12.07.2015 Views

Governação e Integridade em Moçambique.pdf - CIP

Governação e Integridade em Moçambique.pdf - CIP

Governação e Integridade em Moçambique.pdf - CIP

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

ÍNDICEAgradecimentos 1Abreviaturas e Acrónimos 2Sumário Executivo 5Resumo das Recomendações 6Introdução 11Capítulo 1 16Os Três Poderes do Estado 16Quadro Legal, Institucional e de Políticas Públicas 17Probl<strong>em</strong>as Práticos e Desafios Reais 20Áreas prioritárias de intervenção e reforma 24Capítulo 2 26Direitos Humanos e Liberdades Básicas 26Quadro Legal, Institucional e de Políticas Públicas 26Probl<strong>em</strong>as Práticos e Desafios Reais 28Áreas prioritárias de intervenção e reforma 32Capítulo 3 34Governação e Financiamento Eleitoral 34Quadro Legal, Institucional e de Políticas Públicas 34Probl<strong>em</strong>as Práticos e Desafios Reais 37Áreas Prioritárias de intervenção e reforma 42Capítulo 4 44Sector Público 44Quadro Legal, Institucional e de Políticas Públicas 44Probl<strong>em</strong>as Práticos e Desafios Reais 48Áreas prioritárias de intervenção e reforma 51


IntroduçãoAdriano NuvungaEste Relatório de Governação e<strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique surge <strong>em</strong>resposta à necessidade de, a par dasavaliações as quais Moçambiquet<strong>em</strong> sido sujeito por entidadesinternacionais, governamentaise não só, haver uma ‘voz’moçambicana que identifiquealgumas das áreas que precisamde reformas que contribuampara consolidar o processo degovernação d<strong>em</strong>ocrática e garantirum desenvolvimento económico esocial mais abrangente, equitativoe sustentável no país. Até hoje,a sociedade civil moçambicanat<strong>em</strong> participado de forma muitolimitada nos debates públicosà volta dos assuntos ligados àgovernação, mas também se devedizer que só nos últimos anos é queesta t<strong>em</strong>ática começou a chamar aatenção dos variados actores queintervêm na área. A participaçãoda sociedade civil neste debate t<strong>em</strong>como palcos os espaços cedidospelo Governo, sendo por isso delouvar a abertura d<strong>em</strong>onstradapelo executivo. Neste contexto,este relatório é uma tentativa decontribuir de forma construtivapara o debate sobre a governação<strong>em</strong> Moçambique, trazendo opiniõese ideias, não necessariamentenovas, que pod<strong>em</strong> informar operfil de reformas tendentes aoaperfeiçoamento da d<strong>em</strong>ocracia <strong>em</strong>Moçambique.A ‘governação’ é globalmenteentendida como um sist<strong>em</strong>a devalores, políticas e instituiçõesatravés das quais uma sociedadegere os seus negócios políticos,económicos e sociais por viada interacção entre o Estado, asociedade civil e o sector privado.O conceito de ‘boa governação’surge como a expressão filosófica einstrumento de institucionalizaçãoda “governação”, e é consideradocomo factor indispensável napromoção da estabilidade sociale do desenvolvimento. A boagovernação manifesta-se <strong>em</strong> váriasáreas basilares para a edificação doestado de direito, nomeadamentea separação de poderes, o respeitopelos direitos humanos, a prestaçãovertical e horizontal de contas,a transparência na governaçãoeleitoral e na gestão financeira, eo controlo da corrupção. Nestaconformidade, o consenso globalsugere que os países com umelevado des<strong>em</strong>penho <strong>em</strong> cadauma destas áreas têm melhorescondições para um aceleradoalívio à pobreza e consolidaçãod<strong>em</strong>ocrática. Uma outraconsequência importante da boa11


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisgovernação é a maior integridadedas instituições e processos degestão da coisa pública, no sentidode se garantir o respeito das regrasexistentes dentro as instituições,de evitar o abuso de poderes e, deforma mais geral, a corrupção.Para um país como Moçambique,que já há mais de duas décadas v<strong>em</strong>impl<strong>em</strong>entando reformas políticas,económicas e institucionais, aaferição regular da qualidade dagovernação é fundamental parase assegurar a continuidade dosactuais esforços de combate àpobreza absoluta e aprofundamentoda d<strong>em</strong>ocracia. É tendo <strong>em</strong> contaeste pano de fundo que o Centrode <strong>Integridade</strong> Pública preparou epublica o presente relatório, com oobjectivo de fazer um mapeamentodo actual estado da governaçãoe integridade <strong>em</strong> Moçambiquee identificar áreas prioritárias deintervenção e reformas adicionaisque possam ser monitoradas poractores da sociedade civil e pelacomunicação social ao longo dospróximos anos.A qualidade da governação <strong>em</strong>Moçambique t<strong>em</strong> sido aferida porvários organismos internacionais,usando metodologias orientadassobretudo para a geração de basesde dados comparativas a nívelglobal. São os casos, por ex<strong>em</strong>plo,do Corruption Perceptions Index,da Transparência Internacional,do Global Integrity Index (daGlobal Integrity) e do BertelsmannTransformation Index. Estes índicespermit<strong>em</strong> comparações úteisentre vários países e, <strong>em</strong> algunscasos, ao longo do t<strong>em</strong>po, masnão entram <strong>em</strong> muitos detalhes noque diz respeito à situação e aosprobl<strong>em</strong>as específicos <strong>em</strong> cada país.Em Moçambique ja houve, entreoutros, a experiência do relatóriodo Programa das Nações Unidaspara o Desenvolvimento, publicado<strong>em</strong> 2001, intitulado ‘GovernaçãoD<strong>em</strong>ocrática: prioridades para asegunda geração’, e o estudo da ÉticaMoçambique sobre Corrupção,também publicado <strong>em</strong> 2001. Estesestudos trouxeram el<strong>em</strong>entos dediscussão muito úteis ao nível dopaís, mas o facto de não ter<strong>em</strong> sidoreplicados <strong>em</strong> intervalos regularesnão permitiu uma monitoriacontínua das recomendações quetinham avançado.O único mecanismo existentede monitoria periódica na áreade governação t<strong>em</strong> a ver coma Quadro de Avaliação deDes<strong>em</strong>penho do Plano de Acçãopara a Redução da Pobreza Absoluta(PARPA), que inclui algunsindicadores ligados à reforma dosector público, gestão de finançaspúblicas, descentralização e justiça.12


Mas, dado que o PARPA é umprograma essencialmente viradopara o combate à pobreza, a áreada governação não é abordadaainda de forma integrada, havendoaspectos críticos e desafios que nãosão sequer mencionados. Por outro,a avaliação que se faz no quadrodo PARPA (e por consequênciano quadro do Apoio Directo aoOrçamento) enquadra-se numprocesso de prestação de contasprevalent<strong>em</strong>ente ‘externo’, ou seja,que está ligado à justificação dosfluxos de ajuda internacional, aoinvés de estar virado para actoresdomésticos.O relatório de Governação e<strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique pretendecolmatar algumas destas lacunas,apresentando, por um lado, umaanálise da situação nos seus váriosaspectos e, por outro, avançandouma série de recomendações quevão ser monitoradas nas suasedições sucessivas, dado que orelatório será replicado de dois <strong>em</strong>dois anos. Desta forma, esperaseque o debate nacional se torn<strong>em</strong>ais concreto e focalizado. Parafacilitar a análise, oito áreasespecíficas foram identificadas,<strong>em</strong> parte pelo facto de as mesmasestar<strong>em</strong> incluídas nas definiçõesmais comuns de ‘governação’, e <strong>em</strong>parte pelo facto de apresentar<strong>em</strong>claros desafios para a governação eintegridade <strong>em</strong> Moçambique. Elassão, nomeadamente:1. Os Três Poderes do Estado,que compreende uma análise<strong>em</strong> torno da Constituiçãoda República como quadroestruturante do Estadode Direito; dos órgãos dopoder executivo, legislativoe judicial; das suas interrelaçõese suas relaçõescom os cidadãos através d<strong>em</strong>ecanismos institucionaisde captação e resposta aosassuntos e probl<strong>em</strong>as queafectam a população;2. Direitos Humanos eLiberdades Básicas, quecompreende uma análise <strong>em</strong>torno da legislação e adopçãode convenções internacionaissobre direitos humanos, dadefinição dos mecanismosde garantia das liberdadesbásicas e do papel da polícia edos tribunais;3. <strong>Integridade</strong> e FinanciamentoEleitoral, que compreendeuma análise <strong>em</strong> torno da organização,funcionamento econfiabilidade das instituiçõesde administração eleitoral,dos mecanismos legais definanciamento eleitoral e dasua funcionalidade;13


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reais4. Sector Público, quecompreende uma análise<strong>em</strong> torno da definição,organização e funcionamentodo sector público, dascapacidades existentes,e da qualidade da gestãofinanceira, incluindo oprocur<strong>em</strong>ent;5. RelaçõesIntergovernamentais eGovernação Local, quecompreende uma análise<strong>em</strong> torno da organizaçãodo Estado a nível local,dos recursos e capacidadesexistentes, das oportunidadespara a participaçãocomunitária, e dosmecanismos de articulaçãocom o governo central;6. Oversight e Corrupção, quecompreende uma análise<strong>em</strong> torno do papel e dascapacidades dos órgãosde oversight e de controloda corrupção, como ascomissões parlamentares, oTribunal Administrativo, aInspecção-geral de Finançase o Gabinete Central deCombate à Corrupção;7. Sociedade Civil, InformaçãoPública e ComunicaçãoSocial, que compreende umaanálise <strong>em</strong> torno da legislaçãovigente sobre a regulaçãodas actividades das ONGs edos órgãos de comunicaçãosocial, dos mecanismosde garantia do acesso àinformação pública por partedos cidadãos, e de outrosmecanismos de participaçãopopular na governação;8. Ajuda Internacional,Dependência e Governação,que compreende uma análise<strong>em</strong> torno das formas <strong>em</strong> quea dependência da ajuda, e suadistribuição, têm influênciana governação nacional, edas políticas de cooperação <strong>em</strong>ecanismos de coordenaçãodas actividades dos doadores.Metodologicamente, o relatóriocompreendeu uma revisão doquadro legal, institucional e depolíticas públicas <strong>em</strong> cada área, aprobl<strong>em</strong>atização do seu alcanceprático e dos desafios relevantespara a boa governação, para alémda identificação de um númerolimitado de iniciativas de reformaque não só pod<strong>em</strong> ajudar nasolução dos probl<strong>em</strong>as práticosevidenciados como tambémsejam ‘monitoráveis’ no sentidode se poder facilmente verificara sua impl<strong>em</strong>entação ou não nofuturo próximo. Por cada área, o14


<strong>CIP</strong> identificou um pesquisadorespecializado, com experiênciarelevante e conhecimentosdetalhados do sector. Cadapesquisador, para além dosseus próprios conhecimentose avaliações, baseou-se <strong>em</strong>entrevistas a informantes-chave,seleccionados de forma a se terum leque de inputs e informaçõesquanto mais vasto e crítico possível.Os rascunhos da maioria doscapítulos foram comentados porpersonalidades escolhidas porreunir<strong>em</strong> conhecimentos teóricose experiência prática <strong>em</strong> cada áreaestudada.O Relatório de Governação e<strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambiquet<strong>em</strong>, inevitavelmente, algumaslimitações de relevo, dado que hááreas relevantes para a governação<strong>em</strong> Moçambique que não foramcobertas na presente edição como,por ex<strong>em</strong>plo, os assuntos ligadosàs instituições tradicionais, aospartidos políticos, ao papel dosector privado e à gestão dosrecursos naturais, etc. De algumaforma, a metodologia usadatambém t<strong>em</strong> limitações, sendode destacar o facto que a grand<strong>em</strong>aioria das entrevistas ter<strong>em</strong>sido efectuadas na cidade capital,Maputo.Apesar destas limitações,acreditamos que o relatórioconstitui uma contribuiçãoimportante para os debates<strong>em</strong> torno da governação <strong>em</strong>Moçambique. Em primeiro lugar,pelo facto de o relatório ter sidopreparado e coordenado poruma organização da sociedadecivil moçambicana, e não pelogoverno ou por uma agênciadoadora. Em segundo lugar, pelaabrangência das áreas cobertas epela profundeza da análise <strong>em</strong> cadaárea. E, finalmente, pelo facto deapresentar recomendações clarasque pod<strong>em</strong> ser monitoradas naspróximas edições do relatório. Aanálise e as recomendações queo relatório apresentam part<strong>em</strong>de pontos de vista que pod<strong>em</strong> serdiscutíveis, pelo que o documentodeve ser visto, antes de mais,como um instrumento de debatesobre as reformas d<strong>em</strong>ocráticas<strong>em</strong> Moçambique. Neste sentido,mais do que receitas acabadas, estedocumento apresenta el<strong>em</strong>entospara discussão.15


Capítulo 1Os Três Poderes do EstadoProf. Doutor Gilles CistacO Estado cont<strong>em</strong>porâneoapresenta-se como uma instituição,isto é, como uma pessoa colectiva,detentora do poder político. Oel<strong>em</strong>ento estruturante de umapessoa colectiva é o de ela poderexistir só e apenas <strong>em</strong> virtude doseu estatuto. Para des<strong>em</strong>penharfunções jurídicas, a pessoacolectiva, qualquer que seja, t<strong>em</strong> deter um certo número de órgãos; eisso é o seu estatuto que os concede.O Estado, sendo uma pessoacolectiva, apenas pode existir comotal <strong>em</strong> virtude de um estatuto.O estatuto do Estado é a suaConstituição. O estatuto do Estadomoçambicano é a Constituiçãode 1990, com as suas alteraçõesaprovadas pela Ass<strong>em</strong>bleia daRepública <strong>em</strong> Nov<strong>em</strong>bro de2004. Com efeito, não houveuma verdadeira mudança deConstituição <strong>em</strong> 2004, mas apenasuma ampliação e consolidaçãodas instituições da Constituiçãode 1990 e da sua ideologiasubjacente. A Constituição é nãosó o meio de organizar o Estado,mas também de limitar o poderde cada um dos seus órgãos. Poroutras palavras, a Constituiçãonão é só o estatuto do Estado, mastambém a Carta que limita o poderno seio do Estado, e o poder doEstado no seio da sociedade. Defacto, essas duas perspectivas – adas garantias dos direitos e a daseparação dos poderes – pod<strong>em</strong>servir de fio condutor para, porum lado, concretizar uma análiseda Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong>Moçambique, e, por outro, estudaro próprio relacionamento entre osTrês Poderes do Estado.A Constituição estabelece formaspara a elaboração das leis, dosdecretos-leis e dos regulamentos.Uma vez tomadas nessas formasconstitucionais, essas leis, decretosleise regulamentos tornam-se decumprimento obrigatório paratodos, b<strong>em</strong> como para os seuspróprios autores porque estes sãoapenas servidores do Estado aoqual esses actos são juridicamenteimputáveis e cuja autoridadeimpõe-se a todos. A divisãohorizontal dos Três poderes doEstado, consiste, fundamentalmente,na repartição entre as diferentesfunções do Estado (Legislativa,Executiva, Judicial) – funções essasconfiadas a órgãos independentescom a finalidade de evitar a sua16


Os Três Poderes do Estadoconcentração a proveito de um sóórgão.Esta separação será analisada nopresente Capítulo. Todavia, se aseparação dos poderes implica,teoricamente, um controlorecíproco de cada um dos trêspoderes, conduzindo a umequilíbrio do sist<strong>em</strong>a, o ponto departida não será esse porque, defacto, não existe realmente umcontrolo recíproco dos órgãosde soberania <strong>em</strong> Moçambiquee, consequent<strong>em</strong>ente, não sepode falar, verdadeiramente, de“equilíbrio” entre os três poderes doEstado. Num regime presidencialistacomo é o de Moçambique, nãose pode ainda falar, stricto sensu,de controlo recíproco e, aindamenos, de equilíbrio. Nessascondições, é melhor optar por umaanálise realista e pragmática dosist<strong>em</strong>a de separação dos poderes<strong>em</strong> Moçambique e estudar o queé o essencial: o fenómeno realde concentração dos poderesao proveito do Presidente daRepública. É, de facto, eleque constitui a medida desterelacionamento.Quadro Legal, Institucional e dePolíticas PúblicasO presidencialismo <strong>em</strong> Moçambiquefaz com que seja preciso partir dafigura do Presidente da Repúblicapara melhor percebermos anatureza do relacionamento que sepode instituir entre os Três Poderesdo Estado <strong>em</strong> Moçambique,incluíndo o do Chefe de Estado.Todavia, a primazia do Chefe deEstado fica sujeita às limitaçõesque constitu<strong>em</strong> a salvaguarda dad<strong>em</strong>ocracia moçambicana. É sobreesses limites (bastante reduzidos)que será necessário insistir, porquesão eles que constitu<strong>em</strong>, comopoderes jurídicos, contra-poderesà leadership do Presidente daRepública.O Presidente da República e oParlamentoAlém dos poderes próprios que oPresidente moçambicano possuicomo Chefe do Estado (artigo 159da Constituição da República),é sobretudo como Presidentenato do Conselho de Ministros(alínea a do n.° 1 do Artigo 160 daConstituição da República) que asua influência é a mais sensível. Ainformação anual à Ass<strong>em</strong>bleia daRepública sobre a situação geralda nação (alínea b) do Artigo 159da Constituição da República) é aocasião de expor uma verdadeira“radiografia” sobre as questõesque norteiam os destinos da naçãoe expor o programa que seráconcretizado pela apresentação deproposta de leis, quer pelo próprio17


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisPresidente (alínea d) do n.° 1 doArtigo 183 da Constituição), querpelo próprio Governo (alínea e) don.° 1 do Artigo 183 da Constituiçãoda República).Além disso, os meios deintervenção do Presidente daRepública sobre o Parlamento sãonumerosos. Em primeiro lugar, oPresidente da República pode vetara lei por mensag<strong>em</strong> fundamentada,e devolvê-la para reexame pelaAss<strong>em</strong>bleia da República (n.° 3do Artigo 163 da Constituição daRepública). Todavia, a “arma” doveto é mais dissuasiva do que outracoisa, sobretudo na actual situaçãopolítica do País que faz comque o uso do veto seria apenas amanifestação de um conflito abertoe substancial no seio do próprioPartido no Poder, mais do que uminstrumento essencial no sist<strong>em</strong>ados checks & balances moçambicano(até hoje este instrumento nuncafoi utilizado). Mas, a verdadeira“arma” do Presidente da República<strong>em</strong> relação ao Parlamento é aconfiança depositada pelo País nelee o apoio deste à sua política. Comefeito, os m<strong>em</strong>bros do Parlamento,qualquer que seja a sua bancada,não pod<strong>em</strong> tomar o risco de seopor ao Presidente da República deforma sist<strong>em</strong>ática.Em segundo lugar, o Presidenteda República pode dissolver a Ass<strong>em</strong>bleiada República (alínea e)do Artigo 159 da Constitução daRepública) nos termos do Artigo188 da mesma s<strong>em</strong> qualquer acordodo Governo. Esta hipótese, conformea configuração política doregime presidencialista, permanec<strong>em</strong>eramente virtual. Finalmente, oexercício monopolístico da iniciativade lei pelo Governo (alinéa e) don.° 1 do Artigo 183 da Constituiçãoda República) limita consideravelmenteo papel do Parlamento <strong>em</strong> si(<strong>em</strong> 2007 sobre 26 projectos de leisque deram entrada na Ass<strong>em</strong>bleiada República, 24 eram do Governoe 2 de inciativa parlamentar). Alémdisso, a figura dos “decretos-leis”(Artigo 181 da Constituição da República),que constitui uma verdadeiradelegação do Poder legistativoao Governo, contribui para reforçaro poder do Governo e materializa,de facto, uma violação flagrante doprincípio de separação de poderes.Este enfraquecimento do poder doParlamento contribui, s<strong>em</strong> dúvida,para a personalização do poder doChefe de Estado <strong>em</strong> detrimento deum verdadeiro debate aberto sobreas questões da sociedade, comoseria desejável e necessário numajov<strong>em</strong> d<strong>em</strong>ocracia recente comoa moçambicana, que ainda faz aaprendizag<strong>em</strong> do modo de governaçãod<strong>em</strong>ocrática.18


Os Três Poderes do EstadoO Presidente da República e oPoder judicialNão se pode dizer que o Chefedo Estado não tenha influência(pelo menos virtual) sobre o PoderJudicial. Pelas prerrogativasque lhe são atribuídas pela LeiFundamental, nomeadamente a danomeação dos presidentes das maisaltas jurisdições do País (alínea fdo Artigo 159 da Constituição daRepública), do Procurador-Geral daRepública e do Vice–Procurador-Geral da República (alínea h doArtigo 159 da Constituição daRepública), e da designação de doism<strong>em</strong>bros no Conselho Superior daMagistratura Judical (alínea c don.° 1 do Artigo 221 da Constituiçãoda República), o Chefe do Estadot<strong>em</strong> toda a capacidade de dominar,senão afectar, o funcionamento doPoder Judicial. Com efeito, regrageral, o Chefe de Estado não vainomear nessas funções estratégicasuma pessoa que não lhe agrade.Assim sendo, pode-se desejaruma maior protecção estruturalda independência no processo denomeação tanto para o judiciáriocomo para o Ministério Público.Seria uma das formas mais óbviasde reforço da independência dostribunais relativamente ao PoderExecutivo. Para contrabalançar oPoder Executivo, “é extr<strong>em</strong>amenteimportante a supervisão do processo denomeação dos m<strong>em</strong>bros do judiciário.Contudo, o facto de o Presidente doTribunal Supr<strong>em</strong>o ser Presidenteex-officio do Conselho Superior daMagistratura Judicial leva à percepçãode que o CSMJ se encontra intimamenteligado ao Executivo” (Moçambique. OSector da Justiça e o Estado de Direito,Open Society Foundation, 2006).O Presidente da República e oequilíbrio dos poderesA constelação dos poderes doPresidente da República nãodeve levar-nos a concluir que,formalmente, o Chefe de Estadoé um monarca absoluto, quenão encontraria apenas comolimites aqueles a que ele se queiraimpor. As suas prerrogativassão formalmente limitadas. AConstituição moçambicanafoi estabelecida <strong>em</strong> torno doprincípio do equilíbrio dospoderes consagrado no seuArtigo 134: “Os órgãos de soberaniaassentam nos princípios de separaçãoe interdependência de poderesconsagrados na Constitução ...”.S<strong>em</strong> dúvida, porém, o equilíbriodos poderes é substancialmenteperturbado a proveito do Chefede Estado. Todavia, os órgãosassim constituídos conservamas suas prerrogativas. Se elesnão quer<strong>em</strong> fazer o uso delasde uma forma sist<strong>em</strong>aticamentehostil às iniciativas presidenciais,isto é devido ao facto de que,19


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaistalvez, os políticos e os cidadãosmoçambicanos não conceb<strong>em</strong> aeficácia <strong>em</strong> matéria política comovisando d<strong>em</strong>olir todo o que opoder tenta realizar. A paz, asegurança e o convívio entre asdiferentes famílias moçambicanassão s<strong>em</strong>pre presentes na opiniãopública. Mas não se podeacreditar numa docilidadeabsoluta. O Conselho Constitucional,<strong>em</strong> particular, d<strong>em</strong>onstrourecent<strong>em</strong>ente saber ainda defendero facto de que “Os órgãos desoberania (...) dev<strong>em</strong> obediência àConstituição e às leis” (Artigo 134da Constituição da República), e oTribunal Administrativo d<strong>em</strong>onstroutambém, <strong>em</strong> várias ocasiões,a sua preocupação de fazervincar o principio da legalidadeadministrativa das decisões degovernadores, de ministros, e até doPrimeiro Ministro.Probl<strong>em</strong>as Práticos e DesafiosReaisA sobrevalorização da funçãopresidencialO presidencialismo já instituídocomo regime político não carecede sobrevalorização <strong>em</strong> si. Oconjunto de poderes atribuídospela Constituição da República àfigura do Presidente da Repúblicaé amplamente suficiente s<strong>em</strong> serartificialmente atrofiado ao seufavor. A centralidade da figurado Presidente da Repúblicamanifesta-se já pelas competênciasformalmente atribuídas pelaConstituição. Além disso, e, talvezpor causa disso, a figura do Chefedo Estado é s<strong>em</strong>pre presenteno quotidiano dos cidadãos. OPresidente, como s<strong>em</strong>pre foi desdea independência do País, detémum forte poder para fazer face aosimperativos do desenvolvimento,mas isso não impede que secoloqu<strong>em</strong> as seguintes questões:será que é necessário que a figurado Presidente tenha assim tantospoderes? Será que esta “hiperpresença”não t<strong>em</strong> consequênciasnegativas sobre o funcionamentoregular das restantes instituiçõesda República e, <strong>em</strong> particular,do Parlamento? E se um regimede liberdade depende do facto deque cada poder possa defenderpermanent<strong>em</strong>ente as suasprerrogativas, qu<strong>em</strong> pode limitar opoder do Chefe de Estado?A sobrevalorização da figura doPresidente t<strong>em</strong>, pelo menos, umefeito perverso, nomeadamente ode fazer acreditar que o Presidentepode tudo, mesmo se, na prática,ele pode muito. É só apreciaras numerosas solicitações doscidadãos dirigidas ao Presidenteda República anualmente parapedir uma audiência parasolucionar um probl<strong>em</strong>a da vida20


Os Três Poderes do Estadoquotidiana pelo qual o Presidenteda República não é competenteou não é a pessoa mais indicada.Mas será que o Presidente daRepública pode atender todos oscidadãos? Esta atitude pode vir acriar um costume constitucionalno sentido do alargamento dospoderes do Presidente da República<strong>em</strong> detrimento dos outrosPoderes do Estado. Na verdade,este cenário t<strong>em</strong> construídoespontaneamente o mito de umPresidente omnipotente, que n<strong>em</strong>o conjunto dos seus assessores nãoconsegue, conscient<strong>em</strong>ente ouinconscient<strong>em</strong>ente, dominar. Masqu<strong>em</strong> pode dizer ao Presidente daRepública que ele não pode senãoum outro órgão de soberania?A regulação partidáriaRegra geral, os partidos políticostêm por função a conquista dopoder e o seu exercício paraimpl<strong>em</strong>entar a política divulgadano seu programa eleitoral. OPartido hoje dominante <strong>em</strong>Moçambique não derroga estaregra objectiva. O Partido no Poderassume objectivamente a condutada política nacional por intermédiodo Governo e da maioria naAss<strong>em</strong>bleia da República. Assim,não se pode acreditar que, umavez eleitos os candidatos àseleições gerais ou autárquicas,eles permanec<strong>em</strong> desligados doaparelho partidário. Os eleitossão tributários das instruções doPartido no Poder que lhes dita oque dev<strong>em</strong> fazer. Assim, a PolíticaNacional se faz, ao mesmo t<strong>em</strong>po,nos órgãos constitucionais, e nasinstâncias dirigentes do Partido noPoder (por definição irresponsáveispoliticamente).O probl<strong>em</strong>a não é de saberse o Partido dominante <strong>em</strong>Moçambique deve jogar umpapel tão importante, mas se estepapel é favorável ou não ao bomfuncionamento das instituiçõespúblicas do País, <strong>em</strong> geral, e aoequilíbrio entre os Três Poderesdo Estado, <strong>em</strong> particular. Apesarda separação formal dos TrêsPoderes do Estado, os actoresprincipais estão ligados com oPartido no Poder ou pela suafiliação partidária ou, do pontode vista institucional, pela suanomeação pelo Chefe do Estado,que é ao mesmo t<strong>em</strong>po Chefedeste Partido. Assim, o Partidodominante <strong>em</strong> Moçambiquet<strong>em</strong> um papel transversal quese deve considerar com muitocuidado quando se analisa orelacionamento entre os Três Poderesdo Estado <strong>em</strong> Moçambique, sobpena de termos uma visão apenasformal do relacionamento desteque não reflete, de facto, o seurelacionamento real.21


