o grupo deve se situar de algummodo <strong>em</strong> uma marg<strong>em</strong> de indiferença nessa sua <strong>escolha</strong> coletiva ou"social", a favor ou contra o projeto. Contudo, como já d<strong>em</strong>onstramos,não existe motivo, por mais r<strong>em</strong>oto que seja, para esse tipo deinferência, ainda que isolada das importantes questões dedistribuição que até agora não foram levantadas. Mesmo que atributação proposta venha a recair igualmente sobre todos os87


CUSTO E ESCOLHAcontribuintes e os benefícios propostos sejam igualmente compartilhados,não caberá suposição alguma de que a razão deunidade mensurada entre custo e benefício deva implicarindiferença na <strong>escolha</strong> pelo grupo.Os <strong>Custo</strong>s e o Processo Decisório:O Modelo AutoritárioOs custos que influenciam a <strong>escolha</strong> de bens públicos variamsegundo a localização do poder real de decisão dentro dacoletividade. Mesmo no mais ingênuo dos modelos d<strong>em</strong>ocráticos,no qual se suponha que o indivíduo que toma a decisão seja ele ocontribuinte fiscal prospectivo ou o beneficiário prospectivo <strong>em</strong>algum sentido "representativo", os verdadeiros custos deoportunidade dev<strong>em</strong> abranger a avaliação pelo indivíduo dassatisfações sacrificadas por outros. O próprio fato de a decisão sercoletiva assim o requer. É evidente que, quando modelos decisóriosde maior complexidade são introduzidos, o aspecto não pessoal doscustos torna-se mais significativo. Para ilustrar os conceitos acima,pod<strong>em</strong>os voltar nossa atenção ao extr<strong>em</strong>o não d<strong>em</strong>ocrático doespectro e examinar uma estrutura decisória autoritária.Suponhamos que todas as decisões da coletividade sejamtomadas por uma única pessoa investida de poderes ditatoriais.Limitando nossa análise às finanças públicas, quais são os custosque influenciam a <strong>escolha</strong> neste contexto? Quais os obstáculos àdecisão do ditador sobre a arrecadação de um tributo para financiaruma determinada despesa pública? Em última instância, elepessoalmente não arcará com qualquer participação no tributo a sercriado. Os "custos" que poderiam ser evitados por uma decisão denão impor o tributo são, portanto, exclusivamente representadospela avaliação do ditador, das satisfações que ele próprioasseguraria com a ausência do tributo. Em um contexto decisóriocomo este, o <strong>em</strong>prego do des<strong>em</strong>bolso ou pagamento previsto pararepresentar indiretamente o custo que influencia a <strong>escolha</strong> parecequase que desprovido de significado. Como já mencionamos acima,a análise de custo-benefício pode gerar estimativas altamente88


CUSTO PRIVADO E SOCIALimprecisas, mesmo nos modelos d<strong>em</strong>ocráticos menos sofisticados,devido ao fato de os aspectos coletivos tanto dos custos quanto dosbenefícios ser<strong>em</strong> ignorados. Entretanto, os resultados desse tipo deanálise não deixam de ter seu significado. Em comparação, aanálise de custo-benefício do tipo ortodoxo, ao ser aplicada aomodelo autoritário, torna-se absurda uma vez que não se espera quenenhuma parte do des<strong>em</strong>bolso previsto seja compartilhada pelapessoa que realiza a <strong>escolha</strong>.Os <strong>Custo</strong>s e o Processo Decisório:Os Modelos MistosEm qualquer contexto político da realidade, as decisõescoletivas são tomadas através de processos institucionais quegeralmente reflet<strong>em</strong> uma mistura dos modelos puramented<strong>em</strong>ocráticos e puramente autoritários. A maioria dos indivíduosparticipa direta ou indiretamente do processo decisório de grupo,todavia, determinadas pessoas participam mais ativamente do queoutras. Isso quer dizer que a eficácia dos próprios indivíduos e dosgrupos <strong>em</strong> influenciar o processo decisório apresenta uma grandevariação nesse contexto. Os custos que influenciam os cálculos de<strong>escolha</strong> de um determinado indivíduo depend<strong>em</strong>, sobretudo, de seugrau de participação personalizado ou individualizado <strong>em</strong> umpagamento ou des<strong>em</strong>bolso previsto e da avaliação que faz dessedes<strong>em</strong>bolso <strong>em</strong> termos do sacrifício de suas próprias satisfações.Além disso, o indivíduo deve avaliar as satisfações que, <strong>em</strong> suaopinião, outros deverão sacrificar à medida que fiqu<strong>em</strong> sujeitos aoprocesso de tributação. Somente no caso <strong>em</strong> que cada um dosparticipantes do processo decisório de grupo julgasse as satisfaçõessacrificadas de todos os outros como tão importantes quanto assuas, a distribuição dos pagamentos previstos de tributos não trariainfluência alguma aos "custos", à medida que estes influenciass<strong>em</strong>ou modificass<strong>em</strong> as decisões. Se cada indivíduo,independent<strong>em</strong>ente de seu poder sobre as decisões coletivas,avaliasse subjetivamente cada dólar previsto para o pagamento dotributo pago pelas outras pessoas como se fosse seu, n<strong>em</strong> a89


CUSTO E ESCOLHAdistribuição do poder decisório, n<strong>em</strong> a distribuição dasparticipações no tributo poderiam modificar os custos que seapresentam como obstáculos à <strong>escolha</strong>. Neste caso restrito, asmensurações ortodoxas de custo-benefício poderiam serrepresentações razoavelmente precisas dos custos e benefícios queinfluenciam a <strong>escolha</strong>. Os meros requisitos deste modelo bastampara evidenciar a sua manifesta absurdidade" 4 .Os defensores das estimativas de custo-benefício poderãocontestar, afirmando que as decisões coletivas, não importandocomo n<strong>em</strong> por qu<strong>em</strong> sejam tomadas, dev<strong>em</strong> ser dirigidas atravésdas comparações de projeto que as estimativas revelam. O objetivoda análise de custo-benefício que este argumento sugere não éd<strong>em</strong>onstrar os verdadeiros custos de oportunidade <strong>em</strong> um contexto<strong>em</strong> que o custo influencia a <strong>escolha</strong>, e sim delimitar as regras para<strong>escolha</strong>. Porém por que os custos mensuráveis objetivamentedev<strong>em</strong> ser considerados capazes de refletir o "custo social" <strong>em</strong>qualquer um dos significados razoáveis do termo? As avaliaçõesdos indivíduos dev<strong>em</strong> receber a devida importância <strong>em</strong> qualquertentativa de obtenção de declarações normativas, todavia essasavaliações apresentam uma relação direta muito pequena com osdes<strong>em</strong>bolsos mensurados pelos vários motivos mencionados, sendoos mais importantes os de distribuição. Neste ponto, o defensor daortodoxia do custo-benefício poderá rejeitar a limitação implícita de4É interessante observar que os analistas sofisticados de custo-benefícioreconhec<strong>em</strong> a importância da distribuição das quotas tributárias (ou quotas debenefício), enquanto simultaneamente deixam de reconhecer a importância dadistribuição do poder decisório. A omissão desse segundo efeito de distribuiçãoprovém, é claro, do paradigma segundo o qual os "custos" exist<strong>em</strong> como magnitudesobjetivamente quantificáveis, não relacionadas com o processo de <strong>escolha</strong>. Dentreos estudiosos da economia aplicada do b<strong>em</strong>-estar que examinaram a metodologia daanálise de custo-benefício, apenas Roland N. McKean parece ter consciência daexistência desse tipo de probl<strong>em</strong>a. Vide seu estudo, The Use of Shadow, Prices <strong>em</strong>Samuel B. Chase, Jr. (ed.) Probl<strong>em</strong>s in Public Expenditure Analysis (Washington,D.C.: Brookings Institution, 1968), págs. 33-65. Para uma discussão específica sobrea importância da distribuição das quotas de tributo ou de benefício, vide o estudo deBurton A. Weisbrod Income Redistribution Effects and Benefit-Cost Analysis, págs.177-208 do mesmo volume.90


CUSTO PRIVADO E SOCIALseu procedimento estimativo <strong>em</strong> relação a fluxos de custos ebenefícios mensuráveis objetivamente. Ele poderá sugerir ainclusão de algumas estimativas de características de alternativasavaliadas subjetivamente nos custos e benefícios previstos, porémincomensuráveis objetivamente. Por meio desse procedimento,entretanto, toda a análise é sutilmente convertida, daquela capaz deproduzir um acordo <strong>em</strong> potencial entre os cientistas competentes aum exame de caráter puramente subjetivo, não para os indivíduosque tomam a decisão, mas para o economista que oferece a suaorientação normativa. O especialista <strong>em</strong> custo-benefício devecontentar-se com apenas uma das alternativas acima. Ele nãopoderá reivindicar uma precisão "científica" para as suasestimativas a menos que se limite rigorosamente às magnitudesobserváveis objetivamente. Contudo, se adotar este últimoprocedimento, ele não poderá afirmar que as suas estimativasreflet<strong>em</strong> normas razoáveis nas quais as <strong>escolha</strong>s "sociais" sebaseiam.A Escolha Entre ProjetosAté agora, nossa atenção limitou-se ao aspecto de custo deuma possível decisão de criar um tributo com a finalidade definanciar um projeto governamental específico. Essa mesma<strong>escolha</strong> envolve um custo bastante diferente daquele que aparecequando várias <strong>escolha</strong>s diferentes são consideradas. Um deles é oda <strong>escolha</strong> de um entre muitos projetos públicos. Nesse caso, ocusto que influencia a <strong>escolha</strong> será bastante diverso daquele queintegra a decisão de criar o tributo. A cada decisão específicavincula-se um custo de oportunidade singular, dependendo dascaracterísticas específicas da decisão.Os economistas observam com freqüência que osverdadeiros custos de oportunidade dos projetos <strong>em</strong>preendidosdeixam de existir durante os períodos de des<strong>em</strong>prego <strong>em</strong> massa.Porém, recomenda-se o devido cuidado na interpretação dosignificado preciso dessa conclusão e no exame das particularidadesda decisão <strong>em</strong> questão. Primeiramente, consider<strong>em</strong>os a decisão de91


CUSTO E ESCOLHA<strong>em</strong>itir moeda ou não para financiar despesas, públicas ou privadas,durante uma fase de profunda recessão. As alternativas que seapresentam são, <strong>em</strong> primeiro lugar, não se tomar providênciaalguma <strong>em</strong> relação à deficiência na d<strong>em</strong>anda agregada e, <strong>em</strong>segundo, financiar novas despesas através de tributação ou de<strong>em</strong>préstimos públicos. <strong>Uma</strong> vez que se suponha que exist<strong>em</strong> recursosnão <strong>em</strong>pregados, a <strong>em</strong>issão de moeda não gerará pressõesinflacionárias. Estando o indivíduo que decide adequadamenteinformado, para ele não haverá "custos reais", no sentido dassatisfações que serão sacrificadas <strong>em</strong> relação a si próprio ou aosoutros. Dado que qualquer um dos cursos alternativos de ação,mesmo que traga um fluxo de benefícios idênticos, gerará essescustos reais, esse indivíduo se inclinará a escolher a alternativa da<strong>em</strong>issão de moeda. No caso desta <strong>escolha</strong>, seria correto afirmar quenão há ou não deverá haver obstáculo algum ao custo. Se,entretanto, a despeito da existência de recursos não <strong>em</strong>pregados, forescolhida a alternativa da tributação como dispositivo definanciamento, a <strong>escolha</strong> então envolverá um custo. Os usos alternativosque se poderá fazer do dinheiro arrecadado <strong>em</strong> tributaçãosão sacrificados pelo indivíduo que toma a decisão e pelos outros aose escolher a alternativa de tributação. Assim, essas opçõessacrificadas dev<strong>em</strong> ser avaliadas no momento da <strong>escolha</strong>. Aexistência de des<strong>em</strong>prego poderá reduzir os custos que influenciama decisão <strong>em</strong> relação aos benefícios que influenciam a <strong>escolha</strong> danova despesa, porém não se pode negar a existência dos "custosreais".A <strong>escolha</strong> financeira que faz parte do potencial decisório de<strong>em</strong>itir moeda ou de financiar novas despesas através de outrosrecursos deve estar claramente diferenciada da decisão de gastar,que surge quando se deve fazer a <strong>escolha</strong> dentre os projetos.Primeiramente, existe a <strong>escolha</strong> de usar a verba para ampliar osgastos do setor privado ou do setor público. A <strong>escolha</strong> de umprojeto para o setor público implica um custo de oportunidade queestá representado pelas satisfações previstas que serão sacrificadaspelos possíveis aumentos dos gastos no setor privado e quepoderiam ser geradas pelas mesmas verbas. Mesmo tendo sido feita92


CUSTO PRIVADO E SOCIALa opção pelo projeto do setor público, uma outra <strong>escolha</strong> deve serconfrontada, o que também implica um custo que influencia a<strong>escolha</strong>, um obstáculo à decisão. <strong>Uma</strong> vez <strong>em</strong>itida a moeda e tomadaa decisão de ampliar as despesas do setor público, deve-seenfrentar a <strong>escolha</strong> entre as diferentes utilizações para a verba. Ocusto que influencia a <strong>escolha</strong> de um novo edifício para os correiosrepresenta o valor subjetivo que o indivíduo que toma a decisãoatribui a um novo edifício para a escola que poderia ser construído<strong>em</strong> seu lugar. A conhecida afirmação "Os edifícios para os correiosconstruídos durante a década de 30 custaram muito pouco <strong>em</strong> termosdas alternativas sacrificadas" tende a ser enganosa. Narealidade esses projetos implicaram custos de oportunidadeverdadeiros para as pessoas que tomaram a decisão. Esses custoseram representados pelos valores esperados para outros projetospúblicos e privados que jamais foram levados adiante. A <strong>em</strong>issãode moeda, na medida <strong>em</strong> que tenha sido realizada diante das condiçõesvigentes na década de 30, foi a <strong>escolha</strong> que deveria ter custadomuito pouco <strong>em</strong> termos das alternativas sacrificadas.Os <strong>Custo</strong>s do Financiamentoda Dívida de Bens PúblicosEm nenhuma outra área a confusão el<strong>em</strong>entar sobre a <strong>teoria</strong>do custo t<strong>em</strong> estado <strong>em</strong> maior evidência do que nos cáusticosdebates sobre a incidência da dívida pública. Na verdade, foiprecisamente através do meu próprio envolvimento na controvérsiado ônus da dívida moderna e de meus esforços subseqüentes parareconciliar meus conceitos com os de renomados companheiroseconomistas que minha atenção se voltou para a <strong>teoria</strong> do custo 5 . Oprobl<strong>em</strong>a do ônus da dívida ilustra, por um lado, a necessidade de5Em meu livro anterior, minhas idéias sobre custo eram confusas. Vide, do autor,Public Principles of Public Debt (Homewood, III.: Richard D. Irwin, 1958). Umtanto atrasado, <strong>em</strong> resposta à crítica, esbocei as diferenças na <strong>teoria</strong> da dívida <strong>em</strong>relação às confusões da <strong>teoria</strong> do custo. Minhas contribuições, juntamente comoutros estudos, são apresentadas <strong>em</strong> James M. Ferguson (ed.), Public Debt andFuture Generations (Chapei Hill: University of North Carolina Press, 1964).93


