166diferenciar relações sociais de produção dominantes e apresentações tecnológicasdesenvolvidas pelo homem sob essas relações. Diferenciar não significa,evidentemente, negar as relações de determinação recíproca entre essas duascategorias que, como dissemos anteriormente, no plano social (não de uma formaparticular de trabalho) consubstancializa-se na relação entre grau de desenvolvimentodas forças produtivas e relações sociais de produção. As segundas podem, a dependerdo período histórico, exercer o papel de estímulo ou contensor sobre as primeiras.Portanto, ao contrário de qualquer apologia a uma inexistente “neutralidade” daciência ou da tecnologia, queremos ressaltar o caráter histórico e determinado dessaspráticas (LOWY, 1987; KATZ, 1996). Para aqueles que pensam que, com odesenvolvimento tecnológico, a tendência é a ciência apresentar-se cada vez comomais “pura”, “liberta” de determinantes sociais e históricos, enfim, apresentar-se comoa encarnação da “verdade absoluta”, fizemos questão de citar um artigo publicado emum dos principais veículos da imprensa escrita do país acerca da genética, uma ciênciaque, como sabemos, representa o que há de mais moderno no conhecimento humano.Um estudo conduzido desde 1991 por pesquisadores das holandesas Universidade deAmsterdã e Universidade Vrije e da norte-americana Universidade de Chicago vemobservando a incidência de solidão em pares de gêmeos holandeses a fim de investigar apossibilidade de predisposição genética ao sentimento. O trabalho define a solidão como "ocentro de uma constelação de estados socioemocionais, que incluem auto-estima, humor,ansiedade, raiva, otimismo, medo ou negatividade, timidez, habilidades sociais, suporte social,insatisfação e sociabilidade". De acordo com os dados, a hereditariedade do sentimento é de48%.Episódios de exclusão social, ostracismo, rejeição, separação e divórcio estão entre ospotenciais acentuadores da solidão, dizem os pesquisadores. O grupo estudado foi formadopor 8.387 gêmeos, sendo 3.280 homens e 5.107 mulheres. No que diz respeito às diferençasentre os sexos, as mulheres se revelaram mais suscetíveis a manifestar a herança genética,sentindo-se solitárias com mais freqüência do que os homens. A pesquisa aponta ainda que amanifestação dessa predisposição genética a se sentir só pode ser atenuada ao longo da vidapor influência do ambiente e que as contribuições do meio tendem a apresentar impacto demaior dimensão sobre os adultos do que sobre as crianças.Por outro lado, a característicahereditária pode ser acentuada na idade adulta quando o indivíduo tende a organizar sua vidamais de acordo com o seu genótipo e menos de acordo com as demandas do meio, diz oestudo” (Folha de São Paulo, 08/12/05).Esse exemplo demonstra como a ciência “neutra” contribui para naturalizaratravés da “biologização” do social, aspectos determinados pelas relações sociais.
