40 <strong>Jornal</strong> <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong> 18 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2013EntrevistaIsabel Carvalho proprietária da AudituCada disco tem músicae sonhos lá <strong>de</strong>ntroDRADRIANA GUARDADaniela Franco Sousadaniela.sousa@jornal<strong>de</strong>leiria.pt❚ Na década <strong>de</strong> 90, para muitos adolescentes da região,sábado não era sábado se não incluísse uma visitaà Auditu, para ver nas prateleiras <strong>de</strong>sta loja <strong>de</strong> músicaas novida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scobertas no grupo <strong>de</strong> amigos ounas rádios mais alternativas. Os tempos mudaram ea emblemática loja <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong> vai encerrar em Maio, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> 26 anos a fazer <strong>Leiria</strong> dançar. Isabel Carvalho,proprietária e fundadora da Auditu (à esquerda na foto<strong>de</strong> cima), <strong>de</strong>spe<strong>de</strong>-se do projecto, mas não da cida<strong>de</strong>,on<strong>de</strong> espera agora conquistar outros sonhos.E <strong>de</strong>pois do sonho?Ainda não sei muito bem o que vou fazer. Talvez sigaoutro sonho. Vou estar por aí, à procura <strong>de</strong> outros <strong>de</strong>safios,mas ainda não sei quais. Talvez numa qualqueresquina, como canta Milton Nascimento num discoque um cliente me ofereceu.Algum arrependimento?Não. A música foi o melhor que me aconteceu na vida.Como disse Nietzsche, sem música a vida seria umerro. Voltaria a fazer tudo outra vez. Foram quase 30anos <strong>de</strong> música, um meio on<strong>de</strong> fiz muitos amigos, quenão foram um erro com certeza. Vou continuar a ouvirmuita música e tenho clientes a quem vou continuara aconselhar. Mas já lutei muito. Já chega. Há outrossonhos para alcançar.O que lhe têm dito esses amigos?Perguntam-me se <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> encerrar esta loja vou abriroutra noutro local. Mas não vou. É uma fase da vidaque termina. A maior medalha que levo são as suaspalavras constantes <strong>de</strong> carinho.O que mudou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1987?As mudanças aconteceram sobretudo nos últimosanos, a partir do momento em que as multinacionaispermitiram que a música fosse ‘sacada’ da internet,sem pagar direitos <strong>de</strong> autor. Tínhamos mais <strong>de</strong> 40 fornecedorese hoje são apenas duas multinacionais. Asgran<strong>de</strong>s lojas em Portugal já fecharam quase todas.Esta foi das primeiras lojas a abrir e será uma das últimasa fechar.A internet foi o maior carrasco <strong>de</strong>stas casas.A internet não trouxe só coisas más. Graças a ela, hámuita música disponível para ouvir e para escolher.Quem realmente gosta <strong>de</strong> música acaba por comprar.Felizmente, ainda há quem goste <strong>de</strong> comprar um CD,abri-lo, ler sobre quem toca, sentir o cheiro do papel.A que cheiram os seus discos?Os meus discos são recheados <strong>de</strong> muita coisa boa, enão apenas <strong>de</strong> música. Cada um <strong>de</strong>les é diferente. Masem casa tenho poucos, porque sempre foi nesta lojaque os ouvi. Dos que tenho, muitos foram compradospor clientes, aqui na Auditu, que mos ofereceram com<strong>de</strong>dicatórias. Por isso, cada disco tem um valor e umcheiro diferente.DRA Auditu abriuem 1987, pelamão<strong>de</strong> IsabelCarvalho e <strong>de</strong>FernandaMoreira (à dir.na foto <strong>de</strong>cima), que<strong>de</strong>ixaram aElectrolis paraseaventurarempor contaprópria noMaringá.Fernandaafastou-seuma década<strong>de</strong>pois e nosúltimos anosfoi DalilaCarvalho, irmã<strong>de</strong> Isabel (àesq. na foto <strong>de</strong>baixo), a suaaliada nesteprojecto, quesórecentementeabandonouJustifica-se que um meio como <strong>Leiria</strong>, on<strong>de</strong> proliferamtantos projectos musicais, não compre mais discos?Consome-se muita música em toda a região <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong>.Foi com clientes <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong>, Alcobaça, Caldas da Rainha,Figueira da Foz, Nazaré e Marinha Gran<strong>de</strong> que sempreconseguimos ven<strong>de</strong>r. Mas agora passámos a lutar contraa maré. Uma das gran<strong>de</strong>s diferenças entre 1987 e opresente é a própria situação económica do País. Nãoquer dizer que o nicho <strong>de</strong> mercado, o disco <strong>de</strong> culto, nãopermitissem manter a loja. Mas penso que já contribuio suficiente.Chegou a procurar ajuda para manter a loja?Pensei na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer uma fusão ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixara loja a alguém. Mas não podia ser apenas alguémque tivesse dinheiro, teria <strong>de</strong> ser alguém com bagagem.Estas não são apenas caixinhas <strong>de</strong> plástico. Têm músicae sonhos lá <strong>de</strong>ntro. Mas também já são muitos anos<strong>de</strong> trabalho aos sábados, feriados. Há cansaço e vonta<strong>de</strong><strong>de</strong> fazer outras coisas.