CUSTO E ESCOLHAdiferenciarmos entre o custo que influencia a <strong>escolha</strong> e o que porela é influenciado e, por outro lado, a necessidade de relacionarmoso custo diretamente à <strong>escolha</strong>.Consider<strong>em</strong>os primeiramente a opinião amplamentedefendida por economistas sofisticados antes de 1958. Afirmava-seque o "ônus real" do financiamento da dívida de bens públicos, osverdadeiros custos de oportunidade, deveria ser experimentado naocasião <strong>em</strong> que os recursos reais foss<strong>em</strong> efetivamente <strong>em</strong>pregados.No caso da dívida da II Guerra Mundial, o aço foi usado para afabricação de armas <strong>em</strong> 1943 e não <strong>em</strong> outro período posterior.Parecia então ser um contra-senso manifesto, uma violação doraciocínio mais el<strong>em</strong>entar de custo de oportunidade declarar que oônus da dívida pública fora "transferido para as gerações futuras".Por mais difícil que tenha sido defender essa opinião <strong>em</strong>1969 (a despeito do patrocínio continuado dessa causa <strong>em</strong> debatesmenos sofisticados apresentados <strong>em</strong> textos didáticos), o raciocínioortodoxo <strong>em</strong> relação ao custo de oportunidade, que mensura oscustos reais <strong>em</strong> termos dos recursos reais quantificadosobjetivamente e que se concentra <strong>em</strong> custos independent<strong>em</strong>ente dasparticularidades da decisão, nos leva de modo bastante lógico a essa<strong>teoria</strong>. Qu<strong>em</strong> desiste do comando dos recursos reais obtidos parauso público <strong>em</strong> condições de financiamento de dívida? A respostaóbvia será: aqueles que adquir<strong>em</strong> os instrumentos de débito junto aoErário público. Esses compradores de obrigações não apresentam amínima preocupação <strong>em</strong> relação à decisão de financiar a dívida; a<strong>escolha</strong> desses compradores limita-se ao simples fato de adquirirtítulos da dívida pública ou outros investimentos do setor privadoou bens de consumo. Essas pessoas certamente não tomam parte na<strong>escolha</strong> fiscal. Não se pode dizer que elas sofram o "custo" dos benspúblicos que a <strong>em</strong>issão de títulos da dívida pública financiará. Paradeterminar o verdadeiro custo dos bens públicos, o custo queinfluencia a <strong>escolha</strong> fiscal, dev<strong>em</strong>os examinar as opções fiscais. Oque será evitado se a dívida não for contraída e se os bens públicosnão for<strong>em</strong> produzidos?Se a dívida pública não é contraída, se os títulos dessa dívidanão são <strong>em</strong>itidos, o indivíduo que toma a decisão, juntamente com94


CUSTO PRIVADO E SOCIALoutros indivíduos na coletividade, evita a necessidade de executar oserviço e a amortização da dívida <strong>em</strong> períodos futuros. Os custos daconcretização da dívida, no sentido <strong>em</strong> que possam influenciar umadecisão sobre as opções fiscais, dev<strong>em</strong> se refletir na avaliaçãosubjetiva desses gastos subseqüentes da pessoa que decide. Quantoaos custos que influenciam a <strong>escolha</strong>, estes se concentram nomomento da <strong>escolha</strong> e não <strong>em</strong> períodos posteriores durante os quaiso gasto efetivo deva ser realizado. Porém os custos subjetivos que ainfluenciam somente exist<strong>em</strong> <strong>em</strong> função da percepção peloindivíduo que toma a decisão de que será necessário realizar gastos<strong>em</strong> período futuro. A concentração do custo que influencia a<strong>escolha</strong> no momento da decisão se origina do simples fato de que adecisão é tomada; esse custo não possui nenhuma relação com ofato de que os recursos sejam utilizados no período inicial n<strong>em</strong> éinfluenciado por esse fato.Os custos influenciados pela <strong>escolha</strong> no caso de projetoscuja dívida é financiada, os prejuízos <strong>em</strong> utilidade <strong>em</strong> decorrênciada <strong>escolha</strong>, são sofridos exclusivamente nos períodos posteriores àdecisão. Esses pagamentos efetivos, que pod<strong>em</strong> ser mensuradosmonetariamente, pod<strong>em</strong> reduzir as utilidades de pessoas diferentesdaquelas que participam da decisão. De certo modo, esse ônus dadívida é s<strong>em</strong>pre um peso morto, sendo que a sua localização not<strong>em</strong>po não apresenta nenhuma relação com qualquer períododurante o qual os projetos públicos geram os seus benefícios.Dentre os estudiosos que contribuíram para o debate moderno sobrea <strong>teoria</strong> da dívida pública, alguns reconhec<strong>em</strong> que, <strong>em</strong> comparaçãocom o financiamento através da tributação, a questão da dívidapública gera um "ônus" relativo sobre as gerações futuras.Entretanto, chegam a essa conclusão porque afirma-se que a dívidapública reduz a formação de capital <strong>em</strong> muito maior grau que ofinanciamento através da tributação. Desse modo, as "geraçõesfuturas" herdarão um estoque de capital um pouco menor nas condiçõesatuais de financiamento da dívida pública do que herdariam<strong>em</strong> condições de financiamento de despesas públicas s<strong>em</strong>elhantesatravés da arrecadação tributária. Esta linha de argumentação, que95


CUSTO E ESCOLHApode ser associada a Vickrey e Modigliani 6 , também se baseia nafalha <strong>em</strong> relacionar o custo com a <strong>escolha</strong>. Independent<strong>em</strong>ente dofato de a formação de capital privado ser ou não ser relativamentereduzida pelo financiamento da dívida ela é irrelevante quanto àlocalização do ônus da dívida nos períodos posteriores à <strong>escolha</strong>.Mesmo que toda a verba alocada para a compra dos títulos fosseretirada do consumo de então, os custos subjetivos da questão dodébito ainda se constituiriam na avaliação, pelo indivíduo que tomaa decisão, dos prazeres que deveriam ser sacrificados por elepróprio e por outros <strong>em</strong> períodos futuros, quando os des<strong>em</strong>bolsospara o serviço e a amortização do débito tivess<strong>em</strong> de ser feitos. Adecisão de um comprador prospectivo de títulos da dívida pública éevident<strong>em</strong>ente pertinente à taxa de formação de capital, porém nãoé a mesma decisão que a do vendedor prospectivo de títulos da dívidapública. Se o comprador de títulos da dívida pública retira a verbade um investimento privado corrente, ele estará impondo um "ônus"a seus próprios herdeiros <strong>em</strong> períodos futuros, sendo que oreconhecimento desse fato representará o obstáculo à sua <strong>escolha</strong>.6 Vide as contribuições dos mesmos <strong>em</strong> Ferguson, op. cit. Um erro s<strong>em</strong>elhante écometido por Feldstein e ratificado por Prest e Turvey <strong>em</strong> sua revisão da análise decusto-benefício. Segundo Feldstein, o custo de um projeto depende <strong>em</strong> parte do fatode as verbas ser<strong>em</strong> ou não retiradas do consumo atual ou de investimentos.Entretanto, na medida <strong>em</strong> que as mensurações de custo-benefício tenham qualquerutilidade, deve-se supor que os indivíduos dos quais a verba se origina, neste casopresume-se que seja através de tributação, estejam <strong>em</strong> equilíbrio entre osdes<strong>em</strong>bolsos para o consumo e para investimentos. Neste caso, as utilidades <strong>em</strong>relação a cada dólar estão equalizadas na marg<strong>em</strong>.Como sugerimos anteriormente, a menos que se suponha esse equilíbrio pleno, todaa abordag<strong>em</strong>, que, na melhor das hipóteses, é limitada, toma-se inútil. Vide M.S.Feldstein, Opportunity Cost Calculations in Cost-Benefit Analysis, Public Finance,XIX (1964) 126, como já citado <strong>em</strong> A.R. Prest e R. Turvey <strong>em</strong> Cost-BenefitAnalysis: A Survey, Economic Journal, LXXV (dez<strong>em</strong>bro de 1965), págs. 686-87.É interessante o fato de que Davenport parece ter-nos alertado indiretamente sobreesse erro há meio século. Ele ressaltou que os custos para um mutuário (aquele a quedeve renunciar para assegurar a verba) não apresentam nenhuma relação direta como custo para o mutuante (aquele a que deve renunciar ao tomar uma decisão deconsumo com poupança). Exist<strong>em</strong> duas <strong>escolha</strong>s diferentes e, portanto, dois custos.Vide H.J. Davenport, Value and Distribution (Chicago: University Press, 1908),pág. 260.96


CUSTO PRIVADO E SOCIALSe ele retira a verba do consumo corrente, nenhum ônus seráimposto. Contudo, o que dev<strong>em</strong>os ressaltar aqui é que a <strong>escolha</strong>dessa pessoa está nitidamente separada e diferenciada daquela feitapelo indivíduo que se decidiu pela <strong>em</strong>issão dos títulos. A ênfase nosaspectos de formação de capital na dívida pública parece surgir deuma confusão <strong>em</strong> relação aos resultados não de uma, mas de duasdecisões, e aos cálculos não de um, mas de dois conjuntos deindivíduos que decid<strong>em</strong>.O Teor<strong>em</strong>a da Equivalência de RicardoRicardo formulou o teor<strong>em</strong>a de que uma pessoa racionaldeveria manter-se indiferente entre a arrecadação de um tributoextraordinário e a <strong>em</strong>issão de um <strong>em</strong>préstimo público de igualvalor. Em seu modelo, Ricardo supunha que o indivíduo possuía umhorizonte de t<strong>em</strong>po infinitamente longo e que os mercados decapitais eram perfeitos no sentido <strong>em</strong> que um indivíduo poderiaobter um <strong>em</strong>préstimo a uma mesma taxa que a coletividade. Nessascondições, o indivíduo poderia, s<strong>em</strong> nenhum custo, transformaruma dessas duas alternativas fiscais na outra através de transaçõesno mercado de capitais. Segue-se que o indivíduo deveria manter-seindiferente <strong>em</strong> relação a elas.Assim, a análise é el<strong>em</strong>entar e óbvia. Porém uma análises<strong>em</strong>elhante poderia ser estendida a qualquer ato de <strong>escolha</strong>individual. Se, por ex<strong>em</strong>plo, o indivíduo é informado que s<strong>em</strong>prepoderá trocar uma laranja por uma maçã através do mercado, elepermanecerá indiferente entre um presente representado por umalaranja ou por uma maçã, dada a possibilidade da transformaçãos<strong>em</strong> custos. Entretanto, isso não implica que uma laranja seja iguala uma maçã na avaliação subjetiva do indivíduo. Essa igualdadesomente surgirá se for permitido ao indivíduo ajustar as quantidadescompradas e vendidas <strong>em</strong> um ponto tal que o equilíbrio decomportamento seja plenamente alcançado. Em situações isoladasde desequilíbrio, não se pode assumir a existência dessa igualdadena avaliação subjetiva. Desse modo, se aplicarmos o conceito àsalternativas representadas pela dívida pública e pela tributação, o97


CUSTO E ESCOLHAindivíduo permanecerá indiferente <strong>em</strong> virtude de poder realizartransformações s<strong>em</strong> nenhum custo, mas não pelo motivo que asduas alternativas sejam de igual valor <strong>em</strong> sua consideraçãosubjetiva das mesmas.O reconhecimento desse simples conceito sugere que aconversão da alternativa de dívida pública para um equivalente devalor atual poderá não mensurar ou representar com precisão overdadeiro custo que influencia a <strong>escolha</strong>, <strong>em</strong>butido na questão dadívida. Caso se observe que o indivíduo <strong>escolha</strong> a alternativa dadívida pública, isso será uma indicação que o custo está abaixodaquele representado pela alternativa da tributação, que é definidocomo igual ao valor presente dos encargos de futuros serviços e dasamortizações da dívida. Não se pode inferir que a <strong>escolha</strong> doindivíduo seja marginalista. Os custos de oportunidade queinfluenciam a <strong>escolha</strong>, a avaliação subjetiva do sacrifício deprazeres <strong>em</strong> períodos futuros, pod<strong>em</strong> estar substancialmente abaixodo valor representado pelo valor corrente capitalizado das obrigaçõesde pagamento necessárias. Somente nos casos <strong>em</strong> que sejapossível supor que o indivíduo tenha ajustado totalmente os seuspadrões de despesa com poupança para igualar a sua própria taxa dedesconto <strong>em</strong> prazo à taxa de mercado é que se pode afirmar que oindivíduo deve se encontrar <strong>em</strong> uma marg<strong>em</strong> subjetiva deindiferença entre os dois instrumentos fiscais. Na verdade, sãoprecisamente as diferenças entre as avaliações subjetivas de instrumentosde valor corrente igual com dimensões de t<strong>em</strong>po diferentesque levam o indivíduo a se comportar na direção do equilíbriopleno.Do ponto de vista metodológico, certamente seria impróprioenunciar implicações de <strong>escolha</strong> entre instrumentos de valorescorrentes iguais, bens ou obrigações, a partir das características deequilíbrio para cuja direção está voltado o comportamento de<strong>escolha</strong>.98