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisO Conselho ConstitucionalDentro dos poderes independentescom os quais o Presidente daRepública deve contar, o maisimportante não é visivelmenteo Parlamento (apesar de termeios de actuação sobre o Chefedo Estado, como aprovar oOrçamento do Estado, autorizaro Governo a contrair ou aconceder <strong>em</strong>préstimos, ratificaras nomeações do Presidente daRepública para várias cargosimportantes e requerer aoProcurador-Geral da Repúblicao exercício da acção penal contrao Presidente da República). OParlamento poderia jogar umpapel significativo se a diferençaentre a maioria e a oposição nãofosse tão grande e se existisse umcentro bastante significativo, oque não é o caso. Além disso, oParlamento poderia aproveitar dassuas actividades extra-legislativaspara estender e consolidar o seupapel de “ass<strong>em</strong>bleia representativa detodos os cidadãos moçambicanos” (n.°1 do Artigo 168 da Constituiçãoda República), como poderia sero caso no tratamento responsáveldas centenas de petições quesão registadas anualmente noParlamento.Todavia, um burocratismo dignode ser pr<strong>em</strong>iado impede o usocorrecto desta garantia políticados cidadãos ao qual acrescentasea pouca transparência devidoao modo de deliberação “à portafechada” da Comissão de Petições.Se não é o Poder legislativo quepode realmente ponderar ospoderes do Chefe do Estado, épreciso olhar para o Poder Judicial.A estrutura multi-polar do aparelhojudicial dificulta a legibilidadeda intervenção do Poder Judicialcomo um todo no equilíbrio dospoderes do Chefe do Estado.Apesar disso, o Juiz administrativoiniciou, desde 1994, um papelpositivo e disciplinador na actuaçãoda administração pública. Detoda forma, é verdadeiramenteo Conselho Constitucional,como órgão competente para“dirimir conflitos de competênciasentre os órgãos de soberania” (alíneab do n.° 1 do Artigo 244 daConstituição) ou “apreciar e declarara inconstitucionalidade das leis e ailegalidade dos actos normativos dosórgãos do Estado” (alínea a do n.° 1do Artigo 244 da Constituição) que<strong>em</strong>ergiu como órgão regulador dosist<strong>em</strong>a político-jurídico.Algumas decisões proferidas pelareferida jurisdição dev<strong>em</strong> serbrev<strong>em</strong>ente apresentadas paraperceber melhor a afirmação doConselho Constitucional comoregulador dos poderes constituídos.Uma delas t<strong>em</strong> a ver com oassunto, agora famoso, da “Decisão22


Os Três Poderes do Estadotomada, decisão cumprida”(Deliberação n.° 1/CC/2007, de 12de Abril). Neste caso, o ConselhoConstitucional não estava a exercero papel de julgador de um actoou decisão recorrido de um órgãodo Estado, mas foi notificadopara cumprir uma decisão queele considerou ilegal. Esta atitudeé notável pelo distanciamentoque o Conselho Constitucionaltomou <strong>em</strong> relação a uma outrainstituição do Estado (AutoridadeNacional da Função Pública)num objectivo personalizado dedefender a legalidade lato sensu, masdando uma publicidade ao evento– publicação da deliberação noBoletim da República e aos órgãosde soberania, ao Procurador-Geral da República e a própriaAutoridade Nacional da FunçãoPública – que, tomando <strong>em</strong> contaa natureza do autor, equiparou-sea uma verdadeira declaração deilegalidade.A outra decisão que vale a penamencionar foi “fundadora” porquedeclarou pela primeira vez, nestePaís, a inconstitucionalidade deum Decreto Presidencial. Comefeito, no seu Acórdão n.° 05/CC/2007, de 06 de Nov<strong>em</strong>bro, oConselho Constitucional, solicitadopor deputados da oposição paradeclarar a inconstitucionalidade doDecreto Presidencial n.° 25/2005,de 27 de Abril que cria o Conselhode Coordenação da Legalidadee Justiça (CCLJ), declarou ainsconstitucionalidade requeridapor, primeiro, falta de base legal(falta de fundamentação), esegundo, por violentar o princípioda separação de poderes. Assim, oConselho Constitucional afirmou,com firmeza, perante o conjuntodos órgãos de soberania, a suavontade de defender o equilíbrioconstitucional e defender essasnormas que, por imperativoconstitucional (n.° 4 do Artigo 2 daConstituição da República e Artigo134 da Constituição da República),todos, quaisquer que sejam, dev<strong>em</strong>respeitar.Os contrapoderesEntende-se por “contrapoderes”todos os centros organizados dedecisões, de controlo, de interessesou de influência que, pela suaexistência ou a sua acção, qualquerque seja o objectivo prosseguido,têm por efeito limitar o poder doaparelho dirigente do Estado.Percebe-se muito b<strong>em</strong> a utilidade enecessidade dos contrapoderes <strong>em</strong>Moçambique onde, pela fraquezados equilíbrios institucionais eo deficit da separação real dospoderes, eles preench<strong>em</strong> o vazioda dinâmica institucional esperadae contribu<strong>em</strong> concretamente paraconstruir este equilíbrio entre o23


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisaparelho dirigente do Estado e asociedade. Mais que outra coisa,eles tornaram-se a melhor garantiacontra qualquer deriva autoritariado Estado. É o grau de influênciade cada um desses que permiteopor uma resistência real às acçõesabusivas do poder. Eles inclu<strong>em</strong>:(a) a opinião pública; (b) os meiosde comunicação social; (c) o sector<strong>em</strong>presarial; (d) as igrejas; e (e) osactores externos. Em particular,os meios de comunicação socialconstitu<strong>em</strong>, ao mesmo t<strong>em</strong>po,um instrumento de promoção daimag<strong>em</strong> do Chefe de Estado, mastambém um espaço aberto paraa sua contestação. Na medida<strong>em</strong> que não estão sob o controlodo Estado, eles constitu<strong>em</strong>, <strong>em</strong>razão da sua influência sobre aopinião pública, um contrapoderformidável. As forças económicasconstitu<strong>em</strong>, também, contrapoderesincontornáveis. Os eventos recentesrelacionados ao aumento do preçodos transportes públicos no Paísd<strong>em</strong>onstraram, claramente, o poderreal e a influência do sindicatodos transportadores. Os actoresexternos, e mais particularmente osdoadores, exerc<strong>em</strong> uma influênciaconsiderável sobre o poder políticonacional. Eles constitu<strong>em</strong> umcontrapoder influente sobretudodo ponto de vista do acesso aosrecursos financeiros necessáriospara o Orçamento do Estado, ocrescimento da economia nacionale dos mercados de exportação dosprodutos nacionais.Áreas prioritárias de intervenção ereformaEm Moçambique, o princípioda separação dos Três Poderes doEstado – princípio formalmenteestabelecido pelo Artigo 134da Constituição da República– não traduz verdadeiramenteo funcionamento real do Poder.É mais para uma verdadeiracolaboração dos poderes –“interdependência de poderes” segundoo Artigo 134 da Constituição daRepública – s<strong>em</strong> uma d<strong>em</strong>asiadainterferência dos partidos políticos– que o sist<strong>em</strong>a constitucionaldeveria transitar para melhorfuncionar. Todavia, este objectivonão está atingido e d<strong>em</strong>orarábastante t<strong>em</strong>po para ser atingidoe é por isso que os contrapoderestêm, mais do que nunca, um papeldecisivo na equilibração do sist<strong>em</strong>a.A ampliação dos instrumentos da“Governação D<strong>em</strong>ocrática”, istoé, da participação dos cidadãosna condução dos assuntos deinteresse público e um maiorenvolvimento por parte desses natomada de decisões sobre como asociedade deve estar organizada24


Os Três Poderes do Estadoe dirigida b<strong>em</strong> como a criação d<strong>em</strong>ais oportunidades de participaçãopopular na governação parec<strong>em</strong>saudável para se atingir umequilíbrio no posicionamentodo poder no seio do Estado edo poder do Estado no seio dasociedade. Mas será que o regimepresidencialista é o mais adequadopara Moçambique? Um debateprofundo <strong>em</strong> torno do reforço doEstado de Direito, da D<strong>em</strong>ocracia eda República poderia ajudar melhora fazer o balanço sobre os seusefeitos sobre os três pilares acimareferidos e reflectir sobre a suapermanência, sendo inconstestávelque este modo de governofaz sombra aos mecanismosrepresentativos, o que diminiu a suanecessária legitimidade.da figura dos decretos-leise redução dos poderes denomeacão do Presidente daRepública2. Reforço do papel doParlamento: controloacrescido sobre as actividadesdo Executivo e <strong>em</strong> particularsobre a execução das leis(criação de um “Observatóriode Execução das Leis”);promoção de audiênciaspúblicas para se discutir asideias da sociedade civil sobrea actividade legislativaAlgumas recomendações pod<strong>em</strong>ser avançadas com vista aoaprofundamento da governaçãod<strong>em</strong>ocrática, nomeadamente:1. Transição do actual regimepresidencialista paraum regime parlamentarracionalizado, o que implicaa mudança no mododesignacão do Presidenteda República (sufrágioindirecto), introdução dafigura de um Primeiro-Ministro responsável peranteo Parlamento, supressão25


Capítulo 2Direitos Humanos e Liberdades BásicasAndré Cristiano JoséPara que a governação e a integridadedos Estados estejam aoserviço da d<strong>em</strong>ocracia e da cidadania,elas dev<strong>em</strong> necessariamentefundamentar-se numa política dereconhecimento e efectivação dosdireitos humanos e das liberdadesbásicas. A Constituição da Repúblicade 1990 marca uma virag<strong>em</strong>de Moçambique <strong>em</strong> matéria dedireitos humanos, sobretudo dosdireitos civis e políticos, alargandoo catálogo dos direitos, liberdades egarantias fundamentais e impondolimites na actuação do Estado. Otexto constitucional abriu maioresespaços para a incorporação deinstrumentos normativos internacionaisde protecção dos direitoshumanos na ord<strong>em</strong> jurídica interna.Contudo, a protecção dos direitoshumanos continua a ser probl<strong>em</strong>ática,tanto do ponto de vista legalcomo na prática quotidiana.Quadro Legal, Institucional e dePolíticas PúblicasOs direitos humanos são o conjuntode princípios, liberdades e garantiasfundamentais inerentes à pessoahumana. Trata-se de direitos reconhecidosa todas as pessoas, no sentidode respeitar a sua dignidade, deprotegê-las contra quaisquer tiposde abusos e de promover o seu desenvolvimentoindividual e colectivo.A Constituição da República deMoçambique, como na generalidadedas constituições modernas, incorporaos direitos humanos, sendoeste inclusivamente uma referênciainterpretativa importante. Contudo,os direitos humanos extravasam oregime constitucional dos direitosfundamentais.O processo de transição paraa d<strong>em</strong>ocracia multipartidária<strong>em</strong> Moçambique implicoutransformações no que respeitaà questão dos direitos humanos,nalguns casos até como umadas condições políticas para amobilização da ajuda externa.A análise das convenções a queMoçambique aderiu e ratificoupermite perceber que o governo,por um lado dá primazia aosdireitos civis e políticos e aosdireitos colectivos e difusos , e nãoaos direitos económicos e sociais e, Isto é, aos direitos como o ambiente e opatrimónio cultural de que são titulares todas aspessoas ao mesmo t<strong>em</strong>po.26


Direitos Humanos e Liberdades Básicaspor outro lado, t<strong>em</strong> uma postura deselectividade na incorporação dosprotocolos no ordenamento jurídicomoçambicano. Em regra, não sãoratificados aqueles protocolos queimplicariam responsabilizaçãodirecta do Estado e do governo<strong>em</strong> caso de violação de direitoshumanos. A estas duas lógicas se acrescentaa assinatura de acordos bilateraisque põ<strong>em</strong> <strong>em</strong> causa a consistênciado comprometimento do Estadomoçambicano <strong>em</strong> relação aosdireitos humanos. É o ex<strong>em</strong>plo doacordo que o Governo assinou comos Estados Unidos da América,segundo o qual o primeiro secompromete a não accionar osmecanismos do Tribunal PenalInternacional contra cidadãosnorte-americanos que cometamviolações de direitos humanos<strong>em</strong> Moçambique. Por outrolado, não existe uma políticacoerente de reconhecimento dosdireitos humanos e de criaçãodos mecanismos institucionais Referimo-nos, por ex<strong>em</strong>plo, ao ProtocoloFacultativo do Pacto Internacional sobreos Direitos Civis e Políticos, ao ProtocoloFacultativo da Convenção sobre a Eliminaçãode Todas a Formas de Discriminação Contra asMulheres, ao Protocolo Adicional à ConvençãoContra a Tortura e outros Tratamentos ouPenas Cruéis, ao Pacto Internacional dosDireitos Económicos e Sociais e ao Estatuto doTribunal Penal Internacional.necessários para os efectivar. Nogeral, a adopção e ratificaçãodaqueles instrumentos t<strong>em</strong>dependido mais dos lobbies e dosmovimentos de pressão nacionaise internacionais do que de umainiciativa explícita do Estado.No aparato institucional inerenteà protecção dos direitos humanos<strong>em</strong> Moçambique, destacam-seentidades estatais e não estatais.Entre as primeiras, destaca-se aProcuradoria-Geral da República(PGR), com funções de defesada legalidade junto dos tribunais,esquadras, estabelecimentosprisionais e d<strong>em</strong>ais organismospúblicos e privados. Outrasinstituições cumpr<strong>em</strong> o papelespecífico de assegurar a defesados cidadãos, <strong>em</strong> especial doscidadãos que não dispõ<strong>em</strong> decondições económicas paracontratar advogados, como écaso do Instituto do Patrocínioe Assistência Jurídica (IPAJ) eda Ord<strong>em</strong> dos Advogados, estaatravés de estagiários e advogadosespecialmente nomeados parao efeito ou actuando <strong>em</strong> regimepro bono. Todavia, o estágio deadvogados após formação <strong>em</strong>Direito nas universidades não estáregulamentado n<strong>em</strong> estruturado,não sendo, por isso, assegurado umapoio sist<strong>em</strong>ático aos cidadãos. Poroutro lado, o IPAJ dispõe de um27


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisnúmero reduzido de assistentes etécnicos jurídicos, dos quais poucostêm um vínculo formal com oEstado, funcionando efectivamentecomo advogados privados.O Provedor da Justiça a qu<strong>em</strong> aConstituição e a lei (Lei n.º 7/2006,de 16 de Agosto) confere funções dedefesa da legalidade e da justiça naactuação da administração públicaainda não entrou <strong>em</strong> funcionamento.Exist<strong>em</strong> também várias organizaçõesnão estatais que não só denunciam elutam contra as violações de direitoshumanos, como também prestamassistência jurídica e de outranatureza aos cidadãos. Trata-se deiniciativas bastante diversificadas,tanto quanto à abrangência territorialcomo à t<strong>em</strong>ática de trabalho, sendoraros os casos de articulação entreestas organizações e o Estado.Probl<strong>em</strong>as Práticos e DesafiosReaisEntre a retórica de protecçãodos direitos humanos e a suaconcretização há ainda umdesfasamento muito grande,estando longe de ser<strong>em</strong> realizadasas promessas de uma sociedadeonde a dignidade humana érespeitada e as instituiçõesgarantam esse respeito. Aocompromisso político de protecçãodos direitos humanos, formalmenteassumido pela adesão aos principaisinstrumentos internacionais, nãot<strong>em</strong> correspondido uma políticade execução adequada e sólida.Destacamos aqui as seguintessituações:• Violação dos direitos civise políticos, sobretudoresultante do uso indevido,desproporcional e abusivoda força por parte doEstado, particularmentedas forças policiais e nosestabelecimentos prisionais;• No contexto daimpl<strong>em</strong>entação dosprogramas de reajustamentoestrutural, violação dosdireitos económicos esociais, com particularênfase para os direitos dostrabalhadores. Tanto por vialegislativa como na prática,aos trabalhadores têm sidoquestionados os direitosmais el<strong>em</strong>entares, <strong>em</strong> nomedo mercado e do ambientefavorável de negócios;• No amplo leque dosdireitos colectivos e difusos,enfatizamos o cada vez maisdifícil acesso aos recursosnaturais por parte dascomunidades, principalmentequando confrontadas com28


Direitos Humanos e Liberdades Básicasos interesses de investidoresprivados, alguns dos quaisassociados a altos quadros dogoverno e do Estado.A prática <strong>em</strong> Moçambique mostraque reportar casos de violação dedireitos humanos não é uma tarefafácil, não só porque muitos delessão encobertos por qu<strong>em</strong> os praticaou conhece, mas também porque oscidadãos, vulneráveis, não se sent<strong>em</strong>encorajados para os denunciare n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre dispõ<strong>em</strong> de mecanismosseguros para fazê-lo, como porex<strong>em</strong>plo os meios de protecção detest<strong>em</strong>unhas contra eventuais ameaçasou represálias. Os casos sãotrazidos ao conhecimento públicosobretudo através de organizaçõesde defesa dos direitos humanos edos órgãos de informação.Direitos Civis e PolíticosA Liga Moçambicana dos DireitosHumanos (LDH), por ex<strong>em</strong>plo,entre os anos 2005 e 2006, registou157 casos de execuções sumárias,tortura e tratamento degradante<strong>em</strong> Moçambique, contra 13 e 18casos documentados <strong>em</strong> 2004 e2003, respectivamente. Aindasegundo a LDH, a maior partedestas violações são cometidas Liga Moçambicana dos Direitos Humanos(2007). Relatório Anual Sobre Direitos Humanos.Maputo: LDH.nas esquadras de polícia e nosestabelecimentos prisionais (71, dos157 casos), <strong>em</strong>bora seja elevadoo número de casos ocorridos navia pública (56 casos). O relatórioretrata, entre outros casos, amorte do recluso Chicueia numacadeia de máxima segurança,<strong>em</strong> consequência de agressões aguardas prisionais. Reagindo àtrocas de insultos entre os reclusos,os guardas agrediram fisicamenteChicueia e mais dois reclusos. Estesúltimos sofreram ferimentos graves,tendo recebido tratamento noHospital Central de Maputo.A comunicação social tambémreporta casos de violação de direitoshumanos relacionados com o usoexcessivo, abusivo e ilegal da forçapor parte do Estado, <strong>em</strong> particularpor parte das forças policiais. Éo caso do baleamento mortal deAugusto Cuvilas <strong>em</strong> sua casa, nasequência de um pedido de socorroque ele próprio fizera enquantovítima de um assalto. Para além deCuvilas, foram alvejadas mais duaspessoas que estavam com ele <strong>em</strong>casa. A Televisão de Moçambique(TVM) também noticiou o casode um curandeiro que foi preso nodistrito de Montepeuz, <strong>em</strong> Cabo Augusto Cuvilas era bailarino, coreógrafoe professor da Companhia Nacional de Cantoe Dança. Foi morto na madrugada de 22 deDez<strong>em</strong>bro de 2007.29


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisDelgado, para onde se deslocarapara realizar uma cerimónia delimpeza espiritual, alegadamentesolicitada pela população local.O Comandante da Polícia deMontepuez justificou a prisãodo curandeiro alegando que acerimónia <strong>em</strong> causa perturbava orecenseamento eleitoral, principalpreocupação do Estado. Para alémde desrespeitar completamente osuniversos culturais locais, a políciaabusou da sua autoridade paraprender um cidadão fora dos casosprevistos na lei.A apreciação da Procuradoria-Geral da República (PGR) <strong>em</strong>relação aos direitos humanos nasesquadras e nos estabelecimentosprisionais confirma as situaçõesdescritas. Segundo a PGR, nasvisitas às cadeias enquantodefensora da legalidade, amagistratura detectou situaçõesde presos cujos prazos de prisãopreventiva tinham expirado;cidadãos detidos por factos paraos quais a lei não permite privaçãode liberdade; prisões s<strong>em</strong> quetivess<strong>em</strong> sido observadas quaisquerformalidades legais; alimentaçãodeficiente; cuidados de saúdeprecários; proliferação de doençascontagiosas; etc. Informação Anual do Procurador-Geral daRepública à Ass<strong>em</strong>bleia da República (2007: 14-15).Contudo, por um lado a PGRt<strong>em</strong> dificuldades <strong>em</strong> cumpriras suas funções, desde logoporque n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre é permitidaa entrada de procuradores nasesquadras de Polícia e nosestabelecimentos prisionais . Emúltima análise, significa que oEstado não reconhece a vigênciada Constituição dentro das suaspróprias instituições. Recusar quea PGR exerça as competênciasque lhe são reconhecidas pelaConstituição e pelas leis ordináriastambém significa legitimar asviolações dos direitos humanos. Poroutro lado, verifica-se uma notóriainércia da PGR <strong>em</strong> particular nocombate aos atentados contra osdireitos colectivos e difusos. Nãoobstante a abundância de casosrelatados sobretudo na imprensa,a PGR r<strong>em</strong>eteu para os tribunaisapenas quatro acções com vista àprotecção do ambiente. Direitos económicos, sociais eculturaisO mercado é consideradopelo governo como uma dasprincipais chaves de combate àpobreza <strong>em</strong> Moçambique. Neste Segundo o informe do Procurador-Geralda República apresentado à Ass<strong>em</strong>bleia daRepública <strong>em</strong> 2007. Informação Anual do Procurador-Geral daRepública à Ass<strong>em</strong>bleia da República (2007: 66-69).30


Direitos Humanos e Liberdades Básicassentido, o PARPA II prescrevea necessidade de melhorar oambiente de negócios na área dotrabalho, tornando-o mais flexívele competitivo, ou seja, ampliandoe agilizando as possibilidades deextinção de contratos de trabalho<strong>em</strong> função das dinâmicas domercado, baixando os custos dosdespedimentos s<strong>em</strong> justa causae intensificando a exploração daforça de trabalho.No sector do caju, por ex<strong>em</strong>plo, ostrabalhadores aufer<strong>em</strong> menos doque o salário mínimo nacional, nãolhes é paga a r<strong>em</strong>uneração quandofaltam justificadamente ao trabalhoou quando estão <strong>em</strong> licença departo, ultrapassam o limite máximode horas de trabalho por dia,não lhes é assegurada qualquerassistência no caso de acidentesde trabalho e não dispõ<strong>em</strong> decondições de segurança e higieneno local de trabalho .À situação de precarização dosdireitos alia-se à debilidade daInspecção do Trabalho, cujaactuação t<strong>em</strong> sido, <strong>em</strong> regra,reactiva, <strong>em</strong> função das denúnciasveiculadas através dos meiosde comunicação social, como Entrevista a Boaventura Mondlane, Secretáriodo Sindicato Nacional dos Trabalhadores daIndústria do Caju, publicada no jornal Notícias,no dia 2 de Nov<strong>em</strong>bro de 2007, pp. 4-5.aconteceu, por ex<strong>em</strong>plo, no casoda <strong>em</strong>presa “Golden fields”, da qualé sócio um ex-m<strong>em</strong>bro do governomoçambicano. Nesta <strong>em</strong>presa,cerca de c<strong>em</strong> trabalhadoresrecrutados nas províncias deManica e Tete trabalhavam 11horas por dia s<strong>em</strong> contratos detrabalho e viviam <strong>em</strong> condiçõesconsideradas desumanas.No seu conjunto, as situaçõesacima descritas e uma análise maisampla da área nos permit<strong>em</strong> chegara seguintes conclusões:• A ratificação dasconvenções internacionaisnão é acompanhada pelaincorporação de instrumentoscompl<strong>em</strong>entares que torn<strong>em</strong>mais forte o mecanismode protecção dos direitoshumanos;• As políticas públicas paraa Polícia e para as prisõesnão são acompanhadasde medidas concretas deimpl<strong>em</strong>entação, sendoposto <strong>em</strong> causa o direito doscidadãos à vida, à segurança,à integridade e à dignidade;• Não exist<strong>em</strong> políticaspúblicas que possibilitam orecurso sist<strong>em</strong>ático a penasalternativas à prisão;31


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reais• Há uma desarticulação dosmecanismos de administraçãoda Justiça, uma vez quea Procuradoria-Geral da Repúblicat<strong>em</strong> dificuldades <strong>em</strong>cumprir a sua função juntodos estabelecimentos prisionaise esquadras da polícia;• Não são impl<strong>em</strong>entadas,a nível interno, formas defiscalização sist<strong>em</strong>ática dasprisões e das forças policiais;• Por vezes os agentesimplicados nos casos deviolação de direitos humanosnão sofr<strong>em</strong> quaisquerconsequências criminais,n<strong>em</strong> disciplinares, sendosimplesmente transferidospara outros locais ;• A detenção dos cidadãosnão é feita de acordo coma lei, desrespeitandoseas formalidades e ascircunstâncias previstas lei;• Aos detidos e presos não lhessão facultadas informaçõessobre os motivos do seuencarceramento, n<strong>em</strong> sobreos direitos que lhes sãoassistidos; Liga Moçambicana dos Direitos Humanos(2003). Relatório sobre Direitos Humanos <strong>em</strong>Moçambique. Maputo: LDH.• Os detidos e os presosestão sujeitos à violênciae condições degradantesque põ<strong>em</strong> <strong>em</strong> causa a suadignidade;• Apesar de existir<strong>em</strong> órgãosjudiciários para onde pod<strong>em</strong>ser encaminhadas as queixascontra a violência policial,não exist<strong>em</strong> mecanismos deacesso à justiça ao dispor damaioria dos cidadãos;• Não exist<strong>em</strong> formas deresponsabilização políticados governantes pelos actoscometidos por si ou pelosrespectivos subordinados.Áreas prioritárias de intervenção ereformaOs probl<strong>em</strong>as acima identificados,que transformam os direitoshumanos numa promessa nãocumprida, levam-nos a identificaralgumas áreas prioritárias deacção <strong>em</strong> três níveis principaisque se intersectam, no sentido deestabelecer uma plataforma básicade protecção dos direitos humanos.Nível legal• Adesão e ratificaçãodos pactos e protocolosadicionais ou facultativos32


Direitos Humanos e Liberdades Básicasrelativos aos direitoshumanos, nomeadamente:Protocolo Facultativo do PactoInternacional sobre os DireitosCivis e Políticos; ProtocoloAdicional à Convenção Contraa Tortura e outros Tratamentosou Penas Cruéis; e ProtocoloFacultativo da Convenção sobrea Eliminação de Todas a Formasde Discriminação Contra asMulheres; Pacto Internacionaldos Direito Económicos e Sociais;• Institucionalizaçãode mecanismos decooperação entre o Estado(particularmente o IPAJ), aOrd<strong>em</strong> dos Advogados e asorganizações de defesa dosdireitos humanos.• Ratificação do Estatuto doTribunal Penal Internacional;• Adopção de uma política devalorização e ampliação daspenas alternativas à prisão,com reflexos na formaçãodos magistrados e de outrosagentes do sist<strong>em</strong>a deadministração da justiçaNível institucional• Adopção de medidaslegislativas que permitamo acesso de entidadesindependentes (organizaçõesda sociedade civil) aosestabelecimentos prisionaise às esquadras da polícia,de modo a monitorizar<strong>em</strong>a situação dos cidadãosprivados de liberdade;33