167Nesse momento histórico, sob um modo de produção que, através da defesa dapropriedade privada, consolidou o indivíduo como expressão ideal da humanidade,assiste-se cada vez mais ao fenômeno que SARTRE (2002) denominou comoserialidade, ou seja, a incapacidade da união de indivíduos conformar umacomunidade. O sentimento cada vez mais presente, principalmente nos grandes centrosurbanos, de, ao mesmo tempo, “estar entre milhões de pessoas” e “estar só”, tende aser expressão desse fenômeno de “não pertencimento” que acomete os indivíduos. Sobdeterminadas relações sociais individualizantes, onde o trabalho social, que deveria serfator de reconhecimento dos sujeitos em seu gênero, torna-se fator de alienação, perdesea dimensão do vínculo com a espécie. Pois bem, como é possível advogar que essesentimento que é, em última instância, uma relação social (eu somente posso sentirmesó em relação a alguém ou a algum grupo) pode ser transmitido geneticamente?Não deve, no entanto, causar espanto ao leitor esse tipo “operação”, visto que, comovimos em capítulo anterior, esse é um dos papéis que cabe à racionalidade médica e aotrabalho em saúde sob as relações sociais capitalistas: além da reprodução da força detrabalho em seu aspecto infraestrutural (manter os corpos íntegros para o trabalho), areprodução no plano superestrutural, ou seja, o processo de normalização socialatravés do qual o social é subsumido ao biológico, procedendo-se à naturalização domesmo. Essa sua função é que faz da medicina, não uma disciplina das ciênciasnaturais como ela se reivindica, mas uma disciplina do social (LUZ, 1982; 2004a).Portanto, entender as ciências e a tecnologia como “boas” ou “ruins”, “corretas”ou “incorretas”, não nos ajuda em apreendê-las como o que de fato são: necessáriaspara a realização do trabalho sob certas relações sociais. A questão central relaciona-seao fato de que esse processo não se apresenta de maneira estática ou harmônica, pelocontrário, é movimento contínuo. Novas apresentações tecnológicas, novas “formas detrabalhar” surgem constantemente, em resposta às necessidades postas para o trabalho,e podem entrar em contradição com relações estabelecidas. Não somente no planomacro, mas também no plano das micro-realidades dos trabalhos concretos. Podemosver atualmente como desdobramentos desse desenvolvimento tecnológico progressivocomeçam a conformar contradições com relações hegemônicas estabelecidas no
- Page 2:
2Aos trabalhadores, em especial aos
- Page 7 and 8:
7RESUMOA partir do século XVII, co
- Page 9 and 10:
91 INTRODUÇÃOPassa uma borboleta
- Page 11 and 12:
11metáfora do bosque e das árvore
- Page 13 and 14:
13outros referenciais teóricos, po
- Page 15 and 16:
15unidades produtivas da assistênc
- Page 17 and 18:
172 A QUALIFICAÇÃO DO TRABALHO -
- Page 19 and 20:
19discussão acerca do processo de
- Page 21 and 22:
21que os homens encontram “dispon
- Page 23 and 24:
23produtivas. A questão da qualifi
- Page 25 and 26:
25qualificação para o trabalho ac
- Page 27 and 28:
27para trabalhar sob suas ordens na
- Page 29 and 30:
29O sistema capitalista pressupõe
- Page 31 and 32:
31consolidação, desenvolvimento e
- Page 33 and 34:
33valorização. Contudo, essa ampl
- Page 35 and 36:
352.4 A DIVISÃO MANUFATUREIRA E SE
- Page 37 and 38:
37objeto de estudo: o trabalho em s
- Page 39 and 40:
39diferentes etapas, passa a ser fr
- Page 41 and 42:
41agora, por estarem desprovidos do
- Page 43 and 44:
43manufatura será um processo que
- Page 45 and 46:
45ferramentas e máquinas correspon
- Page 47 and 48:
47próprios pés” criando as ind
- Page 49 and 50:
49trabalhador. O fato, por exemplo,
- Page 51 and 52:
51todas exigem práticas manuais, e
- Page 53 and 54:
53segunda característica é uma ma
- Page 55 and 56:
55fragmentação destas práticas o