CUSTO PRIVADO E SOCIALCapitalização de TributaçãoO teor<strong>em</strong>a de Ricardo se relaciona a uma aplicação de <strong>teoria</strong>fiscal separada que a <strong>teoria</strong> de custo consistente poderá esclarecer.Exatamente o que os teóricos fiscais quer<strong>em</strong> dizer quando afirmamque um tributo poderá ser totalmente capitalizado <strong>em</strong> determinadascondições? O cálculo aritmético é simples e direto: o valor atual dob<strong>em</strong> sujeito ao novo tributo é anotado de modo a refletir o peso dostributos futuros previstos como encargos sobre a renda. Ocomprador do b<strong>em</strong>, após o momento da capitalização, não arcarácom parcela alguma do ônus tributário; este recairá exclusivamentesobre o proprietário do b<strong>em</strong> por ocasião da imposição do tributo.Não haverá equívoco algum nessa afirmação sucinta daanálise ortodoxa, se as condições através das quais a capitalizaçãopode ocorrer for<strong>em</strong> cuidadosamente estipuladas. Contudo,freqüent<strong>em</strong>ente se supõe que o "ônus" do tributo sejaexperimentado subjetivamente somente quando da anotação dovalor de capital do b<strong>em</strong>, não ocorrendo nenhum outro sacrifícioposterior de utilidade. Essa suposição se baseia <strong>em</strong> confusõesel<strong>em</strong>entares. O momento da capitalização corresponde ao momentoda <strong>escolha</strong>, segundo nossa discussão anterior sobre o custo.Pod<strong>em</strong>os aclarar ainda mais nossa análise se imaginarmos que umproprietário de um b<strong>em</strong> faça uma <strong>escolha</strong> que implique renúncia,<strong>em</strong> tributação ou <strong>em</strong> qualquer outra forma, a uma parte do fluxo derenda futuro desse b<strong>em</strong>. Ter<strong>em</strong>os então um custo de oportunidadeque influenciará a <strong>escolha</strong>, uma avaliação puramente subjetiva dasopções que dev<strong>em</strong> ser sacrificadas devido ao fato da renúncia areivindicações de renda <strong>em</strong> período futuro. Porém, como ocorrecom a questão da dívida pública, esse custo subjetivo apareceapenas <strong>em</strong> virtude da expectativa de que, <strong>em</strong> períodos futuros,algum pagamento sobre a renda deva ser efetuado, algumasatisfação <strong>em</strong> potencial, alcançada através do uso da renda, devaser sacrificada. Realizada a <strong>escolha</strong> e aplicado o tributo ou outrareivindicação qualquer sobre a renda gerada pelo b<strong>em</strong>, advirãoconseqüências que pod<strong>em</strong> incluir a necessidade contraída de seefetuar os pagamentos exigidos. Na decisão tomada anteriormente,99


CUSTO E ESCOLHAesses custos tornam-se os custos influenciados pela <strong>escolha</strong>, quetanto pod<strong>em</strong> ser mensurados objetivamente quanto avaliadossubjetivamente. O proprietário do b<strong>em</strong> experimenta prejuízos <strong>em</strong>utilidade nesses períodos posteriores, que não pod<strong>em</strong> sereliminados através do processo de capitalização, visto que, naverdade, a previsão desses prejuízos <strong>em</strong> utilidade <strong>em</strong> período futurorepresenta a única base para os custos subjetivos experimentadosdurante o momento da <strong>escolha</strong> ou da capitalização.Às vezes a distinção entre a transferência do ônus entre osproprietários de bens e a localização t<strong>em</strong>porária desse ônus pode serobjeto de confusão. A capitalização concentra o ônus da tributaçãosobre o proprietário de um b<strong>em</strong> no momento da arrecadação inicial.Contudo, a expressão "no momento" refere-se ao padrão depropriedade, não ao ônus da tributação. Mesmo se o proprietáriovender o b<strong>em</strong> imediatamente após a capitalização plena, ele aindaexperimentará os custos influenciados pela <strong>escolha</strong> nos períodossubseqüentes.Tanto na capitalização tributária quanto na <strong>escolha</strong>econômica comum exist<strong>em</strong> dois custos, não apenas um, cujadiferenciação é necessário fazer. De forma inteiramente análoga aocusto que influencia a <strong>escolha</strong> cm qualquer decisão, existe apercepção puramente subjetiva que os fluxos futuros de renda serãoreduzidos. Este fenômeno é experimentado na sensação de avaliaras oportunidades de prazeres futuros que tenham sido excluídasrepentinamente. De forma análoga ao custo influenciado pela<strong>escolha</strong>, existe o prejuízo experimentado <strong>em</strong> utilidade, que haviasido previsto e que possui o seu equivalente objetivo nas obrigaçõesde pagamento assumidas. O proprietário do b<strong>em</strong> não pode,portanto, capitalizar totalmente os futuros pagamentos de tributosno sentido <strong>em</strong> que ele sofra todo o ônus real no momento daimposição dos mesmos e <strong>em</strong> quaisquer circunstâncias. Não haveráabsolutamente nada de contraditório nessa conclusão uma vezinteiramente reconhecida a dualidade do custo <strong>em</strong> qualquer <strong>escolha</strong>.O custo previsto não é n<strong>em</strong> pode ser o substituto de um ônusefetivamente experimentado. Esses dois conceitos tampouco pod<strong>em</strong>100


CUSTO PRIVADO E SOCIALpossuir dimensões equivalentes. "O covarde morre mil vezes antesda sua hora."101


CUSTO E ESCOLHA<strong>Custo</strong> Privado e SocialA igualdade entre o custo marginal privado e o customarginal social representa o critério alocativo da economia do b<strong>em</strong>estarde Pigou 1 . Esse princípio permanece aceitável para a maiorparte dos economistas do b<strong>em</strong>-estar. Considera-se que a tributação eo subsídio corretivos sejam requisitos para o atendimento dascondições ideais necessárias na presença de efeitos externos. Oassunto de debate a ser tratado no momento limita-se ao conceito decusto implícito no critério da política de Pigou; por esse motivo,não há necessidade de revisarmos trabalhos mais recentes sobre a<strong>teoria</strong> da externalidade, alguns dos quais atribu<strong>em</strong> importantesqualificações às normas pigouvianas 2 . O presente capítulo t<strong>em</strong> porobjetivo d<strong>em</strong>onstrar que os princípios de Pigou deixam deestabelecer a distinção entre os custos que pod<strong>em</strong> influenciar a<strong>escolha</strong> e os custos mensuráveis objetivamente.1O critério que identifica a igualdade entre o produto marginal privado e o produtomarginal social reduz o critério de custo quando este é descrito <strong>em</strong> termos de custode oportunidade. O deixar de adotar um curso de ação que traga benefícios externospode ser considerado como o equivalente analítico de adotar um curso de ação quetraga custos externos. Em sua própria formulação, Pigou valeu-se da terminologia deproduto quase exclusivamente, <strong>em</strong>bora tenha-se referido a ambos os tipos dedivergência. Vide A.C. Pigou, The Economics of Welfare (4a edição; Londres:Macmillan, 1932), esp. págs. 131-35.2Notadamente, R.H. Coase, The Probl<strong>em</strong> of Social Costs, Journal of Law andEconomics, III (outubro de 1960), 1-44; Otto A. Davis e Andrew Whinston,Externality, Welfare, and the Theory of Games, Journal of Political Economy, LXX(junho de 1962), págs. 241-62.102


CUSTO PRIVADO E SOCIALAnálise SumáriaConsider<strong>em</strong>os um ex<strong>em</strong>plo comum no qual ocomportamento de uma pessoa (ou de uma <strong>em</strong>presa) causadeseconomias, não a si mesma mas a outros indivíduos. Essasdeseconomias representam a perda de "bens" para outros, s<strong>em</strong> quehaja uma compensação através dos procedimentos comuns d<strong>em</strong>ercado. A aplicação da norma de Pigou sugere que os custosimpostos externamente aos indivíduos que não faz<strong>em</strong> parte doprocesso decisório devam ser incluídos nos cálculos do indivíduoque toma a decisão. Esses custos dev<strong>em</strong> ser adicionados aospróprios custos internos do indivíduo que decide, custos que sesupõe que este indivíduo leve <strong>em</strong> conta. O dispositivo geralmenteproposto é a imposição de um tributo sobre o des<strong>em</strong>penho daexternalidade que gera a atividade, um tributo equivalente aoscustos externos por unidade que a atividade imponha. Outrosdispositivos às vezes propostos são providências de naturezainstitucional, projetadas de modo a internalizar a externalidade. Emtodos os casos, o objetivo é dar aos custos que informam ouinfluenciam o indivíduo que toma a decisão a adequação necessária<strong>em</strong> relação aos custos "sociais" verdadeiros. Os modelospermanec<strong>em</strong> individualizados no sentido <strong>em</strong> que os custos "sociais"são calculados através da simples adição dos indivíduospertencentes à comunidade ou grupo <strong>em</strong> questão.Um Exame mais MinuciosoSegundo a <strong>teoria</strong> de Pigou, a mudança nos "custos"resultante da aplicação expressamente recomendada de um tributomodifica o comportamento da pessoa atuante de modo a gerar"eficiência". Porém, qual o significado do termo "custos" nessecontexto? Esse arcabouço de Pigou nos fornece talvez o melhor <strong>em</strong>ais singular ex<strong>em</strong>plo da confusão reinante entre os conceitos decusto objetivos formulados classicamente e os conceitos de custossubjetivos que influenciam a <strong>escolha</strong> do indivíduo.Consider<strong>em</strong>os, <strong>em</strong> primeiro lugar, a determinação dequanto do tributo corretivo deverá ser aplicado. Essa quantidadedeve ser igual aos custos externos sofridos por outras pessoas,exceto aos do indivíduo que toma a decisão, <strong>em</strong> conseqüência dessa103


CUSTO E ESCOLHAdecisão. Esses custos são experimentados por indivíduos quepoderão avaliar os seus próprios prejuízos resultantes <strong>em</strong> utilidade:eles poderão muito b<strong>em</strong> especular sobre o que "poderia terocorrido" se não houvesse a deseconomia externa que sofr<strong>em</strong>.Entretanto, para que possamos estimar a dimensão do tributocorretivo, alguma mensuração objetiva deve ser <strong>em</strong>pregada <strong>em</strong>relação a esses custos externos. Porém o analista não disporá dereferência alguma a partir da qual possa elaborar estimativas plausíveis.Dado que as pessoas que sofr<strong>em</strong> esses "custos" - aquelasafetadas externamente - não participam da <strong>escolha</strong> que os gera,simplesmente não há meios de determinar, mesmo indiretamente, ovalor que atribu<strong>em</strong> ao prejuízo <strong>em</strong> utilidade que poderia serevitado. No ex<strong>em</strong>plo clássico, quanto a dona de casa cuja roupapara lavar está suja devido à fumaça teria de pagar para mandarr<strong>em</strong>ovê-la do ar? Até e a menos que ela realmente se depare comessa <strong>escolha</strong>, qualquer estimativa deverá permanecer inteiramentearbitrária. Os danos provocados pela fumaça não pod<strong>em</strong> ser, n<strong>em</strong>mesmo r<strong>em</strong>otamente, calculados com base nos des<strong>em</strong>bolsosestimados que seriam necessários para produzir "limpeza" no ar.É evidente que se pode definir fisicamente o que seja "arlimpo", a dificuldade não está na impossibilidade de definirunidades <strong>em</strong> um sentido fisicamente descritivo. Contudo,independent<strong>em</strong>ente de definição, não se pode permutar oucomercializar "ar limpo" isoladamente entre cada indivíduo. Cadapessoa deve simplesmente ajustar-se ao grau de pureza do arexistente <strong>em</strong> seu meio ambiente. Não existe a possibilidade de seefetuar ajustes marginais <strong>em</strong> relação às quantidades do "b<strong>em</strong>" d<strong>em</strong>odo a gerar um equilíbrio que evite as diferenças interpessoaisnas avaliações relativas.A figura 1 ilustra meu argumento. Não há meios quepermitam ao analista determinar objetivamente se a dona de casa seencontra na posição A, B, ou C no diagrama, não obstante torna-seevidente que o prejuízo <strong>em</strong> utilidade, tanto marginalmente quantono total, poderá ser significativamente diferente nos três casos. Nãoexiste uma base de comportamento que permita a observação dasavaliações para esse caso. A figura 1 também sugere que, se as104


CUSTO PRIVADO E SOCIALfunções relativas à preferência do indivíduo possuír<strong>em</strong> propriedadescomuns, as avaliações <strong>em</strong> separado dos mesmos provavelmentevariarão <strong>em</strong> proporção direta ao patrimônio-renda de cada um deles.A dona de casa mais abastada dará maior valor ao ar limpo do quea dona de casa menos favorecida. A razão é óbvia. A deseconomiaexterna "danos causados pela fumaça" não pode ser"recomercializada" entre as pessoas. Se isso fosse possível, a donade casa menos favorecida poderia mostrar-se disposta a assumiruma parcela adicional dos danos <strong>em</strong> troca de uma compensaçãomonetária de parte de sua vizinha de mais posses. Porém, visto quetal troca não poderá ocorrer, ela deverá simplesmente ajustar-se àproporção dos "pontos ruins" <strong>em</strong> seu meio ambiente."ÓTIMO""BOM"FIGURA 1A mensuração objetiva dos custos impostos externamenteparece mais viável nos casos <strong>em</strong> que a r<strong>em</strong>oção do agente nocivopossa gerar mudanças na função de produção das <strong>em</strong>presas. Se asunidades danificadas estivess<strong>em</strong> produzindo <strong>em</strong>presas, nãoindivíduos, não haveria necessidade de maiores complicações com aavaliação dos prejuízos de utilidade. Pode-se observar que umamudança no índice de "poluição" altera o índice de des<strong>em</strong>bolso requeridopara a produção de bens e serviços comercializáveis. <strong>Uma</strong>105


CUSTO E ESCOLHAvez que esses bens e serviços comandam os preços nos mercados, amensuração objetiva de seus valores será possível 3 . Para que atributação corretiva, equivalente aos custos impostos externamentea outros (que dev<strong>em</strong>os supor que sejam mensuráveis objetivamente,a despeito dos probl<strong>em</strong>as observados acima), possa produzir asmudanças <strong>em</strong> comportamento previstas pela análise de Pigou, oscustos internos com que se depara o indivíduo que toma a decisãotambém dev<strong>em</strong> ser mensuráveis objetivamente, ao menos de modoindireto. A análise pressupõe implicitamente que, na ausência datributação corretiva, as <strong>escolha</strong>s são orientadas através dosdes<strong>em</strong>bolsos monetários efetuados na aquisição dos insumos <strong>em</strong>transações comuns de mercado. Entretanto, como já pud<strong>em</strong>oscomprovar, não existe um respaldo lógico para essa suposição <strong>em</strong>casos mais genéricos. Os des<strong>em</strong>bolsos monetários observados nãonecessitam refletir os custos que influenciam a <strong>escolha</strong>, osverdadeiros custos de oportunidade analisados pelo indivíduo quedecide.Existe uma inconsistência evidente. A norma de Pigou t<strong>em</strong>por meta alinhar os custos marginais privados, uma vez queinfluenciam a <strong>escolha</strong>, com os custos sociais, uma vez que sãomensuráveis objetivamente. A introdução de dispositivos decorreção adequados somente será possível no caso da mensurabilidadeobjetiva. Porém <strong>em</strong> que condições pode-se assumir queos custos mensuráveis objetivamente, externos e internos, reflitam,com uma precisão razoável, os custos que o indivíduo querealmente toma a decisão levará <strong>em</strong> consideração. Em condições3 É provável que esse ponto ajude a determinar a orig<strong>em</strong> da confusão. Marshall ePigou desenvolveram o conceito de externalidade dentro do contexto dos modelosinter<strong>em</strong>presariais, assumindo de modo implícito a existência de estruturascompetitivas. Como poder<strong>em</strong>os observar, a adequação dos custos mensuráveisobjetivamente fica limitada mesmo neste modelo, mas os erros apresentam umaclasse diferente de magnitude <strong>em</strong> relação àqueles que surg<strong>em</strong> quando asexternalidades se refer<strong>em</strong> a uma interação interpessoal ou a uma interaçãointer<strong>em</strong>presarial na qual as funções de utilidade são <strong>em</strong>pregadas. A possibilidade d<strong>em</strong>ensuração objetiva dos custos externos não garante, evident<strong>em</strong>ente, que a políticade aplicação de uma tributação corretiva seja desejável. Em condições deconcorrência, essa política pode ser defendida plausivelmente dentro de certoslimites. Em comparação, a tentativa de aplicação de tributação corretiva <strong>em</strong> uma<strong>em</strong>presa que gere a externalidade poderá ser mais nociva do que benéfica. Sobre estaquestão el<strong>em</strong>entar, vide, do autor. External Diseconomics, Corrective Taxes andMarket Structure, American Economic Review, LIX (março de 1969), págs. 174-77.106