Capítulo 3Governação e Financiamento EleitoralAdriano NuvungaA legitimidade política de umregime é uma condição necessáriapara a consolidação da d<strong>em</strong>ocracia.Nos sist<strong>em</strong>as d<strong>em</strong>ocráticos, alegitimidade t<strong>em</strong> sua orig<strong>em</strong> noprocesso eleitoral, ou seja, noexercício periódico do direito devoto dos cidadãos para escolher<strong>em</strong>seus líderes e representantes.Neste sentido, esta legitimidadeé defendida quando o eleitorado– ou, mais realisticamente, ospartidos organizados – consideraque o governo conquistou deforma processualmente correctao direito de estar no poder. Agarantia da confiabilidade damáquina da administração eleitoralé uma tarefa fundamental dagovernação eleitoral para assegurara substancial incerteza subjacenteàs eleições d<strong>em</strong>ocráticas.Quadro Legal, Institucional e dePolíticas PúblicasEm Moçambique, o mais altoórgão responsável pela orientação,direcção, superintendência efiscalização dos actos do processoeleitoral é a Comissão Nacionalde Eleições (CNE). A CNE éum órgão do Estado previstona Constituição, independentee imparcial, responsável pelasupervisão dos recenseamentose dos actos eleitorais 10 . Dos13 m<strong>em</strong>bros que compõ<strong>em</strong> aCNE, 5 são designados pelospartidos políticos com assento noParlamento e 8 são provenientesda sociedade civil. Abaixo da CNEestão as Comissões Provinciais deEleições e as Comissões de EleiçõesDistritais e/ou da Cidade. CadaCPE é composta por 11 m<strong>em</strong>bros,sendo 5 designados pelos partidoscom assento no Parlamento, peloprincipio de representatividadeparlamentar, e os restantes 6são cooptados pelos 5 m<strong>em</strong>brosdesignados pelos partidos de entrepersonalidades apresentadas pororganizações da sociedade civillegalmente constituídas.A CNE t<strong>em</strong> no Secretariado Técnicode Administração Eleitoral(STAE) o seu braço operacional.O STAE é um serviço público personalizadopara a administraçãoeleitoral, com representação aonível provincial, distrital ou das cidades.O STAE organiza, executa10 Veja a Lei 8/2007 de 26 de Fevereiro.34


Governação e Financiamento Eleitorale assegura as actividades técnicoadministrativasdos recenseamentose dos processos eleitorais. O STAEé dirigido por um Director Geralrecrutado através de um concursopúblico (proposto pela CNE enomeado pela Primeira-Ministra),e é composto por um quadro permanentegeral, comum e privativo,cujo pessoal é também provenientede concurso público, e aprovadopela CNE sob proposta do Directorgeraldo STAE, de forma a garantira maior independência possível detodos os d<strong>em</strong>ais poderes públicos.Nos períodos de recenseamento eeleições, o quadro de pessoal doSTAE integra el<strong>em</strong>entos adicionaistecnicamente habilitados.O papel da CNE e do STAE éde fundamental importância napreparação e execução das eleiçõesgerais e locais. Algumas das áreasmais delicadas da administraçãoeleitoral t<strong>em</strong> a ver com o processode apuramento de resultados ecom a t<strong>em</strong>ática do financiamentoeleitoral as quais, no actual figurinoinstitucional eleitoral, apresentamfragilidades que têm o potencial deafectar os níveis de integridade dagovernação eleitoral.Apuramento EleitoralTerminada a votação, inicia oacto de apuramento parcial que serealiza nas Ass<strong>em</strong>bleias de Voto.Uma das primeiras questões que secolocam é a da nulidade dos votos.É considerado voto nulo o boletimno qual: (i) tenha sido assinalado<strong>em</strong> mais de um quadrado; (ii) hajadúvida quanto ao quadrado ou aárea assinalada; (iii) tenha sidoassinalado no quadrado ou na árearectangular correspondente a umacandidatura que tenha desistidodas eleições; (iv) tenha sido feitoqualquer corte, desenho ou rasura;ou (v) tenha sido escrita qualquerpalavra.Havendo divergência de contag<strong>em</strong>no acto de apuramento parcial,por ex<strong>em</strong>plo no caso de o númerode boletins de voto existentes nasurnas for superior ao número deeleitores inscritos, considera-senula a votação. Contrariandoestas cláusulas, a lei estabeleceque a votação numa ass<strong>em</strong>bleiade voto só é considerada nulaquando se tenham verificadoirregularidades que possam influirsubstancialmente no resultadoeleitoral 11 .Findo o apuramento parcial, osboletins de voto nulos e aquelessobre os quais haja reclamações ouprotestos são, depois de rubricados11 Artigo 186 (1) da lei 7/2007 de 26 deFevereiro35


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaispelo Presidente da mesa ou seusubstituto, r<strong>em</strong>etidos <strong>em</strong> pacotesdevidamente lacrados à CDE ouCCE no prazo de 24 horas, contadasa partir da hora do encerramentoda votação. No prazo de 48horas, contadas a partir da hora doencerramento da votação, os votosreferidos no número anterior sãoentregues à CPE que, por sua vez,os r<strong>em</strong>ete à CNE. Terminado oapuramento parcial, segue o apuramentodistrital feito pela CDE ouCCE; o apuramento provincial feitopela CPE; e o apuramento nacionalfeito pela CNE. Nas operações preliminaresdo apuramento distrital,a CDE ou CCE decide sobre os boletinsde voto <strong>em</strong> relação aos quaistenha havido reclamação ou protesto,verifica os boletins consideradosnulos e reaprecia-os segundo critériouniforme.A este nível, o apuramento devotos é feito com base nas actase nos editais das operaçõesdas ass<strong>em</strong>bleias de voto, noscadernos de votação e nos d<strong>em</strong>aisdocumentos r<strong>em</strong>etidos à CDE.Os resultados do apuramentodistrital são anunciados <strong>em</strong> actosolene e público pelo presidenteda CDE no prazo máximo detrês dias, contados a partir do diado encerramento da votação. Afase seguinte é a do apuramentoprovincial, feito pelas CPEsa partir dos editais r<strong>em</strong>etidospelas CDEs. No apuramento ecentralização nacional, faz-se umanova requalificação dos boletinsde voto <strong>em</strong> relação aos quais tenhahavido reclamação ou protesto.Este exercício é feito à portafechada, s<strong>em</strong> critérios confiáveis detransparência <strong>em</strong> torno das decisõessobre estes votos, incluindo sobreeditais que pod<strong>em</strong> apresentarsinais que possam suscitar dúvidas.Não há também dispositivoslegais para a disponibilização dosresultados parciais à medida quevai decorrendo o apuramento.Financiamento dos partidospolíticosPara a boa governação eleitoralentendida como crucial para a legitimidadedo governo e, por isso,conducente à consolidação d<strong>em</strong>ocrática,é indispensável o sentimentode igualdade de oportunidadeaos vários partidos e candidatospresidenciais. Por isso, a legalidadee transparência dos mecanismos definanciamento eleitoral são determinantespara a confiabilidade dad<strong>em</strong>ocracia perante os cidadãos.Com efeito, a Lei quadro paraa Formação e Actividade dosPartidos Políticos 12 estabelece três12 Lei 7/91 de 23 de Janeiro36


Governação e Financiamento Eleitoralformas legais de financiamentoeleitoral, designadamente (i)os subsídios provenientes doOrçamento do Estado; (ii) asisenções fiscais; e (iii) o livreacesso aos órgãos públicos decomunicação social. A LeiEleitoral, por sua vez, estabelececinco formas directas definanciamento 13 , designadamente:(i) contribuição dos próprioscandidatos e dos partidos políticosou coligação de partidos políticos;(ii) contribuição voluntária doscidadãos nacionais e estrangeiros;(iii) produto da actividadedas campanhas eleitorais; (iv)contribuição dos partidos amigosnacionais e estrangeiros; e (v)contribuição de organizaçõesnão governamentais nacionais ouestrangeiras.A Lei Eleitoral garante duas formasindirectas de financiamento aospartidos políticos e candidatospresidenciais, designadamente olivre acesso aos meios públicosde comunicação social e aisenção de encargos fiscais naimportação de materiais para ascampanhas eleitorais. Com efeito,a Lei Eleitoral estabelece que ospartidos e candidatos concorrentesàs eleições presidenciais têm13 Artigo 35 (1) da Lei 7/2007 de 26 deFevereirodireito a 5 minutos diários para aapresentação de seus programase/ou manifestos eleitorais. Alei proíbe a utilização, pelospartidos e d<strong>em</strong>ais candidaturas<strong>em</strong> campanha eleitoral, de bensdo Estado, autarquias locais,institutos autónomos, <strong>em</strong>presasestatais, <strong>em</strong>presas públicas esociedades de capitais exclusivas oumaioritariamente públicas.Para a prestação de contas, ascandidaturas às eleições dev<strong>em</strong>contabilizar discriminadamentetodas as receitas e despesasefectuadas com a campanhaeleitoral e comunicá-las à CNEno prazo máximo de sessentadias após a proclamação oficialdos resultados do escrutínio. ACNE procede à apreciação daregularidade das receitas e despesas,fazendo publicar as suas conclusõesnum dos jornais mais lidos do paíse no Boletim da República.Probl<strong>em</strong>as Práticos e DesafiosReaisEngenharia InstitucionalEm resposta às exigências econtributos da sociedade civilmoçambicana e organismosinternacionais de observaçãoeleitoral, o Parlamento mudou37


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisa composição da CNE e omecanismo de designação dosm<strong>em</strong>bros. Antes das Eleiçõesde 2004, somente o Presidenteda CNE era proveniente dasociedade civil. No actualfigurino institucional, são 8 osm<strong>em</strong>bros da CNE provenientesda sociedade civil contra os 5m<strong>em</strong>bros designados pelos partidoscom assento no Parlamento.Isto reforçou a confiabilidade damáquina de administração eleitoralperante a sociedade moçambicana,mas a experiência de 2007 mostrouque o mecanismo de designação,<strong>em</strong> que o grupo dos 5 m<strong>em</strong>brosdesignados pelos partidos políticosé que selecciona os 8 m<strong>em</strong>brosprovenientes da sociedade civilnuma base de avaliação curricular,continua não transparente.Infelizmente, a Lei Eleitoral éomissa <strong>em</strong> relação ao mecanismode designação dos m<strong>em</strong>brosprovenientes da sociedade civil.Para além de falta de transparênciae omissão, há o probl<strong>em</strong>a dalegitimidade dos m<strong>em</strong>brosdesignados pelos partidos políticospara cooptar<strong>em</strong> os m<strong>em</strong>brosprovenientes da sociedade civil. Istoé criticamente probl<strong>em</strong>ático nasCPEs e CDEs, onde a lei estabeleceexplicitamente o princípio decooptação para a designaçãodos m<strong>em</strong>bros provenientes dasociedade civil. Como resultado,<strong>em</strong> 2007 foram cooptados paraas CPEs e CDEs, <strong>em</strong> nome dasociedade civil, antigos deputadosda Ass<strong>em</strong>bleia da República eoutras personalidades que jáhaviam ocupado postos políticopartidários.Outros países como aÁfrica do Sul têm as conhecidasaudições públicas (public hearings)para a designação dos m<strong>em</strong>bros dasociedade civil para os órgãos deadministração eleitoral.Nos actos eleitorais anteriores, comdestaque para 1999 e 2004, académicos,jornalistas e missões nacionaise internacionais de observaçãoeleitoral denunciaram ocorrênciasde obstrução aos mecanismos queassegurass<strong>em</strong> mais transparênciaeleitoral, negligência e défice institucionalque se manifestou por faltade incentivos institucionais para autilização da capacidade técnicainstalada nos órgãos eleitorais. Há,por isso, expectativa <strong>em</strong> torno daobrigatoriedade do recrutamentodos chamados “el<strong>em</strong>entos tecnicamentehabilitados que integramo quadro do STAE <strong>em</strong> períodosde recenseamento e eleições” combase <strong>em</strong> concurso público de avaliaçãocurricular. A transparênciano recrutamento destes técnicos vaiacrescentar valor na credibilidadedos órgãos técnicos de administraçãoeleitoral.38


Governação e Financiamento EleitoralApuramento EleitoralDesde 1994, a experiênciamostra que a votação t<strong>em</strong> sidogeralmente ordeira e pacífica.Os principais probl<strong>em</strong>as iniciamcom o apuramento eleitoral,onde se destacam: (i) a faltade transparência com queoperam as Comissões Eleitorais,particularmente a CNE; (ii) apossibilidade de ‘correcção’ deeditais e/ou exclusão de editais jáapurados <strong>em</strong> escalões anterioress<strong>em</strong> apresentar as bases técnicaspara tais decisões para o público;(iii) a burocracia excessiva que s<strong>em</strong>anifesta pela pesada máquina deapuramento eleitoral; e (iv) a faltade disponibilização de informação,por ex<strong>em</strong>plo, os resultados parciaisnas várias fases do apuramentoeleitoral.A vastidão do país tornaindispensável o actual númerode ass<strong>em</strong>bleias de voto, cerca de12.741 <strong>em</strong> Moçambique e 60 noexterior nas eleições gerais de 2004e, por isso, justificável a existênciadum apuramento distrital. Desteapuramento sa<strong>em</strong> editais distritais ede cidade que são tornados públicos<strong>em</strong> sessão solene. A previsão dumapuramento provincial, feito pelaCPE, corresponde a um passoadicional que corre o risco dediminuir, ao invés de aumentara transparência do processode apuramento eleitoral. Emeleições anteriores, isto levantouincerteza sobre os resultadoseleitorais e pôs <strong>em</strong> causa os sinaisde uma progressiva maturidaded<strong>em</strong>ocrática.Este escalão de apuramentoprovincial torna-se pesado paraa transparência do processoeleitoral porque as reuniões daCPE são à porta fechada e, nestassessões, o conteúdo de editaispode ser ‘corrigido’ s<strong>em</strong> quenenhuma informação seja prestadaao público, particularmente ajornalistas e missões de observaçãoeleitoral. Também, o facto denão haver disponibilização dosresultados parciais à medida quese vão processando os editaisdistritais torna mais probl<strong>em</strong>áticaa transparência e, com isso, aconfiabilidade do processo eleitoral.Noutras d<strong>em</strong>ocracias, a informaçãosobre os resultados parciais édisponibilizada pela Internet.Os votos nulos foram outra questãodisputada <strong>em</strong> anteriores eleiçõespelo facto de ser<strong>em</strong> subsequent<strong>em</strong>enterequalificados nos apuramentosprovincial e nacional, como potencial de alterar os resultadosfinais. Nas eleições de 2004, haviacerca de 300.000 votos nulos porser<strong>em</strong> requalificados dos quais39


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reais1/3 foi aceite na requalificação.Devido à experiência dos anos anteriores,isto causou polémica, comas missões de observação eleitoralpedindo mais transparência no processode requalificação dos votosnulos. Houve rejeição categóricada CNE <strong>em</strong> abrir as portas paraassegurar mais transparência narequalificação destes votos mas, nofim, a questão não teve expressivarelevância porque a diferença entreos dois candidatos presidenciais eos dois partidos com assento parlamentarfoi muito larga, cerca de 1milhão de votos, que não podia seralterada pelos votos <strong>em</strong> disputa.Sobre a nulidade da votação,a lei estabelece princípiospotencialmente conflituosos.Estabelece, por um lado, quehavendo divergência de contag<strong>em</strong>no acto de apuramento parcial nasass<strong>em</strong>bleias de voto, como porex<strong>em</strong>plo no caso <strong>em</strong> que o númerode boletins de voto existentes nasurnas seja superior ao número deeleitores inscritos, a lei consideranula a votação. Por outro lado,estabelece que a votação só éconsiderada nula quando se tenhamverificado irregularidades quepossam influir substancialmenteno resultado eleitoral. Nas eleiçõesde 2004, no círculo eleitoral deTete, distrito de Changara, houvecasos <strong>em</strong> que o número de votossuperou o de eleitores inscritos noscadernos eleitorais. Apesar disto,não se declarou nula a votaçãosob o argumento de que não teveinfluência nos resultados finais. Sepor um lado não se compreendecomo é que o ConselhoConstitucional deixou passar umalei com um artigo potencialmenteconflituoso como este (legalmente,fraude é fraude por maisinsignificante que possa ser), poroutro lado há o consolo de que cabeao Conselho Constitucional dirimiros contenciosos eleitorais.Uma importante lacuna nosist<strong>em</strong>a eleitoral moçambicano noapuramento eleitoral, <strong>em</strong> particular,t<strong>em</strong> a ver com o facto de a leieleitoral não prever a recontag<strong>em</strong>de votos <strong>em</strong> caso de perda e/oudúvidas sobre a originalidade doseditais. Muitos outros países, comopor ex<strong>em</strong>plo o próprio Kenya queteve probl<strong>em</strong>as recent<strong>em</strong>ente, t<strong>em</strong>provisões legais para a recontag<strong>em</strong>de votos. Em 2004, cerca de 5% dasactas foi excluída da recontag<strong>em</strong>s<strong>em</strong> explicação, aparent<strong>em</strong>enteporque continham erros. Umdispositivo legal que permitisse arecontag<strong>em</strong> de votos teria evitadoisto, ou seja, teria permitido que sefizesse recontag<strong>em</strong> dos votos e, comisso, assegurar mais confiabilidadeaos resultados perante o povo.40


Governação e Financiamento EleitoralFinanciamento EleitoralO quadro legal sobre ofinanciamento eleitoral épermissivo, isto é, t<strong>em</strong> muitasfragilidades. Sobre as doações,o quadro legal permite queparticulares (nacionais eestrangeiros), organismos privadosnacionais e organizações nãogovernamentaisnacionais ouestrangeiras financi<strong>em</strong> campanhaseleitorais s<strong>em</strong> estabelecer limites.Isto é grave sobretudo numcontexto <strong>em</strong> que os mecanismos deprestação de contas sobre as receitase gastos de partidos políticos ecandidatos presidenciais nãofuncionam. Nesta conformidade,existe uma possibilidade parafinanciamentos eleitorais ilegais,e até criminosos, influenciar<strong>em</strong>os processos eleitorais, abrindo-secampo para potenciais implicaçõesnegativas nas políticas públicase opções políticas dum governofinanciado desta forma. Noutrasd<strong>em</strong>ocracias como a nossa hálimites neste tipo de financiamento.Nos EUA, o limite máximo definanciamento privado a candidatospresidenciais é de 3,000 dólares.As fragilidades se estend<strong>em</strong> àinexistência de obrigatoriedade depublicação das doações feitas porparticulares e/ou <strong>em</strong>presas aospartidos e candidatos presidenciais,incluindo auditorias independentesàs contas dos partidos e candidatospresidenciais. A nível interno,estas fragilidades na infra-estruturalegal significam interligaçõespromíscuas entre partidos ecandidatos presidenciais e interesses<strong>em</strong>presariais, incluindo <strong>em</strong>presaspúblicas. Institucionalmente, nãohá um organismo do Estado quefaça a monitoria do financiamentoeleitoral e político <strong>em</strong> geral. Para ascampanhas eleitorais, os partidose candidatos presidenciais têmisenções fiscais na importação d<strong>em</strong>ateriais não perecíveis mas nãohá um órgão que fiscalize a correctautilização deste benefício, tal comoacontece noutras d<strong>em</strong>ocracias.No passado, houve candidatosque importaram bens de luxo paraterceiros, <strong>em</strong> nome de material paraa campanha eleitoral. Igualmente,a lei proíbe a utilização pelospartidos e d<strong>em</strong>ais candidaturas<strong>em</strong> campanha eleitoral de bensdo Estado. Desde as eleiçõesfundadoras da d<strong>em</strong>ocracia <strong>em</strong>1994, houve numerosas denúnciasde utilização indevida dopatrimónio do Estado por m<strong>em</strong>brosseniores do partido no poder <strong>em</strong>missões de campanha eleitoral.Sobre a prestação de contas dofinanciamento eleitoral provenientedo Orçamento do Estado, aCNE foi permissiva nas eleições41


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisanteriores. A CNE mostrou aimag<strong>em</strong> de estar mais preocupadacom os resultados eleitorais <strong>em</strong>enos com a transparência eprestação de contas dos fundosdo Estado alocados aos partidose candidatos para fins eleitorais.Houve, por ex<strong>em</strong>plo, situações desobrefacturação e apresentaçãode recibos que não reuniambásicos ingredientes para ser<strong>em</strong>considerados como tal, mas a CNEdeixou passar. Estas situaçõesdeviam ter sido denunciadasao Ministério Público mas aexperiência mostrou que não háuma utilização da ligação entre aCNE e o Ministério Publico para asanção das infracções.Áreas Prioritárias de intervenção ereformaQuadro LegalSobre o processo eleitoral, oquadro legal apresenta algumascontrariedades, sendo de destacaras cláusulas que defin<strong>em</strong> os termosda nulidade da votação. Sobre ofinanciamento eleitoral, o quadrolegal é permissivo. Assim, serecomenda o seguinte:• Revogar o artigo 186 (1) daLei 7/2007 de 26 de Fevereiroque estabelece que a votaçãosó é considerada nulaquando se tenham verificadoirregularidades que possaminfluir substancialmente noresultado eleitoral;• Promover uma reflexãoampla e abrangente sobreo figurino institucional daadministração eleitoral<strong>em</strong> Moçambique, comparticular destaque para oapuramento eleitoral, ondese destaca: a) redução dassuas etapas, particularmenteo apuramento provincial; e b)assegurar mais transparênciana requalificação dosvotos nulos quer atravésde disponibilização deinformação sobre as basestécnicas de requalificaçãoaos jornalistas e observadoresquer através da aceitaçãode missões de observaçãoeleitoral nas sessões derequalificação;• Rever o artigo 35 (1)da Lei 7/2007 de 26 deFevereiro proibindo oulimitando a contribuiçãode cidadãos estrangeirose de organizações nãogovernamentais estrangeirasa partidos políticos oucandidatos presidenciais;42


Governação e Financiamento Eleitoral• Introduzir no figurinoinstitucional eleitoralum mecanismo para arecontag<strong>em</strong> de votos <strong>em</strong> casode necessidade, por ex<strong>em</strong>plo,perda de editais;• Estabelecimento daobrigatoriedade de publicaçãodas doações feitas porparticulares e/ou <strong>em</strong>presasaos partidos e candidatospresidenciais, e de auditoriasindependentes às contasdos partidos e candidatospresidenciais.• A designação de m<strong>em</strong>brosda sociedade civil para aCNE deve ser orientadapor uma Comissão criadae supervisionada pelaAss<strong>em</strong>bleia da Republica,integrada por personalidadesda sociedade;• Criação dum organismodentro do Ministério daJustiça para a monitoria daactividade e financiamentopolítico no geral.Quadro InstitucionalO actual figurino institucionalda máquina eleitoral apresentas<strong>em</strong>uito pesado, por um lado,e com lacunas, por outro lado.As várias fases do apuramentoeleitoral são pesadas e reduz<strong>em</strong> aconfiabilidade do processo eleitoral.O mecanismo de designação dosm<strong>em</strong>bros da sociedade civil nosórgãos eleitorais não é transparentee parece acrescentar pouco àd<strong>em</strong>ocraticidade da governaçãoeleitoral. O financiamento eleitoralenferma da falta de um órgão doEstado que faça a fiscalização dasreceitas e gastos dos partidos ecandidatos presidenciais. Assim, serecomenda o seguinte:43


Capítulo 4Sector PúblicoEquipa do <strong>CIP</strong>A qualidade das instituições eprocessos ligados à gestão dosrecursos públicos a fim de garantira prestação de serviços à populaçãoconstitui um aspecto fundamentalda governação. A forma como osector público está organizado,através de leis, regulamentos epráticas, e <strong>em</strong> termos do conjuntode recursos humanos, económicos,materiais e sócio-políticos quet<strong>em</strong> à sua disposição, influenciaa sua capacidade de responderàs necessidades dos cidadãos egarantir a integridade e legalidadena gestão dos fundos públicos ea eficiência e eficácia no seu uso.Neste capítulo, assuntos ligadosàs relações entre o governo e oscidadãos, à gestão dos recursoshumanos no Aparelho do Estado edos recursos financeiros no sist<strong>em</strong>ade planificação e orçamentação,incluindo o procur<strong>em</strong>ent, sãoabordados de forma a identificar assuas fraquezas e algumas possíveissoluções.Quadro Legal, Institucional e dePolíticas PúblicasO sector público <strong>em</strong> Moçambiqueé entendido como o conjunto deinstituições e agências directa ouindirectamente financiadas pelo Estadotendo como objectivo final a provisão deserviços públicos 14 . O sector públicomoçambicano é, nesse sentido,composto pelas várias entidades daadministração directa e indirectado Estado existentes a nívelcentral e local. No que concerneà administração directa, a nívelcentral destacam-se os ministérios eas suas várias repartições públicas,os institutos e outras agências doEstado. A administração indirectaé composta pelas <strong>em</strong>presaspúblicas, agências, institutos eoutros tipos de entidades comautonomia (parcial ou total)administrativa, patrimonial efinanceira. A nível local o sectorpúblico é composto principalmentepelos chamados órgãos locaisdo Estado; que são os GovernosProvinciais e Distritais, os PostosAdministrativos, as localidades epovoações. Paralelamente, no queconcerne à administração indirecta,exist<strong>em</strong> os órgãos de poder local,as autarquias locais ou municípios,que são dotados de autonomia14 CIRESP (2001). Estratégia Global da Reformado Sector Público 2001-2011. Maputo, ImprensaNacional.44


Sector Públicoadministrativa, financeira epatrimonial e cujos titulares sãoeleitos por voto directo.Esta configuração é fruto d<strong>em</strong>udanças introduzidas no sectordesde a independência nacional <strong>em</strong>1975, com particular destaque paraas medidas voltadas à conversãode um sector público herdado docolonialismo para um sector maisconsonante com os desafios da fasepós-independência. Estas reformasforam posteriormente seguidas deoutras visando adequar o país àeconomia de mercado, isso já nasegunda metade dos anos 80. Noentanto, a constatação de que osector público ainda apresentavaprobl<strong>em</strong>as de funcionamento,causados por uma excessivaburocratização, um quadro legalobsoleto, baixa qualificação dosrecursos humanos, sist<strong>em</strong>as degestão de recursos (humanos,financeiros e materiais) deficientes,corrupção e processos nãoinstitucionalizados de definiçãode políticas públicas, levaram àadopção da uma nova onda dereformas do sector público, queforam lançadas <strong>em</strong> 2001 e cujotérmino está previsto para 2011,estando agora na sua segunda fase,iniciada <strong>em</strong> 2006.A Constituição da Repúblicade Moçambique, no seu artigo249, defende a necessidade deindependência política do sectorpúblico. Este preceito está tambémpresente no Decreto 30/2001de 15 de Outubro, relativo aofuncionamento da administraçãopública e à prestação de serviçospúblicos, que introduz aindaalguns dispositivos que abr<strong>em</strong>espaço para: (a) uma maiorceleridade dos procedimentosadministrativos (artigo 11); (b)garantia dos direitos das pessoassingulares e colectivas atravésda apresentação de sugestões,requerimento, reclamação e recursoa entidades de dentro e fora daprópria administração pública(artigo 15 e 45); (c) obrigatoriedadedas inspecções de analisar oencaminhamento das reclamaçõese sugestões; (d) definição deimpedimentos de participação dosagentes de administração pública<strong>em</strong> decisões <strong>em</strong> que sejam parteinteressada (artigo 17).Paralelamente a estas medidas, ogoverno introduziu os chamados‘Balcões de Atendimento Único’,que integram serviços de muitossectores, com particular ênfase osenvolvidos no licenciamento denegócios. Apesar desta iniciativater começado há algum t<strong>em</strong>po,só <strong>em</strong> 2007 é que o governoaprovou um instrumento reguladordesta matéria. Estas medidas,acompanhadas de mudanças na45