- Page 57 and 58:
57microeletrônica é hegemônica,
- Page 59 and 60:
59produzir um sapato durante o feud
- Page 61 and 62:
61capitalismo, embora possam manife
- Page 63 and 64:
63movimento geral que subsume progr
- Page 65 and 66:
653 A QUALIFICAÇÃO DO TRABALHO EM
- Page 67 and 68:
67particular desse no real. Procede
- Page 69 and 70:
69serviços” mais instrumentaliza
- Page 71 and 72:
71Segundo o método que nos guia ne
- Page 73 and 74:
733.2 TRABALHO EM SERVIÇOS: IMPROD
- Page 75 and 76:
75trabalho ao processo de valoriza
- Page 77 and 78:
77mais diversos consumidores, sejam
- Page 79 and 80:
79simultaneamente. A peculiaridade
- Page 81 and 82:
814 O TRABALHO EM SAÚDE E AS RELA
- Page 83 and 84:
83funções que sempre existiram e
- Page 85 and 86:
85humanos estabelecem entre si e co
- Page 87 and 88:
87método, não se apresenta todo e
- Page 89 and 90:
89facilmente entre as ciências nat
- Page 91 and 92:
91fundamentais para a consolidaçã
- Page 93 and 94:
93corpo, como ente privado, advinda
- Page 95 and 96:
95direito à alimentação, saúde,
- Page 97 and 98:
97utópico, e no campo das ciência
- Page 99 and 100:
99hegemonicamente vinculado à ques
- Page 101 and 102:
101executores no período feudal. I
- Page 103 and 104:
103corporações de ofício, exerci
- Page 105 and 106:
105enfermagem que se constituirão
- Page 107 and 108:
107capitalista - através da extra
- Page 109 and 110:
109Como conseqüência dessa nova d
- Page 111 and 112:
111cientificidade e neutralidade qu
- Page 113 and 114:
113medicina manter-se-á ‘artesan
- Page 115 and 116: 115Veremos adiante que essa configu
- Page 117 and 118: 117realizado por diferentes trabalh
- Page 119 and 120: 119exemplo, é que passam a surgir
- Page 121 and 122: 121simplificado em relação ao tra
- Page 123 and 124: 123por um processo de formação t
- Page 125 and 126: 125o corpo? Não estamos evidencian
- Page 127 and 128: 127trabalhador parcelar, como conse
- Page 129 and 130: 1295.4 O PAPEL DA TECNOLOGIA E SEUS
- Page 131 and 132: 131atividade de trabalho) de uma ce
- Page 133 and 134: 133que é aquela consubstancializad
- Page 135 and 136: 135de “liberar” o trabalhador d
- Page 137 and 138: 137se consolida a medicina e seu m
- Page 139 and 140: 139“mecanizar” o trabalho em sa
- Page 141 and 142: 1415.5.1 O TRABALHADOR COLETIVO EM
- Page 143 and 144: 143produtivo, a assistência à sa
- Page 145 and 146: 145diagnósticas e terapêuticas, o
- Page 147 and 148: 147totalidade do processo produtivo
- Page 149 and 150: 149só muito difícil e restrita, m
- Page 151 and 152: 151sujeitos envolvidos nesse proces
- Page 153 and 154: 153seria exagero dizer que a grande
- Page 155 and 156: 155trabalho em saúde sob o capital
- Page 157 and 158: 157possibilidade de superação de
- Page 159 and 160: 159tecnologia (a normatização), p
- Page 161 and 162: 161ser abalada em sua hegemonia, el
- Page 163 and 164: 163mesmo. A sensação descrita no
- Page 165: 165Concordamos com CAMPOS (1992) qu
- Page 169 and 170: 169médico e os setores populares c
- Page 171 and 172: 171interligados, muitas vezes sem u
- Page 173 and 174: 173importante para o capital, pois
- Page 175 and 176: 175Saúde, por meio das quais a epi
- Page 177 and 178: 177maneira “tensa” e somente se
- Page 179 and 180: 179adquirida. Aqui acontecerá o pr
- Page 181 and 182: 181são em menor número e parecem
- Page 183 and 184: 183dos mesmos, ainda que em níveis
- Page 185 and 186: 185maquinaria, no trabalho em saúd
- Page 187 and 188: 187somos adeptos de um método, mé
- Page 189 and 190: 189REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALTH
- Page 191 and 192: 191DE MASI, D. A sociedade pós-ind
- Page 193 and 194: 193LIMA. V. V. Competência: distin
- Page 195 and 196: 195NEMES, M. I. B. Prática program
- Page 197: 197_____. O trabalho médico: quest