CUSTO PRIVADO E SOCIALideais de equilíbrio competitivo, os custos que pod<strong>em</strong> sermensurados pelo observador tend<strong>em</strong> a substituir razoavelmente asavaliações subjetivas das pessoas que decid<strong>em</strong>. Porém, quase pordefinição, os efeitos externos não se impõ<strong>em</strong> nessas condições.<strong>Custo</strong>s Internos, Equilíbrio e Quase-RendasRecomenda-se especificar cuidadosamente as condições nasquais se considere que esses des<strong>em</strong>bolsos mensur<strong>em</strong>, mesmo queindiretamente, a barreira subjetiva que se contrapõe à <strong>escolha</strong>. Sãoas seguintes essas condições: (1) o indivíduo ou <strong>em</strong>presa deveencontrar-se <strong>em</strong> pleno equilíbrio competitivo <strong>em</strong> relação à atividadeque gera a deseconomia externa; (2) nesse nível de equilíbrio deatividade e apenas nesse nível, as perdas são evitadas e nenhumlucro é auferido; e (3) não há perspectiva de lucro <strong>em</strong> mais nenhumlugar da economia. Nessas condições, os custos que pod<strong>em</strong> serevitados são simplesmente os des<strong>em</strong>bolsos que dev<strong>em</strong> serefetuados. O indivíduo ou a firma dispõ<strong>em</strong> de apenas umaalternativa de ação para evitar a perda. Essa alternativa seria nãoagir. Nesse caso, ele evita o des<strong>em</strong>bolso que o ato decisórioconsiderado na sua totalidade ou marginalmente requer. Torna-seevidente que não agir é o curso de comportamento mais atraente,uma vez que todas as outras opções dev<strong>em</strong> gerar perdas líquidas.É importante observar que as quase-rendas não pod<strong>em</strong>existir na situação de equilíbrio competitivo que o modelo requer.Portanto, o dispositivo de capitalização dos potenciais de recursosdiferenciais <strong>em</strong> quase-rendas para igualar os custos entre cada umadas <strong>em</strong>presas separadamente não pode ser utilizado. Para que elepossa existir, a relação entre os custos que influenciam a <strong>escolha</strong> eos des<strong>em</strong>bolsos mensuráveis objetivamente dependerá crucialmenteda ausência de quase-rendas. Se essas rendas existir<strong>em</strong>, tanto noque diz respeito ao comportamento pessoal de um indivíduo ou àatividade produtiva de uma <strong>em</strong>presa, não se poderá supor que osdes<strong>em</strong>bolsos previstos sejam capazes de mensurar os custos deoportunidade subjetivos, aqueles que dev<strong>em</strong> influenciar ocomportamento real de <strong>escolha</strong>. A conexão indireta entre os custos107


CUSTO E ESCOLHAde oportunidade subjetivos e os des<strong>em</strong>bolsos mensurados objetivamenteque esse equilíbrio estabelece é destruída. A causa é que napresença de "quase-rendas", ou indivíduo ou a <strong>em</strong>presa dispõ<strong>em</strong> d<strong>em</strong>ais de um curso alternativo de ação que evitará perdas. As "quaserendas"ou suas equivalentes produz<strong>em</strong> um respaldo que possibilitaum maior significado aos el<strong>em</strong>entos subjetivamente apropriados docálculo da decisão. Como Frank Knight pôde reconhecer ainda queimperfeitamente <strong>em</strong> seus estudos de 1935 4 , a tolerância paraquaisquer aspectos não pecuniários presentes no cálculo da <strong>escolha</strong>de um indivíduo ou de uma <strong>em</strong>presa causa um efeito desastroso no<strong>em</strong>prego de des<strong>em</strong>bolsos mensuráveis como substitutos dos custosde oportunidade que, de falo, influenciam o comportamento de<strong>escolha</strong>. Para os nossos objetivos neste momento, a tolerânciapermitida para as "quase-rendas" ou seus equivalentes destrói alógica fundamental das normas políticas de Pigou. Simplesmentenão há meios de diferenciar satisfatoriamente os custos deoportunidade subjetivos que influenciam a decisão e osdes<strong>em</strong>bolsos mensuráveis objetivamente sofridos pelo indivíduoque decide e pelos outros indivíduos afetados externamente <strong>em</strong>decorrência dessa decisão.Um Ex<strong>em</strong>plo IlustrativoA maior parte da análise crítica pode ser esclarecida atravésde um simples ex<strong>em</strong>plo ilustrativo. Suponhamos que eu, o autor,aprecie a caça à raposa e que mantenha um canil para os meus cãesde caça próximo à minha residência. Pretendo adicionar mais umcão de caça à minha matilha, que já é grande; e conheço, comrazoável precisão, o preço de mercado para cães de caça. O preçode cada cão é, digamos, $100.Meu vizinho mora próximo ao canil e está exposto ao ruídoproduzido pelos cães. Assim, ele e sua família sofrerão uma perda4 F. Knight, Notes on Utility and Cost (Obra mimeografada, University of Chicago,1935). Publicada sob a forma de dois artigos <strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão no Zeitschrift fürNationalökonomie (Viena), Band VI, Heft, 1, 3 (1935).108


CUSTO PRIVADO E SOCIAL<strong>em</strong> utilidade previsível caso eu resolva adquirir mais um cão. Parafins de análise, suponhamos que esse dano externo causado ao meuvizinho possa ser avaliado <strong>em</strong> $45, provavelmente por umobservador perito no assunto, pelo meu vizinho e por mim mesmo.Suponhamos então que eu antecipe os benefícios incr<strong>em</strong>entais docão adicional <strong>em</strong> $160. Esse valor ultrapassa significativamente opreço de $100. Suponhamos também que não haja canaisalternativos para os gastos que me permitam garantir benefíciosmarginais líquidos. Nessas circunstâncias, os custos deoportunidade gerados pelos prazeres que devo evitar <strong>em</strong>decorrência de fazer o gasto pod<strong>em</strong> ser, grosso modo, estimados <strong>em</strong>$100. Contudo, além desses custos, posso muito b<strong>em</strong> incluir no meucálculo decisório os prazeres que meu vizinho terá de sacrificar <strong>em</strong>conseqüência da aquisição de mais um cão. O seu sofrimentoprevisto, tanto quanto o meu, pode ser um obstáculo à minhadecisão.Suponhamos que eu tente atribuir da melhor forma possívelum valor a essa própria utilidade prevista para o meu vizinho e queobtenha o valor de $45, o qual, como já observado acima,representa grosso modo o valor que o próprio vizinho atribui àação. O obstáculo à minha <strong>escolha</strong>, o meu custo que influencia a<strong>escolha</strong>, incorporará dois el<strong>em</strong>entos. Em primeiro lugar, existe aavaliação de usos alternativos do gasto previsto, o qual, nascondições postuladas, mensuramos <strong>em</strong> $100. Em segundo, há aavaliação que faço dos prazeres antecipados que meu vizinho devesacrificar, nesse caso $45. Nestas circunstâncias, prosseguirei coma realização da compra, uma vez que o valor dos benefíciosmarginais antecipados, $160, ultrapassa a avaliação das alternativassacrificadas, $145.Observ<strong>em</strong>os que no comportamento postulado, estou agindode acordo com o critério de Pigou, ora denominado de norma éticade comportamento privado. Literalmente, estou considerando meuvizinho como a minha própria pessoa; meus cálculos decisóriosinternos reflet<strong>em</strong> com precisão "o custo social marginal" como umobstáculo à decisão, a despeito da ausência de qualquer impostocorretivo. Todavia, também dev<strong>em</strong>os notar que no caso da <strong>escolha</strong>109


CUSTO E ESCOLHArelacionada <strong>em</strong> questão se observará que impus um custo externo aomeu vizinho pelo qual não o compensarei. Caso um economista dalinha de Pigou fosse solicitado a fornecer orientação ao governo, éprovável que recomendasse que me fosse aplicado um impostocorretivo, sobre o total dos custos externos, <strong>em</strong> nosso ex<strong>em</strong>plo $45.Fica claro que, a menos que os componentes de meus custos deoportunidade subjetivos sejam diretamente modificados por talimposto, o efeito me fará mudar de decisão. Os custos que umadecisão positiva implica serão então calculados <strong>em</strong>aproximadamente $190. Em face dos mesmos, devo abster-me daaquisição do cão, a despeito da distorção "social" ou alocativa queessa abstenção possa gerar. No ex<strong>em</strong>plo acima, o imposto corretivotende a converter um resultado de <strong>escolha</strong> socialmente desejável <strong>em</strong>indesejável.Meus componentes internos de custo de oportunidade pod<strong>em</strong>ser modificados pela aplicação do imposto. Tenho plena ciência deque estou sendo tributado pela expressa razão que o meucomportamento pressiona a economia externa. Posso reduzir o valorque atribuo aos prazeres do silêncio sacrificados por meu vizinho.Essa reação terá maior probabilidade se for estipulado que a receitado imposto será tributo serão transferida diretamente ao meuvizinho. Essa conexão estreita e, mais importante ainda, oconhecimento do objetivo do imposto corretivo não receb<strong>em</strong> odevido destaque na literatura de Pigou n<strong>em</strong> parec<strong>em</strong> descrever,ainda que r<strong>em</strong>otamente, o comportamento de <strong>escolha</strong>. Na melhordas hipóteses, pod<strong>em</strong>os reconhecer alguma substituição entre oimposto e a valoração subjetiva do componente "externo" do custode oportunidade; certamente não haverá motivo para esperarmosalgo como uma compensação plena.Neste ex<strong>em</strong>plo simplificado, a suposição feita é que euatribua às alternativas preteridas dos outros um valor mais oumenos equivalente às minhas. Porém, não necessitamos pressuporesse ex<strong>em</strong>plo de altruísmo extr<strong>em</strong>o para chegar à conclusão que oimposto corretivo gera resultados ineficientes. No caso da <strong>escolha</strong>relacionada, discutida no ex<strong>em</strong>plo, mesmo que eu atribua um valorde apenas $16 aos prazeres preteridos por meu vizinho, o imposto110


CUSTO PRIVADO E SOCIALcorretivo de $45 me levará a escolher o resultado ineficiente, ouseja: ($100 + $16 + $45 = $161 > $160). Este valor torna-se aindatanto menor quanto mais reduzida for a "quase-renda" pessoal ou o"excedente marginal". Suponhamos, por ex<strong>em</strong>plo, que minhaestimativa de benefícios marginais seja de apenas $146 e que euatribua um valor de somente $2 aos prazeres preteridos de meuvizinho. Assim, meus custos que influenciarão a <strong>escolha</strong>, após aaplicação de impostos, serão iguais a $147 ($100 + $2 + $45), eexcederão meus benefícios marginais antecipados. Serei entãoconduzido à <strong>escolha</strong> social ineficiente, <strong>em</strong>bora a ineficiênciadiferencial seja menor do que nos casos <strong>em</strong> que eu atribua um valorligeiramente maior às perdas <strong>em</strong> utilidade antecipadas para outrosindivíduos.A Economia Pigouviana e a Ética CristãO ex<strong>em</strong>plo acima sugere que uma defesa da aplicabilidadeda norma política pigouviana poderá estar na hipótesecomportamental de que cada pessoa age rigorosamente de acordocom os seus próprios interesses materialistas "privados", cujadefinição está desprovida de um sentido mais amplo. Pode-se suporque o seu próprio comportamento esteja inteiramente livre dasinfluências dos efeitos que exerc<strong>em</strong> sobre outras pessoas. Pode-seentão argumentar que, nessas condições, o conflito d<strong>em</strong>onstradoentre a política corretiva e a obtenção da eficiência alocativa nãoapareceria. Como d<strong>em</strong>onstrar<strong>em</strong>os na seção a seguir, mesmo estasuposição restritiva não é capaz de resgatar a análise pigouviana.Porém, neste ponto, a legitimidade da própria hipótese deve sersubmetida a um exame mais rigoroso.Inicialmente, a hipótese comportamental nada mais parecedo que uma extensão da hipótese do "hom<strong>em</strong> econômico", quevaga pela <strong>teoria</strong> econômica preditiva. Todavia, um exame maisminucioso revela que o requisito neste ponto é muito maisrestritivo. Na <strong>teoria</strong> econômica tradicional de mercado, a suposição111


CUSTO E ESCOLHAcomportamental implícita é a da "ausência de altruísmo" 5 , esclarecidaprimeiramente por Wicksteed. Essa suposição meramenteenuncia que, de um modo geral <strong>em</strong> média, os indivíduos ou as<strong>em</strong>presas engajadas num comportamento típico ao de mercadodeixam de considerar os interesses diretos daqueles querepresentam o lado contrário do contrato de comércio. O "hom<strong>em</strong>econômico" de Wicksteed pode ater-se à ética cristã s<strong>em</strong> neurosealguma, dado que lhe é possibilitado escolher, se desejar, integrarao seu padrão de comportamento algum reconhecimento dosinteresses de todos os seus s<strong>em</strong>elhantes, exceto daqueles com qu<strong>em</strong>esteja negociando diretamente. Ele poderá seguir "amando o seupróximo", desde que este não esteja negociando com ele. Narelação de externalidade, por definição, a troca deixa de ocorrer.Seria razoável pensarmos que é justamente nesse tipo de relaçãoque padrões de comportamento genuinamente benevolentepoderiam ser observados. Na verdade, pode-se argumentarplausivelmente que <strong>em</strong> praticamente todo o nosso comportamentofora de mercado existe um potencial de externalidade e que ofuncionamento normal da sociedade depende crucialmente de umacerta reciprocidade <strong>em</strong> termos de respeito. Se o direito depropriedade não estiver muito b<strong>em</strong> definido, será difícil oestabelecimento de arranjos típicos aos de mercado. As própriasformas de comportamento parec<strong>em</strong> dedicar, pelo menos "da bocapara fora", algo além do interesse próprio definido estreitamente. Opedido: "Importa-se que eu fume?" seria um ex<strong>em</strong>plo clássico dapreocupação com o próximo.As divergências <strong>em</strong> relação aos padrões de comportamentobaseados <strong>em</strong> funções de utilidade estreitamente materialistasparec<strong>em</strong> ser praticamente universais apenas sob a existência derelações de externalidade pessoais. Em outras palavras, oargumento contra a hipótese do estreito interesse próprio somente seaplica inteiramente quando a relação de externalidade potencialestiver limitada a um número de pessoas criticamente reduzido.5N.T.: O termo 'ausência de altruísmo' é amplamente utilizado na modelag<strong>em</strong>mat<strong>em</strong>ática dessas idéias e refere-se à importância que o agente econômico atribui,num dado momento, à utilidade de outros agentes.112