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisárea de registos e notariado e nalegislação laboral, contribuírampara uma melhoria relativa doambiente de negócios do país,reflectida <strong>em</strong> algumas partes doúltimo relatório Doing Business 15 ,<strong>em</strong>bora Moçambique ainda ocupeum modesto 134º lugar, de umtotal de 178 países incluidos.Esta situação <strong>em</strong> parte deve-sea constrangimentos que aindapersist<strong>em</strong> nesta área, como omau funcionamento das secçõescomerciais dos tribunais judiciais eum diálogo ainda deficiente entre oGoverno e o sector privado.No que concerne à gestão dosrecursos humanos na funçãopública, destaque vai paraos seguintes instrumentos: oEstatuto Geral dos Funcionáriosdo Estado – EGFE (aprovadopelo decreto 14/87, de 20 deMaio), o Sist<strong>em</strong>a de Carreirase R<strong>em</strong>unerações (Decreto nº64/98, de 3 de Dez<strong>em</strong>bro); osQualificadores das Carreiras,Categorias e Funções Comuns doAparelho do Estado (Resoluçãonº 12/99, de 09 de Dez<strong>em</strong>bro, doConselho Nacional da FunçãoPública). Estes instrumentosdefin<strong>em</strong> os mecanismos derecrutamento de funcionários15 World Bank (2007). Doing Business in2008: comparing regulations in 178 economies.Washington DC, The World Bank.públicos, sua integração nascarreiras profissionais, avaliaçãode des<strong>em</strong>penho e definiçãoda r<strong>em</strong>uneração, progressãona carreira, procedimentosdisciplinares, dentre vários.Subsidiariamente, todos queexerc<strong>em</strong> funções com competênciasdecisórias no sector público têma obrigatoriedade de apresentaruma declaração de bens e valoresque compõ<strong>em</strong> o seu património.Esta declaração está sujeita àactualização anual e no momento<strong>em</strong> que o servidor público terminaas suas funções 16 .No âmbito da reforma dosector público, o governo está adesenvolver, desde 2001, umapolítica salarial da função pública,com vista a garantir uma melhorr<strong>em</strong>uneração e retenção dosquadros qualificados. Dentre asrazões por detrás da d<strong>em</strong>ora naconclusão da política esteve a faltade dados fiáveis sobre o númerode funcionários públicos, queabria espaço para a existência doschamados ‘funcionários fantasma’e o desvio de fundos, a escassezde recursos financeiros para ofinanciamento da reforma salarial,e os compromissos firmadoscom os parceiros internacionais16 Decreto 22/2005, de 22 de Junho; Lei6/2004, de 17 de Junho.46


Sector Público(principalmente o FMI) namanutenção da estabilidad<strong>em</strong>acroeconómica, que incluía ocontrolo dos gastos com salários.Em 2007, o governo realizou umcenso dos funcionários públicos,tendo constatado a existência decerca de 150.000 funcionários.Este passo criou as condiçõespara o avanço na elaboração daPolítica Salarial, cujos parâmetrosforam discutidos e aprovadospelo Conselho de Ministros <strong>em</strong>Dez<strong>em</strong>bro de 2007.Na área da gestão financeira,o governo criou o Sist<strong>em</strong>a deAdministração Financeira doEstado (SISTAFE) 17 e adoptouo novo Regulamento doProcur<strong>em</strong>ent 18 , que é parte integrantedo primeiro. O quadro legal daídecorrente introduziu mecanismospara uma melhor gestão e maiorcontrolo dos recursos financeirosdo Estado, através da suacentralização na Conta Única doTesouro (CUT) e a redução daproliferação de contas bancáriasdas entidades públicas, que alémde criar<strong>em</strong> probl<strong>em</strong>as de liquidezabriam espaço para desvio defundos. Através do seu aplicativoelectrónico, o e-SISTAFE, ospagamentos estão cada vez mais17 Lei 9/2002, de 12 de Fevereiro e orespectivo regulamento (Decreto 23/2004 de 20de Agosto).18 Decreto 54/2005, de 13 de Dez<strong>em</strong>bro.a ser feitos directamente aosfornecedores e outros destinatáriosfinais, para um melhor controlo eceleridade. O SISTAFE tambémintroduziu mudanças e melhoriasno processo de prestação decontas, com enfoque para aelaboração at<strong>em</strong>pada dos relatóriostrimestrais de execução doOrçamento do Estado, enviadosà Ass<strong>em</strong>bleia da República, eda Conta Geral do Estado, queé enviada ao Parlamento e aoTribunal Administrativo, comoparte do processo de fiscalizaçãodo Executivo por estes órgãos.A legislação vigente nesta áreacont<strong>em</strong>pla também a realizaçãode auditorias e inspecções àAdministração Pública (incluindoas autarquias), que estão a cargodo Tribunal Administrativo e daInspecção Geral das Finanças.A legislação sobre Procur<strong>em</strong>ent 19prevê a existência de uma entidadeque supervisiona a nível nacionalos processos de aquisição de bense serviços, a chamada UnidadeFuncional de Supervisão dasAquisições (UFSA). A nívelda execução foram criadas asUnidades Gestoras Executorasdas Aquisições (UGEAs). Até o19 Compl<strong>em</strong>entada pelos DiplomasMinisteriais (Ministério das Finanças)141/2006 e 142/2006, ambos de 05 deSet<strong>em</strong>bro.47


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaismomento foram constituídas nopaís 776 UGEAs 20 . Teoricamente,as regras do procur<strong>em</strong>ent garant<strong>em</strong>melhores níveis de transparênciae inclu<strong>em</strong> mecanismos legais parareclamação e sanções contra as<strong>em</strong>presas indiciadas de corrupção.Probl<strong>em</strong>as Práticos e DesafiosReaisConforme indicado na secçãoanterior, existe um quadro legal,institucional e de políticas públicasque contém el<strong>em</strong>entos promotoresda boa governação e integridade.Porém, ainda exist<strong>em</strong> alguns probl<strong>em</strong>ase desafios a enfrentar. Nogeral, os probl<strong>em</strong>as que se apresentamna organização e funcionamentodo sector público e na prestaçãode serviços públicos, dentre outrosaspectos, têm muito a ver com umafraca articulação entre as váriascomponentes que concorr<strong>em</strong> parao seu bom des<strong>em</strong>penho. Nestecontexto, no âmbito da reforma <strong>em</strong>curso, o sector público t<strong>em</strong> levado acabo mudanças a nível organizacional,com enfoque para as análisesfuncionais e os processos de rees-20 Governo de Moçambique e Parceiros deApoio Programático (2007). Revisão Conjunta2007: Aide Mémoire. http://www.pap.org.mz/downloads/aide_m<strong>em</strong>oire_rc2007.doc,acedido <strong>em</strong> 16/01/2008; e Anexo IV doAide Mémoire. http://www.pap.org.mz/downloads/anexo4am_rc2007.doc, acedido <strong>em</strong>15/01/2008.truturação e a desconcentração. Noentanto, estas mudanças não estãoa ser devidamente combinadascom medidas compl<strong>em</strong>entares paramelhorar o des<strong>em</strong>penho organizacional,como uma política de gestãode recursos humanos que estimuleo des<strong>em</strong>penho dos funcionários públicose mecanismos claros de suamensuração, assim como o reforçodos mecanismos internos de responsabilização.Por outro lado, apesar de alegislação prever mecanismosde reclamação e apresentaçãode sugestões, o sector públicoainda é opaco e excessivamentevirado para dentro de si mesmo.A título de ex<strong>em</strong>plo, não existeum instrumento eficaz e objectivode avaliação do des<strong>em</strong>penhodas organizações na prestaçãodos serviços públicos e n<strong>em</strong>de definição de parâmetros dequalidade e compromisso do sectorpúblico para com a sociedade,limitando desta forma o espaçopara a sua efectiva avaliação eresponsabilização pelos cidadãos 21 .No geral, os frágeis mecanismos deavaliação de des<strong>em</strong>penho, quando21 Como parte das actividades da Fase 2 daReforma do Sector Público está prevista aelaboração de uma Carta da Função Pública,mas até agora tal instrumento ainda não foiaprovado. Vide Autoridade Nacional daFunção Pública (2006). Programa da Reforma doSector Público – Fase 2 (2006-2011).48


Sector Públicoexist<strong>em</strong>, estão mais voltados paraprocessos internos e pouco têm deprestação de contas à sociedade.Uma maior abertura à avaliaçãoda qualidade dos serviços públicospelos cidadãos e a criação deformas de diálogo com a sociedadepoderão contribuir para umamelhoria do funcionamento dosector, estimulado pela pressãodos seus utentes por melhordes<strong>em</strong>penho.A área de gestão de recursoshumanos também enfrenta muitosdesafios. Segundo a PesquisaNacional de Base de Governaçãoe Corrupção, realizada <strong>em</strong> 2004pelo Governo, a par de outrosfactores, as formas de gestão depessoal (baseadas <strong>em</strong> nepotismo,filiação e afinidade política) e osbaixos salários da função públicasão apontados como podendoinfluenciar no des<strong>em</strong>penho dosector público e consequent<strong>em</strong>entena prestação de serviços 22 . Osist<strong>em</strong>a actualmente <strong>em</strong> vigor v<strong>em</strong>enfrentando probl<strong>em</strong>as, dentre osquais se destacam:• A d<strong>em</strong>ora nas promoçõese progressões nas carreirasprofissionais, devido22 CIRESP (2006). Estratégia NacionalAnti-corrupção (Aprovada pelo Conselho deMinistros na 8ª Sessão Ordinária de 11 deAbril).a constrangimentosorçamentais, burocraciaexcessiva e desorganizaçãodo sector;• A falta de transparência,clareza e equidade nadefinição de salários esubsídios dentro dos sectorese entre sectores. Por ex<strong>em</strong>plo,os critérios para a atribuiçãode subsídios monetários e nãomonetários a funcionárioscom funções de direcção echefia não são n<strong>em</strong> clarosn<strong>em</strong> públicos e não estãocont<strong>em</strong>plados no EGFEou no Sist<strong>em</strong>a de Carreirase R<strong>em</strong>uneração. Por outrolado, os salários do Ministériodas Finanças são muitomais altos que de outrossectores da mesma funçãopública, mesmo <strong>em</strong> posiçõesequiparadas;• O sist<strong>em</strong>a de avaliação dedes<strong>em</strong>penho actualmentevigente não t<strong>em</strong> produzidoresultados palpáveis e n<strong>em</strong>está ligado à r<strong>em</strong>uneração,o que desresponsabiliza osfuncionários, desmotivaos que de facto se dedicame pr<strong>em</strong>ia de forma injustaos funcionários com maudes<strong>em</strong>penho;49


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reais• A ameaça do HIV/SIDAno sector público já é umarealidade e os seus efeitos<strong>em</strong> sectores chave comoEducação, Saúde e Segurançajá começam a ser sentidos.No entanto, os números deseroprevalência ainda não sãoconhecidos e, uma vez queos testes são voluntários, estasituação só pode ser revertidapor um aumento da testag<strong>em</strong>voluntária dos funcionários.O estigma ainda ligado àesta doença e a omissão dalegislação sobre as sançõesnos casos de quebra de sigilorelativamente ao estado deseroprevalência tend<strong>em</strong> aacirrar o probl<strong>em</strong>a, comefeitos nefastos na prestaçãode serviços 23 .Esta situação coloca desafiosao governo na definição depolíticas de gestão de recursoshumanos, com particular ênfasenos sist<strong>em</strong>as de r<strong>em</strong>uneração eavaliação de des<strong>em</strong>penho. Dentreos desafios há que destacar anecessidade de introdução depolíticas transparentes de gestão de23 N<strong>em</strong> o EGFE, n<strong>em</strong> a Lei de Protecçãoàs pessoas que viv<strong>em</strong> com HIV/SIDA nolocal de trabalho, Lei nº 5/2002, de 05 deFevereiro, prescreve de forma clara as puniçõesnos casos de quebra de sigilo do estado deseroprevalência.recursos humanos, que cri<strong>em</strong> umquadro normativo para sist<strong>em</strong>asde r<strong>em</strong>uneração transparentee que promovam uma melhorresponsabilização e prestação decontas por parte dos funcionáriospúblicos.Finalmente, as áreas de gestãofinanceira e procur<strong>em</strong>ent tambémtêm os seus probl<strong>em</strong>as e desafios.Conforme indicado acima, oSISTAFE permite que sejamfeitos pagamentos directos daConta Única do Tesouro (CUT)aos fornecedores e prestadoresde serviços como forma dereduzir o número de transacçõesfinanceiras e o espaço para práticascorruptas. Porém, uma vez feitosos pagamentos não há nenhummecanismo para detectar possíveistransacções futuras das <strong>em</strong>presasenvolvendo funcionários dasinstituições públicas intervenientes.O SISTAFE também troux<strong>em</strong>aior eficiência e celeridade nadisponibilização de informaçãopara a fiscalização da gestãofinanceira, porém não há umcontrolo e aplicação efectiva desanções pelo não cumprimentodas recomendações produzidaspelo Tribunal Administrativo epela Ass<strong>em</strong>bleia da Repúblicasobre a Conta Geral do Estadopelo Executivo. Finalmente, ainformação das auditorias da50


Sector PúblicoInspecção-Geral das Finançasainda não é pública. Estesel<strong>em</strong>entos contribu<strong>em</strong> para limitara contribuição dos novos sist<strong>em</strong>asna responsabilização dos agentes doEstado pela má conduta na gestãofinanceira.Relativamente ao procur<strong>em</strong>ent, oquadro regulador define, apenasde forma genérica, alguns aspectosde conflito de interesse paraos funcionários públicos neleenvolvidos. Porém, não estabelec<strong>em</strong>ecanismos legais para regularcasos de nepotismo e conflito deinteresse <strong>em</strong> concursos públicose não impõe restrições sobreo <strong>em</strong>prego de ex-funcionáriospúblicos superiores e a suaparticipação <strong>em</strong> concursos públicospromovidos pelas entidades <strong>em</strong> queforam funcionários. A legislaçãotambém não estabelece mecanismoslegais e/ou órgãos concebidos paramonitorar os bens, rendimentos etipo de vida que levam os m<strong>em</strong>brosdas equipas de procur<strong>em</strong>ent. Essasomissões abr<strong>em</strong> um amplo espaçopara práticas corruptas, ao permitirque funcionários desta área possamusufruir de um estilo de vidaincompatível com a sua renda s<strong>em</strong>nenhuma base para questionamentoou prevenção de que tal ocorra.Ad<strong>em</strong>ais, não há restrições legaisao ingresso de antigos funcionáriospúblicos superiores no sector privado.Essa lacuna pode criar distorçõesnos processos de procur<strong>em</strong>ent,ao permitir que alguns concorrentes,pelo seu passado profissional naárea, possam ter acesso privilegiadoà informação estratégica dos concursos.Finalmente, o quadro reguladorfaz alusão à necessidade deprotecção de funcionários públicose do sector privado que denunciamos casos de corrupção, mas nãoapresenta mecanismos concretospara o efeito.Áreas prioritárias de intervenção ereformaO cenário apresentado acimad<strong>em</strong>onstra como, relativamenteao sector público, o quadro legale de políticas tende a abordar osprincipais probl<strong>em</strong>as, salvo algumaslacunas. Mesmo assim, algunsajustes pod<strong>em</strong> contribuir para oalcance de resultados mais sólidos.Em particular, exist<strong>em</strong> quatroáreas prioritárias de reformas (etrês compl<strong>em</strong>entares/subsidiárias),enquadradas nas áreas de prestaçãode serviços, gestão de recursoshumanos, gestão financeira eprocur<strong>em</strong>ent.Prestação de serviçosNa área de prestação de serviços, éfundamental que o sector público51


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisesteja crescent<strong>em</strong>ente aberto paraum maior escrutínio da sociedade,através da fixação de padrões dedes<strong>em</strong>penho organizacional, nabase dos quais as organizações dosector público pod<strong>em</strong> ser avaliadas.Por outro lado, o sector públicoprecisa definir um conjunto depadrões e princípios de prestaçãode serviços que possam permitiraos cidadãos reclamar e exigir queos mesmos sejam cumpridos. Istopermite uma maior objectividadenas relações do sector com asociedade no que concerne àavaliação da satisfação destacom os serviços prestados. Nesteâmbito, uma proposta de reformaque poderá ter impacto positivonesta área é a aprovação da ‘Cartada Função Pública’, já prevista noprograma da fase 2 da Reformado Sector Público, que deverá termecanismos compl<strong>em</strong>entares d<strong>em</strong>onitoria e responsabilização dosector público pelos cidadãos.Gestão de recursos humanosNo que concerne à gestão derecursos humanos, como medidade reforma prioritária, urge aaprovação da já muito esperadaPolítica Salarial, a qual possapromover uma maior transparênciae equidade nos critérios der<strong>em</strong>uneração e avaliação dedes<strong>em</strong>penho, evitando as distorçõesdentro e entre os sectores, quecontribu<strong>em</strong> para a desmotivaçãodos funcionários e baixa retençãode pessoal qualificado, com efeitosdeletérios no funcionamento equalidade dos serviços públicos.Ainda nesta área é de capitalimportância que se aprove aestratégia de HIV/SIDA para osector público, que deverá conterprincípios éticos e/ou um códigode conduta e sanções para osfuncionários que lidam com ainformação pessoal do funcionário,evitando a quebra de sigilo,dado que esta é um fonte paraa estigmatização e a relutânciade muitos servidores públicosde conhecer<strong>em</strong> o seu estado deseroprevalência, complicando o seutratamento e consequent<strong>em</strong>ente aplanificação e gestão dos recursoshumanos do Estado.Gestão financeira e procur<strong>em</strong>entRelativamente à gestão financeira,propõe-se como medida prioritáriaa introdução da obrigatoriedade dosfornecedores e provedores regularesde serviços ao Estado de realizar<strong>em</strong>auditorias anuais e disponibilizar<strong>em</strong>os respectivos relatórios. Deforma subsidiária e <strong>em</strong> linha comas medidas <strong>em</strong> curso visandoa melhoria dos mecanismos decontrolo interno, propõe-se a52


Sector Públicopublicidade dos relatórios deinspecção da Inspecção Geral dasFinanças, para uma melhor aferiçãodos níveis de integridade na gestãofinanceira pelo público <strong>em</strong> geral.Finalmente, no que concerne aoprocur<strong>em</strong>ent, há que regulamentaro conflito de interesse dopessoal envolvido nos concursospúblicos, assim como tornarobrigatória a declaração dos bense a sua sist<strong>em</strong>ática actualização,combinada com medidas eficazesde controlo e verificação dasituação patrimonial destesfuncionários. Compl<strong>em</strong>entarmente,há que regulamentar oenvolvimento de funcionáriospúblicos seniores no sector privado,assim como definir “períodos dequarentena” após a cessação dasfunções, nos quais os funcionáriosnão dev<strong>em</strong> estar envolvidos <strong>em</strong>negócios com as organizações paraas quais trabalharam, como formade garantir uma maior equidadee transparência nos concursospúblicos e maior disciplina no usode informação estratégica para finsprivados.53


Capítulo 5Governação Local e Relações IntergovernamentaisAbdul IlalUm grande desafio queMoçambique enfrenta consiste <strong>em</strong>conferir à governação um maiorsentido d<strong>em</strong>ocrático, tornandoaum factor impulsionador daconsolidação da paz, da construçãoda unidade e identidade nacionaise do desenvolvimento económicoe social. O presente capítuloaborda os actuais probl<strong>em</strong>aspráticos da governação e dasrelações intergovernamentais eavança recomendações para aconsolidação e o aperfeiçoamentoda governação local e das relaçõesintergovernamentaisQuadro legal, institucional e depolíticas públicasAs dificuldades encaradas noâmbito da governação local edas relações intergovernamentaisenquadram-se no contexto dolegado histórico, caracterizado pelacentralização do poder gerada pelacolonização portuguesa e cultivadapelo regime monopartidárioimplantado após a proclamaçãoda independência nacional. Apromoção da governação locald<strong>em</strong>ocrática e o aperfeiçoamentodas relações intergovernamentaisestão numa fase <strong>em</strong>brionária,caracterizada por carênciasdo quadro legal, fraqueza dosarranjos institucionais e fracaimpl<strong>em</strong>entação de reformasdas políticas públicas, <strong>em</strong>borase reconheça que tambémhouve avanços significativos(p.e. instalação das autarquiaslocais, aprovação e início daimpl<strong>em</strong>entação da legislação sobreos órgãos locais do Estado).Em Moçambique, a promoção dagovernação local ocorre através deduas formas de descentralização:(a) a devolução, que consiste naimplantação de autarquias locaiscom eleição directa dos seusórgãos representativos e autonomiaadministrativa, financeira epatrimonial; e (b) a desconcentração,através do estabelecimento deórgãos locais do Estado, quesão um prolongamento daadministração central a nívelprovincial, distrital, de postoadministrativo e localidade.Os titulares destes órgãos sãocentralmente nomeados easseguram a execução do programado governo e de planos e políticascentralmente definidos.54


Governação Local e Relações IntergovernamentaisA devolução <strong>em</strong> Moçambiqueé caracterizada pelo princípiode gradualismo no referenteà sua expansão territorial e àtransferência de atribuições ecompetências. O gradualismo foium aspecto inicialmente muitocontroverso. Para uns, pareceria seruma preferência política realística,sobretudo tomando <strong>em</strong> conta asdificuldades resultantes da falta deexperiência e a escassez de recursoshumanos e financeiros adequadospara que unidades territoriais deescalão inferior assumiss<strong>em</strong> novasatribuições e competências. Paraoutros, havia o receio de que ogradualismo, sobretudo se nãodefinido e articulado de formaexplícita, pudesse servir comoestratégia para retardar e atémesmo fazer gorar o processo dedescentralização.Em 1997, a Ass<strong>em</strong>bleia da Repúblicaaprovou um conjunto de leis, designadopor “Pacote Autárquico”,as quais defin<strong>em</strong> as competênciase as atribuições, as finanças e o patrimóniodas autarquias, o estatutodos titulares e m<strong>em</strong>bros dos órgãosautárquicos, a tutela e os procedimentoseleitorais 24 . As relações24 Pacote Autárquico é constituído pelosseguintes dispositivos legais: Quadro JurídicoLegal para Implantação as Autarquias Locais(Lei 2/97), Lei das Finanças e Património dasAutarquias Locais (Lei 11/97) (recent<strong>em</strong>enteintergovernamentais entre o Estadoe as autarquias locais são definidaspela Lei 1/2008, de 16 de Janeiro,conhecida por lei das finançasautárquicas, 25 e pela Lei 7/97, de31 de Maio, conhecida como a leida tutela administrativa do Estadosobre as autarquias locais. A Lei1/2008 define o regime financeiro,orçamental e patrimonial dasautarquias locais, nomeadamenteno referente as receitas próprias dasautarquias locais e a componentede transferências do Fundo deCompensação Autárquica (FCA),do Fundo de Investimentosde Iniciativa Autárquica(FIIA) e outras transferênciasextraordinárias. A Lei 7/97, de31 de Maio, define o âmbito doexercício da tutela administrativado Estado sobre as autarquiaslocais, salvaguardando a autonomiaadministrativa, financeira epatrimonial das autarquias locais.revogada pela lei 1/2008, de 16 de Janeiro), Leida Organização e Funcionamento dos Órgãosde Direcção de Processos Eleitorais (Lei 4/97),Lei da Institucionalização do RecenseamentoEleitoral (5/97), Lei Eleitoral para asAutarquias Locais (Lei 6/97), Lei da Tutelado Estado sobre as das Autarquias Locais (Lei7/97), Lei da Organização e Funcionamentodo Município de Maputo (Lei 8/97), Lei doEstatuto dos Titulares e M<strong>em</strong>bros dos Órgãosdas Autarquias Locais (Lei 9/97), Lei daCriação de Municípios de Cidade e de Vilas <strong>em</strong>algumas Circunscrições Territoriais (Lei 9/97).25 A lei 1/2007, de 16 de Janeiro, revoga a lei11/1997, de 31 de Maio.55


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisO quadro legal da tutelaadministrativa do Estado sobreas autarquias locais conheceuvárias modificações. Por ex<strong>em</strong>plo,a Lei 6/2007, de 9 de Fevereiro,introduz alterações sobre a lei datutela administrativa, conferindopoder tutelar aos e governos egovernadores provinciais sobreas autarquias locais; o Decreto52/2006 26 , de 26 de Dez<strong>em</strong>bro,introduz a figura de administradordistrital nas autarquias locais <strong>em</strong>que as circunscrições territoriaiscoincidam com as de cidade capitalprovincial; e o Decreto 33/2006, de30 de Agosto, estabelece o quadrode transferência de funções ecompetências dos órgãos do Estadopara as autarquias locais.O regime legal das finanças epatrimónio autárquicos tambémconheceu recent<strong>em</strong>ente alterações,as quais afectam a componenteFundo de CompensaçãoAutárquica (FCA), isto é, ofundo destinado a compl<strong>em</strong>entaros recursos orçamentais dasautarquias 27 . O montante doFCA e dos subsídios aos órgãoslocais do Estado é objecto de umadotação própria a inscrever no26 Em revogação do decreto 65/2003, de 31 deDez<strong>em</strong>bro.27 Vide art. 40, n.º 1 da Lei 11/97, de 31 deMaio, e art. 43, n.º 1 da Lei 11/2008, de 16 deJaneiro.Orçamento do Estado. No quadroda Lei 11/1997, de 31 de Maio,essa dotação era constituída por1,5% a 3% das receitas fiscaisprevistas e realizadas no respectivoano económico. A Lei 11/1997foi revogada com a aprovação daLei 1/2008, de 16 de Janeiro, queintroduz novos tipos de impostos etaxas autárquicos, altera as regrasde distribuição do FCA, introduzuma fórmula de distribuição elimita a dotação do FCA a 1,5%das receitas fiscais previstas norespectivo ano económico.Em relação à desconcentração,<strong>em</strong> 2000 o governo estabeleceu(através do Decreto 15/2000e do Diploma Ministerial 107-A/2000) formas de articulaçãodos órgãos locais do Estado comas autoridades comunitárias comvista a reconhecer e capitalizaras formas de organização socialdas comunidades e melhorar ascondições para a participaçãocomunitária na AdministraçãoPública. Neste sentido, osMinistérios da AdministraçãoEstatal, do Plano e Finanças e daAgricultura e DesenvolvimentoRural publicaram <strong>em</strong> Outubro de2003 o Guião para Participaçãoe Consulta Comunitária naPlanificação Distrital. O Guiãodefine as várias instituições(Instituições de Participação e56


