86Assim, ao analisarmos a sociedade capitalista, podemos perceber como para ossujeitos advindos da classe trabalhadora a integridade do corpo está diretamenterelacionada à capacidade de se manter em condições de trabalhar. Essa valorização dacapacidade de trabalho – sendo esta, em última instância, representada pela força física– é muitas vezes compreendida como resultado da “inculcação ideológica” de valoresdominantes do culto ao trabalho. Ora, se compreendemos a ideologia como “expressãoideal de relações materiais” é porque ao olharmos para esse exemplo podemos ver quea concepção valorativa do corpo relacionada à capacidade de trabalho encontracorrespondência na realidade. O trabalhador só entende o corpo sadio como aqueleapto para o trabalho porque, para ele, de fato o corpo serve para trabalhar; a suaprópria existência está na dependência desse trabalhar. Esse sistema de regras quedeterminam os comportamentos físicos dos diferentes agentes sociais e queBOLTANSKI (2004: 157) denominou como “cultura somática” nada mais é do que o“(...) produto das condições objetivas que elas traduzem na ordem cultural, ou seja,conforme o modo do dever-ser; são função, precisamente, do grau em que osindivíduos tiram seus meios materiais de existência de sua atividade física, da vendade mercadorias que são o produto dessa atividade, ou do emprego de sua força física ede sua venda no mercado de trabalho.”. Assim é muito comum como esses sujeitos, aose depararem com o profissional de saúde, expressam verbalmente sua experiênciacom a doença através da manifestação de “fraqueza”, de “falta de força”. É como se,ao tentarem “encaixar” suas sensações nas classificações patológicas, recorressem adoenças que se manifestam de maneira semelhante – veja-se o uso freqüente dasexpressões como “anemia”, “queda de pressão”. As concepções acerca da saúde, dadoença e do corpo encontram raízes nas relações sociais existentes.Mas como explicar esse movimento, que consegue fazer a racionalidademédica, de transformação de um objeto tão complexo, um “modo de ser e estar” nomundo ou um “modo de andar a vida”, em algo tão mais restrito quanto o corpoanatomofisiológico? Bem, inicialmente é importante ressaltar que, segundo nossorelações sociais de produção sobre as concepções de saúde/doença, as contribuições de sua obrasuperam em muito seus limites.
87método, não se apresenta todo esse “poder” por parte das ciências. Pensamos, pelocontrário, que esse é um movimento mais profundo, na infraestrutura social, queaspectos superestruturais como as diversas teorias científicas acabam por expressar ereproduzir. Analisemos essa questão onde ela se apresenta de maneira maisdesenvolvida – a sociedade capitalista – e isso nos dará elementos para compreendê-laem outros momentos onde a consubstancialização do objeto do trabalho em saúde naforma do corpo não se apresentava com tamanha concretude. Pois bem, comosabemos, uma das características da sociabilidade do capital é o fato de colocar o valorde troca como o centro de suas atenções. Isso porque é através da hegemonização dovalor de troca sobre o valor de uso que a busca do lucro se coloca acima da satisfaçãodas necessidades dos seres humanos. Por isso é fundamental que tudo passe aapresentar, além de valor de uso, valor de troca, constituindo-se assim em mercadoria.Isso fez do modo de produção capitalista a sociedade produtora de mercadorias.Desde produtos inanimados até o mais animado de todos os produtos – o trabalho –passam a se tornar mercadorias. Ora, surge uma “pequena” contradição, o trabalhotorna-se uma mercadoria, porém o trabalho não existe sozinho, “solto” no mundo. Otrabalho existe concretamente, ou como produto do trabalho, ou como capacidade detrabalho. Nesse segundo caso, como conseqüência de se transformar a força detrabalho em mercadoria, o capital inevitavelmente também acaba por reificar o própriosuporte da força de trabalho – o ser humano. É esse o alicerce que possibilita àsociedade capitalista definir como objeto das práticas em saúde, não a vida humana emtoda sua complexidade, mas simplesmente “uma coisa” – o corpo humano. E mais, ocorpo humano doente, pois é esse que se torna uma questão importante para essasociabilidade.Ao analisarmos uma outra forma de sociabilidade, a feudal, por exemplo,poderemos ver que as representações acerca das práticas em saúde diferenciam-secomo conseqüência da diferente forma de relação entre as classes no processo deprodução da existência. A ausência de um mercado mundial de consumo integradohegemonizador da forma mercadoria fazia com que a pressão pela produtividade dotrabalho não se apresentasse de maneira tão intensa e, consequentemente, o grau de
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