CUSTO PRIVADO E SOCIALEm grupos mais numerosos, por comparação, a incorporação dosinteresses dos "outros" no cálculo de utilidade dos indivíduos serámuito pequena ou mesmo nula. Nesse caso, o indivíduo não possuiou não poderá possuir "próximo" algum <strong>em</strong> qualquer sentido real decomportamento, a despeito da presença de "efeitos deproximidade". Nessas condições, restauram-se pelo menosparcialmente a lógica de Pigou e as implicações de sua política. Oindivíduo que despeja lixo nas ruas não residenciais da cidadegrande provavelmente não estará muito preocupado com os efeitosdesse seu comportamento sobre os outros. Isso sugere que, nessescasos, os dispositivos corretivos, implícitos na análise de Pigou, nãodev<strong>em</strong> gerar conflito <strong>em</strong> relação às normas alocativas habituais,desde que, evident<strong>em</strong>ente, todas as d<strong>em</strong>ais condições exigidas paraa sua aplicabilidade sejam atendidas 6 .O Estreito Interesse Próprio e as Alternativasde Quase-Rendas de OportunidadeA seção anterior sugeriu que um dos meios de resgatar alógica da política de Pigou reside <strong>em</strong> fazer que a hipótese explícita6 Neste momento, talvez deva ser observada a interessante diferença <strong>em</strong> ênfaserevelada por cientistas políticos e economistas cujos debates enfocamessencialmente as mesmas interações de comportamento. Em política, a ênfaseprincipal volta-se tradicionalmente para a obrigação política no dever assumido peloindivíduo de agir de acordo com "o interesse público". Isso representa uma tentativade aprimorar os resultados através da modificação da função de utilidade doindivíduo no sentido de que o mesmo dê um maior valor às utilidades dos outros.Apenas recent<strong>em</strong>ente as possibilidades de se realizar<strong>em</strong> mudanças institucionais quecanaliz<strong>em</strong> a <strong>escolha</strong> privada na direção de produzir resultados sociais maisdesejáveis têm recebido alguma atenção.Em compensação, na economia as mudanças de política ou institucionais têm sido ocentro das atenções. Relativamente pouca discussão t<strong>em</strong> sido devotada às normas decomportamento individual. Como d<strong>em</strong>onstra a nossa análise, fundamentando-se nahipótese implícita de que o indivíduo aja segundo o seu próprio e restrito interesse,os economistas desenvolv<strong>em</strong> normas de política que se pod<strong>em</strong> revelar inaplicáveiscaso esse postulado comportamental subjacente não espelhe a realidade.Para um debate inicial sobre essa diferença entre as duas disciplinas, vide, do autor,Marginal Notes on Reading Political Philosophy, apresentado no Apêndice I da obrade James M. Buchanan e Gordon Tullock, The Calculus of Consent (Ann Arbor:University of Michigan Press, 1962; Edição <strong>em</strong> Brochura, 1965).113


CUSTO E ESCOLHAde que nenhum fator relacionado com "consideração pelos outros"possa influenciar o indivíduo que gera os custos externos.Entretanto, mesmo com essa limitação sobre as funções de utilidadeindividuais, haverá conflitos entre as aplicações das normas depolítica e os critérios de eficiência se houver um potencial de"quase-rendas" para os cursos alternativos de ação. Isso tambémpode ser d<strong>em</strong>onstrado através do ex<strong>em</strong>plo ilustrativo simples que jádiscutimos.No uso inicial do ex<strong>em</strong>plo, supus<strong>em</strong>os que não houvesse aperspectiva de "lucros" para qualquer outra oportunidade de gosto.Nesse caso, e somente nele, o gasto <strong>em</strong> moeda esperado <strong>em</strong>recursos e insumos, isto é, $100, reflete com precisão o componenteinterno dos genuínos custos de oportunidade, e o imposto marginalesperado de $45, o componente equivalente exigido externamente.Nesse modelo, a hipótese adicional de que a pessoa que escolhedecidenão atribui valor algum aos níveis de utilidade alcançadospor outros indivíduos n<strong>em</strong> às mudanças nesses níveis provocadaspor seu próprio comportamento restaurará a consistência entre alógica da política pigouviana e as normas gerais de eficiência.Dev<strong>em</strong>os d<strong>em</strong>onstrar então que, mesmo que preserv<strong>em</strong>os a hipótesedo estreito interesse próprio <strong>em</strong> relação ao comportamentoindividual, qualquer relaxamento da hipótese sobre "lucros" ou"quase-rendas" <strong>em</strong> cursos alternativos de ação destruirá todo oaparato de políticas.Consider<strong>em</strong>os a situação na qual existam perspectivas de"lucro" antecipado <strong>em</strong> oportunidades alternativas de gasto.Suponhamos que, ao considerar a aquisição do cão de caçaadicional, para o qual estimo um benefício marginal de $160, euespere um gasto <strong>em</strong> insumos mensurados <strong>em</strong> $100, porém quetambém antecipe que poderia investir $100 <strong>em</strong> uma outra linha deatividade que gerasse um benefício marginal esperado, que avaliosubjetivamente <strong>em</strong> $115. Nesse caso, $115, e não $100, será o valorque melhor representará o meu custo de oportunidade queinfluencia a <strong>escolha</strong>, ou seja, o obstáculo à <strong>escolha</strong> antes daimposição do imposto. Suponhamos então que o imposto corretivode $45 seja aplicado à aquisição marginal e, da mesma forma que114


CUSTO PRIVADO E SOCIALanteriormente, imagin<strong>em</strong>os que isso reflita precisamente a própriaavaliação de meu vizinho <strong>em</strong> relação aos danos externos que elesofrerá <strong>em</strong> decorrência de minha ação. Deduz-se que a melhormensuração para os "custos sociais"- aqueles que dev<strong>em</strong> recairsobre todos os m<strong>em</strong>bros do grupo e que são o resultado da <strong>escolha</strong>marginal - seja igual a $160. Esse valor reflete meus próprios custosde oportunidade marginais, agora estimados <strong>em</strong> $115, mais oscustos externos que reca<strong>em</strong> sobre meu vizinho, estimados <strong>em</strong> $45.Em virtude de os custos sociais e os benefícios sociais decorrentesda minha aquisição de mais um cão de caça ser<strong>em</strong> estimados <strong>em</strong>$160, as normas alocativas habituais suger<strong>em</strong> que eu devapermanecer indiferente quanto à decisão. Observ<strong>em</strong>os, contudo, queessa indiferença não seja incluída <strong>em</strong> meu próprio cálculo de<strong>escolha</strong> após a aplicação do imposto corretivo sobre minha compramarginal. Agora, comparando as alternativas, meus custos que influenciama <strong>escolha</strong> serão iguais a $166,75 e não $160. Eu nãoapenas devo avaliar o gasto previsto <strong>em</strong> termos das alternativaspreteridas, isto é, $115, como também o gasto fiscal marginalesperado cm termos das alternativas preteridas que o pagamentotornará impossível alcançar. Se o "lucro" esperado <strong>em</strong> relação aogasto de $100 <strong>em</strong> um curso alternativo de ação é igual a $115,pod<strong>em</strong>os estimar que os custos que influenciam a <strong>escolha</strong>pertinentes ao imposto de $45 sejam de aproximadamente $51,75.A <strong>escolha</strong> deixa de ser marginal <strong>em</strong> meu próprio cálculo decisório;o imposto corretivo fez com que os custos de oportunidade queinfluenciam a <strong>escolha</strong> - custos privados - ultrapassass<strong>em</strong> os custossociais marginais. Devo então efetuar um ajuste exagerado <strong>em</strong> meucomportamento, mesmo considerando os argumentos mais restritosde interesse próprio <strong>em</strong> minha função de utilidade.ConclusãoDevo salientar que o presente capítulo não foi elaboradocom a intenção de realizar uma análise geral crítica das normaspolíticas de Pigou. Tal análise exigiria uma abordag<strong>em</strong> de muitasdas questões interessantes que foram ignoradas nas considerações115


CUSTO E ESCOLHAque teci. Meu objetivo é utilizar este ramo conhecido da <strong>teoria</strong> daeconomia aplicada para d<strong>em</strong>onstrar a conveniência de esclarecer osconceitos básicos de custo de oportunidade. Para aqueles queaceitam e entend<strong>em</strong> totalmente as contribuições das escolas inglesae de Viena, as inconsistências internas da lógica de Pigou serãoaparentes. Para aqueles que tenham sido treinados nos paradigmasneoclássicos do custo de oportunidade, o reconhecimento dessasinconsistências poderá exigir uma análise dos ex<strong>em</strong>plosel<strong>em</strong>entares. Não é fácil questionar preceitos consagrados tradicionalmente.Além disso, nas várias versões que elaborei dopresente capítulo, foi-me difícil evitar que a análise deslizasse parao tipo de metodologia convencional que freqüent<strong>em</strong>ente <strong>em</strong>prego<strong>em</strong> outros estudos. O resultado poderá ter uma aparência complexa,a despeito da natureza el<strong>em</strong>entar das questões consideradas. Comefeito, a incorporação do conceito de custo de oportunidade daescola inglesa implica a transformação de uma das pedras basilaresda <strong>teoria</strong> econômica. Somente quando essa modificação fundamentalestiver concluída o progresso orientado para a mudança de todauma superestrutura poderá ser experimentado de modo mais amplo.Enquanto isso, apenas os aspectos mais expostos dessasuperestrutura - a análise do b<strong>em</strong>-estar de Pigou, por ex<strong>em</strong>plo -poderão ser diretamente relacionados com determinadas falhas <strong>em</strong>uma das pedras de base de toda a <strong>teoria</strong>.116


O <strong>Custo</strong> S<strong>em</strong> os MercadosSe os preços são estabelecidos através de um processo d<strong>em</strong>ercado, as decisões dos compradores e vendedores se basearão <strong>em</strong>comparações de custo-benefício. Antes que qualquer <strong>escolha</strong> sejarealizada, os benefícios previstos dev<strong>em</strong> ser superiores ao custo deoportunidade. Caso seja possível um ajuste contínuo, cadaparticipante se movimentará na direção do equilíbriocomportamental no qual o benefício marginal previsto se iguala aocusto de oportunidade marginal. Nesse contexto puramenteindividualista, não se faz necessário o questionamento dosignificado exato de custo ou benefício. A análise oferece umalógica à decisão racional individual e o custo é simplesmente aquiloque é excluído pela <strong>escolha</strong> positiva no momento da própria<strong>escolha</strong>.Como salientou Hayek, o equilíbrio <strong>em</strong> uma interação d<strong>em</strong>ercado é categoricamente diferente do equilíbrio comportamentaldo indivíduo que participa dessa interação. No segundo caso,deverá haver uma ausência de ganhos do comércio dentro da faixapercebida de <strong>escolha</strong> do indivíduo. No primeiro deverá haver umaausência de ganhos do comércio, no total ou marginalmente, apartir da ação adotada entre todos os indivíduos, sendo que cadaum deles vê as perspectivas de comércio com outros como parte deseu próprio conjunto de <strong>escolha</strong>. Para que se possa estabelecer oequilíbrio de mercado, cada participante deve encontrar-se <strong>em</strong> seupróprio equilíbrio de comportamento, porém o oposto não énecessariamente verdadeiro. Isto é, cada indivíduo pode alcançar oequilíbrio comportamental no momento da <strong>escolha</strong>, contudo, amenos que as decisões de diferentes indivíduos apresent<strong>em</strong> umarelação singular entre si, o equilíbrio de mercado não ocorrerá. O


CUSTO E ESCOLHAfato de esse equilíbrio deixar de ocorrer dará início a mudanças noequilíbrio comportamental dos indivíduos, que afetarão <strong>escolha</strong>sposteriores.Preços, <strong>Custo</strong>s e Equilíbrio de MercadoQuais as relações entre "preços" e "custos" <strong>em</strong> condições deequilíbrio pleno de mercado? Para cada um dos participantes, obenefício marginal previsto será igual ao custo de oportunidad<strong>em</strong>arginal, ambos mensurados <strong>em</strong> termos da avaliação subjetiva doindivíduo. Observa-se que todas as pessoas se deparam com preçosrelativos uniformes; essa condição é necessária à eliminação dosganhos do comércio. Dado que cada um dos participantes seencontra <strong>em</strong> pleno equilíbrio de comportamento, cada pessoadeverá se deparar com o mesmo custo marginal. Na qualidade departicipante da d<strong>em</strong>anda, o indivíduo ajusta as suas compras d<strong>em</strong>odo a assegurar-se de que o benefício marginal previsto seja igualao preço. Logo, os benefícios marginais previstos de um b<strong>em</strong>,mensurados <strong>em</strong> dinheiro <strong>em</strong> espécie, são iguais para todos osconsumidores. Na qualidade de fornecedor, o indivíduo ajusta suasvendas de modo a assegurar-se de que as oportunidades previstasexcluídas, o custo de oportunidade marginal, mensurado <strong>em</strong>dinheiro <strong>em</strong> espécie, sejam iguais para todos os fornecedores.Em condições de equilíbrio pleno de mercado, os preçostend<strong>em</strong> a igualar-se aos custos de oportunidade marginais. Porém,nesse momento, os custos são inteiramente análogos aos benefíciosmarginais da parte da d<strong>em</strong>anda. Somente os preços possu<strong>em</strong>conteúdo <strong>em</strong>pírico objetivo, n<strong>em</strong> as avaliações marginais dosconsumidores n<strong>em</strong> os custos marginais dos fornecedores (asavaliações marginais das alternativas excluídas) pod<strong>em</strong> serutilizados como base na determinação de preços. O motivo é queambos são postos <strong>em</strong> igualdade com os preços através de ajustes decomportamento de ambos os lados do mercado. Os preços não sãopostos <strong>em</strong> igualdade no caso de certos fenômenos determináveisobjetivamente e mensuráveis <strong>em</strong>piricamente, que ocorr<strong>em</strong> nomercado, no lado da d<strong>em</strong>anda ou no da oferta.118