Governação Local e Relações IntergovernamentaisConsulta Comunitária, IPCCs)que pod<strong>em</strong> ser usadas paraassegurar a participação e consultados cidadãos no processo deplanificação. 28A aprovação da Lei dos ÓrgãosLocais do Estado (LOLE, Lei8/2003, de 19 de Maio) e do seuRegulamento (Decreto 11/2005,de 10 de Junho) clarificaram oquadro legal para a estruturaçãoda governação local e dasrelações intergovernamentais.Estes instrumentos legaisdefin<strong>em</strong> os princípios e normasde organização, competências efuncionamento dos órgãos locais doEstado nos escalões de província,distrito, posto administrativo,localidade e povoação. A LOLEdefine o distrito como a unidadeterritorial principal da organizaçãoe funcionamento da administraçãolocal do Estado e a base daplanificação do desenvolvimentoeconómico, social e cultural doPaís. Além disso, ela preconiza o28 No art. 1, n.º 6 do Diploma Ministerialn.º 107-A/2000, de 25 de Agosto, oConselho Local (CL) é definido como“o órgão de consulta das autoridades daadministração local, na busca de soluçõespara questões fundamentais que afectama vida das populações, o seu b<strong>em</strong>-estar eo desenvolvimento sustentável, integradoe harmonioso das condições de vida dacomunidade local, no qual participam também,as comunidades comunitárias.”princípio da estrutura integradae orçamentos próprios para osórgãos locais do Estado de escalõesprovincial e distrital.Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisInexistência de política eestratégia de descentralizaçãoNos últimos anos a vontadepolítica para a descentralizaçãojá não é apenas uma mera partedo discurso oficial, mas t<strong>em</strong>sido progressivamente expressae incorporada nos instrumentoslegais e institucionais 29 . Contudo,a falta de uma política e estratégiade descentralização claras eexplícitas – respondendo a questõestais como: para onde se desejair, como proceder, quais são ospassos a seguir, e qual é o ritmo doprocesso – continua alimentandoalgumas incertezas quanto as reaisintenções do governo <strong>em</strong> relação àdescentralização.O governo já deu indicaçõesde estar a formular a políticanacional de descentralização masainda prevalec<strong>em</strong> alguns receiose/ou incertezas por parte devários intervenientes (governoslocais, organizações da sociedade29 Obviamente, eles precisam ainda de sermelhorados e, <strong>em</strong> alguns casos, até mesmo sersujeitos a uma revisão.57


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaiscivil, doadores e agências decooperação) uma vez que atéagora o grau de participação dasociedade civil na sua formulaçãoé fraco e o documento inicialparece não apresentar respostasa diversas questões cruciais, taiscomo, o gradualismo do processono referente a sua expansãoterritorial e a transferência deatribuições e competências, 30 adupla subordinação, a articulaçãoe coordenação entre as vertentessectorial e territorial nosprocessos de decisão e execução,a descentralização fiscal e aparticipação dos cidadãos nagovernação local. 31Durante os dez anos deautarcização faltou clareza e debategenuíno e amplo sobre a criaçãode novas autarquias. Entretanto,sob a proposta do Conselhode Ministros, a Ass<strong>em</strong>bleia da30 O gradualismo, quando não acompanhadopor compromissos e metas monitoráveis, podeservir aos “centralizadores” como estratégiapara retardar e até mesmo fazer gorar o processode descentralização. O gradualismo poderesultar numa “descentralização virtual” e ficarrefém do “jogo político”, quando a maior parteda população não é envolvida,as suas fases e calendarização do processode descentralização não estão explicitamentedefinidas, os seus resultados são não tocam naessência dos processos de partilha do poder erecursos (“resultados baratos”), e se verifica osurgimento ou permanência de estruturas duplasna administração local no País.República aprovou a criação d<strong>em</strong>ais autarquias locais. 32 Contudo,ainda persist<strong>em</strong> dúvidas sobreos critérios <strong>em</strong>pregues para adefinição das novas autarquias.Além disso, prevalece a falta dedefinição de critérios a ser usadospara elevar distritos e povoações àcategoria de autarquia. Igualmente,sob proposta do Governo, aAss<strong>em</strong>bleia da República podeextinguir autarquias locais mas nãoforam apresentados e amplamentediscutidos critérios objectivospara a extinção de autarquiaslocais. O Governo deu avançossobre a transferência de funções ecompetências dos órgãos do Estadopara as autarquias locais atravésda aprovação do Decreto 33/2006,de 30 de Agosto, mas ainda nãoforam dados passos decisivos naprática, pois os sectores continuamhesitantes na descentralização dascompetências e dos fundos.Descentralização fiscalA partilha de recursos é crucial parao fortalecimento da governaçãolocal e melhoria do equilíbrio das31 A prática mostra que o processo de descentralizaçãoapenas pode ter sucesso se existirclareza sobre a sua política e estratégia, oquadro legal e institucional, os quais defin<strong>em</strong>,regulam e estruturam o papel, as competênciase contribuições de cada escalão de governo, asrelações entre os diferentes escalões de governoe a alocação de recursos para cada um dos escalõesdo governo.58


Governação Local e Relações Intergovernamentaisrelações intergovernamentais.É óbvio que, historicamente, osgovernos centrais prefer<strong>em</strong> apenasa descentralização administrativa– transferindo responsabilidades<strong>em</strong> transferir recursos, livrando-seda responsabilidade do gasto – enão a descentralização fiscal. Atéagora, o modelo moçambicanode descentralização implica atransferência de responsabilidades,contudo s<strong>em</strong> uma profundadescentralização fiscal, restringindoassim a autonomia dos governoslocais, pois a transferênciade responsabilidades não éacompanhada da descentralizaçãode fontes efectivas de recursos, oque <strong>em</strong> última análise mantéme consolida o poder do governocentral perante os governos locais.As autarquias locais apresentamuma débil situação financeira,devido a fraca base económica, aonão aproveitamento racional dacapacidade tributária, assim comoao reduzido nível de transferências32 Em Março de 2008 foram propostas peloConselho de Ministros – para apreciação eaprovação pela Ass<strong>em</strong>bleia da República, aqual teve lugar <strong>em</strong> Abril de 2008 - mais 10vilas para ser<strong>em</strong> transformadas <strong>em</strong> autarquias,sendo uma <strong>em</strong> cada província: Namaacha(Prov. Maputo), Macia (Prov. Gaza), Massinga(Prov. Inhambane), Gorongosa (Prov. Sofala),Gondola (Prov. Manica), Alto Molócuè (Prov.Zambézia), Ulonguè (Prov. Tete), Ribáuè(Prov. Nampula), Mueda (Prov. Cabo Delgado)e Marrupa (Prov. Niassa).fiscais do Estado para as autarquias,atendendo que a repartiçãodas fontes efectivas de receitascontinua sendo a favor do escalãocentral. Neste contexto, mesmocom um aumento significativo namobilização e gestão de recursosfinanceiros próprios, as autarquiascontinuaram necessitandode um apoio significativo viaFCA. Embora o FCA seja algosupl<strong>em</strong>entar aos recursos própriosdas autarquias, ele contribui <strong>em</strong>grande medida para as receitastotais. Tendo <strong>em</strong> conta que mais de80% das receitas internas do Estadosão gerados nas autarquias locais eas atribuições das autarquias locais(p.e. prestação de serviços básicosaos cidadãos), o montante dastransferências do Estado para asautarquias locais é ainda bastantereduzido, <strong>em</strong>bora tenha aumentadocontinuamente 33 . A Lei 11/97, de31 de Maio, estabelecia que o FCAdevia situar-se entre 1,5% e 3% dasreceitas fiscais. Este dispositivon<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre foi cumprido e nopassado recente o FCA situouseabaixo do limite mínimoestabelecido pela lei. A nova lei dasfinanças, orçamento e patrimónioautárquicos reduziu o limit<strong>em</strong>áximo, fixando apenas um único33 Dados comparativos de outros paísesindicam níveis de transferências mais elevadospara que se alcance uma descentralização b<strong>em</strong>sucedida.59


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisparâmetro, 1,5% das receitas fiscais.Julgamos que, <strong>em</strong> termo relativos,a efectiva autonomia financeiraé algo que está ainda longe doalcance das autarquias locaismoçambicanas, pois a política deatribuição de tributos mantém odesequilíbrio fiscal vertical <strong>em</strong>prejuízo das autarquias locais, istoé, as autarquias locais continuarãocarecendo de fontes efectivas dereceitas próprias, e o actual nívelde transferências fiscais não atendea esta situação. Mesmo naquelescasos <strong>em</strong> que as autarquias locaismostraram alguma capacidade decolecta acrescida, o nível de colectaatingido não está <strong>em</strong> consonânciacom o magnitude dos encargosnecessários para cumprir as suasatribuições de forma adequada.No âmbito do cumprimentoda Lei dos Órgãos Locaisdo Estado (Lei 8/2003) edo respectivo regulamento(Decreto 11/2005), no caso dosgovernos provinciais e distritais,têm havido uma tendência deaumentar a disponibilidade derecursos financeiros e autonomiana sua afectação. As fontes definanciamento do Orçamento doEstado nos escalões provinciale distrital são as transferênciasou dotações orçamentaisprovenientes dos fundos centrais,as receitas próprias que provém dacomparticipação das receitas fiscaise consignadas ao nível provinciale distrital e as correspondentestaxas, licenças e serviços cobradospelo aparelho do Estado ao nívellocal, assim como donativosprovenientes de organizações nãogovernamentais,privadas ou dacooperação internacional. Apenas25% da despesa pública é executadanos escalões provincial, distritale autárquico. Estas unidadesnão dispõ<strong>em</strong> de bases tributáriaspróprias relevantes, dependendosobretudo de transferênciasrecebidas do Governo central,e os incentivos para o aumentoda arrecadação e declaração dereceitas próprias não são aindafortes nestes escalões do governo,sobretudo no escalão distrital.Um desenvolvimento positivoé a decisão do Conselho deMinistros, tomada na sua 17.ªSessão Ordinária <strong>em</strong> Outubrode 2007, com vista a acelerara descentralização de fundossectoriais para os níveis provincial edistrital.Tutela AdministrativaDe acordo com a Lei 2/1997, de 18de Fevereiro, as autarquias locaisdesenvolv<strong>em</strong> as suas actividadesno quadro da unidade do Estado eorganizam-se com pleno respeito daunidade do poder político e do or-60


Governação Local e Relações Intergovernamentaisdenamento jurídico nacional. Nestesentido, a descentralização pressupõea existência de um controlo doEstado sobre as autarquias, atravésda tutela administrativa do Estado,cujo regime jurídico é estabelecidopela Lei 7/1997, de 31 de Maio. Atutela administrativa consiste naverificação da legalidade dos actosadministrativos dos órgãos autárquicos,nos termos previstos pelalei, e não pode ser confundida coma noção de controlo hierárquico,n<strong>em</strong> deve ter um carácter discricionário.34 Por um lado, a observânciadeste aspecto é de particular importânciano exercício da tutela administrativa,<strong>em</strong> especial através dosGovernadores Provinciais e GovernosProvinciais (Lei 6/2007, de 9de Fevereiro), evitando que a administraçãodo Estado interfira nagestão dos serviços das autarquiaslocais e que as modificações introduzidasrestrinjam ou min<strong>em</strong> a autonomiadas autarquias locais. Poroutro lado, a introdução da figurado Administrador Distrital e representantedo Estado nas autarquiaslocais cujas circunscrições territoriaiscoincidam com os de cidadecapital provincial, incluindo NacalaPorto e Maxixe (Decreto 52/2006, 35de 26 de Dez<strong>em</strong>bro), poderá por <strong>em</strong>34 Vide Gistac 2001: 373 ff.35 Em revogação do decreto 65/2003 de 31 deDez<strong>em</strong>bro.causa a autonomia das autarquias,caso não seja dada devida atençãoa criação de ambiente propício paraa tutela administrativa e coabitaçãoentre os órgãos locais do Estado eas autarquias locais 36 .Limitações da representaçãopolítica e dos sist<strong>em</strong>as eleitoraisO processo de descentralizaçãod<strong>em</strong>ocrática efectiva pressupõeo aperfeiçoamento das formasde representação política edos sist<strong>em</strong>as e procedimentoseleitorais. No futuro, o paíspoderá estar numa encruzilhada,<strong>em</strong> que avanços significativosda governação local só poderãoacontecer se os representantesdos governos subnacionais(níveis provincial e distrital) sesujeitar<strong>em</strong> à eleição por sufrágiouniversal, ultrapassando o déficede d<strong>em</strong>ocracia que os governoslocais actualmente apresentam 37 .36 Nalguns casos t<strong>em</strong> havido falta de tactopolítico. Um ex<strong>em</strong>plo constituiu a indicação deum indivíduo para o cargo de AdministradorDistrital e Representante do Estado para umaárea onde se encontra uma autarquia na qualo indivíduo tinha concorrido para Presidentedo Conselho Municipal e perdido. Isto é, oindivíduo é “repescado” e conduzido para oexercício de um cargo que insere a tutela sobreuma autarquia onde ele candidato foi perdedor.Vide também AWEPA 2004, 27 ff.37 Experiências de outros países indicam queeleições nos níveis provincial e distrital pod<strong>em</strong>contribuir para maior prestação de contas e,61


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisNo desenvolvimento das relaçõesintergovernamentais, questõesreferentes a competição partidária eeleitoral e a representação políticanos níveis provincial e distritalsão um grande desafio, e nãodev<strong>em</strong> ser menosprezadas. Porconseguinte, não dev<strong>em</strong>os focalizara nossa atenção apenas às questõesde produção e prestação deserviços, formas de financiamentoe mudanças institucionais eprocedimentais. Neste contexto,no nível distrital, para que odistrito seja a unidade territorialprincipal da organização daadministração local de um Estadoque se pretende d<strong>em</strong>ocrático, assimcomo para tornar o distrito umaverdadeira base de planificaçãodo desenvolvimento económico,social e cultural, as comunidadeslocais deveriam ter o direito deescolher os seus representantesnesse nível de governo. O processode instalação das instituições departicipação e consulta comunitáriano âmbito da planificaçãodescentralizada - atravésestabelecimento dos ConselhosConsultivos Locais nos escalõesde distrito, postos administrativoe localidade – é uma tendênciapositiva, constituindo a planificaçãodistrital uma plataforma onde opor conseguinte, para um aprofundamento dad<strong>em</strong>ocracia e dos governos locais (Litvack,Ahmad & Bird 1998: 26 ff.).Estado e as comunidades pod<strong>em</strong>interagir. Contudo, é importanteter <strong>em</strong> mente que a interacçãoentre o Estado e as comunidadesvai para além da planificaçãodistrital, ou seja, há outrosmomentos de interacção entre oEstado e as comunidades (p.e.processos eleitorais). Todavia, osConselhos Consultivos Locaisapresentam limitantes no referenteà participação d<strong>em</strong>ocrática nosprocessos de tomada de decisão.Há necessidade de reflectir sobre arepresentação política dos cidadãosnesses escalões de governo.No caso das autarquias locaisocorre um processo de devolução,no contexto duma descentralizaçãod<strong>em</strong>ocrática. Contudo, aindaexist<strong>em</strong> limitações de representaçãopolítica. Nas autarquias locais, osrepresentantes dos vários partidossão eleitos na base das listaspartidárias do sist<strong>em</strong>a proporcional,que são elaboradas e/ou aprovadaspelo escalão central dos partidospolíticos. A desvantag<strong>em</strong> dosist<strong>em</strong>a proporcional reside nofacto de a ligação entre os m<strong>em</strong>brosdas ass<strong>em</strong>bleias autárquicas e aspopulações locais ser quebrada umavez que as populações locais nãoeleg<strong>em</strong> directa e individualmenteestes m<strong>em</strong>bros, elas apenas votam a62


Governação Local e Relações Intergovernamentaislista partidária. 38 Para além disso,nos pleitos eleitorais a autarquialocal não é dividida <strong>em</strong> círculoseleitorais (wards) que possamabarcar e reflectir a diversidadedo respectivo território e estruturapopulacional. Uma vez eleitos, naprática os m<strong>em</strong>bros das ass<strong>em</strong>bleiasautárquicas representam sobretudointeresses partidários, e não os dasáreas territoriais de onde provê<strong>em</strong>. 39Transferências deresponsabilidades e duplasubordinaçãoEmbora a aprovação da Lei dosÓrgãos Locais do Estado (Lei8/2003, de 19 de Maio) e do seurespectivo Regulamento (Decreto11/2005, de 10 de Junho),introduza novas competênciaspara os governos no nível distrital,a visão de tornar os governosdistritais <strong>em</strong> unidades orçamentaisainda não é real. Em alguns casos,ainda não está clara a divisão deresponsabilidades entre o nívelprovincial e o nível distrital. Naprática, o processo de programação,38 Mesmo que haja indivíduos contestadoslocalmente, desde que eles estejam na partecimeira da lista, eles pod<strong>em</strong> ser eleitos, se tallista tiver o maior número de votos.39 Por isso, há casos <strong>em</strong> que bairros comelevado número de população (sobretudobairros periféricos) não têm seus residentescomo m<strong>em</strong>bros das ass<strong>em</strong>bleias autárquicas dopaís.alocação e execução orçamentaldos distritos continua tendolugar sobretudo no âmbito doorçamento provincial e sectorial,com excepção do orçamento paraas funções do Administrador eSecretaria Distritais, e dos Fundospara Despesas de Investimento deIniciativa Local. Além disso, algunsministérios sectoriais e entidadescentrais ainda não d<strong>em</strong>onstraramum forte cometimento com adescentralização, e <strong>em</strong> certos casosainda não há uma clara definiçãodo papel e responsabilidades dessasentidades ao nível local.A LOLE não resolveu totalmentea questão da dupla subordinação, 40porque na prática a intervençãodos ministérios sectoriais vai paraalém da <strong>em</strong>issão de orientaçõestécnicas e metodológicas, e asdirecções provinciais executamplanos e programas sectoriaisdefinidos por órgãos de escalãosuperior, a dupla subordinaçãodos representantes dos ministérios(directores provinciais) perante40 A LOLE define que os órgãos locais doEstado dev<strong>em</strong> observar o princípio da estruturaintegrada verticalmente hierarquizada. Porconseguinte, o Governador da Provínciarepresenta todo o Governo da Provínciae cada um dos Ministros, e os DirectoresProvinciais subordinam-se ao Governador. OAdministrador do Distrito representa todo oGoverno do Distrito e cada uma das DirecçõesProvinciais.63


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisentidades centrais (ministérios) eos governadores provinciais aindacontinua na prática e provocadesconexões no sist<strong>em</strong>a deadministração e governação. Dest<strong>em</strong>odo, as estruturas de governaçãoterritorial são fragilizadas, aplanificação territorial integrada eo processo de responsabilização eprestação de contas coerentes sãoobstruídos. Exist<strong>em</strong> dificuldadesna impl<strong>em</strong>entação de políticasverticais, uma vez que os governoslocais não são devidamenteenvolvidos como entes responsáveise com poder de decisão. Aatribuição de competências noâmbito da gestão dos recursoshumanos aos GovernadoresProvinciais e AdministradoresDistritais (Decreto 5/2006, de 12de Abril), assim como a aprovaçãoda estrutura tipo da orgânica doGoverno Distrital e do seu EstatutoOrgânico (Decreto 6/2006, de 12de Abril) abre algum espaço para areconfiguração e fortalecimento dosGovernos Provinciais e Distritais.Contudo, é importante definirde forma apropriada o quadrodas reformas institucionais (deentre as quais a reforma do sectorpúblico), por ex<strong>em</strong>plo reflectindosobre a viabilidade da introduçãodo princípio de subsidiariedadee definindo os instrumentosde operacionalização a fim deevitar e/ou resolver conflitos decompetências entres os órgãosnacionais, provinciais e distritaise mesmo entre os órgãos e/outitulares de cada nível.Áreas prioritárias de intervenção ereformaPolítica e estratégia dedescentralizaçãoUma vez que é necessária uma fortevontade política para levar avantea descentralização, a existência depolítica e estratégia de descentralizaçãoclaras e explícitas pode seruma manifestação clara da vontadepolítica. Por conseguinte, a formulaçãoda política de descentralizaçãoé fundamental para a definição,a estruturação e o desenvolvimentoda governação local e das relaçõesintergovernamentais nas suas diversasdimensões (política, administrativa,fiscal, económica e social).Para o governo mostrar cometimentoe seriedade no processo de descentralizaçãoprecisa de formularuma política de descentralização e<strong>em</strong>preender a acções concretas degrande impacto, dando passos vigorososna transferência substancialde responsabilidades para os níveisde governo de escalão inferior,assim como na transferência derecursos humanos e financeiros <strong>em</strong>quantidade e qualidade adequadas.64


Governação Local e Relações IntergovernamentaisDescentralização FiscalRecomenda-se que adescentralização fiscal sejapromovida, acelerada eaprofundada. Uma vez que adescentralização efectiva pressupõea existência de um nível de recursosadequado e a mobilização localde recursos é uma componenteessencial da descentralização b<strong>em</strong>sucedida, os governos locais quenão possu<strong>em</strong> fontes independentese reais de receitas não pod<strong>em</strong>desfrutar da descentralização.Para que os governos locaisdes<strong>em</strong>penh<strong>em</strong> um maior papelna provisão de serviços locais, ogoverno central deveria aumentaro nível de transferências fiscaise/ou então prover os governoslocais de fontes reais de recursos,assim como apoiá-los no aumentoda sua capacidade de arrecadação.Neste contexto, a impl<strong>em</strong>entaçãoda LOLE e a transformação dosdistritos <strong>em</strong> unidades orçamentaispoderá dar um maior ímpeto aoprocesso de descentralização;contudo, como vimos, para talé necessário alargar a base d<strong>em</strong>obilização das receitas, incluindonuma primeira fase o aumentodas transferências do governocentral. A descentralização defundos dos sectores de agricultura,estradas, água, infra-estruturas deeducação e saúde, b<strong>em</strong> como parao desenvolvimento económico,para os escalões provincial edistrital, s<strong>em</strong> limitações e receios,poderá impulsionar o processo defortalecimento dos governos locais(República de Moçambique, 2007).Tomando <strong>em</strong> conta que asautarquias locais não têmuma adequada base efectiva ecapacidade de arrecadação dereceitas próprias, devendo elascontribuir substancialmente naprestação de serviços básicosao cidadão, há que insistir nocumprimento do postulado nalei; por conseguinte, a devoluçãode tarefas/funções deve seracompanhada pela descentralizaçãoefectiva dos recursos financeirosnecessários (a curto prazopor meio de transferênciasfiscais intergovernamentais).Por conseguinte, o nível dadescentralização financeira, porex<strong>em</strong>plo expresso na percentag<strong>em</strong>do Fundo de CompensaçãoAutárquica <strong>em</strong> relação asreceitas fiscais, deveria ser maior.Considerando os actuais padrõesde repartição das receitas e mesmopressupondo um aproveitamentototal da capacidade tributáriadas autarquias locais, t<strong>em</strong> de sereconhecer que as autarquiaslocais necessitam ainda detransferências fiscais significativasprovenientes do Estado, pois o65


nível de transferências é aindamuito baixo vis-à-vis as suasatribuições definidas pela lei. 41Mesmo tendo <strong>em</strong> conta asalterações introduzidas no contextoda reforma do regime financeiro,orçamental e patrimonial dasautarquias locais (Lei 1/2008, de19 de Janeiro), a harmonização dosimpostos nacionais e autárquicose a capacitação das autarquiaslocais na área da arrecadação eadministração tributárias dev<strong>em</strong>continuar a merecer particularatenção, no sentido de criar umambiente que permita que asautarquias tenham fontes efectivasde recursos, no âmbito de umapolítica <strong>em</strong> prol da descentralizaçãofiscal. 42Tutela AdministrativaO exercício do poder tutelarpelos Governadores Provinciais eGovernos Provinciais, assim comoa indicação de representantes do41 Em termos comparativos (com base numestudo feito pelo MAE) constata-se que da actividadeeconómica nos 33 municípios provém85% da receita fiscal e 60% do PIB, enquantoque o FCA t<strong>em</strong> alcançado nos últimos anosapenas níveis de 1,1 % a 1,5% do OE, e o FIILcorresponde 0,7% do OE. O que quer dizer queo Estado apenas transfere aproximadamente1,8% a 2 % do OE para os municípios.Estado nas autarquias locais exig<strong>em</strong>um fortalecimento da capacitaçãodestas entidades no referente aoprocesso de descentralização <strong>em</strong>curso, assim como a indução deuma cultura de governação commaior tacto para a colaboraçãoe cooperação, evitando conflitosque ponham <strong>em</strong> causa o bomfuncionamento das autarquiaslocais.A Inspecção Geral de Finanças(IGF), a Inspecção Administrativado Estado (IAE) e o TribunalAdministrativo (TA) jogam umpapel determinante para quea lei seja observada, e por issodev<strong>em</strong> merecer especial atenção<strong>em</strong> termos de reforço das suascapacidades. Assim, é de saudaro crescimento do des<strong>em</strong>penho daIGF e do TA nos últimos anos. Oexercício efectivo da autonomia dasautarquias locais pressupõe que alei seja observada e as autarquiastenham possibilidades efectivas derecorrer ao Tribunal Administrativoe Conselho Constitucional.42 Este seria um dos parâmetros chave paraa descentralização b<strong>em</strong> sucedida, e por isso,característica fundamental da governaçãolocal/autárquica efectiva.66


Oversight e Anti-CorrupçãoCapítulo 6Oversight e Anti-CorrupçãoMarcelo MosseO controlo da corrupção e o papeldas instituições de supervisãoe fiscalização (oversight) <strong>em</strong>Moçambique são aspectos centraisda governação, que ganharammaior relevância a partir daprimeira metade dos anos 2000,altura <strong>em</strong> que o volume de apelospara que o Governo pusesse <strong>em</strong>prática políticas e acções tendentesa aumentar a transparência nagestão do b<strong>em</strong> público e reduziros níveis de corrupção subiu detom. Isto verificou-se na sequênciados assassinatos do jornalistaCarlos Cardoso <strong>em</strong> 2000 e doeconomista Siba Siba Macuacua<strong>em</strong> 2001, os quais aconteceramsob um pano de fundo decorrupção, tráfico de influênciase fraudes bancárias. Algumas dasreformas necessárias para este fimimplicaram o reforço do papel dasentidades de oversight, tais como aComissão do Plano e Orçamento(da Ass<strong>em</strong>bleia da República), oTribunal Administrativo (TA) e aInspecção Geral de Finanças (IGF),e a formulação e impl<strong>em</strong>entaçãode uma política anti-corrupção. Opressuposto é que estas reformas,se b<strong>em</strong> impl<strong>em</strong>entadas, pod<strong>em</strong>melhorar o clima de investimentose garantir que o pobres benefici<strong>em</strong>melhor do crescimento económico.Quadro legal, institucional e depolíticas públicasNum contexto de transição d<strong>em</strong>ocrática,a promoção da transparênciae da boa governação implicammudanças na forma de organizaçãodo Estado e no carácter da governação.Em Moçambique, isto significoua criação de um quadro legal,institucional e de políticas públicasapropriado no que diz respeito àanti-corrupção e ao papel das instituiçõesde fiscalização e oversight,nomeadamente a Comissão Parlamentarde Plano e Orçamento(CPO), o Tribunal Administrativoe a Inspecção Geral de Finanças(IGF). Estas três instituições já tinhamsido legal e estatutariamenteadaptadas à nova conjuntura d<strong>em</strong>ocráticaestabelecida na Constituiçãode 1990, a qual foi parcialmentealterada <strong>em</strong> 2004.OversightO Tribunal Administrativo,nomeadamente através da sua 3ªsecção, t<strong>em</strong> um papel central na67


