70serviços” é o fato de seus produtos serem tanto de cunho “material” quanto“imaterial”. Como veremos no capítulo seguinte, a apresentação do moderno trabalhoem saúde advém da unificação de práticas, outrora isoladas, em um corpo técnicocientíficoúnico, representado hegemonicamente na figura do médico-artesão. Esseprocesso, que se deu sob o capitalismo, foi responsável por unificar práticasintelectuais e manuais em um mesmo processo de trabalho. Isso significa que essaunificação de práticas foi responsável por transformar o trabalho em saúde em umaforma de trabalho que possui em seu arcabouço tanto práticas manuais, quantointelectuais que, por sua vez, dão origem tanto a produtos “mais materiais” quanto aprodutos “menos materiais”. Ou seja, segundo a definição daqueles que julgam existirum trabalho não material, o trabalho em saúde pode resultar tanto em um produto“material” quanto em um produto “não material”. Peguemos um exemplo concreto quepode ilustrar melhor o que estamos argumentando. O resultado de uma consulta clínicade um psicólogo, por exemplo, não seria, via de regra, um produto material. Pelocontrário, geralmente é caracterizado por um conjunto de conhecimentos/saberes quese sistematizam em recomendações/normatizações transmitidas/socializadas peloprodutor (o trabalhador) na sua relação com o consumidor. Essas normas socializadaspodem ter resultados os mais diversos no plano subjetivo sem, necessariamente, haveruma relação com a constituição em um “objeto material” como definido pelos autoresdefensores desse conceito. Por outro lado, se a etapa do processo de trabalho agoraanalisado é uma intervenção cirúrgica, por exemplo, o seu resultado deve ser umproduto material; nesse caso tratar-se-á de uma alteração anatômica que pode servisível, palpável e poderá, inclusive, acompanhar o consumidor para o resto da vida.Citamos esses casos concretos para demonstrar como, a nosso ver, esse critérioda suposta “(i)materialidade” não ajuda a definir o campo do chamado “trabalho emserviços”. Mesmo que aceitássemos essa definição de material/imaterial, o que não é ocaso, ainda assim isso não contribuiria para chegarmos a uma definição sobre o“trabalho em serviços” que nos instrumentalizasse em sua compreensão, visto que emsuas mais diversas apresentações existiriam tanto trabalhos cujos produtos seriam“materiais”, quanto trabalhos cujos produtos seriam “imateriais”.
71Segundo o método que nos guia nesse trabalho, qualquer apresentaçãoparticular do processo de trabalho só pode ser, por natureza, uma atividadeprofundamente material (LESSA, 2002). O fato de alguns de seus produtos/resultadospoderem ser apreendidos por alguns sentidos humanos – tato, visão – e outros não, nãoaltera em nada o processo geral; ou seja, o fato de o trabalho ser uma atividade práticacujo objetivo é prover as condições materiais da existência humana. Entendemos que,embora o resultado de uma prática em saúde, por exemplo, possa não resultarimediatamente em um produto “palpável” ou “visível”, sempre terá, em últimainstância, um resultado material. Isso serve tanto para o plano mais evidente daspráticas normativas cujos resultados terão influência sobre o corpo – uma orientaçãonutricional terá conseqüências sobre a apresentação material do corpo – quanto,principalmente, para o papel superestrutural das práticas em saúde, como veremosadiante. Reproduzir as idéias, valores e normas dominantes, não significa reproduzirmeras idéias. Visto que a ideologia não é um conjunto de simples idéias, mas relaçõessociais (materiais) sob a forma de idéias (MARX & ENGELS, 2002: 48), sãoexpressões ideais de relações materiais, reproduzi-la significa reproduzir relaçõesmateriais. Portanto, o trabalho em saúde, de um modo particular, e o “trabalho emserviços”, de um modo geral, sempre tem como resultado/produto implicaçõesmateriais, seja na forma de objetos, seja na forma de relações sociais (materiais).Portanto, abandonemos o conceito de “(i)material” utilizado dessa formaimprecisa e vejamos como podemos definir melhor essa “impalpabilidade” do“trabalho em serviços”. Nisso Marx pode nos dar uma boa pista em seu Capítulo VIinédito de O Capital. Ali o autor defende que “Serviço não é em geral mais do queuma expressão para o valor de uso particular do trabalho, na medida em que este não éútil como coisa mas como atividade.”(MARX, 1979; 118). Pensamos ser esta umadefinição mais fidedigna e coerente com o real. Uma atividade, este é o produto útildos trabalhos ditos serviços, seja o trabalho em educação, saúde, transporte etc. Écomo se processo e produto do trabalho, no caso dos “serviços”, confundissem-se,pois, em última instância, a atividade refere-se ao próprio trabalho em ato. Oconsumidor consome o trabalho em ato, e não o trabalho objetivado em um produto
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