Através dessa lógica el<strong>em</strong>entar de processo de mercado,retornamos ao modelo clássico dos bens de oferta fixa, o modeloque foi generalizado com o advento da <strong>teoria</strong> do valor subjetivo.Aqui não existe "<strong>teoria</strong>" de valor de troca normal com conteúdopositivo. A análise pode "explicar" os resultados, fornecer umalógica da interação; falta-lhe a hipótese prognóstica.O Preço do Serviço dos Recursoscomo <strong>Custo</strong> do Produto FinalOs produtos finais, entretanto, não ficam disponíveis <strong>em</strong>quantidades fixas e, com a introdução dos serviços de recursos, aobjetividade do custo tende a ser utilizada novamente. Os preçospara os serviços produtivos são estabelecidos <strong>em</strong> um processo d<strong>em</strong>ercado. Esses preços, da mesma forma que os preços de produtosfinais, pod<strong>em</strong> ser observados <strong>em</strong>piricamente. Os preços para osserviços de recursos são obtidos através das avaliações que sefaz<strong>em</strong> dos produtos finais, que se baseiam reconhecidamente <strong>em</strong>el<strong>em</strong>entos subjetivos. Porém, todo o mercado atua de modo aestabelecer preços observáveis que, por sua vez, parec<strong>em</strong> constituiros custos dos produtos finais objetivamente reais. O custo deprodução com que se deparam as <strong>em</strong>presas produtoras também sãoos preços das unidades de recurso recebidas por agentes defornecimento. Portanto, no caso de mercados de produtos finais, osajustes do lado da oferta parec<strong>em</strong> oferecer uma fuga da lógica <strong>em</strong>direção à realidade <strong>em</strong>pírica. O abastecimento atua dessa formapara transportar os custos para condições de igualdade com ospreços; os custos representam as avaliações marginais dasalternativas excluídas que são expressas por todo o mercado, <strong>em</strong>termos monetários. Pelo menos no que tange aos preços de produtosfinais, parece que retomamos ao mundo quase-clássico dacausalidade unilateral.Porém, mesmo <strong>em</strong> condições de equilíbrio pleno d<strong>em</strong>ercado, a objetividade do custo de oportunidade é apenasaparente. Como Frank Knight já havia indicado corretamente <strong>em</strong>


CUSTO E ESCOLHAseus estudos de 1934 e 1935, mesmo <strong>em</strong> equilíbrio pleno, os preçosdos serviços de recursos somente reflet<strong>em</strong> os custos se as vantagensou desvantagens não pecuniárias estiver<strong>em</strong> ausentes das <strong>escolha</strong>sdos agentes fornecedores do recurso. Se os retornos pecuniários for<strong>em</strong>a motivação exclusiva dos fornecedores de recursos, o preçoobservado para uma unidade de recursos efetivamente representaráo custo de oportunidade que influencia a <strong>escolha</strong> para essa unidade,mesmo que indiretamente. Se, por outro lado, os el<strong>em</strong>entos nãopecuniários se fizer<strong>em</strong> presentes nas decisões dos fornecedores dosrecursos, o custo das unidades de recurso que influencia a <strong>escolha</strong>não será observável nos preços monetários pagos pelos recursos.Desaparecerá então a relação aparente entre os recursos finais jáquitados, <strong>em</strong> um sentido objetivo, e os preços observados pagospelos serviços desses recursos.Na verdade, isso não afeta a análise padrão da interação d<strong>em</strong>ercado n<strong>em</strong> modifica as inferências de b<strong>em</strong>-estar que pod<strong>em</strong> seralcançadas pelo entendimento do ajuste da concorrência. Desde queos indivíduos de ambos os lados do mercado possam expressar suaspreferências através de ajustes contínuos de comportamento, osel<strong>em</strong>entos não pecuniários estarão inteiramente incorporados àsolução que possa resultar. Os preços tenderão a se igualar aoscustos de oportunidade marginais. O que será destruído pelapresença de el<strong>em</strong>entos não pecuniários na <strong>escolha</strong> é a objetividadeespúria dos custos mensurados pelos preços dos serviços derecursos.Entretanto, esses preços pod<strong>em</strong> incorporar el<strong>em</strong>entos nãopecuniários apenas <strong>em</strong> relação a determinados fornecedores derecursos e não necessariamente a todos. Se houver uma quantidadesuficiente de fornecedores situada na marg<strong>em</strong> da indiferença dentretodos os <strong>em</strong>pregos que geram retornos pecuniários equivalentes, ospreços de serviços de recursos representarão com precisão os custosde oportunidade marginais, a despeito dos fornecedoresinframarginais que habitualmente faz<strong>em</strong> a <strong>escolha</strong> baseando-se nascompensações de naturezas não pecuniária e pecuniária.Inframarginalmente, os el<strong>em</strong>entos não pecuniários da <strong>escolha</strong> nãoafetam a relação entre os preços observados para o serviço de120


ecurso e os custos marginais dos produtos finais. Porém, issoapenas se aplica aos custos marginais; não é possível mensurar oscustos médios com precisão através dos des<strong>em</strong>bolsos observadospara insumos de recursos. Mesmo que os el<strong>em</strong>entos não pecuniáriosnão estejam presentes nas <strong>escolha</strong>s efetivas realizadas à marg<strong>em</strong> doajuste e, logo, não incluídas nos custos de oportunidade marginais,a presença de el<strong>em</strong>entos não pecuniários nas <strong>escolha</strong>s feitas nasfaixas inframarginais de oferta assegura que os des<strong>em</strong>bolsosobservados não mensurarão os custos totais. Isso não altera osresultados alocativos do processo de interação de mercado, porémsignifica efetivamente que o <strong>em</strong>prego dos des<strong>em</strong>bolsos previstos ouobservados na mensuração dos custos totais - custos que dev<strong>em</strong> sercomparados aos benefícios previstos para poder fundamentar asdecisões alocativas não mercadizáveis - pode gerar gravesequívocos.Equilíbrio de Mercado, <strong>Custo</strong>s e Quase-RendasNa ausência de el<strong>em</strong>entos não pecuniários nas <strong>escolha</strong>s dosfornecedores de recursos, os des<strong>em</strong>bolsos observados, associadosaos serviços de recursos, aparent<strong>em</strong>ente possibilitam um meio d<strong>em</strong>ensuração, ainda que indireto, dos custos de oportunidade queinfluenciam a <strong>escolha</strong> <strong>em</strong> relação a esses fornecedores se o sist<strong>em</strong>ase encontrar <strong>em</strong> pleno equilíbrio competitivo. Todavia, as condiçõespara equilíbrio requeridas pelo contexto acima são muito maisrigorosas do que aquelas necessárias para outros fins. Todos osfornecedores de recursos dev<strong>em</strong> situar-se <strong>em</strong> uma marg<strong>em</strong> deindiferença <strong>em</strong> relação a <strong>em</strong>pregos alternativos; as quase-rendasnão pod<strong>em</strong> estar presentes. Caso determinadas unidades de recursoaufiram quase-rendas, os des<strong>em</strong>bolsos observados para os serviçosde recursos não refletirão com precisão os custos que influenciam a<strong>escolha</strong> dos proprietários dos recursos no que tange às <strong>escolha</strong>s denatureza interocupacional ou interindustrial.Os preços do serviço de recursos são estabelecidos nasmargens apropriadas de <strong>em</strong>prego; a concorrência entre os


CUSTO E ESCOLHAcompradores faz com que unidades similares aufiram retornoss<strong>em</strong>elhantes. A s<strong>em</strong>elhança na produtividade interna ouintraindustrial não implica, contudo, s<strong>em</strong>elhança na produtividadede <strong>em</strong>pregos alternativos ou interindustriais. Os recursos pod<strong>em</strong>especializar-se de modo diferenciado <strong>em</strong> determinadas indústrias.Quando isso ocorre, as quase-rendas aparec<strong>em</strong>. Na verdade, aexistência dessas quase-rendas não viola a lógica da interação d<strong>em</strong>ercado. Em condições de equilíbrio, os preços se igualarão aoscustos, porém os custos dev<strong>em</strong> estar vinculados às decisões específicasque sejam tomadas. Ao vender os seus serviços a umaúnica <strong>em</strong>presa dentro de uma indústria competitiva, o possuidordos recursos sacrifica um retorno que poderia obter de qualqueroutra <strong>em</strong>presa na mesma atividade. As quase-rendas não estãopresentes nesta situação, uma vez que o possuidor dos recursosmostra-se indiferente <strong>em</strong> relação à contratação de seus serviços pordiferentes <strong>em</strong>presas. Contudo, a <strong>escolha</strong> do <strong>em</strong>prego dessesserviços pode ocorrer na presença das quase-rendas. Asr<strong>em</strong>unerações sacrificadas fora da atividade industrial pod<strong>em</strong> serinferiores àquelas que pod<strong>em</strong> ser obtidas através de uma únicafirma dentro da atividade industrial. Assim, os preços serão iguais<strong>em</strong> relação a todos os custos que informam as <strong>escolha</strong>s dentro daatividade industrial. Entretanto, à exceção do fornecedormarginalista, os preços pagos por recursos de serviços - osdes<strong>em</strong>bolsos - serão superiores à avaliação marginal dos retornosalternativos <strong>em</strong> potencial que serão sacrificados fora da atividadeindustrial, mesmo <strong>em</strong> condições de pleno equilíbrio de mercado.A existência dessas quase-rendas inframarginais não alteraos resultados alocativos do processo de mercado devido ao fato dedesaparecer<strong>em</strong> na marg<strong>em</strong>. No caso da decisão inter<strong>em</strong>presarial ouinterindustrial, o fornecedor do recurso marginal encontra-se <strong>em</strong>pleno equilíbrio. O des<strong>em</strong>bolso observado que lhe é feito pela<strong>em</strong>presa mensura com precisão a sua avaliação das opçõessacrificadas. O receita dos fornecedores inframarginais <strong>em</strong> quaserendasfoi t<strong>em</strong>a de um importante debate ocorrido há meio séculopara o qual Allyn Young contribuiu ao d<strong>em</strong>onstrar a irrelevânciadessas receitas <strong>em</strong> relação à eficiência alocativa.122


Porém, os probl<strong>em</strong>as surg<strong>em</strong> quando se tenta utilizar aspropriedades do processo de mercado como linhas mestras ounormas para o processo decisório não mercadizável. Nesse sentido,deve-se considerar a relação existente entre as quase-rendasinframarginais e os "custos".O <strong>Custo</strong> do Efetivo Militar, um Ex<strong>em</strong>ploO ex<strong>em</strong>plo a seguir ilustra alguns dos principais pontos dopresente capítulo. Suponhamos que o governo solicite a orientaçãoprofissional de um economista. Deseja-se conhecer qual é o "custo"de manutenção de um efetivo militar de determinada qualidade equantidade. A comparação das estimativas dos benefícios <strong>em</strong>relação a esse "custo" provavelmente gerará informações quepermitirão que se tom<strong>em</strong> decisões alocativas sobre a quantidade doefetivo militar a ser utilizado. Para simplificar o probl<strong>em</strong>a,suponhamos que se necessite de uma determinada quantidade desoldados. Essas unidades são homogêneas para os fins militares aque se destinam.FIGURA 2sOX


Na figura 2, suponhamos que S represente a curva de ofertade soldados e X a quantidade necessária. Assumimos que a curva deoferta seja conhecida com exatidão pelo consultor e que elarepresente uma relação dos preços mínimos (salários) que seriamnecessários para produzir as várias quantidades indicadas.Inicialmente, suponhamos também que todos os soldados <strong>em</strong>perspectiva estejam motivados exclusivamente pelas compensaçõespecuniárias previstas. Neste caso, a curva S também representa osretornos que esses militares sacrificarão <strong>em</strong> linhas alternativas de<strong>em</strong>prego. O fato de a curva de oferta inclinar-se para cima indicauma produtividade diferente nos <strong>em</strong>pregos alternativos a despeitoda uniformidade das unidades que produz<strong>em</strong> o serviço militar.Caso o governo se comporte como uma indústriainteiramente competitiva na aquisição do efetivo militar, o seudes<strong>em</strong>bolso previsto será mensurado através do retângulo OXPY.Entretanto, esse des<strong>em</strong>bolso superestima os "custos" relacionadoscom as <strong>escolha</strong>s ocupacionais <strong>em</strong> perspectiva <strong>em</strong> virtude das quaserendasinframarginais. A área sombreada RPY não faz parte doscustos totais que influenciam a <strong>escolha</strong>. Se o valor representadopela área sombreada for incluído no aspecto de custo <strong>em</strong> umacomparação de custo-benefício, o resultado estará prejudicado,mostrando-se contrário à alocação do recurso para essa finalidade.Essa conclusão será válida, independent<strong>em</strong>ente dos meios pelosquais o governo adquire o seu efetivo militar, desde que utilizeexclusivamente contratos de aquisição. Se, por motivos deeqüidade, o governo pagar um salário uniforme para todos ossoldados, a despeito do aparecimento das quase-rendasinframarginais, o des<strong>em</strong>bolso será superior aos "custos," porémparte dele representará então um subproduto da alocação dosrecursos. A menos que essa característica seja incluída no cálculode custo-benefício, muito poucos recursos serão alocados a todos ospreços de fornecimento <strong>em</strong> ascensão para projetos ou instalaçõespúblicas. Nesse caso, o <strong>em</strong>prego do conceito de des<strong>em</strong>bolsoprevisto para mensurar "custos" refletiria o erro de Pigoud<strong>em</strong>onstrado eficazmente por Young.