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisanálise da Conta Geral do Estado(CGE), o documento final sobre aexecução do Orçamento do Estado.Nos termos da Lei No. 16/97, de10 de Julho, compete ao TA darum parecer sobre a Conta Geral doEstado. Esta deve ser apresentadapelo Governo à Ass<strong>em</strong>bleiada República e ao TribunalAdministrativo até 31 de Maio doano seguinte àquele a que a mesmarespeita, segundo dispõe a Lei No.9/2002, de 12 de Fevereiro, quecria o Sist<strong>em</strong>a da AdministraçãoFinanceira do Estado (SISTAFE).O Relatório e o Parecer do TribunalAdministrativo sobre a CGEdev<strong>em</strong> ser enviados à Ass<strong>em</strong>bleiada República (AR) até ao dia 30 deNov<strong>em</strong>bro do ano seguinte àquele aque a CGE respeite. De acordo coma Lei, o TA, <strong>em</strong> sede de Parecer,aprecia, designadamente: (i) aactividade financeira do Estado noano a que a Conta se reporta, nosdomínios patrimonial e das receitase despesas; (ii) o cumprimento daLei do Orçamento e legislaçãocompl<strong>em</strong>entar; (iii) o inventáriodo património do Estado; e (iv) assubvenções, subsídios, benefíciosfiscais, créditos e outras formasde apoio concedidos, directa ouindirectamente. Para tal, o TAobedece ao conteúdo e à estruturada CGE, o que quer dizer que asua análise t<strong>em</strong> apenas <strong>em</strong> vistaavaliar se a execução orçamentaldo Estado foi feita de acordo com alegislação, s<strong>em</strong> ter <strong>em</strong> conta a suaqualidade ou razão de ser.Sendo parte do aparato judiciário enão sendo um órgão eleito, o papeldo TA é instrumental para que aAss<strong>em</strong>bleia da República exerçaa sua fiscalização sobre a gestãoorçamental do executivo. À AR,através da sua Comissão de Planoe Orçamento, compete a monitoriae fiscalização de matérias centraisda governação, como seja o debatesobre a qualidade e relevânciado Orçamento do Estado (OE).Teoricamente, a AR está no centroda prestação de contas pois aprovao Orçamento do Estado, de acordocom o artigo 179 da Constituiçãoda República de Moçambique(CRM), e também controla a suaexecução <strong>em</strong> conformidade com aLei Orçamental.Paralelamente ao TribunalAdministrativo, funciona aInspecção Geral de Finanças(IGF), subordinada ao Ministériodas Finanças, cuja função é fazerinspecções internas às contas doEstado. A IGF funciona na directadependência do Ministro dasFinanças e t<strong>em</strong> como objectitivoscontribuir para a economia,eficácia e eficiência na obtenção68


Oversight e Anti-Corrupçãodas receitas e na realização dasdespesas públicas nacionais eapoiar o ministro no controloglobal da aplicação das normasde gestão financeira do estado,através de acções de inspecçãofinanceira junto dos organismosdo Estado. A IGF aplica regras deinspecção detalhadas num Manualsobre Procedimentos de Auditoriapara o Serviço Público e tambémpossui um manual que é aplicadoà inspecção de <strong>em</strong>presas públicas.Estaturiamente, a auditoriainterna compreende os domíniosfinanceiro, patrimonial, económicoe orçamental.A IGF lidera o subsist<strong>em</strong>anacional de auditoria interna,que compreende a inspecçãoadministrativa do Estado, asinspecções gerais sectoriais e osórgão de auditoria ou fiscalizaçãode nível central, regional eprovincial. Nos últimos anos, aIGF t<strong>em</strong> centrado a sua actuaçãona realização de auditorias dedes<strong>em</strong>penho sectoriais (as maisrecentes foram realizadas no sectordos Medicamentos, Estradase águas e está <strong>em</strong> curso umaauditoria ao sector da Justiça),auditorias conjuntas a processosde Procur<strong>em</strong>ent, a avaliaçãoadministrativa, financeira epatrimonial de 39 Administraçõesdos Distritos, e auditoria a 50%das Administrações dos Distritos(2008) 43 .Apesar do seu papel central naárea da inspecção à execuçãoorçamental do Estado, a IGFnão t<strong>em</strong> uma relação tutelar comas d<strong>em</strong>ais inspecções internasexistentes <strong>em</strong> cada Ministério(as chamadas inspecções geraissectoriais), o que significa que háainda um défice de coordenaçãoe comunicação entre as váriasentidades. No global, Moçambiquepossui apenas 450 auditoresinternos na função pública 44 .Anti-CorrupçãoApesar da d<strong>em</strong>ocraciamultipartidária ter sido introduzidano início dos anos 90, o quadrolegal anti-corrupção foi s<strong>em</strong>preprecário até que <strong>em</strong> 2004 oGoverno aprovou uma Lei Anti-Corrupção (6/2004), a qual definea corrupção <strong>em</strong> dois sentidos.Primeiro, a corrupção passiva comosendo a solicitação de vantag<strong>em</strong>patrimonial ou não patrimonialpor parte de funcionário ou agentedo Estado para realizar ou omitir43 Dados apresentados por Jorge Marcelino,Inspector Geral de Finanças, numa conferênciade instituições superiores de auditoria, realizada<strong>em</strong> Miami, Estados Unidos da América, entreos dias 18 e 23 de Maio de 2008.44 Id<strong>em</strong>.69


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisacto contrário ou não contrárioao dever do seu cargo; e segundo,a corrupção activa como sendoo oferecimento de vantag<strong>em</strong>patrimonial ou não patrimonial afuncionário ou agente do Estadopara realizar um acto contrário aosdeveres do seu cargo. Em termos deformas de corrupção patentes nestadefinição ressaltam a solicitação eo oferecimento de suborno. Comov<strong>em</strong>os, nesta definição não cabe,por ex<strong>em</strong>plo, a figura do desviode fundos, o tráfico de influências,o enriquecimento ilícito e obranqueamento dos proventos dacorrupção.Em todo o caso, esta lei veioreforçar o quadro legal ja existente,nomeadamente o Código Penal<strong>em</strong> vigor, o qual ja previa crimesde corrupção nos artigos 318e 321 e também apresentava,mesmo antes da Lei 6/2004, umconjunto de artigos que se podiaminscrever no conceito de corrupçãona administração pública 45 . A45 Nomeadamente o artigo 322 que se referea aceitação de oferecimento ou promessa por<strong>em</strong>pregado público, o artigo 314 que versasobre a concussão, o artigo 315 que penalizaa imposição arbitrária de contribuições, oartigo 316 que sanciona o recebimento ilegalde <strong>em</strong>olumentos, o artigo 317 que pune aaceitação de interesse particular por <strong>em</strong>pregadopúblico, o artigo 313 que versa sobre opeculato, o artigo 218 que aborda a falsificaçãopraticada por <strong>em</strong>pregado público no exercíciodas suas funções, etc.lei 6/2004 foi estabelecida numcontexto de pressão dos doadorespara que a reforma anti-corrupçãofosse acelerada. A crise da bancano início dos anos 2000 foi umaespécie de gota de água que fezdespertar os doadores – e nãonecessariamente o Governo – paraque se começasse a olhar com maisatenção para a governação 46 .Mas a classe política fez aprovaruma Lei Anti-Corrupção quelimitou a definição legal, deixandode lado práticas como o desviode fundos, que as ConvençõesInternacionais ratificadas porMoçambique consideram comocorrupção. Por outro lado, a leinunca conferiu ao Gabinete Centralde Combate a Corrupção (GCCC)poderes específicos para acusarcasos de corrupção. Deve-se referirque o quadro legal nacional écompl<strong>em</strong>entado com convençõesinternacionais que o Estadojá ratificou, nomeadamente aConvenção da União Africana (2006),a Convenção das Nações Unidas (2007)e o Protocolo Anti-Corrupção da46 Na sequência da crise da crise bancáriado início da presente década, os doadoresdicidiram, <strong>em</strong> Abril de 2001, interrompero financiamento por um período curto epressionaram para que o Governo fizessequatro coisas, designamente: i) atacarve<strong>em</strong>ent<strong>em</strong>ente as fraudes com base na lei;ii) recuperar de forma agressiva o crédito malparado; iii) desinvestir da banca privada; ereforçar a supervisão bancária.70


Oversight e Anti-CorrupçãoComunidade para o Desenvolvimentoda África Austral (SADC).Em termos de políticas públicas,uma Estratégia Anti-Corrupção(EAC) foi aprovada pelo Governo<strong>em</strong> Abril de 2006, mas só um anomais tarde é que foram adoptadosos respectivos Planos de Acção,compreendendo 5 sectores: aJustiça, a Educação, a Saúde, oInterior e as Finanças. Também<strong>em</strong> 2007, numa tentativa de darexpressão ao seu discurso políticode combate à corrupção, o Governolançou um Forum Nacional Anti-Corrupção (FNAC), estabelecendoocomo órgão de consulta <strong>em</strong>onitoria da EAC. Conformeos seus estatutos, o FNACpretendia promover o debate entreo Governo, a sociedade civil e osector privado sobre a matéria.Este forum foi, no entanto, extintopelo Presidente da República <strong>em</strong>Dez<strong>em</strong>bro de 2007, alegadamentedepois de receber sinais de queo mesmo estava prestes a serconsiderado inconstitucional peloConselho Constitucional. Ou seja,foi exitinto por razões que nãot<strong>em</strong> a ver com necessidade de umdiálogo intersectorial (Governo,sector privado, sociedade civil)que permita a partilha de ideiase esforços na impl<strong>em</strong>entação <strong>em</strong>onitoria da EAC.Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisOversightÉ importante reconhecer quea legislação e a prática no queconcerne ao trabalho do TA sobrea Conta Geral do Estado t<strong>em</strong>vindo a melhorar. Com a Lei doSISTAFE o prazo que o Governot<strong>em</strong> para submeter a CGE aoTA e à Ass<strong>em</strong>bleia da Repúblicareduziu substancialmente, de 31de Dez<strong>em</strong>bro do ano seguinte aoque a conta diz respeito para 31 deMaio, como já foi indicado. Noactual quadro, o t<strong>em</strong>po de análiseà CGE por parte do TA tambémficou drasticamente reduzido, umavez que até 30 de Nov<strong>em</strong>bro decada ano o seu parecer t<strong>em</strong> de estardepositado na AR.O TA t<strong>em</strong> tido um papelfundamental dado que o seuparecer é muito claro e t<strong>em</strong> acorag<strong>em</strong> política de denunciar aspráticas desviantes que identificana CGE, incluindo aquelas queenvolv<strong>em</strong> figuras b<strong>em</strong> colocadasna classe política. A títuloex<strong>em</strong>plificativo, o relatório do TAsobre a CGE de 2006 refere quehouve o seguinte perfil de falhas naexecução orçamental, algumas dasquais escond<strong>em</strong> actos de corrupção:(i) celebração de contratos s<strong>em</strong> arealização de concursos públicos,71


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaiss<strong>em</strong> a submissão dos mesmosao visto do TA, s<strong>em</strong> a prestaçãode caução e s<strong>em</strong> neles constar acláusula anti-corrupção, o queconstitu<strong>em</strong> infracções financeiras;(ii) celebração de contratos dearrendamento e de contrataçãode pessoal s<strong>em</strong> o visto do TA;(iii) celebração de contratos comentidades que não se encontramlegalmente registadas e que nãot<strong>em</strong> as suas obrigações legaisregularizadas; e (iv) realização dedespesas s<strong>em</strong> comprovativos.Nos últimos anos, a opiniãopública ficou a saber que figurasb<strong>em</strong> colocadas no poder do Estadohaviam contraído créditos aoTesouro e estavam relutantes <strong>em</strong>devolvê-los. Se não fosse o facto deo parecer à CGE estar disponível aopúblico, eventualmente esses dadosnão teriam tido a publicidade quetiveram. Também se deve destacarque, nos últimos anos, o númerode instituições públicas abrangidassofreu um ligeiro aumento, o quet<strong>em</strong> sido fundamental para se teruma visão mais alargada sobre aqualidade da gestão das finançaspúblicas.Mas um dos grandes probl<strong>em</strong>asapontados ao TA é que o seu papelcontinua exclusivamente confinadoa analisar a legalidade dos actos deexecução financeira. Quer dizer,o TA limita-se a identificar osdesvios à legalidade na execuçãofinanceira, não abraçandoainda um novo paradigma quese v<strong>em</strong> enraízando no espectrointernacional das instituições deauditoria: a realização de auditorasde perfomance, as chamadas valuefor money audits, as quais visam nãosó analisar a legalidade dos actosmas também, e sobretudo, atéque ponto os gastos públicos sãousados na base da racionalidadeeconómica, da eficiência e daeficácia. Se b<strong>em</strong> que a qualidadedos relatórios do TA t<strong>em</strong> vindo aevoluir positivamente, a realizaçãode auditorias de performance queanalis<strong>em</strong> toda a cadeia de valoresda execução financeira é cada vezmais urgente, para que se permitacaptar até que o uso dos fundospúblicos t<strong>em</strong> o impacto que sepretende.Outro probl<strong>em</strong>a identificado é queo TA ainda não possibilita qualquerseguimento judicial dos desviosque detecta. Este probl<strong>em</strong>a talvezresulte de uma falta de interacçãoentre o TA e o Ministério Público,através da qual Procuradoria Geralda República poderia receberinformação sobre desvios qu<strong>em</strong>ereceriam uma investigaçãoaprofundada para se determinarse os mesmos apresentamcontornos que possam ser alvo de72


Oversight e Anti-Corrupçãoprocedimento judicial. Esta faltade interecção não decorre de umprobl<strong>em</strong>a institucional, mas tratasede uma clara falta de vontadee iniciativa para se por o sist<strong>em</strong>aa funcionar, dado que, dev<strong>em</strong>osrepisar, do colectivo de juízes doTA ( e dos qua, concretamentejulgam a Conta Geral do Estado,um deles representa justamente oMinisterio Público.Um dos desafios que TA t<strong>em</strong> é,pois, o de começar a viabilizara responsabilização das práticasilegais que detecta. A falta deresponsabilização é hoje o principalnó de estrangulamento do processode edificação da transparência eda integridade na gestão pública.Por outro lado, o TA envia osresultados de auditoria e respectivasrecomendações por escrito aoMinistério das Finanças e àsd<strong>em</strong>ais instituições auditadas e umaresposta formal a este informe érecebido pelo TA mas, de acordocom um estudo recente, “existereduzida evidência de que umacompanhamento sist<strong>em</strong>áticoda impl<strong>em</strong>entação dessasrecomendações é efectuado” 47 .Mesmo assim, os pareceres do47 Budget Analyes Group (2007): Avaliaçãoda execução orçamental 2006, com base naCGE 2006 e o respectivo Relatório & Parecerdo Tribunal Administrativo. Fevereiro de 2008.Maputo.TA sobre a CGE constitu<strong>em</strong> umagrande fonte de informação sobre aforma como são geridos os fundosdo erário público, <strong>em</strong>bora se sintaainda haver um grande déficede comunicação com o públicorelativamente ao conteúdo dosrelatórios. O TA precisa de investir<strong>em</strong> grande medida numa estratégiade comunicação que permitatraduzir os seus relatórios <strong>em</strong>linguag<strong>em</strong> simples e <strong>em</strong> formatosresumidos para o consumo daopinião pública.Crucial para a função defiscalização da execuçãoorçamental do Estado é o papel daComissão Parlamentar de Plano eOrçamento (CPO) da Ass<strong>em</strong>bleiada República na apreciação daCGE. A CGE e o parecer do TAsão discutidos na AR, cabendoa este órgão chamar a atençãoao Governo relativamente aosprobl<strong>em</strong>as que a auditoria do TAdetecta. Por regra, a CPO devefazer uma análise à CGE distintada que é feita pelo TA. Isso t<strong>em</strong>acontecido, mas o parecer daCPO é menos aprofundado que oparecer o TA. Isso t<strong>em</strong> a ver com osrecursos e o t<strong>em</strong>po que cada umadestas instituições dispõe para levara cabo tal desiderato. Por isso, odebate <strong>em</strong> plenária na AR sobre aCGE baseia-se mais no Relatórioe Parecer do TA do que na sua73


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisprópria análise, sendo o parecer daCPO, na verdade, um instrumentoque permite à maioria parlamentarviabilizar a CGE.Em todo o caso, o debateparlamentar sobre a CGE aindanão t<strong>em</strong> conseguido influenciar oGoverno no sentido da melhoriada execução financeira. Comefeito, analisando às constataçõese recomendações do TA desde aCGE de 2001 até 2006, constataseque muitas das recomendaçõesdo TA feitas ao Governo nãoforam atendidas e vão se repetindoanualmente. Por outro lado, algunsprobl<strong>em</strong>as, depois de corrigidos,vão aparecendo nos exercíciosseguintes. Isto quer dizer que n<strong>em</strong>o Governo n<strong>em</strong> a CPO aindaatribu<strong>em</strong> muita relevância aospareceres do TA. Por outro lado, ecomo o parecer da CPO recupera<strong>em</strong> grande medida as observaçõesfeitas pelo TA, notamos que oGoverno também parece fazerouvidos de mercador à própriaCPO, ignorando a maioria dasrecomendações que são feitas nacasa parlamentar.Apesar dos grandes probl<strong>em</strong>asque o TA t<strong>em</strong> vindo a detectar, odebate na AR foi s<strong>em</strong>pre favorávelao Governo. Este facto podeter a ver com a forte disciplinapartidária que estrutura a posturado partido maioritário, a Frelimo,que consiste sobretudo <strong>em</strong> nãocontrariar o executivo. Aliás, oteor do parecer da CPO à plenáriada AR é menos incisivo que oteor do parecer do TA. O mesmose pode dizer às recomendaçõesque a CPO faz à plenária. Umaanálise aos pareceres da CPOrevela que a linguag<strong>em</strong> e o alcancedas recomendações mostram umadificuldade <strong>em</strong> se ser mais rigoroso<strong>em</strong> face das incorrecções na gestãoorçamental. Os pareceres mostramtambém que o debate dentro daCPO é um espelho da plenária, ouseja, o debate enviesado que se fazna plenária é reproduzido nestacomissão. Esta postura t<strong>em</strong> umimpacto negativo na forma como olegislativo exerce as suas funções defiscalização e supervisão.No que diz respeito à InspecçãoGeral de Finanças, o sist<strong>em</strong>a decontrolo interno continua aindaineficaz <strong>em</strong> termos de promoçãode integridade, apesar de medidasrecentes no sentido contrário. Umdos probl<strong>em</strong>as da IGF é que ainstituição apenas conduz inspecçõescom carácter “pedagógico”.Isto quer dizer que, mesmo que asinspecções apur<strong>em</strong> probl<strong>em</strong>as nagestão do b<strong>em</strong> público, os responsáveispor esses probl<strong>em</strong>as não sãoprocessados criminalmente como seexigiria <strong>em</strong> função da Lei Anti-Cor-74


Oversight e Anti-Corrupçãorupção, perpetuando as más práticase criando uma cultura de impunidade.Tendo <strong>em</strong> conta o decretoque cria a IGF, esta entidade deviainstruir processos disciplinares s<strong>em</strong>preque encontrasse probl<strong>em</strong>as degestão que decorr<strong>em</strong> do desvios àsnormas.Outro probl<strong>em</strong>a da IGF é quea entidade é muito dependentedo Ministro das Finanças, nãodispondo de uma autonomiarelativa para proceder a inquéritose instruir processos disciplinares.A Lei estabelece que a IGF sópode proceder para qualquer umadestas tarefas se for ordenada peloMinistro das Finanças ou se for“determinado superiormente”. Estadependência é perniciosa para aintegridade do trabalho da IGF epode explicar porque é que não sãoconhecidos processos judiciais queresult<strong>em</strong> do trabalho da instituição.As reduzidas capacidadesfinanceiras e humanas da IGF têmsido apontadas <strong>em</strong> vários relatórioscomo alguns dos seus maioresconstrangimentos – até b<strong>em</strong> poucot<strong>em</strong>po a IGF não tinha uma verbaorçamental directamente inscrita noOrçamento do Estado.De acordo com o Inspector Geral deFinanças, o subsist<strong>em</strong>a de auditoriainterna apresenta actualmente osseguintes constrangimentos: i)ausência do Estatuto do AuditorPœblico; ii) resistência à mudança;iii) nœmero e qualidade insuficientede recursos humanos; iv) ausênciade compl<strong>em</strong>entaridade entre osvários órgãos; v) recursos financeirosinsuficientes; vi) diferentes estágiosde desenvolvimento dos diversos;órgãos 48 ; entre outros.Apesar deste cenário, algumasreformas tendentes a se aumentara eficiência da IGF t<strong>em</strong> vindo a serenunciadas com vista a fortalecer osmecanismos de controlo existentesno seio da Inspecção-Geral deFinanças (controlo interno) e doTribunal Administrativo (controloexterno). Por ex<strong>em</strong>plo, está previstoque a UTRAFE permitirá que asduas instituições utiliz<strong>em</strong> o sist<strong>em</strong>ainformático de gestão financeirado Estado (e-SISTAFE) a partirde Junho de 2008 para realizar<strong>em</strong>consultas. Outro avanço notávelé a dotação, à IGF, a partir de2004, de um orçamento próprio e acontratação de mais técnicosAnti-CorrupçãoUm primeiro probl<strong>em</strong>a práticona área anti-corrupção radicada precariedade da legislaçãorelevante, a qual não permite uma48 Dados apresentados numa conferênciarecente <strong>em</strong> Miami, Estados Unidos daAmérica.75


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisreacção integrada contra os crimesde corrupção e conexos, seja paraa componente preventiva sejapara a punitiva. Na componentepreventiva, a regulação do conflitode interesses continua precáriapois a legislação não impede otitular de um cargo público deexercer actividades conexas como seu antigo <strong>em</strong>prego público;também não impede que um antigotitular de cargo público exerçaum cargo de administração <strong>em</strong><strong>em</strong>presas que realiz<strong>em</strong> actividadesconexas com o seu antigo <strong>em</strong>pregopúblico. A lei também não limitaque <strong>em</strong>presas participadas portitulares de cargos públicos, seusdescendentes ou ascendentes,particip<strong>em</strong> <strong>em</strong> concursos públicos,abrindo campo para o surgimentode um clima de suspeição sobrea legalidade dos procedimentosde procur<strong>em</strong>ent público. A lei étambém completamente omissa<strong>em</strong> relação ao conflito de interessesdos deputados da Ass<strong>em</strong>bleia daRepública, não pesando sobre elesa obrigatoriedade de declarar<strong>em</strong>,aquando da discussão de uma lei,os interesses que têm <strong>em</strong> relaçãoà matéria <strong>em</strong> causa, de modo aficar<strong>em</strong> afastados das discussões.A lei não impede os deputados deexerceram cargos de direcção <strong>em</strong><strong>em</strong>presas púbicas, concessionáriasde serviços públicos ou participadaspelo Estado. Constata-se tambémque não exist<strong>em</strong> mecanismoseficazes para que se possa fazeruma fiscalização incisiva sobre asdeclarações de bens dos titulares decargos públicos, sendo o teor destasainda marcado pelo secretismo.Quanto à componente punitiva, alegislação nacional não sanciona ocrime de enriquecimento ilícito, nassituações <strong>em</strong> que alguém apresentesinais exteriores de riquezas e cujaorig<strong>em</strong> lícita não pode provar.A urgência de se combater acorrupção, pelo menos ao nível dodiscurso, levou a que o Governoadoptasse uma Lei Anti-Corrupçãoe criasse uma Unidade Anti-Corrupção (UAC), a qual nuncachegou a ter existência legal, tendosido substituída, <strong>em</strong> 2004, peloGabinete Central de Combate àCorrupção (GCCC). Esta entidadesofre, no entanto, dos seguintesprobl<strong>em</strong>as: (i) é pouco proactivano que tange à investigação,pois fica apenas à espera dedenúncias quer dos jornais quer doscidadãos; (ii) não t<strong>em</strong> critérios quepermitam que o recrutamento dopessoal do GCCC (magistrados einvestigadores) seja feito de formatransparente e meritocrática, comopor ex<strong>em</strong>plo através de concursospúblicos para o efeito, de modo aevitar qualquer tipo de interferênciapolítica; e (iii) não t<strong>em</strong> mecanismosespecíficos para garantir de76


Oversight e Anti-Corrupçãoforma concreta a protecção dosdenunciantes.A principal política pública sobrea matéria – a Estratégia Anti-Corrupção, operacionalizadapelos seus planos de acção – nãotêm a qualidade que se esperava.Os Planos de Acção resum<strong>em</strong>senum arrumar desconexo deactividades e resultados, muitosdos quais contraditórios e s<strong>em</strong>indicadores de monitoria. A EACé um documento que não partede um diagnóstico profundo darealidade. Num contexto cada vezmais crescente de promiscuidadeentre a classe política e os negócios,aspectos centrais de promoção datransparência como a legislaçãosobre conflitos de interesse e afiscalização das declarações de bensdos titulares dos cargos públicos (etambém dos funcionários públicos)deviam constar como medidaslegislativa urgentes, o que não éo caso. Também há uma gritantefalta de coordenação intersectorial.Por ex<strong>em</strong>plo, a matriz apresentadapelo Governo <strong>em</strong> Março de 2007já mostrava um Plano de Acçãopara o Judiciário, mas mesmoassim o Centro de FormaçãoJurídica e Judiciária (CFJJ) estavaaté Dez<strong>em</strong>bro de 2007 a desenharoutro Plano de Acção para oJudiciário. O Plano de Acção paraas Finanças não representa umacontinuidade do trabalho ja feito noâmbito da reforma das Alfândegas en<strong>em</strong> ataca questões sensíveis comoas inspecções fiscais na área dosimpostos internos.O Forum Nacional Anti-corrupção,que foi lançado na perspectivade ser um espaço de debate, foiextinto antes de completar umano de existência. Aquando dasua criação, alguns analistascriticaram o facto de se estar<strong>em</strong> acriar mais instituições, ao invés dese potenciar<strong>em</strong> as existentes. Seb<strong>em</strong> que o seu motivo fundadortenha sido a consulta e o debatepara proporcionar níveis razoávesde consenso sobre que tipo dereformas eram urgentes, o modelodo FNAC não era adequado paraesse fim. O FNAC era dirigidopela Primeira Ministra e eracomposto maioritariamente porquadros dos Governos central,provincial e distrital e militantes dopartido no Governo; sendo assim,ficava difícil promover um debateaberto e construtivo. De certaforma, era constitucionalmenteincoerente que a Primeira Ministrapresidisse a um forum aondetambém participavam, <strong>em</strong> posiçõessubalternas, o Procurador Geralda República e os deputados daAss<strong>em</strong>bleia da República. O efeitoimediato da extinção do FNAC foio de permitir um abrandamento no77