<strong>Jornal</strong> <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong> 18 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2013 41OlharArquitectura Arte que presta um serviçoO belo e a funçãoDRPedro Cor<strong>de</strong>iropedrolcor<strong>de</strong>iro@hotmail.com❚ Para quem anda nesta coisa das obras, da construção<strong>de</strong> edifícios, do espaço publico, da intervençãourbana e da paisagem, entre a reabilitação e areorganização <strong>de</strong> apartamentos e o <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> mobiliário,familiariza-se indubitavelmente com frasescomo “é bonito mas funciona mal”.Mais coisa menos coisa, a expressão regista-se vezessem conta, como uma parangona do senso comum,apontando à circunstância o sentido paraum lapso profissional hereditário. Por isso, talvez sejaimportante ir um pouco mais ao fundo do problemae questionar o contexto <strong>de</strong>ssa mesma utilida<strong>de</strong> nasactivida<strong>de</strong>s profissionais da arquitectura. A pré--história diz-nos que a mesma está para a sobrevivênciahumana como as peles que cobriam o corpodos antepassados, no entanto, todos sabemos que estesnão necessitaram <strong>de</strong> frequentar aulas para escolheruma caverna como abrigo – essas, são hoje famosassobretudo pelas pinturas, apesar da sua redobrada(in) utilida<strong>de</strong>.Para não começarmos pelas pirâmi<strong>de</strong>s do Egipto,um verda<strong>de</strong>iro símbolo da megalomania do inútil, po<strong>de</strong>mostalvez encontrar no império romano ummais claro vínculo ao pragmatismo do <strong>de</strong>senho da cida<strong>de</strong>e dos seus edifícios, ainda que <strong>de</strong> um modo inevitavelmentepoético, como é o exemplo <strong>de</strong>scrito nacarta <strong>de</strong> Plínio a seu caro Gallus (século I):”A vivenda é suficientemente gran<strong>de</strong> para ser cómoda,<strong>de</strong> manutenção pouco dispendiosa. A sua entradadá sobre um átrio simples, mas não sem elegância;a seguir uma colunata em forma <strong>de</strong> D, à volta<strong>de</strong> um pátio pequeno mas charmoso. O conjuntooferece um abrigo maravilhoso para os dias <strong>de</strong> mautempo, porque estamos aí protegidos pelos vidros esobretudo pelo avançado do telhado.”Nesta citação, com cerca <strong>de</strong> dois mil anos, reconhecemosa consciência dos problemas mais comunsda actualida<strong>de</strong> relativamente ao seu exercício profissional.São assim, consi<strong>de</strong>rações sobre a dimensão,o conforto, os custos, a materialida<strong>de</strong> mas tambéme sempre a beleza, sem ser pura como o Caetano acanta, mas associada a um conjunto <strong>de</strong> valências evalores que representam um sistema complexo <strong>de</strong>mais (in) utilida<strong>de</strong>s.Bem mais tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois da ida<strong>de</strong> média e <strong>de</strong> correntesartísticas quase exclusivas da igreja como o românicoe o gótico, <strong>de</strong>pois da luz do renascimento, daintelectualida<strong>de</strong> maneirista, da sensualida<strong>de</strong> dobarroco, do eventual exagero rococó, do volver neoclássico,do sonho romântico e dos ecletismos <strong>de</strong> todosos estilos e nenhum, surge a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> cortarcom um passado que se supõe po<strong>de</strong>r distinguir porpouco mais que as diferenças ornamentais. Agora éque seria mesmo diferente!Na arquitectura como no urbanismo o chamadomovimento mo<strong>de</strong>rno (século XX) radicaliza o discurso,primeiro em teoria e <strong>de</strong>pois na sua aplicaçãomais abstracta.O mo<strong>de</strong>rnismo começa por se caracterizar pelo <strong>de</strong>-O objecto <strong>de</strong>arte naarquitecturanão o éin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente doserviço quepresta, esta éumaconsi<strong>de</strong>raçãoque isola aarquitecturadas outrasartes. Destemodo, o belonaarquitectura,enquantocategorizaçãoartística,também<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dasuaoptimizaçãofuncionalpuramento da forma, tornando-a mais simples, eliminandoos motivos ornamentais/<strong>de</strong>corativos. Assima função, no sentido do cumprimento do programapreestabelecido, emancipa-se do a<strong>de</strong>reço, libertandotodo o potencial espacial em prole da utilida<strong>de</strong>.Impõe-se, por isso, a gran<strong>de</strong> máxima mo<strong>de</strong>rnistaque <strong>de</strong>signa que “a forma segue a função”,ou se quisermos que o <strong>de</strong>senho da cida<strong>de</strong> como doobjecto arquitectónico está ao serviço da sua melhorutilização. Não como um mero aspecto do útil mascomo algo inerente à sua essência e qualida<strong>de</strong>.Assim, nos tempos que correm, ainda no rescaldo<strong>de</strong>sta história recente, não po<strong>de</strong> fazer qualquersentido para o arquitecto, paisagista ou urbanistaprojectar negligenciando a função, pois a mesma éparte essencial da disciplina.O objecto <strong>de</strong> arte na arquitectura não o é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntementedo serviço que presta, esta é umaconsi<strong>de</strong>ração que isola a arquitectura das outras artes.Deste modo, o belo na arquitectura, enquanto categorizaçãoartística, também <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da sua optimizaçãofuncional sendo, por isso, uma característica<strong>de</strong> valor com presença incondicional, <strong>de</strong> outromodo seria uma outra coisa, diferente <strong>de</strong> arquitectura.As imagens correspon<strong>de</strong>m à Biblioteca <strong>de</strong> livros rarosda Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Yale, edifício projectado peloarquitecto Gordon Bunshaft em New Haven, Connecticut.