58por essas duas dimensões, uma mais “técnica” e outra mais “comportamental”(SAVIANI, 1994; FRIGOTTO, 1996; FERRETTI, 1997). No caso da dimensãotécnica podemos ainda destacar seus aspectos manuais e intelectuais, que serelacionam àquelas atividades laborativas em que predominam, respectivamente,práticas manuais ou intelectuais. A dimensão superestrutural da qualificação, muitasvezes desconsiderada, constitui-se de concepções, atitudes, valores, reproduzidas porinúmeros processos e aparelhos – instituições como a família, religião, escola, aindústria, entre outros – subjugados à ordem econômico-política dominante einternalizadas pelos indivíduos como universais. São normas e valores que visam aadequação e o disciplinamento como forma de aceitação das relações de produção e detrabalho como adequadas e imutáveis. Essa dimensão superestrutural não se relaciona,na maioria das vezes, com um determinado processo de trabalho específico; pelocontrário, geralmente corresponde a uma qualificação voltada para os trabalhadorescomo classe, independentemente da função específica que exerçam no processo detrabalho, embora os diferentes processos concretos de trabalho exijam maisintensamente alguns aspectos desse tipo de qualificação do que outros. Determinadaforma de trabalho pode exigir, por exemplo, um alto grau de disciplina psico-físicapara seu exercício eficiente, enquanto outras formas podem exigir maior envolvimentosubjetivo, emocional com o projeto do capital. É importante ressaltar que essasubdivisão, em infra e superestrutural, têm caráter didático a fim de ressaltar uma eoutra dimensão da qualificação. Concretamente elas se apresentam de formaindissociável e interdependente. Há aspectos da qualificação técnica, por exemplo, queo trabalhador somente pode dominar caso tenha passado por um processo dedisciplinamento prévio. Por outro lado, há aspectos do disciplinamento que somentemanifestam sua necessidade a partir do estabelecimento de um processo prático detrabalho mediado por determinadas técnicas. Portanto, estar qualificado para otrabalho, em nossa compreensão, envolve estar apto tecnicamente e ideologicamentepara o exercício do processo que é, simultaneamente, processo de trabalho e devalorização. Como pudemos ver, o conteúdo de ambas as dimensões da qualificaçãonão são cristalizados, mas históricos. O conteúdo técnico necessário para um artesão
59produzir um sapato durante o feudalismo é muito diferente daquele que necessita hojequalquer trabalhador parcelar de uma indústria de sapatos. Também o conteúdosuperestrutural é muito diverso no caso desse mesmo exemplo. É muito maior o graude disciplina necessário à realização de uma atividade parcelar, por isso monótona, editada por um ritmo externo e intensamente desgastante, só para citar um aspecto dadimensão superestrutural da qualificação para o trabalho. Logo, embora as duasdimensões da qualificação sempre existam, varia o conteúdo e a relação entre elas,determinada pela historicidade própria do desenvolvimento da humanidade e de suasformas de produzir a existência.Quando centramos nossa análise acerca da qualificação para o trabalho nomodo de produção capitalista – por constituir o lócus de nosso objeto – podemosperceber a manifestação de algumas tendências históricas apreendidas por Marx econfirmadas por inúmeros estudos e elaborações de outros autores, como osanteriormente citados nesse capítulo.Uma primeira tendência refere-se, como conseqüência da concorrência intercapitalistae da busca permanente de maior produtividade, à substituição progressivada força de trabalho (capital variável) por maquinaria (capital constante), ou detrabalho vivo por trabalho morto: o chamado aumento da composição orgânica docapital. Isso se deve ao fato de que o aumento da extração de mais-valia relativadepende fundamentalmente da diminuição do tempo de trabalho necessário. Envolve,portanto, diminuir o gasto com força de trabalho aumentando assim a objetivação dotrabalho.A substituição do trabalhador por máquinas historicamente tem-se realizadoatravés de um processo progressivo de parcelarização do processo de trabalho emvárias partes isoladas e mais simples tornando possível, assim, que tais práticas sejamincorporadas a um sistema autômato. Portanto, outra tendência histórica - aprogressiva divisão e simplificação do trabalho - possui suas bases materiais nessanecessidade do capital de aumentar constantemente a objetivação no processo detrabalho. Simplificando o trabalho, o capital diminui também o valor da força detrabalho, pois diminui seus gastos com qualificação. Essa progressiva simplificação do
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