Se, nas <strong>escolha</strong>s ocupacionais dos fornecedores de recursos,houver el<strong>em</strong>entos de natureza não pecuniária, a curva de ofertadeixará de mensurar as r<strong>em</strong>unerações dos soldados <strong>em</strong> perspectiva<strong>em</strong> relação a outros <strong>em</strong>pregos. Essa curva pode ser traçada,digamos A na figura 2, que efetivamente reflete as r<strong>em</strong>uneraçõespecuniárias. Da forma que está traçada, a curva dos retornosalternativos <strong>em</strong> relação à "verdadeira" curva da oferta sugere que asdiferenças de caráter não pecuniário passam de positivas anegativas com o aumento da quantidade. Esse fenômeno apresentauma dificuldade mais séria ao economista, que deverá estimar oscustos gerados pela presença das quase-rendas marginais. Se osaspectos não pecuniários da <strong>escolha</strong> puder<strong>em</strong> ser desprezados, aárea sob a curva real de oferta efetivamente mensurará "custos", eessa área poderá ser delineada por aproximação através dos dadosobservados das r<strong>em</strong>unerações oferecidas por <strong>em</strong>pregos alternativos.Contudo, na presença dos el<strong>em</strong>entos de natureza não pecuniária,essa maneira indireta de estimar por aproximação os custos queinfluenciam a <strong>escolha</strong> deixa de existir. O fato de algumasestimativas de r<strong>em</strong>unerações alternativas superestimar<strong>em</strong> ousubestimar<strong>em</strong> os custos dependerá da quantidade estipulada. Deacordo com a figura 2, o resultado seria uma superestimativa paraas quantidades orientadas para a esquerda da faixa de quantidade euma subestimativa para as quantidades orientadas para a direitadessa faixa.Todas as mensurações de custo discutidas até agora, sejamdiretas ou indiretas, somente terão significado se o governoadquirir as unidades de recursos <strong>em</strong> uma série de composiçõess<strong>em</strong>elhantes às do mercado com os indivíduos que deverão forneceros serviços. Os soldados dev<strong>em</strong> vender os seus serviçosvoluntariamente. Caso o recrutamento dos soldados ocorra de qualqueroutro modo, as considerações de custo ora discutidasnecessitam ser reexaminadas. Na ausência dos el<strong>em</strong>entos denatureza não pecuniária na <strong>escolha</strong> de cada um dos indivíduosselecionados, os custos de oportunidade de uma força militarrecrutada seriam mensurados através das r<strong>em</strong>unerações que osm<strong>em</strong>bros desse efetivo poderiam assegurar <strong>em</strong> <strong>em</strong>pregos não


militares 1 . Isso implicaria que cada m<strong>em</strong>bro da força se mostrariaindiferente <strong>em</strong> relação a um <strong>em</strong>prego de natureza militar ou nãomilitar se as r<strong>em</strong>unerações no <strong>em</strong>prego militar foss<strong>em</strong> equivalentesàquelas dos <strong>em</strong>pregos não militares. Como já pud<strong>em</strong>os observar,existe um requisito muito mais rigoroso do que aquele necessáriopara eliminar a significatividade dos el<strong>em</strong>entos não pecuniários nasdecisões alocativas <strong>em</strong> um processo s<strong>em</strong>elhante ao do mercado.Nesse processo, os el<strong>em</strong>entos não pecuniários não necessitammodificar os resultados alocativos desde que uma quantidadesuficiente de ajustadores marginalistas permaneçam indiferentes <strong>em</strong>relação às diferenças não pecuniárias entre cada um dos <strong>em</strong>pregos.Porém, caso as r<strong>em</strong>unerações sacrificadas devam mensurar oscustos que influenciam a <strong>escolha</strong>, essa indiferença deve estarmanifesta <strong>em</strong> cada um dos fornecedores de recursos, não apenasnaqueles considerados como os ajustadores marginalistas. Odesaparecimento dos el<strong>em</strong>entos não pecuniários do processo de<strong>escolha</strong> nas margens de comportamento livr<strong>em</strong>ente ajustadas, comoo desaparecimento das quase-rendas nas margens, restaura aimportância alocativa dos preços de recursos-serviços comomedidas aproximadas dos custos de oportunidade marginais.Entretanto, isso somente trará alguma utilidade se os serviços derecursos for<strong>em</strong> adquiridos por meio de composições contratuaisordinárias.O <strong>Custo</strong> da Criminalidade: um OutroEx<strong>em</strong>ploApenas recent<strong>em</strong>ente os economistas têm dedicado umpouco mais de atenção ao crime e ao castigo, porém pode-se prevercom muita segurança que esse t<strong>em</strong>a esteja se tornando um1Esta definição dos custos de oportunidade <strong>em</strong> situações de recrutamento éapresentada por George Stigler <strong>em</strong> seu texto altamente respeitado sobre a <strong>teoria</strong>micrcroeconômica. Stigler afirma: "O custo de um soldado para uma economia,contudo, está <strong>em</strong> seu produto sacrificado <strong>em</strong> condições de civil, e esse custo não édiretamente influenciado por sua taxa de r<strong>em</strong>uneração". Vide George Stigler, TheTheory of Price, (3a Edição; New York: Macmillan, 1966), pág. 106.


importante campo de pesquisa. Inúmeros estudos relacionam aextensão da análise econômica, por um lado, às decisões doscriminosos e, por outro lado, às decisões dos que faz<strong>em</strong> cumprir alei. Ambos os tipos de decisões situam-se nitidamente fora de umcontexto de equilíbrio de mercado. A implicação de meu debate éque todos os custos que o economista possa vir a identificarnecessitam apresentar muito pouca relação com os custos queserv<strong>em</strong> como obstáculos efetivos às decisões. O reconhecimentodesse fato não destrói necessariamente a utilidade da análise econômica.Os custos que o economista quantifica pod<strong>em</strong> estarrelacionados direcionalmente com aqueles que inib<strong>em</strong> a <strong>escolha</strong>.Nesse caso, mudanças no nível dos custos objetivados (porex<strong>em</strong>plo, modificações nas probabilidades de condenação e norigor da pena) produz<strong>em</strong> efeitos sobre a quantidade de crimescometidos. Neste ponto, surg<strong>em</strong> graves probl<strong>em</strong>as ao se tentarestabelecer normas mais explícitas para a política, como porex<strong>em</strong>plo, ao se discutir as condições de maior favorabilidade ou deeficiência.Parte do recente e excelente estudo de Gary Becker pode serusada como ex<strong>em</strong>plo 2 . Ao discutir as condições de maiorfavorabilidade, Becker argumenta que, se o custo de captura econdenação de transgressores for zero, o valor marginal das multasimpostas aos criminosos deverá ser equivalente ao valor marginaldo mal que a transgressão provoca. Este modelo é confessadamentelimitado, porém, mesmo assim, a conclusão de Becker somente éválida com a suposição especial sobre o comportamento de <strong>escolha</strong>do criminoso <strong>em</strong> perspectiva. Ao cont<strong>em</strong>plar uma transgressão,deve-se supor que o criminoso exclua de seus cálculos qualquertipo de consideração sobre o dano causado a terceiros. Deve-sesupor que isso não constitua obstáculo à sua decisão; não é parte deseu custo que influencia a <strong>escolha</strong>. Se, por qualquer motivo, esseel<strong>em</strong>ento for incluído como custo verdadeiro, a norma proposta porBecker passaria além dos limites. Determinados tipos de crimesconsiderados de "interesse social" seriam evitados impondo-se ascondições de Becker. (A análise de agora é praticamente idênticaàquela feita <strong>em</strong> capítulo anterior com referência à análise de2Gary Becker, Crime and Punishment: An Economic Approach, Journal of PoliticalEconomy, LXXVI (março-abril de 1968) págs. 169-217.


Pigou.) Mais provavelmente e de modo mais significativo, aquantidade ideal de transgressões estaria assegurada se as multasmarginais permanecess<strong>em</strong> consideravelmente inferiores aos danosmarginais causados a terceiros. Em outras palavras, para ocriminoso que incorpora <strong>em</strong> seu custo algum tipo de consideraçãosobre o mal que seu crime provoca a terceiros, o ponto no qual "ocrime poderá não compensá-lo" será atingido muito antes do pontono qual o economista que o observa anota o desaparecimento dolucro líquido.O esclarecimento do conceito de custo poderá acarretarcertas implicações interessantes e relativamente importantes <strong>em</strong>relação à atividade criminal, ou mesmo <strong>em</strong> relação à atividade nãocriminal que seja, por qualquer motivo, considerada suspeita ouimoral. Na proporção <strong>em</strong> que a consideração dos males <strong>em</strong>perspectiva causados a terceiros, ou, na verdade, qualquer restriçãode ord<strong>em</strong> moral à decisão, variará de acordo com a localização e ograu de incidência da transgressão cont<strong>em</strong>plada, variará também ocusto de oportunidade da infração. Logo, pod<strong>em</strong>os esperar que oscrimes cometidos na comunidade local do transgressor, contrapessoas com que este tenha um maior contato, normalmenteimplicariam um maior obstáculo de custo devido à restrição moralsobre o agente dessa situação. Deduz-se então que as multas oupenalidades exigidas para se chegar a um determinado nível decontenção poderão ser algo menores nesses casos do que <strong>em</strong> outros.Isto é, os crimes cometidos localmente deveriam estar sujeitos amultas inferiores àquelas relativas a crimes idênticos cometidosfora da comunidade e contra "estrangeiros". Outras implicaçõess<strong>em</strong>elhantes pod<strong>em</strong> ser estabelecidas. Via de regra, as penalidades eas multas para crimes comparáveis poderão ser menores nas pequenaslocalidades e maiores nos grandes centros. Além disso e d<strong>em</strong>odo muito importante, as sentenças para os crimes contra a pessoaou a propriedade <strong>em</strong> um mesmo grupo étnico ou religioso pod<strong>em</strong>ser mais brandas do que as sentenças para os crimes contra a pessoaou a propriedade de m<strong>em</strong>bros de um grupo étnico ou religiosodiferente daquele a que o criminoso pertence.


O Processo de Escolha ArtificialO probl<strong>em</strong>a mais grave na extensão do significado alocativobásico do custo de oportunidade que influencia a <strong>escolha</strong> para asdecisões que devam ser feitas fora do processo de mercado t<strong>em</strong> sidoignorado até aqui. A discussão precedente limitou-se a um examedo significado do custo <strong>em</strong> um contexto fora de mercado e aalgumas das dificuldades encontradas nos cálculos estimativos. Oprobl<strong>em</strong>a do processo de <strong>escolha</strong> <strong>em</strong> si não é levantado aqui, <strong>em</strong>boratenha sido abordado sucintamente no Capítulo 4.No ex<strong>em</strong>plo do efetivo militar apresentado anteriormente,supus<strong>em</strong>os, s<strong>em</strong> um escrutínio mais crítico, que, se os custospudess<strong>em</strong> ser estimados, as <strong>escolha</strong>s que deveriam finalmente serfeitas se baseariam nessas estimativas. Isso tende a r<strong>em</strong>over todo oconteúdo comportamental do processo de <strong>escolha</strong>. Ad<strong>em</strong>ais, éessencial que se esclareça a diferença entre os "custos verdadeiros"e os "custos que influenciam a <strong>escolha</strong> fora de mercado". O pontobásico a ser salientado é simples: os custos relevantes ao processodecisório dev<strong>em</strong> ser aqueles que se relacionam com as decisõestomadas. A própria natureza da <strong>escolha</strong> fora de mercado garanteque os "custos" não pod<strong>em</strong> ser os mesmos confrontados na <strong>escolha</strong>de mercado.O <strong>em</strong>prego de serviços de recursos sob qualquer formaimplica um custo aos possuidores dos recursos; esse custo seconsiste na própria avaliação que os possuidores de recursos faz<strong>em</strong>das próprias opções sacrificadas, uma avaliação feita no momentodo compromisso. É esse o "verdadeiro" custo de oportunidade quese incorpora ao processo de mercado e é esse custo, pelo menos nasmargens de ajuste, que se alinha aos preços do produto final. Oresultado é a eficiência alocativa. Contudo, nesta interação todas as<strong>escolha</strong>s são feitas pelos que provocam a d<strong>em</strong>anda e a oferta, sendocada um responsável pelos resultados de seu comportamento. Opossuidor de um recurso que decide colocar seus serviços àdisposição de uma utilização A <strong>em</strong> vez de B terá de conviver comsua decisão. Na medida <strong>em</strong> que sua própria utilidade influencie oseu comportamento, esse indivíduo agirá sob pressão para tomar a


"decisão" correta, uma vez que a sua utilidade será a magnitudeafetada <strong>em</strong> decorrência de uma decisão "incorreta." Se umindivíduo que decide <strong>em</strong> uma situação de mercado deixa de sebeneficiar das oportunidades <strong>em</strong> potencial, que posteriormente serevelarão como altamente desejáveis, ele sofre a sensação de perderoportunidades. Essas experiências que "poderiam ter sido" serãoreconhecidas como seus próprios prejuízos.Esta estrutura decisória não pode existir <strong>em</strong> situações fora docontexto de mercado. Se os "verdadeiros custos" da utilização derecursos pudess<strong>em</strong> ser mensurados (digamos por um observadoronisciente, capaz de ler todas as funções de preferência) juntamentecom os "verdadeiros benefícios", a eficiência alocativa no uso nãomercadizável dos recursos apenas poderia ser assegurada se oindivíduo que decide agisse de acordo com critérios artificiais de<strong>escolha</strong>. Isto é, a eficiência alocativa somente poderá surgir se oindivíduo que decide efetivamente resolve agir, s<strong>em</strong> obedecer a umpadrão de comportamento, como um autômato seguindo regras.Esta diferença é amplamente reconhecida e tão antiga quanto adefesa aristotélica da propriedade privada. Porém, devo admitir queela não orienta de modo efetivo e crítico a essência da análiseeconômica que apresento <strong>em</strong> virtude da ampla confusão reinante na<strong>teoria</strong> el<strong>em</strong>entar de custo. Apenas recent<strong>em</strong>ente, através dosesforços de estudiosos (como Alchian, Coase, D<strong>em</strong>setz, McKean eTullock) que começam a desenvolver os rudimentos de uma <strong>teoria</strong>econômica de propriedade, é que pod<strong>em</strong>os encontrar um exam<strong>em</strong>ais detalhado da relação entre os resultados previstos e a estruturadecisória através da qual as decisões são feitas.O Cálculo e a Escolha SocialistaOs defensores da escola de Viena e seus pseudo-defensores– Mises, Hayek e Robbins – que se envolveram na disputa pelapossibilidade de efetuar o cálculo socialista no grande debate dosanos entre as grandes guerras, contribuíram para o desenvolvimentoda <strong>teoria</strong> de custo de oportunidade e reconheceram implicitamente adistinção básica ora enfatizada. Porém, esse aspecto particular da