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaiscomentimento do Governo paracom a impl<strong>em</strong>entação da EstratégiaAnti-Corrupção. Isto quer dizer queo tratamento das matérias ligadasà boa governação ficou diluído noconjunto das matérias cruciais dodesenvolvimento sócio-económico,reforçando-se assim a leviendadecom que a corrupção t<strong>em</strong> sidotratada pelo Governo.Áreas prioritárias de intervenção ereformaOversightEmbora o TA seja uma instituiçãocentral de oversight e esteja de anopara ano a crescer <strong>em</strong> termos decapacidade humana e técnica deanálise da Conta Geral do Estado,n<strong>em</strong> todas as contas são hojeauditadas. Estima-se que o TA sóverifica cerca de 25% das contas doEstado, quando o recomendável anível internacional é que se audit<strong>em</strong>75% das contas. Algumas áreasque merec<strong>em</strong> maior atenção são ascontas dos governos provinciais,distritais e das autarquias locais,onde se t<strong>em</strong> registado casos decorrupção e falta de transparência.É portanto necessário monitorareste indicador para verificar atéque ponto exist<strong>em</strong> melhorias.Paulatinamente é desejável queo TA comece a realizar, numaprimeira fase selectivamente,auditorias de perfomance quepossam dar uma imag<strong>em</strong> sobre aqualidade da execução orçamental.Também é fundamental que seestabeleça um fluxo de informaçãoentre o TA (isto aplica-se tambémà Inspecção Geral de Finanças) eo Ministério Público (o GabineteCentral de Combate à Corrupçãopode começar a receber informaçãosobre matérias que o TA considerapassíveis de investigação judicial).Anti-CorrupçãoA legislação que enquadra oGCCC t<strong>em</strong> de ser revista para queo Gabinete passe a funcionar comum conceito de corrupção maislato, pois alguns casos começampor ser desvio de fundos e maistarde desenvolv<strong>em</strong> para situaçõesde corrupção complexa. Há<strong>em</strong> Moçambique um probl<strong>em</strong>alegislativo de enquadramentopenal e um probl<strong>em</strong>a estatutáriodo organismo, que o legisladort<strong>em</strong> de aperfeiçoar. Não obstanteuma liderança decidida na PGRpossa trazer resultados positivos- esperamos que o novo PGRmostre trabalho concreto - asdisfuncionalidades do GCCC aindanão ficaram resolvidas, sendomuito provável que o organismocontinue a ter uma performanceprecária.78


Oversight e Anti-CorrupçãoÉ igualmente urgente que se avanceno sentido de as normas sobredeclaração de bens permitir<strong>em</strong> asua fiscalização concreta. Comovimos, à luz do n° 2 do artigo 7da Lei 7/98 de 15 de Junho, asdeclarações são depositadas noConselho Constitucional (CC),mas questiona-se a funcionalidadedestas declarações ser<strong>em</strong>depositadas junto do CC, dado queeste é um órgão cuja função centralé analisar a constitucionalidadedos actos legislativos e normativos<strong>em</strong>anados pelos órgãos do Estadoe de dirimir conflitos de naturezaeleitoral. Tendo <strong>em</strong> conta queas declarações estão ligadasà evolução do património dotitular do cargo público e levando<strong>em</strong> consideração que este podeaumentar mediante a violação deregras orçamentais, então, estasdeclarações deviam ser depositadasjunto de uma instituição que tenhaacesso directo as informaçõesligadas a execução orçamentalcomo é o caso do TribunalAdministrativo.79


Capítulo 7Sociedade Civil, Informação Pública e ComunicaçãoSocialEricino de Sal<strong>em</strong>aNos países <strong>em</strong> desenvolvimentocom reformas políticas eeconómicas <strong>em</strong> curso, a sociedadecivil e a comunicação socialsão actores indispensáveis paraa promoção boa governação,porque ag<strong>em</strong> como guardiãosdo b<strong>em</strong> comum. Em particular,a transparência e prestação decontas na gestão pública só sãopossíveis se estes actores for<strong>em</strong>vigorosos e independentes na suarelação com o poder político. Sehá consenso sobre este potencial,o actual contributo destes actoresna promoção da boa governaçãoe consolidação d<strong>em</strong>ocrática <strong>em</strong>Moçambique parece não ser aindaum dado adquirido e merecealguma análise.Quadro Legal, Institucional e dePolíticas PúblicasA Constituição da Repúblicade 1990, apesar de elaboradanum regime monopartidário,institucionalizou a d<strong>em</strong>ocratizaçãodo espaço público, pois a leifundamental passou a reconheceraspectos como liberdade deassociação, de manifestação,liberdade de imprensa e deexpressão, b<strong>em</strong> como o direito àinformação. Um ano depois, foramaprovadas duas leis ordináriasde capital importância para adinamização da vida <strong>em</strong> sociedade,nomeadamente a Lei 6/91 de 18 deJulho, comummente conhecida porLei das Associações, e a Lei 18/91de 10 de Agosto, vulgarmenteconhecida por Lei de Imprensa.Assim, o quadro regulador dasorganizações sociais e associaçõesé definido pelos números 1 e2 do artigo 52º da CR, o que édepois escalpelizado na Lei dasAssociações. O número 1 do artigo52º da CR reza que os cidadãosgozam da liberdade de associação,estabelecendo o subsequentenúmero (2) que as organizaçõessociais e associações têm direitode prosseguir os seus fins, criarinstituições destinadas a alcançar osseus objectivos específicos e possuirpatrimónio para a realização dassuas actividades.Em conformidade com a Lei dasAssociações, os cidadãos têm odireito de formar organizações dasociedade civil (OSC), incluindo80


Sociedade Civil, Informação Pública e Comunicação Socialas que abordam questões de boagovernação e anti-corrupção:essa lei é até excessivamented<strong>em</strong>ocrática, uma vez quepreconiza que as OSC estão livresde receber financiamento de fontesestrangeiras e domésticas, s<strong>em</strong>obrigação legal de revelá-las, nãosendo igualmente obrigatório apublicação dos seus relatóriosfinanceiros. A Lei das Associaçõesenfatiza, no seu artigo 5º, aimportância das associações noprocesso de d<strong>em</strong>ocratização dasociedade, ao referir que, umavez reconhecida, a associaçãoé um actor social de grandepeso, podendo exercer o seupotencial poder <strong>em</strong> várias esferasgovernativas. O reconhecimentogovernamental das OSC <strong>em</strong>Moçambique torna-se realmenteefectivo a partir da altura <strong>em</strong> que osestatutos visados pelo Ministério daJustiça são publicados no Boletimda República.O acesso público à informação doEstado está previsto nos números 1e 2 do artigo 48º da CR e no artigo3º da Lei de Imprensa. O número1 do artigo 3º da Lei de Imprensarefere que, no âmbito da imprensa,o direito à informação significaa faculdade de cada cidadãose informar e ser informado defactos e opiniões relevantes a nívelnacional e internacional, b<strong>em</strong>como o direito de cada cidadãodivulgar informação, opiniões eideias através da imprensa. Apesarde previsto na CR e na Lei deImprensa, o direito à informaçãoainda não está regulamentado, oque significa que nada existe, <strong>em</strong>termos legais, que possa garantira sua materialização. Tendonotado essa lacuna e num esforçovisando a sua colmatação, váriasOSC interessadas <strong>em</strong> acederàs informações sob custódiada Administração Públicadesenvolveram, entre 2002 e2005, sob a égide do capítulomoçambicano do Instituto deComunicação Social da ÁfricaAustral (MISA-Moçambique),vários debates à escala nacionalsobre a matéria 49 . Já o quadroregulador dos meios decomunicação social é definido pelosnúmeros 1, 2 e 3 do artigo 48º daCR, que versa sobre as Liberdadesde Expressão e Informação, e porintermédio da Lei de Imprensa,que se encontra <strong>em</strong> processo derevisão desde princípios de 2006por iniciativa do Governo 50 .49 Esse exercício culminou com a elaboraçãode uma proposta de ante-projecto de Lei sobreo Direito à Informação, que foi submetida àAss<strong>em</strong>bleia da República (AR) para possívelconsideração, a 30 de Nov<strong>em</strong>bro de 2005. Atéao presente momento, a AR ainda não tinhaagendado essa proposta de ante-projecto de leipara uma eventual discussão.50 A equipa que está a trabalhar na revisão da81


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisEm termos de liberdade deimprensa, de expressão e do direitoà informação, a situação está assimconfigurada:• Pelo número 1 do artigo 48ºda CR todos os cidadãostêm direito à liberdade deexpressão, à liberdade deimprensa b<strong>em</strong> como o direitoà informação;• O número 2 do mesmo (48º)artigo reza que o exercícioda liberdade de expressão,que compreende a faculdadede divulgar o própriopensamento por todos osmeios legais, e o exercíciodo direito à informação, nãopod<strong>em</strong> ser limitados porcensura;• O número 3 do mesmoartigo (48º) estabelece quea liberdade de imprensacompreende a liberdade deexpressão e de criação dosjornalistas, o acesso às fontesde informação, a protecçãoda independência e do sigiloLei de Imprensa envolve ainda representantesde organizações sócio-profissionais da esferamediática, nomeadamente o Sindicato Nacionalde Jornalistas (SNJ), o MISA-Moçambique, aAssociação das Empresas Jornalísticas (AEJ) eo capítulo nacional do Southern Africa EditorsFórum (SAEF-Moçambique), outrora conhecidocomo EditMoz.profissional e o direito decriar jornais, publicações eoutros meios de difusão.A Lei de Imprensa assegura aliberdade de imprensa e a liberdadede expressão; estabelece aindamecanismos de apelo <strong>em</strong> casode recusa de licenciamento de<strong>em</strong>presa/órgão de comunicaçãosocial. Ainda no âmbito desta lei,no processo de licenciamento, às<strong>em</strong>presas/órgãos de comunicaçãosocial exige-se uma declaração dosrequerentes da licença, ou seja, dosfuturos proprietários da <strong>em</strong>presa/órgão de comunicação social.O Estado intervém no sector dacomunicação social através detrês instituições, nomeadamente oConselho Superior de ComunicaçãoSocial (CSCS), o Gabinetede Informação (GABINFO)– subordinado ao Gabinete doPrimeiro Ministro – e o InstitutoNacional das Comunicaçõesde Moçambique (INCM), queé tutelado pelo Ministério dosTransportes e Comunicações. OCSCS é, de acordo com o artigo50 da Constituição, “...um órgãode disciplina e de consulta, queassegura a independência dosmeios de comunicação social, noexercício dos direitos à informação,à liberdade de imprensa, b<strong>em</strong>como dos direitos de antena82


Sociedade Civil, Informação Pública e Comunicação Sociale de resposta”. O Governoreteve, na figura do Primeiro-Ministro, coadjuvado por umapequena unidade de direcção (oGABINFO), competências de carizpolítico-administrativo relativosao domínio dos Media tais comoa promoção da informação doGoverno, o apoio ao sector públicodos Media, o registo de jornais eoutras publicações e órgãos deinformação, o acompanhamentoe apoio à imprensa estrangeira,dentre outras. O INCM t<strong>em</strong> opapel de atribuir as frequênciaspara efeitos de radiodifusão etelevisão, uma área que no domíniopolítico compete ao ministério,nomeadamente o Ministério dosTransportes e Comunicações.Probl<strong>em</strong>as Práticos e DesafiosReaisSociedade CivilA sociedade civil assume,historicamente, um papelimportante na flexibilização doprocesso de governação vistacomo transparência na gestãoda coisa pública e no domíniodo accountability ou da prestaçãode contas. A promoção datransparência é outro el<strong>em</strong>ento quesó se pode tornar efectivo com aexistência de uma sociedade civilforte e interventiva, e que seja,acima de tudo, muito proactiva.Mas o limitado número deorganizaçãoes que intervêm naárea da governação, seja no âmbitodo PARPA ou fora dele, é umindicador de que estas t<strong>em</strong>áticasainda não são privilegiadas,havendo mais organizaçõesviradas para a provisão de serviçose advocacia <strong>em</strong> sectores comoEducação e Saúde.É, no entando, preciso notar queas OSC moçambicanas aindad<strong>em</strong>onstram os efeitos de umlegado de 15 anos de regime departido único, daí que muitas delasestão ainda a tentar se adaptarao novo cenário económico epolítico e, não poucas vezes,elas funcionam como merosapêndices de organizações civisinternacionais das quais sãofinanceiramente dependentes. AsOSC parec<strong>em</strong> ter adoptado uma“cultura de subordinação” aoGoverno, num contexto <strong>em</strong> quepredomina a percepção quanto anós errada de que ser crítico dosist<strong>em</strong>a de poder é sinónimo de serconfuso e subversivo. Há, assim,um grande vazio da sociedadecivil moçambicana no queconcerne à produção de políticasalternativas; são muito poucas asOSC nacionais que pressioname propõ<strong>em</strong> soluções, depois quetenham desenvolvido estudos83


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaispertinentes ou tenham feito análisesmetodologicamente credíveis decada situação.No que se referente à governação, ocontributo das OSC é ainda muitofraco, não estando, muitas delas, àaltura de discutir seriamente com ostécnicos e assessores que trabalhampara o Governo sobre a pr<strong>em</strong>ênciaou não de uma ou outra acção queimpacta directa ou indirectamentesobre todos os cidadãos. Por viadisso, são muito poucas as vezes<strong>em</strong> que este (o Governo) se viuconfrontado com situações b<strong>em</strong>fundamentadas de manifestação,por parte das OSC, de inviabilidadedalgumas das suas políticaspúblicas. Muitas das OSC nacionaisnão possu<strong>em</strong>, por ex<strong>em</strong>plo, pessoalque saiba profundamente comoé que as políticas públicas sãoelaboradas, daí que são promovidosdiálogos s<strong>em</strong> diálogo; elas, as OSC,são, <strong>em</strong> rigor, consultadas somentepara efeitos de legitimação dasacções governamentais.No domínio da advocacia, o seucontributo é igualmente modesto,de tal sorte que mesmo nos poucoscasos <strong>em</strong> que elas consegu<strong>em</strong>influenciar para que algo do seuinteresse esteja numa lei, faltalhesdepois a capacidade d<strong>em</strong>onitoria. Por outro lado, oitodos treze m<strong>em</strong>bros da ComissãoNacional de Eleições (CNE), porex<strong>em</strong>plo, foram seleccionados <strong>em</strong>nome da sociedade civil depoisque esta fez exigências nessesentido mas, uma vez lá, os “seusrepresentantes” mostram-se maisligados à “sociedade política”,não prestando do comunicandosobre o seu trabalho às OSC queos propuseram. Como se issonão bastasse, quase todos elesainda não abdicaram das suasocupações anteriores para estar<strong>em</strong>integralmente na CNE, tal comopreconiza a Lei, o que sugere queas personalidades propostas pelasociedade civil pod<strong>em</strong> estar maispreocupadas <strong>em</strong> alargar o universodos seus rendimentos do que com ocumprimento escrupuloso do que aprópria lei preconiza.Informação PúblicaA inexistência no país de umaLei sobre o Direito à Informaçãoconstitui uma grande lacuna legal,dado que, s<strong>em</strong> ela, o constitucionaldireito à informação previstono artigo 48º da CR não s<strong>em</strong>aterializa. A ausência desta leiconduz o país na direcção contráriaà da boa governação. A titulo deex<strong>em</strong>plo, s<strong>em</strong> essa lei não se pode,por ex<strong>em</strong>plo, saber do que diz<strong>em</strong> ostermos do contrato que o Governoassinou, há pouco mais de 10anos, com a firma britânica Crown84


Sociedade Civil, Informação Pública e Comunicação SocialAgencies, visando a “reforma <strong>em</strong>odernização” das Alfândegas deMoçambique.Não havendo uma lei que regule oacesso à informação, desconhecese,até ao presente momento, oconteúdo do relatório de auditoriaàs contas do Ministério do Interior,que, de acordo com relatos daimprensa, detectou um rombofinanceiro na ord<strong>em</strong> dos 200mil milhões de meticais. Maisrecent<strong>em</strong>ente, não se conhec<strong>em</strong>os termos contratuais por viados quais o Governo contraiuo <strong>em</strong>préstimo bancário de maisde USD 700 milhões visando areversão da Hidroeléctrica deCahora Bassa (HCB) para o Estadomoçambicano.A existência da Lei sobre Direitoà Informação pode não resolvertodos os probl<strong>em</strong>as relacionadoscom o acesso à informação masela já é um ponto de referência ecapital instrumento de advocaciae de responsabilização. O facto dea proposta de ante-projecto de Leisobre Direito à Informação estarnas gavetas da AR há mais de dois(2) anos se afigura como um clarosinal de inexistência de vontadepolítica para a sua consideração,pelo menos para pô-la na agendados assuntos que vão à discussãoparlamentar. No quadro <strong>em</strong> quenos encontramos, quase todaa informação sob custódia daAdministração Pública é tida pelosdiferentes oficiais governamentaiscomo sendo do Estado, que nãoé encarado como a sociedade nogeral. O Estado está a ser tido comouma elite por parte dos dirigentes,que se esquec<strong>em</strong> de que sãoservidores públicos. Na realidade,algumas das leis <strong>em</strong> vigor no paíssão, até certo ponto, progressivas,mas muitos funcionários nãocolaboram, limitando-se a elegertudo como sendo secreto. A própriaProcuradoria-Geral da República(PGR) tranca tudo que t<strong>em</strong> a vercom os processos de corrupção.Sendo o acesso à informação muitodifícil, apenas os que possu<strong>em</strong> redesinformais é que consegu<strong>em</strong> acederao que procuram, sendo por issourgente a aprovação de um novoquadro legal nesta área.Comunicação SocialEm meados de 2007 foi criada,por iniciativa do Governo, umacomissão com o mandato deelaborar os Termos de Referênciapara a elaboração de uma Leide Rádio e Televisão, até aquiinexistente. Dessa comissão faz<strong>em</strong>parte representantes das mesmasorganizações que estão envolvidasna revisão da Lei de Imprensa,mais representantes do InstitutoNacional de Comunicações de85


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisMoçambique (INCM). Uma dasquestões que se espera que a futuraLei de Rádio e Televisão possaconsiderar é a transparência doprocesso de indicação dos gestoresdas estações públicas de rádio e detelevisão, nomeadamente a RádioMoçambique (RM) e a Televisão deMoçambique (TVM), no sentido dese tornar mandatório um concursopúblico <strong>em</strong> moldes a estabelecer,diferent<strong>em</strong>ente do que sucedeagora, <strong>em</strong> que os responsáveismáximos desses canais sãonomeados pelo Primeiro-Ministro.Por outro lado, não deixa de serpreocupante o facto de o Governoter estabelecido, por via do decretonúmero 60/2004, um novo painelde multas aos chamados crimes deimprensa, que vão de 600 meticaisa 24.000 meticais, agravando,deste modo, <strong>em</strong> 1100% (mil e c<strong>em</strong>por cento) as multas a aplicar ajornalistas e órgãos de informação<strong>em</strong> Moçambique 51 . Mesmoconsiderando que a antiga tabela,que variava entre 50 meticaisa 2.000 meticais, já reclamavaalguma actualização, datando elade 1991, não deixa de ser estranhoque tal tenha sido na ord<strong>em</strong> de maisde 1000%, ao que se acresce o factode a via usada para o efeito não51 In “So This Is D<strong>em</strong>ocracy: State of MediaFreedom in Southern Africa”; 2004; Pág. 75;Windhoek: Solitaire Press.ser pacífica: o Governo procedeuà alteração da tabela de multasconstante da lei ordinária “a Lei18/91 de 10 de Agosto, neste caso”através de um decreto, facto que équestionável se se ter <strong>em</strong> conta que,na técnica legislativa, um decretonão pode alterar uma lei 52 .Também dev<strong>em</strong>os realçarque o ambiente nos meandrosjornalísticos mostra um cenário deacentuado receio dos jornalistasde reportar<strong>em</strong> os casos de umaforma independente e equilibrada,por t<strong>em</strong>er<strong>em</strong> represálias, devidoao não respeito que algunspolíticos têm para com o institutoda liberdade de imprensa. Estereceio é mais notório quanto maisse afasta da cidade de Maputo.O que sucede com as RádiosComunitárias é disso revelador:só um ano depois é que se soube,por ex<strong>em</strong>plo, que os 7 milhõesde Meticais alocados aos distritosno âmbito do aprofundamento dadesconcentração estavam a ser malusados, dado que os repórteresafectos às diferentes rádioscomunitárias nada difundiam sobreo assunto, provavelmente por umaquestão de medo.Em Quelimane, província daZambézia, <strong>em</strong> finais de 2006 um52 Id<strong>em</strong>.86


Sociedade Civil, Informação Pública e Comunicação Socialjornalista foi exonerado do cargode chefia que ocupava num órgãopúblico de comunicação socialpor ter recusado participar numareunião do partido no poder, paraa qual havia sido “convocado”.Numa situação destas, ninguém oupoucos ousam arriscar, dado queurge proteger a integridade física.No seu relatório de 2006 sobreEstado da Liberdade de Imprensa <strong>em</strong>Moçambique, o MISA-Moçambiquedenuncia estar a verificar-seuma “judicialização” do debated<strong>em</strong>ocrático, uma vez que váriosjornalistas que ousaram denunciarcasos de corrupção e de abusode poder foram judicialmenteprocessados, acusados de prática docrime de difamação. Infelizmente,a Lei de Imprensa ora <strong>em</strong> revisãonão parece estar a considerar apossibilidade de descriminalizaçãoda difamação, como ocorre <strong>em</strong>vários contextos d<strong>em</strong>ocráticos.Há ainda <strong>em</strong> Moçambique leisque restring<strong>em</strong> a Liberdadede Expressão. Uma delas é oEstatuto Geral dos Funcionáriosdo Estado (EGFE), que impede osfuncionários públicos de falar<strong>em</strong>publicamente do seu trabalho, oque concorre para a proliferaçãode fontes anónimas na média.Este facto entra <strong>em</strong> contrastecom o decreto número 30/2001,de 15 de Outubro, que diz queos funcionários públicos têmque colaborar no que concerneao acesso às fontes oficiais deinformação pelos jornalistas.Actualmente feita de uma formasofisticada, a censura é outroaspecto que fragiliza os media.Embora ela não exista <strong>em</strong> termosoficiais, existe um tipo de censuraestabelecida pelos esqu<strong>em</strong>ascomerciais, num cenário <strong>em</strong>que a imprensa não t<strong>em</strong> muitocampo de manobra. Os queinsist<strong>em</strong> <strong>em</strong> reportar de formaindependente acabam pagandoo preço, sendo preteridos dapublicidade, mesmo da do Estado,o que sucede por decisão dalgunsoficiais governamentais e não porintenção deliberada e declaradado Governo como tal. O ConselhoSuperior de Comunicação Socialt<strong>em</strong> d<strong>em</strong>onstrado possuir algumaapetência para a prática de censura,como ficou d<strong>em</strong>onstrado, porex<strong>em</strong>plo, com a polémica que seseguiu à publicação de cartoons doprofeta Maomé pelo SAVANA<strong>em</strong> 2006. Há também limitaçõesno seio da classe jornalística,designadamente são poucos osjornalistas que têm capacidadede interpretar, por ex<strong>em</strong>plo,um relatório financeiro. Ocontributo do jornalismo que sepratica <strong>em</strong> Moçambique na esferada governação e integridade é87


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisainda modesto devido a váriosfactores, com destaque para odesconhecimento da lei, incluindoa Lei de Imprensa e, <strong>em</strong> certamedida, falta de ética e deontologiaprofissional.Áreas Prioritárias deIntervenção e ReformaUm estudo recente 53 sublinha ofacto de o espectro radioeléctricoconfigurar um b<strong>em</strong> público, finitoe estratégico e, por isso, a decisãode acesso a ele cabe exclusivamenteao Conselho de Ministros, oque se traduz na atribuição dealvarás. Trata-se, de acordocom o estudo, de uma formade intervenção clara do Estadono domínio dos Media. Nestesentido, a aprovação de uma Leide Radiodifusão (rádio e televisão),a qual enquadre igualmente umaentidade reguladora indepentende,parece urgente para limitar opapel dos governos na atribuiçãode frequência de radiodifusão etelevisão.Sociedade civil e comunicação socialEmbora seja limitado o contributodas OSC na governação,mais <strong>em</strong> função de questõesconjunturais e estruturais do que53 Relatório do Estudo sobre “Panorama doPluralismo dos Media <strong>em</strong> Moçambique”, feitopela KPMG <strong>em</strong> 2006 para a UNDP/UNESCO.a constrangimentos de naturezalegal e institucional, sugerimosalgumas recomendações que pod<strong>em</strong>alterar o actual quadro interno degovernação no sector, promovendoboas práticas:• É urgente que se estabeleça<strong>em</strong> Moçambique um Cógidode Conduta que sirva deguia do comportamento dasorganizações• As OSC dev<strong>em</strong> começara promover e expandirpráticas transparentesde governação interna(Manual de Procedimentos,Regulamentos de Gestão deConflito de Interesses, etc)• Descriminalização dadifamação, para que seamplie, s<strong>em</strong> muitos riscos, opotencial poder fiscalizadordos meios de comunicaçãosocial• A aprovação de umaLei sobre o Direito àInformação, uma vezque, s<strong>em</strong> ela, o usufrutodesse direito, consagradoconstitucionalmente,continuará uma mirag<strong>em</strong>• Alteração dos mecanismosde designação dos88


Sociedade Civil, Informação Pública e Comunicação SocialPresidentes dos Conselhos deAdministração das estaçõespúblicas de rádio e detelevisão, nomeadamente aRádio Moçambique (RM) ea Televisão de Moçambique(TVM), no sentido de setornar mandatório umconcurso público de avaliaçãocurricular.89


Capítulo 8Ajuda Internacional, Dependência Externa eGovernaçãoPaolo de RenzioDesde a independência <strong>em</strong> 1975,os esforços de desenvolvimento<strong>em</strong> Moçambique contaram com aajuda internacional. A reconstruçãopós-guerra civil aumentou adependência de Moçambiqueda ajuda internacional e fez dopapel das agências de cooperaçãointernacional uma referênciaobrigatória nos debates sobrereformas na governação. Depoisdestes anos todos, um debateque t<strong>em</strong> sido feito cada vez commais vigor <strong>em</strong> Moçambique: porum lado, a importância da ajudaexterna para ajudar o país a atingiros seus objectivos de redução dapobreza absoluta e, por outro,oimpacto que as arquitecturas decanalização e mecanismos decoordenação da ajuda têm naqualidade da governação.O quadro legal, institucional e depolíticas públicasEm muitos países com baixosníveis de renda per capita, a ajudainternacional joga um papelimportante no financiamento ena provisão de serviços públicos.Em Moçambique, o fenómeno dadependência da ajuda externa existehá muito t<strong>em</strong>po, praticamentedesde a independência. Noperíodo logo depois do fimda guerra civil, a dependênciada ajuda atingiu níveis muitoaltos. Em t<strong>em</strong>pos mais recentes,devido à estabilidade política e aocrescimento económico, estes níveist<strong>em</strong>-se reduzido, mas permanec<strong>em</strong>consideráveis. Em 2005, a ajudainternacional representava cercade 20% do PIB e quase 50% dadespesa pública total (s<strong>em</strong> contarcom os fundos que não aparec<strong>em</strong>no Orçamento do Estado).Portanto, qualquer discussão sobregovernação <strong>em</strong> Moçambique nãopode ignorar o impacto de taldependência externa, e o papelque as agências de cooperaçãointernacional jogam na definiçãodos padrões de governação aser<strong>em</strong> seguidos e na realização dasreformas necessárias para o seuestabelecimento.Apesar desse papel das agências decooperação, uma das característicasfundamentais das interligaçõesentre governação e dependênciaexterna <strong>em</strong> Moçambique é o facto90