argumentação desses estudiosos ficou obscurecido por uma ênfaserelativamente excessiva às dificuldades de cálculo que os indivíduossocialistas encarregados de decidir enfrentariam. De fato,essas dificuldades são extr<strong>em</strong>amente importantes, além disso, osprobl<strong>em</strong>as de informação com os quais se depara o planejamentoeconômico centralizado são realmente gigantescos, como aexperiência nos t<strong>em</strong> d<strong>em</strong>onstrado. Porém, de um modo relativo, acrítica mais representativa da organização econômica socialistaaponta para as dificuldades do processo de <strong>escolha</strong>. Mesmo que oEstado Socialista descobrisse um oráculo capaz de levar à perfeiçãotodos os cálculos, mesmo que reveladas todas as funções depreferência e todas as funções de produção foss<strong>em</strong> estabelecidascom precisão, a eficiência alocativa somente poderia surgir se osindivíduos que efetivamente decid<strong>em</strong> foss<strong>em</strong> transformados <strong>em</strong>eunucos da economia. Se esses homens pudess<strong>em</strong> ser motivados acomportar-se, tomar decisões de acordo com critérios de custodiferentes de seus próprios critérios, a sua estrutura decisóriapoderia tornar-se exeqüível. Em outras palavras, mesmo que osprobl<strong>em</strong>as de cálculo sejam inteiramente desprezados, o sist<strong>em</strong>asocialista somente poderá gerar eficiência <strong>em</strong> seus resultados seseus indivíduos puder<strong>em</strong> ser treinados a tomar decisões que nãoincorpor<strong>em</strong> os custos de oportunidade com os quais eles sedeparam individual e pessoalmente.É gritante o contraste entre as hipóteses comportamentaisimplícitas feitas por aqueles que defend<strong>em</strong> os impostos corretivos esubsídios pigouvianos para enfrentar as deseconomias e economiasexternas e as hipóteses comportamentais implícitas feitas poraqueles que argumentam que a organização socialista pode gerarresultados eficientes. Como já pud<strong>em</strong>os observar no Capítulo 5,para que as propostas políticas de Pigou possam atingir os seuspróprios objetivos declarados, os indivíduos que geramexternalidades dev<strong>em</strong> comportar-se de modo a maximizar os seuspróprios e restritos interesses econômicos. Não se pode supor queos efeitos do comportamento dessas pessoas sobre os níveisprevistos de utilidade dos d<strong>em</strong>ais influenci<strong>em</strong> seus comportamentos.Em comparação, deve-se supor que o administrador ideal


da <strong>em</strong>presa socialista aja exclusivamente com base <strong>em</strong> critérios nãoindividualistas. Não se pode permitir que a sua própria utilidadeinfluencie as decisões que toma; ele deve fazer a <strong>escolha</strong> de acordocom os custos e os benefícios previstos para toda a comunidade; asua própria posição na comunidade deve ser tratada como se fosse amesma de qualquer outro m<strong>em</strong>bro. Enquanto o hom<strong>em</strong> pi-gouvianodeve ser rigorosamente o homo economicus no sentido maisrestrito, o burocrata socialista deve ser o homo não economicus nosentido mais puro. Esses dois tipos de homens, que pod<strong>em</strong> apenasser caricaturas das pessoas reais, têm sido citados como ex<strong>em</strong>plo<strong>em</strong> inúmeros debates sérios sobre políticas do mundo real.O contraste entre as hipóteses de comportamento implícitasnessas duas entidades relacionadas da literatura é notável por si só,porém ainda mais notável <strong>em</strong> relação aos nossos objetivos é a fontecomum da confusão. Em seus aspectos contrastantes, tanto aspolíticas corretivas pigouvianas quanto a economia socialistaidealizada são produtos intelectuais da confusão sobre a <strong>teoria</strong> decusto. Ambas têm suas raízes na economia clássica, com as suasobjetivações de custos. Os custos somente pod<strong>em</strong> estar divorciadosda <strong>escolha</strong> se puder<strong>em</strong> ser objetivados; e somente estandodivorciado da <strong>escolha</strong> é que o contexto institucional-organizacionalno qual o indivíduo que faz a <strong>escolha</strong> habita não terá influênciasobre os custos. De acordo com o esqu<strong>em</strong>a socialista, os custosderivam das relações físicas entre insumos e produtos. Essasrelações são mensuráveis externamente e pod<strong>em</strong> fornecer osfundamentos para as regras dos administradores de <strong>em</strong>presas. Avaloração apenas entra no cálculo se o público consumidor, atravésde seu comportamento, estabelecer preços de d<strong>em</strong>anda que setornam as realidades objetivas. A valoração subjetiva que devesubsidiar cada <strong>escolha</strong> é negligenciada.


Os <strong>Custo</strong>s na Escolha BurocráticaOs burocratas que decid<strong>em</strong> são seres humanos. Esse simplesfato começa agora a ser reconhecido nas <strong>teoria</strong>s sobre burocracia 3 .O indivíduo que se depara com várias opções deve fazer uma<strong>escolha</strong>, e o custo que inibe a decisão será a sua própria avaliaçãodas opções que dev<strong>em</strong> ser sacrificadas. Pode-se estabelecer regraspara orientá-lo na adoção de critérios que reflitam as realidadeseconômicas subjacentes. Em um mundo de total certeza, não existeo probl<strong>em</strong>a da decisão. Um computador poderá fazer todas as"<strong>escolha</strong>s", se é que elas pod<strong>em</strong> existir nesse contexto. <strong>Uma</strong> dasprincipais confusões que conduz<strong>em</strong> à falsa objetivação dos custost<strong>em</strong> sido a ampliação da suposição de conhecimento perfeito da<strong>teoria</strong> do equilíbrio competitivo para o campo da análise das<strong>escolha</strong>s <strong>em</strong> situações de não equilíbrio, sejam elas feitas <strong>em</strong> umprocesso de mercado ou não. A verdadeira <strong>escolha</strong> se apresentaapenas <strong>em</strong> um mundo de incertezas e, naturalmente, todas as<strong>escolha</strong>s econômicas dev<strong>em</strong> ser feitas nesse contexto. Toda equalquer análise da <strong>escolha</strong> burocrática deve basear-se noreconhecimento desse fato simples.Imagin<strong>em</strong>os o modelo mais simples possível. Suponhamosque um funcionário público deva decidir entre dois cursos de ação,a e b. Esses cursos de ação pod<strong>em</strong> representar qualquer coisa,inclusive a produção de n ou de n + 1 unidades de produção.Qualquer um dos eventos, x ou y, poderá acompanhar cada cursode ação. Novamente, esses eventos pod<strong>em</strong> assumir praticamentequalquer forma, inclusive o estado da d<strong>em</strong>anda do consumidor namarg<strong>em</strong>. Em seguida, suponhamos que o resultado total dacomunidade para cada um dos resultados possíveis seja estimadocom precisão e que sejam os indicados pelos valores das quatrocélulas da figura 3 4 .3Vide Gordon Tullock, The Politics of Bureaucracy (Washington, D.C.: PublicAffairs Press, 1965).4 Estas estimativas são necessariamente ex-ante: apenas um resultado poderá serrealmente observado após a <strong>escolha</strong>.


_____________X ya 100 20(6) (2)b 50 60FIGURA 3 (4) (5)A <strong>escolha</strong> entre a e b na verdade dependerá dasprobabilidades subjetivas atribuídas a x e y. Suponhamos que oindivíduo que faz a <strong>escolha</strong> atribua uma probabilidade equivalentea cada evento. Através da aritmética, torna-se evidente que o valoresperado para toda a comunidade será maior <strong>em</strong> relação a a do quea b. Contudo, alterando-se os coeficientes de probabilidade, de (0,5e 0,5) para (0,4 e 0,6), o valor esperado para a comunidade toma-s<strong>em</strong>ais elevado <strong>em</strong> relação a b do que a a. Em caso de incertezaverdadeira, o indivíduo que toma a decisão deve considerar essasprobabilidades subjetivas; não há um conjunto de coeficientesdeterminado objetivamente. Ao reconhecermos esse fato, toma-seevidente que não há meios de avaliar o des<strong>em</strong>penho do indivíduoque faz a <strong>escolha</strong>, n<strong>em</strong> externamente, n<strong>em</strong> após a <strong>escolha</strong>. Cada umdesses dois indivíduos poderá escolher de modo diferente ao sedeparar com conjuntos idênticos de alternativas. Não existe uma"<strong>escolha</strong> correta" e independente das probabilidades subjetivasatribuídas. Em nosso ex<strong>em</strong>plo, um dos indivíduos poderá rejeitar bporque o seu custo excede aos retornos previstos; o outro poderárejeitar a pelo mesmo motivo. Não existe um meio que permita aum observador externo ou auditor decidir após o fato qual dos doisindivíduos ateve-se mais às "regras".Essa dificuldade na avaliação da eficiência do processodecisório fora do contexto de mercado sugere que o padrãoinstitucional de pr<strong>em</strong>iação e castigo possa ser modificado para que,independent<strong>em</strong>ente das <strong>escolha</strong>s que venham a ser realizadas, segaranta que o indivíduo que escolhe receba algum incentivo pessoal


para se comportar de acordo com os critérios de maximização"social". Essa medida substituirá a motivação ex-ante aocomportamento do indivíduo no "interesse público" pelas tentativasdesorientadas e inúteis de julgar ou acompanhar os resultados apóso fato. A necessidade de algum tipo de coordenação entre aestrutura de custo-benefício com que se depara o indivíduo quedecide e a "verdadeira" estrutura de custo-benefício de toda acomunidade t<strong>em</strong> sido cada vez mais reconhecida tanto na <strong>teoria</strong>quanto na prática.Entretanto, esse dispositivo institucional estánecessariamente limitado e, por inúmeros motivos, não é capaz deresolver totalmente o dil<strong>em</strong>a da <strong>escolha</strong> econômica nãomercadizável. A <strong>escolha</strong> fora do contexto de mercado não pode, porsua própria natureza, duplicar a <strong>escolha</strong> de mercado até e a menosque o padrão de propriedade-responsabilidade da primeira sejatotalmente equivalente ao da segunda; uma realização que, naverdade, poderia eliminar todas as diferenças institucionais entre asduas.Como ex<strong>em</strong>plo inicial, suponhamos que uma estruturaindividual de custo-benefício seja introduzida do modo indicadopelos termos entre parênteses da figura 3. Pelo menos <strong>em</strong> termosordinais, as compensações relativas para o indivíduo que toma adecisão coincid<strong>em</strong> com as compensações da comunidade. Contudo,se o indivíduo atribuir probabilidades subjetivas iguais a x e a z, oseu próprio cálculo de custo-benefício o levará a selecionar b <strong>em</strong>vez de a. Naturalmente, o conjunto de números foi elaboradodeliberadamente para que indicasse este resultado, porém deve ficarclaro que a equivalência ordinal entre a estrutura de compensaçãodo indivíduo que toma a decisão e a de toda a comunidade não ésuficiente para assegurar maior consistência nas <strong>escolha</strong>s.Sugere-se então a proporcionalidade. Se as compensaçõespessoais ao indivíduo que decide, sejam elas negativas ou positivas,for<strong>em</strong> rigorosamente proporcionais às de toda a comunidade, as<strong>escolha</strong>s feitas segundo critérios de valor esperado gerarão acoordenação exigida. Neste ponto, a importância da maximizaçãodo valor esperado como regra para o comportamento de <strong>escolha</strong> do


indivíduo deve ser questionada. Já está amplamente comprovado ofato que um indivíduo somente maximizará o valor presente se nãoobtiver nenhuma utilidade ou desutilidade <strong>em</strong> correr riscos e se autilidade marginal da renda para ele for constante através de toda afaixa de resultados relevantes. Se a utilidade marginal da rendadeclina através dessa faixa e se o indivíduo que faz a <strong>escolha</strong> não s<strong>em</strong>ostra averso n<strong>em</strong> inclinado a correr riscos, ele tenderá ad<strong>em</strong>onstrar alguma preferência pela alternativa mais segura, umpouco da diferença "não pecuniária" favorecerá a alternativa b nailustração numérica da figura 3. A questão que surge então é se essadiferença não pecuniária com que se depara o indivíduo que toma adecisão, e cujas compensações são proporcionais àquelas para todaa comunidade, necessita ser ou não a mesma que "deveria" informara decisão tomada do ponto de vista da comunidade. Como Domar eMusgrave salientaram <strong>em</strong> relação a outro ponto de vista 5 , oindivíduo cuja estrutura de compensação seja apenas uma quotaproporcional daquilo com que poderia se deparar <strong>em</strong> situação depropriedade plena se inclinará a correr mais riscos. O motivo éóbvio. Dado que a diferença não pecuniária somente aparece <strong>em</strong>decorrência do declínio da utilidade marginal da renda, o fato de afaixa de resultados ser menor <strong>em</strong> condições de compensaçõesparcialmente proporcionais do que <strong>em</strong> condições de responsabilidadee propriedade plena garante alguma redução nessadiferença.Um el<strong>em</strong>ento adicional e importante inclina-se a trabalhar<strong>em</strong> sentido contrário. Em uma dada estrutura de compensaçõesindividuais apenas proporcionais <strong>em</strong> relação às compensações detoda a comunidade, as diferenças absolutas entre o valor previstodas alternativas são menores para o indivíduo que toma a decisão doque para a comunidade; e as diferenças nos custos de oportunidadedas duas alternativas separadas são menores. Considerando-se o5E.D. Domar e R.M. Musgrave, Proportional Income Taxation and Risk-Taking,Quarterly Journal of Economics, LVIII (maio de 1944), págs. 388-422, reeditadopela American Economic Association, Readings in the Economics of Taxation(Homewood, III.: Richard D. Irwin, 1959), págs. 493-524.


aciocínio acima, parece evidente que o comportamento tenderá aresponder menos <strong>em</strong> relação às mudanças nas condiçõessubjacentes da <strong>escolha</strong> burocrática do que as mudanças nascondições de <strong>escolha</strong> de mercado. O indivíduo que decide nessascondições não é capaz de perceber as mudanças dos sinais com amesma sensibilidade que teria no primeiro caso. Se também reconhecermose considerarmos a resposta do comportamento comosensível a limiares, via de regra, essa diferença <strong>em</strong> comportamentoserá ainda mais pronunciada 6 .Esses el<strong>em</strong>entos separados ressaltam o fato de que aproporcionalidade entre a matriz de custo-benefício do indivíduoque toma a decisão e a da comunidade não garante umaaproximação entre os resultados de <strong>escolha</strong> obtidos <strong>em</strong> situações d<strong>em</strong>ercado e os obtidos <strong>em</strong> regimes de <strong>escolha</strong> burocrática. O custocom que se deparam os agentes que escolh<strong>em</strong> deve permanecer inerent<strong>em</strong>entedistinto nas duas estruturas decisórias, e são essas duasestruturas que constitu<strong>em</strong> o obstáculo fundamental ao alcance daeficiência <strong>em</strong> situações de <strong>escolha</strong> fora do contexto de mercado.6 Devletoglou argumentou persuasivamente que todo comportamento humano deveser analisado <strong>em</strong> termos de um modelo sensível a limiares. Vide Nicos Devletogloue P.A. D<strong>em</strong>etriou, Choice and Threshold: A Further Experiment in Spatial Duopoly,Economica, XXXIV (nov<strong>em</strong>bro de 1967) págs. 351-71.

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