Ajuda Internacional, Dependência Externa e Governaçãode elas não ser<strong>em</strong> objecto de umaclara regulamentação. Não existeum quadro legal, institucional e depoliticas públicas claro e abrangenteque defina a natureza das relaçõesentre o governo moçambicanoe os parceiros da cooperaçãointernacional que lhe providenciamajuda técnica e financeira.Apesar da falta desteenquadramento, ao longo dos anosalgumas práticas e metodologiascomuns foram desenvolvidasnas relações entre o governomoçambicano e os seus parceirosinternacionais, <strong>em</strong> algunscasos bastante estabelecidas econsolidadas. Por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong>meados dos anos 80, o rápidoaumento do número de doadoresactivos <strong>em</strong> Moçambique e asoportunidades que se foram abrindopor causa do fim da guerra civil,levaram o governo a criar da CENE(Comissão Executiva Nacional deEmergência) para melhor coordenaras actividades dos doadores,muito <strong>em</strong>bora esta entidade nãoestivesse ligada especificamente àárea de governação. No períododepois do Acordo General dePaz (de 1992) e das primeiraseleições multi-partidárias de1994, a comunidade internacionalestabeleceu, durante a missão depaz da ONUMOZ, o “Aid-for-D<strong>em</strong>ocracy Group” (ADG) como umfórum de troca de informação e decoordenação para a formulação erealização de intervenções dirigidasà consolidação da d<strong>em</strong>ocracia. Apartir deste fórum foram lançadasvárias iniciativas e projectos na áreade governação que continuam atéhoje.Na segunda parte dos anos 90,com a transição da anterior fasede <strong>em</strong>ergência e reconstruçãopara uma agenda virada aocrescimento e ao desenvolvimento,um mecanismo de coordenaçãodiferente surgiu, o chamado“Development Partners’ Group”(DPG), liderado pelo BancoMundial e pelo PNUD, <strong>em</strong>coordenação com o governo. ODPG constituía o fórum principalde diálogo entre o governoe os parceiros, culminandonuma reunião anual do GrupoConsultivo, onde as prioridades eos assuntos para o ano seguinte, eas intenções de financiamento dosdoadores, eram discutidas.Os anos mais recentes t<strong>em</strong>visto mais (e mais importantes)mudanças na natureza do diálogoentre o governo e os seus parceiros.Estas mudanças resultam de váriosfactores, seja a nível internacionalseja específicos para Moçambique.Os debates recentes a nívelinternacional têm definido uma91


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisnova abordag<strong>em</strong> na cooperaçãoao desenvolvimento, baseada nosconceitos de “ownership” (posse),alinhamento e harmonização. Umdos instrumentos privilegiados paraconcretizar esta nova abordag<strong>em</strong>é o chamado “apoio directo aoorçamento”, através do qualvários doadores canalizam fundosdirectamente ao tesouro centraldo governo, para a realizaçãodum plano de desenvolvimentoformulado e aprovado pelogoverno.Em Moçambique, o apoio directoao orçamento t<strong>em</strong> resultado nummecanismo bastante avançado decoordenação e diálogo que, apesarde representar só um terço da ajudatotal recebida por Moçambique,pode ser considerada como a formamais estabelecida e regulamentadade interacção entre o governo e osseus parceiros internacionais. Osist<strong>em</strong>a ligado ao apoio directo aoorçamento surgiu depois de 2000 dainiciativa de um número limitadode doadores que já providenciavamapoio macroeconómico aogoverno, e um dos objectivos eraa de enfrentar melhor as questõesligadas à governação. Ao longo dosanos, o sist<strong>em</strong>a t<strong>em</strong> se desenvolvidoaté incluir 19 agências doadoras,e um mecanismo baseado <strong>em</strong> trêscomponentes principais:a) o M<strong>em</strong>orando deEntendimento (MdE)assinado <strong>em</strong> 2004, queesclarece os princípios <strong>em</strong>ecanismos fundamentaisque reg<strong>em</strong> a relação entreo governo e os Parceiros deApoio Programático (PAPs).Em relação à governação, oMdE inclui uma secção quedestaca “a paz, a promoção deprocessos políticos d<strong>em</strong>ocráticoslivres, credíveis, independênciado sist<strong>em</strong>a judicial, Estado dedireito, direitos humanos, boagovernação e honestidade na vidapública, incluindo a luta contraa corrupção [...] como sendo osprincípios básicos de governaçãopara a disponibilização do Apoioao Orçamento”;b) os compromissos recíprocosdo governo e dos PAPsdetalhados <strong>em</strong> doisQuadros de Avaliaçãodo Des<strong>em</strong>penho (QAD),um para monitorar asactividades e os resultadosatingidos pelo governono quadro do PARPAII, e outro para avaliar odes<strong>em</strong>penho dos doadores.Os QADs são baseadosnuma serie de indicadorespré-definidos. Os indicadoresna área de governação t<strong>em</strong>a ver com a reforma do92


Ajuda Internacional, Dependência Externa e Governaçãosector público (incluindoa descentralização), ecom justiça, legalidade eord<strong>em</strong> pública (incluindo acorrupção);c) as duas Revisões Conjuntasque têm lugar cada ano (aprincipal <strong>em</strong> Abril, a d<strong>em</strong>eio-termo <strong>em</strong> Set<strong>em</strong>bro)para averiguar os avanços deambas as partes e escolheros indicadores que serãoavaliados, respectivamente.As revisões são baseadas naanálise de grupos de trabalhosectoriais, incluindo umpara a área de governação,que recolh<strong>em</strong> a informaçãonecessária para medir odes<strong>em</strong>penho de cada partepor cada indicador, e juntamrelatórios que são utilizadoscomo base para o diálogo.O maior limite deste sist<strong>em</strong>abastante elaborado, como já foiindicado, é o facto dele estarrelacionado com uma partelimitada dos fluxos de ajuda totaisrecebidos pelo pais. A maior partedos fundos ainda são canalizadosdirectamente a sectores ou projectosespecíficos, e são negociadosprincipalmente no âmbito deacordos bilaterais entre o governoe doadores individuais. Apesardeste limite, a institucionalizaçãodos mecanismos relativos ao apoiodirecto ao orçamento t<strong>em</strong> trazidoel<strong>em</strong>entos interessantes para adiscussão sobre as ligações entredependência externa, governação eintegridade.Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisNa prática, as ligações que exist<strong>em</strong>entre dependência da ajuda egovernação pertenc<strong>em</strong> a trêscategorias principais. Em primeirolugar, os doadores prestam apoiodirecto a programas na área degovernação, como por ex<strong>em</strong>plo àrealização de eleições periódicas <strong>em</strong>Moçambique (um investimento quede 1994 até hoje pode ser estimado<strong>em</strong> mais de 150 milhões de dólaresamericanos), ou também nos váriosprojectos que exist<strong>em</strong> nas variasáreas consideradas neste relatório.Vários observadores criticarama falta de resultados concretos ea lentidão na impl<strong>em</strong>entação d<strong>em</strong>uitos destes projectos, não só najustiça como também na reformado sector público. Nestes casos,porém, justificações baseadas nafalta de capacidade técnica pod<strong>em</strong>não ser suficientes. Por um lado,há áreas <strong>em</strong> que o interesse dogoverno pode não coincidir comos objectivos de melhoria dagovernação, por razões políticasou estratégicas. Por outro lado, ospacotes de reforma propostos pelos93


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisdoadores pod<strong>em</strong> ser aceites pelofacto de trazer<strong>em</strong> financiamentos,mas ao mesmo t<strong>em</strong>po não ter<strong>em</strong>sucesso pelo facto de não ser<strong>em</strong>adequados à realidade local, e porfalta de “ownership”.Em segundo lugar, as várias formase modalidades <strong>em</strong> que a ajudapode ser canalizada pod<strong>em</strong> terimpactos positivos ou negativosno funcionamento das instituiçõesnacionais e consequênciana qualidade da governação.Por ex<strong>em</strong>plo, a proliferaçãoe fragmentação dos projectose programas financiados porvários doadores criam probl<strong>em</strong>asde ineficiência e duplicação.As estruturas paralelas criadaspelos projectos muitas vezes‘roubam’ os funcionários maisqualificados e capazes do aparelhodo Estado. A transição para oapoio directo ao orçamento teve oobjectivo de resolver alguns destesprobl<strong>em</strong>as. Mas muitos doadoresd<strong>em</strong>onstraram uma certa resistência<strong>em</strong> canalizar uma proporçãocrescente dos seus fundos atravésdo apoio directo ao orçamento.De 2004 a 2007 esta percentag<strong>em</strong>aumentou só de 32% até 34% daajuda total. Isto d<strong>em</strong>onstra a faltade uma confiança suficiente naspoliticas do governo e nos sist<strong>em</strong>asde governação <strong>em</strong> Moçambique,e os incentivos contraditórios d<strong>em</strong>uitos doadores que t<strong>em</strong> quejustificar os fundos da ajuda gastos<strong>em</strong> Moçambique perante o seueleitorado doméstico.Em terceiro lugar, muitasvezes os acordos sobre a ajudaexterna v<strong>em</strong> acompanhados por‘condicionalismos’, ou seja, sãoligados à realização de reformasespecificas, seja de caráctereconómico, seja na área dagovernação. Por um lado, podeser considerado legitimo que osdoadores ‘condicion<strong>em</strong>’ a suaajuda. Por outro lado, porém,esta prática pode ter um impactonegativo na flexibilidade que osgovernos dependentes da ajudat<strong>em</strong> <strong>em</strong> definir suas políticas eprioridades, na limitação do seugrau de soberania, e na distorçãodos processos de prestação decontas, que ficam virados paraactores externos, na medida <strong>em</strong> queeles providenciam financiamentosconsideráveis.Estas contradições manifestamsede forma mais acentuadae talvez mais complicada noâmbito dos mecanismos ligadosao apoio directo ao orçamento.Num país dependente da ajudacomo Moçambique, os doadoresinevitavelmente têm uma influênciaimportante nas decisões do governo<strong>em</strong> termos de políticas públicas e94


Ajuda Internacional, Dependência Externa e Governaçãode governação. O ex-presidenteda República Joaquim Chissano,falando numa conferência <strong>em</strong>Oxford <strong>em</strong> 2007, disse que “amelhor forma de coordenar a ajudaé alinhar esta ajuda com as própriaspolíticas dos países beneficiários,[...] através do apoio ao Orçamentodo Estado.” Mas a experiênciamoçambicana, ele continuou,d<strong>em</strong>onstrou que “ao invés deassegurar o sentido de posse dopaís beneficiário, o apoio directo aoOrçamento do Estado pode levar aum maior envolvimento nos assuntosgovernativos e, consequent<strong>em</strong>ente,comprometer a sua capacidade deformular e conduzir as suas própriaspolíticas de uma forma independente”(Jornal Noticias, 17 de Junho de2007).Ao mesmo t<strong>em</strong>po, vários doadorest<strong>em</strong> levantado preocupaçõescrescentes <strong>em</strong> relação à vontadepolitica do governo <strong>em</strong> melhorarseu des<strong>em</strong>penho nos indicadores doQAD para a área de governação.Nas várias revisões conjuntas quetiveram lugar desde a assinaturado MdE <strong>em</strong> 2004, o des<strong>em</strong>penhodo governo <strong>em</strong> algumas áreascruciais da governação t<strong>em</strong> sidoconsistent<strong>em</strong>ente fraco. Emparticular, isto vale nas áreas daReforma do Sector Público e daJustiça. Em Abril de 2006, nofinal da revisão relativa a 2005,o Aide-M<strong>em</strong>oire apresentadodeclarava taxativamente que odes<strong>em</strong>penho do governo não tinhasido satisfatório, pois o executivonão conseguiu atingir oito das trez<strong>em</strong>etas acordadas no ano anteriorpara a área de governação. Umano depois, os fracos progressoscontinuaram. Neste caso, três metasforam atingidas, nove não foramatingidas mas mostraram sinais deprogresso, e uma não foi atingida.Na última revisão conjunta,terminada <strong>em</strong> Abril de 2008, odes<strong>em</strong>penho melhorou, com cincodos nove indicadores atingidos,mas notaram-se vários probl<strong>em</strong>asna gestão de informação para amonitoria e avaliação dos sectores<strong>em</strong> análise.Para al<strong>em</strong> da frustração com a faltade resultados, alguns doadores têmindicado uma certa insatisfaçãocom a natureza e cobertura dosindicadores incluídos no QAD,cujo enfoque limita-se as aspectostécnicos, ao invés de se olharpara a qualidade das instituiçõesd<strong>em</strong>ocráticas de forma maisampla. A qualidade do diálogocom o governo também t<strong>em</strong> sidoquestionada. De facto, a faltade uma troca de informaçãoregular e de mecanismos eficazesde coordenação entre os váriosactores governativos envolvidost<strong>em</strong> criado um ambiente pouco95


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisadequado ao diálogo. No âmbitoda revisão conjunta de meiotermo, <strong>em</strong> Set<strong>em</strong>bro de 2007,foram necessárias varias reuniõesespecíficas para conseguir juntar orelatório para o grupo de trabalhode governação cuja informação éincluída no Aide-M<strong>em</strong>oire.Um último el<strong>em</strong>ento importantenas ligações entre governaçãoe dependência externa <strong>em</strong>Moçambique t<strong>em</strong> a ver com osmecanismos de prestação decontas. Como fica claro a partirda informação apresentada, ecomo já foi denunciado por váriosobservadores, a maior parteda pressão para que o governomelhore a qualidade da governaçãovêm dos doadores, e não de actoresdomésticos, como a Ass<strong>em</strong>bleia daRepública, os governos locais e asociedade civil, que deveriam terum papel b<strong>em</strong> mais importante.Estes actores domésticos não têmconseguido limitar a influência dosdoadores. Devido à partidarizaçãodos debates na Ass<strong>em</strong>bleia daRepública, ela não t<strong>em</strong> conseguidofiscalizar o orçamento e asactividades dos doadores de formaeficaz. Os governos locais carec<strong>em</strong>de independência e capacidadesuficientes para ter um papelmais activo. A maior parte dasociedade civil não t<strong>em</strong> conseguidoapresentar uma visão alternativa eindependente, quer pela relutância<strong>em</strong> criticar abertamente o governo,quer pela sua dependênciade fundos externos, similar àdo governo. Os grupos maisrepresentativos e legitimados comoos sindicatos e as associações decategoria muitas vezes são os maismarginalizados.Qual é o resultado das questões eprobl<strong>em</strong>as aqui colocados? Por umlado, os doadores t<strong>em</strong> um clarointeresse <strong>em</strong> manter <strong>em</strong> vida o“caso de sucesso” que Moçambiquerepresenta a nível internacional,também como estudo de caso nofuncionamento do apoio directoao orçamento, mas ao mesmot<strong>em</strong>po têm preocupações crescentessobre as intenções do governo degarantir um bom uso dos recursosda ajuda e uma consolidação dasinstituições d<strong>em</strong>ocráticas. Poroutro lado, o governo t<strong>em</strong> vindoa tentar aumentar o seu nível deautonomia perante os doadores,mas ao mesmo t<strong>em</strong>po manter asua posição no poder e maximizaros fluxos da ajuda, através deum “jogo de cintura” <strong>em</strong> que vaitestando os limites da “paciência”dos doadores enquanto a posiçãodo partido no seio das instituiçõespúblicas v<strong>em</strong> consolidada. No meiodisto, os actores domésticos a qu<strong>em</strong>o governo deveria prestar contassofr<strong>em</strong> de fraquezas estruturais, que96


Ajuda Internacional, Dependência Externa e Governaçãonão lhe permit<strong>em</strong> ter o papel qu<strong>em</strong>erec<strong>em</strong>.Áreas prioritárias de intervenção ereformaO que é necessário fazer, portanto,para tentar atacar algumas dascontradições que exist<strong>em</strong> na relaçãoentre governação e dependência daajuda? De forma preliminar, trêsáreas são aqui identificadas comoprioritárias.Em primeiro lugar, cabe ao governoformular uma política mais clarade como pretende gerir as suasrelações com a plétora de agênciasde cooperação presentes no país.Uma Politica de Cooperação,formulada e definida pelo governos<strong>em</strong> intervenção directa dosdoadores, poderia servir comoinstrumento de gestão estratégica ede coordenação da ajuda externa,re-organizando o papel dasvárias instituições governativasenvolvidas (que até hoje permanecefragmentado e confuso), definindoas modalidades de intervençãopreferidas e os critérios para aceitarou rejeitar programas e projectose, possivelmente, traçando aslinhas gerais de uma estratégia d<strong>em</strong>édio-longo prazo para “sair” dadependência externa. Neste sentido,continuar a insistir para que osdoadores canaliz<strong>em</strong> cada vez maisa ajuda através do orçamentopoderia não ser a estratégia maisadequada, devido aos limiteslevantados acima. Um trabalhomais detalhado para assegurar quetoda a ajuda, incluindo programase projectos nos vários sectores,seja compatível com as políticase os sist<strong>em</strong>as do governo poderiadar mais frutos a médio prazo. Adificuldade principal nesta áreaassenta no facto que a definição deuma política de cooperação implicauma mudança de mentalidade noseio do governo, devido à presençade vários actores cuja táctica t<strong>em</strong><strong>em</strong> vista a maximização dos fluxosde ajuda, independent<strong>em</strong>ente dasua coincidência com os interessese as prioridades do governo no seuglobal.Em segundo lugar, seria oportunopromover uma avaliaçãoabrangente da eficácia dosprojectos de apoio à governaçãoque a partir de meados da décadade 90 têm sido financiados pelosdoadores. A ideia fundamentalseria identificar as causas daescassez de resultados concretose de melhorias significativas <strong>em</strong>algumas áreas da governação,tentando avaliar até que ponto asintervenções realizadas estavambaseadas <strong>em</strong> abordagens adequadaspara a realidade moçambicana ese tinham um apoio suficiente do97


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaislado do governo para garantir avontade política necessária à suaimpl<strong>em</strong>entação. Os resultados destaavaliação poderiam informar aspolíticas futuras dos doadores <strong>em</strong>várias áreas, e ao mesmo t<strong>em</strong>popromover uma reflexão profundasobre o papel de actores externos napromoção de uma governação d<strong>em</strong>elhor qualidade.Em terceiro lugar, seria necessáriorever e melhorar o processo dediálogo político no âmbito do MdE.Talvez isto possa acontecer nare-negociação <strong>em</strong> curso do novoMdE sobre o apoio directo aoorçamento, através do reforçoda formulação da secção 3,incluindo uma melhor definição doconteúdo dos princípios básicos edos mecanismos de identificaçãodos assuntos importantes, daestrutura do diálogo regular entregoverno e doadores para a áreade governação, e das possíveisrespostas dos doadores a “crises”de governação. A melhoria doprocesso de diálogo político requer,por um lado, uma análise maisaprofundada do lado dos doadoressobre as tendências existentes eas possíveis áreas de crise e, poroutro, uma tomada de posiçãomais clara do governo sobre osassuntos cuja inclusão no diálogoacha possível. Para além destasdificuldades, o maior probl<strong>em</strong>aligado ao reforço do processo dediálogo político é que ele podeacentuar também a distorçãodos processos de prestação decontas, puxando-os mais e maispara actores externos. A ideiaprincipal é que uma situação<strong>em</strong> que os actores principais quefaz<strong>em</strong> pressão ao governo para qu<strong>em</strong>elhore a qualidade da governaçãosão actores externos não só nãoé sustentável, mas pode até sernegativa para o desenvolvimentod<strong>em</strong>ocrático na medida <strong>em</strong>que elimina a necessidade dedesenvolver mecanismos deprestação de contas internos.Este ponto foi colocado de formaclara e forte nas palavras de umdos informantes-chave para estecapítulo:“O grande desafio que a ajudainternacional enfrenta é de sermodesta nos seus objectivos. Odesenvolvimento de Moçambique é coisade moçambicanos. N<strong>em</strong> é do governo<strong>em</strong> si. A única coisa que a cooperaçãoao desenvolvimento pode fazer é ajudaros moçambicanos a criar<strong>em</strong> espaços derealização individual e colectiva na basede uma relação directa entre o Estado ea sociedade. As agências de cooperaçãodev<strong>em</strong> resistir estoicamente à tentaçãode se apresentar<strong>em</strong> como os advogadosdo povo. Não são, nunca o serão eenquanto persistir<strong>em</strong> nisso vão apenas98


Ajuda Internacional, Dependência Externa e Governaçãoimpedir aquilo que eles, pretensamente,gostariam que acontecesse: queMoçambique assentasse sobre seuspróprios pés.”Esta observação permanece comoum desafio a se acompanharao longo dos próximos anos,através da monitoria constantedos debates à volta das questõesligadas à governação, para veraté que ponto actores domésticospod<strong>em</strong> ficar mais interessados ecapacitados a pedir prestação decontas ao governo, e até que pontoos doadores consegu<strong>em</strong> criar osespaços necessários para que osdebates sobre governação se torn<strong>em</strong>uma questão mais genuinamentedoméstica.99


Governação e <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambique >> Probl<strong>em</strong>as práticos e desafios reaisConclusõesEquipa do <strong>CIP</strong>Este Relatório de Governaçãoe <strong>Integridade</strong> <strong>em</strong> Moçambiquenasceu com o objectivo de fazer oponto da situação <strong>em</strong> várias áreasque são cruciais para a qualidadeda governação no país. Oitopesquisadores, na base dos seusconhecimentos e de entrevistas cominformantes-chave, descreveramo quadro legal, institucional ede políticas públicas existente,destacaram vários probl<strong>em</strong>ase desafios que exist<strong>em</strong> nestequadro e na sua aplicação, e quetêm consequências graves paraa governação, e identificaramalgumas áreas prioritáriasde intervenção e reforma,apresentando recomendações‘monitoráveis’ ao longo dospróximos anos. A ideia básica éde não só promover um debat<strong>em</strong>ais profundo e informado sobrequestões ligadas à governação,mas também de criar uma basepara poder verificar, <strong>em</strong> intervalosregulares, se algumas das mudançasmais urgentes foram de factoatendidas e se, <strong>em</strong> consequência, aqualidade da governação melhorou.Olhando para as váriasrecomendações que foramapresentadas nos vários capítulos,pode-se ver que elas correspond<strong>em</strong>a duas tipologias principais. Noprimeiro grupo entram numerosasrecomendações que t<strong>em</strong> o objectivode preencher vazios legais e deregulamentação para responder avárias exigências e para melhoraro quadro legal e institucional. É ocaso, por ex<strong>em</strong>plo, da ratificaçãode protocolos internacionais sobrea defesa dos direitos humanos,da melhoria da regulamentaçãodos financiamentos eleitorais, eda aprovação de leis sobre direitoà informação e acção popular,da reforma da legislação anticorrupção.Neste grupo entramtambém várias recomendaçõessobre a necessidade da formulaçãode novas políticas governamentais,como na área da descentralização,da cooperação com doadores,e da política salarial na funçãopública. Os objectivos destasreformas e iniciativas não t<strong>em</strong> aver só com melhorar a acção doEstado e/ou clarificar os seuslimites, mas também de abrirnovas oportunidades para umagovernação mais transparente eparticipativa, <strong>em</strong> que os cidadãos,individualmente ou através dasorganizações da sociedade civil,tenham maior e melhor acessoe conhecimento de informaçõessobre a acção do governo e, <strong>em</strong>100


Ajuda Internacional, Dependência Externa e Governaçãoconsequência, pod<strong>em</strong> exigir umaprestação de contas mais efectiva.Um segundo grupo derecomendações surge da observaçãoque, <strong>em</strong> várias áreas, a existênciade leis e regulamentos suficientese adequados não é suficiente paragarantir o bom funcionamentodas instituições de governação,devido ao facto de as leis e políticaspúblicas carecer<strong>em</strong> de umaaplicação coerente e completa, sejapor falta de capacidade e meios,ou por mera ineficiência e faltade interesse do lado dos actoresenvolvidos ou das instituições decontrolo e supervisão. Por ex<strong>em</strong>plo,a falta de coordenação intersectoriale de fluxos de informaçãoadequados para garantir um bomfuncionamento das instituiçõesforam notadas <strong>em</strong> particular nosector da Justiça e nos governoslocais. Em outros casos, o queressaltou foi a necessidade d<strong>em</strong>elhorar a qualidade e coberturade alguns procedimentos, taiscomo as auditorias do TribunalAdministrativo ou as avaliaçõesde projectos financiados pelosdoadores na área de governação.Finalmente, assuntos denatureza mais política pod<strong>em</strong> terdeterminado falhas no processo dedescentralização fiscal e no diálogoentre Governo e doadores.Uma das conclusões que, portanto,é possível tirar deste trabalho é quea governação <strong>em</strong> Moçambiquesofre de dois défices paralelos. Emprimeiro lugar, <strong>em</strong> muitas áreas,o quadro legal, institucional e depolíticas públicas apresenta-seincompleto. Em segundo lugar, agovernação sofre também da faltade capacidade ou de incentivosclaros para que as leis e políticaspúblicas sejam cumpridas,respeitadas e executadas de formaeficaz. Esperamos que este relatóriopossa servir de ponto de partidapara uma reflexão mais profundasobre a natureza dos probl<strong>em</strong>asque caracterizam a governação eintegridade <strong>em</strong> Moçambique, e quea monitoria das recomendaçõesapresentadas possa constituir abase de um diálogo mais abertoe construtivo entre o Governo ea sociedade civil nas áreas aquicobertas.[...]101


Nos últimos anos, a governação d<strong>em</strong>ocrática <strong>em</strong> Moçambique t<strong>em</strong> sido avaliada a partir defora, através de organizações internacionais e governos estrangeiros que procuram captara qualidade das reformas <strong>em</strong> curso, sendo, portanto, escassos estudos e análises da autoriade entidades moçambicanas, singulares ou colectivas. O objectivo deste relatório sobreGovernação e <strong>Integridade</strong> do Centro de <strong>Integridade</strong> Pública é o de apoiar o Governo deMoçambique na priorização de intervenções na área da governação, a partir da identificaçãodas lacunas encontradas nos quadros legais e institucionais, do desafios que se colocam àimpl<strong>em</strong>entação de políticas públicas e das áreas de potencial reforma nos próximos 2-3 anos.O relatório conclui que a governação <strong>em</strong> Moçambique sofre de dois probl<strong>em</strong>as: <strong>em</strong> primeirolugar, <strong>em</strong> muitas áreas, o quadro legal, institucional e de políticas públicas apresenta-seincompleto; <strong>em</strong> segundo lugar, não há capacidade ou incentivos claros para que as leis epolíticas públicas existentes sejam cumpridas, respeitadas e executadas de forma eficaz.O Centro de <strong>Integridade</strong> Pública (<strong>CIP</strong>) é uma organização da sociedadecivil moçambicana estabelecida <strong>em</strong> 2005 com o objectivo de contribuirpara a promoção da transparência, boa governação e integridade<strong>em</strong> Moçambique. O <strong>CIP</strong> actua na área da governação através dapesquisa, advocacia e monitoria, promovendo igualmente actividadesde consciencialização pública. O <strong>CIP</strong> interessa-se concretamente pelast<strong>em</strong>áticas da descentralização e governação local, financiamento políticoe eleitoral, transparência fiscal, procur<strong>em</strong>ent, controlo social, oversighte anti-corrupção, ajuda externa e dependência, algumas das quaisabordadas neste relatório.Este relatório foi elaborado com o apoio das seguintes entidades de cooperação internacional:

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!